Intercom – Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação
XIX Congresso de Ciências da Comunicação na Região Sul – Cascavel - PR – 31/05 a 02/06/2018
O uso da animação na série Quem Sou Eu? do Fantástico1
Lívia Mie Anbai SOARES2
Lucas André Vasconcelos VICHINHESKI3
Sandra NODARI4
Universidade Positivo – Curitiba (PR)
RESUMO
O presente trabalho busca analisar um caso específico do telejornalismo brasileiro,
pontuando os aspectos positivos e negativos da série “Quem sou eu?”, apresentada em
quatro episódios no Fantástico, programa do veículo Globo, que vai ao ar aos domingos
pelo período noturno. A série aborda a vida de pessoas transgênero, ou seja, indivíduos
que não se identificam com o seu corpo biológico, usando como recurso a animação,
fazendo paralelo com o conto “Alice no país das maravilhas”, do autor Lewis Carroll.
Para tal estudo, foi preciso compreender a origem do termo transgênero, da animação e,
como ela pode interferir ou agregar na recepção da mensagem, por parte dos
telespectadores. Também, analisar a Alice como personagem e como essa relação
poderá interferir no conceito de transgênero transmitido pela série.
PALAVRAS-CHAVE:Telejornalismo; Fantástico; Transgênero; Animação
TEXTO DO TRABALHO
Introdução
A ANCINE - Agência Nacional de Cinema apresentou em 2016“Um Estudo
Sobre o Valor Adicionado Pelo Setor Audiovisual” que demonstra que o setor agregou
R$ 24,5 bilhões à economia brasileira no ano de 2014, contra R$ 8,7 bilhões em 2007
(ANCINE, 2015). Isso representa um crescimento de 181% em sete anos. Este
crescimento do audiovisual no Brasil pode refletir em todos os setores que atuam com
imagens em movimento. Inclusive com a televisão, que embora ainda esteja presente na
maioria dos lares dos brasileiros, vive um momento de crise, constatado por
profissionais da área. Ainda que a participação do setor audiovisual na economia
brasileira tenha passado de 0,38% em 2007 para 0,54% em 2013, a participação da tevê
Trabalho apresentado na DT 1 – Jornalismo do XIX Congresso de Ciências da Comunicação na Região Sul,
realizado de 31 de maio a 2 de junho de 2018.
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Estudante do 2º ano do curso de Jornalismo, mieanbai@hotmail.com.
Estudante do 2º ano do curso de Jornalismo, lucasvichinheski@hotmail.com.
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Professora do curso de Jornalismo da Universidade Positivo e orientadora deste artigo, e-mail:
Sandra.nodari@up.edu.br.
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aberta encolheu de 63,7% para 41,5%. Por outro lado, a atividade de programação da
TV por assinatura cresceu de 6% para 13,5%. (O VALE, 2016)
O crescimento da produção audiovisual se deu em grande medida depois da
aprovação da lei 12.485/11 (ANCINE, 2016) que exige cotas de Produção Audiovisual
Independente realizada por produtoras nacionais nos canais de TV por assinatura.
Segundo dados da Ancine, pela primeira vez na história, a TV a cabo passou a TV
aberta. A disputa por audiência faz com que os canais abertos tenham que se redescobrir
para manter-se ativos no mercado. Esta redescoberta está resultando em mais espaços de
pesquisa e experimentação de novos formatos no jornalismo audiovisual.
O programa Fantástico da Rede Globo é talvez o espaço de maior pesquisa entre
o que se pratica na TV fechada aplicado à TV aberta. Técnicas de audiovisual muito
utilizadas na ficção, são trazidas para atração semanal que vai ao ar aos domingos, como
forma de manter a atenção do público. Este é o caso da série de quatro episódios
chamada: Quem Sou Eu? Além da linguagem comum ao telejornalismo, o recurso de
animação foi bastante explorado na produção. A obra literária “Alice no País das
Maravilhas”, de Lewis Carroll, é o fio condutor da narrativa que trabalha com um tema
bastante relevante para a sociedade contemporânea: “O Fantástico mostra, em quatro
episódios, os momentos da vida de indivíduos transgêneros.” (G1, 2016)
O tema abordado na série, bastante atual, por si, já foi uma iniciativa
contemporânea e corajosa da emissora de televisão, fugindo um pouco de sua
característica tradicional. Tratar de forma natural, por meio de vários personagens,
inclusive crianças, da questão transgênero, joga luz a um tema tabu na sociedade
brasileira, se não mundial. Aproveitar esta série para produzir uma pesquisa dá
continuidade ao trabalho iniciado pelo programa Fantástico, não permitindo ao tema, ser
esquecido. Conhecer os trabalhos já realizados por especialistas em estudos de
transgenia, permitirá uma análise mais profunda de como a série discutiu este tema
complexo por meio da personagem Alice, cuja história, por si só, remete ao mundo do
sonho.
A partir desta breve apresentação das características e intenções do Fantástico e da
descrição rápida da série, a questão que merece ser discutida é se o fato de programa
semanal utilizar-se de recursos de ficção, como a animação na edição, pode transformar
um assunto sério e relevante em algo fantasioso que não faria parte da realidade? A
edição de recursos como animação interfere na comunicação da notícia? Proceder a
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análise dos quatro episódios e observar como a animação foi utilizada para contar a
notícia é o objetivo deste trabalho.
Metodologia
O primeiro passo para iniciar este projetoé proceder à revisão da literatura
conforme Prodanov e Freitas (2013, pág. 80) “O levantamento bibliográfico é um
apanhado geral sobre os principais documentos e trabalhos realizados a respeito do tema
escolhido, abordados anteriormente por outros pesquisadores para a obtenção de dados
para a pesquisa.” Servem como elementos para pesquisa: artigos científicos (que estão
sempre mais atualizados), livros, revistas, dissertações, teses, publicações em periódicos
e internet e servem para aprimorar o estudo.
As análises das reportagens serão abordadas como estudo de caso: Beuren,
(2004, p. 84) citado por Prodanov e Freitas (2013, pág. 201) comenta que “a pesquisa
do tipo estudo de caso caracteriza-se principalmente pelo estudo concentrado de um
único caso. Este estudo é preferido pelos pesquisadores que desejam aprofundar seus
conhecimentos a respeito de determinado caso específico.”
O Termo Transgênero de onde surgiu?
Em um cenário histórico, é possível perceber o transgênero sendo citado desde o
início da mitologia narrativa, através do termo andrógeno. “A androginia (andros,
homem; gynos, mulher) é a condição que vai além da representação da união entre o
masculino e o feminino; o andrógino é um ser que contém em si todas as oposições, que
basta a si mesmo, completo e fecundo” (CHEVALIER, GHEERBRANT, 2002).
Embora não seja o termo mais adequado, foi o que mais se aproximou para descrever
esse grupo no passado.
Na mitologia é possível encontrar vários personagens transgêneros, como na
África onde encontramos três mitos diferentes de uma serpente que:
Cria o mundo ao fecundar a si mesma. Em Benim, na África
Ocidental, encontramos a mítica Mau-Lisa, serpente venerada como
deusa e relacionada ao arco-íris; na África Setentrional, no sul da
Argélia, a gigantesca serpente Mínia; e na África Austral a grande
píton Chinaweji (BRAVO, 2008, p. 90).
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Na Índia, eles romperam o universo mítico-religioso com o ambiente real através
dos hijras, uma casta formada por transgêneros que apresentam uma cultura com rituais
e mitologia própria e representam um papel importante dentro do mítico indiano
(CAMARGO; MENDONÇA, p. 158, 2016).
A palavra como conhecemos hoje foi inventada por John Oliven (1965), e
popularizada por vários transgêneros que abriram caminho para o conceito. Segundo
Oliven, o termo transexual é enganoso, sendo transgênero o mais adequado. Às vezes,
diz-se que Virginia Prince (1976), foi quem popularizou o termo, mas a história mostra
que muitas pessoas advogaram o uso deste termo muito antes de Prince. (OLIVEN,
1965).
Então, o transgênero é a terminologia utilizada para descrever pessoas que
transitam entre os gêneros. São pessoas cuja identidade de gênero transcende as
definições convencionais de sexualidade (ABGLT, 2015, p.17).
O uso de Animação no Audiovisual
Não é comum encontrar animação em telejornalismo, essa é uma prática que
vem conquistando os editores aos poucos, uma vez que é necessário cuidado com o tipo
de animação e notícia, podendo mesclar e confundir a realidade com um mundo
imaginário e fantasioso. O perigo é de causar conflito aos telespectadores, é preciso
saber exatamente o que se quer passar para o público não entender de forma errada.
As possibilidades de diálogo do receptor com a obra, no que se refere
à interpretação da mensagem em suas diversas extensões passam a ser
um diferencial da mesma, que oferece uma liquidez maior do que as
tradicionalmente produzidas, onde a imagem fílmica ocupa um status
de supremacia e as poucas interpretações podem ser obtidas por meio
de discursos subjetivos da mensagem, muitas vezes sem a participação
do receptor no que tange a decisão de receber esta representação
audiovisual. (GONÇALVES; RENÓ, p.4).
A animação começou com o francês Emile Cohl, que realizou o primeiro filme
animado “Fantasmagorie”, com cerca de dois minutos (SILVA, 1999, p. 8). Assim, a
animação sempre esteve mais presente no cinema, podemos observar no cinema desde
“Tempos Modernos”, de Charles Chaplin.
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Hoje, com a internet, há uma diversidade maior de explorações de formatos de
mídia, o que faz com que o telespectador não se contente apenas com o audiovisual
padrão, exigindo o uso de novas ferramentas como a animação.
Percebe-se, numa breve discussão, que tal participação é uma
necessidade nos ambientes comunicacionais atuais, pois os receptores
não aceitam mais as informações com a passividade tradicional.
(Gonçalves e Renó, p.4).
O Programa Fantástico e as Séries de Reportagens
O telejornalismo da Rede Globo tem gerado vários espaços de exibição de
reportagens especiais, investigativas e séries de reportagens. “No final dos anos 1990,
os repórteres Valmir Salaro e Robinson Cerântula, da TV Globo, fizeram uma matéria
que foi, sem sombra de dúvida, um divisor de águas no jornalismo-denúncia.”
(CARVALHO et al, 2010, pág. 78). Tratava-se de uma reportagem com câmera
escondida de um flagrante de crime cometido por fiscais da prefeitura de São Paulo. Os
autores chamam a atenção para algo que deve ser fundamental no momento de se pensar
uma pauta: “... dois conceitos que normalmente se confundem: interesse público e
interesse do público”. No momento histórico social em que o Brasil vive produzir uma
série que discute gêneros e diversidade, é servir ao interesse público.
O programa Fantástico foi criado em 1973 pela Rede Globo de Televisão para
ser uma revista semanal que mesclava jornalismo e entretenimento. A intenção era ter
uma produção sofisticada visualmente e que mesclasse realidade e ficção. “Boni queria
uma revista visualmente sofisticada que trabalhasse com a realidade e a ficção,
representadas pelo jornalismo, pela dramaturgia e pela linha de shows” (MEMÓRIA
GLOBO, 2016)
A inovação estava presente no nome e na intenção do novo programa:
Um programa diferente de tudo o que existia na televisão brasileira na
época. Em 1973, estreava na Globo uma revista eletrônica de
variedades, com duas horas de duração, que reunia jornalismo e
entretenimento para levar até o telespectador os assuntos relevantes no
Brasil e no mundo. O programa tinha um nome à altura de suas
pretensões: Fantástico, o Show da Vida.(MEMÓRIA GLOBO, 2016)
O jornalismo dentro do novo programa deveria ter um tratamento diferente do
que já era realizado nos telejornais da emissora. O Fantástico inovou, desde os
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primeiros anos, na forma de se fazer jornalismo na televisão brasileira, ao passar em
revista os principais assuntos da semana. As notícias recebiam tratamento sofisticado,
tanto o conteúdo quanto a imagem. José Itamar de Freitas, diretor-geral do programa a
partir de 1977, classificava as reportagens apresentadas todos os domingos como “um
meio-termo entre o Globo Repórter e os telejornais diários”.(MEMÓRIA GLOBO,
2016). As reportagens especiais foram sempre o tratamento dado à notícia no
Fantástico. Para Edvaldo Pereira Limaa função destas grandes reportagens é ampliar os
fatos, possibilitar a compreensão de maior alcance e permitir a dimensão contextual em
vez do relato raso.
Possibilita um mergulho de fôlego nos fatos e em seu contexto,
oferecendo, a seu autor ou a seus autores, uma dose ponderável de
liberdade para escapar aos grilhões normalmente impostos pela
fórmula convencional do tratamento da notícia, com o lead e as
pirâmides. (LIMA, 2004, pág. 18)
A presença do humor e de recursos de ficção sempre conversaram com o
jornalismo na emissora. Alexandre Garcia, em 1988, tinha um quadro no Fantástico que
discutia política de maneira mais leve, utilizando ironia em manipulação de imagens.
Fonte: Memória Globo
A busca por novas formas de contar e discutir a notícia é uma constante no
jornalismo audiovisual. Iluska Coutinho (2012, pág. 112) estuda a presença da
teledramaturgia no jornalismo televisivo citando Balogh (2002) para quem “o real e o
ficcional ganham aspectos ambíguos”, o que geraria interferências claras nos modelos
de expressão ficcional, e também, no telejornalismo, completo. Para Newton Cannito:
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O digital fez algo que ninguém esperava: tornou a televisão muito
mais narrativa. O roteiro para séries de televisão jamais foi tão
narrativo e tão interligado. A presença de bons roteiristas tornou-se
fundamental. O poder deslocou-se para as mãos dos contadores de
histórias. (2010, pág. 18)
Para além do roteiro, tanto o processo de captação das imagens e sons, quanto da
edição nas grandes reportagens é um exercício contínuo de encontrar o melhor caminho
para contar uma história dentro da complexidade audiovisual.
Por trás da força visual de uma história existe a estrutura sonora
essencial para a boa comunicação. Os sons captados e a trilha sonora
expandem os limites da criatividade do editor, proporcionando
contrastes, sugerindo a intensidade e até contando o tempo de forma
marcada.(ARMBRUST, 2016, p.190)
A Série Quem Sou Eu?
O primeiro episódio da sériemostra como é adolescência de transgêneros; o
segundo acompanha um personagem que realiza tratamento hormonal para que seu
corpo ganhe traços masculinos; a terceira reportagem mostra a realidade de ser uma
pessoa transgênero no Brasil; e a última, apresenta a formação de famílias e os
relacionamentos vividos por transgêneros que realizaram cirurgias de mudança de sexo.
A série utiliza o recurso de animação para incluir a personagem de Alice em
cada reportagem. Uma Alice criada especialmente para este fim que em nada lembra a
personagem notabilizada pelo desenho animado da Disney. Uma Alice um tanto
andrógina, de cabelo curto, de calça, blusa e tênis, num tom pastel.
Fonte: G1
Segundo o site G1, que explica o que é a série: “Para ajudar a esclarecer o
assunto, a série traça um paralelo com a história de ‘Mas a Alice de Quem Sou Eu?’e
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parte em uma jornada de autoconhecimento e representa todas as pessoas que sentem
que nasceram no corpo errado e estão em busca de sua identidade” (G1, 2016).
Fonte: G1
O primeiro episódio da série aborda a infância da criança transgênero e explica a
relação biológica dessa condição. Há uma contextualização no início pelos
apresentadores do Fantástico. Logo em seguida, a repórter Renata Ceribelli, explica
como irá funcionar a matéria e a ligação traçada com o conto de fadas “Alice no país
das maravilhas” para facilitar a compreensão do expectador através do olhar da
personagem Alice, usada como metáfora para a representação da vida de um
transgênero.
O primeiro entrevistado mostrado na série tem o nome social de Melissa de
Fazzio, 11 anos. O episódio tem doze minutos e trinta e quatro segundos, conta com
nove entrevistados. Entre eles estão os pais de Melissa, a coordenadora administrativa
do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas de São Paulo Vanessa Galesi e o
psiquiatra Alexandre Saadeh.
O nome da série é “Quem sou eu?” devido à busca constante da pessoa
transgênero de encontrar sua verdadeira identidade e não a biológica. Alice na série
representa o transgênero, em busca de sua identidade, pois no clássico infantil, a garota
está desorientada em um país desconhecido buscando o caminho de volta para casa
(CARROLL, 2003). Vale ressaltar que Alice também representa todo o processo de
transformação corporal ocorrido na adolescência, o que se relaciona com o processo de
mudança ao qual o transgênero passa durante sua vida.
Já no primeiro episódio, Renata Ceribelli deixa explícita essa relação e
complementa, “tudo começa com uma corrida contra o tempo. Alice quer alcançar o
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coelho branco e o relógio, os transgêneros também têm pressa. Pressa em responder
uma única pergunta: quem sou eu?” (trecho do Fantástico).
No final do episódio, Renata faz um paralelo sobre o crescimento de Melissa e
Alice, no qual as duas vão sofrer por estarem em um corpo inadequado. Durante a
história original do conto, Alice passa por diversas mudanças em seu corpo, e Melissa,
terá de estar ciente que mudanças irão acontecer com ela.
O segundo episódio é sobre o transgênero na adolescência, o início do
tratamento hormonal e a automedicação. Bernardo,15 anos, bissexual, é um dos
personagens. Outro personagem é Andrea da Costa e Silva, monitora de telemarketing,
que começou o tratamento hormonal aos 22 anos. Também participam o psiquiatra
Alexandre Saadeh, Karen Seidel, endocrinologista do IEDE (Instituto Estadual de
Diabetes e Endocrinologia), o urulogistaEloisio Alexsandro e Clarice Cezar Cabral,
psicóloga. O episódio tem 14 minutos e 43 segundos.
O paralelo nesse episódio começa quando a apresentadora fala que no jardim das
maravilhas as flores que lá vivem são falantes e querem saber qual tipo de flor é Alice,
porém, ela explica que a menina não é uma flor igual a elas e as flores a julgam como
mato e por isso deve ser expulsa. As flores seriam as pessoas que praticam bullying com
Bernardo por ser transgênero. Depois a conexão vem através do encontro da Alice com
o Chapeleiro Maluco e então, pode fazer perguntas a ele, isso acontece com Andrea
quando ela tem a oportunidade de tirar suas dúvidas com profissionais da saúde.
O terceiro episódio da série “quem sou eu?” tem 14 minutos e 45 segundos e
conta com 13 entrevistas, sendo as principais de Thaís Rocha e Luiza Valentim. Thaís
Rocha, 21 anos, nascida em Santa Maria da Vitória (BA), porém mora em Curitiba após
ter sido expulsa de casa, aos 16 anos. Trabalha como profissional do sexo e sonha em
ser publicitária. Luiza Valentim, estudante de engenharia, mora em Serra do Cipó (MG).
Buscou orientação aos 23 anos pelo Sistema Único de Saúde. O episódio apresenta
dados sobre a expectativa de vida de pessoas transgênero. Cita as 177 mortes registradas
em 2016. Outro dado, são as 34 operações de transgenitalização realizadas pelo SUS.
Para a cirurgia, é necessário ser maior de 21 anos e ter, pelo menos, 2 anos de
acompanhamento médico e psicológico.
Nesse episódio, Thaís é expulsa de casa, assim como Alice é expulsa do jardim
das flores, apenas por ser diferente. Renata, narra que o caminho de Thaís é tão difícil
quanto o de Alice quando encontra a Rainha de Copas que ordena que lhe cortem a
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cabeça por contrariá-la. A expectativa de vida de uma pessoa trans no Brasil não passa
dos 35 anos. Intercalando os dados sobre violência e morte de trans que Renata Ceribelli
traz, a animação demonstra a rainha falando “cortem as cabeças”, relacionando com a
violência que Alice sofre.
O quarto e último episódio tem 12min e 57 minutos e relata sobre
relacionamentos amorosos de pessoas transgênero e relações familiares, contando com
seis entrevistas. Alessandra Azevedo (Lekka), 29 anos – cabeleireira - conta que
assumiu a identidade feminina aos 18 anos, mas somente aos 26 passou pela cirurgia de
transgenitalização e sente medo de se relacionar com outras pessoas, por isso, ainda é
virgem. Leonard Maulaz é homem trans - estudante de psicologia - e se apaixonou por
Carla de Oliveira, uma mulher heterossexual – professora de educação física e dança –
na academia. O casal sonha em casar e ter filhos. Anderson Cunha é homem trans – gari
– e Helena Freitas é mulher trans – operadora de telemarketing. O primeiro casal
transgênero a se casar e ter filho, Gregório.
No último episódio, Alessandra é comparada com Alice devido aos problemas
que ambas já enfrentaram e agora só querem responder uma pergunta: quem sou eu?
Assim como no conto que Alice acorda e percebe que tudo foi um sonho, Alessandra
desperta para a realidade, percebendo que ainda enfrentaria preconceito mesmo após
terminar sua transformação e a série termina com uma animação da “árvore da
diversidade”, que Renata descreve com sendo repleta de amor.
Nota-se que as cores usadas na animação são cores neutras, mas quando se trata
de violência, emprega-se a cor vermelha, fazendo referências a morte, como diz a
personagem Rainha de Copas: “Cortem as cabeças” enquanto a reportagem mostra
notícias e dados sobre a violência contra pessoas transexuais.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Após assistir e analisar os quatro episódios da série, é possível pensar que a
animação pode proporcionar duas vertentes dentro desse produto jornalístico: uma delas
seria: aproximar e inteirar pessoas que tem preconceito com o assunto e fazê-las ter um
contato maior, a outra, ao contrário, seria de afastar aquelas pessoas que têm maior
conhecimento.
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Quando a série apresenta um conto de fadas de conhecimento comum e a
compara e adapta ao transgênero ela tem a capacidade de fazer pessoas que tem
resistência e preconceito com assunto, olhar e pensar de maneira diferente sobre o tema,
pois aproxima o telespectador do dilema vivido pelos personagens da matéria. Mas ao
mesmo tempo, pode criar um imaginário que a realidade do transgênero é algo distante,
não pertencente a nossa realidade, e sim, estánum mundo fantasioso.
A intertextualização que acontece entre o vídeo tradicional trabalhado dentro do
telejornalismo com a animação contribui para uma maior diversidade dentro do
audiovisual, todavia, é um caminho perigoso com sua interpretação que pode ser
ambígua. Alice como personagem que vive em outro mundo, que sonha acordada, que
vive experiências fora do comum, pode ser trazida para a interpretação dos personagens
apresentados, seriam eles também, pessoas que estão fora da realidade?
Experimentar é sempre arriscado porque não se pode ter controle sobre o
resultado do que é novo. Porém, experimentar é necessário e fundamental não só na
televisão, mas como argumenta Cannito: “Vivemos num período de profunda
transformação social e política, e a tecnologia digital é a maior revolução que já ocorreu
na história das mídias” (2010, pág. 15). É necessário e fundamental continuar
experimentando e discutindo as experiências para que o jornalismo perceba onde erra e
acerta e como buscar sempre pelos acertos.
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Imagens:
Imagem 1: http://memoriaglobo.globo.com/programas/jornalismo/programasjornalisticos/fantastico/cronica-politica-de-alexandre-garcia.htm
Imagens2 e 3:http://especiais.g1.globo.com/fantastico/2017/quem-sou-eu/
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