Intercom – Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação
XXI Congresso de Ciências da Comunicação na Região Nordeste – São Luís - MA – 30/05 a 01/06/2019
O silenciamento do universo LGBT no telejornalismo maranhense1
Ingrid Pereira de Assis2
Karla Cristina Ferro Freire3
Melina de la Barrera Ayres4
Resumo
Com o objetivo de observar o espaço ocupado por pautas que abordem de alguma forma
a comunidade LGBT (Lésbicas, Gays, Bissexuais e Transexuais) e, mais
especificamente, notícias relacionadas à violência cometida contra este grupo social,
este artigo analisa matérias jornalísticas veiculadas pelos três principais telejornais
maranhenses, entre os anos de 2015 e 2018. Para alcançar os resultados divulgados
neste artigo, mesclaram-se procedimentos metodológicos quantitativos e qualitativos.
Com a análise, concluiu-se que há um silenciamento das notícias relativas a este grupo
social, dentro do espelho de pautas, bem como de suas demandas. Tal ocultação acaba
funcionando como uma segunda violência, o que coloca em cheque a função humana e
social do jornalismo.
Palavras-chave: Jornalismo; LGBT; preconceito; telejornalismo; silenciamento.
Introdução
Observando o telejornalismo praticado no canal de maior audiência no
Maranhão, a TV Mirante, percebeu-se que a ausência de temas relacionados ao universo
LGBT (Lésbicas, Gays, Bissexuais e Transexuais). Esta constatação motivou
a
realização desta pesquisa que tem como objetivo analisar o modo como são noticiadas
as demandas da comunidade LGBT e as violências cometidas contra este grupo social,
nos três principais telejornais maranhenses, entre os anos de 2015 e 2018.
Trabalho apresentado na DT 1 – Jornalismo do XXI Congresso de Ciências da Comunicação na Região
Nordeste, realizado de 30 de maio a 1 de junho de 2019.
2
Doutoranda do Programa de Pós-Graduação em Jornalismo, da Universidade Federal de Santa Catarina
(UFSC - Brasil); mestre em Ciências Sociais, pela Universidade Federal do Maranhão (UFMA - Brasil); e
bacharel em Comunicação Social – Hab. Jornalismo, também pela UFMA, Brasil. E-mail:
ingrid.p.assis@hotmail.com.
3
Mestre em Ciências Sociais pela Universidade Federal do Maranhão (UFMA - Brasil); e bacharel em
Comunicação Social – Hab. Jornalismo, também pela UFMA. E-mail: karlafreire@yahoo.com.br.
4
Professora do Departamento de Jornalismo da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). PósDoutora em Jornalismo pela UFSC e Doutora em Ciências Humanas pelo Programa Interdisciplinar em
Ciências Humanas da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). E-mail: melina.ayres@gmail.com.
1
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Para
procedimentos
alcançar
os
resultados
metodológicos
divulgados
quantitativos
e
neste
artigo,
qualitativos.
mesclaram-se
Primeiramente,
selecionaram-se todas as matérias que abordavam de alguma forma o as vivências da
comunidade LGBT, focando nas menções diretas. Posteriormente, avaliou-se a
abordagem dada a esse material coletado. Concomitantemente, em cada edição,
coletaram-se matérias que apresentavam um viés heteronormativo e que reforçavam o
silenciamento da comunidade LGBT5. Por fim, estes dados foram cruzados com
observações participantes realizadas pelas autoras na redação dos telejornais analisados.
É importante ressaltar que o trabalho com aspectos sociais exige do pesquisador uma
maleabilidade com relação aos recursos metodológicos utilizados. Segundo Martin W.
Bauer, George Gaskell e Nicholas C. Allum: “Uma cobertura adequada dos
acontecimentos sociais exige muitos métodos e dados: um pluralismo metodológico se
origina como uma necessidade metodológica” (BAUER; GASKELL; ALLUM, 2002, p.
18 e 19).
Esta pesquisa tem como corpus edições diárias dos três principais telejornais
do veículo de comunicação de maior alcance no Estado do Maranhão, a Rede Mirante
de Televisão6, ou TV Mirante. São eles: o Bom Dia Mirante, o JMTV 1ª edição e o
JMTV 2ª Edição (audiência de 57%, 67% e 71%, respectivamente, medida pelo Ibope,
entre maio e agosto de 2018). Foram analisadas as edições dos anos de 2015, 2016,
2017 e 2018. Ao todo, o Bom Dia apresentou 1.043 edições, destas, 14 não estavam
disponíveis ou estavam parcialmente disponíveis na Globoplay7. Do JMTV 1ª Edição e
do JMTV 2ª Edição, foram 1.253 edições de cada. Do primeiro, cinco edições
apresentavam problemas e do segundo apenas um dia não estava disponível8 (Anexo
19).
Esta investigação atravessa dois momentos distintos, porém, complementares.
O primeiro consistiu a coleta e análise dos três telejornais do canal já mencionado. No
5
Estes dados não serão explorados neste artigo. Ainda assim, vale a menção, pois ajudam a compor o
contexto analisado.
6
A Rede Mirante de Televisão abrange 216 municípios maranhenses e mais de cinco milhões de
telespectadores potenciais, com sedes localizadas nas cidades de São Luís, Imperatriz, Santa Inês, Caxias
e Balsas. Em todas, é líder de audiência. Isto torna o veículo um objeto de observação adequado e
relevante.
7
Plataforma de streaming criada e desenvolvida pelo Grupo Globo. Todos os telejornais da TV Globo e
afiliadas são fragmentados e postados nesta plataforma. A análise realizada neste artigo iniciou com a
coleta do conteúdo disponível nesta plataforma.
8
Tendo em vista o número pequeno de edições não avaliadas, ou avaliadas parcialmente, considera-se
que as aferições realizadas neste artigo não se alterariam por causa da ausência deste material.
9
Disponível em: https://drive.google.com/open?id=11TZdVygYaNldvFA-W-igWnpU2_Ub6tEt
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segundo momento, confrontaram-se os dados obtidos com a observação participante
realizada10. Estes diferentes procedimentos metodológicos permitiram chegar aos dados
quantitativos e qualitativos, ambos importantes para que alcançasse o objetivo inicial
desta análise. Dados sozinhos não ajudam na compreensão deste objeto de estudo.
Conforme frisam Bauer, Gaskell e Allum: os dados “não falam por si mesmos” (2002,
p. 24). Estabelecer uma estreita relação entre o enfoque qualitativo e o quantitativo
auxiliou quando, por exemplo, os dados desenhavam um contexto pouco claro, e
precisavam de aprofundamento para a adequada leitura, como no caso da estudante
Stheffany Pereira, que será descrito mais à frente.
1 Por que notícias sobre a comunidade LGTB são importantes?
O jornalismo presta um serviço social ao fiscalizar a atuação dos três poderes
(Executivo, Legislativo e Judiciário) e denunciar situações que atentem contra a
dignidade humana, principalmente, em sentido jurídico.
No Brasil, a profissão segue as normativas do Código de Ética dos Jornalistas
Brasileiros. Este reforça que: “O exercício da profissão de jornalista é uma atividade de
natureza social, estando sempre subordinado ao presente Código de Ética”. Segundo o
Art. 6º, deste código, é dever do jornalista se opor ao arbítrio, ao autoritarismo e à
opressão, bem como defender os princípios expressos na Declaração Universal dos
Direitos Humanos. A Declaração destaca, em seu Art. 1º, que: “Todas as pessoas
nascem livres e iguais em dignidade e direitos. São dotadas de razão e consciência e
devem agir em relação umas às outras com espírito de fraternidade”. Em seu Art. 2º
estabelece: “Toda pessoa tem capacidade para gozar os direitos e as liberdades
estabelecidos nesta Declaração, sem distinção de qualquer espécie, seja de raça, cor,
sexo, língua, religião, opinião política ou de outra natureza, origem nacional ou social,
riqueza, nascimento, ou qualquer outra condição”.
No entanto, as estatísticas mostram a violação dos direitos da comunidade
LGBT. O relatório 2017 de Mortes Violentas de LGBT no Brasil, divulgado pelo Grupo
Gay da Bahia (GGB) apontou que 445 LGBT11 morreram naquele ano, no país (este
10
A autora Ingrid Pereira de Assis atuou como produtora do JMTV 1ª Edição e repórter, na emissora
pesquisada, entre os anos de 2008 e 2016. Já a autora Karla Cristina Ferro Freire, entre os anos de 2011 e
2018, atuou como editora do Bom Dia Mirante, do JMTV 1ª Edição e do JMTV 2ª Edição, sendo,
atualmente, editora-chefe do JMTV 2ª Edição.
11
194 eram gays (43,6%), 191 trans (42,9%), 43 lésbicas (9,7%), 5 bissexuais (1,1%) e 12 heterossexuais
(2,7%). Na categoria gay, a pesquisa incluiu homossexuais masculinos, andróginos, drag queens,
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número inclui mortes no exterior). Destes, foram 387 assassinatos e 58 suicídios. Este
número representou um aumento de 30% em relação a 2016, quando foram registradas
343 mortes. Já em 2015, foram 319 mortes. Segundo o o documento, a cada 19 horas
um LGBT é assassinado ou se suicida vítima da “LGBTfobia”, no Brasil. Isso torna o
país um campeão mundial de crimes contra as minorias sexuais. Este mesmo relatório
aponta que, no Maranhão, foram registradas seis mortes, no ano de 2017.
Outros dados relevantes podem ser encontrados no relatório divulgado pela
Secretaria Especial de Direitos Humanos da Presidência da República, intitulado
“Relatório sobre violência homofóbica no Brasil: ano de 2012”12. Segundo este
documento, o Maranhão é o quarto Estado brasileiro com o maior número de denúncias
de violência contra a população LGBT13 apresentadas ao poder público. A capital, São
Luís, concentra o maior número de ocorrências de casos de homofobia no Estado. De
acordo com a pesquisa, são 358 casos por 100 mil habitantes no Maranhão, o que
equivale a 5,44%. Em primeiro lugar está o Piauí, com 9,23% e em segundo o Distrito
Federal, com 8,75% e em terceiro o Ceará, com a taxa de 5,63%.
Ainda segundo esta publicação, o Maranhão, mesmo apresentando este índice
alto de violência, é o segundo Estado com menor divulgação pela mídia dos casos de
crimes cometidos contra a comunidade LGBT, o que corrobora a observação preliminar
nos anos delimitados nesta pesquisa. Considerando todos estes aspectos, percebe-se que
a este grupo social não lhe é conferida a mesma dignidade e igualdade de direitos.
Portanto, o jornalismo deveria denunciar qualquer prática discriminatória contra
minorias (incluindo a LGBT, que é o foco deste artigo) e, ao não fazê-lo, está falhando
em colocar em prática os preceitos do seu próprio Código de Ética.
É valido explicar que a rotina de produção jornalística é complexa e muitos
foram os estudos que se voltaram a entender as suas especificidades. Um dos pontos
mais delicados é o processo de escolha dos fatos que serão transformados em notícias.
Nele, pesam aspectos como interesse público, público-alvo, canal, intenção
transformistas e crossdressers (manifestavam identidade e eram socialmente reconhecidos como
homossexuais). A categoria trans inclui travestis, mulheres transexuais e homens trans. Dentre os mortos,
12 foram identificados como heterossexuais, mas foram incluídos no relatório pelo fato de terem sido
mortos devido a seu envolvimento com o universo LGBT, defendendo algum gay ou lésbica quando
ameaçados de morte, ou por estarem em espaços predominantemente gays.
12
Foi o último relatório do tipo divulgado pelo poder público.
13
Esta sigla designa lésbicas, gays, bissexuais, travestis e transexuais. Em alguns locais do país, o T, que
representa a presença de travestis e transexuais no movimento, também, refere-se à transgêneros, ou seja,
pessoas cuja identidade de gênero não se alinha de modo contínuo ao sexo que foi designado no
nascimento (crossdressers, drag queens, transformistas, entre outros).
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comunicativa, jornalistas envolvidos na produção, etc. Objetivando sistematizar o que já
foi pensado sobre o assunto, Gislene Silva organizou os principais valores notícias (ou
seja, valores identificados nos fatos que possibilitam que estes se tornem notícias)
listados por pesquisadores estrangeiros e brasileiros, na segunda metade do século XX,
dentre os quais: Nelson Traquina, Mauro Wolf, Michael Kunczik, Manuel Carlos
Chaparro, Mário Erbolato e Nilson Lage. A autora identificou que muitos desses valores
se repetem e, a partir disto, elaborou uma nova sistematização para análises de
acontecimentos a serem noticiados. Dentre os valores-notícia operacionalizados estão:
impacto,
proeminência,
conflito,
entretenimento/curiosidade,
polêmica,
conhecimento/cultura, raridade, proximidade, surpresa, governo, tragédia/drama e
justiça (SILVA, 2005).
Listados assim, parece muito simples que fatos que se encaixem nesses
valores-notícia, automaticamente, estão aptos a se transformarem em notícia. Porém, a
equação de escolha do que é ou não noticiável vai muito além dos valores-notícia. Na
rotina de uma redação jornalística, entram em jogo outros fatores, tais como
manutenção das crenças e interesses dos hierarquicamente melhor posicionados,
questões comerciais e políticas, a visão conservadora da audiência e do repórter, e
mesmo a interferência dos proprietários da empresa de comunicação. Isso, afeta a
escolha dos fatos noticiados e o modo como tais notícias serão abordadas.
dá-se o primeiro passo para a compreensão dos fatores que levam o
telejornalismo maranhense a se desvirtuar dos princípios éticos da profissão.
2 Comunidade LGBT e Jornalismo
As últimas décadas foram marcadas por transformações encabeçadas pelo
movimento LGBT. Organizações não-governamentais, grupos sociais e indivíduos
trabalharam em uma intensificação dos diálogos com a sociedade, constituindo redes de
defesa dos direitos humanos, e, ao mesmo tempo, configurando uma identidade para o
grupo. Nenhuma das duas tarefas são fáceis. Nenhuma sigla (LGBT, LGBTQ, LBBTQI,
LGBTQ+, LGBTQIAP+) consegue unificar vivências, conceitos, conflitos e disputas
sociais extremamente diversificados. Um exemplo de conflito que marca a própria
comunidade é a invisibilização das lésbicas, por exemplo, que são eclipsadas nas
discussões a respeito do universo homossexual por sofrer um duplo processo de
preconceito, tanto pela sexualidade quanto pelo próprio fato de serem mulheres. As
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travestis, por sua vez, vivenciam um processo de estigmatização pelo estranhamento da
modificação corporal e pela relação com a prostituição. Bruno Souza Leal e Carlos
Alberto Carvalho, ao abordarem a relação entre as mídias brasileiras e a construção de
identidades LGBT, frisam que:
[...] é fundamental observar que as identidades LGBT organizam-se
diversamente em meio não só às tensões de gênero, às práticas sexuais, mas
também de uma vasta gama de outros fatores, entre eles as diferentes
conformações econômicas, culturais, regionais e políticas (LEAL;
CARVALHO, 2012, p. 7).
Mesmo com essas dificuldades, o movimento LGBT conseguiu se estabelecer e
obteve avanços significativos, principalmente com relação ao debate contra a
homofobia, conforme aponta a pesquisadora Glaucia da Silva Destro de Oliveira:
Atualmente, o movimento homossexual encontra-se sob nova estrutura social:
forte presença da mídia e de outros movimentos sociais, diálogo com redes
internacionais de defesa de direitos humanos, atuação junto às agências estatais,
respostas diante das organizações religiosas, manifestações de dia do Orgulho
Gay. Seu formato institucional é regido pelo modelo das organizações nãogovernamentais (ONGs) em que certa infraestrutura e organização são exigidas
pela necessidade do financiamento e institucionalização. Os autores apresentam
a identidade homossexual atual, denominada LGBT, sobre bases mais porosas,
cujas fronteiras estão entre a diversão, o comércio e a militância. A mobilização
em torno do combate à homofobia tem estado no centro da busca por conquistas
no campo dos direitos e da política, num movimento homossexual tão
multifacetado, aglutinando demandas e reivindicações (OLIVEIRA, 2010, p.
380).
Uma das formas encontradas pelas ONGs em prol da defesa da comunidade
LGBT para obter visibilidade e promover o debate público foi realizar eventos (Parada
do Orgulho LGBT, por exemplo), historicamente marcados pela grande participação
popular e que, consequentemente, alcançaram a cobertura da grande mídia. No entanto,
ainda hoje, existem espaços que não são ocupados pela comunidade LGBT na grande
mídia, tais como matérias do cotidiano (de comportamento como do Dia dos
Namorados, por exemplo, nas quais casais homossexuais raramente aparecem), ou
mesmo na cobertura de crimes de ódio ou violência contra homossexuais, aos quais ou
não é dada a devida importância, ou o pertencimento à comunidade LGBT é ocultado,
seja por decisão da equipe jornalística, pela polícia14 ou a pedido da família da vítima.
14
A Secretaria de Segurança Pública do Maranhão informou, via nota oficial emitida pela Assessoria de
Comunicação, que os crimes contra a população LGBT eram contabilizados nas estatísticas como
homicídios comuns até setembro de 2018, quando foi criada a Delegacia de Crimes Raciais, Delitos de
Intolerância e Conflitos Agrários, que iniciou o processo de classificação para esta modalidade de crime.
Além disso, em casos de latrocínio de homossexuais, é comum a polícia omitir a sexualidade da vítima e
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Michel Foucault, ao tratar sobre a história da sexualidade, aponta que esta é
permeada por momentos de repressão. É no século XVII que surgem as grandes
proibições, bem como a “valorização exclusiva da sexualidade adulta e matrimonial,
imperativos de decência, esquiva obrigatória do corpo, contenção e pudores imperativos
da linguagem” (FOUCAULT, 1988, p. 109). Esta repressão sexual “[...] funciona,
decerto, como condenação ao desaparecimento, mas também como injunção ao silêncio,
afirmação de inexistência e, consequentemente, constatação de que, em tudo isso, não
há nada para dizer, nem para ver, nem para saber” (FOUCAULT, 1988, p. 10).
Para além de simplesmente ocultar o discurso sobre o sexo, as diversas
instituições (educacionais ou mesmo religiosas, e por que não midiáticas?!) criam
modos específicos de falar sobre a sexualidade. Tem-se, aí, um discurso polimorfo e
regulado. Segundo Foucault:
Em vez da preocupação uniforme em esconder o sexo, em lugar do recato geral
da linguagem, a característica de nossos três últimos séculos é a variedade, a
larga dispersão dos aparelhos inventados para dele falar, para fazê-lo falar, para
obter que fale de si mesmo, para escutar, registrar, transcrever e redistribuir o
que dele se diz (FOUCAULT, 1988, p. 35).
Já no século XIX, as sociedades são atravessadas pela popularização dos meios
de comunicação de massa que, de acordo com José Marques de Melo, passam a
influenciar comunidades.
Entendemos que os meios de comunicação coletiva, através dos quais as
mensagens jornalísticas penetram na sociedade, bem como os demais meios de
reprodução simbólica, são ‘aparatos ideológicos’, funcionando, se não
monoliticamente atrelados ao Estado, como dá entender Althusser, pelo menos
atuando como uma ‘indústria da consciência’, de acordo com a perspectiva que
lhes atribui Enzensberger, influenciando pessoas, comovendo grupos,
mobilizando comunidades, dentro das contradições que marcam as sociedades
(MELO, 2003, p. 73).
Considerando estas capacidades de comoção e mobilização, torna-se
importante compreender o discurso produzido pelos veículos de comunicação coletiva a
respeito da comunidade LGBT. Por que, mesmo correspondendo aos valores-notícia
difundidos nacional e internacionalmente entre jornalistas, fatos que envolvem violência
contra LGBTs não têm a cobertura dos veículos de comunicação? Por que matérias de
cotidiano reforçam em maioria um padrão heteronormativo, silenciando ainda mais a
comunidade LGBT?
tratar o caso como latrocínio, excluindo do discurso divulgado nos meios de comunicação o fator da
homofobia.
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As teorias que se voltaram a compreender o fazer jornalístico se modificaram
ao longo dos anos. No ano de 1950, David Manning White desenvolve, baseado na
pesquisa sobre as decisões sobre a compra de alimentos, do psicólogo Kurt Lewin,
publicada em 1947, a teoria de que o jornalista seria um gatekeeper e a escolha do que
passaria ou não pelo “portão” estava mais vinculada às rotinas de produção da notícia e
à eficiência e velocidade do que, necessariamente, a uma avaliação individual da
noticiabilidade. “A metáfora do gatekeeper ofereceu aos primeiros pesquisadores em
comunicação um modelo para avaliar a maneira como ocorre a seleção e a razão pela
qual alguns itens são escolhidos e outros rejeitados” (SHOEMAKER; VOS, 2011, p.
23).
Mais recentemente, surgiram teorias defendendo que as notícias servem
objetivamente a determinados interesses. Trata-se de uma perspectiva instrumentalista
baseada em análises de parcialidade. O objetivo era verificar a existência, ou não, de
distorções nos textos jornalísticos noticiosos. Para Chomsky, grande representante da
teoria instrumentalista de esquerda, a imprensa se submete aos interesses da elite
política e econômica. Já Efron, Kristol, Lichter e Rothman, autores de direita, afirmam
que os jornalistas formam uma classe social que distorce as notícias para veicular ideias
anticapitalistas. Assim, usam a mesma lógica, mas, às avessas.
Felipe Pena resume da seguinte forma o desenvolvimento de teorias a respeito
das práticas jornalísticas:
De forma sintética, a teoria do jornalismo ocupa-se de duas questões básicas: 1)
Por que as notícias são como são? 2) Quais são os efeitos que essas notícias
geram? A primeira parte preocupa-se fundamentalmente com a produção
jornalística, mas também envereda pelo estudo da circulação do produto, a
notícia. Esta, por sua vez, é resultado da interação histórica e da combinação de
uma série de vetores: pessoal, cultural, ideológico, social, tecnológico e
midiático (PENA, 2012, p. 17 e 18).
O que se observa mais comumente é um padrão mercadológico, que a cada dia
se afasta mais dos ideais éticos estabelecidos na academia sobre o savoir-faire da
profissão. De acordo com Bruno Souza Leal e Carlos Alberto Carvalho:
Visto dessa forma, ‘quebrado’ em sua aparente inteireza, o jornalismo é
concebido como uma rede de tensões peculiar, se inserindo como sujeito nas
tramas de força e fuga da vida social. Capaz de ação, o jornalismo é também
conformado por tais relações. Nesse sentido, observa-se que as identidades
LGBT surgem como particularmente desafiadoras dos modos de falar do
jornalismo brasileiro, não apenas por se inscreverem de modo peculiar nos
regimes de poder, de luz e sombra, voz e silêncio que constituem a vida social,
como por sua diversidade interna. Qualquer abordagem às identidades LGBT
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tem como pano de fundo as tensões que envolvem, por exemplo, a necessidade
de evitar a essencialização e/ou naturalização de realidades cristalizadas, seja a
partir de uma concepção biologizante do sexo, seja de concepções de gênero
como algo fixo, não cambiante (LEAL; CARVALHO, 2012, p. 5 e 6).
Sendo assim, tal diagnóstico de silenciamento de fatos que envolvem a
comunidade LGTB colocam em evidência uma violência simbólica, que é tão grave
quanto a efetivação física da mesma. A violência é a violação do equilíbrio por meio do
uso de uma força. Se há dano, perda ou desequilíbrio, há violência. Segundo Michaud:
Há violência quando, numa situação de interação, um ou vários atores agem de
maneira, direta ou indireta, maciça ou esparsa, causando danos há uma ou várias
pessoas em graus variáveis, seja em sua integridade física, seja em sua
integridade moral, em suas posses, ou em suas participações simbólicas e
culturais (MICHAUD, 1989, p. 11).
Hannah Arendt (1994, p. 37) explica que não se deve confundir violência com
o mero emprego da força. Para ela, a força promove movimentos físicos e sociais, mas,
quando relacionada ao poder e à autoridade, a força pode ser gatilho para a violência e
dominação humana, que podem ocorrer de variadas formas:
De acordo com Sodré (2002,p. 12), a primeira é a violência anômica, dotada de
crueldade e está cada vez mais perceptível no cotidiano da sociedade. A
segunda é a violência representada, alimentada especialmente pelo jornalismo,
‘que tende a visibilizar publicamente a agressão recorrente na vida cotidiana’, e
pela indústria do entretenimento, que explora a questão em filmes, programas
televisivos em busca de uma maior audiência. A terceira é a violência
sociocultural, composta, por exemplo, pela violência racial e contra
homossexuais. Já a quarta é a violência sociopolítica, constituída, geralmente,
pela repressão imposta pelo Estado. Para Sodré (2002), tal modalidade inclui a
violência anômica, originando, por exemplo, o etnocídio (PERUZZOLO;
CASAGRANDE, 2012, p. 241).
Esta análise volta seu olhar para violência sociocultural e a representada.
Regina Facchini e Isadora Lins França, a partir da análise de uma pesquisa de opinião
aplicada pela Fundação Perseu Abramo, concluem de que tal violência é legitimada
socialmente.
O que essa pesquisa parece indicar é que, além da legitimidade social que a
violência contra LGBT possui, há a ação importante de convenções sociais
acerca do caráter natural da heterossexualidade e que apontam para a
homossexualidade como escolha individual - que deve ser mantida no âmbito
do privado. A força de tais convenções se expressa na compreensão de que
dificuldades decorrentes dessa ‘escolha’ (a violência é encarada nesse sentido)
devem ser manejadas pelo próprio sujeito (70% dos entrevistados pela
Fundação Perseu Abramo acreditavam que ‘a discriminação contra
homossexuais, bissexuais, travestis e transexuais é uma questão que as pessoas
devem resolver entre elas’ ao invés de ser objeto de políticas governamentais)
(FACCHINI; FRANÇA, 2013, p. 15).
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De forma que, o modo como o telejornalismo é praticado no Maranhão poder
estar legitimando a violência praticada contra a comunidade LGBT por meio de padrões
de ocultação, fragmentação e inversão. Perseu Abramo (2003) explica que existem
cinco estratégias para distorcer a notícia, em especial as três citadas anteriormente
interessam aqui. Por padrão de ocultação, entende-se a ausência de fatos reais. Já padrão
de fragmentação ocorre quando o real é dividido e desconectado dos fatos anteriores,
não permitindo uma consciência crítica do contexto. Por fim, o padrão de inversão é
quando há troca de lugares e de importância dos fatos.
4 Análise dos dados e conclusões
A partir da observação das edições dos três telejornais que foram ao ar entre os
anos de 2015 e 2018, montaram-se duas tabelas. A primeira referente aos materiais
(reportagens, notas, entrevistas e externas ao vivo) que mencionavam diretamente a
comunidade LGBT (Anexo 215). Na segunda tabela, foram sistematizados os materiais
coletados passíveis de serem compreendidos enquanto silenciamentos da comunidade
LGBT direta ou indiretamente que, conforme mencionado, não será explorada neste
artigo. Ambas expõem dados como fatos abordados, datas, telejornais e os formatos nos
quais os conteúdos jornalísticos foram transmitidos.
Ao todo, nas 3.549 edições dos três telejornais analisados (Bom Dia Mirante,
JMTV 1ª Edição e o JMTV 2ª Edição), foram encontrados 16 materiais que
mencionavam diretamente a comunidade LGBT. Sete materiais são do Bom Dia
Mirante e se dividem entre: quatro reportagens, sendo uma delas casada com uma
entrevista no estúdio; duas entradas ao vivo e uma nota coberta. O JMTV 1ª Edição
apresentou seis materiais, divididos entre: um debate e cinco reportagens. E no
telejornal JMTV 2ª Edição foram encontradas: duas reportagens e uma nota seca.
Os 16 materiais podem ser divididos em duas categorias: os que tratam de
acontecimentos não violentos e os que abordam violência contra a comunidade LGBT.
Na primeira categoria, enquadram-se 9 dos 16 materiais. Dentre os assuntos abordados
estão: cobertura de Paradas do Orgulho LGBT; divulgação feita pelo IBGE do número
de casamentos homoafetivos no país; a autorização, por parte do MEC, do uso do nome
social de travestis e transexuais na educação básica; e, por fim, um desfile de moda que
15
Disponível em: https://drive.google.com/open?id=11_S36kMtpwfWkbsBkG2HYz7HECCN1s6Y
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objetivava descontruir os padrões de beleza e trazia como modelo uma drag queen. No
primeiro caso, temos uma pauta que, como já dito anteriormente, nasce da articulação
de organizações não-governamentais em busca de propagar discussão sobre ações em
benefício da comunidade. Nos dois exemplos posteriores, tratam-se de pautas que
surgem a partir da ação do poder público em pensar e desenvolver políticas de proteção
e direitos específicos para essa parcela da população. E o desfile exemplifica que ações
individuais de arte e criatividade podem ser usadas para gerar visibilidade para a
comunidade LGBT. Nesta matéria, além de aparecer como modelo, a drag queen é
entrevistada, não ficando como mera coadjuvante na cobertura. Em sua sonora diz:
“Não existe mais gênero”, como forma de questionar o modelo binário vigente.
Na categoria violência, na qual estão concentradas sete das 16 produções
jornalísticas, temos dois tipos de materiais: os que se voltam a discutir a violência, seja
por meio da arte, ou de matérias educativas que trazem informações pertinentes para
quem faz parte da comunidade LGBT e sofre algum tipo de violência; e aqueles com a
cobertura de casos de violência contra LGBT. No primeiro grupo, tem-se:
- Reportagem sobre como a Lei Maria da Penha ampara os direitos da Comunidade
LGBT, veiculada no JMTV 1ª Edição, em 18 de agosto de 2016. A matéria explica que
a lei protege quem sofre violência de gênero e violências dentro de relações
homoafetivas.
- Reportagem sobre o espetáculo “Adaptação”, divulgada no JMTV 1ª Edição, no dia 28
de outubro de 2016. O espetáculo traz o ator Gabriel F. no papel de uma mulher e, em
sua sonora, ele reforça que o assassinato de LGBTs precisa ser debatido tendo em vista
o fato do Brasil encabeçar o ranking mundial deste tipo de violência.
- Nota coberta sobre o lançamento do livro Rota da Liberdade, que foi ao ar no Bom
Dia Mirante do dia 6 de julho de 2018. A nota menciona que o livro aborda a
homofobia.
Já no segundo grupo, encontram-se os seguintes materiais:
- Um debate realizado no JMTV 1ª Edição, em junho de 2015, com dois entrevistados
em estúdio extra, abordando o caso da transexual Stheffany Pereira, de 23 anos, que foi
proibida de usar o banheiro feminino na escola pública Liceu Maranhense.
- Uma reportagem veiculada no JMTV 1ª Edição, do dia 28 de março de 2016, que
aborda a investigação do assassinado de uma travesti. Nesta matéria, tanto a cabeça lida
pela âncora quanto o off da repórter trazem o seguinte fragmento: “Orlando Ricardo do
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Nascimento, travesti conhecido como Kate” . Além de chamar a vítima pelo nome do
seu registro de nascimento “Orlando” e não pelo nome social, a matéria expõe fotos
como da vítima antes de se assumir como travesti e depois. A polícia fala que a
principal linha de investigação leva a crime de ódio, por Kate ser homossexual. No
entanto, o delegado faz questão de frisar que o local do assassinato é um posto de
combustível, que é ponto de prostituição e diz que “pode ter sido desentendimento com
cliente ou com outras pessoas que estivessem fazendo uma disputa por território”.
- Uma reportagem veiculada no JMTV 2ª Edição, do dia 29 de outubro de 2018, que aborda
o caso de um estudante da Universidade Federal do Maranhão (UFMA), que publicou
nas redes sociais postagens homofóbicas, machistas e contra a esquerda, logo após a
vitória de Bolsonaro nas eleições para presidente do país.
- Uma reportagem mostrando que um grupo de advogados ligados à causa LGBT entrou
com uma representação contra o estudante este estudante da UFMA, da matéria
supracitada, por incitação ao crime, apologia à tortura e injúria coletiva. Esta
reportagem foi ao ar no dia 30 de outubro, no JMTV 2ª Edição.
Percebe-se com esta sistematização, que o espaço jornalístico voltado a abordar
temas que dizem respeito à comunidade LGBT, no canal analisado, é bem pequeno. As
pautas realizadas, em sua maioria, são sobre a organização de eventos de defesa dos
direitos, tal como a Parada do Orgulho LGBT, que já se institucionalizou nacionalmente
e no âmbito local, também. Eventos como este, são difíceis de ignorar dado,
principalmente, o número de pessoas envolvidas. Dos 16 materiais que citam
diretamente a comunidade LGBT, que foram ao ar nos três telejornais entre os anos de
2015 e 2018, seis abordavam a Parada do Orgulho LGBT, ou seja, 37,5% do que foi
coletado. Vale notar que, em nenhuma destas matérias, foi feito o registro da quantidade
de pessoas que compareceram ao evento. Esta omissão poderia estar diminuindo a
transcendência social do evento que, habitualmente, conta com a participação de
milhares de pessoas.
Entretanto, todas as reportagens sobre a parada abrem espaço para sonoras de
membros da comunidade, além disso, falam sobre violência, preconceito, busca por
direitos e prevenção de DSTs. Ou seja, a cobertura não se limita a mostrar a alegria dos
participantes e o aspecto festivo e “curioso” das fantasias, dando espaço para discutir
“LGBTfobia”, “respeito à diversidade” e “visibilidade”. Vale observar que nos
materiais de 2016, a expressão usada ainda é “Parada do Orgulho Gay”. Em 2018, já se
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observa a mudança para “Parada do Orgulho LGBT”. Ainda assim, a cobertura não tem
sido regular, como demonstra o quadro abaixo:
Tabela 1:Cobertura das Paradas do Orgulho LGTB (elaborada pelas autoras)
2015
2016
2017
2018
BOM DIA
MIRANTE
REPORTAGEM
(24/08)
SEM
COBERTURA
JMTV 1
JMTV 2
REPORTAGEM
(24/08)
SEM
COBERTURA
NOTA SECA
(19/08)
SEM
COBERTURA
REPORTAGEM
SEM
SEM
(24/07)
COBERTURA
COBERTURA
REPORTAGEM
REPORTAGEM
SEM
(03/09)
(03/09)
COBERTURA
Fonte: Elaborada pelas autoras (2019)
Ao mesmo tempo, é possível notar que também há espaço para temas
propositivos, que fogem da abordagem de violências, principalmente, quando a fonte de
informação é o poder público. Pautas sobre direitos adquiridos, divulgação de dados
sobre o andamento dessas mudanças, ajudam a levantar assuntos que sejam diretamente
relacionados à comunidade LGBT.
Com relação às pautas de abordam a violência contra LGBTs, percebe-se que há
uma defasagem entre o número de casos registrados e a cobertura jornalística. Ainda
assim, é importante ressaltar que a cobrança social tem interferido positivamente para
que casos de violência por homofobia recebam a devida atenção da mídia. Nota-se isto
pela abordagem do caso da transexual Stheffany Pereira. O material produzido ocupou um
bloco inteiro da programação do telejornal, ocupando 14 minutos da edição do dia 26 de
junho de 2015 (algo que raramente acontece com apenas um assunto), e, além da
reportagem, foi realizado um debate sobre o ocorrido, com dois entrevistados. Entretanto,
faz-se necessário apontar que a emissora só pautou o fato depois da ampla repercussão de
matérias realizadas por outros veículos (os jornais impressos O Imparcial e O Estado do
Maranhão, por exemplo). Nas primeiras reuniões de pauta nas quais o assunto foi sugerido,
houve resistência de parte da chefia em permitir que se fizesse uma matéria sobre o assunto e
o ocorreu um debate entre produtores, repórteres e editores para que o tema fosse pautado.
Ou seja, quando o assunto foi preconceito sofrido por uma transexual, só passou a ter valor
para a emissora a partir do momento que os concorrentes abordaram, o que inverte,
inclusive, a máxima jornalística de correr atrás do “furo jornalístico”. Portanto, ainda que tal
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discussão represente uma quebra no padrão de silenciamento, ela ainda é permeada por
situações que evidenciam a dificuldade de inserção da comunidade LGBT no telejornalismo,
mesmo em casos extremos como são os de violência e preconceito.
A observação participante das pesquisadoras permitiu notar que, no dia do debate,
alguns jornalistas que estavam reunidos na redação faziam comentários jocosos sobre o
assunto. Um deles, homem cis hétero, insistia em nomear a Stheffany Pereira pelo seu nome
de registro de nascimento. Isto evidencia a falta de preparo para tratar o assunto e os
preconceitos enraizados. Demonstra, também, que ações deste tipo são tão comuns e
socialmente aprovadas, que o profissional não sentiu necessidade de camuflar tais
preconceitos no ambiente coletivo e formal do trabalho. Mesmo apresentando esse tipo de
discurso, o jornalista recebe acolhimento de alguns pares que sorriem da troca de nomes.
Conforme aponta Márcia Veiga: “Os valores e a hierarquização de profissionais, de
notícias e as demais escolhas durante a produção equiparavam-se à normatividade social
vigente revelando que os valores-notícias estavam permeados de valores socais e
pessoais dos jornalistas” (2014, p. 216).
Ainda sobre a cobertura de casos de violência, percebe-se que o veículo raramente
aborda crimes de ódio contra LGBTs e, quando o faz, tem dificuldade de realizar uma
cobertura que não cometa uma nova violência contra a vítima, como foi o caso do
assassinato da travesti Kate.
Percebeu-se, na articulação dos dados com a observação participante, que a pressão
entre os concorrentes e a reverberação dos casos na sociedade via plataformas de redes
sociais, vêm se mostrando eficazes no processo de abrir espaços de divulgação em grandes
veículos de comunicação, tal como a TV Mirante.
Vale observar, também, que existe outro agente promovedor de pautas sobre a
comunidade LGBT: o próprio poder público. Por meio de pesquisas e da divulgação da
ampliação de direitos, é possível potencializar o espaço de pautas referentes a comunidade
LGBT, indo inclusive, além da cobertura de fatos de violência, promovendo um debate
propositivo e positivo frente à sociedade. No entanto, muito do trabalho da impressa esbarra
justamente na fragilidade da sistematização de dados. Percebe-se isso com a falta de
atualização mais recente do “Relatório sobre violência homofóbica no Brasil”. O último
publicado pela Secretaria Especial de Direitos Humanos da Presidência da República
data o ano de 2012. Isto dificulta o trabalho jornalístico, que tem como premissas a
atualidade e a novidade.
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Cruzando informações repassadas pela Secretaria de Segurança Pública do
Maranhão, nota-se que das 27 denúncias de crimes com características homofóbicas
registradas no Estado em quatro anos (2015 a 2018), apenas três casos foram divulgados
pela TV Mirante. Isto corrobora a hipótese de apagamento e reforça a concepção de
dupla violência contra a vítima: a violência física, que culmina na morte; e a violência
simbólica, pelo desmerecimento do crime enquanto possuidor de valor notícia se
comparado às demais pautas. O apagamento de práticas de violência contra indivíduos
que se identificam com a comunidade LGBT, ou das suas demandas, em um veículo de
comunicação, acaba sendo um segundo tipo de violência. Isto se torna ainda mais
complicado quanto se fala em uma televisão, por ser uma concessão pública. Indo um
pouco além do que Muniz Sodré (2002) frisa, a violência alimentada pelo jornalismo
não está contida somente na divulgação da agressão do dia a dia, mas, também, está no
silenciamento da violência sofrida por certos grupos sociais, que induz o receptor da
mensagem a questionar a validade das reinvindicações desses agentes.
Concomitantemente aos dados aqui apresentados, também, foram extraídos e
sistematizados em tabela espaços de silenciamento de relações homoafetivas e entre
pessoas
não
binárias.
Notou-se
que
o
jornalismo
praticado
reforça
a
heteronormatividade a partir das abordagens dadas a determinadas matérias. No entanto,
dado o espaço deste artigo, esta discussão não será explorada em profundidade, aqui,
mas fica enquanto um caminho a ser seguido a partir da discussão iniciada neste artigo.
Assim, para finalizar, reforça-se que esta pesquisa terá continuidade, visando sempre
colaborar com discussões em busca de um jornalismo mais ético, melhor realizado e que
siga os preceitos dos direitos humanos. Um jornalismo mais preocupado com esses
aspectos não estabelecerá uma relação passiva e refém da alimentação de dados por
parte do poder público para realizar pautas que abordem o universo LGBT. Além disso,
um jornalismo crítico consegue perceber que a ausência de dados devidamente
organizados e o sub-registro de casos de violência são dados, que podem se transformar
em pautas jornalísticas, e não servir de mero impeditivo para a produção de notícias.
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