Intercom – Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação
XXIV Congresso de Ciências da Comunicação na Região Sudeste – Vitória - ES – 03 a 05/06/2019
Breves passagens da história da narrativa ficcional midiatizada do futebol brasileiro 1
Rafael Duarte Oliveira VENANCIO 2
Universidade Federal de Uberlândia, Uberlândia, MG
Universidade de São Paulo, São Paulo, SP
RESUMO
Inspirado em Walter Benjamin e seu método historiográfico das Passagens, o presente
artigo deseja mostrar um breve histórico da narrativa ficcional midiatizada do futebol
brasileiro a partir de figuras-chave e suas análises – tal como Thomaz Mazzoni; a crônica
carioca liderada por Mário Filho, Nelson Rodrigues, José Lins do Rego e Carlos
Drummond de Andrade; a Editora Gol de Milton Pedrosa; o Show de Rádio de Estevam
Sangirardi; e os contemporâneos –, além de indicar caminhos próprios de práxis e
reflexões futuras para a articulação de uma maneira de comunicação esportiva relevante.
PALAVRAS-CHAVE: Brasil; Comunicação Esportiva; Ficção; Futebol; Narrativa
INTRODUÇÃO
Por treze anos, de 1927 a 1940, Walter Benjamin trabalhou em suas Passagens,
um livro-projeto arrojado. Era a construção de um retrato da Paris do século XIX com
citações e retalhos e o trabalho do escritor restando na conexão deste complexo texto.
Trata-se de uma das obras historiográficas mais significativas do nosso
tempo. A partir de Paris, a ‘capital do século 19’ — especialmente suas
galerias comerciais como ‘arquipaisagem do consumo’ —, são
apresentados a história cotidiana da modernidade com figuras como o
flâneur, a prostituta, o jogador, o colecionador e os meios de uma escrita
polifônica que vai da luta de classes até a moda, a técnica e a mídia.
Este hipertexto com mais de 4.500 ‘passagens’ constitui um dispositivo
sem igual (...) Para Willi Bolle, Passagens “têm a qualidade de nos fazer
reconhecer o espaço urbano em que vivemos e de nos estimular a refletir
sobre ele”. Além disso, “uma qualidade exemplar dessa obra de
Benjamin consiste em saber transmitir o conjunto dos conhecimentos
das Ciências Humanas não apenas por meio de conceitos, mas também
através da sensibilização, combinando da melhor maneira os recursos
do pesquisador e do escritor” (FERNANDES, 2017).
Ao longo da escrita acadêmica do presente autor, o método das Passagens
benjaminianas estave presente, mesmo que em subtexto. Dedicado a estudar as narrativas
1
Trabalho apresentado na Divisão Temática 6 - Interfaces Comunicacionais do XXIV Congresso de Ciências da
Comunicação na Região Sudeste, realizado de 3 a 5 de junho de 2019.
2 Pós-Doutorando e Doutor em Meios e Processos Audiovisuais pela Escola de Comunicações e Artes da Universidade
de São Paulo (ECA-USP). Professor do curso de Jornalismo e do Programa de Pós-Graduação em Tecnologias,
Comunicação e Educação da Universidade Federal de Uberlândia (UFU), e-mail: rdovenancio@gmail.com.
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esportivas desde 2014 (VENANCIO, 2014), o autor se utiliza de diversos dispositivos de
realização deste processo de Benjamin – que é historiográfico e de crítica.
O presente texto deseja demonstrar um pouco do estágio atual deste processo. Ele
é uma atualização de temas trabalhados em artigos anteriores (VENANCIO, 2018a), mas
também em processos inéditos e desenvolvidos ao longo de tempos atuais. Desta forma,
há aqui “passagens” para a construção de breve histórico da narrativa ficcional
midiatizada do futebol brasileiro a partir de figuras-chave e suas análises – tal como
Thomaz Mazzoni; a crônica carioca liderada por Mário Filho, Nelson Rodrigues, José
Lins do Rego e Carlos Drummond de Andrade; a Editora Gol de Milton Pedrosa; o Show
de Rádio de Estevam Sangirardi; e os contemporâneos –, além de indicar caminhos
próprios de práxis e reflexões futuras para a articulação de uma maneira de comunicação
esportiva relevante. No entanto, o que seria isso de “narrativa ficcional midiatizada” onde
o futebol seria objeto e o Brasil um lugar de prática e reflexão?
Por narrativa, entendemos a capacidade humana de por em linguagem os fatos do
mundo, lembrando não só de Benjamin, mas também de Wittgenstein. Por ficção,
ecoamos a ideia da urdidura da narrativa popularizada por Roland Barthes – onde a ficção
é trabalhar de maneira criativa com os fios (fatos) da realidade – e tão bem definida por
uma metáfora de Merleau-Ponty
para falar do trabalho do escritor, e diz ser como o trabalho de um
tapeceiro que trabalha com os fios do tapete; do lado avesso vai fazendo
nós e trabalhando com os fios até que do outro lado do tapete se produza
uma imagem que não tem que ser figurativa, pode ser uma composição
não-figurativa, mas que representaria o momento do significado. O
escritor, trabalhando com os fios da trama, produz como efeito um
significado (VALLEJO; MAGALHÂES, 2008, p. 124)
Por midiatizada, definimos que seja promovida pelos chamados aparatos de
reprodutibilidade técnica, para ecoar uma análise de Walter Benjamin, e que são
governadas por uma lógica própria, separada de outras da cultura, tal como a literatura e
a arte. Assim, “narrativa ficcional midiatizada” é aquela construção narrativa ficcional,
levando em conta nossas definições anteriores, que é promovida pela lógica da mídia.
Basta agora ver onde que o futebol foi objeto dela no Brasil.
THOMAZ MAZZONI E O SIGNO DE FLÔ
Thomaz Mazzoni era jornalista, cronista esportivo, escritor, editor de livros,
enciclopedista. Ele é praticamente o pai da narrativa midiatizada esportiva no Brasil,
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inclusive da ficcional. Ela nasce sob o signo de “Flô” tal como é possível notar na análise
abaixo, a primeira “passagem” que iremos apresentar em nosso exercício histórico
inspirado em Walter Benjamin:
os mais jovens, com certeza, não saberão de quem se trata. Mazzoni é
autor de mais de 20 livros na literatura esportiva, alguns, referências
absolutas, além de trabalhar durante quatro décadas em um dos maiores
jornais de esporte do país. Ganhou até o apelido de “Olimpicus” de
tanto conhecer sobre diversas modalidades esportivas. Mas o futebol
sempre foi sua maior paixão. (...) Aos 18 anos, iniciava uma das
carreiras mais brilhantes do jornalismo esportivo brasileiro no pequeno
São Paulo Esportivo. Melhor para a história da imprensa esportiva, que
a partir daquele momento ganhou uma de suas maiores referências.
Mazzoni nunca mais parou de escrever. Foram livros, almanaques,
revistas e muitas viagens pelo mundo inteiro, com clubes e seleções.
Em 1927, o jornal São Paulo Esportivo já estava pequeno para as suas
ideias. Nesse ano ele teve a ideia de lançar o Almanaque Esportivo, o
primeiro de uma série de 22 que publicaria em sua longa carreira (...)
Mazzoni era considerado por diversos companheiros de profissão um
camarada muito chato. Arrumou polêmicas com muita gente, mas o que
ninguém podia negar era o seu talento. Em 1940, talvez cansado de
tanto criticar a postura de outros jornalistas, decide escrever o primeiro
romance da literatura esportiva. O livro Flô, o melhor goleiro do mundo
virou sucesso, pelo menos na visão de produtores argentinos, que só
não adaptaram a obra para o cinema por falta de acordo financeiro entre
o autor e produtor. (...) Além da inteligência, ele tinha manias curiosas:
“Thomaz era uma figura inteligentíssima, engraçado, focado nos seus
escritos. Não era muito de falar, vivia mais nos seus garranchos, e assim
como Assis Chateaubriand escrevia só à mão, com caneta tinteiro.
Sentava-se em sua mesa e escrevia o comentário que ia na terceira
página de A Gazeta Esportiva, que era sempre o ponto de vista do
jornal. Mazzoni era um defensor ferrenho das coisas do Brasil. Era o
Nelson Rodrigues de São Paulo, não se comparando as personalidades
e os talentos para a escrita. Nelson era um gênio literário. Mazzoni foi
um grande jornalista. Ambos eram fanáticos pelo futebol, e uma
criatividade incrível em torno dos fatos que transformavam em títulos,
capítulos e resenhas fantásticas”, relembra Paulo Planet Buarque
(RIBEIRO, 2015, s/n).
A sinopse de “Flô, o melhor goleiro do mundo” é fascinante:
As mazelas do futebol brasileiro são apontadas sutilmente por Thomaz
Mazzoni (sob o pseudônimo "Olimpicus") no primeiro romance
esportivo publicado no Brasil, em 1941 [sic]. Florêncio Volpe é o
goleiro Flô, craque do time do Velox FC. Prestes a se casar com a
namorada Lydia, Flô vê sua vida desandar num turbilhão de emoções
que prejudica sua carreira profissional, e o faz ser acusado de ter-se
"vendido" ao adversário. O final é eletrizante, tanto pela trama que
Mazzoni costurou, quanto pelas denúncias que faz à organização do
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futebol brasileiro, sua relação às vezes torta com a imprensa esportiva,
escalações de árbitros etc. Sob o pseudônimo "Olimpicus", o jornalista
italo-paulistano Thomaz Mazzoni produziu mais de 5.000 crônicas em
"A Gazeta Esportiva", ao mesmo tempo em que produzia livros e
almanaques, pioneiros na edição de jornalismo esportivo em nosso País
(apud MAZZONI, 2016).
Além disso, Thomaz Mazzoni nas crônicas e almanaques, especialmente naqueles
com mais destaque para as Copas de 1938 e 1950, abusa de liberdades ficcionais, dignas
do escrito literário. Por isso que ele não gostava do termo “jornalista”. Era um cronista.
A CRÔNICA CARIOCA
Falar de jornalismo esportivo nos primórdios do Rio de Janeiro é falar de Mario
Filho. Mario Filho é lembrado por ser o nome do Estádio do Maracanã, mas foi uma
figura de imprensa tão gigantesca quanto o estádio:
Mario promovia mudanças marcantes na cobertura esportiva. Ampliou
a forma de cobrir e abordar o assunto. Foi além do resultado do jogo.
Passou a falar sobre treinos, contratações de jogadores, escalações,
esquema tático…Realizava entrevistas com os jogadores, vivia à beira
dos gramados. Circulava pelos restaurantes, bares e cafés frequentados
pelas equipes. Passou a publicar fotos dos atletas em ação,
comemorando e fazendo gols. Aposentou as habituais fotografias
posadas de terno, nas quais parecia que os jogadores estavam numa
cerimônia de formatura. Os textos perderam os excessos de enfeites e
ganharam a linguagem das arquibancadas. Isso atraiu a leitura dos
torcedores e os aproximou de seus times. (...) Pode-se dizer que Mario,
o humanista, além de inventor da crônica esportiva moderna, foi
inventor também de Nelson Rodrigues como cronista esportivo. Mas
cada um tinha o seu estilo, Mario era mais objetivo, coloquial e irônico,
e Nelson barroco, poético, hiperbólico. Ambos tinham muito humor,
cada um com o seu. Ainda hoje muitos leitores se dividem entre qual
foi o melhor cronista esportivo de todos os tempos. Mas o veterano
jornalista e apresentador José Trajano não tem dúvida: “Ele é o maior
de todos. Nenhum de nós, jornalistas esportivos, somos capazes de
engraxar os seus sapatos. Não me venham de Armando Nogueira, João
Saldanha, Thomas Mazzoni ou Nelson Rodrigues, irmão dele, todos
sensacionais e de se tirar o chapéu. Perto de Mário Filho eles estão
distantes anos-luz”. (...) Após a morte do irmão mais velho, Nelson
Rodrigues virou uma espécie de guardião de sua memória. Costumava
citar Mario Filho em suas crônicas esportivas. Numa delas, lamentou:
“O maior estádio do mundo tem o seu nome. Pena é que não o tenham
enterrado lá. Com o Maracanã por túmulo, Mário Filho mereceria que
o velassem multidões imortais” (NASCIMENTO, 2018, s/n).
A atuação de Mário Filho no incentivo das crônicas de seu irmão, dramaturgo em
ascensão, fez com que os demais jornais chamassem outras figuras do mundo literário
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para comentar o futebol. Alguns, tal como José Lins do Rego e seu amor fanático pelo
Flamengo, se recusavam a escrever sobre outros times que não fossem o seu. Apesar que,
fica a nota, de que Lins do Rego foi o autor de Água-mãe, de 1941 (um ano após o “Flô”
de Mazzoni) onde o protagonista sonha em jogar no rival do Flamengo: o Fluminense.
No caso de outros, tal como Carlos Drummond de Andrade, a seleção brasileira
era sua principal atenção no Correio da Manhã e no Jornal do Brasil, apesar de comentar
com carinho sobre o Vasco da Gama. Além disso, jornalistas de profissão também
iniciavam nessa vereda, notavelmente Armando Nogueira.
No entanto, craque em misturar ficção e jornalismo esportivo era Nelson
Rodrigues mesmo. Personagens tais como Sobrenatural de Almeida e o famoso
“complexo de vira-lata” ecoavam nas reportagens. Mario Filho arriscava também seus
personagens, tal como o Sapo de Arubinha, mas sem o mesmo iconismo literário.
Se formos olhar em amplo espectro, essa característica da imprensa brasileira,
iniciada nos anos 1930, é muito próxima de outras de língua latina de futebol, tal como a
argentina, a uruguaia e a italiana que apresentou figuras tais como Roberto Fontanarrosa,
Eduardo Galeano e Gianni Brera, respectivamente. Talvez possamos pensar que ela, em
termos de data, é até predecessora.
EDITORA GOL
Outra faceta carioca que completava a de Thomaz Mazzoni, jornalista e editor em
São Paulo, é o surgimento da edição especializada de livros de futebol. É o caso da Editora
Gol: “No final dos anos 1960, o jornalista Milton Pedrosa fundou a Editora Gol para fugir
da ditadura que o impedia de trabalhar. Virou editor de livros de futebol. Produziu alguns
que se tornaram cult.” (OLIVEIRA, 2011). Entre os livros da Editora Gol, o mais
destacado é a coletânea “Gol de Letra – O Futebol na Literatura Carioca”:
Milton Pedrosa fez uma cuidadosa antologia com 59 textos. O jornalista
dividiu os textos por gêneros literários em seções com a seguinte
composição: contos, com 5 textos; romance (excertos), com 4 textos;
teatro, com 3 textos; poemas, com 10 textos; artigos, crônicas e trechos
de ensaios, com 37 textos. A antologia é organizada na lógica de um
inventário cultural e memorialístico, organizando os textos por gênero
literário. Em cada gênero os textos são apresentados por ordem
alfabética dos nomes dos autores. No cabeçalho da página anterior a
cada texto, Pedrosa faz uma breve apresentação do trabalho do
respectivo autor, relacionando-o com o futebol e o referido texto. Por
vezes a apresentação contextualiza a produção do autor na literatura
brasileira. Essa antologia, em suma, propõe uma apresentação do
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panorama da literatura que tematizou o esporte compreendendo o
período que vai do final do século XIX à década de 60, mesclando
textos que ora exaltam o futebol e ora o questionam. (...) Como propõe
aqui Milton Pedrosa no seu texto: “Drama individual e drama coletivo.
O futebol como esporte de massas formadas por estudantes, pequenos
funcionários, operários, militares subalternos e modestos comerciários,
que vão para as gerais, e gente de alta posição que vai para as cadeiras
cativas e arquibancadas. As relações de cada um com a bola couro, e
suas próprias relações e reações recíprocas, as sensações nascidas no
gramado, projetadas sobre toda uma população, os pormenores da vida
dos craques, dos técnicos, dos árbitros, dos paredros, dos torcedores –
tudo isso representa um filão inesgotável à disposição dos criadores em
qualquer gênero literário. Fonte de temas que interessam ao mesmo
tempo aos campos da literatura, da música, da pintura, da escultura, do
cinema, da arquitetura, a toda sorte de manifestações artísticas – ocorrenos a pergunta: como e em que medida o futebol se reflete na literatura
brasileira?” (COSTA, 2015, s/n)
De certa maneira, a Editora Gol influenciou uma série de editoras atuais – tais
como a Maquinária, a Phorte, a Livrosdefutebol.com e a Panda Books – que possuem, se
não exclusivamente, grande maioria de seu acervo sobre futebol e tendo a ficção um bom
pedaço de participação. Além disso, há a prática de livros independentes na internet –
estes sim, narrativas altamente midiatizadas – através de plataformas tais como a KDP da
Amazon.com, Wattpad e Medium. Uma dessas iniciativas, especificamente da KDP e de
iniciativa do presente autor, será descrita em uma próxima seção do presente texto.
ESTEVAM SANGIRARDI E O SHOW DE RÁDIO
Muito antes do Show de Rádio, Estevam Sangirardi era um pioneiro do rádio
esportivo em São Paulo. Nascido na capital paulista em 1923, Sangirardi já trabalhava
com rádio esportivo desde o final dos anos 1940 na então Rádio Panamericana.
Inicialmente liderava os plantões esportivos e trabalhava como locutor de jogos de
futebol, sendo o locutor suplementar do pool radiofônico que narrou as três conquistas de
Copa do Mundo de Futebol pelo Brasil: 1958, 1962 e 1970, todas lançadas em vinil pela
Odeon, gravadora que ele também era executivo.
Em 1965, a Rádio Panamericana, sob o comando de Tuta (Antônio Augusto
Amaral de Carvalho), vira Rádio Jovem Pan em busca de uma modernização de sua
linguagem. Neste contexto, a Rádio Panamericana, que disputava com a Rádio
Bandeirantes a posição de rádio dos esportes, buscava enquanto Jovem Pan um novo
domínio. É neste contexto que surge o Show de Rádio em 1969:
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A metalinguagem no rádio ressurgiu na década de 1970 com o
programa “Show de Rádio”, comandado pelo veterano radialista
Estevam Sangirardi, que estreou como “Show do Intervalo”
(CORAÚCCI, 2006: 107) durante as transmissões esportivas da Rádio
Jovem Pan, emissora paulista dedicada aos esportes, que visava ampliar
a audiência. Como o programa “PRK-30”, o “Show de Rádio” tinha
início com a interferência da fictícia Rádio Camanducaia na
transmissão da emissora. Os humoristas (entre eles Serginho Leite e
Nelson Tatá Alexandre) parodiavam outros radialistas (como Osmar
Santos e Fausto Silva), faziam as vozes de personagens que
representavam os principais times de futebol (o milionário Didu
Morumbi, torcedor do São Paulo, os corintianos Joca e Nega, os
palmeirenses Noninha e Comendador Fumagalli e os santistas Lança
Chamas e Zé das Docas) e imitavam personalidades da política
(CARDOSO; SANTOS, 2012, p. 6-7).
No entanto, a citação anterior não faz jus à complexidade do trabalho de Show de
Rádio. Eram programas que chegavam a mais de hora de duração, com roteiro elaborado
entre músicas, ficções seriadas e especiais. Um esquete especial famoso era o programa
de Natal do Show de Rádio, época de fim de campeonatos e de celebração (ou autocrítica)
esportiva. Neste programa, em fórmula similar aos programas que tivemos acesso prévio,
a ação dramática se passa na casa de Didu Morumbi, o abastado torcedor do São Paulo
Futebol Clube, ou melhor “Saint Paul de mon petit coeur” tal como ele dizia. Nisso, Didu
e seu mordomo Archibald recebiam as demais personagens-mascotes do Show de Rádio
mais versões ficcionalizadas de jornalistas, políticos e jogadores de futebol.
Em datas comemorativas, por exemplo, o programa apresentava pequenos
quadros musicais com as personagens-mascotes, apresentando músicas que exaltavam a
memória de antigos craques. Um exemplo é a personagem-mascote corinthiana Joca que,
em determinado esquete, se lembra, durante sua tradicional conversa com São Jorge, do
samba Gol de Baltazar, de autoria de Alfredo Borba e cantado no carnaval paulistano da
primeira metade dos anos 1950 por Elza Laranjeira.
Além disso, para marcar títulos importantes, programas do Show de Rádio eram
lançados em vinil, tal como o do campeonato paulista de 1977 quando o Corinthians foi
campeão após um jejum de 23 anos, bem como do São Paulo campeão brasileiro de 1978
e o Corinthians campeão paulista de 1982. Neste LPs, encontramos os programas do Show
de Rádio que eram veiculados depois das partidas, tal como se fossem compactos do jogo,
onde a interação ficcional dos personagens era entrecortada com os melhores lances.
O Show de Rádio é objeto de estudo do pós-doutorado em andamento do autor do
presente trabalho na Universidade de São Paulo. Sob a supervisão do Prof. Dr. Eduardo
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Vicente, o projeto de pós-doutorado intitulado “Futebol Não É Só No Gramado: A
narrativa no radiodrama esportivo de Estevam Sangirardi” almeja analisar como Estevam
Sangirardi constrói em seu Show de Rádio (1969-1994) um rádio de autor que transita
entre a ficção, o humor e o esporte radiofônicos. Com o mote posto em verso pelo jingle
de abertura do Show de Rádio que afirma que “futebol não é só no gramado”, buscaremos
demonstrar que Estevam Sangirardi e equipe desenvolvem uma narrativa em teia, com
personagens e mundos possíveis, urdindo elementos performativos na tradição
humorística do rádio brasileiro, na cena radiodramática paulistana, na comunicação
esportiva e no futebol em si. Utilizando enquanto arcabouço metodológico a noção de
performance na pragmática, na narratologia, na antropologia e na psicanálise,
verificaremos como Estevam Sangirardi construiu um rádio de autor que coloca o futebol
enquanto centralidade de uma urdidura ficcional que trabalha o real, o verossímil, o
imaginado e o inventado sem distinções.
O UNIVERSO CONTEMPORÂNEO DO JORNAL E DA TELEVISÃO
Após os anos 1970, há uma manutenção do estilo carioca de crônica esportiva
onde a ficção do futebol possui destaque. Figuras tal como Moacyr Scliar começam a
falar mais de futebol, especialmente em época de Copa do Mundo ou final de Campeonato
Brasileiro, mas também começam a surgir ex-jogadores com verve literária, tal como
Tostão e suas colunas na imprensa escrita brasileira.
Além disso, José Roberto Torero e seus personagens também invadiam a imprensa
escrita, especialmente o médium Zé Cabala que se comunicava com craques que já
estavam em outra dimensão. O corpo ficcional de Torero se transforma em livros, onde
Futebol é bom para cachorro se destaca.
O surgimento do jornal Lance! em 1997 dá novo gás para as crônicas e contos
ficcionais com a criação de colunistas ficcionais para os grandes clubes do Brasil.
Cada clube tem um colunista que escreve nesta seção. Seus nomes e
perfis foram inventados e as fotinhos que o jornal usa para identificálos foram roubados de revistas antigas na véspera do lançamento do
jornal. Eles representam o torcedor apaixonado, sem nenhuma
racionalidade, que comenta aspectos do time em momentos
importantes. Os textos eram escritos por jornalistas do Lance!, sempre
com um toque de humor e alguma inverossimilhança, de maneira a
deixar claro que aquilo era uma ficção. O tom ficcional e lúdico começa
na escolha do nome dos colunistas da seção, que procura realçar clichês
sobre o torcedor de cada time. “Vital de Almeida, marquês de
Laranjeiras” é o colunista do Fluminense, time com fama elitista,
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localizado no bairro de Laranjeiras. “Scarlet Breu, viúva da geral”
representa o torcedor do Flamengo, negro pobre, que assiste aos jogos
do setor mais barato do estádio, a geral. “Bob Colina, filósofo do
relvado” chama a atenção para um apelido do time (“Vascão da
Colina”) e reforça o estereótipo de burrice associado aos descendentes
de portugueses, que forma parte da torcida. “Nilton Severiano, general
de uma estrela” associa o nome de um ídolo do Botafogo (Nilton
Santos) ao apelido do time (“Estrela solitária” e ao nome da rua onde
fica a sede do clube (General Severiano). “Tião Fiel, sofredor graças a
Deus”, como no caso do apelido do torcedor do Flamengo, busca
associar o corintiano típico a alguém do povo, um “Tião”. Mássimo
Divino, acadêmico do Bixiga” reforça os estereótipos étnicos
associados ao torcedor do Palmeiras, sugerindo se tratar de um
intelectual morador de bairro de classe média baixa da cidade. “Pedro
Henrique Bueno de Toledo, bicampeão mundial” busca associar o
torcedor do São Paulo à elite paulistana por meio de um sobrenome
quatrocentão. “Doca Gonzaga, professor de história” ironiza o fato de
o torcedor do Santos viver das glórias do passado, de Pelé, quando o
time chegou a ser bicampeão do mundo (STYCER, 2015, s/n)
Por fim, na televisão, Pedro Bial ficou famoso pelas crônicas feitas durante a Copa
de 2002, quando o Brasil venceu o pentacampeonato mundial, e também na Copa de 2006.
No entanto, é lembrado mais por receber algumas críticas tal como essa:
Então, dois dias sem jogos e penso com os meus botões: iupi! Pelo
menos dois dias sem as crônicas imbecis do Bial!! Bom, ledo engano.
Ontem no Jornal Nacional, lá estava ele, achando que é *o* cronista
esportivo o que afinal de contas, não é. Eu sei porque não sou a única a
reclamar, já que na Ilustrada da Folha desse último domingo ele e suas
crônicas estiveram presentes na lista dos piores momentos da Copa
(coloco a matéria no final desse post). Sabe, não é que ele seja ruim,
porque ruim ele não é. Já li o Crônicas de Repórter e pelo menos quando
eu tinha uns 15, 16 anos (idade que tinha quando li), gostei bastante do
estilão dele. Mas gente, prefiro final com Argentina do que ouvir essas
crônicas. Como prometi, a reportagem que saiu na Folha, que pode ser
lida desse o início nesse link aqui. Caso precise de senha para ler, deixo
aqui o trecho que diz respeito ao que eu estava falando:
Talvez cansado do show de realidade que comanda na Globo, Pedro
Bial preferiu nesta Copa subir aos céus do lirismo. Suas crônicas
estilosas, que mimetizam a “poética” do veterano Armando Nogueira,
enchem de imagens constrangedoras os lares brasileiros. E vão
influenciando seus colegas de cobertura -Cesar Tralli já desponta como
promissor discípulo (ANICA, 2006, s/n).
Podemos dizer que, no limite, as críticas a Bial representam o avanço da imprensa
esportiva brasileira no século XXI para o interesse ao comentário de ex-jogadores, a
compreensão de curiosidades históricas pontuais (introduzidas por Marcelo Duarte, Celso
Unzelte e outros em programas da ESPN Brasil e TV Cultura), a leitura de estatísticas
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(representadas pelo pioneiro Paulo Vinícius Coelho) e compreensão de esquemas táticos
do que por uma poética do futebol, restrita a poucos representantes e sem muitas figuras
literárias de destaque.
Em tempos de Copa do Mundo de futebol de 2018, realizada na Rússia,
verificamos os poucos relatos de uso literário do futebol na imprensa esportiva, mantendo
a tendência dos últimos anos. Isso não significa que não tenha algumas iniciativas que
buscam reverter tal tendência. O uso de maior acesso de audiência são as ocasionais –
sem periodicidade – crônicas televisionadas de Tadeu Schmidt no Jornal Nacional ou no
final das transmissões de jogos do Brasil ou de dita importância na transmissão em TV
aberta na Rede Globo de televisão. Um dos exemplos, por exemplo, foi o comentário
sobre o uso do VAR (chamado pela imprensa brasileira de árbitro de vídeo) na Copa do
Mundo. A transcrição mostra o uso de características tradicionais do uso do gênero textual
pela imprensa esportiva:
Um grande goleador, consagrado nos clubes, conseguindo seu primeiro
gol numa Copa... poderia ser o estreante do dia. O problema é que do
outro lado estava ‘A’ estreante mais querida da Copa! Menor país da
história a jogar um mundial! Primeiro jogo! Primeiro gol! E primeira
demonstração de grandeza! Um negócio tão ‘empolgantson’, que
quando a gente ‘percebson’, está ‘falandson’ desse ‘jeitson’! O técnicodentista montou o time com a defesa praticamente impenetrável.
Mesmo quando o gênio do outro lado bateu o pênalti, o goleiro-cineasta,
como um ‘gatson’! Garantiu o empate! Histórico! Mas um gesto é a
imagem mais importante do dia. Ele vai, para sempre, marcar a Copa
da Rússia! Árbitro de vídeo! Com a bola rolando, o juiz não teria
marcado pênalti. Com ajuda do vídeo, ele marcou! Já pensou se isso
existisse em 1982? O futebol-arte poderia ter sido campeão. Já pensou
se existisse em 1986? Os argentinos não falariam da tal "mão de deus"
até hoje. Né? Já pensou quantos resultados teriam mudado se houvesse
tecnologia para ajudar? Então, cá entre nós. Demorou! No século 21, a
gente ainda ficar com esse tipo de dúvida, tão simples de ser
esclarecida... Hoje, poderia ter sido 1 a 0 para um time! Foi 2 a 1 para
o outro! E logo no primeiro dia, o VAR apontou dois pênaltis. Aquele
papo furado de "ah, tem que deixar a polêmica para o dia seguinte..."
Oi?! Legal mesmo é não deixar o injusto definir o destino. E tenho ‘ditson’! (SCHMIDT, 2018, s/n)
É bom lembrar que Tadeu Schmidt é artífice de um quadro de tons ficcionais,
quase infanto-juvenis, dos “Cavalinhos” do Fantástico que acontece no fim de cada
rodada do campeonato brasileiro de futebol, criando estorinhas próprias. O eco aqui é
uma referência clara à Zebrinha que o Fantástico utilizava em seus programas nos áureos
tempos da Loteria Esportiva no país. Para a Copa de 2018, há a atuação do Cavalinho da
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Seleção Brasileira em uma estória 3 própria intitulada “O caminho do Hexa”.
NO MUNDO DA INTERNET
Há também o relato da presença de sites e perfis de rede sociais mantendo a
tradição narrativa ficcional do futebol. No Instagram, por exemplo, há o perfil “Futebol
em palavras” (@cronfut) criado em 2015 para publicar textos que se assemelham à
mistura entre conto e crônica que, tal como mencionado anteriormente no presente artigo,
é comum na imprensa esportiva. O jogo Alemanha e Suécia na primeira fase foi relatado,
junto a uma foto do gol de Toni Kroos, desta maneira:
Cheguei em casa correndo pra pegar os minutos finais da partida. Liguei
a televisão. Timo Werner (acho que era ele) corria pela esquerda com a
redonda nos pés. O marcador estancou diante dele. Timo acelerou e
jogou a bola pra frente e o defensor atingiu o atacante. Falta. “Vish”,
pensei, “a Alemanha vai ter mais uma chance de jogar a bola na área.”
Piada, né? Noventa e nove em cem jogadores colocariam aquela bola
na área, num chuveirinho característico do desespero. O famoso “joga
lá dentro e vê no que dá”. Quando Kroos rolou a bola para Reus eu
ainda achei que ele ia cruzar. Por isso, quando a bola foi chutada em
direção ao gol, eu me vi assistindo a um filme cuja reviravolta (ou o
plot twist) fez com que eu me envergasse diante da tela, não acreditando
que aquilo era possível. Não vou dizer quais são as reviravoltas dos
filmes, mas se você assistiu ao Sexto Sentido, Amnésia ou Garota
Exemplar, por exemplo, sabe do que eu estou falando (sem entrar na
qualidade dos filmes). E não tive alternativa senão gritar um palavrão
quando saiu o gol de Kroos, na gaveta. Porque foi inesperado, como o
futebol é. Porque foi bonito, como o futebol é. Porque nos relembrou
sobre a necessidade de persistir até o apito final. E porque gosto de
histórias com finais surpreendentes, ainda que eu não os considere
sempre felizes, como foi essa partida entre Alemanha e Suécia
(CRONFUT, 2018, s/n).
Além disso, no universo audiovisual na Internet, vemos perfis de paródias e outros
elementos de humor trabalhando na tradição posta pelo Show de Rádio de Estevam
Sangirardi. Um exemplo é o Desimpedidos:
Surgiu em 2013 para fazer a cobertura da Copa das Confederações de
uma maneira inovadora, engraçada e com uma linguagem familiar aos
fãs. É o que explica Rafael Grostein, diretor comercial e fundador do
canal: "a ideia era justamente cobrir um espaço, representar os fãs do
futebol, que não se identificam com o cara de gravata que faz a parte
jornalística. Eles falam da brincadeira, da zoação entre times". (...) O
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Há aqui um uso deliberado da palavra “estória” para dar ênfase a noção de “story” no storytelling. Parte
desta visão teórica do presente autor é apresentada na seção seguinte.
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boom aconteceu durante a Copa do Mundo de 2014. "Foi a primeira
Copa em que o Facebook tinha uma base importantes de usuários,
então, começamos a criar um monte de memes com histórias que
aconteciam. O Brasil inteiro estava de olho nisso e conseguimos pegar
carona. Foi um momento em que ganhamos bastante alcance", fala o
diretor comercial. (EFRAIM, 2016)
Se o Desimpedidos utiliza uma construção mais de personas – mesmo que secretas
tal como o Bolívia –, outros canais trabalham com personagens ficcionais, mesmo que
arquetípicos. O melhor exemplo na cena digital brasileira foi o De Sola, vinculado ao
Esporte Interativo, com seus esquetes:
Tudo começou comigo [Pedro Certezas] e com o Casimiro, eu possuía
uma página chamada Certezas do Futebol, enquanto o Casimiro era
dono de algumas de humor pela internet. Resolvemos nos juntar e criar
algo relacionado a comédia, o Vinícius também esteve conosco neste
início. Fomos fazendo vídeos de humor, ganhando espaço, crescendo e
viramos isso aí, indo muito bem. O nome “De Sola” foi criado em um
dia que eu estava de folga e pensando em um nome para o canal, o
Casimiro sugeriu e acabou ficando, foi bem aleatório.(CASTRO, 2017).
O futuro da narrativa ficcional – seja ela de humor ou de outros gêneros – possui
um elemento forte de prosseguimento: a paixão pelo futebol. Isso talvez seja um dos
maiores garantidores de que essa prática midiática continuará com relevância e seja
determinante compreendê-la, praticá-la, bem como formar quadros nos cursos de
Comunicação Social para isso.
UMA PRÁXIS: MICROCONTOS DE FUTEBOL E TRIÂNGULO DO FUTEBOL
Para encerrar este breve histórico, de inspiração nas Passagens benjaminianas, o
presente autor deseja discorrer sobre algumas iniciativas suas dentro da narrativa ficcional
esportiva de futebol, feitas sob o signo da práxis, tendo em vista suas pesquisas e interesse
no estudo da área que remontam desde 2014 (VENANCIO, 2014).
Durante o primeiro semestre de 2018, nos meses que antecederam a Copa do
Mundo de Futebol de 2018, o presente autor desenvolveu a série de livros dentro da
coleção “Microcontos de Futebol” sobre a história da Copa do Mundo. Os livros são
publicados pela plataforma KDP da Amazon, tendo versões ebook e impressas
disponíveis pelos sites da Amazon de cada país. A série é composta por vinte e um livros.
Cada um representando uma Copa do Mundo. Para cada jogo de cada Copa, há um
microconto de 100 palavras que traz destaque para algum fato de interesse que
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representou aquela partida de futebol.
Esses microcontos são um misto de conto e crônica, muito populares na
imprensa brasileira com autores tais como Carlos Drummond de
Andrade, Moacyr Scliar, Nelson Rodrigues, entre outros. Drummond
os chamava de historinhas ou cronicontos. Moacyr Scliar pegava uma
manchete de jornal e fazia uma ficção em cima dela. Nelson Rodrigues
articulava tais textos no guarda-chuva da “A vida como ela é”. Assim,
as fronteiras entre fato e ficção não são postos por uma condição de
Realismo Fantástico tal como o resto da América Latina, mas sim por
uma escolha mais brasileira. Escolha essa que é bem representada pelas
atitudes de Chicó, bravo coadjuvante de O Auto da Compadecida, de
Ariano Suassuna, ou, até mesmo, pelo dito popular de que “quem conta
um conto, aumenta um ponto”. (...)os microcontos possuem exatas 100
palavras. Esse gênero textual, em língua inglesa, é conhecido como
drabble. Isso reforça o exercício criativo posto para (re)contar os jogos
que formaram a competição (VENANCIO, 2018b, p.7-9)
Um exemplo deste microconto que traz uma estória sobre uma história:
A certeza
_ Pai? Vamos ganhar essa Copa?
_ Com certeza, filho!
_ Como você pode ter certeza?
_Vamos pensar. Onde a Copa está sendo jogada?
_Aqui no Uruguai.
_Quem possui o melhor estádio da América?
_A gente.
_ Então, está tudo do nosso lado. Até na estreia do nosso time hoje, deu
tudo certo.
_ Foi porque vencemos?
_ Mais do que isso? Os peruanos fizeram de tudo, mas quem fez o gol?
_ O Manco?
_ Sim. Aquele que todos não ligam por só ter um braço. Venceremos
porque temos tudo do nosso lado, inclusive o desprezo dos nossos
adversários (VENANCIO, 2018b, p. 31-32).
O fato histórico é que Uruguai encontrou, em sua estreia na Copa onde foi
anfitrião, um retrancado Peru e venceu com um gol de Hector Castro, conhecido como
“Manco” pela forma popular de se referenciar em língua espanhola aquele que possui
apenas um braço. O fato estórico é a construção do comentário entre torcedores sobre os
principais fatores do jogo e da Copa de 1930. Isso perpassa os 21 livros da série, cada um
representando uma Copa do Mundo, de 1930 a 2018, sendo eles unidos em uma coletânea.
No segundo semestre de 2018, foram lançados 13 livros da série, em uma forma
de abecedário de craques do futebol, indo de A a Z e sendo postos também em coletânea
(VENANCIO, 2018c). Durante o primeiro semestre de 2019, a lógica dos livros da Copa
do Mundo foi passada para realizar 30 livros sobre o Campeonato Sul-Americano e a
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Copa América, perpassando 1916 a 2019, com planejamento de coletânea para uni-los.
Outra iniciativa, por parte do presente autor, seguindo a linha das crônicas
televisionadas é o Projeto “Triângulo do Futebol: Comunicações e Culturas Esportivas
no Triângulo Mineiro e Alto Paranaíba” aprovado no Edital Universal 2015 da Fapemig
com vigência entre 2016 e 2019. Dessa pesquisa resultará um webdocumentário
composto por 90 epísódios não-lineares, baseado no conceitual atual de storytelling e
narrativa transmidiática, envolvendo entrevistas, imagens de campo, recriações
históricas. Para isso, será fundamental um conceitual narrativo posto pela investigação
narratológica de atores de Literatura Fantástica latino-americana, tais como Gabriel
Garcia Marquez, Jorge Amado, Eduardo Galeano e José Roberto Torero, que utilizaram
o esporte, em especial o futebol, para movimentar sua poderosa amálgama de ficção e
realidade. A ideia é que esse webdocumentário demonstre uma nova maneira de se
realizar Jornalismo Esportivo - através de uma nova tecnologia midiática
(webdocumentário transmídia) e de uma nova prática narrativa (Jornalismo Esportivo
baseado em Literatura Fantástica) - que foque mais na vivacidade dos fatos (a “estória”
de cada ator cultural-esportivo) do que o atual Jornalismo Esportivo focado apenas em
resultados e em comentários técnicos de lances.
A opção aqui adotada, pelo webdocumentário, caracteriza a construção daquilo
que Stella Curran Bernard (2010) chama de não-ficção criativa. Com um processo
dividido em três partes, o storytelling teorizado por Bernard se vincula com o próprio
ideário de produção tradicional em documentário (RABINGER, 2014). São elas:
understanding story (entendendo a estória) vinculado com a pré-produção, working with
story (trabalhando a estória) vinculado com a produção; e talking about story
(conversando sobre a estória) vinculado com a pós-produção. Elas trabalham com a noção
de um trabalho narrativo fílmico que busca uma reflexão mais historiográfica
(Understanding Story com Microhistória), para uma realização mais literária (Working
with Story com Jornalismo Literário Esportivo) que resulta em uma convergência
midiática digital (Talking about Story com Transmídia). Os vídeos deste projeto deverão
ser lançados no fim do primeiro semestre de 2019 em canal próprio no YouTube.
PERSPECTIVAS FUTURAS
Considerações finais ou perspectivas finais parecem encaixadas com o padrão
exigido atualmente de artigo ou ensaio científico, mas um contrassenso com a
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metodologia das Passagens, afinal Walter Benjamin não só construiu um hipertexto, mas
também uma obra incompleta devido ao seu trágico falecimento. No entanto, acreditamos
que o histórico que aqui traçamos com estas passagens recolhidas demonstram um futuro
deveras promissor para narrativas ficcionais midiatizadas em suas diversas linguagens.
Talvez o futuro delas seja o do próprio futebol e, tal como tem função de fabulação
e rememoração, mesmo que o futebol se acabe, elas ainda estarão lá.
REFERÊNCIAS
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https://www.anica.com.br/2006/06/29/bial-o-cronista-esportivo/
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Lumina. V.2, n.2. Juiz de Fora: UFJF, 2008.
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em: http://www.blog433.com.br/o-crescimento-meteorico-de-uma-ideia-incerta-de-sola/
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de
curtidas”.
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Disponível
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