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copyright © 2018 editora zouk Projeto gráfico e Edição: Editora Zouk Revisão: Tatiana Tanaka Capa: Amí Comunicação & Design Dados Internacionais de Cata Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) de acordo com ISBD Elaborado por Vagner Rodolfo da Silva - CRB-8/9410 M433q Matos, Marlise Quem são as mulheres das políticas para as mulheres no Brasil: expressões feministas nas Conferências Nacionais de Políticas para as Mulheres Vol 2 / Marlise Matos, Sonia E. Alvarez. - Porto Alegre, RS : Zouk, 2018. 312 p. : il. ; 16cm x 23cm. Inclui índice e bibliografia. ISBN: 978-85-8049-067-1 1. Ciência Política. 2. Sociologia. 3. Mulheres. 4. Feminismo. I. Alvarez, Sonia E. II. Título. 2018-1129 CDD 305.42 CDU 392 Índice para catálogo sistemático: 1. Ciência política : Mulheres 305.42 2. Sociologia : Mulheres 392 direitos reservados à Editora Zouk r. Cristóvão Colombo, 1343 sl. 203 90560-004 – Floresta – Porto Alegre – RS – Brasil f. 51. 3024.7554 www.editorazouk.com.br Divisão sexual do trabalho e usos do tempo: a inserção temática e o feminismo acadêmico na SPM e as percepções das mulheres participantes das CNPMs no Brasil Breno Cypriano1 Introdução Em recente divulgação de resultados provenientes dos dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD), realizada em 2016, o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) apontou que, ao se considerar apenas o tempo dedicado aos afazeres domésticos e aos cuidados de pessoas, a desigualdade de gênero no Brasil é ainda um problema crucial, já que as mulheres trabalham praticamente o dobro do tempo (20,9 horas semanais contra 11,1 horas) em relação aos homens nessas atividades (INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA, 2017)2. Porém, se observarmos a série temporal dos dados das pesquisas anteriores, reunidos no Portal do Retrato das Desigualdades em Gênero e Raça, entre os anos de 2001 e 2015, percebe-se uma ligeira diminuição dessa desigualdade na alocação dos usos do tempo, como apresentado no gráfico 1 (INSTITUTO DE PESQUISA ECONÔMICA APLICADA, 2017)3. Há de se destacar que essa diminuição não se deveu pelo aumento da participação dos homens nas tarefas domésticas e de cuidados, mas, à diminuição gradativa do trabalho das mulheres em tais atividades, talvez pela diminuição do número de filhos, pela delegação do trabalho doméstico, geralmente, a outras mulheres, pelo aumento de creches no Brasil ou por outros fatores espúrios. O que se torna importante e central, neste caso, é evidenciar a relevância ao acesso dessas informações para 1 Pós-doutorando no Programa de Pós-Graduação em Ciência Política da Universidade Federal de Minas Gerais (PPGCP/UFMG). Agradeço o convite das professoras Marlise Matos e Sonia E. Alvarez para a participação nesta coletânea. Estendo os meus agradecimentos a Tatau Godinho e Cristina Queiroz, que durante a minha passagem como consultor em Gênero e Usos do Tempo na Secretaria de Políticas para as Mulheres me proporcionaram a possibilidade de compreensão da dinâmica das políticas públicas nesta temática. 2 Cf. https://agenciadenoticias.ibge.gov.br/agencia-noticias/2012-agencia-de-noticias/noticias/ 18568-tarefas-domesticas-impoem-carga-de-trabalho-maior-para-mulheres.html 3 Idem. 257 o planejamento, a criação e a execução das políticas públicas voltadas para a autonomia econômica e o empoderamento de mulheres, como também buscar alternativas para a transformação das desigualdades na divisão sexual do trabalho, buscando-se, afinal, a efetiva incorporação dos homens nas atividades domésticas e do cuidado. Gráfico 1: Média de horas semanais dedicadas a afazeres domésticos pela população de 10 anos ou mais de idade, por sexo (Brasil, 2001-2015) Fonte: Ipea, 2017. Diante dessas questões, este capítulo busca compreender como a temática dos usos do tempo e suas pesquisas foram introduzidas no século XX como uma forma de se auferir empiricamente sobre a vida cotidiana das famílias inseridas em uma sociedade industrializada, comparando, dessa forma, as atividades remuneradas/mercantis com as não remuneradas. Cabe ressaltar que, para os estudos de gênero (ou estudos de mulheres) e dos usos do tempo, ganharam visibilidade a partir da realização do ciclo de Conferências sobre a Mulher (1975-1995) realizado pela ONU, o que colocou em pauta a necessidade de se perceber o “não trabalho” realizado por mulheres no ambiente doméstico, ou seja, era necessário demonstrar empiricamente a subordinação econômica feminina. Dessa forma, a interseção entre gênero e usos do tempo seria necessária principalmente para a formulação e para a implementação de políticas públicas eficientes, onde são necessários informações e indicadores específicos. Cabe ressaltar que a importância deste capítulo no contexto deste volume, sobre os diversos feminismos no contexto das Conferências Nacionais de Políticas para as Mulheres, é, justamente, enfatizar a importância do feminismo acadêmico e sua complexa relação com a construção do Estado brasileiro e a formulação das políticas públicas. 258 No Brasil, especificamente, por essa razão, a Secretaria de Política para as Mulheres (SPM),4 a partir das demandas das duas primeiras Conferências de Políticas para as Mulheres, empenhou-se para que as estatísticas oficiais brasileiras incorporassem quesitos referentes a sexo. Em razão desse objetivo, instituiu, em 2008, o Comitê Técnico de Estudos de Gênero e Uso do Tempo (CGUT), que contava com a participação do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) e do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea). Participaram, como convidadas, a Organização Internacional do Trabalho (OIT) e a ONU Mulheres, entidades das Nações Unidas para a Igualdade de Gênero e Empoderamento das Mulheres. Além da discussão temática sobre a divisão sexual do trabalho e os usos do tempo, o capítulo também se centra no esforço para destacar a importância política no Brasil em problematizar tal temática, visando aos aspectos institucionais e específicos destas estratégias e, por fim, realiza uma descrição e avaliação das percepções das participantes das duas últimas CNPMs, a respeito da divisão sexual do trabalho e suas avaliações quanto ao uso de tempo nas tarefas domésticas. Pretende-se compreender como se dá essa percepção para esse segmento de mulheres, inclusive comparando-se as suas respostas também à avaliação que teriam sobre como teria se transformado no país a situação das mulheres no tempo, especialmente no comparativo histórico e sobre como essa situação teria, afinal, evoluído. Atenção e comparação dessas percepções também são realizadas em relação a como estas responderam quando perguntadas sobre qual seria a maior desigualdade entre homens e mulheres no país e também qual seria o principal problema ainda a ser enfrentado pelas mulheres no seu município, estado, país. O capítulo se dividirá em: (i) uma discussão sobre a trama conceitual que fomenta as discussões sobre a temática da divisão sexual do trabalho e dos usos do tempo no campo teórico; (ii) a apresentação da inserção da discussão no contexto do feminismo acadêmico brasileiro; e (iii) as percepções das participantes das 3ª e 4ª CNPMs sobre a temática das desigualdades e divisão sexual do trabalho. 4 Utilizar-se-á aqui a referência ao órgão como Secretaria de Política para as Mulheres (SPM), ainda que atualmente esta secretaria tenha perdido o status de ministério após a reforma ministerial e hoje seja uma Secretaria Especial vinculada ao Ministério da Justiça e Cidadania. 259 O emaranhado conceitual feminista – a dicotomia público/ privado, cuidado, divisão sexual do trabalho, usos do tempo e patriarcado Esta primeira parte é uma discussão sobre a teoria política feminista,5 que busca na gênese e na história dos conceitos o entendimento a partir de um emaranhado nodal, que ao se articular dá sentido e estrutura a um campo de conhecimento produzido pelo saber feminista. A partir dessa noção, como discutido em Cypriano (2015), a divisão entre o público e o privado, a noção de cuidado, bem como o conceito de divisão sexual do trabalho (HIRATA; KERGOAT, 2007) e a questão dos usos do tempo, são conceitos da teoria política feminista que trazem a perspectiva de politização do feminismo. Essa politização vem contribuindo para um entendimento sobre o patriarcado (como conceito centrípeto/central) que, por sua vez, originou uma visão crítica feminista do Estado e do debate mais específico sobre as políticas públicas numa perspectiva de gênero, ou a conhecida transversalidade de gênero. “O pessoal é político” tornou-se a afirmação que amparou grande parte dos projetos teóricos da maioria das pensadoras feministas. A problematização da discussão entre a dicotomia conceitual público/privado unifica os feminismos, já que todas as correntes possuiriam uma discussão específica sobre o conceito de público e o de privado, desde o feminismo liberal, o feminismo tradicional marxista, o radical, o socialista, o psicanalítico, o pós-moderno e até o pós-estruturalista, que se aproximam, também, no compartilhamento do conceito de patriarcado, tomando-o como central para a discussão teórica (ELSHTAIN, 1981). A partir desses esforços, a família (burguesa, nuclear e patriarcal, principalmente) se tornou, e vem se mantendo desde então, central à política do feminismo e um foco prioritário da teoria feminista.6 5 A partir da discussão sobre teoria política feminista discutida em Cypriano (2015), após expor uma miríade de elementos que informam sobre esse campo do conhecimento, faria sentido entender e definir a teoria política feminista como uma estratégia discursiva e de produção de conhecimento, que informa e é informada pela práxis do ativismo político e das múltiplas e diferentes experiências e relações entre as(os) atrizes/atores dentro desse campo, que busca, ainda que na sua acomodação disciplinar dos campos de que faz parte, a saber, a filosofia e a teoria política, o reconhecimento definitivo dessas áreas por poder informar outra visão e entendimento sobre “a” política. Esse esforço deve ser ampliado, inclusivo e informado, já que esse tipo específico de saber é consequência de articulações locais e globais, envolvendo permanentes disputas de poder, como também abrangendo uma multiplicidade política de atrizes/atores em esferas variadas. 6 Algumas críticas à concepção nuclear e patriarcal da família seriam: para Iris Young (1996), ao se analisar as questões de gênero e sexualidade como questões de justiça, nota-se que a tradicional concepção de família limitaria consideravelmente o alcance da justiça, já que o acesso à justiça seria 260 O que acontece na vida pessoal, particularmente nas relações entre os sexos, não seria imune à dinâmica de poder, que recorrentemente tem sido notada como a face distintiva do político. Para Okin (2008 [1998]), o domínio da vida doméstica e pessoal e aquele da vida não doméstica, econômica e política não podem ser interpretados isolados um do outro, por isso, as feministas afirmam que a separação das esferas público/privada legitima a estrutura de dominação patriarcal de gênero da sociedade e protege uma esfera significante da vida humana (e especialmente da vida das mulheres) do exame atento ao qual o político é submetido. É relevante perceber, então, como as esferas “públicas” são generificadas, já que foram construídas sob a dominação masculina e pressupõem a responsabilidade feminina pela esfera doméstica. E é importante notar que esses conceitos foram construídos historicamente (OKIN, 2008 [1998]). Segundo Susan Okin (2008 [1998]), a noção do que é “o privado” referirse-ia à esfera ou às esferas da vida social nas quais a intrusão ou interferência em relação à liberdade requer justificativa especial, enquanto “o público” indica uma esfera ou esferas vistas como, geral ou justificadamente, mais acessíveis. Com isso, na teoria política faz-se o uso do conceito de público e privado para se referir à dicotomia entre Estado e sociedade e, também, à dicotomia entre vida não doméstica e doméstica, ou íntima. A primeira forma de distinção, referente ao liberalismo clássico, seria entre o Estado e a sociedade civil, enquanto, numa outra chave teórica, os “românticos” (KYMLICKA, 2006 [1990], p. 331) propõem a separação entre o pessoal ou íntimo da noção de público que abrangeria o Estado e a sociedade civil. Esse deslocamento, até mesmo já incorporado pelo liberalismo, significou um avanço para o feminismo, já que nas disputas sobre a primeira dicotomia (Estado versus sociedade civil), as teóricas feministas dariam maior prioridade à vida social do que à política e, através da segunda dicotomia, a noção do político seria mais presente para as lutas feministas e suas teorizações – “a politização do social” (Cf. FRASER, 1989). De acordo com Anne Phillips (1991, p. 95, tradução nossa): constrangido às “formas ilegítimas” de família, como os casais homossexuais; para Bette Tallen (2008 [1990]), ao negar a centralidade de famílias homoparentais, principalmente às famílias conformadas por lésbicas, algumas teóricas feministas ignorariam a questão lésbica, e, por isso, levaria ao separatismo teórico das lésbicas, que, por sua vez, desafiam os papéis tradicionais na família, como também a noção de maternidade como uma metáfora política dominante; sobre as reinvenções dos vínculos amorosos, que se envolveriam em redes também sociais e políticas, centrando-se nas relações amorosas homoeróticas e heteroeróticas alternativas e nas configurações da família moderna, a discussão de Marlise Matos (2000) contempla as diversidade e multiplicação das relações familiares e amorosas na cena contemporânea, ou modernamente tardia. 261 [...] novos tópicos estão sendo colocados na agenda política, e em vários casos [a] redefinição sobre o que conta como preocupações públicas tem transformado as oportunidades para as mulheres se tornarem politicamente ativas. A política que antes parecia definida por abstrações exóticas tem sido remodelada para incluir a textura da vida diária, oferecendo para alguns o que era a primeira abertura para o “debate político”. A subordinação das mulheres na esfera privada, dentro de casa, se relacionaria à esfera pública, na medida em que a “[...] igualdade na família seria a condição para a democracia no Estado” (PHILLIPS, 1991, p. 102, tradução nossa). Ampliar, então, as concepções sobre poder e dominação, focando em diversos espaços, é uma das maiores contribuições teóricas do feminismo, que segundo a autora, teria sido notada por Bowles e Gintis (1986), ao demonstrar que dominação não diz respeito a um único lugar. “A” política deveria ser vista como uma questão “[...] do ‘devir’, como algo que não pode ser reduzido a uma oferta de recursos, mas que envolve transformar os interesses que são perseguidos” (PHILLIPS, 1991, p. 102, tradução nossa) e os principais locais da democracia ou da necessidade da democratização seriam: o Estado liberal democrático, a economia capitalista e a família patriarcal (o que conflui na ideia redimensionada da justiça social). De outra forma, esse dimensionamento pode ser reposto na compreensão politizada da família através das relações entre mulheres e homens e pais/mães e filhos que seriam estruturadas pela regulação estatal, pelas condições econômicas e pelo poder patriarcal. Diante dessa questão, para Elshtain (1981), a relação conflitual entre o “externo” e o “interno” à família geraria tensões que seriam causadas pela excessiva politização provocada pela vigência de uma esfera pública excessivamente forte, o que, então, causaria a seguinte enfermidade: “[pais e mães] que estão frustrados e humilhados, tornados dependentes e indefesos na vida do trabalho e na cidadania, terão dificuldade em incutir crenças como alicerces e maneiras de ser em suas famílias” (ELSHTAIN, 1981, p. 337). Carole Pateman (1993 [1988]) diz que seria, justamente, na discussão que as teóricas feministas liberais fazem sobre a dicotomia público/privado que os questionamentos referentes à busca pela universalização dos princípios e direitos insurgiriam e motivariam críticas. Isso converge para que toda a “teoria política feminista” trate a questão sobre “o” político, referindo-se a essa problemática. Assim, seriam a “denúncia” e a crítica ao caráter patriarcal do liberalismo (e das demais teorias hegemônicas) dois dos elementos-chave em toda essa discussão. Existem, ainda, divergências sobre esse tema dentro da própria teoria feminista, quais sejam: a variação do sentido e o alcance das críticas feministas ao conceito de público e privado (oriundo das diversas fases do feminismo e nas diferentes 262 vertentes do movimento) e a discussão do movimento feminista contemporâneo sobre a própria existência dessa distinção. É preciso ressaltar, também, que o próprio liberalismo é impreciso, ambíguo ao definir público e privado, tornando a questão ainda mais complexa. Jean Bethke Elshtain (1981) cunha uma própria distinção entre o público e o privado que se baseia na noção de que as “atividades” seriam diferentes – isto é, há coisas que são políticas e outras que não são. Com isso, segundo Phillips (1991), ela chamaria a atenção para evitar o problema de se pensar “[...] que [se] tudo em nossas vidas é um problema político, então nós estaremos abertos a pensar que tudo tem uma solução política” (PHILLIPS, 1991, p. 105, tradução nossa). A associação entre o pessoal e o político não deveria se exaurir em toda e qualquer forma de democratização. Para Phillips, haveria distinções entre estes dois conceitos, o “pessoal” e “o” político, que se sobrepõem um ao outro: é recorrente haver interpretações enganadas quanto “ao que seria um problema político”, pois poderiam referir-se aos locais onde há a atividade de estender o controle sobre decisões que todos e todas estão envolvidos, como é no trabalho, ou referir-se também aos espaços tradicionalmente que seriam definidos como “a” política. Haveria um sério problema aí: o “feminismo consultaria justamente a ênfase exclusiva na ‘política’ como convencionalmente definida e tem salientado muitas vezes as questões mais imediatas de tomar o controle onde vivemos e trabalhamos”, e, como a autora alerta, “essa insistência positiva sobre a democratização da vida cotidiana não deve se tornar um substituto para uma vida política mais vivaz e vital” (PHILLIPS, 1991, p. 119, tradução nossa). De maneira geral, as contribuições feministas para politizar e democratizar as relações do privado incidiram nas seguintes ações detalhadas: Feministas têm criticado a ortodoxa divisão entre o público e o privado, apresentando um desafio poderoso e radical às noções existentes de democracia. Elas têm ampliado o nosso entendimento das precondições para a igualdade democrática, e trazido para a discussão a divisão sexual do trabalho em casa e no trabalho. Elas têm desafiado (ainda que com algumas importantes reservas) a noção de que o que acontece no privado é um interesse privado, e faz que pareça ser um caso sem resposta para a democratização das relações e decisões em casa. Elas alargaram a nossa concepção sobre as práticas que são relevantes, colocando na órbita da democracia a forma como falamos com o outro, a forma como nós nos organizamos, a forma como escrevemos. Elas se apegaram a uma visão de democracia como algo que importa em cada detalhe e onde estivermos. Com todas essas extensões maravilhosas, o feminismo permanece preso no que Sheldon Wolin (1982: 263 28)7 considera como política do seu próprio quintal? (PHILLIPS, 1991, p. 115-116, tradução nossa). Outra importante contribuição para o debate sobre as noções referentes ao político, ou à (des)politização de conceitos, é a contribuição do conceito de “cuidado” que, para Joan Tronto (1996, p. 151), seria imprescindível a uma “teoria política feminista”, já que este seria um conceito concebido como essencialmente apolítico. Para avançar numa direção oposta, ou seja, a de se politizar o cuidado, a autora sugere a seguinte conceituação: cuidado seria “[...] uma espécie de atividade que inclui tudo o que fazemos para nos manter, continuar e reparar nosso ‘mundo’ para que possamos viver nele o tão bem quanto for possível. Este mundo inclui nossos corpos, nossos egos, e o nosso ambiente, tudo o que nós procuramos se entrelaça em uma complexa rede de vida sustentável” (FISHER; TRONTO, 1991, p. 40 apud TRONTO, 1996, p. 142, tradução nossa, itálicos da autora). Através desse esforço, Tronto procura denunciar que a própria exclusão e a não tematização do cuidado (como de outros conceitos utilizados pelas feministas) nos espaços políticos seriam, em si mesmas, um projeto profundamente político. Logo, a recente discussão conceitual nessa direção envolveria necessariamente uma trama complexa de processos relativos ao cuidado que, por sua vez, revelaria uma forma estratégica na nossa atual situação política, como também uma vital atividade ontológica. Somado à discussão sobre o público e o privado, de acordo com Hirata e Kergoat (2007), bem como a questão do cuidado, as análises passaram a abordar o trabalho doméstico como atividade de trabalho tanto quanto o trabalho profissional. Isso permitiu considerar “simultaneamente” as atividades desenvolvidas na esfera doméstica e na esfera profissional, o que abriu caminho para se pensar em termos de “divisão sexual do trabalho”. (HIRATA; KERGOAT, 2007, p. 597-598). Para essas autoras: A divisão sexual do trabalho é a forma de divisão do trabalho social decorrente das relações sociais entre os sexos; mais do que isso, é um fator 7 O teórico político Sheldon Wolin possuiu uma visão demasiadamente realista (para não dizer pessimista) sobre os movimentos populares, já que, mesmo com a surpreendente variedade e abrangência desses movimentos, ele salienta que é necessário reconhecer que a sua vitalidade e importância democrática têm limitações políticas, devido ao localismo e a limitações. A política deve deter-se com problemas abrangentes, e não com questões paroquiais levantadas por esse tipo de movimento, evitando-se assim uma “política de quintal” (PHILLIPS, 1991, p. 48-49). 264 prioritário para a sobrevivência da relação social entre os sexos. Essa forma é modulada histórica e socialmente. Tem como características a designação prioritária dos homens à esfera produtiva e das mulheres à esfera reprodutiva e, simultaneamente, a apropriação pelos homens das funções com maior valor social adicionado (políticos, religiosos, militares etc). (HIRATA; KERGOAT, 2007, p. 599). Diante de tal definição, as autoras acrescentam que haveria a necessidade de se pensar a divisão sexual do trabalho para além do plano conceitual, incluindo uma discussão sobre princípios e modalidades. Os princípios estariam relacionados à “separação”, relacionando à diferença entre trabalhos de homens e mulheres, e à “hierarquia”, a valorização diferenciada entre esses trabalhos. Com relação às modalidades, as autoras entendem, “[...] por exemplo, a concepção do trabalho reprodutivo, o lugar das mulheres no trabalho mercantil etc.” (HIRATA; KERGOAT, 2007, p. 600). Diante da desigualdade na divisão sexual do trabalho, principalmente pela não valorização do trabalho reprodutivo e as tarefas do cuidado, segundo Barajas (2016), “[...] pesquisas sobre uso do tempo e trabalho não remunerado permitem mostrar que a carga de trabalho não remunerado, desigual, tem embasamento na discriminação contra mulheres.” (BARAJAS, 2016, p. 22). De acordo com essa autora, é importante ressaltar que as pesquisas sobre os usos do tempo ainda permitem quantificar o trabalho e contribuição “invisível” das mulheres, principalmente na esfera privada. Sobre a dinâmica dessa temática, Neuma Aguiar (2011) pontua que: Pesquisas de uso do tempo medem a quantidade de tempo despendida por uma determinada população em atividades cotidianas. Essas dimensões temporais servem para orientação prática e estão imersas na cultura. Os ritmos temporais estão vinculados a períodos históricos, e há mudanças nas práticas que demoram a ocorrer, e outras que são mais aceleradas. Uma das finalidades das pesquisas de uso do tempo é a da condução de comparações internacionais sobre as formas de organização do dia a dia das populações, permitindo observar distintos impactos da organização econômica, da estrutura política e de distintas formas culturais de orientação cotidiana. O primeiro grande projeto de impacto internacional foi conduzido por Alexander Szalai e associados em 1966. Para interpretar os dados do Brasil, Amaury de Souza (1976) inseriu os seus achados dentro de um quadro comparativo com os dados obtidos por Szalai e associados. Para compreendermos bem tal quadro, buscamos ajuda nos textos publicados da pesquisa internacional comparada efetuada por Szalai (1972). (AGUIAR, 2011, p. 74). 265 Diante disso, a importância política das temáticas da divisão sexual do trabalho e dos usos do tempo deve levar em consideração que “[a] formulação, implementação e avaliação de políticas exige, para avançar na igualdade entre homens e mulheres, pesquisas (argumentos) em maior número e qualidade [...]” (BARAJAS, 2017, p. 22). Na configuração desse plano e emaranhado conceitual, há de se destacar que a política, tal como é compreendida pela dinâmica de construção do Estado Moderno, é patriarcal. O patriarcado, que é a ideia norteadora e centrípeta até hoje do campo feminista do conhecimento político, que anos mais tarde também foi um conceito muito trabalhado por autoras como Pateman (1993 [1988]) e Walby (1990), pode ser aqui, então, compreendido como uma forma de poder político que reforça o direito patriarcal como uma forma específica de direito político, singular, em que todos os homens exercem pelo fato de serem homens, não só na esfera privada como na esfera pública. Walby aponta a discussão sobre o Estado e o patriarcado em sua obra relativa à divergência das correntes feministas liberal, marxista, da teoria feminista de sistemas-duais e do feminismo radical. O que Walby conclui é que há certo avanço nas políticas de bem-estar, ainda que o Estado continue patriarcal como também ainda permanece capitalista e racista. Porém, ainda que as mulheres possam, com essas políticas, sar da esfera privada e entrar em certas posições na esfera pública, elas não conseguem acender a certas posições desejáveis em cargos públicos, pois não há ainda igualdade de ascensão nessas esferas de poder, como a autora observa (WALBY, 1990, p. 171-172). Para outra autora feminista, Catharine MacKinnon (1995 [1989]), o feminismo carecia de um tratamento teórico sobre o Estado, como também de uma abordagem crítica sobre o poder em uma forma institucionalizada e burocratizada. Pelo movimento feminista até então desconsiderar a dimensão de gênero como uma determinante da conduta estatal, dá-se a impressão de que a conduta do Estado era indeterminada, mas, ao contrário, o poder masculino dentro do Estado é sistêmico. Por isso, o regime estatal masculino é coativo, legitimado e epistêmico. Essa autora, portanto, propõe uma “teoria feminista do Estado” que insere e considera em sua discussão, sobre a análise do poder institucionalizado do Estado, as questões legais e a interpretação social da mulher. O debate internacional em relação às opressões e desigualdades entre os sexos era ainda latente e pouco problematizado na década de 1970, quando a Organização das Nações Unidas deu importantes passos. Em 1975 instaurou-se o Ano da Mulher e no período de 1975-1985 foi decretada a “Década da Mulher”, período no qual se realizaram quatro grandes Conferências Mundiais sobre a Mulher, entre os anos de 1975 e 1995. Do ponto de vista pragmático, esse processo de mobilização internacional assinalou que a intervenção sobre as desigualdades e as opressões sofridas pelas mulheres deveria ser assunto de Estado e que 266 a formulação de políticas públicas voltadas para demandas específicas contribuiriam com a promoção da igualdade de gênero. Dessa forma, passou-se a utilizar, a partir da Terceira Conferência Mundial da Mulher, a noção de “transversalidade de gênero” (gender mainstreaming) tanto como um conceito, quanto também como uma prática das políticas públicas e sociais. Esse conceito é discutido, neste volume, também no capítulo que problematiza as redes de participação e ativismo das delegadas (capítulo 3). Atualmente, esse é um dos conceitos orientadores do Pacto Nacional pelo Enfrentamento à Violência contra Mulheres. Segundo Sylvia Walby (2005), ao incluir a perspectiva de gênero na agenda governamental, tal noção faz que se reoriente e transforme os paradigmas antes vigentes das políticas públicas (que geralmente são burgueses, patriarcais, brancos, heterossexuais). Dessa forma, ficou-se estabelecido que: Transversalidade da perspectiva de gênero é o processo de avaliação das implicações para mulheres e homens de qualquer ação planejada, incluindo legislação, políticas ou programas, em todas as áreas e em todos os níveis. É uma estratégia para fazer com que as preocupações e experiências das mulheres, bem como as dos homens, sejam uma dimensão integrante da concepção, implementação, monitoramento e avaliação de políticas e programas em todas as esferas políticas, econômicas e sociais para que as mulheres e os homens se beneficiem igualmente e a desigualdade não seja perpetuada. O objetivo final é alcançar a igualdade de gênero. (UNITED NATIONS ECONOMIC AND SOCIAL COUNCIL, 1997, tradução nossa). Mas cabe destacar que tal perspectiva é fortemente contestada por analistas e teóricas. De acordo com Alyson Woodward (2008), as contestações surgem porque a transversalidade de gênero é uma novidade, sendo uma técnica e uma prática advinda da governança global. As contestações também são decorrentes, para a autora, da popularidade da ideia, já que o termo “transversalidade” tem sobrevivido, enquanto a discussão em torno da noção de “gênero”, propriamente, tem se perdido. A partir da noção de transversalidade, Woodward (2008) problematiza alguns pontos interessantes. O primeiro deles é que o debate sobre “igualdade de gênero” retomaria as discussões sobre igualdade versus diferença, que ficaram conhecidas como o “Dilema de Wollstonecraft”. A autora ressalta que, paradoxalmente, homens e mulheres devem ser tratados como iguais diante da lei, por buscarem os mesmos direitos, porém eles ainda manteriam suas diferenças. Outro ponto-chave para a autora seria o gesto ambicioso de se “integrar todas as políticas” sob uma mesma ótica. A última questão ressaltada pela autora é que gênero é uma concepção que ultrapassa o conceito de “mulheres”. Porém, como 267 Woodward acrescenta, muitas políticas e relatorias de transversalidade de gênero vão entender esse conceito como “o problema da mulher”, ou como outra questão que não diz sobre as desigualdades entre homens e mulheres, e isso é um problema primário. Diante dessas questões de políticas públicas, o eixo sobre a questão de autonomia econômica das mulheres e as questões no mundo do trabalho foi uma das bandeiras que o movimento feminista discutiu extensivamente (ver o capítulo 1 de Schumaher, neste volume), tendo refletido bastante sobre a tensão existente entre a esfera pública e a privada. A dupla jornada de trabalho das mulheres e, depois, os estudos sobre o uso do tempo tornaram-se pautas importantes da agenda feminista. A teoria feminista denuncia a dualidade diante da questão da produção versus a reprodução e que, por muito tempo, a ideia de trabalhos complementares (trabalhos domésticos e de cuidado seriam responsabilidade das mulheres) foi uma estratégia de dominação utilizada por homens para manter as mulheres em posições socialmente desvalorizadas. A sobrecarga de trabalho com os filhos e o trabalho doméstico faz que as mulheres tenham menos horas do seu dia para lazer e descanso, por isso a questão sobre políticas públicas para se repensar a divisão sexual do trabalho e o trabalho doméstico, bem como sobre paternidade, tem entrado em discussão em países de bem-estar social e outros que estão comprometidos com políticas de gênero e para as mulheres. No caso do Brasil, pensando na necessidade de se produzir indicadores de gênero que subsidiassem a formulação de políticas públicas para as mulheres, a SPM, guiada pela Ação 11.2.22, do II Plano Nacional de Políticas para as Mulheres (II PNPM) de “Instalar o Comitê de Gênero e Uso do Tempo no âmbito do IBGE”, criou o CGUT. Diferente do que estava no plano, foi no âmbito da SPM que se instalou, em 2008, o Comitê Técnico de Estudos de Gênero e Uso do Tempo, que contou com a participação do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) e do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea). Participaram como convidados: a Organização Internacional do Trabalho (OIT) e a ONU Mulheres, entidade das Nações Unidas para a promoção da igualdade de gênero e do empoderamento das mulheres. Segundo Lourdes Bandeira: O pioneirismo da SPM responde às demandas sociais das mulheres, expressadas nas Conferências Nacionais sobre os Direitos das Mulheres e consubstanciadas nos I e II PNPM. Seguramente as análises sobre o trabalho reprodutivo e a economia dos cuidados ainda são incipientes e padecem de falta de estatísticas adequadas. Perante tal fato, a SPM e IBGE juntaram-se em uma parceria para suprir esta lacuna e desenhar a pesquisa em curso, a PNAD Contínua, que investiga sobre os usos do tempo, na complexa dinâmica da divisão sexual do trabalho. (BANDEIRA, 2011, p. 59). 268 A partir dessa prática, a próxima discussão deste capítulo focará especificamente em um breve levantamento histórico sobre a produção acadêmica dos estudos de gênero, divisão sexual do trabalho e pesquisas sobre usos do tempo no Brasil e a relação dos núcleos de pesquisa sobre mulheres e feminismo presentes em todo o território nacional. Estudos e pesquisas sobre as mulheres, feminismo e gênero e os usos do tempo no Brasil O feminismo acadêmico ocuparia, atualmente, espaços em várias matrizes disciplinares, porém, com o efeito da institucionalização, também surgiram os Estudos de Mulheres, Estudos de Gênero e Estudos Feministas, que envolveram tanto razões acadêmicas, como razões políticas (JAGGAR, 2009, p. 191). Segundo Wendy Brown (1997, p. 81, tradução nossa), “[o] desejo pelo status disciplinar foi significado pela pretensão de uma teoria e método distintos (assim como os estudos sobre as mulheres necessariamente desafiaram a disciplinaridade) e o desejo de vencer o desafio radicalizado dos primeiros objetos dos estudos das mulheres em institucionalizar esse desafio no currículo”. A partir da década de 1960, o feminismo acadêmico ocidental definiu metas para essas disciplinas, que passaram por disputas internas, apontando a fragmentação e as fraturas dos Estudos da Mulher, porque essa disciplina não seria de uma conversação única, mas estaria engajada em vários domínios do conhecimento e em diversas correntes teóricas. Também essa institucionalização foi, políticamente e teoricamente, incoerente, ao passo que seria implicitamente conservadora por circunscrever as discussões unicamente às “mulheres” como os principais objetos de estudo. Em represália a esse movimento, o papel de algumas teorias e autoras, como as teorias pós-coloniais, queer e raciais, foi de desestabilizar a categoria “mulheres” e, além de denunciar o determinismo biológico, atribuíram questionamentos importantes sobre as questões raciais e as sexualidades menosprezadas. Na década de 1970, principalmente, devido à “[...] questão da divisão entre os ‘estudos das mulheres’ e da teoria feminista, a insídia política da divisão institucional entre ‘estudos étnicos’ e ‘estudos das mulheres’, [e] uma divisão da mesma forma preocupante entre queer e teoria feminista [...]” (BROWN, 1997, p. 82, tradução nossa), algumas estratégias foram tomadas renegociando teorias, metodologias e os conceitos centrais. No Brasil, o trabalho de livre-docência “A mulher na sociedade de classe: mito e realidade”, de Heleieth Saffioti, defendido sob orientação do professor Florestan Fernandes, em 1967, inaugurava uma série de estudos feministas que 269 se dedicavam a pesquisar a divisão sexual do trabalho, muito influenciadas na época pelas teorias marxistas e socialistas. De acordo com Heilborn e Sorj (1999), a temática de gênero era um dos interesses centrais da Ford Foundation naquele momento, por isso, as diversas dotações para pesquisas que a Ford Foundation, nas décadas de 1970 e 1980, investiu na área acadêmica possibilitaram às feministas, através da Fundação Carlos Chagas, a realizar pesquisas inéditas no cenário nacional. De acordo com Albertina Costa (1994), é durante a década de 1980 que a temática “cresce e se diversifica vertiginosamente”, o que dá início à institucionalização dos núcleos de estudo e pesquisa (ver Quadro 1). Segundo a autora, esses núcleos de estudo sobre a mulher e gênero funcionaram, no meio acadêmico, de forma diversificada cumprindo a “função tríplice”, extensão, ensino e pesquisa e serviram também como um meio de apoio aos cursos de pós-graduação e como uma forma de favorecer a formação de novas pesquisadoras e pesquisadores. Quadro 1: Primeiros núcleos universitários de estudos sobre relações de gênero (ano de fundação) Ano Núcleo 1980 Núcleo de Estudos sobre a Mulher (PUC/RJ) 1981 Núcleo de Estudos, Documentação e Informação sobre a Mulher (Nedim/UFC) 1983 Núcleo de Estudos Interdisciplinares sobre a Mulher (Neim/UFBA) Núcleo Interdisciplinar de Estudos sobre a Mulher (Núcleo Mulher/UFRGS) Núcleo de Estudos e Pesquisas sobre a Mulher (Nepem/UFMG) Núcleo Interdisciplinar de Estudos sobre Gênero (NEG/UFSC) Núcleo de Estudos da Mulher e Relações Sociais de Gênero (Nemge/USP) Centro Interdisciplinar de Estudos Contemporâneos (Ciec/UFRJ) Núcleo de Estudo e Pesquisa sobre a Mulher (Nepem/UnB) Núcleo de Assistência ao Autocuidado da Mulher (Naam/USP) GT Sexo e Relações de Gênero/Núcleo de Documentação e Informação Histórica e Regional (NDIHR/UFPB) Grupo de Estudos de História da Educação da Mulher (Gehem/FAE/UFMG) Núcleo Temático Mulher e Cidadania (NTMC/Ufal) Núcleo Nisia Floresta de Estudos e Pesquisas sobre a Mulher e Relações Sociais de Gênero (Nepam/UFRN) Gênero e Sociedade (Iuperj) Núcleo de Estudos, Pesquisa e Assistência à Saúde da Mulher (EPM) Pagu Centro de Estudos do Gênero (PAGU) (Unicamp) Núcleo de Estudos sobre Gênero Afetividade (NEGA/UFMG) Grupo de Estudos de Educação e Relações de Gênero (Geerge/UFRGS) Núcleo de Estudos Teológicos da Mulher na América Latina (Netmal/IMS) 1984 1985 1986 1987 1988 1989 1990 Fonte: COSTA, 1994. 270 No final da década de 1980, em 1989, o Conselho Nacional dos Direitos da Mulher realizou um levantamento de grupos, instituições e associações de mulheres através das relações dos participantes nos 8º e 9º encontros feministas, que aconteceram em Petrópolis e Garanhuns, respectivamente, e buscaram catalogar as principais áreas de atuação, os objetivos/atividades e a clientela destes. Diante desta publicação, foi feito um recorte dos grupos que realizavam como atividade “estudo-pesquisa”. Cabe ressaltar que a produção de conhecimento não se limitava aos núcleos acadêmicos, mas também abarcava instituições governamentais, como recém-criados organismos de políticas para as mulheres, conselhos, subsecretarias, mas também organismos não-governamentais e movimentos feministas e outros movimentos sociais. Quadro 2: Lista de instituições que realizavam estudo-pesquisa em 1989 (CNDM) UF Tipo Alagoas Outros Alagoas Distrito Federal Distrito Federal Distrito Federal Espírito Santo Goiás Goiás Goiás Maranhão Minas Gerais Núcleo Cema – Centro da Mulher Alagoana Núcleo de Estudo e Pesquisa sobre a Condição Feminina Núcleo de Estudo/Ufal Instituições Comissão de Apoio à Mulher Governamentais/ Trabalhadora Rural Mirad/Sepai Núcleo de Núcleo de Estudos e Pesquisas Estudo/UnB sobre a Mulher – NEPeM Instituições Coordenação de Proteção Governamentais/ ao Trabalho da Mulher e do MT Menor Centro de Integração da Outros Mulher Instituições Secretaria de Estado da Governamentais/ Condição Feminina Secretaria Transas do Corpo – Ações Outros Educativas em Saúde e Sexualidade União de Mulheres de Outros Abadiania – UMA Assessoria de Assuntos para a Outros Mulher do Conselho Regional de Medicina Núcleo de Estudos e Pesquisas Núcleo de sobre a Mulher da UFMG – Estudo/UFMG Nepem 271 Ano de fundação Cidade 1982 Maceió 7/1985 Maceió 2/1986 Brasília 12/1986 Brasília 11/1975 Brasília 4/1983 Vitória 3/1987 Goiânia 4/1987 Goiânia 8/1987 Abadiana 1987 São Luís 9/1984 Belo Horizonte Minas Gerais Outros Pará Outros Paraíba Outros Paraíba Outros Paraíba Outros Pernambuco Outros Pernambuco Núcleo de Estudo/UFPE Pernambuco Outros Pernambuco Outros Paraná Outros Paraná Outros Paraná Outros Rio de Janeiro Rio de Janeiro Rio de Janeiro Rio de Janeiro Rio de Janeiro Rio de Janeiro Rio de Janeiro Rio de Janeiro Rio de Janeiro Outros Outros Outros Outros Grupo de Trabalho – A Mulher na Literatura Conselho Municipal dos Direitos da Mulher Belém/PA Associação Brasileira de Mulheres na Carreira Jurídica Subcomissão Paraíba Grupo de Mulheres Negras de João Pessoa Grupo Feminista Maria Mulher Centro Mulher – Centro de Estudos e Documentação Grupo de Estudos e Pesquisas da Condição da Mulher da UFPE – Gepem Grupo de Estudos da Mulher SOS Corpo – Grupo de Saúde da Mulher Associação de Mulheres de Carreira Jurídica/PR Conselho Estadual da Condição Feminina Movimento Popular de Mulheres do Paraná Centro da Mulher Brasileira Centro de Estudos e Pesquisas da Baixada Fluminense Ciec- Programa de Estudos Feministas Grupo Ceres Grupo de Pesquisas sobre as Condições de Saúde e Trabalho da Mulher Grumin – Grupo Mulheres Outros Educação Indígena Núcleo de Laboratório de Estudos Sobre Estudo/IUPERJ a Mulher Mulheres por um Outros Desenvolvimento Alternativo (Mudar/Dawn) Núcleo de Núcleo de Estudos sobre a Estudo/ PUC Rio Mulher Outros 272 12/1985 Belo Horizonte 3/1987 Belém 4/1987 João Pessoa 3/1987 10/1974 João Pessoa João Pessoa 9/1984 Recife 9/1986 Recife 6/1985 Recife 3/1982 Recife 10/1985 Curitiba 10/1985 Curitiba 1980 Curitiba 10/1975 8/1986 3/1975 7/1987 3/1988 Rio de Janeiro Duque de Caxias Rio de Janeiro Rio de Janeiro Rio de Janeiro Rio de Janeiro Rio de Janeiro 8/1984 Rio de Janeiro 6/1980 Rio de Janeiro Rio de Janeiro Rio de Janeiro Outros Outros Rio de Janeiro Outros Roraima Outros Rio Grande do Sul Outros São Paulo Outros São Paulo Outros São Paulo Outros São Paulo Outros São Paulo Outros São Paulo Outros São Paulo Outros São Paulo Outros São Paulo Outros São Paulo Outros São Paulo São Paulo Núcleo de Estudo/USP Outros Núcleo de Recursos Humanos em Saúde OAB/MULHER – Comissão Feminina/RJ OAB/MULHER – Sub Comissão da Mulher Advogada Barra Mansa Conselho Municipal dos Direitos da Mulher Centro de Informação e Pesquisa Angelina Gonçalves – Cipag Associação de Mulheres de São Caetano do Sul 12/1980 Niterói 9/1985 Rio de Janeiro 7/1987 Barra Mansa 9/1987 Boa Vista 4/1986 Porto Alegre 5/1987 Centro de Memória Sindical 6/1980 Coletivo de Pesquisa sobre a 1975 Mulher Comitê Técnico Permanente de Estudo e Defesa dos Direitos 6/1988 da Mulher Conselho Estadual da Condição Feminina de São 4/1983 Paulo Conselho Estadual da Condição Feminina de São 3/1986 José dos Campos Conselho Estadual da 6/1986 Condição Feminina de Marília Grupo de Saúde da Mulher Div. Saúde Materna e da 12/1983 Criança Instituto de Estudos Interdisciplinares sobre as 1982 Relações Sociais de Gênero – Ieros Mulher – Imagens do 1986 Cotidiano Campos Núcleo de Estudos da Mulher e 1986 Relações Sociais de Gênero Rede Mulher 1983 São Caetano do Sul São Paulo São Paulo São José dos Campos São Paulo São José dos Campos Marília São Paulo São Paulo São Paulo São Paulo São Paulo Fonte: CNDM, 1989. Sobre a temática do uso do tempo, as pesquisas realizadas pelo húngaro Alexander Szalai, nos países da antiga URSS, e, no Brasil, por Amaury de Souza 273 (em 1973), foram seguidas pelo pioneirismo da professora Neuma Aguiar, tanto teórico, quanto metodológico, ao introduzir a discussão do uso do tempo para os estudos feministas e de gênero na academia brasileira, após a realização, em 1978, do seminário “A mulher na força de trabalho na América Latina”, na sede do Iuperj. Esse seminário foi o embrião para a formatação, tendo alavancado o grupo de trabalho nos encontros da Associação Nacional de Pós-Graduação em Ciências Sociais (Anpocs), em 1979, conhecido como GT “A Mulher na força de trabalho”, que congregou pesquisadoras e pesquisadores que debateram as temáticas, tanto da mulher no mercado de trabalho quanto a discussão de novas metodologias para os novos estudos feministas, que recém surgiam no Brasil. Como Britto e Neto (1982) afirmam: A preocupação com a temática “Tempo de Trabalho”, de sua utilização na investigação microanalítica e de sua condução, em uma instância, a um corpo teórico abrangente, fico patenteada com a resolução do Grupo de Trabalho Mulher na Força de Trabalho da Anpocs, em sua Reunião Anual de 1981 de, na medida do possível explorar-se essa vertente na busca de uma avaliação tanto quanto possível, nacional. (BRITTO; NETO, 1982, p. 1). Quadro 3: GT Mulher e a Força de Trabalho nos Encontros da Anpocs 1979/1989 Encontro da Ano Anpocs III Local Trabalhos apresentados no GT “A Mulher na Força de Trabalho” Alice Rangel de Paiva Abreu (USP) – O Mundo da Costura: algumas considerações sobre o trabalho assalariado e atividades independentes na indústria da confecção Fanny Tabak (PUC/SP) – Associações Femininas como Grupos de Pressão Política Lúcia Ribeiro de Souza (IBGE) – O trabalho feminino e a estrutura Belo familiar 1979 Horizonte Maria Moraes, Cristina Bruschini e Carmem Barroso – Unidades Domésticas, Organizações de Mulheres e Estratégias de Sobrevivência no Brasil*** Parry Sccott (UFPE) – A Produção Doméstica e a Mulher no Recife Zaira Ary Farias (UFC) – Aspectos relacionados com a situação da mulher – dona de casa face ao trabalho doméstico e extradoméstico: algumas notas 274 IV V Felícia R. Madeira e Maria Q. de Moraes (USP) – Notas Preliminares sobre a evolução do trabalho feminino no Brasil 68/78: algumas reflexões sobre o tema “mulher e trabalho”*** Cheywa Spindel – A mulhera na indústria do vestuário Amélia Rosa Sá Barreto Teixeira, Ana Clara Torres Ribeiro e Filippina Chinelli Casa e Fábrica: a organização política da Mulher trabalhadora*** Heleieth Saffioti – O impacto da industrialização na estrutura do emprego feminino Neuma Aguiar (Iuperj) – Um guia exploratório para a compreensão do Rio De 1980 trabalho feminino*** Janeiro Liliana Acero – La Mujer en el proceso de trabajo – una fábrica textil Maria Valéria Junho Penha (UFRJ) – A Revolução de 30, a família e o trabalho feminino Simon Schwartzman – A Igreja e o Estado Novo: O Estatuto da Família Selene Herculano dos Santos – A mulher de formação universitária em algumas empresas estatais Vera Maria Cândido Pereira (UFRJ) – A dupla subordinação das mulheres – análise de depoimentos de operárias têxteis Zahidé Machado Neto (UFBA) – Mulher e Estado – Funcionária Pública: A dona de casa nas “repartições” Alda Brito (UFBA) – Emprego Doméstico no Capitalismo – O caso de Salvador Alice Range Paiva de Abreu – Algumas considerações sobre a posição trabalhista de costureiras externas na indústria de confecção no Rio de Janeiro Francisca Laíde de Oliveira, Jane Souto de Oliveira, Rosa Maria Porcaro, Tereza Cristina Costa – Desvendando o trabalho da Mulher: notas para uma discussão Heitor Mansur Caulliraux (UFRJ) – Formas de resistência na indústria do vestuário Nova Heleith Saffioti e Vera Lúcia Botta Ferrante (Unesp/Araraquara)– 1981 Friburgo Mulher e trabalho numa zona rural paulista Maria José Carneiro – Ajuda e trabalho: a subordinação da mulher no campo Maria Valéria Junho Pena (UFRJ) – Lutas Ilusórias: As mulheres na política operária da Primeira República Marina Figueiredo de Mello (Puc Rio) – O mercado de trabalho: uma abordagem da participação feminina Zahidé Machado Neto (UFBA) – A força de trabalho da mulher no espaço do bairro Zaira Ary Farias (UFC) – A situação das mulheres na sociedade de classes: o valor social do trabalho doméstico 275 VI VII VIII Alda Britto e Zahidé Machado Neto (UFBA) – Tempo de Mulher, Tempo de Trabalho: Entre Mulheres Proletárias em Salvador*** Heleith Saffioti e Vera Lúcia Botta Ferrante (Unesp/Araraquara)– Trabalhadoras rurais: exclusão e contradição Maria Coleta Oliveira (USP)- O trabalho feminino e trabalho familiar: um estudo sobre trabalhadoras agrícolas em São Paulo, Brasil Mariza de Athayde Figueiredo – Orçamento de tempo: método aplicado Nova 1982 pelas Ciências Sociais nas pesquisas de campo*** Friburgo Neuma Aguiar (IUPERJ) – Orçamento de tempo em perspectiva comparada: uma proposta de pesquisa*** Zaira Ary Farias – Contribuições recentes para o estudo de orçamento de tempo: uma resenha*** Zuleica Oliveira, Márcia Vianna e Juarez Oliveira – Aspectos sociodemográficos do trabalho feminino nas áreas urbanas do estado de São Paulo: 1970-1976 Anamaria Beck, Claudia Maria Costa, Eugenio Pascele Lacerda, João Carlos Torrens – Um trabalho atoa: a produção e a comercialização da renda de bilro e suas implicações para a economia familiar Gilda de Castro Rodrigues (UFPB) – Camponesas no Cariri Paraibano Luciano Figueiredo e Ana Maria Bandeira Magualdi – Negras de tabuleiros e vendeiras: a presença feminina na desordem mineira no século XVIII Marcus Figueiredo – Estudo comparativo do papel socioeconômico das mulheres chefes de família em duas comunidades negras de pesca Águas de artesanal (costa atlântica) 1983 São Pedro Maria Malta Campos, Marta Grosbaum, Regina Pahim, Fúlvia Rosemberg – Profissionais de creche Maria Lúcia Sá Maia (UFPA), Edna Castro (UFPA), Edila Moura (FUA), Ernesto Pinto (FUA), Marilene Silva (FUA) – A mobilidade do trabalho feminino e a reprodução da força do trabalho: análise da família operária em Belém e Manaus Marise Vianna – Determinantes psicossociais da consciência social das empregadas domésticas de São Paulo: um estudo de caso Neuma Aguiar e Vanda Aderaldo – Trabalho feminino e propaganda governamental Águas de 1984 Sem informações São Pedro 276 IX X Gilda Castro (UFPB) – O mito de Adão e Eva: A legitimidade da dominação masculina Cristina Bruschini – Mulher e trabalho : uma avaliação da década da mulher 1975-1985 Heleieth Saffioti – Força de trabalho feminina no Brasil: no interior das cifras Maria Moraes Silva – Trabalhadores e trabalhadoras rurais no estado de São Paulo Águas de 1985 Manoel Tourinno, Janett Ferreira e Margarida Zaroni – Modernização São Pedro agrícola na região cacaueira e o trabalho da mulher: efeitos do salário, tecnologia e estrutura fundiária Paulete Goldenberg – Mulher, trabalho e aleitamento: uma questão sobre reprodução social Rosa Lúcia Moyses – Sobre o processo e a divisão sexual do trabalho nas indústrias farmacêuticas e de cosméticos Zaira Ary (UFC) – Ciências Sociais e a “questão da mulher”: apontamentos sugestivos Campos 1986 Não foi realizado o GT do Jordão 277 XI XII Naumi Antonio de Vasconcelos (Ieros/PUCSP) – Reflexões sobre o poder macho – Ícaros, Laios, Édipos / ou/ Macunaíma, mon amour (1ª versão) Ícaros, Édipos, Laios: ascensões e quedas ou Macunaíma, mon amour (2ª versão) Edgar de Assis Carvalho (Unesp/PUCSP) – Poder masculino e Contrapoderes femininos em sociedades sem classes (1ª e 2ª versão) Norma Telles (Ieros/PUCSP) – A crise do poder do macho e outras crises (1ª versão) A crise do poder do macho (2ª versão) Marijane Lisboa (Ieros/PUCSP) – A crise de identidade do macho ( 1ª e 2ª versão) Zuleika Lopes de Cavalcanti de Oliveira (IBGE/RJ) – A crise e os arranjos familiares de trabalho urbano – mudanças e composição da força de trabalho urbano familiar (1ª versão) A Crise e os Arranjos Familiares de Trabalho Urbano (2ª versão) Neuma Aguiar e David P. Morais (Iuperj) – Crise e desenvolvimento – trabalho e gênero em uma plantação canavieira (1 ª e 2ª versão) Edila Ferreira Moura (UFPA) – A mulher frente à ação dos grandes Águas de projetos: formas de resistência e resignação (2ª versão) 1987 São Pedro Teresita de Barbieri (Unam) e Orlandina de Oliveira (Unam/Colegio de México) – La Presencia de las Mujeres em América Latina em uma Década de Crisis (1 ª e 2ª versão) Cheywa R. Spindel (Idesp/SP) – A mulher frente à crise econômica dos anos 80 – algumas reflexões com base em estatísticas oficiais (1ª versão) A mulher frente à crise econômica dos anos 80 – novas reflexões sobre um velho problema (2ª versão) Maria Dirlene Trindade Marques (UFMG) – Relações de poder e dominação sobre a força de trabalho feminina (2ª versão) Maria Helena Machado (Ensp/Fiocruz-RJ) – A participação da mulher na força de trabalho em saúde no Brasil – 1970-80 (1 ª e 2ª versão) Maria Aparecida M. Silva (Unesp) – O capital na agricultura e a nova divisão sexual do trabalho (1 ª e 2ª versão) Sandra Azeredo (UFMG) – Relações entre empregadas e patroas (1 ª e 2ª versão) Edgard de A. Carvalho – Pensamento selvagem e relações de gênero (1ª versão) Maria D. T. Marques, Silvia E. C. Morales e Heloisa Helena Gonçalves – Poder e dominação sobre a força de trabalho feminina (1ª versão) 1988 Águas de São Pedro Não foi realizado o GT 278 Michele Ferrand (CNRS-Paris) – Reflexões metodológicas sobre uma abordagem em termos de relações sociais de sexo (1ª e 2ª versão) Lena Lavinas (IPPUR/UFRJ) – Identidade de gênero: um conceito da prática (1ª e 2ª versão) Heleieth I. B. Saffioti (PUCSP) – Ideologia e razão dualista (1ª e 2ª versão) Alda Britto da Motta (UFBA) – Emprego doméstico: revendo o novo (1ª e 2ª versão) Mary Garcia Castro (UFBA) – A busca por uma identidade de classe XIII 1989 Caxambu pelas empregadas domésticas da América Latina e do Caribe (1ª e 2ª versão) Maria de Moraes Silva (UNESP) – Quando as andorinhas são forçadas a voar (1ª e 2ª versão) Naumi Antonio de Vasconcelos (Cenp) – Uma abordagem psicanalítica do machismo brasileiro (machismo e agressividade no brasil: um caso de desmame difícil) (1ª e 2ª versão) Florisa Verucci (OAB-SP) – A mulher e a família na nova constituição brasileira (1ª e 2ª versão) Fonte: Elaborações próprias a partir do site da Anpocs. *** trabalhos voltados para a temática dos usos do tempo. Desde as acaloradas discussões das décadas 1979-1989 na Anpocs aos anos subsequentes, até a introdução na PNAD, pelo IBGE, de questões relativas ao trabalho doméstico, a importância da temática do uso do tempo ganhava importância no cenário nacional com os cursos de Metodologia Quantitativa na UFMG e com a realização do congresso da International Association of Time-Use Research (Iatur), também na UFMG, pela primeira vez no Brasil, em 2000. Os trabalhos e pesquisas acadêmicos de grande fôlego em uso do tempo no Brasil ficaram restritos a duas pesquisas realizadas em metrópoles brasileiras, uma realizada por Amaury Souza (1973) e a outra por Neuma Aguiar (2001). Segundo Neubert (2011, p. 48), outros trabalhos importantes de pesquisa vinculados ao grupo de pesquisa de Aguiar foram: “o estudo de Souza (2007) sobre o tema da masculinidade, a análise desenvolvida por Neto (2009) a respeito das atividades de deslocamento e a análise desenvolvida por Neubert (2006) sobre a dimensão da desigualdade ocupacional.” O desenvolvimento das pesquisas com diários nas capitais da Guanabara (realizada por Souza) e na Região Metropolitana de Belo Horizonte (por Aguiar), foram pioneiras nesse tipo de estudo no Brasil. Neuma Aguiar (1998) também desenvolveu a pesquisa de usos do tempo no contexto rural nas plantações rurais, utilizando o método dos diários e os desafios da sua aplicação com analfabetos. 279 No que tange à participação brasileira no evento da International Association for Time-Use Research (Iatur), desde a primeira edição no Brasil, em 2000, pode-se notar que foi após a criação do CGUT, em 2008, que nos anos de 2010-2011 houve aumento da participação brasileira no evento, que não ficou mais restrita em sua maioria aos pesquisadores da UFMG e ao grupo de pesquisa coordenado pela professora Neuma Aguiar. Passou a ocorrer a inclusão da participação de alguns pesquisadores de outras instituições, principalmente da SPM e do IBGE. Porém, de acordo com as atas das reuniões do CGUT, sistematizadas em Cypriano (2013), o papel da professora Neuma Aguiar em articular a relação do Comitê com a Instituição internacional foi crucial para a realização do evento em 2013 no Brasil novamente. Somada à contribuição da Professora Neuma Aguiar à temática de gênero e usos do tempo, na configuração desse campo do conhecimento há também a importância de acadêmicas que contribuíram direta ou indiretamente na construção da Secretaria de Políticas para as Mulheres (SPM). Segundo Marina Brito (2015): Várias feministas acadêmicas e militantes ocuparam ou ocupam cargos comissionados na SPM. Algumas delas vieram a ocupar posições nesse staff por seu reconhecido papel na atuação em organizações da sociedade civil, outras por via dos partidos políticos ou redes formadas entre as feministas que, ao serem chamadas para a Secretaria, acabaram levando consigo colegas que conheceram durante seus trabalhos realizados na esfera da sociedade civil. A presença de mulheres com este perfil, atuando não apenas na SPM, mas também em outros Ministérios e agências estatais, criou alguns importantes canais de diálogo entre os movimentos e o Estado. Algumas das ativistas que assumiram cargos durante os anos 2000 continuaram a militar em movimentos feministas e de mulheres, mesmo que de forma muito menos intensa e recorrente quanto antes. (BRITO, 2015, p. 183). Destacando-se a importância de Lourdes Bandeira, Hildete Pereira e Tatau Godinho e, posteriormente, da própria ministra Eleonora Menicucci. Todas estsas doutoras revelam a diversidade de reportórios na atuação feminista, visto o entrelaçamento de suas trajetórias como militantes, acadêmicas e também como femocratas. Sobressai-se, assim, dois fatores relevantes na trajetória da Secretaria de Políticas para as Mulheres: (i) as duas ministras que mais tempo ficaram na Secretaria eram docentes em universidades públicas; e (ii) havia o incentivo à contratação, tanto nos cargos comissionados como nas consultorias temáticas, de profissionais com origem acadêmica. 280 Há de se ressaltar ainda a estrutura organizativa da SPM, que, desde a sua criação, se configurava em três áreas/subsecretarias: a de Enfretamento à Violência contra as Mulheres; a de Autonomia Econômica; e a de Áreas Temáticas. Pela própria dinâmica institucional e organizacional, desde a sua fundação, cabe destacar que a temática da divisão sexual do trabalho e dos usos do tempo era contemplada por essa dinâmica institucional. Para além da dinâmica dentro da SPM, há também de se lembrar da importância de pesquisadoras(es) dos outros órgãos que configuraram o CGUT, e grande parte também tinha uma relação estreita com o feminismo acadêmico (ver Quadro 4). Quadro 4: Participantes do Comitê de Gênero e Usos do Tempo entre 2009-2013 Órgão SPM Participantes Ana Maria Mesquita Breno Cypriano Cláudia Pedrosa Cristina Queiroz Daniel Piza Eleonora Menicucci (Ministra) Fábia Oliveira Gabriela Parente Guaia Monteiro Hildete Pereira Lourdes Bandeira (Secretária) Luana Pinheiro*** Luane Cruz Luciana Santos Marcela Rezende Mariana Mazzini Paloma Sanches Renata Laviola Renata Rossi Renata Sakai Rosa Maria Silva Rodrigo Giacomitti Silvana Zuccolato Tais Cerqueira Taís Machado Tatu Godinho (Secretária) Thiago Cantalice Valéria Moraes Vera Soares 281 IBGE Ipea ONU Mulheres (Unifem) OIT Ana Lucia Sabóia Bárbara Cobo Betina Fresneda Cintia Agostinho Cristiane Soares Danielle Macedo Fatmato Hany Jacqueline Manhães Lara Gama Cavalcanti Márcia Quintslr Ricardo Silva Roberto Neves Sant’Anna Rosane Oliveira Luana Pinheiro Marcelo Galiza Maria Abreu Natália Fontoura Paula Costa Paula Rincon Ana Carolina Querino*** Danielle Valverde Cleiton Lima Juana Lucini Shirley Villela Ana Carolina Querino Márcia Vasconcelos Fonte: Elaboração própria a partir de Cypriano, 2013. *** as servidoras mudaram de órgão durante o período analisado. Por fim, cabe destacar também a atuação do IBGE na contribuição para a disseminação da temática no Brasil, tanto para as pesquisas de uso do tempo, quanto também para a sua importante atuação dentro do CGUT. De acordo com Cavalcanti, Paulo e Hany (2009): A identificação da necessidade de se investigar o uso do tempo não é nova no instituto. Desde a década de 90, a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) já vem investigando se as pessoas realizam afazeres domésticos e quantas horas por semana dedicam a esta atividade, além do tempo gasto no deslocamento casa-trabalho. Em 2001, o IBGE também realizou um pequeno teste de pesquisa de uso do tempo em alguns bairros do Rio de Janeiro, através do Curso de Desenvolvimento de Habilidades em Pesquisa (CDHP), que proporciona treinamento em pesquisa aos funcionários do Instituto. Em 2007, o IBGE sediou o Seminário Internacional sobre Uso do Tempo, realizado em parceria com o Unifem e com o apoio da SPM. O seminário reuniu representantes de institutos de estatística de diferentes países, de organismos internacionais e de gestores públicos para estudar as melhores práticas na obtenção de estatísticas de uso do tempo. A partir desta 282 experiência acumulada e da participação do IBGE no Comitê de Estudos de Gênero e Uso do Tempo, o Instituto identificou uma boa oportunidade para a realização de um teste, inserindo então um suplemento da Pesquisa do Uso do Tempo no teste da PNAD Contínua, cujo período de referência da coleta foi de outubro a dezembro de 2009, em cinco Unidades da Federação (UF). No Rio de Janeiro, o período de referência da coleta é de outubro de 2009 a setembro de 2010. A PNAD Contínua é a pesquisa que substituirá a atual PNAD e a Pesquisa Mensal de Emprego (PME), a partir de 2011, e fará parte do novo Sistema Integrado de Pesquisas Domiciliares do IBGE. Concluiu-se que este ambiente de teste seria propício para a inserção da investigação sobre uso do tempo, já que um tema novo e complexo como este precisaria passar por uma avaliação metodológica antes de ser aplicado em definitivo no país inteiro.” (CAVALCANTI; PAULO; HANY, 2010, p. 2-3). Além das contribuições da SPM e do IBGE, haveria de se destacar a importante contribuição das pesquisas e estudos produzidos pelo Ipea, como cita, por exemplo, Fontoura e Araújo (2016). O que as mulheres das políticas para as mulheres pensam sobre as questões da divisão sexual do trabalho e os usos do tempo? Esta última seção do capítulo contempla a parte metodológica e a análise dos dados referentes às pesquisas de survey realizadas pelo Núcleo de Estudos e Pesquisas sobre a Mulher (Nepem/UFMG) na 3ª Conferência Nacional de Políticas para as Mulheres, em 2011, e na 4ª Conferência Nacional de Políticas para as Mulheres, em 2016. Uma das dimensões da pesquisa foi compreender a percepção, para esse segmento de mulheres, sobre as questões referentes à dinâmica da divisão sexual do trabalho e os usos do tempo no Brasil. Há de se destacar que uma primeira consideração sobre o tratamento dos dados é o perfil das delegadas entrevistadas pela pesquisa (tanto da sociedade civil como do Estado), que vai de encontro à dimensão que aqui é ressaltada neste capítulo: a relevância e centralidade da dimensão acadêmica do feminismo. A maioria das delegadas respondentes tem curso superior completo ou pós-graduação, sendo 63% em 2011, e 64,7% em 2016. Somado ao dado de escolaridade, outro indício dessa questão é discutido no capítulo sobre redes de Marlise Matos e Sonia E. Alvarez, pois há também a evidência de que uma parte das trajetórias políticas dessas delegadas, dentro do feminismo, começou na militância em movimentos estudantis e universitários. 283 Passando a discutir os dados de percepção das delegadas em ambas as conferências, os principais eixos de análise aqui tratados são: (i) as principais desigualdades existentes entre homens e mulheres; (ii) o problema das mulheres no Brasil; (iii) o que deve mudar para melhorar a vida das mulheres; (iv) questões de concordância e discordância; (v) os motivos que levam as mulheres a ter uma posição inferior aos homens no mercado de trabalho; e (vi) a visibilidade dos programas ou políticas realizados pela SPM. Destaca-se que na pesquisa realizada há a replicação de algumas perguntas da Pesquisa da Fundação Perseu Abramo, “Mulheres brasileiras e gênero nos espaços público e privado”.8 Na apresentação dos dados abordar-se-á, quando possível, essa comparação. Com relação à questão “Em sua opinião, atualmente qual é o principal problema enfrentado pelas mulheres no Brasil? E o segundo? E o terceiro?”, essa pergunta espontânea foi aplicada apenas na Conferência de 2016, elencando o primeiro, o segundo e o terceiro problemas das mulheres no Brasil e, posteriormente, codificados em categorias (Gráfico 2). Portanto, para essa pergunta não há comparação com a pesquisa realizada na Conferência de 2011. Sobre esse aspecto, percebe-se que quando as delegadas foram perguntadas sobre qual é o primeiro problema, há a relevância do problema relacionado à violência (39,7%). Porém, ao somar os três problemas elencados por elas, percebe-se que o problema relativo a trabalho e renda tem grande relevância (62%), juntamente ao problema da violência (60,8%). 8 A pesquisa foi realizada em duas etapas, nos anos 2001 e 2010 (em parceria com o Sesc). Cabe salientar que a pesquisa traz questões de atitude e percepções sobre temas, como: percepção de ser mulher, machismo e feminismo; divisão sexual do trabalho e tempo livre; corpo, mídia e sexualidade; saúde reprodutiva e aborto; violência doméstica; democracia, mulher e política (FUNDAÇÃO PERSEU ABRAMO, 2010). 284 Gráfico 2: Problema das mulheres no Brasil (principal, segundo e terceiro) Fonte: Elaboração própria. Passando a analisar a questão: “Pensando no mundo de hoje, quais são para você as principais desigualdades que existem entre as mulheres e os homens? O que mais é desigual? E em segundo lugar? E em terceiro lugar?”, essa pergunta espontânea está presente nos questionários aplicados nas duas ondas da pesquisa (Gráfico 3). A resposta das delegadas, tanto em primeiro e em segundo lugar, dá dimensão do trabalho/profissional/salário/renda como a principal desigualdade entre os sexos. Em 2011, 96,2% das delegadas relataram essa dimensão, e, em 2016, 98,2% das delegadas. Cabe destacar que a desigualdade na política e no poder aparece como uma dimensão relevante em 2016, talvez por conta do processo de impeachment que a presidenta Dilma Rousseff sofria. 285 Gráfico 3: Desigualdades que existem entre homem e mulher? Em primeiro lugar? E em segundo? Fonte: Elaboração própria. Diante dessas duas primeiras perguntas, constata-se que é evidente que a desigualdade de gênero para as participantes ocorre principalmente no ambiente profissional, na esfera do trabalho, porém quando se busca conceitualizar a noção de “problema para as mulheres”, este inclui também a ideia de violência e de discriminações. Essa comparação traduz algumas questões relativas aos problemas cognitivos que surgem em pesquisas de survey e percepção. Tal questão fica mais evidente com a pergunta “Se você pudesse mudar qualquer coisa para que a vida de todas as mulheres melhorasse, qual seria a primeira coisa que você faria? E a segunda? E a terceira?” (Gráfico 4). Muitas delegadas responderam que deveria ser alguma mudança relativa à equiparação profissional e de renda como um dos principais aspectos, mas questões como educação e creche, combate às discriminações e autonomia, bem como políticas públicas/participação política influem diretamente no combate à desigualdade na divisão sexual do trabalho e nos usos do tempo. Nessa questão o efeito da conjuntura política vivida pela presidenta Dilma Rousseff também nos pareceu evidente: 62,9 % viram a equiparação profissional e de renda como uma questão mais relevante em 2011 e 65,2% apontaram a participação política e no poder e as políticas públicas como os principais 286 aspectos a se mudar, para melhorar a vida das mulheres. Há de se destacar que tal resultado também pode ser efeito de como o tema das mulheres na política foi sendo gradativamente colocado em discussão pública ao longo desses anos, muito em função, evidentemente, dos movimentos, da própria SPM, de como o governo incorporou a pauta, das campanhas de conscientização estimuladas pela Justiça Eleitoral, entre outros fatores. Gráfico 4: O que deve mudar para melhorar a vida das mulheres? Em primeiro lugar? Em segundo? Em terceiro? Fonte: Elaboração própria. Passando para uma lista de questões estimuladas realizadas nas duas ondas da pesquisa que estão relacionadas a temas ligados à família e a outras relações sociais no Brasil, perguntou-se às delegadas se elas concordam totalmente, concordam em parte, discordam em parte, ou discordam totalmente com as afirmativas colocadas – a opção não concorda, nem discorda não é estimulada, só foi anotada, caso a delegada falasse espontaneamente. Foram selecionadas quatro afirmativas: (i) “Uma pessoa sozinha pode criar os filhos tão bem quanto um casal que vive junto”; (ii) “Quando têm filhos pequenos, é melhor que o homem trabalhe fora e 287 a mulher fique em casa”; (iii) “Homens e mulheres deveriam dividir igualmente o trabalho doméstico”; e (iv) “É principalmente o homem quem deve sustentar a família”. A análise de tais afirmativas procura exemplificar como as colocações teóricas de autoras como Okin (2008 [1998]), Phillips (1991), Tronto (1996), Pateman (1993 [1988]) e Walby (1990), sobre as dinâmicas do público e privado, do cuidado e do patriarcado, são questões ainda em disputa dentro da própria luta das mulheres e feministas, neste caso, através da visão das delegadas. Como pode ser observado no Gráfico 5, a maioria das delegadas respondeu que concordam totalmente, em ambas as ondas da pesquisa, sobre as afirmativas (i) e (iii). Já sobre as afirmativas (ii) e (iv), há uma maioria que discorda totalmente sobre elas, mas há de se destacar que na discussão sobre “Quando têm filhos pequenos, é melhor que o homem trabalhe fora e a mulher fique em casa”, há respostas que concordam com a alternativa, talvez por creditarem uma importância no papel da maternidade e do cuidado, ou talvez por acreditarem na ideia de “papéis sexuais” diferenciados, recolocando uma abordagem mais tradicional sobre o papel das mulheres na esfera privada. Na pesquisa da Fundação Perseu Abramo, em ambas as ondas, tanto em 2001, quanto em 2010, foram realizadas três dessas questões (as alternativas eram diferentes, se concorda, se discorda e nem concorda, nem discorda): sobre a segunda afirmativa, “Quando têm filhos pequenos, é melhor que o homem trabalhe fora e a mulher fique em casa”, 85% das respondentes concordavam, em 2001, e 75% em 2010; sobre a terceira afirmativa, “Homens e mulheres deveriam dividir igualmente o trabalho doméstico”, 87% das respondentes concordavam, em 2001, e 93%, em 2010; e sobre a quarta afirmativa, “É principalmente o homem quem deve sustentar a família”, 55% das respondentes concordavam, em 2001, e 51%, em 2010. Evidencia-se que as amostras, por contemplarem públicos diferentes, apresentaram resultados discrepantes. Nas afirmativas (ii) e (iv) a tendência da amostra brasileira é concordar com as alternativas, apresentando uma visão talvez mais tradicional que a das delegadas das conferências, ponto que é discutido em maior detalhe no capítulo 4 deste volume. 288 Gráfico 5: Se concorda, concorda em parte, não concorda nem discorda, discorda em parte, discorda totalmente com as afirmações Fonte: Elaboração própria. As últimas discussões sobre os dados referem-se à construção das políticas públicas promovidas pela Secretaria de Políticas para as Mulheres. Diante da pergunta estimulada realizada em 2016, “Desta lista de programas e ações da SPM, qual você considera o mais importante?”, as respondentes indicaram como mais importante: o Ligue 180 – Central de Atendimento à Mulher (26,1%) e o Programa Mulher, Viver sem Violência (23,4%). Os programas referentes à temática da divisão sexual do trabalho e usos do tempo ficaram em quinto e sétimo lugar: Fortalecimento da política de autonomia econômica das mulheres (11,4%) e Programa Pró-Equidade de Gênero e Raça (2,7%). 289 Gráfico 6: Indica qual Programa ou ação da SPM, dentro da lista dos programas avaliados, a respondente considera o primeiro mais importante Fonte: Elaboração própria. Abordando mais especificamente a dimensão da divisão sexual do trabalho, a pergunta estimulada “Existem vários motivos que levam as mulheres a terem uma posição inferior aos homens no mercado de trabalho. A Secretaria de Política para as Mulheres tem algumas iniciativas para tentar superar isso. Qual dessas inciativas você acha mais importante de serem realizadas pela Secretaria? E em segundo lugar? E em terceiro lugar?”, realizada na onda da pesquisa de 2016, apresenta especificamente algumas questões mais concretas referentes às melhorias em termos de políticas públicas que visam superar as desigualdades de gênero, que foram elencadas e centrais nas outras perguntas. Como pode ser observado no Gráfico 7, os principais motivos apontados pelas delegadas foram: em primeiro lugar, com 79,1%, apoiar projetos que visam desnaturalizar a divisão sexual do trabalho que estrutura as desigualdades na vida das mulheres; em segundo lugar, com 75,7%, articular com outros Ministérios e com os outros poderes de forma a garantir mais direitos trabalhistas para as mulheres; e, em terceiro lugar, com 64,4%, promover políticas públicas com foco na mudança e alteração do cotidiano e no uso do tempo das mulheres. 290 Gráfico 7: Principais iniciativas da SPM para superar as desigualdades no mercado de trabalho (primeiro, segundo e terceiro lugar) Fonte: Elaboração própria. Cabe ressaltar que, além das alternativas colocadas na questão anterior, haveria alternativas para a utilização das políticas públicas como ferramentas centrais e formas de superação da divisão sexual desigual do trabalho e a desigualdade nos usos do tempo entre os sexos. De acordo com Bandeira e Petrulan (2016, p. 58): Outras importantes políticas, como a ampliação dos serviços voltados a idosas(os), instalação de restaurantes populares, ampliação da licença paternidade e/ou criação da licença parental são exemplos entre diversas possibilidades que poderão pautar a atuação do Estado brasileiro nos próximos anos para promover uma maior igualdade de gênero no que tange aos usos do tempo. A partir dessas análises apresentadas, o que se pode chamar atenção neste caso é que a discussão sobre o público e o privado, o cuidado, a divisão sexual do trabalho e os usos do tempo quando verificados empiricamente é crucial para o entendimento da política e das formas das mulheres de atuarem politicamente enquanto atrizes políticas, tornando-se fatores imprescindíveis para a elaboração e formulação de políticas públicas. 291 Considerações finais A importância de se discutir temas tão cruciais na construção das políticas para as mulheres, como é a questão da divisão sexual do trabalho e dos usos do tempo, serve para resgatar o esmero desprendido no Brasil para se construir um campo de pesquisas acadêmico e, após a entrada no Estado e em outros espaços públicos, tentar colocá-los na configuração das próprias políticas públicas, ainda que de forma muito tímida. Este capítulo serve também como registro histórico, por tratar da importância da criação de um Comitê específico na discussão sobre os usos do tempo no Brasil e ao mesmo tempo retraçar algumas de suas ações e repercussões no desenho das políticas públicas. Esses registros também buscaram resgatar a interposição entre a construção do campo de pesquisa e estudos sobre as mulheres, feminismo e gênero no Brasil, e as trajetórias feministas, que muitas vezes estão marcadas pelo entrelaçamento de múltiplas posições e repertórios nos cenários políticos e públicos: das militantes, acadêmicas e femocratas. Para aquelas que participaram do processo de discussão e construção de propostas para as políticas para as mulheres e foram analisadas pelos dados das duas ondas da pesquisa sobre as CNPMs, percebeu-se uma clareza quanto à relevância da temática da divisão sexual do trabalho e usos do tempo, porém não há clareza quanto à dimensão política/prática desta. Faltaria conhecimento sobre as políticas que foram formuladas no cenário brasileiro e/ou necessitaria de novas políticas para se resolver os problemas, como problematizado por Bandeira e Petrulan (2016). A SPM e as Conferências foram momentos importantes para se articular, na prática, a transversalidade de gênero, dentro de um Estado ainda patriarcal. Caminhava-se, talvez, para um tímido começo em esforços de despatriarcalização com tais iniciativas, porém, o cenário atual indica o caminho inverso, com o desmonte dos programas e políticas aqui citados. Caminhamos agora para uma repatriarcalização? Referências AGUIAR, Neuma Figueiredo. Múltiplas temporalidades de referência: trabalho doméstico e trabalho remunerado em uma plantação canavieira. Belo Horizonte: UFMG, 1998. 40 p. (Textos Sociologia e Antropologia, n. 53). ______. 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