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M433q Matos, Marlise
Quem são as mulheres das políticas para as mulheres no Brasil: expressões
feministas nas Conferências Nacionais de Políticas para as Mulheres Vol 2 /
Marlise Matos, Sonia E. Alvarez. - Porto Alegre, RS : Zouk, 2018.
312 p. : il. ; 16cm x 23cm.
Inclui índice e bibliografia.
ISBN: 978-85-8049-067-1
1. Ciência Política. 2. Sociologia. 3. Mulheres. 4. Feminismo. I. Alvarez,
Sonia E. II. Título.
2018-1129
CDD 305.42
CDU 392
Índice para catálogo sistemático:
1. Ciência política : Mulheres 305.42
2. Sociologia : Mulheres 392
direitos reservados à
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Divisão sexual do trabalho e usos do tempo:
a inserção temática e o feminismo acadêmico
na SPM e as percepções das mulheres participantes
das CNPMs no Brasil
Breno Cypriano1
Introdução
Em recente divulgação de resultados provenientes dos dados da Pesquisa
Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD), realizada em 2016, o Instituto
Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) apontou que, ao se considerar apenas
o tempo dedicado aos afazeres domésticos e aos cuidados de pessoas, a desigualdade de gênero no Brasil é ainda um problema crucial, já que as mulheres trabalham praticamente o dobro do tempo (20,9 horas semanais contra 11,1 horas) em relação aos homens nessas atividades (INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA
E ESTATÍSTICA, 2017)2. Porém, se observarmos a série temporal dos dados das
pesquisas anteriores, reunidos no Portal do Retrato das Desigualdades em Gênero
e Raça, entre os anos de 2001 e 2015, percebe-se uma ligeira diminuição dessa desigualdade na alocação dos usos do tempo, como apresentado no gráfico 1
(INSTITUTO DE PESQUISA ECONÔMICA APLICADA, 2017)3. Há de se destacar que essa diminuição não se deveu pelo aumento da participação dos homens
nas tarefas domésticas e de cuidados, mas, à diminuição gradativa do trabalho
das mulheres em tais atividades, talvez pela diminuição do número de filhos, pela
delegação do trabalho doméstico, geralmente, a outras mulheres, pelo aumento
de creches no Brasil ou por outros fatores espúrios. O que se torna importante e
central, neste caso, é evidenciar a relevância ao acesso dessas informações para
1 Pós-doutorando no Programa de Pós-Graduação em Ciência Política da Universidade Federal
de Minas Gerais (PPGCP/UFMG). Agradeço o convite das professoras Marlise Matos e Sonia E.
Alvarez para a participação nesta coletânea. Estendo os meus agradecimentos a Tatau Godinho e
Cristina Queiroz, que durante a minha passagem como consultor em Gênero e Usos do Tempo na
Secretaria de Políticas para as Mulheres me proporcionaram a possibilidade de compreensão da dinâmica das políticas públicas nesta temática.
2
Cf. https://agenciadenoticias.ibge.gov.br/agencia-noticias/2012-agencia-de-noticias/noticias/
18568-tarefas-domesticas-impoem-carga-de-trabalho-maior-para-mulheres.html
3
Idem.
257
o planejamento, a criação e a execução das políticas públicas voltadas para a autonomia econômica e o empoderamento de mulheres, como também buscar alternativas para a transformação das desigualdades na divisão sexual do trabalho,
buscando-se, afinal, a efetiva incorporação dos homens nas atividades domésticas
e do cuidado.
Gráfico 1: Média de horas semanais dedicadas a afazeres domésticos pela
população de 10 anos ou mais de idade, por sexo (Brasil, 2001-2015)
Fonte: Ipea, 2017.
Diante dessas questões, este capítulo busca compreender como a temática
dos usos do tempo e suas pesquisas foram introduzidas no século XX como uma
forma de se auferir empiricamente sobre a vida cotidiana das famílias inseridas
em uma sociedade industrializada, comparando, dessa forma, as atividades remuneradas/mercantis com as não remuneradas. Cabe ressaltar que, para os estudos
de gênero (ou estudos de mulheres) e dos usos do tempo, ganharam visibilidade
a partir da realização do ciclo de Conferências sobre a Mulher (1975-1995) realizado pela ONU, o que colocou em pauta a necessidade de se perceber o “não
trabalho” realizado por mulheres no ambiente doméstico, ou seja, era necessário
demonstrar empiricamente a subordinação econômica feminina. Dessa forma, a
interseção entre gênero e usos do tempo seria necessária principalmente para a
formulação e para a implementação de políticas públicas eficientes, onde são necessários informações e indicadores específicos. Cabe ressaltar que a importância
deste capítulo no contexto deste volume, sobre os diversos feminismos no contexto das Conferências Nacionais de Políticas para as Mulheres, é, justamente,
enfatizar a importância do feminismo acadêmico e sua complexa relação com a
construção do Estado brasileiro e a formulação das políticas públicas.
258
No Brasil, especificamente, por essa razão, a Secretaria de Política para
as Mulheres (SPM),4 a partir das demandas das duas primeiras Conferências de
Políticas para as Mulheres, empenhou-se para que as estatísticas oficiais brasileiras incorporassem quesitos referentes a sexo. Em razão desse objetivo, instituiu,
em 2008, o Comitê Técnico de Estudos de Gênero e Uso do Tempo (CGUT),
que contava com a participação do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
(IBGE) e do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea). Participaram, como
convidadas, a Organização Internacional do Trabalho (OIT) e a ONU Mulheres,
entidades das Nações Unidas para a Igualdade de Gênero e Empoderamento das
Mulheres.
Além da discussão temática sobre a divisão sexual do trabalho e os usos
do tempo, o capítulo também se centra no esforço para destacar a importância
política no Brasil em problematizar tal temática, visando aos aspectos institucionais e específicos destas estratégias e, por fim, realiza uma descrição e avaliação
das percepções das participantes das duas últimas CNPMs, a respeito da divisão
sexual do trabalho e suas avaliações quanto ao uso de tempo nas tarefas domésticas. Pretende-se compreender como se dá essa percepção para esse segmento de
mulheres, inclusive comparando-se as suas respostas também à avaliação que teriam sobre como teria se transformado no país a situação das mulheres no tempo,
especialmente no comparativo histórico e sobre como essa situação teria, afinal,
evoluído. Atenção e comparação dessas percepções também são realizadas em relação a como estas responderam quando perguntadas sobre qual seria a maior
desigualdade entre homens e mulheres no país e também qual seria o principal
problema ainda a ser enfrentado pelas mulheres no seu município, estado, país.
O capítulo se dividirá em: (i) uma discussão sobre a trama conceitual que
fomenta as discussões sobre a temática da divisão sexual do trabalho e dos usos do
tempo no campo teórico; (ii) a apresentação da inserção da discussão no contexto
do feminismo acadêmico brasileiro; e (iii) as percepções das participantes das 3ª e
4ª CNPMs sobre a temática das desigualdades e divisão sexual do trabalho.
4 Utilizar-se-á aqui a referência ao órgão como Secretaria de Política para as Mulheres (SPM),
ainda que atualmente esta secretaria tenha perdido o status de ministério após a reforma ministerial
e hoje seja uma Secretaria Especial vinculada ao Ministério da Justiça e Cidadania.
259
O emaranhado conceitual feminista – a dicotomia público/
privado, cuidado, divisão sexual do trabalho, usos do tempo
e patriarcado
Esta primeira parte é uma discussão sobre a teoria política feminista,5 que
busca na gênese e na história dos conceitos o entendimento a partir de um emaranhado nodal, que ao se articular dá sentido e estrutura a um campo de conhecimento produzido pelo saber feminista. A partir dessa noção, como discutido em
Cypriano (2015), a divisão entre o público e o privado, a noção de cuidado, bem
como o conceito de divisão sexual do trabalho (HIRATA; KERGOAT, 2007) e a
questão dos usos do tempo, são conceitos da teoria política feminista que trazem
a perspectiva de politização do feminismo. Essa politização vem contribuindo
para um entendimento sobre o patriarcado (como conceito centrípeto/central)
que, por sua vez, originou uma visão crítica feminista do Estado e do debate mais
específico sobre as políticas públicas numa perspectiva de gênero, ou a conhecida
transversalidade de gênero.
“O pessoal é político” tornou-se a afirmação que amparou grande parte dos
projetos teóricos da maioria das pensadoras feministas. A problematização da discussão entre a dicotomia conceitual público/privado unifica os feminismos, já que
todas as correntes possuiriam uma discussão específica sobre o conceito de público e o de privado, desde o feminismo liberal, o feminismo tradicional marxista,
o radical, o socialista, o psicanalítico, o pós-moderno e até o pós-estruturalista,
que se aproximam, também, no compartilhamento do conceito de patriarcado,
tomando-o como central para a discussão teórica (ELSHTAIN, 1981). A partir
desses esforços, a família (burguesa, nuclear e patriarcal, principalmente) se tornou, e vem se mantendo desde então, central à política do feminismo e um foco
prioritário da teoria feminista.6
5
A partir da discussão sobre teoria política feminista discutida em Cypriano (2015), após expor
uma miríade de elementos que informam sobre esse campo do conhecimento, faria sentido entender
e definir a teoria política feminista como uma estratégia discursiva e de produção de conhecimento, que
informa e é informada pela práxis do ativismo político e das múltiplas e diferentes experiências e relações entre as(os) atrizes/atores dentro desse campo, que busca, ainda que na sua acomodação disciplinar
dos campos de que faz parte, a saber, a filosofia e a teoria política, o reconhecimento definitivo dessas
áreas por poder informar outra visão e entendimento sobre “a” política. Esse esforço deve ser ampliado,
inclusivo e informado, já que esse tipo específico de saber é consequência de articulações locais e
globais, envolvendo permanentes disputas de poder, como também abrangendo uma multiplicidade
política de atrizes/atores em esferas variadas.
6
Algumas críticas à concepção nuclear e patriarcal da família seriam: para Iris Young (1996), ao
se analisar as questões de gênero e sexualidade como questões de justiça, nota-se que a tradicional
concepção de família limitaria consideravelmente o alcance da justiça, já que o acesso à justiça seria
260
O que acontece na vida pessoal, particularmente nas relações entre os sexos, não seria imune à dinâmica de poder, que recorrentemente tem sido notada
como a face distintiva do político. Para Okin (2008 [1998]), o domínio da vida
doméstica e pessoal e aquele da vida não doméstica, econômica e política não
podem ser interpretados isolados um do outro, por isso, as feministas afirmam
que a separação das esferas público/privada legitima a estrutura de dominação
patriarcal de gênero da sociedade e protege uma esfera significante da vida humana (e especialmente da vida das mulheres) do exame atento ao qual o político
é submetido. É relevante perceber, então, como as esferas “públicas” são generificadas, já que foram construídas sob a dominação masculina e pressupõem a
responsabilidade feminina pela esfera doméstica. E é importante notar que esses
conceitos foram construídos historicamente (OKIN, 2008 [1998]).
Segundo Susan Okin (2008 [1998]), a noção do que é “o privado” referirse-ia à esfera ou às esferas da vida social nas quais a intrusão ou interferência
em relação à liberdade requer justificativa especial, enquanto “o público” indica
uma esfera ou esferas vistas como, geral ou justificadamente, mais acessíveis.
Com isso, na teoria política faz-se o uso do conceito de público e privado para se
referir à dicotomia entre Estado e sociedade e, também, à dicotomia entre vida
não doméstica e doméstica, ou íntima. A primeira forma de distinção, referente
ao liberalismo clássico, seria entre o Estado e a sociedade civil, enquanto, numa
outra chave teórica, os “românticos” (KYMLICKA, 2006 [1990], p. 331) propõem a separação entre o pessoal ou íntimo da noção de público que abrangeria
o Estado e a sociedade civil. Esse deslocamento, até mesmo já incorporado pelo
liberalismo, significou um avanço para o feminismo, já que nas disputas sobre a
primeira dicotomia (Estado versus sociedade civil), as teóricas feministas dariam
maior prioridade à vida social do que à política e, através da segunda dicotomia, a
noção do político seria mais presente para as lutas feministas e suas teorizações –
“a politização do social” (Cf. FRASER, 1989). De acordo com Anne Phillips (1991,
p. 95, tradução nossa):
constrangido às “formas ilegítimas” de família, como os casais homossexuais; para Bette Tallen (2008
[1990]), ao negar a centralidade de famílias homoparentais, principalmente às famílias conformadas
por lésbicas, algumas teóricas feministas ignorariam a questão lésbica, e, por isso, levaria ao separatismo teórico das lésbicas, que, por sua vez, desafiam os papéis tradicionais na família, como também
a noção de maternidade como uma metáfora política dominante; sobre as reinvenções dos vínculos
amorosos, que se envolveriam em redes também sociais e políticas, centrando-se nas relações amorosas homoeróticas e heteroeróticas alternativas e nas configurações da família moderna, a discussão
de Marlise Matos (2000) contempla as diversidade e multiplicação das relações familiares e amorosas
na cena contemporânea, ou modernamente tardia.
261
[...] novos tópicos estão sendo colocados na agenda política, e em vários
casos [a] redefinição sobre o que conta como preocupações públicas tem
transformado as oportunidades para as mulheres se tornarem politicamente
ativas. A política que antes parecia definida por abstrações exóticas tem sido
remodelada para incluir a textura da vida diária, oferecendo para alguns o
que era a primeira abertura para o “debate político”.
A subordinação das mulheres na esfera privada, dentro de casa, se relacionaria à esfera pública, na medida em que a “[...] igualdade na família seria a
condição para a democracia no Estado” (PHILLIPS, 1991, p. 102, tradução nossa).
Ampliar, então, as concepções sobre poder e dominação, focando em diversos espaços, é uma das maiores contribuições teóricas do feminismo, que segundo a autora, teria sido notada por Bowles e Gintis (1986), ao demonstrar que dominação
não diz respeito a um único lugar. “A” política deveria ser vista como uma questão
“[...] do ‘devir’, como algo que não pode ser reduzido a uma oferta de recursos,
mas que envolve transformar os interesses que são perseguidos” (PHILLIPS, 1991,
p. 102, tradução nossa) e os principais locais da democracia ou da necessidade da
democratização seriam: o Estado liberal democrático, a economia capitalista e a
família patriarcal (o que conflui na ideia redimensionada da justiça social).
De outra forma, esse dimensionamento pode ser reposto na compreensão
politizada da família através das relações entre mulheres e homens e pais/mães e
filhos que seriam estruturadas pela regulação estatal, pelas condições econômicas e pelo poder patriarcal. Diante dessa questão, para Elshtain (1981), a relação
conflitual entre o “externo” e o “interno” à família geraria tensões que seriam causadas pela excessiva politização provocada pela vigência de uma esfera pública
excessivamente forte, o que, então, causaria a seguinte enfermidade: “[pais e mães]
que estão frustrados e humilhados, tornados dependentes e indefesos na vida do
trabalho e na cidadania, terão dificuldade em incutir crenças como alicerces e
maneiras de ser em suas famílias” (ELSHTAIN, 1981, p. 337).
Carole Pateman (1993 [1988]) diz que seria, justamente, na discussão que
as teóricas feministas liberais fazem sobre a dicotomia público/privado que os
questionamentos referentes à busca pela universalização dos princípios e direitos
insurgiriam e motivariam críticas. Isso converge para que toda a “teoria política feminista” trate a questão sobre “o” político, referindo-se a essa problemática.
Assim, seriam a “denúncia” e a crítica ao caráter patriarcal do liberalismo (e das
demais teorias hegemônicas) dois dos elementos-chave em toda essa discussão.
Existem, ainda, divergências sobre esse tema dentro da própria teoria feminista,
quais sejam: a variação do sentido e o alcance das críticas feministas ao conceito
de público e privado (oriundo das diversas fases do feminismo e nas diferentes
262
vertentes do movimento) e a discussão do movimento feminista contemporâneo
sobre a própria existência dessa distinção. É preciso ressaltar, também, que o próprio liberalismo é impreciso, ambíguo ao definir público e privado, tornando a
questão ainda mais complexa.
Jean Bethke Elshtain (1981) cunha uma própria distinção entre o público
e o privado que se baseia na noção de que as “atividades” seriam diferentes – isto
é, há coisas que são políticas e outras que não são. Com isso, segundo Phillips
(1991), ela chamaria a atenção para evitar o problema de se pensar “[...] que [se]
tudo em nossas vidas é um problema político, então nós estaremos abertos a pensar que tudo tem uma solução política” (PHILLIPS, 1991, p. 105, tradução nossa).
A associação entre o pessoal e o político não deveria se exaurir em toda e qualquer forma de democratização. Para Phillips, haveria distinções entre estes dois
conceitos, o “pessoal” e “o” político, que se sobrepõem um ao outro: é recorrente
haver interpretações enganadas quanto “ao que seria um problema político”, pois
poderiam referir-se aos locais onde há a atividade de estender o controle sobre
decisões que todos e todas estão envolvidos, como é no trabalho, ou referir-se
também aos espaços tradicionalmente que seriam definidos como “a” política.
Haveria um sério problema aí: o “feminismo consultaria justamente a ênfase exclusiva na ‘política’ como convencionalmente definida e tem salientado muitas vezes as questões mais imediatas de tomar o controle onde vivemos e trabalhamos”,
e, como a autora alerta, “essa insistência positiva sobre a democratização da vida
cotidiana não deve se tornar um substituto para uma vida política mais vivaz e
vital” (PHILLIPS, 1991, p. 119, tradução nossa). De maneira geral, as contribuições feministas para politizar e democratizar as relações do privado incidiram nas
seguintes ações detalhadas:
Feministas têm criticado a ortodoxa divisão entre o público e o privado,
apresentando um desafio poderoso e radical às noções existentes de democracia. Elas têm ampliado o nosso entendimento das precondições para a
igualdade democrática, e trazido para a discussão a divisão sexual do trabalho em casa e no trabalho. Elas têm desafiado (ainda que com algumas importantes reservas) a noção de que o que acontece no privado é um interesse
privado, e faz que pareça ser um caso sem resposta para a democratização
das relações e decisões em casa. Elas alargaram a nossa concepção sobre
as práticas que são relevantes, colocando na órbita da democracia a forma
como falamos com o outro, a forma como nós nos organizamos, a forma
como escrevemos. Elas se apegaram a uma visão de democracia como algo
que importa em cada detalhe e onde estivermos. Com todas essas extensões
maravilhosas, o feminismo permanece preso no que Sheldon Wolin (1982:
263
28)7 considera como política do seu próprio quintal? (PHILLIPS, 1991, p.
115-116, tradução nossa).
Outra importante contribuição para o debate sobre as noções referentes
ao político, ou à (des)politização de conceitos, é a contribuição do conceito de
“cuidado” que, para Joan Tronto (1996, p. 151), seria imprescindível a uma “teoria
política feminista”, já que este seria um conceito concebido como essencialmente
apolítico. Para avançar numa direção oposta, ou seja, a de se politizar o cuidado, a
autora sugere a seguinte conceituação: cuidado seria “[...] uma espécie de atividade
que inclui tudo o que fazemos para nos manter, continuar e reparar nosso ‘mundo’
para que possamos viver nele o tão bem quanto for possível. Este mundo inclui
nossos corpos, nossos egos, e o nosso ambiente, tudo o que nós procuramos se
entrelaça em uma complexa rede de vida sustentável” (FISHER; TRONTO, 1991,
p. 40 apud TRONTO, 1996, p. 142, tradução nossa, itálicos da autora). Através
desse esforço, Tronto procura denunciar que a própria exclusão e a não tematização do cuidado (como de outros conceitos utilizados pelas feministas) nos espaços políticos seriam, em si mesmas, um projeto profundamente político. Logo, a
recente discussão conceitual nessa direção envolveria necessariamente uma trama
complexa de processos relativos ao cuidado que, por sua vez, revelaria uma forma estratégica na nossa atual situação política, como também uma vital atividade
ontológica.
Somado à discussão sobre o público e o privado, de acordo com Hirata e
Kergoat (2007),
bem como a questão do cuidado, as análises passaram a abordar o trabalho
doméstico como atividade de trabalho tanto quanto o trabalho profissional.
Isso permitiu considerar “simultaneamente” as atividades desenvolvidas na
esfera doméstica e na esfera profissional, o que abriu caminho para se pensar em termos de “divisão sexual do trabalho”. (HIRATA; KERGOAT, 2007,
p. 597-598).
Para essas autoras:
A divisão sexual do trabalho é a forma de divisão do trabalho social decorrente das relações sociais entre os sexos; mais do que isso, é um fator
7
O teórico político Sheldon Wolin possuiu uma visão demasiadamente realista (para não dizer
pessimista) sobre os movimentos populares, já que, mesmo com a surpreendente variedade e abrangência desses movimentos, ele salienta que é necessário reconhecer que a sua vitalidade e importância democrática têm limitações políticas, devido ao localismo e a limitações. A política deve deter-se
com problemas abrangentes, e não com questões paroquiais levantadas por esse tipo de movimento,
evitando-se assim uma “política de quintal” (PHILLIPS, 1991, p. 48-49).
264
prioritário para a sobrevivência da relação social entre os sexos. Essa forma
é modulada histórica e socialmente. Tem como características a designação
prioritária dos homens à esfera produtiva e das mulheres à esfera reprodutiva e, simultaneamente, a apropriação pelos homens das funções com maior
valor social adicionado (políticos, religiosos, militares etc). (HIRATA;
KERGOAT, 2007, p. 599).
Diante de tal definição, as autoras acrescentam que haveria a necessidade de se pensar a divisão sexual do trabalho para além do plano conceitual, incluindo uma discussão sobre princípios e modalidades. Os princípios estariam
relacionados à “separação”, relacionando à diferença entre trabalhos de homens e
mulheres, e à “hierarquia”, a valorização diferenciada entre esses trabalhos. Com
relação às modalidades, as autoras entendem, “[...] por exemplo, a concepção do
trabalho reprodutivo, o lugar das mulheres no trabalho mercantil etc.” (HIRATA;
KERGOAT, 2007, p. 600).
Diante da desigualdade na divisão sexual do trabalho, principalmente pela
não valorização do trabalho reprodutivo e as tarefas do cuidado, segundo Barajas
(2016), “[...] pesquisas sobre uso do tempo e trabalho não remunerado permitem
mostrar que a carga de trabalho não remunerado, desigual, tem embasamento
na discriminação contra mulheres.” (BARAJAS, 2016, p. 22). De acordo com essa
autora, é importante ressaltar que as pesquisas sobre os usos do tempo ainda permitem quantificar o trabalho e contribuição “invisível” das mulheres, principalmente na esfera privada. Sobre a dinâmica dessa temática, Neuma Aguiar (2011)
pontua que:
Pesquisas de uso do tempo medem a quantidade de tempo despendida por
uma determinada população em atividades cotidianas. Essas dimensões
temporais servem para orientação prática e estão imersas na cultura. Os
ritmos temporais estão vinculados a períodos históricos, e há mudanças nas
práticas que demoram a ocorrer, e outras que são mais aceleradas. Uma
das finalidades das pesquisas de uso do tempo é a da condução de comparações internacionais sobre as formas de organização do dia a dia das
populações, permitindo observar distintos impactos da organização econômica, da estrutura política e de distintas formas culturais de orientação
cotidiana. O primeiro grande projeto de impacto internacional foi conduzido por Alexander Szalai e associados em 1966. Para interpretar os dados
do Brasil, Amaury de Souza (1976) inseriu os seus achados dentro de um
quadro comparativo com os dados obtidos por Szalai e associados. Para
compreendermos bem tal quadro, buscamos ajuda nos textos publicados da
pesquisa internacional comparada efetuada por Szalai (1972). (AGUIAR,
2011, p. 74).
265
Diante disso, a importância política das temáticas da divisão sexual do
trabalho e dos usos do tempo deve levar em consideração que “[a] formulação,
implementação e avaliação de políticas exige, para avançar na igualdade entre homens e mulheres, pesquisas (argumentos) em maior número e qualidade [...]”
(BARAJAS, 2017, p. 22). Na configuração desse plano e emaranhado conceitual,
há de se destacar que a política, tal como é compreendida pela dinâmica de construção do Estado Moderno, é patriarcal. O patriarcado, que é a ideia norteadora e
centrípeta até hoje do campo feminista do conhecimento político, que anos mais
tarde também foi um conceito muito trabalhado por autoras como Pateman (1993
[1988]) e Walby (1990), pode ser aqui, então, compreendido como uma forma de
poder político que reforça o direito patriarcal como uma forma específica de direito
político, singular, em que todos os homens exercem pelo fato de serem homens, não
só na esfera privada como na esfera pública. Walby aponta a discussão sobre o
Estado e o patriarcado em sua obra relativa à divergência das correntes feministas
liberal, marxista, da teoria feminista de sistemas-duais e do feminismo radical. O
que Walby conclui é que há certo avanço nas políticas de bem-estar, ainda que o
Estado continue patriarcal como também ainda permanece capitalista e racista.
Porém, ainda que as mulheres possam, com essas políticas, sar da esfera privada e
entrar em certas posições na esfera pública, elas não conseguem acender a certas
posições desejáveis em cargos públicos, pois não há ainda igualdade de ascensão
nessas esferas de poder, como a autora observa (WALBY, 1990, p. 171-172).
Para outra autora feminista, Catharine MacKinnon (1995 [1989]), o feminismo carecia de um tratamento teórico sobre o Estado, como também de uma
abordagem crítica sobre o poder em uma forma institucionalizada e burocratizada. Pelo movimento feminista até então desconsiderar a dimensão de gênero
como uma determinante da conduta estatal, dá-se a impressão de que a conduta
do Estado era indeterminada, mas, ao contrário, o poder masculino dentro do
Estado é sistêmico. Por isso, o regime estatal masculino é coativo, legitimado e
epistêmico. Essa autora, portanto, propõe uma “teoria feminista do Estado” que
insere e considera em sua discussão, sobre a análise do poder institucionalizado
do Estado, as questões legais e a interpretação social da mulher.
O debate internacional em relação às opressões e desigualdades entre os
sexos era ainda latente e pouco problematizado na década de 1970, quando a
Organização das Nações Unidas deu importantes passos. Em 1975 instaurou-se
o Ano da Mulher e no período de 1975-1985 foi decretada a “Década da Mulher”,
período no qual se realizaram quatro grandes Conferências Mundiais sobre a
Mulher, entre os anos de 1975 e 1995. Do ponto de vista pragmático, esse processo de mobilização internacional assinalou que a intervenção sobre as desigualdades e as opressões sofridas pelas mulheres deveria ser assunto de Estado e que
266
a formulação de políticas públicas voltadas para demandas específicas contribuiriam com a promoção da igualdade de gênero.
Dessa forma, passou-se a utilizar, a partir da Terceira Conferência Mundial
da Mulher, a noção de “transversalidade de gênero” (gender mainstreaming) tanto
como um conceito, quanto também como uma prática das políticas públicas e
sociais. Esse conceito é discutido, neste volume, também no capítulo que problematiza as redes de participação e ativismo das delegadas (capítulo 3). Atualmente,
esse é um dos conceitos orientadores do Pacto Nacional pelo Enfrentamento à
Violência contra Mulheres. Segundo Sylvia Walby (2005), ao incluir a perspectiva
de gênero na agenda governamental, tal noção faz que se reoriente e transforme
os paradigmas antes vigentes das políticas públicas (que geralmente são burgueses, patriarcais, brancos, heterossexuais). Dessa forma, ficou-se estabelecido que:
Transversalidade da perspectiva de gênero é o processo de avaliação das
implicações para mulheres e homens de qualquer ação planejada, incluindo legislação, políticas ou programas, em todas as áreas e em todos os níveis. É uma estratégia para fazer com que as preocupações e experiências
das mulheres, bem como as dos homens, sejam uma dimensão integrante
da concepção, implementação, monitoramento e avaliação de políticas e
programas em todas as esferas políticas, econômicas e sociais para que as
mulheres e os homens se beneficiem igualmente e a desigualdade não seja
perpetuada. O objetivo final é alcançar a igualdade de gênero. (UNITED
NATIONS ECONOMIC AND SOCIAL COUNCIL, 1997, tradução nossa).
Mas cabe destacar que tal perspectiva é fortemente contestada por analistas e teóricas. De acordo com Alyson Woodward (2008), as contestações surgem
porque a transversalidade de gênero é uma novidade, sendo uma técnica e uma
prática advinda da governança global. As contestações também são decorrentes,
para a autora, da popularidade da ideia, já que o termo “transversalidade” tem
sobrevivido, enquanto a discussão em torno da noção de “gênero”, propriamente,
tem se perdido.
A partir da noção de transversalidade, Woodward (2008) problematiza
alguns pontos interessantes. O primeiro deles é que o debate sobre “igualdade
de gênero” retomaria as discussões sobre igualdade versus diferença, que ficaram conhecidas como o “Dilema de Wollstonecraft”. A autora ressalta que, paradoxalmente, homens e mulheres devem ser tratados como iguais diante da lei,
por buscarem os mesmos direitos, porém eles ainda manteriam suas diferenças.
Outro ponto-chave para a autora seria o gesto ambicioso de se “integrar todas as
políticas” sob uma mesma ótica. A última questão ressaltada pela autora é que
gênero é uma concepção que ultrapassa o conceito de “mulheres”. Porém, como
267
Woodward acrescenta, muitas políticas e relatorias de transversalidade de gênero
vão entender esse conceito como “o problema da mulher”, ou como outra questão
que não diz sobre as desigualdades entre homens e mulheres, e isso é um problema primário.
Diante dessas questões de políticas públicas, o eixo sobre a questão de autonomia econômica das mulheres e as questões no mundo do trabalho foi uma
das bandeiras que o movimento feminista discutiu extensivamente (ver o capítulo
1 de Schumaher, neste volume), tendo refletido bastante sobre a tensão existente
entre a esfera pública e a privada. A dupla jornada de trabalho das mulheres e, depois, os estudos sobre o uso do tempo tornaram-se pautas importantes da agenda
feminista. A teoria feminista denuncia a dualidade diante da questão da produção
versus a reprodução e que, por muito tempo, a ideia de trabalhos complementares
(trabalhos domésticos e de cuidado seriam responsabilidade das mulheres) foi
uma estratégia de dominação utilizada por homens para manter as mulheres em
posições socialmente desvalorizadas. A sobrecarga de trabalho com os filhos e
o trabalho doméstico faz que as mulheres tenham menos horas do seu dia para
lazer e descanso, por isso a questão sobre políticas públicas para se repensar a
divisão sexual do trabalho e o trabalho doméstico, bem como sobre paternidade,
tem entrado em discussão em países de bem-estar social e outros que estão comprometidos com políticas de gênero e para as mulheres.
No caso do Brasil, pensando na necessidade de se produzir indicadores de
gênero que subsidiassem a formulação de políticas públicas para as mulheres, a
SPM, guiada pela Ação 11.2.22, do II Plano Nacional de Políticas para as Mulheres
(II PNPM) de “Instalar o Comitê de Gênero e Uso do Tempo no âmbito do IBGE”,
criou o CGUT. Diferente do que estava no plano, foi no âmbito da SPM que se
instalou, em 2008, o Comitê Técnico de Estudos de Gênero e Uso do Tempo,
que contou com a participação do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
(IBGE) e do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea). Participaram como
convidados: a Organização Internacional do Trabalho (OIT) e a ONU Mulheres,
entidade das Nações Unidas para a promoção da igualdade de gênero e do empoderamento das mulheres. Segundo Lourdes Bandeira:
O pioneirismo da SPM responde às demandas sociais das mulheres, expressadas nas Conferências Nacionais sobre os Direitos das Mulheres e consubstanciadas nos I e II PNPM. Seguramente as análises sobre o trabalho
reprodutivo e a economia dos cuidados ainda são incipientes e padecem de
falta de estatísticas adequadas. Perante tal fato, a SPM e IBGE juntaram-se
em uma parceria para suprir esta lacuna e desenhar a pesquisa em curso, a
PNAD Contínua, que investiga sobre os usos do tempo, na complexa dinâmica da divisão sexual do trabalho. (BANDEIRA, 2011, p. 59).
268
A partir dessa prática, a próxima discussão deste capítulo focará especificamente em um breve levantamento histórico sobre a produção acadêmica dos
estudos de gênero, divisão sexual do trabalho e pesquisas sobre usos do tempo no
Brasil e a relação dos núcleos de pesquisa sobre mulheres e feminismo presentes
em todo o território nacional.
Estudos e pesquisas sobre as mulheres, feminismo e gênero e
os usos do tempo no Brasil
O feminismo acadêmico ocuparia, atualmente, espaços em várias matrizes disciplinares, porém, com o efeito da institucionalização, também surgiram
os Estudos de Mulheres, Estudos de Gênero e Estudos Feministas, que envolveram
tanto razões acadêmicas, como razões políticas (JAGGAR, 2009, p. 191). Segundo
Wendy Brown (1997, p. 81, tradução nossa), “[o] desejo pelo status disciplinar foi
significado pela pretensão de uma teoria e método distintos (assim como os estudos sobre as mulheres necessariamente desafiaram a disciplinaridade) e o desejo
de vencer o desafio radicalizado dos primeiros objetos dos estudos das mulheres
em institucionalizar esse desafio no currículo”.
A partir da década de 1960, o feminismo acadêmico ocidental definiu metas
para essas disciplinas, que passaram por disputas internas, apontando a fragmentação e as fraturas dos Estudos da Mulher, porque essa disciplina não seria de uma
conversação única, mas estaria engajada em vários domínios do conhecimento e
em diversas correntes teóricas. Também essa institucionalização foi, políticamente e teoricamente, incoerente, ao passo que seria implicitamente conservadora por
circunscrever as discussões unicamente às “mulheres” como os principais objetos
de estudo.
Em represália a esse movimento, o papel de algumas teorias e autoras, como
as teorias pós-coloniais, queer e raciais, foi de desestabilizar a categoria “mulheres” e, além de denunciar o determinismo biológico, atribuíram questionamentos
importantes sobre as questões raciais e as sexualidades menosprezadas. Na década
de 1970, principalmente, devido à “[...] questão da divisão entre os ‘estudos das
mulheres’ e da teoria feminista, a insídia política da divisão institucional entre
‘estudos étnicos’ e ‘estudos das mulheres’, [e] uma divisão da mesma forma preocupante entre queer e teoria feminista [...]” (BROWN, 1997, p. 82, tradução nossa), algumas estratégias foram tomadas renegociando teorias, metodologias e os
conceitos centrais.
No Brasil, o trabalho de livre-docência “A mulher na sociedade de classe: mito e realidade”, de Heleieth Saffioti, defendido sob orientação do professor
Florestan Fernandes, em 1967, inaugurava uma série de estudos feministas que
269
se dedicavam a pesquisar a divisão sexual do trabalho, muito influenciadas na
época pelas teorias marxistas e socialistas. De acordo com Heilborn e Sorj (1999),
a temática de gênero era um dos interesses centrais da Ford Foundation naquele
momento, por isso, as diversas dotações para pesquisas que a Ford Foundation,
nas décadas de 1970 e 1980, investiu na área acadêmica possibilitaram às feministas, através da Fundação Carlos Chagas, a realizar pesquisas inéditas no cenário
nacional.
De acordo com Albertina Costa (1994), é durante a década de 1980 que a
temática “cresce e se diversifica vertiginosamente”, o que dá início à institucionalização dos núcleos de estudo e pesquisa (ver Quadro 1). Segundo a autora, esses
núcleos de estudo sobre a mulher e gênero funcionaram, no meio acadêmico, de
forma diversificada cumprindo a “função tríplice”, extensão, ensino e pesquisa e
serviram também como um meio de apoio aos cursos de pós-graduação e como
uma forma de favorecer a formação de novas pesquisadoras e pesquisadores.
Quadro 1: Primeiros núcleos universitários de estudos
sobre relações de gênero (ano de fundação)
Ano
Núcleo
1980
Núcleo de Estudos sobre a Mulher (PUC/RJ)
1981
Núcleo de Estudos, Documentação e Informação sobre a Mulher (Nedim/UFC)
1983
Núcleo de Estudos Interdisciplinares sobre a Mulher (Neim/UFBA)
Núcleo Interdisciplinar de Estudos sobre a Mulher (Núcleo Mulher/UFRGS)
Núcleo de Estudos e Pesquisas sobre a Mulher (Nepem/UFMG)
Núcleo Interdisciplinar de Estudos sobre Gênero (NEG/UFSC)
Núcleo de Estudos da Mulher e Relações Sociais de Gênero (Nemge/USP)
Centro Interdisciplinar de Estudos Contemporâneos (Ciec/UFRJ)
Núcleo de Estudo e Pesquisa sobre a Mulher (Nepem/UnB)
Núcleo de Assistência ao Autocuidado da Mulher (Naam/USP)
GT Sexo e Relações de Gênero/Núcleo de Documentação e Informação
Histórica e Regional (NDIHR/UFPB)
Grupo de Estudos de História da Educação da Mulher (Gehem/FAE/UFMG)
Núcleo Temático Mulher e Cidadania (NTMC/Ufal)
Núcleo Nisia Floresta de Estudos e Pesquisas sobre a Mulher e Relações Sociais
de Gênero (Nepam/UFRN)
Gênero e Sociedade (Iuperj)
Núcleo de Estudos, Pesquisa e Assistência à Saúde da Mulher (EPM)
Pagu Centro de Estudos do Gênero (PAGU) (Unicamp)
Núcleo de Estudos sobre Gênero Afetividade (NEGA/UFMG)
Grupo de Estudos de Educação e Relações de Gênero (Geerge/UFRGS)
Núcleo de Estudos Teológicos da Mulher na América Latina (Netmal/IMS)
1984
1985
1986
1987
1988
1989
1990
Fonte: COSTA, 1994.
270
No final da década de 1980, em 1989, o Conselho Nacional dos Direitos da
Mulher realizou um levantamento de grupos, instituições e associações de mulheres através das relações dos participantes nos 8º e 9º encontros feministas, que
aconteceram em Petrópolis e Garanhuns, respectivamente, e buscaram catalogar
as principais áreas de atuação, os objetivos/atividades e a clientela destes. Diante
desta publicação, foi feito um recorte dos grupos que realizavam como atividade
“estudo-pesquisa”. Cabe ressaltar que a produção de conhecimento não se limitava aos núcleos acadêmicos, mas também abarcava instituições governamentais,
como recém-criados organismos de políticas para as mulheres, conselhos, subsecretarias, mas também organismos não-governamentais e movimentos feministas
e outros movimentos sociais.
Quadro 2: Lista de instituições que realizavam
estudo-pesquisa em 1989 (CNDM)
UF
Tipo
Alagoas
Outros
Alagoas
Distrito
Federal
Distrito
Federal
Distrito
Federal
Espírito
Santo
Goiás
Goiás
Goiás
Maranhão
Minas
Gerais
Núcleo
Cema – Centro da Mulher
Alagoana
Núcleo de Estudo e Pesquisa
sobre a Condição Feminina
Núcleo de
Estudo/Ufal
Instituições
Comissão de Apoio à Mulher
Governamentais/
Trabalhadora Rural
Mirad/Sepai
Núcleo de
Núcleo de Estudos e Pesquisas
Estudo/UnB
sobre a Mulher – NEPeM
Instituições
Coordenação de Proteção
Governamentais/ ao Trabalho da Mulher e do
MT
Menor
Centro de Integração da
Outros
Mulher
Instituições
Secretaria de Estado da
Governamentais/
Condição Feminina
Secretaria
Transas do Corpo – Ações
Outros
Educativas em Saúde e
Sexualidade
União de Mulheres de
Outros
Abadiania – UMA
Assessoria de Assuntos para a
Outros
Mulher do Conselho Regional
de Medicina
Núcleo de Estudos e Pesquisas
Núcleo de
sobre a Mulher da UFMG –
Estudo/UFMG
Nepem
271
Ano de
fundação
Cidade
1982
Maceió
7/1985
Maceió
2/1986
Brasília
12/1986
Brasília
11/1975
Brasília
4/1983
Vitória
3/1987
Goiânia
4/1987
Goiânia
8/1987
Abadiana
1987
São Luís
9/1984
Belo
Horizonte
Minas
Gerais
Outros
Pará
Outros
Paraíba
Outros
Paraíba
Outros
Paraíba
Outros
Pernambuco
Outros
Pernambuco
Núcleo de
Estudo/UFPE
Pernambuco
Outros
Pernambuco
Outros
Paraná
Outros
Paraná
Outros
Paraná
Outros
Rio de
Janeiro
Rio de
Janeiro
Rio de
Janeiro
Rio de
Janeiro
Rio de
Janeiro
Rio de
Janeiro
Rio de
Janeiro
Rio de
Janeiro
Rio de
Janeiro
Outros
Outros
Outros
Outros
Grupo de Trabalho – A Mulher
na Literatura
Conselho Municipal dos
Direitos da Mulher Belém/PA
Associação Brasileira de
Mulheres na Carreira Jurídica
Subcomissão Paraíba
Grupo de Mulheres Negras de
João Pessoa
Grupo Feminista Maria
Mulher
Centro Mulher – Centro de
Estudos e Documentação
Grupo de Estudos e Pesquisas
da Condição da Mulher da
UFPE – Gepem
Grupo de Estudos da Mulher
SOS Corpo – Grupo de Saúde
da Mulher
Associação de Mulheres de
Carreira Jurídica/PR
Conselho Estadual da
Condição Feminina
Movimento Popular de
Mulheres do Paraná
Centro da Mulher Brasileira
Centro de Estudos e Pesquisas
da Baixada Fluminense
Ciec- Programa de Estudos
Feministas
Grupo Ceres
Grupo de Pesquisas sobre as
Condições de Saúde e Trabalho
da Mulher
Grumin – Grupo Mulheres
Outros
Educação Indígena
Núcleo de
Laboratório de Estudos Sobre
Estudo/IUPERJ
a Mulher
Mulheres por um
Outros
Desenvolvimento Alternativo
(Mudar/Dawn)
Núcleo de
Núcleo de Estudos sobre a
Estudo/ PUC Rio
Mulher
Outros
272
12/1985
Belo
Horizonte
3/1987
Belém
4/1987
João
Pessoa
3/1987
10/1974
João
Pessoa
João
Pessoa
9/1984
Recife
9/1986
Recife
6/1985
Recife
3/1982
Recife
10/1985
Curitiba
10/1985
Curitiba
1980
Curitiba
10/1975
8/1986
3/1975
7/1987
3/1988
Rio de
Janeiro
Duque de
Caxias
Rio de
Janeiro
Rio de
Janeiro
Rio de
Janeiro
Rio de
Janeiro
Rio de
Janeiro
8/1984
Rio de
Janeiro
6/1980
Rio de
Janeiro
Rio de
Janeiro
Rio de
Janeiro
Outros
Outros
Rio de
Janeiro
Outros
Roraima
Outros
Rio Grande
do Sul
Outros
São Paulo
Outros
São Paulo
Outros
São Paulo
Outros
São Paulo
Outros
São Paulo
Outros
São Paulo
Outros
São Paulo
Outros
São Paulo
Outros
São Paulo
Outros
São Paulo
Outros
São Paulo
São Paulo
Núcleo de
Estudo/USP
Outros
Núcleo de Recursos Humanos
em Saúde
OAB/MULHER – Comissão
Feminina/RJ
OAB/MULHER – Sub
Comissão da Mulher
Advogada Barra Mansa
Conselho Municipal dos
Direitos da Mulher
Centro de Informação e
Pesquisa Angelina Gonçalves
– Cipag
Associação de Mulheres de São
Caetano do Sul
12/1980
Niterói
9/1985
Rio de
Janeiro
7/1987
Barra
Mansa
9/1987
Boa Vista
4/1986
Porto
Alegre
5/1987
Centro de Memória Sindical
6/1980
Coletivo de Pesquisa sobre a
1975
Mulher
Comitê Técnico Permanente de
Estudo e Defesa dos Direitos
6/1988
da Mulher
Conselho Estadual da
Condição Feminina de São
4/1983
Paulo
Conselho Estadual da
Condição Feminina de São
3/1986
José dos Campos
Conselho Estadual da
6/1986
Condição Feminina de Marília
Grupo de Saúde da Mulher
Div. Saúde Materna e da
12/1983
Criança
Instituto de Estudos
Interdisciplinares sobre as
1982
Relações Sociais de Gênero –
Ieros
Mulher – Imagens do
1986
Cotidiano Campos
Núcleo de Estudos da Mulher e
1986
Relações Sociais de Gênero
Rede Mulher
1983
São
Caetano
do Sul
São Paulo
São Paulo
São
José dos
Campos
São Paulo
São
José dos
Campos
Marília
São Paulo
São Paulo
São Paulo
São Paulo
São Paulo
Fonte: CNDM, 1989.
Sobre a temática do uso do tempo, as pesquisas realizadas pelo húngaro
Alexander Szalai, nos países da antiga URSS, e, no Brasil, por Amaury de Souza
273
(em 1973), foram seguidas pelo pioneirismo da professora Neuma Aguiar, tanto
teórico, quanto metodológico, ao introduzir a discussão do uso do tempo para
os estudos feministas e de gênero na academia brasileira, após a realização, em
1978, do seminário “A mulher na força de trabalho na América Latina”, na sede
do Iuperj. Esse seminário foi o embrião para a formatação, tendo alavancado o
grupo de trabalho nos encontros da Associação Nacional de Pós-Graduação em
Ciências Sociais (Anpocs), em 1979, conhecido como GT “A Mulher na força de
trabalho”, que congregou pesquisadoras e pesquisadores que debateram as temáticas, tanto da mulher no mercado de trabalho quanto a discussão de novas metodologias para os novos estudos feministas, que recém surgiam no Brasil. Como
Britto e Neto (1982) afirmam:
A preocupação com a temática “Tempo de Trabalho”, de sua utilização na
investigação microanalítica e de sua condução, em uma instância, a um
corpo teórico abrangente, fico patenteada com a resolução do Grupo de
Trabalho Mulher na Força de Trabalho da Anpocs, em sua Reunião Anual
de 1981 de, na medida do possível explorar-se essa vertente na busca de uma
avaliação tanto quanto possível, nacional. (BRITTO; NETO, 1982, p. 1).
Quadro 3: GT Mulher e a Força de Trabalho nos
Encontros da Anpocs 1979/1989
Encontro
da
Ano
Anpocs
III
Local
Trabalhos apresentados no GT “A Mulher na Força de Trabalho”
Alice Rangel de Paiva Abreu (USP) – O Mundo da Costura: algumas
considerações sobre o trabalho assalariado e atividades independentes
na indústria da confecção
Fanny Tabak (PUC/SP) – Associações Femininas como Grupos de
Pressão Política
Lúcia Ribeiro de Souza (IBGE) – O trabalho feminino e a estrutura
Belo
familiar
1979
Horizonte
Maria Moraes, Cristina Bruschini e Carmem Barroso – Unidades
Domésticas, Organizações de Mulheres e Estratégias de Sobrevivência
no Brasil***
Parry Sccott (UFPE) – A Produção Doméstica e a Mulher no Recife
Zaira Ary Farias (UFC) – Aspectos relacionados com a situação da
mulher – dona de casa face ao trabalho doméstico e extradoméstico:
algumas notas
274
IV
V
Felícia R. Madeira e Maria Q. de Moraes (USP) – Notas Preliminares
sobre a evolução do trabalho feminino no Brasil 68/78: algumas
reflexões sobre o tema “mulher e trabalho”***
Cheywa Spindel – A mulhera na indústria do vestuário
Amélia Rosa Sá Barreto Teixeira, Ana Clara Torres Ribeiro e
Filippina Chinelli Casa e Fábrica: a organização política da Mulher
trabalhadora***
Heleieth Saffioti – O impacto da industrialização na estrutura do
emprego feminino
Neuma Aguiar (Iuperj) – Um guia exploratório para a compreensão do
Rio De
1980
trabalho feminino***
Janeiro
Liliana Acero – La Mujer en el proceso de trabajo – una fábrica textil
Maria Valéria Junho Penha (UFRJ) – A Revolução de 30, a família e o
trabalho feminino
Simon Schwartzman – A Igreja e o Estado Novo: O Estatuto da Família
Selene Herculano dos Santos – A mulher de formação universitária em
algumas empresas estatais
Vera Maria Cândido Pereira (UFRJ) – A dupla subordinação das
mulheres – análise de depoimentos de operárias têxteis
Zahidé Machado Neto (UFBA) – Mulher e Estado – Funcionária
Pública: A dona de casa nas “repartições”
Alda Brito (UFBA) – Emprego Doméstico no Capitalismo – O caso de
Salvador
Alice Range Paiva de Abreu – Algumas considerações sobre a posição
trabalhista de costureiras externas na indústria de confecção no Rio de
Janeiro
Francisca Laíde de Oliveira, Jane Souto de Oliveira, Rosa Maria Porcaro,
Tereza Cristina Costa – Desvendando o trabalho da Mulher: notas para
uma discussão
Heitor Mansur Caulliraux (UFRJ) – Formas de resistência na indústria
do vestuário
Nova
Heleith Saffioti e Vera Lúcia Botta Ferrante (Unesp/Araraquara)–
1981
Friburgo
Mulher e trabalho numa zona rural paulista
Maria José Carneiro – Ajuda e trabalho: a subordinação da mulher no
campo
Maria Valéria Junho Pena (UFRJ) – Lutas Ilusórias: As mulheres na
política operária da Primeira República
Marina Figueiredo de Mello (Puc Rio) – O mercado de trabalho: uma
abordagem da participação feminina
Zahidé Machado Neto (UFBA) – A força de trabalho da mulher no
espaço do bairro
Zaira Ary Farias (UFC) – A situação das mulheres na sociedade de
classes: o valor social do trabalho doméstico
275
VI
VII
VIII
Alda Britto e Zahidé Machado Neto (UFBA) – Tempo de Mulher,
Tempo de Trabalho: Entre Mulheres Proletárias em Salvador***
Heleith Saffioti e Vera Lúcia Botta Ferrante (Unesp/Araraquara)–
Trabalhadoras rurais: exclusão e contradição
Maria Coleta Oliveira (USP)- O trabalho feminino e trabalho familiar:
um estudo sobre trabalhadoras agrícolas em São Paulo, Brasil
Mariza de Athayde Figueiredo – Orçamento de tempo: método aplicado
Nova
1982
pelas Ciências Sociais nas pesquisas de campo***
Friburgo
Neuma Aguiar (IUPERJ) – Orçamento de tempo em perspectiva
comparada: uma proposta de pesquisa***
Zaira Ary Farias – Contribuições recentes para o estudo de orçamento
de tempo: uma resenha***
Zuleica Oliveira, Márcia Vianna e Juarez Oliveira – Aspectos
sociodemográficos do trabalho feminino nas áreas urbanas do estado de
São Paulo: 1970-1976
Anamaria Beck, Claudia Maria Costa, Eugenio Pascele Lacerda, João
Carlos Torrens – Um trabalho atoa: a produção e a comercialização da
renda de bilro e suas implicações para a economia familiar
Gilda de Castro Rodrigues (UFPB) – Camponesas no Cariri Paraibano
Luciano Figueiredo e Ana Maria Bandeira Magualdi – Negras de
tabuleiros e vendeiras: a presença feminina na desordem mineira no
século XVIII
Marcus Figueiredo – Estudo comparativo do papel socioeconômico
das mulheres chefes de família em duas comunidades negras de pesca
Águas de
artesanal (costa atlântica)
1983
São Pedro
Maria Malta Campos, Marta Grosbaum, Regina Pahim, Fúlvia
Rosemberg – Profissionais de creche
Maria Lúcia Sá Maia (UFPA), Edna Castro (UFPA), Edila Moura (FUA),
Ernesto Pinto (FUA), Marilene Silva (FUA) – A mobilidade do trabalho
feminino e a reprodução da força do trabalho: análise da família
operária em Belém e Manaus
Marise Vianna – Determinantes psicossociais da consciência social das
empregadas domésticas de São Paulo: um estudo de caso
Neuma Aguiar e Vanda Aderaldo – Trabalho feminino e propaganda
governamental
Águas de
1984
Sem informações
São Pedro
276
IX
X
Gilda Castro (UFPB) – O mito de Adão e Eva: A legitimidade da
dominação masculina
Cristina Bruschini – Mulher e trabalho : uma avaliação da década da
mulher 1975-1985
Heleieth Saffioti – Força de trabalho feminina no Brasil: no interior das
cifras
Maria Moraes Silva – Trabalhadores e trabalhadoras rurais no estado de
São Paulo
Águas de
1985
Manoel Tourinno, Janett Ferreira e Margarida Zaroni – Modernização
São Pedro
agrícola na região cacaueira e o trabalho da mulher: efeitos do salário,
tecnologia e estrutura fundiária
Paulete Goldenberg – Mulher, trabalho e aleitamento: uma questão
sobre reprodução social
Rosa Lúcia Moyses – Sobre o processo e a divisão sexual do trabalho nas
indústrias farmacêuticas e de cosméticos
Zaira Ary (UFC) – Ciências Sociais e a “questão da mulher”:
apontamentos sugestivos
Campos
1986
Não foi realizado o GT
do Jordão
277
XI
XII
Naumi Antonio de Vasconcelos (Ieros/PUCSP) – Reflexões sobre o
poder macho – Ícaros, Laios, Édipos / ou/ Macunaíma, mon amour (1ª
versão)
Ícaros, Édipos, Laios: ascensões e quedas ou Macunaíma, mon amour
(2ª versão)
Edgar de Assis Carvalho (Unesp/PUCSP) – Poder masculino e
Contrapoderes femininos em sociedades sem classes (1ª e 2ª versão)
Norma Telles (Ieros/PUCSP) – A crise do poder do macho e outras
crises (1ª versão)
A crise do poder do macho (2ª versão)
Marijane Lisboa (Ieros/PUCSP) – A crise de identidade do macho ( 1ª e
2ª versão)
Zuleika Lopes de Cavalcanti de Oliveira (IBGE/RJ) – A crise e os
arranjos familiares de trabalho urbano – mudanças e composição da
força de trabalho urbano familiar (1ª versão)
A Crise e os Arranjos Familiares de Trabalho Urbano (2ª versão)
Neuma Aguiar e David P. Morais (Iuperj) – Crise e desenvolvimento –
trabalho e gênero em uma plantação canavieira (1 ª e 2ª versão)
Edila Ferreira Moura (UFPA) – A mulher frente à ação dos grandes
Águas de
projetos: formas de resistência e resignação (2ª versão)
1987
São Pedro Teresita de Barbieri (Unam) e Orlandina de Oliveira (Unam/Colegio
de México) – La Presencia de las Mujeres em América Latina em uma
Década de Crisis (1 ª e 2ª versão)
Cheywa R. Spindel (Idesp/SP) – A mulher frente à crise econômica dos
anos 80 – algumas reflexões com base em estatísticas oficiais (1ª versão)
A mulher frente à crise econômica dos anos 80 – novas reflexões sobre
um velho problema (2ª versão)
Maria Dirlene Trindade Marques (UFMG) – Relações de poder e
dominação sobre a força de trabalho feminina (2ª versão)
Maria Helena Machado (Ensp/Fiocruz-RJ) – A participação da mulher
na força de trabalho em saúde no Brasil – 1970-80 (1 ª e 2ª versão)
Maria Aparecida M. Silva (Unesp) – O capital na agricultura e a nova
divisão sexual do trabalho (1 ª e 2ª versão)
Sandra Azeredo (UFMG) – Relações entre empregadas e patroas (1 ª e
2ª versão)
Edgard de A. Carvalho – Pensamento selvagem e relações de gênero (1ª
versão)
Maria D. T. Marques, Silvia E. C. Morales e Heloisa Helena Gonçalves –
Poder e dominação sobre a força de trabalho feminina (1ª versão)
1988
Águas de
São Pedro
Não foi realizado o GT
278
Michele Ferrand (CNRS-Paris) – Reflexões metodológicas sobre uma
abordagem em termos de relações sociais de sexo (1ª e 2ª versão)
Lena Lavinas (IPPUR/UFRJ) – Identidade de gênero: um conceito da
prática (1ª e 2ª versão)
Heleieth I. B. Saffioti (PUCSP) – Ideologia e razão dualista (1ª e 2ª
versão)
Alda Britto da Motta (UFBA) – Emprego doméstico: revendo o novo (1ª
e 2ª versão)
Mary Garcia Castro (UFBA) – A busca por uma identidade de classe
XIII 1989 Caxambu
pelas empregadas domésticas da América Latina e do Caribe (1ª e 2ª
versão)
Maria de Moraes Silva (UNESP) – Quando as andorinhas são forçadas a
voar (1ª e 2ª versão)
Naumi Antonio de Vasconcelos (Cenp) – Uma abordagem psicanalítica
do machismo brasileiro (machismo e agressividade no brasil: um caso
de desmame difícil) (1ª e 2ª versão)
Florisa Verucci (OAB-SP) – A mulher e a família na nova constituição
brasileira (1ª e 2ª versão)
Fonte: Elaborações próprias a partir do site da Anpocs.
*** trabalhos voltados para a temática dos usos do tempo.
Desde as acaloradas discussões das décadas 1979-1989 na Anpocs aos anos
subsequentes, até a introdução na PNAD, pelo IBGE, de questões relativas ao trabalho doméstico, a importância da temática do uso do tempo ganhava importância no cenário nacional com os cursos de Metodologia Quantitativa na UFMG e
com a realização do congresso da International Association of Time-Use Research
(Iatur), também na UFMG, pela primeira vez no Brasil, em 2000.
Os trabalhos e pesquisas acadêmicos de grande fôlego em uso do tempo no
Brasil ficaram restritos a duas pesquisas realizadas em metrópoles brasileiras, uma
realizada por Amaury Souza (1973) e a outra por Neuma Aguiar (2001). Segundo
Neubert (2011, p. 48), outros trabalhos importantes de pesquisa vinculados ao
grupo de pesquisa de Aguiar foram: “o estudo de Souza (2007) sobre o tema da
masculinidade, a análise desenvolvida por Neto (2009) a respeito das atividades
de deslocamento e a análise desenvolvida por Neubert (2006) sobre a dimensão
da desigualdade ocupacional.” O desenvolvimento das pesquisas com diários nas
capitais da Guanabara (realizada por Souza) e na Região Metropolitana de Belo
Horizonte (por Aguiar), foram pioneiras nesse tipo de estudo no Brasil. Neuma
Aguiar (1998) também desenvolveu a pesquisa de usos do tempo no contexto
rural nas plantações rurais, utilizando o método dos diários e os desafios da sua
aplicação com analfabetos.
279
No que tange à participação brasileira no evento da International Association
for Time-Use Research (Iatur), desde a primeira edição no Brasil, em 2000, pode-se
notar que foi após a criação do CGUT, em 2008, que nos anos de 2010-2011 houve aumento da participação brasileira no evento, que não ficou mais restrita em
sua maioria aos pesquisadores da UFMG e ao grupo de pesquisa coordenado pela
professora Neuma Aguiar. Passou a ocorrer a inclusão da participação de alguns
pesquisadores de outras instituições, principalmente da SPM e do IBGE. Porém,
de acordo com as atas das reuniões do CGUT, sistematizadas em Cypriano (2013),
o papel da professora Neuma Aguiar em articular a relação do Comitê com a
Instituição internacional foi crucial para a realização do evento em 2013 no Brasil
novamente.
Somada à contribuição da Professora Neuma Aguiar à temática de gênero
e usos do tempo, na configuração desse campo do conhecimento há também
a importância de acadêmicas que contribuíram direta ou indiretamente na
construção da Secretaria de Políticas para as Mulheres (SPM). Segundo Marina
Brito (2015):
Várias feministas acadêmicas e militantes ocuparam ou ocupam cargos comissionados na SPM. Algumas delas vieram a ocupar posições nesse staff
por seu reconhecido papel na atuação em organizações da sociedade civil,
outras por via dos partidos políticos ou redes formadas entre as feministas
que, ao serem chamadas para a Secretaria, acabaram levando consigo colegas que conheceram durante seus trabalhos realizados na esfera da sociedade civil. A presença de mulheres com este perfil, atuando não apenas na
SPM, mas também em outros Ministérios e agências estatais, criou alguns
importantes canais de diálogo entre os movimentos e o Estado. Algumas
das ativistas que assumiram cargos durante os anos 2000 continuaram a militar em movimentos feministas e de mulheres, mesmo que de forma muito
menos intensa e recorrente quanto antes. (BRITO, 2015, p. 183).
Destacando-se a importância de Lourdes Bandeira, Hildete Pereira e Tatau
Godinho e, posteriormente, da própria ministra Eleonora Menicucci. Todas estsas doutoras revelam a diversidade de reportórios na atuação feminista, visto o
entrelaçamento de suas trajetórias como militantes, acadêmicas e também como
femocratas. Sobressai-se, assim, dois fatores relevantes na trajetória da Secretaria
de Políticas para as Mulheres: (i) as duas ministras que mais tempo ficaram na
Secretaria eram docentes em universidades públicas; e (ii) havia o incentivo à
contratação, tanto nos cargos comissionados como nas consultorias temáticas, de
profissionais com origem acadêmica.
280
Há de se ressaltar ainda a estrutura organizativa da SPM, que, desde a sua
criação, se configurava em três áreas/subsecretarias: a de Enfretamento à Violência
contra as Mulheres; a de Autonomia Econômica; e a de Áreas Temáticas. Pela própria dinâmica institucional e organizacional, desde a sua fundação, cabe destacar
que a temática da divisão sexual do trabalho e dos usos do tempo era contemplada por essa dinâmica institucional.
Para além da dinâmica dentro da SPM, há também de se lembrar da importância de pesquisadoras(es) dos outros órgãos que configuraram o CGUT, e
grande parte também tinha uma relação estreita com o feminismo acadêmico (ver
Quadro 4).
Quadro 4: Participantes do Comitê de Gênero e Usos do Tempo entre 2009-2013
Órgão
SPM
Participantes
Ana Maria Mesquita
Breno Cypriano
Cláudia Pedrosa
Cristina Queiroz
Daniel Piza
Eleonora Menicucci (Ministra)
Fábia Oliveira
Gabriela Parente
Guaia Monteiro
Hildete Pereira
Lourdes Bandeira (Secretária)
Luana Pinheiro***
Luane Cruz
Luciana Santos
Marcela Rezende
Mariana Mazzini
Paloma Sanches
Renata Laviola
Renata Rossi
Renata Sakai
Rosa Maria Silva
Rodrigo Giacomitti
Silvana Zuccolato
Tais Cerqueira
Taís Machado
Tatu Godinho (Secretária)
Thiago Cantalice
Valéria Moraes
Vera Soares
281
IBGE
Ipea
ONU Mulheres
(Unifem)
OIT
Ana Lucia Sabóia
Bárbara Cobo
Betina Fresneda
Cintia Agostinho
Cristiane Soares
Danielle Macedo
Fatmato Hany
Jacqueline Manhães
Lara Gama Cavalcanti
Márcia Quintslr
Ricardo Silva
Roberto Neves Sant’Anna
Rosane Oliveira
Luana Pinheiro
Marcelo Galiza
Maria Abreu
Natália Fontoura
Paula Costa
Paula Rincon
Ana Carolina Querino***
Danielle Valverde
Cleiton Lima
Juana Lucini
Shirley Villela
Ana Carolina Querino
Márcia Vasconcelos
Fonte: Elaboração própria a partir de Cypriano, 2013.
*** as servidoras mudaram de órgão durante o período analisado.
Por fim, cabe destacar também a atuação do IBGE na contribuição para
a disseminação da temática no Brasil, tanto para as pesquisas de uso do tempo,
quanto também para a sua importante atuação dentro do CGUT. De acordo com
Cavalcanti, Paulo e Hany (2009):
A identificação da necessidade de se investigar o uso do tempo não é nova
no instituto. Desde a década de 90, a Pesquisa Nacional por Amostra de
Domicílios (PNAD) já vem investigando se as pessoas realizam afazeres
domésticos e quantas horas por semana dedicam a esta atividade, além do
tempo gasto no deslocamento casa-trabalho. Em 2001, o IBGE também realizou um pequeno teste de pesquisa de uso do tempo em alguns bairros do
Rio de Janeiro, através do Curso de Desenvolvimento de Habilidades em
Pesquisa (CDHP), que proporciona treinamento em pesquisa aos funcionários do Instituto. Em 2007, o IBGE sediou o Seminário Internacional sobre
Uso do Tempo, realizado em parceria com o Unifem e com o apoio da SPM.
O seminário reuniu representantes de institutos de estatística de diferentes
países, de organismos internacionais e de gestores públicos para estudar as
melhores práticas na obtenção de estatísticas de uso do tempo. A partir desta
282
experiência acumulada e da participação do IBGE no Comitê de Estudos de
Gênero e Uso do Tempo, o Instituto identificou uma boa oportunidade para
a realização de um teste, inserindo então um suplemento da Pesquisa do
Uso do Tempo no teste da PNAD Contínua, cujo período de referência da
coleta foi de outubro a dezembro de 2009, em cinco Unidades da Federação
(UF). No Rio de Janeiro, o período de referência da coleta é de outubro de
2009 a setembro de 2010. A PNAD Contínua é a pesquisa que substituirá
a atual PNAD e a Pesquisa Mensal de Emprego (PME), a partir de 2011, e
fará parte do novo Sistema Integrado de Pesquisas Domiciliares do IBGE.
Concluiu-se que este ambiente de teste seria propício para a inserção da investigação sobre uso do tempo, já que um tema novo e complexo como este
precisaria passar por uma avaliação metodológica antes de ser aplicado em
definitivo no país inteiro.” (CAVALCANTI; PAULO; HANY, 2010, p. 2-3).
Além das contribuições da SPM e do IBGE, haveria de se destacar a importante contribuição das pesquisas e estudos produzidos pelo Ipea, como cita, por
exemplo, Fontoura e Araújo (2016).
O que as mulheres das políticas para as mulheres pensam
sobre as questões da divisão sexual do trabalho e os usos do
tempo?
Esta última seção do capítulo contempla a parte metodológica e a análise
dos dados referentes às pesquisas de survey realizadas pelo Núcleo de Estudos
e Pesquisas sobre a Mulher (Nepem/UFMG) na 3ª Conferência Nacional de
Políticas para as Mulheres, em 2011, e na 4ª Conferência Nacional de Políticas
para as Mulheres, em 2016. Uma das dimensões da pesquisa foi compreender a
percepção, para esse segmento de mulheres, sobre as questões referentes à dinâmica da divisão sexual do trabalho e os usos do tempo no Brasil. Há de se destacar que uma primeira consideração sobre o tratamento dos dados é o perfil das
delegadas entrevistadas pela pesquisa (tanto da sociedade civil como do Estado),
que vai de encontro à dimensão que aqui é ressaltada neste capítulo: a relevância e
centralidade da dimensão acadêmica do feminismo. A maioria das delegadas respondentes tem curso superior completo ou pós-graduação, sendo 63% em 2011,
e 64,7% em 2016. Somado ao dado de escolaridade, outro indício dessa questão
é discutido no capítulo sobre redes de Marlise Matos e Sonia E. Alvarez, pois
há também a evidência de que uma parte das trajetórias políticas dessas delegadas, dentro do feminismo, começou na militância em movimentos estudantis e
universitários.
283
Passando a discutir os dados de percepção das delegadas em ambas as conferências, os principais eixos de análise aqui tratados são: (i) as principais desigualdades existentes entre homens e mulheres; (ii) o problema das mulheres no
Brasil; (iii) o que deve mudar para melhorar a vida das mulheres; (iv) questões
de concordância e discordância; (v) os motivos que levam as mulheres a ter uma
posição inferior aos homens no mercado de trabalho; e (vi) a visibilidade dos
programas ou políticas realizados pela SPM. Destaca-se que na pesquisa realizada
há a replicação de algumas perguntas da Pesquisa da Fundação Perseu Abramo,
“Mulheres brasileiras e gênero nos espaços público e privado”.8 Na apresentação
dos dados abordar-se-á, quando possível, essa comparação.
Com relação à questão “Em sua opinião, atualmente qual é o principal
problema enfrentado pelas mulheres no Brasil? E o segundo? E o terceiro?”, essa
pergunta espontânea foi aplicada apenas na Conferência de 2016, elencando o
primeiro, o segundo e o terceiro problemas das mulheres no Brasil e, posteriormente, codificados em categorias (Gráfico 2). Portanto, para essa pergunta não há
comparação com a pesquisa realizada na Conferência de 2011. Sobre esse aspecto,
percebe-se que quando as delegadas foram perguntadas sobre qual é o primeiro
problema, há a relevância do problema relacionado à violência (39,7%). Porém,
ao somar os três problemas elencados por elas, percebe-se que o problema relativo
a trabalho e renda tem grande relevância (62%), juntamente ao problema da violência (60,8%).
8
A pesquisa foi realizada em duas etapas, nos anos 2001 e 2010 (em parceria com o Sesc). Cabe
salientar que a pesquisa traz questões de atitude e percepções sobre temas, como: percepção de ser
mulher, machismo e feminismo; divisão sexual do trabalho e tempo livre; corpo, mídia e sexualidade; saúde reprodutiva e aborto; violência doméstica; democracia, mulher e política (FUNDAÇÃO
PERSEU ABRAMO, 2010).
284
Gráfico 2: Problema das mulheres no Brasil (principal, segundo e terceiro)
Fonte: Elaboração própria.
Passando a analisar a questão: “Pensando no mundo de hoje, quais são para
você as principais desigualdades que existem entre as mulheres e os homens? O
que mais é desigual? E em segundo lugar? E em terceiro lugar?”, essa pergunta
espontânea está presente nos questionários aplicados nas duas ondas da pesquisa
(Gráfico 3). A resposta das delegadas, tanto em primeiro e em segundo lugar, dá
dimensão do trabalho/profissional/salário/renda como a principal desigualdade entre os sexos. Em 2011, 96,2% das delegadas relataram essa dimensão, e, em 2016,
98,2% das delegadas. Cabe destacar que a desigualdade na política e no poder
aparece como uma dimensão relevante em 2016, talvez por conta do processo de
impeachment que a presidenta Dilma Rousseff sofria.
285
Gráfico 3: Desigualdades que existem entre homem e mulher?
Em primeiro lugar? E em segundo?
Fonte: Elaboração própria.
Diante dessas duas primeiras perguntas, constata-se que é evidente que a
desigualdade de gênero para as participantes ocorre principalmente no ambiente
profissional, na esfera do trabalho, porém quando se busca conceitualizar a noção
de “problema para as mulheres”, este inclui também a ideia de violência e de discriminações. Essa comparação traduz algumas questões relativas aos problemas
cognitivos que surgem em pesquisas de survey e percepção. Tal questão fica mais
evidente com a pergunta “Se você pudesse mudar qualquer coisa para que a vida
de todas as mulheres melhorasse, qual seria a primeira coisa que você faria? E a
segunda? E a terceira?” (Gráfico 4). Muitas delegadas responderam que deveria
ser alguma mudança relativa à equiparação profissional e de renda como um dos
principais aspectos, mas questões como educação e creche, combate às discriminações e autonomia, bem como políticas públicas/participação política influem
diretamente no combate à desigualdade na divisão sexual do trabalho e nos usos
do tempo. Nessa questão o efeito da conjuntura política vivida pela presidenta
Dilma Rousseff também nos pareceu evidente: 62,9 % viram a equiparação profissional e de renda como uma questão mais relevante em 2011 e 65,2% apontaram a participação política e no poder e as políticas públicas como os principais
286
aspectos a se mudar, para melhorar a vida das mulheres. Há de se destacar que
tal resultado também pode ser efeito de como o tema das mulheres na política foi
sendo gradativamente colocado em discussão pública ao longo desses anos, muito
em função, evidentemente, dos movimentos, da própria SPM, de como o governo
incorporou a pauta, das campanhas de conscientização estimuladas pela Justiça
Eleitoral, entre outros fatores.
Gráfico 4: O que deve mudar para melhorar a vida das mulheres?
Em primeiro lugar? Em segundo? Em terceiro?
Fonte: Elaboração própria.
Passando para uma lista de questões estimuladas realizadas nas duas ondas
da pesquisa que estão relacionadas a temas ligados à família e a outras relações sociais no Brasil, perguntou-se às delegadas se elas concordam totalmente, concordam em parte, discordam em parte, ou discordam totalmente com as afirmativas
colocadas – a opção não concorda, nem discorda não é estimulada, só foi anotada,
caso a delegada falasse espontaneamente. Foram selecionadas quatro afirmativas:
(i) “Uma pessoa sozinha pode criar os filhos tão bem quanto um casal que vive
junto”; (ii) “Quando têm filhos pequenos, é melhor que o homem trabalhe fora e
287
a mulher fique em casa”; (iii) “Homens e mulheres deveriam dividir igualmente
o trabalho doméstico”; e (iv) “É principalmente o homem quem deve sustentar
a família”. A análise de tais afirmativas procura exemplificar como as colocações
teóricas de autoras como Okin (2008 [1998]), Phillips (1991), Tronto (1996),
Pateman (1993 [1988]) e Walby (1990), sobre as dinâmicas do público e privado,
do cuidado e do patriarcado, são questões ainda em disputa dentro da própria luta
das mulheres e feministas, neste caso, através da visão das delegadas.
Como pode ser observado no Gráfico 5, a maioria das delegadas respondeu que concordam totalmente, em ambas as ondas da pesquisa, sobre as afirmativas (i) e (iii). Já sobre as afirmativas (ii) e (iv), há uma maioria que discorda
totalmente sobre elas, mas há de se destacar que na discussão sobre “Quando têm
filhos pequenos, é melhor que o homem trabalhe fora e a mulher fique em casa”,
há respostas que concordam com a alternativa, talvez por creditarem uma importância no papel da maternidade e do cuidado, ou talvez por acreditarem na ideia
de “papéis sexuais” diferenciados, recolocando uma abordagem mais tradicional
sobre o papel das mulheres na esfera privada.
Na pesquisa da Fundação Perseu Abramo, em ambas as ondas, tanto em
2001, quanto em 2010, foram realizadas três dessas questões (as alternativas eram
diferentes, se concorda, se discorda e nem concorda, nem discorda): sobre a segunda afirmativa, “Quando têm filhos pequenos, é melhor que o homem trabalhe
fora e a mulher fique em casa”, 85% das respondentes concordavam, em 2001, e
75% em 2010; sobre a terceira afirmativa, “Homens e mulheres deveriam dividir
igualmente o trabalho doméstico”, 87% das respondentes concordavam, em 2001,
e 93%, em 2010; e sobre a quarta afirmativa, “É principalmente o homem quem
deve sustentar a família”, 55% das respondentes concordavam, em 2001, e 51%,
em 2010. Evidencia-se que as amostras, por contemplarem públicos diferentes,
apresentaram resultados discrepantes. Nas afirmativas (ii) e (iv) a tendência da
amostra brasileira é concordar com as alternativas, apresentando uma visão talvez
mais tradicional que a das delegadas das conferências, ponto que é discutido em
maior detalhe no capítulo 4 deste volume.
288
Gráfico 5: Se concorda, concorda em parte, não concorda nem discorda,
discorda em parte, discorda totalmente com as afirmações
Fonte: Elaboração própria.
As últimas discussões sobre os dados referem-se à construção das políticas públicas promovidas pela Secretaria de Políticas para as Mulheres. Diante
da pergunta estimulada realizada em 2016, “Desta lista de programas e ações da
SPM, qual você considera o mais importante?”, as respondentes indicaram como
mais importante: o Ligue 180 – Central de Atendimento à Mulher (26,1%) e o
Programa Mulher, Viver sem Violência (23,4%). Os programas referentes à temática da divisão sexual do trabalho e usos do tempo ficaram em quinto e sétimo
lugar: Fortalecimento da política de autonomia econômica das mulheres (11,4%)
e Programa Pró-Equidade de Gênero e Raça (2,7%).
289
Gráfico 6: Indica qual Programa ou ação da SPM, dentro da lista dos
programas avaliados, a respondente considera o primeiro mais importante
Fonte: Elaboração própria.
Abordando mais especificamente a dimensão da divisão sexual do trabalho,
a pergunta estimulada “Existem vários motivos que levam as mulheres a terem
uma posição inferior aos homens no mercado de trabalho. A Secretaria de Política
para as Mulheres tem algumas iniciativas para tentar superar isso. Qual dessas
inciativas você acha mais importante de serem realizadas pela Secretaria? E em
segundo lugar? E em terceiro lugar?”, realizada na onda da pesquisa de 2016, apresenta especificamente algumas questões mais concretas referentes às melhorias
em termos de políticas públicas que visam superar as desigualdades de gênero,
que foram elencadas e centrais nas outras perguntas. Como pode ser observado
no Gráfico 7, os principais motivos apontados pelas delegadas foram: em primeiro lugar, com 79,1%, apoiar projetos que visam desnaturalizar a divisão sexual do
trabalho que estrutura as desigualdades na vida das mulheres; em segundo lugar,
com 75,7%, articular com outros Ministérios e com os outros poderes de forma
a garantir mais direitos trabalhistas para as mulheres; e, em terceiro lugar, com
64,4%, promover políticas públicas com foco na mudança e alteração do cotidiano
e no uso do tempo das mulheres.
290
Gráfico 7: Principais iniciativas da SPM para superar as desigualdades no
mercado de trabalho (primeiro, segundo e terceiro lugar)
Fonte: Elaboração própria.
Cabe ressaltar que, além das alternativas colocadas na questão anterior, haveria alternativas para a utilização das políticas públicas como ferramentas centrais e formas de superação da divisão sexual desigual do trabalho e a desigualdade nos usos do tempo entre os sexos. De acordo com Bandeira e Petrulan (2016,
p. 58):
Outras importantes políticas, como a ampliação dos serviços voltados a
idosas(os), instalação de restaurantes populares, ampliação da licença paternidade e/ou criação da licença parental são exemplos entre diversas possibilidades que poderão pautar a atuação do Estado brasileiro nos próximos
anos para promover uma maior igualdade de gênero no que tange aos usos
do tempo.
A partir dessas análises apresentadas, o que se pode chamar atenção neste
caso é que a discussão sobre o público e o privado, o cuidado, a divisão sexual do
trabalho e os usos do tempo quando verificados empiricamente é crucial para o
entendimento da política e das formas das mulheres de atuarem politicamente
enquanto atrizes políticas, tornando-se fatores imprescindíveis para a elaboração
e formulação de políticas públicas.
291
Considerações finais
A importância de se discutir temas tão cruciais na construção das políticas
para as mulheres, como é a questão da divisão sexual do trabalho e dos usos do
tempo, serve para resgatar o esmero desprendido no Brasil para se construir um
campo de pesquisas acadêmico e, após a entrada no Estado e em outros espaços
públicos, tentar colocá-los na configuração das próprias políticas públicas, ainda
que de forma muito tímida. Este capítulo serve também como registro histórico,
por tratar da importância da criação de um Comitê específico na discussão sobre
os usos do tempo no Brasil e ao mesmo tempo retraçar algumas de suas ações e
repercussões no desenho das políticas públicas. Esses registros também buscaram
resgatar a interposição entre a construção do campo de pesquisa e estudos sobre
as mulheres, feminismo e gênero no Brasil, e as trajetórias feministas, que muitas
vezes estão marcadas pelo entrelaçamento de múltiplas posições e repertórios nos
cenários políticos e públicos: das militantes, acadêmicas e femocratas.
Para aquelas que participaram do processo de discussão e construção de
propostas para as políticas para as mulheres e foram analisadas pelos dados das
duas ondas da pesquisa sobre as CNPMs, percebeu-se uma clareza quanto à relevância da temática da divisão sexual do trabalho e usos do tempo, porém não
há clareza quanto à dimensão política/prática desta. Faltaria conhecimento sobre
as políticas que foram formuladas no cenário brasileiro e/ou necessitaria de novas políticas para se resolver os problemas, como problematizado por Bandeira e
Petrulan (2016). A SPM e as Conferências foram momentos importantes para se
articular, na prática, a transversalidade de gênero, dentro de um Estado ainda patriarcal. Caminhava-se, talvez, para um tímido começo em esforços de despatriarcalização com tais iniciativas, porém, o cenário atual indica o caminho inverso,
com o desmonte dos programas e políticas aqui citados. Caminhamos agora para
uma repatriarcalização?
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