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A tecnologia educacional como ideologia1 Neil Selwyn Universidade de Monash Austrália Introdução Conforme destacado no Capítulo 1, a relutância de muitas pessoas em pensar criticamente sobre as tecnologias digitais na educação contrasta fortemente com a natureza política da tecnologia. Enquanto houve algum interesse pelo pensamento de oposição durante as décadas de 1980 e 1990 (veja, por exemplo, os escritos de Michael Apple, C. A. Bowers, Hank Bromley, Larry Cuban, Ivor Goodson e Neil Postman), a maior parte da discussão acadêmica acerca da tecnologia educacional tem tendido a se posicionar entre uma aceitação desinteressada e uma crença profundamente 1 Capítulo 2 de: SELWYN, N. Distrusting Educational Technology. Edição para Kindle. Londres: Routledge, 2014. Traduzido pela Profa. Dra. Giselle Martins dos Santos Ferreira, Coordenadora do Grupo de Pesquisas TICPE, PPGE/UNESA. Contato: http://ticpe.wordpress.com. 1 enraizada nos benefícios inerentes à tecnologia para a educação. A definição da tecnologia digital como uma “coisa boa”, em geral, tornou-se uma ortodoxia dentro do pensamento acerca da educação – ou seja, parte de um consenso compartilhado de que as tecnologias digitais tornaram-se “gradualmente aceitas e praticamente despercebidas”, muitas vezes sem “aqueles que são afetados registrarem o fato” (LEFEBVRE, 2007/1981, p. 78). Podese argumentar que a tecnologia educacional é, agora, algo que mal parece exigir atenção. De muitas maneiras, o uso da tecnologia digital em ambientes educacionais atingiu um estado de ser “ideologicamente invisível” (NYE, 2007), com a racionalidade básica de tecnologia educacional aceita, em grande parte, sem questionamento. Essa normatização da tecnologia educacional certamente requer uma atenção crítica. Ainda que as esperanças, crenças e promessas em torno da tecnologia digital possam ter uma forte ressonância intuitiva, é preciso problematizar-se as “histórias” do senso comum sobre a tecnologia digital que se repetem e são “recontadas” em discussões e debates educacionais. Na realidade, apesar de 2 suas conotações reconfortantes, devemos sempre desconfiar da forma de pensar do senso comum. Como David Harvey (2005, p. 39) adverte, o senso comum pode ser “profundamente enganoso” - mascarando, ofuscando ou dissimulando problemas reais e deixando realidades importantes fechadas a indagações. Com essas advertências em mente, este capítulo procura ir além da ortodoxia da tecnologia educacional como uma “coisa boa” e, em vez disso, preparar o terreno para uma análise deliberadamente política de educação e tecnologia. Em particular, argumenta-se que as formas em que a tecnologia digital está sendo discutida e compreendida nos círculos educacionais refletem a função ideológica de tecnologia educacional. Assim, a partir deste ponto no livro, temos de olhar para além da “naturalidade arrogante” (ADORNO, 1981, p. 126) que caracteriza a maioria dos debates da educação e da tecnologia e cria a ilusão de que estas questões são livres de substância política. Em vez disso, este capítulo desenvolve uma estrutura para identificar quais são esses interesses ideológicos, explorando as consequências e resultados de sua dominação. 3 Ideologia Primeiramente, precisamos desenvolver uma noção clara do que é ideologia e de como ela funciona. Em um sentido popular, o termo “ideologia” é mais frequentemente usado para designar um sistema geral de ideias, crenças e valores que orientam a ação. Por exemplo, equipes esportivas e empresas multinacionais são frequentemente apresentadas a partir de “ideologias” centrais que as orientam e moldam o seu sucesso – como a filosofia holandesa do “futebol total” ou a máxima muito citada do Google, “não seja mau”. No entanto, esse uso diário e sem graça da palavra desmente a importância da “ideologia” como um conceito político, bem como a sua importância na compreensão dos padrões de poder e dominação na sociedade contemporânea. Para isso, precisamos olhar ao longo dos últimos 150 anos de pensamento político, a começar com a obra de Karl Marx. Para Marx, o conceito de ideologia estava relacionado com o mascaramento das contradições produzidas pelo sistema capitalista em formas que contribuíam para a sua 4 reprodução. Essas contradições incluíam a exploração e dominação das classes trabalhadoras, bem como as relações sociais e desigualdades desumanizadoras que resultam em toda a sociedade. De forma simplificada: Marx argumentou que ideologias funcionam para inverter as relações entre os diferentes elementos do sistema capitalista, ocultando, assim, os padrões reais de poder. Nesse sentido, Marx via ideologia em funcionamento para fazer esses arranjos parecerem necessários, normais e congruentes, contribuindo, assim, para reproduzir o domínio do interesse de uns sobre os interesses dos outros. Marx desenvolveu a compreensão de que as ideologias são dispositivos inerentemente políticos centrados nas noções de “inversão” e “ocultação”. Um exemplo duradouro de dissimulação ideológica da contradição pode ser visto nas formas em que mercados tendem a ser apresentados e percebidos como imbuídos dos valores da liberdade e da igualdade de oportunidades, apesar de suas desigualdades subjacentes e falta de liberdades. Inversões como essas, Marx argumentou, levam a uma “consciência distorcida” em toda a sociedade que 5 mascara as contradições sociais e políticas. Dessa forma, a atenção coletiva focaliza a “esfera das aparências” (por exemplo, a ilusão do mercado livre e igual), em oposição à “esfera das relações internas” (por exemplo, as realidades desiguais de produção). Assim, para Marx, a ideologia representava “ilusão, falsa consciência, irrealidade, realidade de cabeça para baixo” (Williams 1985, p. 156), funcionando para oferecer justificação e consolo para a opressão sob o capitalismo. Ainda que a leitura original de Marx de ideologia possa ser criticada por ser excessivamente holística e unificada, há mérito óbvio em sua análise. Em particular, essa leitura destaca uma série de características-chave da ideologia que dizem respeito às nossas discussões atuais de tecnologia educacional – não menos importante, a ideia de que as ideologias são dotadas de cruciais funções políticas, ordenando o mundo social e orientando-o para determinadas atividades enquanto legitima algumas práticas e deslegitima outros. Em outras palavras, Marx demonstra como ideologias exercem poder por meio da criação de uma estrutura que permite tomar decisões e a essas dar 6 sentido. Crucialmente, Marx destaca o fato de que a disseminação da ideologia pode ser um ato de manipulação deliberada, mas também pode ser um processo inconsciente ou auto-enganador. Como tal, as ideologias contêm níveis de significado que estão escondidos de seus consumidores e, muitas vezes, de seus produtores. A análise de Marx é também útil ao destacar a difusão de ideologias dominantes em uma sociedade. Essas ideologias dominantes, muitas vezes parecem não “pertencer” ou ser “movidas” por ninguém em particular. Em vez disso, elas são vistas como parte do ambiente cultural e social mais amplo e moldado por circunstâncias sociais e históricas de longa data. Um dos principais desafios de qualquer estudo da ideologia, portanto, é a tentativa de identificar e, em seguida, decodificar essas ideologias dominantes - “identificando estruturas, contextos e motivos que não são facilmente visíveis” (FREEDEN, 2003, p. 11). É claro, essas definições iniciais desencadearam 150 anos de debate e refinamento subsequentes. Como Raymond Williams descreve, muitos autores depois de Marx conceberam ideologia menos como uma ilusão de 7 massa holística e mais em termos delimitados de formas específicas de dominação por “um determinado conjunto de interesses materiais ou, mais amplamente, a partir de uma classe determinada ou grupo” (WILLIAMS, 1985, p. 156). Assim, filósofos políticos e teóricos posteriores refinaram a noção de ideologia para além da ideia de uma distorção de classe e, em vez disso, descreveram-na em termos mais específicos da dominação de um interesse sobre os outros. Por exemplo, György Lukács escreveu sobre ideologia como a consciência individualista das classes burguesas. Por outro lado, Karl Mannheim destacou o potencial pluralista das ideologias a desempenhar um papel central nas tentativas de diferentes grupos de exercer o poder – aumentando, assim, a possibilidade de emergência de sistemas ideológicos em competição a partir de diferentes modos de existência. Uma das descrições-chave da ideologia do século XX foi a de Antonio Gramsci. Em seus escritos, Gramsci também se afastou da ideia de que a ideologia funcionava como uma forma distorcida de consciência de massa, descrevendo-a como um sistema de ideias com uma 8 “capacidade de inspirar atitudes concretas e dar algumas orientações para a ação” (LARRAIN, 2007, p. 86). Gramsci escreveu sobre ideologias em funcionamento para permitir que uma classe exerça “hegemonia” sobre as outras – isto é, obtenha consentimento para posicionar um sistema de ideias ou “visão de mundo” como o senso comum da maioria. Nesse sentido, a noção de ideologia como hegemonia não descreve a imposição de ideias falsas do dominador sobre os dominados. Em vez disso, hegemonia refere-se a um “senso comum” continuamente negociado e muitas vezes comprometido, que se dá entre os grupos dominantes e menos dominantes. Como Raymond Williams (1980, p. 37) observa, esses processos são muitas vezes tão abrangentes que frequentemente escapam a atenção: [Hegemonia] supõe a existência de algo que é verdadeiramente total […] mas que é vivido em tal profundidade, que satura a sociedade a tal ponto, e que constitui mesmo a substância e o limite do bom senso para a maioria das pessoas sob sua influência, que corresponde à realidade da [sua] experiência social. 9 Crucialmente, na análise de Gramsci, hegemonia ideológica pode ser exercida não apenas por meio da força do estado, mas também a partir de diversos meios culturais – chamando, assim, a atenção para a “fabricação do consentimento entre a população em geral, de modo que as massas considerariam seu próprio assentimento como espontâneo” (FREEDEN, 2003, p 20). Essa compreensão da produção cultural e social do consentimento e conformidade foi estendida na obra de Louis Althusser, que destacou a existência da ideologia em uma forma material a partir de uma ampla gama de práticas sociais – mais claramente nas ações e comportamentos das instituições sociais, tais como a família, as organizações religiosas e educacionais. Esses últimos autores destacam a necessária produção de compromisso entre os interesses ideológicos de grupos dominantes e subordinados, ao lado da importância de forças subjacentes que produzem uma ilusão de voluntarismo, de livre-escolha e consentimento. Autores posteriores, portanto, tendem a ver a ideologia como um meio difuso de manipulação e persuasão, e não um meio de repressão direta. Jürgen Habermas, por 10 exemplo, escreveu sobre a construção da “razão” e “consenso sem coação” a partir do que é dito, bem como do que é feito. Essa leitura evidencia a importância da linguagem e do que Habermas referiu-se como “comunicação sistematicamente distorcida” no processo de construção e manutenção de pensamento ideológico. Em vez de tentar identificar ideologias abrangente, Habermas reconheceu a importância da consciência “fragmentada”, em vez de “falsa”, nas sociedades industriais avançadas. Nesse sentido, Habermas descreveu o que viu como a substituição de ideologias globalizantes com estruturas mais fragmentadas e parciais de conhecimento que emanam de “culturas especialistas”. Essa consciência fragmentada produziu uma condição de divisão de “obscuridade” em vez de camuflagem total ou distorção. Como esses últimos exemplos sugerem, escritores e pensadores contemporâneos tendem a abordar ideologia em termos menos holísticos do que a análise inicial de Marx. Em vez de descrever a imposição repressora universal das crenças e vontade de um interesse dominante sobre todas os outros, a noção de ideologia é agora 11 compreendida em termos mais sutis como a manipulação de entendimentos, em uma tentativa de legitimar os interesses de grupos e interesses específicos. Abordada desta forma, a noção de ideologia diz respeito às lutas em curso na construção de significado e compreensão em sociedade. De fato, como John Thompson (1990, p. 56) afirma, é o significado, mais do que qualquer outra forma de interação, que melhor “serve para estabelecer e sustentar relações de dominação”. Como tal, a ideologia é talvez melhor entendida no sentido de “de-contestar” ou “naturalizar” os significados dos termos políticos, convertendo a variedade de possíveis significados e interpretações a uma certeza reduzida e simplificada que se torna consenso (FREEDEN, 2003). Para autores como Laclau e Mouffe (1985), ideologia é concretizada cada vez mais a partir de práticas discursivas que conformam tanto o sujeito quanto a natureza da própria realidade – isto é, o que é dito sobre algo que eventualmente torna-se coisa. Nesse sentido, ideologias podem ser entendidas como tentativas de naturalizar subjetividades específicas a partir 12 do (re) estabelecimento de fechamento onde existem áreas “abertas” de discussão ou desacordo. Assim, tendo esses argumentos em mente em nossa análise de tecnologia educacional, precisamos reconhecer a complexidade da ideologia na sociedade contemporânea – incluindo a permeação profundamente enraizada dos valores de interesses ideológicos dominantes na tessitura de processos e práticas sociais cotidianas. Na realidade, apesar dos tempos sofisticados e em constante mudança que pensamos estar agora vivendo, muitas áreas da sociedade contemporânea continuam a ser assoladas por paradigmas e mentalidades dominantes, pensamento de senso comum, visões de mundo restritas, entendimentos do “status quo”, suposições e fatos “neutros”. Assim, como Zygmunt Bauman (2001, pp. 10-11) argumenta, A ideologia não é tanto um credo articulado, um conjunto de instruções verbais a serem aprendidas e acreditas; é, antes, incorporada na forma como as pessoas vivem - “embebida” na forma como as pessoas agem e se relacionam. Uma vez que a hegemonia tem sido alcançado, dicas e pistas que apontam na direção errada (errada do ponto de vista dos interesses dos 13 atores) são densamente espalhadas por todo o mundo dentro do qual os atores colocam suas vidas em conjunto; não há mais possibilidade de evitá-los ou de desmascarar a sua fraude enquanto os atores confiem apenas em suas próprias experiências para definir seus “projetos de vida” e planejar suas ações. Não se requer lavagem cerebral – a imersão na vida diária moldada pelas regras pré-definidas e préroteirizadas será o suficiente para manter os atores no rumo determinado. As ideologias dominantes da sociedade e tecnologia contemporâneas Quando ideologia é vista nesses termos, podemos construir fortes argumentos no sentido de conceber a tecnologia digital como um dos “mecanismos” fundamentais que conferem uma “existência real” à ideologia na sociedade contemporânea (BOLTANSKY; CHIAPELLO, 1999/2005). Há, certamente, uma aceitação generalizada da natureza ideológica da tecnologia a perpassar a literatura das Ciências Sociais. Na verdade, mais de 30 anos de escrita e pesquisa nas sociologias da tecnologia, conhecimento e ciência detalharam como todas as tecnologias são carregadas, até certo ponto, de valores e 14 relações sociais implícitas. Como Andrew Feenberg (1999, p. 83) afirma, a tecnologia, portanto, deve ser vista como “um local de luta social” a partir do qual as posições hegemônicas são desenvolvidas, legitimadas, reproduzidas e desafiadas. De fato, a ideia de tecnologia digital como ideologia foi um tema recorrente em toda a obra de Henri Lefebvre durante os anos 1970 e 1980; o autor argumentou que as tecnologias informáticas e de telecomunicações emergentes do tempo serviram principalmente para imbuir, reforçar e “nutrir” ideologia. Da mesma forma, no início da década de 1990, Neil Postman cunhou a expressão “Technopoly” (“Tecnopólio”) para denotar a confusão generalizada das tecnologias da informação e da ideologia em toda a segunda metade do século XX. Paul Virilio também apontou para as formas em que as tecnologias digitais estão atreladas a uma ideologia marcadamente militarista. Mais recentemente, escritores como Nicholas Garnham (2000) criticaram as visões dominantes de “era digital” e “sociedade da informação” como profundamente ideológicas no seu papel de engenharia de consentimento e 15 aceitação de grandes reordenações econômicas, culturais e sociais. Se quisermos conduzir uma análise semelhante das formas contemporâneas de tecnologia educacional, é importante, primeiro, identificar as ideologias dominantes que informam e sustentam as “grandes reordenações econômicas, culturais e sociais da sociedade” que prevalecem, e, portanto, poderiam ser vistas como diretoras dos entusiasmos contemporâneos pela tecnologia digital. Assim, antes de considerar os detalhes específicos da tecnologia educacional como ideologia, é necessário considerar as ideologias de raízes profundas que permeiam a sociedade contemporânea e as formas contemporâneas de tecnologia digital. Embora nem sempre de forma aparente ou totalmente consistente, pode-se argumentar que a tecnologia digital tem sido entrelaçada com um conjunto intimamente relacionado de ideologias contemporâneas dominantes – ou seja, o libertarianismo, o neoliberalismo e o que pode ser chamado de o “novo” capitalismo. A natureza destas ideologias será agora discutida em maior detalhe. 16 I. Ideologia libertária Uma ideologia cada vez mais dominante ao longo dos últimos 50 anos tem sido a crença libertária na primazia do indivíduo. Na verdade, os discursos libertários têm, há muito tempo, permeado os significados e entendimentos atrelados à tecnologia digital – a tendência descrita por escritores como Langdon Winner (1997) como “ciberlibertarianismo”. Aqui, o poder da tecnologia e o poder do indivíduo – o que Kelemen e Smith (2001, p. 371) descrevem como “duas idéias que estão no cerne da civilização moderna” – são vistos como a criação de novas formas de ação e de organização que não requerem a apropriação de espaços ou estruturas tradicionais. Naturalmente, a ideologia libertária há muito precede o advento da tecnologia digital – originou-se em debates acerca da escravidão e dos direitos feudais, e, portanto, remetem às preocupações dos fundadores do projeto de lei de direitos estadunidense. Na verdade, a confiança básica na primazia moral e política do indivíduo, bem como em um sentido correspondente da auto-propriedade, pode ser traçada à afirmação de John Locke (2010/1690, para. 27) 17 que “Todo homem tem uma propriedade em sua própria pessoa”. Como isso demonstra, um princípio duradouro de pensamento libertário é a primazia do indivíduo. O libertarianismo vê o controle das ações de uma pessoa como advindo de dentro do próprio indivíduo, com todos tendo o direito de lutar por quaisquer objetivos e resultados de sua escolha. Nesse sentido, vê-se a sociedade como melhor organizada em linhas meritocráticas de autopropriedade e controle individual de recursos. Essa noção de indivíduos que cultivam seu próprio interesse racional provou ser especialmente sedutora na cultura estadunidense, que, poderia ser argumentado, “sempre celebrou o individualismo radical, como simbolizado pela imagem do homem da fronteira” (PALLEY, 2005, 21 p.). Assim, o libertarianismo do início do século XXI poderia ser visto como uma estirpe particularmente estadunidense de individualismo – com sua ênfase na responsabilidade pessoal, a autogestão e autossuficiência, com níveis reduzidos de controle do governo e controle por parte do Estado (SENNETT, 2012). No entanto, não devemos esquecer o tom humanista 18 da ideologia libertária. Em sua forma mais pura, o libertarianismo apresenta uma visão geral, confiante e positiva da natureza humana, uma visão na qual as pessoas aprendem com seus erros e, racionalmente, tentam concretizar o seu melhor. Como Moseley (2007, p. 88) descreve, “A visão geral (…) é a de um homem liberto dos homens, que desenvolve seus talentos e troca com outras pessoas liver e voluntariamente”. Ayn Rand, uma influência fundamental no pensamento libertário recente, defendeu uma dimensão ética e moral, na qual as pessoas devem ser protegidas contra aqueles que impõem a violência ou ameaças, enquanto se esforçam para uma independência de outros. Essa, portanto, não é uma doutrina exclusivamente individualista – uma vida social é vista como necessária para o progresso individual, e os benefícios da cooperação, colaboração e intercâmbio são vistos como chave para a sobrevivência e sucesso. Portanto, o libertarianismo reconhece “as relações que existem entre as pessoas, mas sustenta que o indivíduo que age sempre o faz por sua própria vontade – mesmo quando circulam com a multidão” (MOSELEY, 2007, p 87). 19 Talvez não seja surpreendente que a ideologia libertária tenha sido estreitamente alinhada ao desenvolvimento da tecnologia digital. Pode-se argumentar que a tecnologia digital oferece uma tela em branco para várias vertentes de pensamento libertário serem imaginadas e (em parte) operacionalizadas – em particular, permite que se privilegiem o usuário soberano e os princípios da autoresponsabilização e autodeterminação. Por exemplo, o uso do computador tem sido defendido com base em uma valorização do usuário individual empoderado que vive “um mundo onde qualquer pessoa pode aprender a se tornar um criador de informação ou código que pode ajudar a transformar suas vidas e sociedades” (PALFREY; GASSER, 2011, p. 195). Por outro lado, os celebrantes da nova economia digital – os chamados “digerati” da revista Wired, do Vale do Silício e do NASDAQ – têm opiniões arraigadas similares do potencial para o progresso impulsionado individualmente a partir da tecnologia. Como Geert Lovink descreve, essa é uma área de negócios desprovida de convicções políticas tradicionais, baseada, em linhas gerais, em uma “ética da roda livre” na qual a 20 internet oferece uma “esfera desregulamentada” que permite o empreendedorismo individual (LOVINK, 2011, p. 1). A maior parte dos escritos e da pesquisa acadêmica em tecnologia digital e mídias adota uma perspectiva semelhante, baseada na ideia do indivíduo empoderado. Como Miller (2011, p. 230) argumenta, Grande parte do campo admite fantasias individualistas do leitor, público, consumidor ou jogador autônomo – o sonho úmido do intelectual de que a música, os filmes, a televisão e tudo o mais converge sob o signo dos fãs empoderados. É claro, portanto, que as ideologias do individualismo e do libertarianismo estão profundamente incorporadas em muitos aspectos da aplicação da tecnologia digital na sociedade. Isso, ao que parece, é consistente, independentemente da convicção política ou posição social. Como Harper (2009, p. 148) observa, “de acordo com a maioria dos especialistas na internet, bilionários do e-business ou acadêmicos de esquerda: internet é igual à liberdade”. Assim, a noção de uma 21 “utopia tecnolibertária” provou ser um “meme forte” ao longo da história da tecnologia digital e das mídias, incluindo a ideia da tecnologia digital “como uma ferramenta para a liberdade pessoal” (LOVINK, 2011, p. 39). No entanto, é importante não sejamos seduzidos por uma leitura determinista tecnológica das tecnologias digitais, a qual sugere que, de alguma forma, elas causam essas mudanças. O ponto chave aqui é que o libertarianismo e individualismo são mudanças culturais e ideológicas que vêm, há muito tempo, informando a organização de muitas sociedades, e “cuja lógica está final e simplesmente concretizando-se em nossas instituições tecnológicas e sociais” (SONG, 2010, p. 270). II. Ideologia neoliberal O segundo conjunto de significados e entendimentos ligados à tecnologia digital contemporânea é o do neoliberalismo. Como uma forma ideológica, o neoliberalismo estende noções libertárias da liberdade individual, auto-responsabilidade e empreendedorismo pessoal em uma crença explícita na escolha do consumidor 22 e liberdade de mercado, com o domínio dos interesses privados sobre o funcionamento do Estado (Ball, 2012). Para muitos autores, o neoliberalismo tem sido a ideologia dominante em todas as sociedades nos últimos 30 anos. Como David Harvey (2005, p. 3) sugere, O neoliberalismo tornou-se, em suma, hegemônico como um modo de discurso. Tem efeitos penetrantes sobre as formas de pensamento a ponto de ter-se incorporado ao senso comum a partir do qual muitos de nós interpretamos, vivemos e compreendemos o mundo. Ainda que algumas pessoas desejosamente afirmem que o domínio do neoliberalismo foi prejudicado fatalmente pelas crises econômicas mundiais do final dos anos 2000 e início dos anos 2010, a ideologia neoliberal tem-se revelado extremamente adaptável e resiliente. Como Peters (2011, p. 5) observa, “é, inegavelmente, ainda a ideologia dominante, embora tenha transmutado sua forma várias vezes”. É importante distinguir entre a aplicação, muitas vezes falha, da ideologia neoliberal na prática e sua forma 23 mais abstrata descrita por Charles Taylor (2004) como um “imaginário social” - ou seja, como um conjunto de ideias e ideais que nos dizem o que é normal e que é possível. Nesse sentido, Nick Couldry (2010) distingue entre os “mecanismos” econômicos do “neoliberal próprio” e as formas teóricas de organização política e social sugeridos pela “doutrina neoliberal”. Nesse sentido mais teórico de doutrina, o neoliberalismo pode ser entendido como um projeto inacabado que busca remodelar o mundo à sua imagem. Como tal, “o modelo neoliberal não pretende descrever o mundo como ele é, mas, sim, como deveria ser” (Clarke 2005, p. 58). O neoliberalismo não deve ser visto simplesmente como um modelo de negócios que visa aumentar a proeminência do mercado e diminuir o poder do Estado-nação ou de outros “impedimentos”. Em vez disso, como um imaginário social, o neoliberalismo “envolve uma ampla gama de princípios subjacentes, em última análise, valores políticos que estão profundamente enraizados” (COULDRY, 2010, p. 22). Ecoando a ideologia libertária, um conjunto chave de valores no pensamento neoliberal é a primazia da ação 24 individual desimpedida. O neoliberalismo promove, assim, a responsabilização individual e o “eu” como empresa, com o ônus colocado sobre os valores do auto-interesse, do empreendedorismo individual e da concorrência (HILGERS, 2010). Como Harvey (2005, p. 65) argumenta, “cada indivíduo é visto como responsável e responsabilizado por suas próprias ações e bem-estar”. Em oposição a esse individualismo está a “ordem espontânea” do mercado visto como o melhor meio de preservar as liberdades individuais, ao mesmo tempo em que estabelece uma ordem social. De fato, os mercados são vistos como estruturas sociais ótimas e autorreguladas que funcionam melhor sem restrição. Isso leva à predominância de uma linguagem de “escolha” e de relações de concorrência como a forma mais eficiente de alocação de recursos, bem como a forma mais eficiente de alcançar a liberdade humana (MUNCK, 2005). Um dos princípios fundamentais desse destaque do mercado é a remoção de “distorções artificiais” do caminho de trocas livres e iguais (COLÁS, 2005). O neoliberalismo é, portanto, imbuído de uma forte oposição à “engenharia social” estatal, incluindo o Estado 25 social. Como tal, o neoliberalismo pretende transferir a responsabilidade do Estado para as auto-preocupações individuais, com o papel do Estado reduzido, no máximo, à criação e preservação de uma estrutura institucional adequada aos fortes direitos da propriedade privada, mercados livres e livre comércio – idealmente em nível global (HARVEY, 2005). De muitas maneiras, o neoliberalismo ofereceu apoio filosófico à economia do mercado livre do século XX de Hayek, Popper e Berlin e à visão correspondente do homo economicus individual como “um maximizador de utilidade egoísta e racional” (HIND, 2010, p. 83). Nessa perspectiva, “todas as áreas da vida humana [tornam-se] sujeitas à reorganização a partir de princípios econômicos, com o pensamento econômico equacionado à própria racionalidade” (COULDRY, 2010, p. 28). No entanto, é importante não retratar o pensamento neoliberal somente em termos de uma racionalidade econômica individual. Pode-se compreender o neoliberalismo como algo que oferece um modelo de sociedade alternativo ao centralismo e que propicia, assim, uma fuga da dominação do governo 26 para aqueles que anteriormente eram incapazes de exercer a sua escolha. O neoliberalismo não se opõe necessariamente ao social e comunitário. Na verdade, o neoliberalismo oferece um modelo de um mercado comum compartilhado – ainda que, nele, os indivíduos não sejam obrigados a participar. Como Couldry (2010, p. 135) defende, a base moral fundamental da ideologia neoliberal é “a sensação de controle do indivíduo sobre sua própria vida… Nessa perspectiva, a cooperação do indivíduo, apesar de muitas vezes desejável, é puramente uma questão da vontade individual”. III. A ideologia da “Nova Economia” Claramente, a ideologia neoliberal está intrinsecamente ligada à organização do capitalismo e das relações capitalistas. Na verdade, para alguns autores, o neoliberalismo é essencialmente um sistema de justificação e legitimação que permite “restabelecer as condições para a acumulação de capital e (…) restaurar o poder das elites econômicas” (HARVEY, 2005, p. 19). Como Andrew Glyn (2007) sugere, o neoliberalismo é o “capitalismo sem 27 amarras”. O fato de que o termo “capitalismo” vem sendo suplantado, em grande parte, pelo termo “neoliberalismo” ao longo dos últimos 30 anos é, para alguns analistas, indicativo da hegemonia das relações capitalistas e “triunfo ideológico do capitalismo” (ŽIŽEK, 2008, p. 337). Assim, devemos também olhar para além da ideologia “neoliberal” e considerar os significados e entendimentos ligados à tecnologia digital no que concerne à natureza e às necessidades do capitalismo contemporâneo. Como foi amplamente observado, a natureza do capitalismo mudou consideravelmente ao longo dos últimos 40 anos. Ao longo dos anos 1970 e 1980, uma série de mudanças estruturais nas relações econômicas estava sendo descrita pelos estudiosos em termos de uma sociedade “pós-industrial”, modos “pós-fordistas” de produção, “economia do conhecimento” e “sociedade da informação”. Todos esses rótulos refletiram mudanças na direção descrita por Harvey (1990) como “acumulação flexível” – ou seja, o surgimento de mercados de trabalho e processos de trabalho flexíveis, bem como os padrões cada vez mais flexíveis de produção e consumo. Essas mudanças 28 estruturais no capitalismo partiram de um declínio da indústria e das economias industriais tradicionais, com a importância do trabalho industrial usurpada por “um sistema de intercâmbio global mais fortemente financeirizado e baseado em imagens” (BRENNAN, 2011, p. 1). Chave para as mudanças associadas com a ascensão da “nova economia” é a noção de que estas novas formas de produção, consumo e lucro são, em grande parte, de natureza irrelevante. Como Ekman (2012) nota, a organização da nova economia é baseada principalmente na privatização dos bens imateriais “que estavam anteriormente fora dos domínios da acumulação de capital” – como o conhecimento, material genético e processos de reprodução. Essa tem sido uma tese fundamental desenvolvida pela escola de pensamento marxista “autônomo”, que aponta para a extensão do trabalho, produção e exploração para além dos limites estabelecidos do capitalismo industrial. Em termos dos principais modos de produção nessas novas condições, os teóricos “autônomos” destacaram a crescente importância do 29 “trabalho imaterial” – isto é, “o trabalho que cria produtos imateriais, como o conhecimento, informação, comunicação, um relacionamento, ou uma resposta emocional” (HARDT; NEGRI, p. 108). Nesse sentido, obtém-se lucro a partir da produção de conhecimento e ideias, em vez da indústria, o que requer novos modelos de acumulação de capital. Christian Fuchs (2008, p. 103), por exemplo, contrasta formas tradicionais de trabalho manual que operam principalmente para mudar a condição física de objetos com o que ele chamou de “trabalho informacional”, que opera para mudar “os aspectos emocionais e comunicativos das relações humanas”. Como Fuchs e outros sugerem, as tecnologias digitais são um elemento integrante das mudanças recentes na direção do capitalismo global em rede, assim como o motor a vapor e outras tecnologias da era industrial foram fundamentais para “mutações” anteriores do capitalismo (SAVAT, 2009). O computador pode, portanto, ser descrito com alguma justificação como o “instrumento universal” dos últimos tempos – “Hoje, o computador corresponde ao que o motor elétrico foi um século atrás, e o motor a 30 vapor antes disso” (MARAIZZI, 1994/2011, p. 68). Outros autores identificaram uma série de “novas” variedades de capitalismo que se baseiam em processos e práticas informatizados – como o capitalismo digital, o capitalismo virtual, o capitalismo high tech, o capitalismo informático e o capitalismo informacional. Uma descrição significativa é o “capitalismo cognitivo” (VERCELLONE, 2007), que destaca a importância do “trabalho cognitivo” que é intelectual, comunicativo, simbólico e emocional em sua substância, e, portanto, preocupa-se com o trabalho com formas de linguagem e de comunicação que podem ser digitalizados. A noção de capitalismo cognitivo também coloca em primeiro plano, no capitalismo contemporâneo, a importância dos modos de produção cooperativa em rede e altamente sociais. Esses temas são estendidos para a noção de “capitalismo comunicacional”, que destaca a crescente comodificação da vida cotidiana – incluindo a comunicação e a interação on-line (DEAN, 2012). Como Maraizzi (2011/1994) afirma, a ênfase aqui é em tipos de informação, linguagem e comunicação que são ultraprecisas, ultra-lógicas (ou seja, que têm regras 31 compartilhadas e gramática que podem ser usadas em qualquer lugar) e ultra-formal (isto é, “abstratas, artificiais, completamente informação, simbólicas”). linguagem Esses e são tipos comunicação de que, consequentemente, se prestam à fácil simbolização, codificação e cálculo instrumentalizado (MARAIZZI, 2011/1994). De forma comparável, destaca-se o crescimento do “capitalismo algorítmico”, que se vale de sistemas de base tecnológica em áreas da sociedade facilmente tornadas sequenciais e lógicas, tais como os mercados financeiros e a lei. Todas essas formas do capitalismo com base digital são vistas como a origem de um conjunto diferenciado de demandas econômicas. Por exemplo, em termos de formas de trabalho, a nova economia é vista como exigindo a extensão e intensificação de formas pós-fordistas de trabalho. Assim, as habilidades de trabalho da nova economia são baseadas em habilidades e disposições tais como (trabalho em modo) multitarefa, autonomia, criatividade, “inovação” e formas de trabalho cooperativas e em rede, bem como à maleabilidade das práticas de 32 trabalho (BOLTANSKI; CHIAPELLO, 2005/1999). Isso tem se refletido na recente popularização dos conceitos de “produção enxuta”, equipes, produção just-in-time, capital móvel e diversificação de produtos para nichos de mercado. A importância dessas qualidades reflete o fato de que o trabalho da nova economia é menos limitado e delineado – levando a um estado de trabalho totalizado e permanente. Por exemplo, Negri (1984) observou uma transformação do “trabalhador de massa” industrial que produzia bens de consumo na fábrica em um “operário social” cujo trabalho se expandiu para além do local de trabalho e tomou conta de grande parte das atividades da sociedade. Nesse sentido, a nova economia é visto como abrangendo a maior parte dos aspectos da vida cotidiana como fontes potenciais de geração de lucro. Esta indefinição de fronteiras também é vista como existente entre os domínios de produção e consumo. Na nova economia, argumenta-se, uma das principais subjetividades individuais é a capacidade de consumir, bem como a capacidade de produzir. O capitalismo contemporâneo, portanto, é visto como construído em torno de uma posição dominante de 33 “padrão de vida consumista” em todas as áreas da vida, em que “os mercados de consumo se expandem, prosperam e lucram a partir da comoditização da busca de diversão, conforto e felicidade” (BAUMAN, 2012a, p. 116). Compreendendo a Tecnologia Educacional como Ideologia Há uma relação clara entre o desenvolvimento da tecnologia digital e todas as ideologias dominantes que acabamos de descrever – especialmente em termos dos entendimentos e significados que são popularmente atribuídos a dispositivos digitais e práticas digitais. Podemos argumentar que as tecnologias digitais têm uma relação de mão dupla com as ideologias do individualismo, do neoliberalismo e da nova economia – claramente, sendo moldadas por esses valores e interesses dominantes, mas também agindo para perpetuar o domínio desses valores e interesses na sociedade de forma mais abrangente. Na verdade, as tecnologias digitais podem ser vistas como uma forma material chave dessas ideologias ao longo das últimas décadas – concretizando os valores, as disposições e 34 mentalidades do libertarianismo, do neoliberalismo e de novas formas de capitalismo, enquanto estendem-nas às práticas sociais e às relações cotidianas. Há uma literatura em expansão que detalha toda a extensão das conexões entre o uso cotidiano da tecnologia digital e a hegemonia de uma sociedade contemporânea capitalista, neoliberal e individualista. A análise de games de Dyer-Witheford e Peuter (2009), por exemplo, demonstrou como cada etapa da produção e consumo de jogos de vídeo (do estúdio de design para o quarto) pode estar ligada aos interesses culturais, políticos e econômicos do capital global. Por outro lado, o estudo de Melissa Gregg (2010) sobre tecnologias de “escritório” e colarinho branco – notebooks, computadores e e-mail – mostrou como esses dispositivos e aplicativos digitais contribuem para introduzir práticas de trabalho capitalistas flexíveis em todos os aspectos da vida cotidiana, alimentando uma crescente alienação e desafeto com o trabalho e a vida familiar. Estudos semelhantes têm destacado a natureza ideológica das buscas na Web, da telefonia móvel e das redes sociais (EICHSTAEDT, 2011; MAGER, 2012; SEVIGNANI, 2012). Essas 35 correspondências podem não ser sempre consistentes, e raramente são óbvias, mas devem ser levadas a sério quando se tenta compreender a importância da tecnologia digital na sociedade contemporânea. Nesse sentido, precisamos, agora, considerar como essas ideologias dominantes podem entrar em correspondência com o domínio específico da tecnologia educacional. Assim, ainda que não pareça imediatamente óbvio, precisamos agora explorar a ideia de que as tecnologias digitais cada vez mais utilizadas em toda a educação são também melhor entendidas como ideológicas em caráter e forma – ou seja, são conformadas por conjuntos dominantes de valores e interesses e, subsequentemente, agem (ainda que sutilmente) para perpetuar a dominação desses valores e interesses. Esse, em si, não é um conjunto de afirmações particularmente novo. Ivor Goodson e John Marshall Mangan, por exemplo, ofereceram uma série de argumentos persuasivos há quase 20 anos, sugerindo que os computadores nas escolas eram locais-chave para a expressão, manutenção e extensão das ideologias dominantes da competitividade econômica e do 36 desenvolvimento de “altas habilidades”. Esses autores argumentaram que era essencial abordar a tecnologização da educação como o que chamaram de uma “inovação ideologicamente carregada” (GOODSON; MANGAN, 1996, p. 65). Da mesma forma, como Michael Apple argumentara 10 anos antes, O debate sobre o papel de novas tecnologias na [educação] não é e não deve ser apenas sobre a correção técnica daquilo que os computadores podem e não podem fazer. Esses podem ser os tipos menos importantes de perguntas, na verdade. Em vez disso, no cerne do debate estão as questões ideológicas e éticas sobre o que a [educação] deve focalizar e aos interesses de quem elas devem servir. (APPLE, 1986, p. 153) Apesar de sua voracidade, esses argumentos têm permanecido praticamente ausentes do estudo acadêmico da educação e tecnologia. A maioria das pessoas, ao que parece, sente-se feliz ao assumir que as tecnologias educacionais são ferramentas “neutras” essencialmente livres de valores e intenções (ou, no máximo, criadas a partir de entendimentos em geral otimistas e significados associados à mudança e melhoria educacional). Nesse 37 sentido, é difícil, à primeira vista, ver a tecnologia educacional entrelaçada com qualquer aspecto das ideologias dominantes que acabamos de descrever. No entanto, como foi observado anteriormente, uma das características fundamentais da hegemonia é a capacidade de ideologias dominantes permearem entendimentos e significados do senso comum. Seguindo essa lógica, então, o fato de que a tecnologia educacional parece ser motivada por um conjunto de valores voltados para a melhoria da educação não exclui que também serve para apoiar e legitimar interesses ideológicos dominantes mais amplos. De fato, se tivermos tempo para analisar a ortodoxia geral da tecnologia educacional como uma tentativa “positiva” de melhorar a educação, então torna-se aparente uma variedade de diferentes grupos sociais e com diferentes interesses, valores e pautas. Como será agora discutido, ainda que ostensivamente preocupados com a mudança de aspectos específicos da educação, todos esses diferentes interesses também endossam (ou, pelo menos, oferecem pouca oposição a) noções de libertarianismo, neoliberalismo e novas formas de capitalismo. Assim, 38 tecnologias educacionais se mostram “ideologicamente carregadas”, embora isso nem sempre seja a principal intenção dos envolvidos na promoção do seu uso. Essas são afirmações complexas, e, claramente, requerem justificativas adicionais. Assim, antes de explorarmos esses argumentos em maior detalhe, o restante deste capítulo irá sucintamente examinar o consenso de tecnologia educacional como um “projeto positivo”. Quais são os valores e interesses que perpassam a promoção da tecnologia educacional ao longo dos últimos 30 anos, e em que medida eles poderiam ser vistos como aspectos que constituem uma ideologia de tecnologia educacional? Ao considerar esses aspectos, uma série de valores e pautas distintas pode ser identificada que, pode-se dizer, constituem o projeto positivo de tecnologia educacional, e, portanto, merecem uma reflexão mais aprofundada. I. Aprendizagem centrada no estudante Talvez de forma mais óbvia, as tecnologias digitais são vistas por muitos educadores como encaixando-se perfeitamente com um número de valores e interesses 39 relativos à natureza e organização da aprendizagem. Nesse sentido, o interesse de muitas pessoas em tecnologia educacional é sustentado por um conjunto dominante de valores decorrentes de ideais progressivos de educação e / ou construtivismo social e modelos socioculturais de aprendizagem – que privilegiam formas de educação centrada ou dirigida pelo aprendiz. Essas abordagens compartilham uma visão de que a aprendizagem é um processo profundamente social e cultural e, portanto, enfatizam a influência dos ambientes sociais que cercam a aprendizagem de um indivíduo e desenvolvimento cognitivo. Visto segundo teorias socioculturais de aprendizagem – em particular, a tradição (pós-)vygotskiana – as tecnologias digitais agem como recursos sociais poderosos no contexto de aprendizagem de um indivíduo (veja LUCKIN, 2010). Em particular, essa abordagem concebe a tecnologia digital como um dos principais meios de prover os alunos com melhor acesso às fontes de conhecimento e experiências que existem fora do seu ambiente imediato. Há, agora, um interesse considerável, por exemplo, no campo da “aprendizagem colaborativa 40 apoiada por computador”, na qual os indivíduos colaboram e aprendem a distância por meio de ferramentas digitais. Da mesma forma, há muito entusiasmo pela capacidade da tecnologia digital para apoiar formas socioculturais de “aprendizagem situada” e a noção associada de “comunidades de prática”. Esses termos descrevem a aprendizagem como melhor ocorrendo na forma de atividades “do mundo real” e interações entre as pessoas e seus ambientes sociais. Para alguns educadores, esses valores pedagógicos e epistemológicos ampliam-se em uma crença que a tecnologia digital pode apoiar formas “progressivas” nãoautoritárias de engajamento educacional. Essas incluem a aprendizagem centrada na criança e formas abertas de ensino que enfatizam a construção de significado e a interpretação, além de incentivar a autonomia do aluno e dispersão de poder. Nesse sentido, o entusiasmo pelo uso da tecnologia digital na educação remete à filosofia de Dewey, que sustenta grande parte do pensamento educacional ocidental contemporâneo. Aqui, a educação é vista como preocupada, principalmente, com a formação 41 de pessoas, e com ajudar indivíduos a adquirir o conhecimento e compreensão que lhes permitam viver uma vida plenamente humana, bem como pertencente a uma comunidade em geral por meio de ações e compromissos (PRING, 2010) apropriados. As tecnologias digitais são, portanto, vistas como desempenhando um papel fundamental na redefinição de grande parte dos aspectos fundamentais da educação nessa perspectiva, incluindo a redefinição do papel do professor, a reconceituação da ação do aluno e a relação entre a aprendizagem e conhecimento. Embora essas crenças e afirmações tendam a ser apresentadas como “fato” empírico, é importante vê-las como impulsionadas por debates objetivos e subjetivos - de forma muito parecida com outros debates “científicos” ideologicamente direcionados, tais como as alterações climáticas ou a economia verde. De fato, muitas das descrições da tecnologia digital que são ditas pertinentes à “ciência de aprendizagem” são movidas por crenças mais amplas relativas ao que constitui a aprendizagem “boa” ou “desejável”. Como tal, muitas das justificativas pertinentes posicionam a tecnologia digital como uma forma de 42 corretivo pedagógico – ou seja, um meio para introduzir determinados valores e filosofias de aprendizagem em contextos educativos formais que são vistos como “carentes”. Alguns especialistas em tecnologia de ensino referem-se a isso como a abordagem do “Trojan Mouse” (“mouse troiano”) – isto é, o uso da tecnologia digital como um meio de “alavancagem” para filosofias mais amplas de ensino e aprendizagem. Como Eric Klopfer (2008, p. 12) reconhece: Não se trata apenas de tecnologia […] Muitas dessas habilidades [foram] promovidas por reformadores da educação ao longo de décadas, e poderiam ser incentivada sem a tecnologia. A tecnologia, porém, é o veículo para introduzir essas capacidades intelectuais em escolas de forma discreta. II. As eficiências de Educação Um outro conjunto de interesses e valores que são proeminentes no contexto da promoção geral da tecnologia na educação relaciona-se a questões de eficácia e eficiência organizacional melhorada, em vez de empoderamento 43 individual ou coletivo. Como tal, o uso da tecnologia digital na educação também se justifica como preenchimento de diversos critérios relacionados com a “economia” da educação (BALL, 2007). Esses incluem a ideia de que a tecnologia contribui para a logística eficiente da oferta educativa; a ideia de que a tecnologia contribui para a rentabilidade e a mercantilização da educação; e a ideia de que a tecnologia contribui para a competitividade da economia e a eficiência do trabalho e produção de conhecimento dos países. Em relação ao primeiro critério, por exemplo, alguns grupos sociais estabelecem conexões claras entre tecnologia educacional e um desejo geral de ver a “modernização” e a “incentivação” (incentivization) de serviços do setor público por meio de técnicas de gestão provenientes do setor com fins lucrativos. Assim, esses valores posicionam a tecnologia educacional em questões de eficiência, eficácia, modernização, racionalização e redução de custos e gastos (DEEM, 2004). Nesse sentido, a tecnologia digital é vista como um apoio à reformulação da educação em termos mais centralizados, impulsionados por 44 dados (data driven) e orientados a negócios. De fato, tem havido um aumento constante das práticas gerenciais apoiadas em tecnologia que agora predominam em muitos setores da educação – de sistemas de auto-avaliação à gestão de desempenho, controle gerencial intensificado de processos de trabalho curricular padronizado e a introdução de mecanismos de responsabilização. A introdução de tecnologias digitais nesses debates, portanto, empresta um ar distintamente tecnocrático à forma como a educação contemporânea é imaginada – com muitas discussões imbuídas de um sentimento de “taylorismo digital” (BROWN; LAUDER; ASTHON, 2011), refletindo o que Lasch (1987, p. 87) chamou de “tecnologia e ideologia do controle total”. Há, também, uma noção clara entre alguns grupos sociais de que a tecnologia digital pode contribuir para a rentabilidade e a mercantilização da educação. A crença notável aqui é o uso da tecnologia como um veículo para a criação de mercados “genuínos” na educação – caracterizada pela “não intervenção estatal de qualquer espécie, em financiamento, oferta ou regulamentação” 45 (TOOLEY, 2006, p. 26). Em certo sentido, esses argumentos são movidos por um interesse pró-corporativo em apoiar o mercado em expansão para a educação de base tecnológica. No entanto, esses valores também transmitem um desejo de reorganizar todos os aspectos da educação em linhas baseadas no mercado. É importante notar que esses argumentos não são movidos pelo lucro por si só; na verdade, há um número crescente de fundamentalistas do mercado que são “inspirados pelas possibilidades nãocomerciais de produção social e as redes sociais” (FREEDMAN, 2012, p. 77). No entanto, a remoção, apoiada na tecnologia, do Estado da oferta de educação pública tem sido antecipada por uma série de articulações do “fim da escola” e da realização do “sonho da educação sem o Estado” (TOOLEY, 2006, p. 22). Por fim, o uso de tecnologia digital na educação tem sido promovido como contribuindo para a competitividade econômica dos países e a eficiência do trabalho e da produção de conhecimento. Em particular, muito do interesse do governo em tecnologia educacional está imbuído de uma crença de que a tecnologia digital 46 pode funcionar como um meio de aumentar a competitividade da economia de uma nação nas economias impulsionadas pelo conhecimento no mundo pós- industrial. Como tal, pode-se argumentar que as agendas nacionais de tecnologia educacional têm sido concebidas e perpetuadas por Estados-nação como uma tentativa projetada para reconfigurar a “mentalidade” econômica dos futuros trabalhadores para contribuir em uma competição global de base tecnológica. A ênfase aqui é na atualização da base de competências das gerações emergentes de jovens, de modo a criar uma “flexibilidade da força de trabalho” que combata a ameaça de um mercado de trabalho global. Como Lefebvre (1976/2009) sugere, uma das principais pressões enfrentadas pelo Estado-nação no mundo moderno é a natureza relativamente autônoma de crescimento tecnológico e econômico. Nesse sentido, o valor totêmico da tecnologia educacional para os Estados não deve ser esquecida, uma vez que os governos usam pautas de tecnologia educacional como um meio de serem vistos como realmente “fazendo alguma coisa” a respeito da era digital. 47 III. O comunitarismo Além dessas pautas, uma forte vertente de pensamento contra-hegemônico também sustenta o apoio dado por muitas outras pessoas à tecnologia digital como um meio de reorganizar a prática e oferta educativa. Independentemente de serem conscientemente admitidos, esses valores refletem a influência da contracultura dos anos 1960 no desenvolvimento da tecnologia digital. De fato, está bem documentada a importância da filosofia californiana “hippie” do final dos anos 1960, que informou os primórdios do movimento de criação de computadores em casa, o surgimento de comunidades de programadores na época e, mais recentemente, as noções de software de código aberto e software social (MARKOFF, 2005). Assim, valores progressivos e subversivos, bem como filosofias da contracultura, têm fundamentado o desenvolvimento da tecnologia de computador, a partir da década de 1960. Como Steven Jones (2006, p. 189) afirma, ao longo dos últimos 50 anos, vimos o crescimento continuado, em movimentos da contracultura, de uma “facção prótecnologia [que] acredita ser possível criar um novo tipo de 48 'contra-tecnologia', uma tecnologia adequadamente dimensionada e projetada para enfrentar os desafios trazidos pela revolução e pelo colapso do complexo militarindustrial”. A influência desta “cultura hippie livre” (LOVINK, 2011, p. 39) é evidente no que pode ser descrito como a compreensão “comunitária” da tecnologia do computador como uma base para reimaginar e reorganizar todos os aspectos da sociedade e da cultura (incluindo a educação), possibilitando a “promoção da união por meio da empatia e da compreensão mútua” (CURRAN, 2012, p. 38). Esses pontos de vista, portanto, refletem a vertente “Novo Comunalismo” do movimento de contracultura da cidade de São Francisco, nos anos 1960, que imbuiu a computação com valores de “colaboração, flexibilidade e mudança social utópica” (DEAN, 2010, p. 19). Tal pensamento levou a reconceituações populares da computação em termos dos valores progressivos e sensibilidades artísticas da época. Argumentos persuasivos, portanto, têm sido propostos ao longo do tempo para o desenvolvimento de comunas baseadas em computadores e “aldeias globais”, bem como 49 para a formulação de ação baseada em computadores como um “esforço aberto de colaboração com uma estrutura social aberta” (MASON, 2006, p . 145). Durante os anos 1960 e 1970, esse comunitarismo baseado em computadores consistiu, primordialmente, em uma tentativa política de reposicionar o computador como uma “máquina social” em vez de uma “máquina de guerra”. Nesse sentido, tais valores refletiram as “ideias sociais psicodélicas” (MASON, 2006, p. 143) do movimento hippie em associação a tradições de abertura e reciprocidade da ciência acadêmica (CURRAN, 2012). No entanto, ideais comunitários têm persistido durante todo o desenvolvimento posterior de tecnologias do computador e da internet. Na verdade, o uso da tecnologia digital para apoiar a recriação do que Jodi Dean (2010, p. 8) descreve como “sociedade sem antagonismo” agora tem uma herança relativamente longa em termos de tecnologia – remetendo ao desenvolvimento da Whole Earth Lectronic Link (ou WELL), aos MUDS, MOOs e outras formas de “comunidade virtual” das décadas de 1980 e 1990, e aos mundos virtuais e “blogosfera” das décadas de 2000 e 50 2010. A tendência recente dos empresários bilionários do Vale do Silício a investir seu dinheiro na construção de comunidades reais insulares offshore e transporte espacial é, portanto, uma extensão lógica desses valores. IV. Anti-institucionalismo A filosofia comunitária retrata a tecnologia digital como “uma forma de sabotagem relativamente lenta e benigna – isto é, como um meio de usar a tecnologia em escala humana para resistir e, gradualmente, minar a tecnocracia dominante” (JONES, 2006, p. 195). Em contraste, uma outra vertente de pensamento sobre a tecnologia digital e educação, também inspirada pela contracultura, é mais direta em seu entendimento da tecnologia como um meio de resistir e se opor a interesses hegemônicos. Isso é o que Richard Wise (2000) identifica como a ala anti-institucional “perturbadora” (disruptive) da computação da contracultura – ou seja, aqueles “que creem que o poder da computação barata nas mãos dos cidadãos pode ser um recurso poderoso para a democracia e uma arma contra o governo autoritário e as grandes empresas” 51 (WISE, 2000, p. 26). Essas ideias comemoram o empoderamento dos indivíduos que utilizam o computador em detrimento de instituições dominantes – sejam elas militares, burocráticas, corporativas ou governamentais. A chave aqui é a capacidade percebida das tecnologias digitais para apoiar a “auto-organização” em redes que é descentralizada, distribuída e bottom-up, portanto, oposta à natureza planejada e controlada da organização institucional. Nessa perspectiva, portanto, a facilitação de uma “abordagem autossuficiente, faça-você-mesmo” (ATKINSON, 2010, p. 79) é um resultado inerente ao uso de computador – que reflete “um desejo generalizado de interligação e cooperação em um contexto livre das hierarquias privadas e públicas, que tantas vezes dominam nossas vidas” (STREETER, 1999, p. 60). Concepções anti-institucionais de auto-organização foram formuladas de várias maneiras que integram a tecnologia digital e educação. Por exemplo, os educadores que trabalham nas tradições da “pedagogia crítica” e “educação democrática” apropriaram-se da tecnologia digital como potencialmente um “meio para fins 52 revolucionários” de permitir que indivíduos transcendam as limitações do ensino e expectativas educacionais convencionais (SUORANTA; VADEN, 2010, p. 177). Tal pensamento, portanto, posiciona a tecnologia digital como concretização da filosofia pedagógica crítica de Paulo Freire e os argumentos para a “desescolarização” da sociedade proposta por autores como Goodman, Holt, Lister, Kozel, Reimer e, o mais proeminente, Ivan Illich. Durante os anos 1960 e início dos anos 1970, esses autores condenaram a aprendizagem institucionalizada como inibidora do crescimento individual, devido à sua função como um produto da sociedade capitalista e à ênfase no “progresso” por meio da produção e consumo em massa. Esses pontos de vista são, portanto, precursores que profeticamente anteciparam as retóricas contemporâneas de tecnologias digitais e educação. Como Charles Leadbeater (2008, p. 44) sugeriu, “Em 1971, a [desescolarização] deve ter soado uma loucura. Na era do eBay e MySpace, parece sabedoria autoevidente”. Nesses termos, o apoio à autodeterminação da aprendizagem individual por meio de tecnologias digitais 53 alimenta entusiasmos mais amplos, compartilhados entre muitos na educação, pelos benefícios inerentes de episódios de aprendizagem informal que ocorrem fora do controle das organizações de educação formais e configurações (SEFTON-GREEN, 2004). A tecnologia digital tem sido, portanto, alinhada facilmente a argumentos em prol da desinstitucionalização da Educação (DOWNES, 2010) e do encorajamento a “des-aprender” (unlearn) – isto é, “aprender a aprender de forma independente” (CHOKR, 2009, p. 6). Nesses termos, a tecnologia digital é vista como um meio em potencial para resistir ao “modelo bancário” de acumulação de “conteúdo de conhecimento” e, em contraste, apoiar a discussão aberta, o debate aberto, o questionamento radical, a experimentação contínua e o compartilhamento de conhecimento. V. Tecno-fundamentalismo Um valor final (mas muitas vezes menos óbvio) que permeia o interesse de muitas pessoas na tecnologia educacional é o que Vaidhyanathan (2011) denomina “tecno-fundamentalismo”. Embora raramente reconhecido, 54 pode ser descrito como um encantamento direto com a tecnologia e o desejo de se beneficiar do progresso tecnológico continuado. Como Steven Jones (2006, p 2) discute, essa forma de pensar reflete uma popular “vontade de aceitar duas premissas amplamente compartilhadas: i) que o lugar da tecnologia em nossas vidas cotidianas é central; e ii) que o papel da tecnologia inevitavelmente irá se ampliar no futuro”. Como tal, a mentalidade tecno-fundamentalista reflete uma crença implícita que a tecnologia oferece um meio para melhorar substancialmente as formas atuais de vida cotidiana e das relações sociais – incluindo a educação. Jodi Dean identifica isso como uma “fé nuclear” que perpassa muitos setores da sociedade contemporânea, frequentemente refletida em uma crença que “a tecnologia vai salvar o mundo […] o credo de que as ferramentas apropriadas tornam qualquer coisa possível: o computador parece, assim, tornar tudo possível; o computador parece, assim, ser a ferramenta universal que torna tudo possível” (DEAN, 2010, p. 20). 55 Uma característica importante da mentalidade tecno fundamentalista é uma crença no que tem sido chamado “Computacionalismo” (GOLUMBIA, 2009; LANIER, 2010). O “computacionalismo” concebe o mundo em termos de algoritmos estatísticos ajustáveis e refináveis, que oferecem o que Savat (2009, p. 4) descreve como “a simplicidade de um maior controle oferecido pela lógica booleana e pelo dígito binário”. Dessa forma, qualquer aspecto da sociedade – incluindo a educação – pode ser visto como um problema computacional que pode ser abordado a partir do pensamento e da lógica computacional. Nessa perspectiva, a tecnologia digital oferece meios prontos para “evitar conflitos, como se código que funciona fosse a solução para qualquer problema, em vez de um conjunto particular de problemas” (DEAN, 2010, p. 23). Essas crenças e valores são raramente expressos ou reconhecidos, mas sustentam muitas justificativas para a utilização de tecnologia digital no ensino. A perspectiva tecnofundamentalista certamente está na base da elaboração das discussões da educação e da tecnologia em 56 termos de crença orientada para o futuro, que especula sobre como a tecnologia “pode e vai” em vez de como a tecnologia “tem e faz” (NJENGA; FOURIE, 2010, p. 201). Essas premissas são aparentes nas expectativas até mesmo do mais novo dos usuários de tecnologia, refletindo a natureza inconsciente da fé inerente que muitas pessoas têm no progresso tecnológico e na “correção técnica”. Na verdade, essa fé profundamente enraizada na tecnologia poderia ser vista como indício de seu status quase religioso na sociedade contemporânea. Alguns autores têm apontado para o “fascínio” com que a tecnologia digital é vista na sociedade ocidental (JONES, 2006), com a “intensidade quase religiosa” que permeia os discursos populares sobre a tecnologia (THOMAS, 2011; LEWIN, 2011). Para alguns autores, portanto, essa “paixão” pela tecnologia digital “adquiriu a aura de uma nova religião” (CAMPANELLI, 2010, p. 37) em nossos tempos cada vez mais seculares. Como Jaron Lanier (2010, p. 178) conclui, “Aqueles que entram para o teatro de computacionalismo recebem todo o consolo mental que geralmente está associado a religiões tradicionais”. 57 Pensando contra a Ortodoxia da Educação e Tecnologia O uso de tecnologia digital na educação é claramente entrelaçado com uma diversidade de valores, interesses e pautas – a partir de uma fé simples no “poder” transformador competitividade da tecnologia econômica em global questões e de eficiência organizacional. Como tal, a tecnologia educacional talvez seja melhor compreendida como uma “zona culturalmente contestada”, na qual uma variedade de grupos sociais “criam, negociam e atribuem diferentes e, às vezes, conflitantes, formas, significados e usos das tecnologias” (OUDSHOORN; PINCH, 2003, p. 24). O que é particularmente interessante a respeito do termo guardachuva “tecnologia educacional” é sua aparente capacidade para acomodar todas essas pautas (da contracultural à comercial) com pouco senso de incompatibilidade ou conflito. Essa é uma área onde diferentes grupos sociais (de interesses corporativos a educadores críticos) com diferentes valores e interesses parecem mais ou menos 58 coexistir lado a lado, unidos por seu apoio cumulativo à ortodoxia da tecnologia educacional. Dada essa complexidade de valores e interesses, certamente vale a pena questionar como a tecnologia educacional parece existir como uma área incontroversa e relativamente harmoniosa da educação. Uma conclusão óbvia – que deve ser explorada ao longo deste livro – é que essa falta de controvérsia e conflito reflete a natureza ideológica subjacente da tecnologia educacional. Na verdade, o fato de que um consenso aparente pode surgir de tais interesses claramente contraditórios se encaixa bem com a natureza confusa e comprometida de dominação ideológica sustentada. Como Freeden (2003) nos lembra, ideologias dominantes precisam atrair constantemente e manter uma ampla gama de interesses e “grupos significativos”, e contam com a negociação continuada de algum tipo de compromisso. Ainda que inconsistências lógicas, inevitavelmente, sejam introduzidas nesse processo, “as ideologias são hábeis em conciliar essas tensões, principalmente, porque a maneira polissêmica em que [essas ideias são] formuladas permite 59 margem de manobra interpretativa suficiente para encontrar uma área de coerência lógica entre elas” (FREEDEN, 2003, p. 56). Assim, enquanto o espiritualismo new age, a psicologia sociocultural, a desinstitucionalização contracultural e as noções tecnocráticas do novo gerencialismo podem parecer companheiros improváveis, tais sentimentos provaram encontrar um terreno comum sob a bandeira geral de alcançar algum tipo de “transformação” e “mudança” por meio da tecnologia educacional. Isso remete à observação no Capítulo 1 sobre tecnologia educacional ser essencialmente um “projeto positivo” - isto é, envolve grupos que compartilham um interesse comum em usar a tecnologia para mudar ou “transformar” a educação ao longo de linhas melhores (o que quer que eles possam entender como “melhor”). Nesses termos, pode-se começar a ver as formas em que a tecnologia educacional se tornou uma área dominada por aquilo que Friesen (2008, p. 2) descreve como um “senso comum ideologicamente carregado”. Em outras palavras, é uma área onde diversos grupos trabalham para concretizar suas diversas visões de 60 uma educação “melhor”, enquanto também legitimam e apoiam uma ampla gama de interesses ideológicos dominantes, porém, em grande parte, opacos. A questão-chave que agora precisa ser considerada é como o caráter ideológico da tecnologia educacional está realmente tomando forma “nas bases”, e com quais resultados. Nessa fase inicial da nossa análise, portanto, é importante manter uma mente aberta sobre o que está por vir. É claro que, implícita na missão declarada do livro, está uma sugestão de que esses modelos dominantes são uma imposição indesejada e, em última análise, restritiva em matéria de educação. No entanto, ao destacar o caráter ideológico de tecnologia educacional, não se deve assumir que não há quaisquer benefícios associados com as formas atuais da tecnologia educacional. Na verdade, talvez sejam justificadas e válidas muitas das promessas individualizadas, neoliberais e do novo capitalismo para a educação e tecnologia. Pode muito bem ser que essas tecnologias apoiem formas significativas e satisfatórias de engajamento educacional nas condições da sociedade contemporânea. Pode muito bem ser que a tecnologia digital esteja 61 permitindo, com sucesso, a oferta do “privilégio e conveniência” da educação “sem a bagunça feia” das ineficiências e restrições do Estado (DEAN, 2002, p. 3). Independentemente de saber se estamos preparados para começar esta análise com uma mente completamente aberta, é certamente sensato permanecer avisado sobre as realidades da educação e tecnologia. Dessa forma, parece adequado concluir este capítulo com um conjunto de perguntas que perpassam os próximos seis capítulos. Ao desafiar a ideologia da Educação e Tecnologia, estes são alguns dos principais problemas e questões que são dignos de atenção:  Quais são as dimensões ideológicas de tecnologia educacional? Que significados e compreensões da educação estão sendo transmitidos por meio das tecnologias digitais? Como essas tecnologias difundem ideias pertinentes a estruturas políticas e econômicas? Qual o idioma associado à educação e tecnologia digital?  Quais as formas de engajamento educacional promovidas a partir do uso da tecnologia digital, e quais as formas obscurecidas e silenciadas? Que 62 interesses constituem o senso comum sobre o trabalho da tecnologia educacional? Quão persuasiva essa manipulação de entendimentos e significados parece ser?  Que liberdades e “des-liberdades” estão associados com o uso da tecnologia digital na educação? Como elas são experimentadas por diferentes indivíduos e grupos sociais? Até que ponto as tecnologias educacionais estão situadas nas estruturas dominantes de produção e poder? Em que medida as tecnologias educacionais perturbam estruturas dominantes de produção e poder?  Como a educação de base tecnológica altera a relação entre o indivíduo e o commons, bem como entre o público e o privado? As novas tecnologias promovem senso de obrigação e senso de comunidade na educação? São todos os indivíduos auto-responsibilizados e empoderados pela tecnologia educacional?  Quais são os resultados emocionais e “humanos” do aumento do uso da tecnologia na educação? De que formas as tecnologias digitais melhoram ou diminuem a sensação de prazer, engajamento e encantamento com a educação? 63  Quais são as continuidades e descontinuidades entre “novas” formas de educação digital e a formas de educação que as precederam? De que forma alteram-se práticas e processos existentes? De que formas as estruturas e as relações existentes são substituídas por completo? Conclusões Essas questões são um lembrete de que, em vez de simplesmente observar as possíveis ligações entre a tecnologia educacional e ideologias dominantes, também precisamos explorar o “como” dessas ideologias (BALL, 2012). Como são promovidas essas ideologias dominantes – e se – a partir de tecnologias educacionais? Como são concretizados valores capitalistas, neoliberais e do novo capitalismo por meio do aumento do uso da tecnologia na educação? Essas questões certamente sugerem a necessidade de passarmos algum tempo examinando a “vida real” de várias formas de utilização da tecnologia digital na educação. Elas também alertam sobre problemas de se abordar esse questionamento de uma forma 64 totalmente independente. Em vez disso, qualquer análise crítica da educação e da tecnologia precisa ser capaz de oferecer um conjunto de sugestões alternativas contrahegemônicas que garantam formas futuras “palatáveis” da educação e da tecnologia. Dessa forma, a nossa investigação pessimista da educação e da tecnologia digital não é aquela que é totalmente desprovida de esperança. Então, como melhor levar adiante essas intenções? Em vez de concentrar-se em dispositivos específicos e aplicativos que estão sendo atualmente valorizados e celebrados em discussões acadêmicas sobre a tecnologia educacional (por exemplo, as discussões especulativas dos méritos educacionais de computadores tablet, Twitter ou MOOC), nos próximos quatro capítulos abordaremos as perguntas acima elencadas a partir de análises detalhadas dos quatro principais gêneros da tecnologia educacional contemporânea – isto é, as tecnologias “virtuais”, “abertas”, “jogos” e “sociais”. Esses gêneros refletem um conjunto de lógicas culturais dominantes no pensamento recente acerca da tecnologia educacional, e todos tiveram uma influência duradoura sobre a natureza e o “sabor” da 65 tecnologia educacional contemporânea. Os próximos quatro capítulos, portanto, exploram a natureza ideológica e forma do “virtual”, “aberto”, “jogos” e tecnologias “sociais” que são, cada vez mais, utilizados na educação. O mais importante: cada capítulo considerará a questão fundamental que tem perpassado toda a nossa discussão até agora – ou seja, até que ponto devemos ser desconfiados da base ideológica dessas tecnologias? Referências ADORNO, T. Minima moralia: Reflections from a damaged life. Londres: Verso, 1981. APPLE, M. (1986). National reports and the construction of inequality. British Journal of Sociology of Education, v. 7, n. 2, p. 171–190, 1986. ATKINSON, P. Computer. London: Reaktion, 2010. BALL, S. Reading Michael Apple: The sociological imagination at work. Theory and Research in Education, v. 5, n. 2, p. 153–159, 2007. BALL, S. Global Education Inc.: New policy networks and neoliberal imaginary. Londres: Routledge, 2012. BAUMAN, Z. The individualized society. Cambridge: Polity, 2001. BAUMAN, Z. 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Publica artigos inéditos na área de educação, em especial: resultados de pesquisas de caráter teórico e/ou empírico, revisão crítica da literatura de pesquisa, ensaios, resenhas de livros, entrevistas com profissionais e pesquisadores da área de educação ou áreas afins. É classificada como B1 no Qualis Periódicos da Capes. Pode ser acessada em: http://periodicos.estacio.br/index.php/reeduc 74