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O BOLSONARISMO COMO FASCISMO DO SÉCULO XXI1 DEMIAN MELO Sabendo o que sabemos hoje sobre o ciclo fascista, poderemos encontrar sinais de advertência ainda mais funestos em situações de impasse político diante de uma crise, em que os conservadores ameaçados procuram por aliados brutais, dispostos a abrir mão do devido processo legal e do estado de direito, tentando angariar o apoio das massas por meio de demagogia nacionalista e racista. [ PAXTON, 2007, P. 334 ] Todas as vezes que se fala em fascismo a primeira imagem que vem à cabeça é a do movimento da extrema direita liderado por um ex-socialista de nome Benito Mussolini e que chegou ao poder na Itália no fim de 1922. Todavia, já naquela época, embora seu nome de batismo seja italiano, analistas mais argutos assinalaram que se tratava de um fenômeno internacional. Antonio Gramsci, num artigo publicado em 24 de dezembro de 1920, no jornal socialista Avanti!, escreveu: “O fenômeno do ‘fascismo’ não é apenas italiano, assim como não é apenas italiana a formação do Partido Comunista” (Gramsci, 2004, p. 65-66). Em vários países do continente europeu surgiram organizações de massas ideologicamente contrarrevolucionárias dotadas de disciplina militar e alas 1 Agradeço a leitura crítica e sugestões dos amigos Marcelo Badaró Mattos, Virgínia Fontes e Rejane Hoeveler. Como de praxe, reitero que o texto é de minha inteira responsabilidade. 12 dedicadas a atividades violentas contra o movimento operário. A mais conhecida foi aquela liderada por Adolf Hitler na Alemanha. Os fascismos italiano e alemão são mais lembrados por terem sido capazes de alcançar o poder e implantar regimes ditatoriais que levaram a humanidade ao sangrento conflito da Segunda Guerra Mundial. No entanto, houve movimentos fascistas que não conseguiram chegar ao poder, ou que chegaram ao âmbito de coalizões mais amplas das direitas, como Espanha e Portugal. Outros se empoderaram na condição de colaboracionistas da ocupação alemã a partir de 1940, como o governo-fantoche de Vidkun Quisling na Noruega, mas é preciso lembrar também de casos como o da França ocupada, cujo regime colaboracionista de Vichy dispensou os movimentos fascistas locais que se conformaram em apenas apoiar a situação. Somaram-se a estes aqueles movimentos fascistas fora da Europa que nunca ultrapassaram a fase de movimento político. Da China à Argentina, dos Estados Unidos ao México, movimentos fascistas surgiram em várias latitudes do planeta.2 O próprio Brasil assistiu o surgimento de um autêntico movimento fascista com o Integralismo em 1932, fundado por iniciativa do escritor modernista Plínio Salgado, que se inspirou no modelo do fascismo italiano após uma visita à península mediterrânea no início daquela década. A Ação Integralista Brasileira (AIB) foi o primeiro partido de massas da história brasileira, chegando a recrutar dezenas de milhares de brasileiros, com estimativas que vão de 200 mil a um milhão de adeptos. Com o propósito comum de combater a esquerda, o governo Vargas foi simpático aos integralistas que lhe apoiaram inclusive no golpe de Estado de novembro de 1937, que instituiu o Estado Novo. Os fascistas brasileiros acreditavam que aquele regime ditatorial poderia ser um passo decisivo para a realização da utopia reacionária do Estado Integral concebido por ideólogos como Miguel Reale. Houve até a esperança de que Vargas entregaria a estratégica pasta do Ministério da Educação e Cultura ao líder Plínio Salgado, mas logo perceberam que o ditador já não precisava mais de seus serviços. A frustração acabou alimentando a tentativa de insurreição integralista em 1938, uma aventura 2 Cf. Paxton, 2007, 185-191; Finchelstein, 2017, p. 36. 13 que acabaria levando à dissolução temporária do movimento e ao exílio de Plínio Salgado no Portugal do já ditador de traços fascistas Oliveira Salazar.3 Daquela época até hoje outras organizações fascistas surgiram na história do Brasil, além do próprio integralismo, que através da legenda do Partido da Representação Popular (PRP) participou dos processos eleitorais da República de 1946, e posteriormente ingressou nos circuitos conspiratórios que efetivaram o golpe de Estado de 1964, ajudando a formar com outras direitas o partido de sustentação da ditadura militar, a Aliança Renovadora Nacional (ARENA). Mas o integralismo não mais conseguiu apresentar a face de movimento de massas que marcou as suas origens, cindindo-se em grupelhos após a morte de seu líder em 1975. De lá pra cá alguns neointegralistas se filiaram ao Partido de Reedificação da Ordem Nacional (PRONA), de Enéas Carneiros, e atualmente um ramo encontra-se abrigado no Partido Renovador Trabalhista Brasileiro (PRTB), de Levy Fidelix e do vice-Presidente da República, general Hamilton Mourão.4 Hoje, nessa forma fragmentada, os neointegralistas compõem um dos muitos movimentos de extrema direita reunidos em apoio ao governo Bolsonaro, ao lado de monarquistas, tradicionalistas católicos, neonazistas, anarcocapitalistas, fundamentalistas evangélicos, saudosistas da ditadura militar etc. Se é correto caracterizar o bolsonarismo como um fenômeno fascista, que é o propósito deste texto, uma primeira constatação é a de que ele reúne uma miríade de correntes, catalisando uma série de grupúsculos de extrema direita. O influente historiador do fascismo Roger Griffin assinalou a fragmentação como um traço da extrema direita desde o fim da Segunda Guerra Mundial, trazendo a imagem do rizoma para destacar o movimento fluido e fragmentário de grupelhos de extrema direita surgidos no mundo durante as últimas décadas, uma “rede celular, sem centro e sem líder, com limites mal definidos e sem hierarquia formal ou estrutura organizacional interna para fornecer uma inteligência unificada” (Griffin, 2003). Essa imagem também corresponde ao prognóstico compartilhado por Griffin e outros autores segundo o qual as mudanças culturais ocorridas no mundo do capitalismo liberal impediriam um reavivamento de um fascismo de massas, estando o neofascismo condenado à 3 Cf. Trindade, 1974; Rosas, 2019. 4 Cf. Calil, 2010; Caldeira Neto, 2014; Barbosa, 2015. 14 insignificância do ponto de vista de sua atração para o grande público,5 embora o terrorismo de grupelhos de extrema direita possam causar grande impacto. A segunda década do século XXI, todavia, observa o surgimento de experiências políticas um pouco mais complexas que as que se enquadram nesse perfil, embora a existência de uma miríade de grupelhos de extrema direita ainda seja encontrada.6 Como fenômeno de massas, o bolsonarismo possui uma natureza fascista também por estar tendo capacidade de aglutinação de várias correntes contrarrevolucionárias em apoio ao governo Bolsonaro. Se o bolsonarismo tem diversas direitas em seu interior, é preciso lembrar que mesmo os movimentos fascistas originais resultaram da fusão de diversos grupos, no caso italiano desde nacionalistas e artistas futuristas, mas também elementos oriundos do mundo operário, ex-socialistas, ex-anarquistas e sindicalistas revolucionários. Menos lembrada é a presença também de defensores intransigentes do livre mercado, como foi o caso de Alberto De Stefani, que ocupou o Ministério da Fazenda do gabinete Mussolini entre 1922 e 1925, um membro do Partido Nacional Fascista que empreendeu uma gestão liberal na economia. O intervencionismo estatal na economia fascista esteve presente de forma mais pronunciada após a crise de 1929, e era resultado de concepções corporativistas que animaram intelectuais como Ugo Spirito na crítica ao laissez-faire.7 O que aqui nos interessa é o fato de que as organizações fascistas mais desenvolvidas atravessaram processos de síntese, conseguindo seu ponto principal de unificação em torno de valores centrais como o anticomunismo e o uso da violência política, o que também permitiu às organizações fascistas 5 Cf. o prefácio de Stanley Payne à Feldman, 2008. 6 Estudiosa dessa extrema direita há 18 anos, a antropóloga Adriana Dias assinalou a existência de 349 células de perfil neonazista no Brasil, sendo essa rede responsável pelo engajamento de 7 mil indivíduos. Cf. Veiga, 2020. 7 Por outro lado, é justamente a capacidade do regime fascista de realizar a transição da economia laissez-faire para a economia planista, com a introdução do fordismo na Itália, que leva Gramsci a escrever: “Ter-se-ia uma revolução passiva no fato de que, por intermédio da intervenção legislativa do Estado e através da organização corporativa, teriam sido introduzidas na estrutura econômica do país modificações mais ou menos profundas para acentuar o elemento ‘plano de produção’, isto é, teria sido acentuada a socialização e cooperação da produção, sem com isso tocar (ou limitando-se apenas a regular e controlar) a apropriação individual do lucro.” (Gramsci, 1999, p. 299). Cf. também Gramsci, 2002, p. 239-282. 15 estabelecerem alianças com outras direitas para chegar ao poder. Naqueles movimentos coube ao líder fascista criar a unidade possível e estabelecer as alianças necessárias, e Bolsonaro vem desempenhando esse papel até aqui, não obstante a crise que atravessa seu governo neste momento. Fascismo no século XXI Discutindo esse retorno do debate sobre o fascismo diante da emergência do trumpismo nos Estados Unidos e dos sucessos eleitorais da extrema direita européia, o historiador Enzo Traverso vem propondo a noção de pós-fascismo. O seu conceito de pós-fascismo tenta capturar a situação atual da nova extrema direita no tempo histórico distinto daquele do entreguerras, nas condições do mundo em que desapareceu do horizonte de expectativas a revolução socialista, mas também da crise internacional aberta desde 2008 e do desgaste dos sistemas políticos vigentes. Em suma, insere-se a atual crise do capitalismo neoliberal, que também é a crise da descrença no sistema político representativo e nas estruturas supranacionais — como a Organização das Nações Unidas (ONU), a União Europeia etc. — celebradas outrora pelos vitoriosos da Guerra Fria. A noção de pós-fascismo tenta também capturar uma situação transitória de emergentes fenômenos da extrema direita nesse contexto, que tanto podem evoluir para o fascismo tout court — constituindo partidos de massa de programa fascista, com as práticas violentas que lhes correspondem e/ou mesmo implantando regimes ditatoriais — como transitar para uma forma política populista, conservadora e autoritária que, no entanto, ocuparia uma posição normalizada no interior dos sistemas liberal-representativos em crise.8 Num enfoque similar, David Renton vem propondo entender a nova convergência entre a direita conservadora e a extrema direita na conformação de novos autoritários, no que evita a noção de fascismo por considerá-la também específica.9 Ele observa como as extrema direitas nas últimas décadas buscaram se distanciar de pretéritas vinculações com o fascismo histórico, assim como, 8 Cf. Traverso, 2019, p. 11-37. 9 Cf. Renton, 2018, p. 207-226. 16 de outro lado, observa a deriva da direita conservadora em direção à extrema direita. Seria essa a raiz do fenômeno do que muitos chamam de onda conservadora, e na avaliação do autor pode ser corretamente apreendida como essa nova convergência autoritária das direitas expressas em governos como o de Trump nos Estados Unidos, Putin na Rússia, Modi na Índia e Bolsonaro no Brasil. Não obstante, Renton admite que não pode ser descartada a possibilidade de que tal convergência possa evoluir para formas fascistas, ou ao menos abrir espaço político para isso. Em suma, tomando todos os cuidados contra o uso inconsistente do termo fascismo para o entendimento da emergência de novos fenômenos da extrema direita, e propondo noções como pós-fascismo ou novos autoritários, Traverso e Renton não descartam a possibilidade de ressurgimento de algo que possa ser referido como fascismo a partir da evolução da crise. Além disso, os dois autores concordam que a comparação com o fascismo histórico é um método incontornável no entendimento da extrema direita no século XXI. De nossa parte este texto faz esse exercício, embora divergindo pontualmente desses autores.10 Nossa hipótese é a de que o bolsonarismo representa a tendência ao fascismo, e com a ocupação do governo federal e as explícitas manobras e mobilizações realizadas nesse um ano e meio de governo Bolsonaro, suas pretensões de implantação de uma ditadura de características fascistas são mais que evidentes. As linhas que seguem buscam esmiuçar essas características. No caminho do fascismo: a crise Com o propósito de apreender o fenômeno do fascismo, fugindo das reduções ideológicas do fenômeno (elemento importante, que discutiremos a seguir, mas que por vezes é superdimensionado em algumas propostas analíticas) e atentando para o comportamento efetivo do fascismo histórico, Robert Paxton (1998) observou uma sequência de cinco etapas. São elas: 1) a criação dos movimentos; 2) a criação de raízes no sistema político; 3) a conquista do 10 Para um debate mais profundo com esses autores e aqueles que têm se valido da noção de neofascismo para caracterizar tais fenômenos de extrema direita, cf. Mattos (no prelo), especialmente o terceiro tópico do capítulo 1. 17 poder; 4) o exercício do poder; 5) e um longo período no qual os regimes escolheram entre a radicalização e a entropia. A partir desse modelo, concluiu que apenas os casos italiano e alemão cumpriram todas essas etapas, sendo que a maior parte dos movimentos fascistas no período entreguerras ficaram entre a primeira e segunda. Em sua análise, Paxton destaca as condições excepcionais que permitiram as fases 3 a 5, ou seja, a natureza da crise e a disposição das elites tradicionais (políticas e militares principalmente) de permitir a ascensão dos fascistas ao poder.11 Entretanto, como um fenômeno de massas, o fascismo para se instituir precisou encontrar um ambiente favorável para que suas atitudes e modos de pensar e sentir pudessem prosperar. Esses aspectos constituem para Paxton (2007, p. 78-79) um conjunto de nove paixões mobilizadoras, uma espécie de lava emocional que permitiu o fascismo ser tomado como alternativa política. São elas: 1) “o sentimento de uma crise catastrófica, além do alcance de qualquer das soluções tradicionais”; 2) “a primazia de um grupo, com relação ao qual as pessoas têm deveres superiores a quaisquer direitos, sejam eles individuais ou universais, e a subordinação do indivíduo a esse grupo”; 3) “a crença de que o próprio grupo é uma vítima, sentimento esse que serve como justificativa para qualquer ação, sem limites legais ou morais, contra seus inimigos, tanto externos quanto internos”; 4) “o pavor da decadência do grupo sob os efeitos corrosivos do liberalismo individualista, do conflito de classes e das influências alienígenas”; 5) “a necessidade da maior integração de uma comunidade mais pura, por meio do consentimento, se possível, ou da violência excludente, se necessário”; 6) “a necessidade da autoridade dos líderes naturais (sempre do sexo masculino), culminando num chefe nacional que é o único capaz de encarnar o destino do grupo”; 7) “a superioridade dos instintos desse líder sobre a razão abstrata e universal”; 8) “a beleza da violência e a eficácia da vontade, quando voltadas para o êxito do grupo”; 9) e “o direito do povo eleito de dominar os demais sem limitações de qualquer natureza, sejam elas impostas por leis humanas ou divinas, esse direito sendo determinado pelo critério único do grupo no interior de uma luta darwiniana”. 11 “As crises do sistema político e econômico abriram espaço para o fascismo, mas foram as infelizes escolhas de uns poucos dirigentes que de fato instalaram os fascistas nesse espaço.” (Paxton, 2007, p. 196). 18 O que é possível apreender das experiências fascistas desde o período entreguerras é que só em condições de crise profunda tais movimentos conseguiram chegar ao poder. A Itália do início dos anos 1920 vivia o impasse provocado pela frustração com os resultados da participação do país na Guerra Mundial, depois que a própria deflagração mundial havia provocado a entrada de massas, antes passivas, no processo político. Outro elemento desse impasse foi o temor nas classes dominantes de que o poderoso movimento dos trabalhadores italianos e seu grande Partido Socialista pudessem promover uma revolução social nos moldes daquela ocorrida na Rússia em 1917. O crescimento eleitoral dos socialistas no pleito de 1919, a onda de ocupação de fábricas no norte do país de 1919 a 1920, além da intensificação das lutas dos trabalhadores rurais do sul, ligaram o sinal de alerta nas classes dominantes. Quando em 23 de março de 1919, na Piazza San Sepolcro, na sede da Aliança Industrial de Milão, Mussolini fundou seu movimento, esse não parecia muito promissor. Mas o desenvolvimento da violência fascista contra a insurgência socialista e a capacidade do fascismo de recrutar uma massa de ex-combatentes para ações violentas contra os socialistas não demorou a ganhar a simpatia das classes dominantes italianas que desconfiavam da capacidade do governo liberal em impedir a bolchevização do país. Por outro lado, os liberais acreditavam poder usar o fascismo contra a esquerda, e nas eleições de 1921, no Bloco Nacional dirigido pelo liberal Giovanni Giolitti, foi aberto espaço para o recém-fundado Partido Nacional Fascista, que além de Mussolini elegeu três dezenas de fascistas para o Parlamento. Mas a força do fascismo não correspondia ao número de eleitores, e sim de sua capacidade de recrutar e de perpetrar ações terroristas. De acordo com Donald Sassoon, o número de membros do partido fascista aumentou rapidamente de 1921 a 1922, passando de 80 mil a 322 mil e se tornando o maior partido de massas da Itália.12 No que toca ao patamar da violência, alguns autores estimam em 10 mil o número de mortos nos anos iniciais do fascismo enquanto movimento, sem falar das destruições violentas das sedes do Partido Socialista, além da expulsão de prefeitos socialistas de cidades onde haviam ganhado pleitos eleitorais, uma violência que naturalmente atingiu comunistas, anarquistas, mas também os 12 Cf. Sassoon, 2009, p.19. 19 católicos mais reformistas do Partido Popular Italiano.13 Nada disso teria sido possível sem o apoio das classes dominantes e a cumplicidade dos agentes públicos que, em tese, deveriam coibir ações paramilitares. Ainda em julho de 1921, Antonio Gramsci observava que: Os fascistas só puderam realizar suas atividades porque dezenas de milhares de funcionários do Estado, em particular dos organismos de segurança pública (delegados de polícia, guardas-régias, carabineiros) e da Magistratura, tornaram-se seus cúmplices morais e materiais. Estes funcionários sabem que a manutenção de sua impunidade e o êxito de suas carreiras estão estreitamente ligadas aos destinos da organização fascista, e, por isso, têm todo interesse em apoiar o fascismo em qualquer tentativa que este faça no sentido de consolidar sua posição política. (Gramsci, 2004, p. 66). E foi jogando com isso, e também com a simpatia que setores da cúpula das Forças Armadas e da monarquia tinham por Mussolini que este conseguiu ser nomeado primeiro-ministro em outubro de 1922, formando um governo com outras forças das direitas. Em alguns anos todos os partidos italianos foram proibidos, exceto o Partido Nacional Fascista; e o sistema político liberal veio abaixo em favor de uma ditadura. Foi o rompimento entre as classes dominantes e seus partidos tradicionais que abriu o caminho de Mussolini para sua ditadura. Esse rompimento ficaria ainda mais pronunciado quando, em meados de 1924, um bando fascista assassinou o deputado socialista Giacommo Matteotti após o parlamentar denunciar a violência fascista no pleito de abril daquele ano. Sequestrado e depois morto, o corpo do parlamentar seria encontrado meses depois, levando toda a oposição ao fascismo a abandonar o Parlamento, esperando que o rei Vitório Emmanuel demitisse Mussolini. Em vez disso, após a reação moral da opinião pública arrefecer, o rei manteve Mussolini no cargo, e este, após admitir sua responsabilidade pessoal no delitto Matteotti, em 3 de janeiro de 1922, baixou um pacote de leis de exceção e iniciou o processo de implantação da ditadura.14 13 Cf. Paxton, 2007, p. 163. 14 Cf. Sassoon, 2009, p. 150-151. 20 Também na Alemanha do início dos anos 1930, a democracia da República de Weimar entrou em colapso muito antes do nazismo alcançar o poder.15 A devastação econômica e social provocada pelo impacto da crise de 1929 na Alemanha gerou um colapso da estrutura política, o que fortaleceu na consciência das classes dominantes a opinião de que a solução para a crise deveria ser procurada fora dos quadros tradicionais da jovem experiência republicana. Foi também a negativa em se comprometer com as regras do jogo da República espanhola que fez com que as classes dominantes daquele país apoiassem a insurreição contrarrevolucionária dirigida pelo general Franco, e com o apoio de Hitler e Mussolini. Não obstante, nem todas as crises com tais contornos, que Gramsci denominou de crise orgânica,16 produziram necessariamente experiências fascistas. Mas é certo que sem uma crise dessa natureza podemos supor que os movimentos fascistas nunca prosperariam ou alcançariam as fases 3 a 5 no modelo de Paxton. Voltando ao Brasil do século XXI, por aqui temos visto uma crise orgânica nos últimos anos, num processo que envolveu desde a recusa da oposição liberal aos governos do Partido dos Trabalhadores (PT) em reconhecer o resultado do pleito de 2014 até a volta da participação mais pronunciada dos militares 15 “Hitler não teria podido tomar o poder se o país não estivesse há quase três anos em regime de ditadura presidencial e se o Parlamento estivesse funcionando.” (Agamben, 2004, p. 29). 16 Cf. “Em um certo ponto de sua vida histórica, os grupos sociais se separam de seus partidos tradicionais, isto é, os partidos tradicionais naquela dada forma organizativa, com aqueles determinados homens que os constituem, representam e dirigem, não são mais reconhecidos como sua expressão por sua classe ou fração de classe. Quando se verificam estas crises, a situação imediata torna-se delicada e perigosa, pois abre-se o campo às soluções de força, à atividade de potências ocultas representadas pelos homens providenciais ou carismáticos. Como se formam estas situações de contraste entre representantes e representados, que, a partir do terreno dos partidos (organizações de partido em sentido estrito, campo eleitoral-parlamentar, organização jornalística), reflete-se em todo o organismo estatal, reforçando a posição relativa do poder da burocracia (civil e militar), da alta finança, da Igreja e, em geral, de todos os organismos relativamente independentes das flutuações da opinião pública? O processo é diferente em cada país, embora o conteúdo seja o mesmo. E o conteúdo é a crise de hegemonia da classe dirigente, que ocorre ou porque a classe dirigente fracassou em algum grande empreendimento político para o qual pediu ou impôs pela força o consenso das grandes massas (como a guerra), ou porque amplas massas (sobretudo de camponeses e de pequeno-burgueses intelectuais) passaram subitamente da passividade política para uma certa atividade e apresentam reivindicações que, em seu conjunto desorganizado, constituem uma revolução. Fala-se de ‘crise de autoridade’: e isso é precisamente a crise de hegemonia, ou crise do Estado em seu conjunto.” (Gramsci, 2000, p. 60). 21 no jogo político. Também há no Brasil algum nível de ruptura entre as classes dominantes e suas representações tradicionais, como denota a decadência do Partido da Social Democracia Brasileira (PSDB) no sistema partidário. No meio de tal crise, a operação Lava Jato e a deposição do governo Dilma aprofundaram a ruptura das classes dominantes com as regras da República de 1988, chegando a eleição de Jair Bolsonaro em 2018. O processo eleitoral de 2018 serviu para consolidar a ruptura de 2016.17 E, dado o histórico de Bolsonaro como defensor da ditadura militar, de torturadores conhecidos, como o major Brilhante Ustra, do discurso misógino, homofóbico, racista e armamentista, muitos observadores deram o epíteto de fascista para o atual presidente da República. Afinal, tal caracterização é procedente? Um “Trump tropical”? Uma parte considerável dos comentaristas internacionais têm preferido caracterizar a figura de Jair Bolsonaro como “populista”, sendo muito usual sua comparação com o atual presidente dos Estados Unidos. Voltaremos ao tema do populismo um pouco adiante, mas primeiro apenas assinalaremos que a imagem de um “Trump tropical” é bastante enganosa para o entendimento do presidente brasileiro. Embora o apoio do governo Donald Trump seja um dos principais esteios do governo brasileiro, e haja por parte de Bolsonaro uma ridícula mimetização de discursos e posturas do presidente americano, as diferenças entre as duas experiências não podem ser negligenciadas. A despeito de toda retórica populista contra as “elites”, Trump chegou ao poder ganhando a máquina do tradicional partido da direita conservadora americana. Donald Trump não está organizando e nunca pretendeu organizar um partido-movimento de massas, com milícias, um projeto declarado de fechamento do regime etc. Há, todavia, a presença de símbolos, elementos discursivos e inclusive o apoio de movimentos notadamente supremacistas brancos, e mesmo neofascistas, ao governo Trump. 17 Cf. Miguel, 2019. 22 Contudo, as tentativas de caracterizar Trump como “fascista”, ou “neofascista”, não parecem sustentáveis, embora as analogias tenham sido feitas por comentaristas de diferentes posições políticas no contexto estadunidense.18 De acordo com Enzo Traverso: Trump foi definido como fascista não apenas por publicações de esquerda liberal como The Nation ou The New Republic, mas também por colunistas do New York Times e Washington Post (incluindo um analista neoconservador como Robert Kagan) e até pela ex-secretária de Estado Madeleine Albright. (Traverso, 2019, p. 24). Vale mencionar mais dois exemplos. O professor de Filosofia da prestigiosa Universidade de Yale Jason Stanley tem como eixo de seu livro Como funciona o fascismo provar que Trump é fascista, porém, embora a discussão seja rica e ajude a iluminar cenários não mencionados na obra (como o brasileiro), não consegue mais do que provar a existência de discursos e certos comportamentos fascistas do presidente estadunidense.19 Por sua vez, mesmo tentando provar a natureza neofascista do governo Trump, o sociólogo marxista estadunidense John Bellamy Foster admitiu: “Não há violência paramilitar nas ruas. Não há camisas pretas ou marrons, nem Stormtroopers nazistas. De fato, não há partido fascista separado.” (Foster, 2017). Em contraste, o movimento em torno ao governo Jair Bolsonaro não esconde suas pretensões ditatoriais, e a natureza da crise brasileira abre o caminho para uma mudança no regime. Além disso, embora tenha tido uma vida parlamentar no baixo clero durante trinta anos e adotado as práticas mais tradicionais do jogo político (como colocar filhos na carreira política, empregar parentes nas respectivas máquinas parlamentares etc.), seria enganoso tratar Bolsonaro como alguém de dentro do sistema. A marginalidade de sua carreira como deputado é um fato bastante objetivo. Não reconhecer isso e tratá-lo como um membro da elite tradicional impede que se compreenda como tal elemento foi capaz de capitalizar o colapso da República de 1988, chegando ao poder com o apoio de 18 Eu e o professor Alvaro Bianchi discutimos a inadequação de considerar Donald Trump e seu governo fascistas em Bianchi e Melo (2018). 19 Cf. Stanley, 2019. 23 setores do empresariado, das classes médias, dos setores populares frustrados pelo lulismo e/ou pertencentes à comunidade evangélica, do partido lavajatista de Moro, Dallagnol e cia e, não menos importante, das Forças Armadas e dos efetivos das Polícias Militares. A ideologia fascista e o bolsonarismo No que se refere à ideologia fascista, o caráter pragmático dos fascistas no poder levou uma parte dos analistas durante algum tempo a considerar o estudo das ideias fascistas um exercício diletante. Todavia, ao menos desde os anos 1960 vêm se desenvolvendo estudos importantes sobre a questão.20 E não obstante terem produzido algumas leituras unilaterais de viés culturalista e politicamente liberal,21 em alguns casos chegando a minimizar a componente anticomunista no fascismo,22 trouxe também ganhos de conhecimento.23 Nessa chave, uma das mais influentes sínteses do assunto foi produzida por Griffin, que definiu o fascismo como “gênero de ideologia política cujo núcleo mítico em suas várias permutações é uma forma palingenética do ultranacionalismo populista” (1991, p. 48). Trata-se de um tipo ideal (em termos weberianos) que nos parece útil e por meio do qual nas linhas a seguir procuraremos expor sua adequação na caracterização do bolsonarismo. No sentido dado por Griffin, o termo palingenético remete a mitos de regeneração e renascimento nacional, encontrados em todas as formas históricas de fascismo que trazem embutidas a narrativa de que a situação de decadência em que se encontra a sociedade pode ser resolvida por um processo de restauração da glória essencial da nação encontrada em reconstruções míticas do 20 Por exemplo, Sternhell (1976) e Eatwell (1996). 21 Para uma crítica marxista dessa historiografia, cf. Renton (1999, p. 18-29), Rosas (2019) e Woodley (2010). 22 Sobre este ponto em parte da historiografia, cf. Traverso (2005, p. 245-256). 23 De passagem, cabe mencionar que a proposição de Paxton (2007, p. 38) que expusemos acima visa superar criticamente o reducionismo cultural na explicação do fascismo, discordando, por exemplo, da proposição encontrada em Griffin de que possa ser tomado como uma ideologia política da mesma consistência do liberalismo, conservadorismo e socialismo. 24 passado. O fascismo italiano se revestiu de simbolismos oriundos da Roma clássica, desde a própria origem do nome do movimento até a autodenominação de Mussolini como “Cézar” do século XX. No caso do nazismo, são os mitos românticos teutônicos, o Sacro Império Romano-Germânico e o Segundo Reich, construído por Bismark na criação do Estado moderno alemão, derivando daí o próprio termo Terceiro Reich.24 É preciso observar que esses mitos são funcionais na criação de um imaginário com propósitos de mobilização das bases fascistas, e não correspondem a tentativas grotescas de reerguer realidades históricas pretéritas, como assinalou o próprio Mussolini em 1922, a poucos dias de chegar ao poder: Nós criamos o nosso mito. O mito é uma fé, uma paixão. Não é necessário que ele seja uma realidade... Nosso mito é a nação, nosso mito é a grandeza da nação! E a esse mito, essa grandeza, que queremos transformar numa realidade total, subordinamos tudo. (Stanley, 2019, p. 21). Seguindo de perto a abordagem de Griffin, o já mencionado Jason Stanley inicia sua exposição das dez características do fascismo falando justamente dessa invocação do passado mítico: A política fascista invoca um passado mítico puro que foi tragicamente destruído. Dependendo de como a nação é definida, o passado mítico pode ser religiosamente puro, racialmente puro, culturalmente puro ou todos os itens acima. Mas há uma estrutura comum a todas as mistificações fascistas. Em todos os passados míticos fascistas, uma versão extremada de família patriarcal reina soberana, mesmo que há poucas gerações. Recuando mais no tempo, o passado mítico era um tempo de glória da nação, com guerras de conquista lideradas por generais patriotas, com exércitos repletos de guerreiros leais, seus compatriotas, fisicamente aptos e cujas esposas ficavam em casa cuidando da próxima geração. No presente, esses mitos se tornam a base da identidade da nação submetida à política fascista. (Stanley, 2019, p. 19-20). 24 Cabe observar que embora noções paligenéticas sejam encontradas nas narrativas religiosas, Griffin faz questão de diferenciar o fascismo, chamando atenção para seu caráter secular. Cf. Griffin, 1991, p. 51-55. 25 Partindo dessa elaboração, evidencia-se o papel que o revisionismo histórico do período da ditadura militar ocupa na ideologia bolsonarista. Trata-se justamente dessa função mítica. Deste modo, a guerra cultural do bolsonarismo tem como um dos seus temas centrais o revisionismo e mesmo o negacionismo histórico, já que desqualificam inclusive a própria leitura (até então canônica) de que houve uma ditadura militar entre 1964 e 1985. Essa normalização do passado traumático, cujas manifestações no campo acadêmico já critiquei em uma série de trabalhos,25 no caso do bolsonarismo assume outro patamar e liga-se diretamente ao propósito de normalização do estado de exceção nos tempos que correm. Além do período da ditadura militar, há também o tópico tradicional do conservadorismo brasileiro incorporado à ideologia do bolsonarismo, que é o culto ao medievo português, sendo o próprio Brasil entendido como uma de suas realizações. Isso aparece nas narrativas históricas presentes em iniciativas orgânicas da guerra cultural bolsonarista, como no documentário “Brasil: a última cruzada”, produzido pelo Brasil Paralelo. O historiador Paulo Pachá chamou atenção para essa leitura e também apontou o caso do uso da expressão medieval “Deus vult” (“Deus quer”), associada à Primeira Cruzada ocorrida no ano mil, e que hoje é utilizada por movimentos de extrema direita na Europa e nos Estados Unidos. No Brasil o uso de “Deus vult” assume a particularidade de “proclamar uma suposta ‘tradição judaico-cristã’ como pilar único da cultura brasileira” (Pachá, 2019). Nessa formulação, além do silenciamento das outras matrizes culturais que formaram a sociedade brasileira, e também por isso, uma concepção racista sobre a nacionalidade brasileira é evidenciada. Ainda segundo Pachá: Em seu discurso de posse, Bolsonaro prometeu “unir o povo, valorizar a família, respeitar as religiões e nossa tradição judaico-cristã, combater a ideologia de gênero, conservando nossos valores”. A referência de Bolsonaro à suposta tradição judaico-cristã do Brasil também foi um elemento comum dos seus discursos de campanha. Em setembro, durante um comício em Campina Grande (PB), Bolsonaro disse aos seus apoiadores: “Como somos um país cristão, Deus acima de tudo!” No mesmo discurso, completou: “Não tem mais essa historinha de Estado laico, 25 Cf. Melo, 2006, 2014. 26 não! É Estado cristão!” Por fim, o slogan de campanha de Bolsonaro era “Brasil acima de tudo, Deus acima de todos!” — adicionando um tom religioso ao slogan nazista Deutschland über alles [Alemanha acima de tudo]. (Pachá, 2019). Coroando o revisionismo, aparece a velha narrativa amenizadora do passado escravocrata e, por derivação, a desqualificação das lutas e conquistas do movimento negro, das comunidades quilombolas e dos povos indígenas. O compromisso do governo Bolsonaro com o desmonte de políticas públicas ligadas à promoção da igualdade racial está mais do que evidenciado, por um lado, pelo tipo de personagem indicado para dirigir a Fundação Palmares, e, por outro, pelo favorecimento sem limites aos interesses predatórios dos capitalistas contra as populações indígenas em seus territórios. Em suma, o grande trauma que conformou a sociedade brasileira, o passado escravocrata e a dizimação dos povos originários são alvo da normalização feita a partir de um procedimento de revisionismo histórico que, embora não tenha sido inaugurado por Bolsonaro e seu staff, é parte das condições culturais em que o bolsonarismo pôde prosperar. Ainda no exame da ideologia bolsonarista como fascista, é preciso também considerar a outra variável da síntese proposta por Griffin, além do passado mítico na construção ultranacionalista, o populismo, o que nos faz voltar ao ponto anterior dessa exposição. É preciso reafirmar que o termo vem sendo usado de forma mistificadora por comentaristas políticos na mídia e mesmo no campo acadêmico, contudo, além de leituras mais sofisticadas do conceito de populismo disponíveis,26 vale lembrar que o populismo é uma característica importante do fenômeno do fascismo. Nos termos de Griffin, o conceito de populismo nesse caso não é uma referência a movimentos como os surgidos nos Estados Unidos e na Rússia no fim do século XIX (ou nos contextos latino-americanos do século XX), mas é utilizado “como um termo genérico para forças políticas que, mesmo lideradas por pequenos quadros de elite ou ‘vanguardas’ autodesignadas, na prática ou em princípio (e não apenas para exibição) dependem do ‘poder do povo’ como base de sua legitimidade” (1991, 26 Por exemplo, Worsley (1969), Ianni (1975) e Laclau (2013). 27 p. 60). Em síntese, se nem todo movimento populista é fascista, todo fascismo tem uma componente populista.27 Vejamos. A variável-chave de qualquer definição de populismo, que é a existência de uma liderança carismática, é uma componente indispensável do fascismo. Como vimos acima, duas das paixões mobilizadoras apontadas por Paxton que tornaram o fascismo possível se ligam diretamente à existência de um chefe nacional capaz de encarnar o destino do povo, princípio esse que se desdobra na “superioridade dos instintos desse líder sobre a razão abstrata e universal” (2007, p. 78-79). Ou como diziam os fascistas italianos, “Mussolini tem sempre razão!”. A noção de que tal movimento representa “o povo” que luta contra “as elites”, que é outra variável de qualquer conceito de populismo, insere-se na estrutura discursiva fascista segundo a qual a autêntica nação/povo encontraria na figura carismática do seu líder a tradução de sua própria essência. Deste modo, todas as manobras que o líder fascista opera contra as estruturas tradicionais do sistema liberal-representativo (como a divisão entre os poderes, a liberdade de imprensa etc.), e mais ainda contra a auto-organização da classe trabalhadora, são justificadas como necessárias para a suposta “regeneração nacional”. Afinal, de acordo com o topos fascista, as instituições tradicionais do sistema democrático liberal são intrinsecamente corruptas e incapazes de dar cabo da “ameaça diabólica” do comunismo. No fascismo italiano, o discurso pretensamente “antipolítico” evidenciou-se, por exemplo, na demora do movimento de Mussolini para assumir explicitamente a forma de partido. No caso do fascismo alemão, sua relação com o populismo se estabeleceu também a partir da capacidade de incorporar os elementos provenientes do movimento völkschi, que implantou uma significativa cultura antissemita, ao conspiracionismo que seria central no nazismo.28 O anti-intelectualismo e o apelo a teorias da conspiração tão presentes nos fascismos históricos são um traço evidente do bolsonarismo, e são esses elementos que justificam movimentos de ataque a profissionais da educação, escolas, 27 Nesse ponto divergimos da tese de Fichelstein (2017) segundo a qual o populismo seria uma reelaboração do fascismo após 1945. 28 Cf. Fritzsche, 1990. 28 universidades e instituições científicas, como é o caso de iniciativas como o Escola Sem Partido, central na mobilização da guerra cultural bolsonarista. No fascismo nenhuma opinião do líder fascista pode ser invalidada pela ciência ou pela apuração profissional da imprensa tradicional, sendo assim as instituições ligadas à ciência e a própria verdade são desqualificadas como “manipulações de forças ocultas”. Nesse sentido, o ataque a essas instituições tem o firme propósito de reforçar a noção de que esses espaços são dominados pela “esquerda globalista”, “gramscista” e/ou “marxista cultural”, sendo o próprio fato da mídia tradicional não noticiar os sinais apontados pelos conspiracionistas uma espécie de prova de que as elites intelectuais e a mídia são parte do complô. Além disso, a retórica populista do fascismo incorpora um traço comum a todos os populismos de direita, qual seja, a narrativa de que a esquerda opera para “dividir a sociedade”, “colocando pobres contra ricos, negros contra brancos, mulheres contra os homens”, um raciocínio no qual todos os movimentos que combatem as injustiças sociais (da exploração capitalista, do racismo, do machismo, da homofobia etc.) são acusados de divisionismo e “vitimização”. No fim das contas, o próprio povo tratado como autêntico pelo fascismo (ou seja, a autenticidade nada mais é do que o apoio ao respectivo fascismo) é tratado como a verdadeira vítima das elites, o que justifica o uso de uma violência apresentada como redentora ou regeneradora.29 Essa ideia da vitimização narcisista dos fascistas também é importante por ser, como diz Paxton, um sentimento que “justifica qualquer ação, sem limites jurídicos ou morais, contra seus inimigos, tanto internos quanto externos” (2007, p. 360). E aqui encontramos outro aspecto importante do fascismo que é o culto à violência contra os inimigos, elemento ligado à sua característica exterminista. Por fim, a variável nacionalista, ou do ultranacionalismo, deve ser considerada. Nos casos dos regimes fascistas italiano e alemão, o ultranacionalismo trazia embutido o expansionismo imperialista. Todavia é preciso entender que a questão nacional no fascismo tem maior fluidez, sendo importante lembrar, por exemplo, do comportamento que boa parte dos movimentos fascistas da 29 Nesse ponto acompanhamos de perto as conclusões que a socióloga Esther Solano vem apresentando em sua pesquisa sobre a base bolsonarista nos últimos anos, e que apontam a importância do tema da “vitimização” em tal discurso. Cf. Solano, 2018, 2020. 29 Europa tiveram no contexto da ocupação de seus territórios pelo Terceiro Reich. Em muitos casos, dada a situação objetiva de subordinação econômica, política e/ou militar de determinado país no cenário internacional, podemos seguir a observação de Gramsci segundo a qual muitas vezes o que é apresentado como partido nacionalista em vez de “representar as forças vitais do próprio país, representa sua subordinação e servidão econômica às nações ou a um grupo de nações hegemônicas” (2000, p. 20). O grau de submissão da política externa do governo Bolsonaro aos Estados Unidos só tem precedente no governo Castelo Branco, o primeiro do regime ditatorial. Seu discurso nacionalista, o verde-amarelo e a camisa da Confederação Brasileira de Futebol (CBF) nada mais representam senão a subordinação e servidão econômica à potência hegemônica do capitalismo no século XXI. De sorte que temos assim uma noção de povo brasileiro identificado com o “cidadão de bem”, que se sente comprometido não só com o apoio ao governo Bolsonaro, mas ao próprio governo Trump. E é justamente para consolidar essa hegemonia que serve a teoria da conspiração anticomunista que organiza toda a cosmogonia bolsonarista. A TEORIA DA CONSPIRAÇÃO DO “MARXISMO CULTURAL” A teoria da conspiração do “marxismo cultural” difundida no Brasil por Olavo de Carvalho e seu círculo é parte central do conteúdo ideológico do bolsonarismo. Carvalho certamente não inaugurou a paranoia anticomunista no Brasil, mas cumpriu o papel de reciclar as velhas narrativas anticomunistas segundo as quais “os vermelhos” estavam apostando no “caminho pacífico para o poder”, como diziam os golpistas em 1964. Tal noção é um dos muitos delírios paranoicos presentes na Doutrina de Segurança Nacional, ideologia central da ditadura militar que continua a informar o pensamento militar atualizado com novas tendências do pensamento anticomunista importadas do Atlântico Norte.30 Esse conspiracionismo ganhou novos contornos na narrativa do “marxismo cultural”, e a suposta nova estratégia dos marxistas não seria mais o ataque à propriedade privada (base do capitalismo), mas “a destruição da família 30 Cf. Costa Pinto, 2019. 30 tradicional”. Essa teoria recebeu as cores do anti-gramscismo já desenvolvido na América do Sul desde os anos 198031 dando o tom no Brasil daquilo que, para o contexto estadunidense, James Hunter chamou de guerra cultural.32 A partir da publicação de textos como o livro A nova era e a revolução cultural (1994), Olavo de Carvalho penetrou nos meios conservadores elegendo Antonio Gramsci como o grande demônio do comunismo capaz de sobreviver à própria dissolução da União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS). No meio militar, esse anti-gramscismo penetrou através da própria presença de Carvalho nos espaços de formação da elite militar e também de membros desta, que ajudaram a disseminar tal teoria da conspiração do “marxismo cultural”/“revolução gramscista”. Ajudaram nessa circulação periódicos como Ombro a Ombro e livros como A revolução gramscista no Ocidente (2002), do general Sergio Coutinho.33 Isso abre caminho para uma importante particularidade da tradução brasileira de tal teoria da conspiração, que é a centralidade do revisionismo e mesmo negacionismo histórico em relação à ditadura militar na ideologia bolsonarista. O professor João Cezar de Castro Rocha tem insistido na importância que ORVIL — o livro nunca publicado, escrito por militares como resposta ao impactante relatório Brasil Nunca Mais, mas que foi vetado pelo governo Sarney, tendo uma vida subterrânea no meio da caserna e nos círculos civis da extrema direita — certamente possui na formação do que estamos chamando de ideologia bolsonarista.34 Essa narrativa subterrânea seria um testemunho da memória derrotada pelo processo de transição da ditadura para a democracia brasileira. As ideias gerais desse documento iriam reaparecer no livro do notório torturador coronel Brilhante Ustra, A verdade sufocada (2006), mas é preciso lembrar também da importância que a coleção História Oral do Exército (2003) teve na formação de oficiais das Forças Armadas durante a década de governos do Partido dos Trabalhadores. Como tem sido muito repetido, a criação da Comissão Nacional da Verdade em 2012 serviu para solidarizar o meio militar com a necessidade de campanhas 31 Cf. Bianchi; Mussi, 2019, p. 84-93. 32 Cf. Hunter, 1991. 33 Cf. Bianchi, 2019. 34 Cf. Castro Rocha, 2020. 31 mais amplas de revisionismo histórico sobre o período militar, um revisionismo cujo ponto de partida é a própria negação do caráter ditatorial do regime implantado em 1964, como já assinalamos.35 Mas é preciso notar também que, aliado a isso, determinadas políticas implementadas durante as gestões petistas, como a missão no Haiti e as recorrentes convocações das Forças Armadas para atividades de manutenção da lei e da ordem, através das operações de Garantia da Lei e da Ordem (GLO), empoderaram uma geração de generais que passaram a fazer pronunciamentos sobre a conjuntura política nacional e que hoje figuram como eminências pardas do bolsonarismo. Um caso notório é o do general Augusto Heleno, que após liderar a missão da ONU no Haiti voltou ao Brasil em 2008 e, ainda pertencendo à ativa, passou a se pronunciar sobre questões da conjuntura política, como a demarcação de terras indígenas em Roraima. Quando explicitou seu compromisso público com o bolsonarismo, durante o processo eleitoral de 2018, Heleno não era mais um desconhecido do universo político, e cabe lembrar que, tendo pertencido ao staff do general Sylvio Frota, é herdeiro da ala das Forças Armadas que se opôs ao processo de abertura política,36 bastante identificada com os agentes do porão, que protagonizaram episódios de terrorismo político por meio dos quais essa extrema direita buscou sabotar a transição para a democracia. Bolsonaro, aliás, vem dessa mesma tradição, e não deve ser surpreendente que sua carreira política tenha iniciado justamente em uma ação de terrorismo. E nesse tópico, destaca-se a afinidade eletiva da leitura da extrema direita militar e a cosmogonia de Olavo de Carvalho no campo do revisionismo histórico sobre a ditadura. Pois, na avaliação de Olavo, o grande problema da ditadura militar foi o de não ter dado a devida importância para a luta cultural, deixando o campo aberto para a esquerda se reorganizar e empreender, segundo ele, “a 35 Cf. Martins Filho, 2019; Domenici, 2019; Costa Pinto, 2019; e a entrevista do professor Renato Lemos, coordenador do Laboratório de Estudos sobre Militares na Política da UFRJ, para o canal da Carta Capital no Youtube. Disponível em: <https://bit.ly/3fNSYtq>. 36 Sylvio Frota foi ministro do Exército e conspirou contra o governo do general Geisel, fazendo agitação nos quarteis com panfletos e documentos que acusavam o general Golbery do Couto e Silva de “proteger comunistas” e de ser um “traidor da Revolução de 1964!”. Mesmo após o maior fechamento do regime, com o Pacote de Abril de 1977, a agitação contra os supostos “vermelhos” no interior das Forças Armadas persistiu, e Geisel demitiu Frota. Este tentou reagir, convocando os comandantes das Forças Armadas para derrubar Geisel, só que este já havia convocado os mesmos comandantes. Isolado, Sylvio Frota vai para a reserva. 32 aplicação da estratégia gramscista de conquista do poder”.37 De tal modo que acabam se combinando nessa síntese a normalização do Terror de Estado com o propósito de empreender uma guerra cultural capaz de eliminar a possibilidade da existência da esquerda. A própria noção de esquerda nesse discurso é um significante vazio em que cabem comunistas, socialistas, anarquistas, mas também progressistas de vários matizes, democratas e liberais à maneira estadunidense. A distopia bolsonarista refere-se a um povo brasileiro expurgado de qualquer pluralismo político, unificado em torno do culto ao líder que “tem sempre razão!”. Temos aqui o núcleo mítico da “forma palingenética do ultranacionalismo populista”; o núcleo mítico do fascismo bolsonarista e elemento explicativo para a importância que a guerra cultural possui nesse projeto. Essas práticas de doutrinação ideológica para dar cabo da guerra cultural objetivam influir no aparelho educacional, através de movimentos que atualizam a oposição secular da Igreja à escola pública criada pelo Iluminismo e pelas revoluções liberais, que retiraram dos padres o monopólio da educação das classes populares. De acordo com o historiador português Manuel Loff, esse é o cerne de movimentos como o Escola Sem Partido, cujo argumento é o de que professores de perfil doutrinador estariam dominando o sistema escolar, supostamente transformando as salas de aula “em aparelhos de criação de militantes de esquerda” (Viel, 2019). Movimentos similares são encontrados no ambiente cultural estadunidense, geralmente associados a propostas socialmente irresponsáveis, como o homeschooling, privatistas (com o sistema de vouchers) ou no limite campanhas ativas de perseguição a professores, como aquelas promovidas por David Horowitz nos Estados Unidos.38 Sobre o Escola Sem Partido, o movimento criado em 2004 pelo advogado de extrema direita Miguel Nagib — transformado pela primeira vez em projeto de lei pelo deputado estadual Flávio Bolsonaro na Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro, dez 37 Quem dera! 38 “David Horowitz é um ativista de extrema direita que tem como alvo as universidades e a indústria cinematográfica desde a década de 1980. Em 2006, Horowitz publicou um livro, The Professors [Os professores], apresentando os ‘101 professores mais perigosos da América’ (que é o subtítulo do livro), uma lista de professores esquerdistas e liberais, muitos dos quais eram defensores dos direitos palestinos. Em 2009, ele publicou outro livro, One-Party Classroom [Sala de aula totalitária], com uma lista dos ‘150 cursos mais perigosos da América’.” (Stanley, 2019, p. 31). 33 anos depois —, a iniciativa é absolutamente central na construção ideológica do bolsonarismo.39 De lá para cá, o movimento Escola Sem Partido se desenvolveu através da mobilização do fundamentalismo cristão, especialmente quando entre as teorias supostamente distribuídas nas escolas por “professores doutrinadores” apareceu e se difundiu o termo “ideologia de gênero”. Através de uma campanha que busca explicar as brutais violências sexuais contra crianças como resultados da “erotização das crianças” — algo que conjura a imagem nojenta de que seriam as crianças atores ativos na sedução de adultos nos casos do crime abominável da pedofilia —, um processo de criminalização dos professores atualizou as velhas campanhas contrárias à educação sexual e principalmente o debate sobre a diversidade sexual no ambiente escolar. Isso depois que, por exemplo, no âmbito da Igreja Católica, em razão da crise acerca da revelação de um número impressionante de casos de pedofilia envolvendo membros da hierarquia católica, o pontificado de Bento XVI tenha acabado antes da morte deste papa. Pois foi do próprio ventre da Igreja Católica que a noção de “ideologia de gênero” foi forjada, noção essa que se encontra na construção narrativa da ideologia bolsonarista como uma espécie de implementação prática do “marxismo cultural” e seu propósito diabólico de “acabar com a família tradicional”.40 É propriamente o movimento Escola Sem Partido uma das iniciativas que deram forma ao bolsonarismo como alternativa política para as massas populares, por ter sido capaz de interpelar os valores conservadores predominantes no senso comum das classes subalternas, dando uma explicação para a natureza da crise brasileira que transcende a velha narrativa de combate à corrupção mais direcionada às classes médias. Alguém pode lembrar corretamente que denúncias de corrupção sempre foram conjuradas na retórica populista dos movimentos fascistas, mas caberia ponderar que não é por acaso que foram justamente nas classes médias que os fascismos recrutaram seus militantes e foram sustentados socialmente. Essa seria uma diferença entre as experiências fascistas originárias e o fascismo bolsonarista, ainda que seja necessário lembrar que, embora 39 Cf. Penna, 2016. 40 Cf. Miguel, 2016; Moura, 2016. 34 tivesse tal relação com a classe média/pequena burguesia, o fascismo italiano perseguiu o apoio na classe trabalhadora através do corporativismo sindical e das instituições que conformavam o sistema da Opera Nazionale Dopolavoro, criada para organizar o tempo livre da classe trabalhadora na promoção de atividades recreativas, esportivas, artísticas e culturais.41 Por sua vez, o bolsonarismo parece apostar no apoio de massas oriundo das estruturas do fundamentalismo neopentecostal, reforçando o discurso moral conservador num contexto em que a aplicação da agenda neoliberal leva à desagregação social, um processo que, segundo analistas argutos, tem levado à ruptura das condições que permitiram a existência dos atuais regimes democráticos liberais nos países centrais do capitalismo.42 A mobilização bolsonarista e o culto da violência Uma característica marcante do fascismo é que se apresenta inicialmente como um movimento de oposição ao status quo, contra a classe política tradicional (acusada, via de regra, de “corrupção”), embora tenha contado com auxílio das elites políticas conservadoras, de outros agentes estatais e dos capitalistas para chegar ao poder. Daí que o alvo primordial da mobilização do fascismo seja sempre a esquerda em suas mais variadas colorações. Entretanto é preciso lembrar que também a conformação de regimes ditatoriais fascistas manteve sempre o processo de mobilização permanente, um aspecto entre outros que diferenciam os regimes de Mussolini e Hitler de outras ditaduras.43 É claro que a forma da mobilização fascista se altera nas fases em que se localiza fora do poder estatal, e a própria violência fascista, que é parte dessa mobilização, passou por processos de disciplinamento na medida em que tais movimentos se constituíram como regimes ditatoriais. 41 Cf. Togliatti, 1978, p.69-81; Melo, 2016. 42 Cf. Dardot; Laval, 2016; Brown, 2019. 43 Esse aspecto será destacado na contribuição de Leon Trotski em seus escritos sobre a situação política na Alemanha no início da década de 1930, e posteriormente por Nicos Poulantzas. Cf. Wistrich, 1976; Poulantzas, 1977. 35 No que toca esse aspecto que diferencia o fascismo de outros regimes de exceção, podemos pensar o próprio caso da ditadura militar brasileira, que foi um regime fundamentalmente desmobilizador e sem propósitos de construção de um consenso ativo, embora não tenham faltado investimentos em propaganda especialmente no período do chamado “milagre”, quando, de acordo com Carlos Nelson Coutinho, aquele regime conseguiu o consenso passivo de parte significativa da população brasileira.44 Além disso, enquanto nos regimes fascistas o monopólio do poder está no aparelho do partido centralizado pelo líder, nas ditaduras militares é uma parte do aparelho de Estado que assume o comando do governo. Com a queda dos regimes fascistas ao fim da Segunda Guerra Mundial, os partidos fascistas foram desmantelados. De modo distinto, com o fim das ditaduras militares da América do Sul, as correspondentes Forças Armadas que exerceram as ditaduras continuam como instituições essenciais dos Estados nos regimes democráticos liberais. Deste modo, embora correspondam a regimes de exceção que o Estado capitalista assumiu ao longo do século XX, fascismo e ditadura militar configuram-se de modo distinto. Há um traço, todavia, em que o regime fascista italiano e a ditadura militar brasileira se assemelham que foi a expansão do regime de acumulação fordista, com forte protagonismo estatal no processo econômico. Diferentemente da experiência chilena sob Pinochet, laboratório inicial do neoliberalismo, a ditadura militar brasileira ampliou a participação do Estado na economia, uma estratégia de acumulação capitalista diferente da opção neoliberal do bolsonarismo. Daí que, reiteramos, o revisionismo sobre a ditadura militar como “era dourada” na ideologia bolsonarista tenha papel eminentemente mítico com vistas à mobilização política, e não a proposta grotesca de replicar no século XXI os traços da última ditadura militar. Em meados de 2020, o bolsonarismo encontra-se numa fase anterior à subversão completa das instituições da República e virtual implantação de sua ditadura. Por isso, na fase em que é apenas o governo, o movimento em torno à figura de Bolsonaro precisa manter a base mobilizada contra as instituições liberais do Estado (Judiciário e Legislativo) e da sociedade civil (especialmente a mídia tradicional). Se a hipótese de fechamento do regime se confirmar (tal 44 Cf. Coutinho, 1999, p. 202 e 216-217. 36 como o caráter fascista dessa experiência histórica), podemos lançar o prognóstico de que a mobilização bolsonarista não deve cessar, antes continuaria a servir ao processo de consolidação do regime. Assim, ao contrário do ocorrido no processo de implantação da ditadura militar em 1964, a mobilização reacionária de massas não será desativada. O imaginário e toda a simbologia ligada ao período da ditadura militar, a reivindicação da memória de torturadores e do AI-5 (ou seja, a fase mais fechada da ditadura), remetem a um motivo comum da retórica fascista que é o culto à violência. Mas sabemos que o bolsonarismo transcende o mero culto e está ligado organicamente aos grupos de extermínio com grande poder de controle territorial, de exploração de atividades econômicas em bairros populares, sob a coerção terrorista de grupos formados por agentes ou ex-agentes do aparelho de segurança pública que possuem projeto de poder político: as milícias. Pois as milícias, essa forma mafiosa de crime organizado com fortes vínculos com a família Bolsonaro, têm origem no tipo de socialização promovida pelo regime militar para combater os grupos de resistência armada, trazendo os policiais envolvidos nos grupos de extermínio para montar o aparelho de repressão junto aos militares, processo cujo protótipo foi a Operação Bandeirantes em São Paulo. No Rio de Janeiro, essa ligação com os grupos de extermínio se confundiu com as relações promíscuas do aparelho de repressão com o jogo do bicho, ramo de atividade econômica que após o fim da ditadura militar se tornou um mercado atrativo para os ex-agentes da repressão. A gênese das milícias do Rio de Janeiro está nessa conexão, mas só seriam formalmente implantadas com a estrutura descrita acima nos anos 2000.45 O partido armado bolsonarista O termo milícia aqui pode gerar alguma confusão, na medida em que deve se distinguir da forma específica com a qual os movimentos fascistas trazem em sua organização política tropas de assalto, como foi o caso do squadrismo como ala do fascismo italiano, ou do Sturmabteilung do nazismo alemão, as milícias 45 Cf. Alves, 2020; Betim, 2019. 37 fascistas encarregadas de atividades paramilitares. A prisão, a tortura, o assassinato e o desaparecimento de opositores são uma marca geral dos regimes fascistas, e daí que essas sejam atividades de natureza militar encampadas por partidos armados que objetivam implantar regimes totalitários, como bem caracterizou o grande historiador do fascismo italiano Emilio Gentile.46 Se fossemos ficar no formalismo, apenas apontaríamos que o partido bolsonarista ainda não foi legalizado pela Justiça Eleitoral até o momento em que escrevemos este texto, e nossas considerações sobre a natureza fascista do programa da Aliança pelo Brasil ficariam talvez no uso do mesmo slogan do integralismo “Deus, pátria e família”. Contudo, para todos os efeitos práticos, o partido bolsonarista existe e é organizado por uma rede de aparelhos presentes na sociedade civil que difundem de forma permanente o programa do bolsonarismo nas redes sociais e mobilizam continuamente suas bases. Dos youtubers e ativistas digitais bolsonaristas, passando por organizações no meio empresarial (como o grupo Brasil 200), os setores bolsonarizados nas polícias, Forças Armadas, na base de massas de igrejas neopentecostais até chegar aos seus quadros políticos stricto sensu, o partido de Bolsonaro é uma realidade objetiva. É possível admitir que a formalização do Aliança pelo Brasil permitirá uma coordenação maior do movimento bolsonarista, mas essa parece ser uma tarefa exequível num curto prazo. A questão mais importante é o lugar que o squadrismo miliciano irá ocupar nesse partido, confirmando o viés fascista que estamos caracterizando. A gravação da famigerada reunião do governo no dia 22 de abril de 2020 revelou muito mais do que o propósito de Jair Bolsonaro intervir na Polícia Federal para impedir que investigações contra seus familiares e aliados avançassem. Revelou, além de discursos nojentos, racistas, golpistas etc., o firme vínculo que existe entre as iniciativas do Planalto em “armar a população” e criar um ambiente propício a uma guerra civil. Repetindo uma manipulação antiga, Bolsonaro afirmou que desejava armar a população para “evitar uma ditadura”, usando o termo “ditadura” para se referir às ações de isolamento social tomadas por governadores e prefeitos em observância das recomendações da Organização Mundial da Saúde (OMS) e da comunidade científica. Assim, além da evidente 46 Cf. Gentile, 1984. 38 bolsonarização dos aparelhos estaduais da Segurança Pública, Bolsonaro almeja dispersar o monopólio estatal do uso da força legítima armando grupos aliados na sociedade com propósitos evidentemente liberticidas. Mais recentemente, a bancada do Partido Socialismo e Liberdade (PSOL) na Câmara dos Deputados pediu ao Ministério Público de São Paulo uma investigação sobre a Associação Nacional de Armas, com a suspeita de se tratar de uma organização paramilitar ligada ao governo federal. Isso ocorreu depois que, em resposta a um artigo publicado no Facebook pelo advogado Almir Felitte, contrário à política de liberalização da venda de armas e munições defendida por Bolsonaro, o perfil da Associação Nacional de Armas respondeu: “Nós seremos a força de reação que irá proteger o país, apoiar o presidente e defender o Brasil das garras vermelhas, junto com as Forças Armadas.” (Alves, 2020). Digamos que essa denúncia revela um esquema muito mais perigoso do que o grupo 300 liderado por Sara Winter, ainda que possamos concluir que este tenha se dedicado mais a uma operação de agitação e propaganda da plataforma bolsonarista do que à promoção de atos de terrorismo político. Além disso, a presença de PMs e membros de outras forças policiais na militância bolsonarista é um dado fundamental. Alguns vêm se construindo como candidatos nas próximas eleições, a exemplo de Gabriel Monteiro no Rio de Janeiro, um dos muitos que estão dispostos a seguir os passos de personagens como Daniel Silveira, deputado federal do Rio de Janeiro que usa de forma regular uma retórica violenta contra a esquerda, além de protagonizar episódios de pura provocação, como a quebra de uma placa em homenagem à vereadora socialista Marielle Franco (assassinada por matadores profissionais ligados à milícia “Escritório do Crime” e muito próximos do clã Bolsonaro), a invasão de escolas, como o tradicional Colégio Pedro II no Rio de Janeiro etc. O culto da morte e da violência José Millán Astray y Terreros foi um general espanhol que exerceu enorme influência na formação intelectual de Francisco Franco, fornecendo algumas das bases intelectuais e particularmente do ideário violento presente na ditadura do generalíssimo. No início da insurreição contrarrevolucionária, ao lado 39 de Franco e de outros generais chegados da África em Sevilha, no dia 15 de agosto de 1936, quando decidiram adotar a bandeira da monarquia, Millán pronunciou violento discurso de ameaça aos partidários da Frente Popular que haviam vencido o processo eleitoral naquele ano. De acordo com o relato do historiador Paul Preston: Millán Astray, gesticulando como um homem possuído, gritou: “Não temos medo de vocês. Deixe-os vir, deixe-os vir e eles verão o que somos capazes na sombra dessa bandeira.” Ouviu-se uma voz: “Viva Millán Astray!” — “O que é isso? Não grite, viva Millán Astray. Grite comigo, com toda a força que você é capaz: Viva a morte! Viva a morte! Viva a morte! Viva a morte!” A multidão cantou a vida. Ele acrescentou: “Agora, deixe os vermelhos virem. Todos morrerão!” E ele acabou jogando seu gorro com um gesto vingativo sobre a multidão que tentou eletrizar. (Preston, 1988). Episódios semelhantes de culto da morte seriam encontrados de forma generalizada nas experiências fascistas históricas. O culto da violência e a noção de sacrifício são centrais na ideologia fascista. No ano de 1942, quando a conflagração internacional atingia uma fase aguda, Mussolini cunhou o slogan “Não me importo!”. Comentando essa passagem, o historiador argentino Federico Finchelstein escreveu: Para Mussolini, essa ação de não se importar estava relacionada à aceitação da morte e ao “purificar o sangue” como forças redentoras. Mesmo em 1942, ao considerar o futuro da nação italiana, ele não podia (ou não queria) oculta o abraço fascista da violência que a guerra de destruição nazista lhe prometeu. (Finchelstein, 2010, p. 33). Podemos dizer que além da recorrência do discurso violento contra a esquerda, discurso esse que não esconde seus objetivos exterministas, a famosa reação de Bolsonaro a uma jornalista que lhe perguntou sobre o número de mortos provocados pela epidemia da COVID-19 — “E daí? Lamento. Quer que eu faça o quê? Sou Messias, mas não faço milagre.” — esconde esse desejo de sacrifício necessário. Ainda longe da guerra civil desejada pelo projeto bolsonarista, o “E daí?” parece uma tradução na atual relação de forças da indiferença com a vida humana do “Não me importo!” de Mussolini. 40 Considerações provisórias O propósito deste texto foi o de discutir os aspectos ideológicos e organizativos do fenômeno do bolsonarismo de modo a comprovar sua natureza fascista. Valendo-se do tipo ideal elaborado pelo historiador Roger Griffin para o fascismo como uma ideologia política, buscamos apresentar a existência das variáveis do núcleo paligenético, populista e ultranacionalista, deixando claro como o viés anticomunista (variável negligenciada por Griffin) é o elemento que conecta a ideologia do bolsonarismo. Procuramos demonstrar como o revisionismo histórico dos grandes traumas da sociedade brasileira, o passado escravocrata e a ditadura militar inserem-se no programa que visa o desmonte das conquistas democráticas e a implantação de um regime de exceção de natureza fascista. Diretamente conectado a essa ideologia encontra-se a prática bolsonarista enquanto um governo que buscar dar vida a um partido armado nos moldes fascistas. Naturalmente, no estágio em que se encontra tal processo, nos cabe apenas especular sobre a possibilidade de sua execução. E nesse sentido a nossa sincera torcida é pela interrupção de tal escalada fascista por um movimento que ao mesmo tempo apresente um projeto alternativo, socialista e protagonizado pela classe trabalhadora brasileira. Por fim, cabe reconhecer que inúmeros fatores importantes não foram tratados, como os aspectos ideológicos que orientam a atual política externa de Ernesto Araújo (apenas mencionada), o programa econômico neoliberal de Paulo Guedes, a importância do patriarcado no imaginário fascista e a compatibilidade de todas essas questões com a caracterização do fascismo bolsonarista. Pretendemos desenvolver esses tópicos em trabalhos futuros. 41 REFERÊNCIAS AGAMBEN, Giorgio. Estado de exceção. São Paulo: Boitempo, 2004. ALVES, Chico. PSOL vai a MPF contra associação de tiro que agiria como “milícia política”. UOL, 16 jun. 2020. Disponível em: <https://bit.ly/3hLujaF>. ALVES, José Cláudio Souza. Dos barões ao extermínio: uma história da violência na Baixada Fluminense. 2ª ed. 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