A nova Direita e o revisionismo histórico
(Ismael Bastos)
Nos últimos anos, vem ocorrendo uma ascensão de uma nova direita no
país, dando o tom de polarização nas discussões políticas nas redes sociais,
que embora se pareça limitada a uma espécie de bolha ideológica, vem
ganhando espaço no senso comum com narrativas que começam a tocar a
superfície da vida cotidiana de algumas pessoas. Essas narrativas não mais se
limitam aos clichês propagados a partir das manifestações pró-Impeachment,
embora ainda muita gente faça grande uso das expressões: “Vai pra Cuba”;
“Vai para Venezuela”, ou os termos “petralha e esquerdopata” para se referir às
pessoas de esquerda ou simplesmente, para se referir aqueles que discordam
de seus posicionamentos nas redes sociais. Todavia, outras narrativas vêm
ganhando muito espaço e recebendo um “verniz” de fundamentação teórica,
ganhando ares de verdade.
Um dos precursores e “gurus” dessa nova direita no Brasil é o
famigerado Olavo de Carvalho, que é um astrólogo auto intitulado filósofo que
não chegou a concluir o ensino fundamental, e que hoje mora no estado da
Virgínia (EUA). Autor de diversos livros, entre eles - “O jardim das aflições”; “O
que você precisa saber para não ser um idiota”; “O imbecil coletivo”; dentre
outros - onde na maioria deles, Olavo aborda (ou tenta abordar) temas
políticos, sociais e filosóficos usando uma linguagem bastante agressiva. De lá
da Virgínia, ele também ministra cursos on line com algo que ele mesmo
classifica como filosofia e que garantiu a ele possuir hoje, uma legião de
seguidores um tanto quanto fanáticos, que costumam também utilizar os
mesmos métodos muito empregados pelo seu mestre, e esses métodos
consistem em ofender, achincalhar e agredir verbalmente pelas redes sociais a
todos aqueles que tentam confrontar suas ideias e suas colocações, além de
provocar uma espécie de “linxamento moral” às pessoas que “sonham” dizer
algo que vai contra o que ele e os seus discípulos pregam. Não raro, muitas
vezes os seguidores de Olavo, a conselho do próprio, costumam ir até as
páginas das redes sociais de supostos “comunistas” que ousam criticar o sábio
mestre.
Para Olavo de Carvalho, a sociedade ocidental corre grande perigo
através de um plano de dominação comunista que a ronda. Ele afirma que a
esquerda controla os meios de comunicação que visa a uma revolução cultural
que pretende acabar com os valores cristãos e ocidentais e impor o
comunismo. Uma dessas formas de dominação comunista é denominada
“Marxismo Cultural”, que tem entre seus principais expoentes, Antônio Gramsci,
além dos filósofos da Escola de Frankfurt. Para essa corrente “olavista”, que
baseia seus conhecimentos intelectuais em teorias da conspiração, Gramsci
pretendia criar uma estratégia de dominação comunista através da cultura, sem
apelar para revoluções armadas. Seria um processo dosado em pílulas,
visando transformar a sociedade gradativamente até chegar ao comunismo, o
que implicaria em implementar esse comunismo de forma lenta, gradual e
progressiva, em detrimento dos valores cristãos ocidentais, que aos poucos,
perderiam seus valores, podendo deixar de existir à longo prazo. Gramsci, que
de fato era um ativista político e havia sido eleito deputado pelo Partido
Comunista da Itália, foi encarcerado entre as décadas de 1920 e 1930 no
período de ascensão do regime fascista de Mussolini. Em seus anos de prisão,
Gramsci escreveu “Os Cadernos do Cárcere”, onde ele desenvolveu a ideia de
Marx sobre estrutura e superestrutura da sociedade burguesa e o respectivo
desenvolvimento do modo de produção capitalista, onde a estrutura segundo
Marx eram as bases materiais como as fábricas, os elementos produtivos e
materiais, as mercadorias e o próprio capital, ou seja, tudo aquilo que permitiria
de modo mais objetivo e material, a reprodução ampliada do capital, enquanto
que a superestrutura seria responsável pelos elementos não materiais que
permitiriam a perpetuação dos ideais desse modo de produção no seio da
sociedade, como o poder do Estado na forma das leis (ou se necessário,
usando a força bruta), assim como os meios de comunicação em massa, as
escolas, as religiões e os elementos culturais como um todo. A superestrutura
seria então, a forma mais eficaz de preservar uma ideologia dominante que se
configuraria como uma importante ferramenta de dominação ideológica de uma
elite, que nesse caso, seria a elite burguesa capitalista ocidental, onde essa
ideologia dominante formaria um todo coeso.
Todavia, os olavistas (o guru à frente) vêm difundindo no Youtube e
demais redes sociais, assim como também vêm surgindo notícias e artigos
duvidosos publicados em portais não muito confiáveis de algumas mídias
alternativas de tendências conservadoras e reacionárias, que se utilizam
muitas vezes de fake news, onde muitas vezes afirmam que a teoria de
Gramsci se pretende enquanto estratégia de dominação comunista e a
consequente destruição dos valores cristãos ocidentais, com o agravante de
afirmarem que o comunismo ainda hoje (mesmo com a queda do Muro de
Berlim em 1989 e o fim da URSS em 1991) ronda o espectro da sociedade
ocidental e que ele está por trás de grandes corporações e pessoas muito
poderosas. Não à toa, o atual ministro da educação Abraham Weintraub,
afirmou que: - “Os comunistas são o topo do país. Eles são o topo das
organizações financeiras; eles são os donos dos jornais; eles são os donos das
grandes empresas; eles são os donos dos monopólios…”1 o que equivaleria
dizer que as Organizações Globo, New York Times, BBC, Google,
Itaú,Santander, etc. são comunistas.
Dessa forma, se baseando em teorias conspiratórias que não possuem
lastro com a realidade e na base do “grito” e desprezo a um tipo de
organização social mais progressista, bem como usando do achincalhamento e
de ofensas pessoais a quem defende as respectivas pautas progressistas e
não compactuam dessas supostas teorias, Olavo de Carvalho e seus fiéis
seguidores vêm conquistando um enorme espaço nas redes sociais, sendo um
elemento de referência para a formação de movimentos políticos de extrema
direita, formando bolhas ideológicas muito semelhantes a um exército virtual,
que usando de táticas um tanto quanto beligerantes, fazem com que essas
teorias conspiratórias se tornem verdades absolutas, dificultando em certa
medida, para uma parcela da população que se informa através dessas fontes
alternativas de conhecimento, a aceitação de conteúdos e fatos históricos
consolidados, pondo em xeque o conhecimento universal, reescrevendo assim,
a História.
Não à toa, Jair Bolsonaro e seus filhos, assim como políticos de extrema
direita (boa parte deles integrantes do PSL) e uma parte de seus eleitores que
se identificam de forma aberta e direta com o presidente, afirmam que o maior
problema da educação no país está na “doutrinação marxista” e na “ideologia
1Disponível
em:
https://catracalivre.com.br/colunas/dimenstein/ministro-da-educacao-usadiscurso-nazista-para-atacar-esquerda/
de gênero”, aplicadas pelos professores em sala de aula (principalmente por
aqueles que lecionam disciplinas de ciências humanas), assim como também
afirmam que as universidades estão sendo dominadas por grande “viés
ideológico de esquerda”. Essa bizarrice ganhou espaço, não só entre as
denominadas “milícias digitais”, como também, entre figuras que agora ganham
destaque nesse atual governo.
Olavo de Carvalho indicou ministros de pastas importantes para governo
Bolsonaro, como o ministro das Relações Exteriores Ernesto Araújo, que é
funcionário de carreira do Itamaraty, que antes de se tornar ministro, era diretor
do Departamento dos Estados Unidos, Canadá e Assuntos Interamericanos.
Antes de ser nomeado, saiu uma nota sobre ele em uma matéria da revista
Carta Capital, que ele escrevia alguns artigos em seu blog pessoal chamado
Metapolítica 17, onde jamais imaginaríamos que esses escritos poderiam ser
realizados por alguém que possui uma carreira diplomática no Itamaraty, muito
menos, por alguém que seria nomeado Chanceler futuramente.
Nesse Blog, podemos encontrar coisas do tipo:
[…] a esquerda sequestrou a causa ambiental e a perverteu até
chegar ao paroxismo, nos últimos 20 anos, com a ideologia da
mudança climática, o climatismo. O climatismo juntou alguns dados
que sugeriam uma correlação do aumento de temperaturas com o
aumento da concentração de CO² na atmosfera, ignorou dados que
sugeriam o contrário, e criou um dogma “científico” que ninguém mais
pode contestar sob pena de ser excomungado da boa sociedade.2
Nesse trecho de seu artigo, o ministro afirma que a esquerda se
apropriou, como de sequestro, da causa ambiental, que é uma causa nobre, e
a perverteu no que ele chama de “climatismo” que culpa o aumento de CO² na
atmosfera pelo aquecimento global, quando na verdade, “a esquerda ignorou
dados científicos que poderiam comprovar o contrário”. Mas quais seriam
esses dados científicos que poderiam comprovar o contrário? O autor do artigo
não explica.
Mas ainda com base nessa premissa, quais seriam os dados científicos
que poderiam comprovar o contrário? O contrário seria que é o aquecimento
global é que é culpado pelas altas emissões de CO² na atmosfera? Ou será
2
https://www.metapoliticabrasil.com/blog/sequestrar-e-perverter.
que o aquecimento global acontece porque a quantidade de CO² na atmosfera
ainda não é suficiente? Ou será que ele quis dizer que não existe aquecimento
global, portanto não existe essa relação de aumento da temperatura terrestre,
onde se conclui que o aumento de emissões de CO² não influi em nada?
Deveríamos crer então que todas as conferências climáticas mundiais, órgãos
e instituições internacionais de regulação climática e acordos internacionais,
foram sequestrados e pervertidos pela esquerda? Todos aqueles que se
preocupam com questões climáticas, não importando qual o seu papel na
sociedade e em qualquer lugar do mundo, nada mais são do que esquerdistas
que sequestraram essa nobre causa pervertendo então esse conceito?
Matéria do dia 30 de maio de 2019 da Revista Veja, tratando sobre uma
audiência pública no Congresso, Ernesto Araújo afirma:
Nos Estados Unidos, foi feito um estudo sobre estações
meteorológicas, e diz que muitas estações que, nos anos 30 e 40,
ficavam no meio do mato, hoje ficam no asfalto, na beira do
estacionamento. É óbvio que aquela estação vai registrar um
aumento extraordinário da temperatura, comparado com a dos anos
50. E isso entra na média global.3
O ministro, ao trazer essa informação, ele coloca por sua base de
conhecimento, um fato do qual ninguém sabe de onde ele tirou: de que
estações meteorológicas dos EUA apresentaram recentemente um aumento na
temperatura global porque, à época em que foram instaladas, elas se situavam
em áreas verdes, e hoje, muitos desses locais foram se urbanizando, gerando
micro-climas que aumentam a temperatura de forma pontual, por conta mesmo
de que esses locais hoje possivelmente devem estar cercados de ruas,
avenidas, estradas, casas prédios, etc. Então com isso, o ministro transfere
esses aumentos de temperatura locais pontuais dessas possíveis estações
meteorológicas dos EUA para todo o globo terrestre, e ele mesmo coloca esse
fator dentro de uma média global, e com isso, ele pode nos levar a crer que
todas as estações meteorológicas do planeta se situam em áreas urbanizadas
que registram aumentos de temperaturas, e com isso, ignoramos órgãos
tradicionais de estudos climáticos nacionais e internacionais, além de
convenções climáticas mundo afora que tentam nos alertar para o fato de estar
havendo um aquecimento global.
https://veja.abril.com.br/mundo/chanceler-atribui-aumento-da-temperatura-da-terra-a-asfaltoquente/
3
O ministro também defende uma nova tese muito recorrentemente
defendida pela extrema direita: a de que o nazismo é de esquerda. Em seu
blog Metapolítica 17, Ernesto diz:
[...] o nazismo era anti-liberal e anti-conservador. A esquerda também
é antiliberal e anti-conservadora. Já a direita foi em alguns casos antiliberal (durane o Século XIX na Europa, por exemplo), em outros
casos anti-conservadora (ou pelo menos não-conservadora,
indiferente aos valores conservadores, como no caso do
neoliberalismo recente), mas nunca foi anti-liberal e anticonservadora ao mesmo tempo. Em tal sentido, o nazismo se sente
muito mais confortável no campo da esquerda do que no da direita.4
Segundo o raciocínio do ministro nesse trecho do artigo, o nazismo é
“anti-liberal e anti-conservador”, assim como a esquerda também é anti-liberal
e anti-conservadora. Ele define a esquerda simplesmente sob essa visão sem
distinguir as nuances dentro do próprio campo da esquerda e sem diferenciar o
tempo contextual da esquerda ao longo do desenvolvimento da sociedade
ocidental, desde quando surgiu essa definição e diferenciação de esquerda e
direita no espectro político, passando pelo desenvolvimento da sociedade
capitalista desde a Revolução Industrial e suas mudanças e rupturas do
modelo, a princípio, nas sociedades da Europa Central e dos Estados Unidos,
até esse modelo se homogeneizar e chegar aos países da América Latina e em
desenvolvimento. Não importa que tudo isso tenha acontecido, a esquerda é
sempre anti-liberal e anti-conservadora, e com isso, em qualquer lugar do
planeta, em qualquer modelo de sociedade mais à esquerda, ou de esquerda
propriamente dita, não importando em que tempo que se vive, e em que fase
do capitalismo estivermos, significa que ser um governo de esquerda ou
simplesmente uma pessoa ser considerada de esquerda, desde aquelas que
se consideram marxistas-leninistas, até integrantes do Partido Democrata
norte-americano, ou do Partido Trabalhista Britânico, são antes de tudo, antiliberais e anti-conservadores.
Ele também diz que “a direita já foi anti-liberal (durante o século XIX na
Europa). Com essa afirmação, ele revela que desconhece a história econômica
do mundo, pois, o modo de produção capitalista nos principais países da
Europa (principalmente Inglaterra e França) já nascem sob determinações
liberais na economia em virtude do crescimento do poder da burguesia perante
4https://www.metapoliticabrasil.com/blog/pela-alian%C3%A7a-liberal-conservadora
uma monarquia decadente. E a escola de economia clássica vem dos pilares
liberais a partir de Adam Smith, precedido por John Stuart Mill e David Ricardo.
A ascensão do liberalismo econômico foi o que permitiu que a Inglaterra se
tornasse a potência que dominaria o século XIX, seja através da geopolítica
econômica, seja através de imposição militar como aconteceu com o conflito da
China na Guerra do Ópio. O liberalismo apenas sofre uma queda, após a crise
da Bolsa de Nova Yorque em 1929, fazendo com que a maior parte das
maiores economias mundiais passassem a adotar o modelo keyenesianista.
Sobre o fato de Araújo afirmar que a direita, em alguns casos foi “anticonservadora ou “indiferente ao conservadorismo”, (não consigo saber de onde
ele tirou essa informação), parece que ele quer dizer que a certeza que ele tem
de que o nazismo é de esquerda, é que o nazismo, assim como a esquerda,
são anti-liberais e anti-conservadores, enquanto a direita, segundo ele, só pôde
ser anti-liberal ou anti-conservadora, mas nunca os dois juntos. Como a
esquerda possui as duas características que possuem o nazismo, e a direita só
pôde ter um ao longo de toda a História do Ocidente, uma dessas
características atribuídas ao nazismo, então significa que a esquerda está mais
próxima do nazismo do que a direita, ou seja, na comparação com o nazismo,
a esquerda ganha de 2X1, portanto, pode-se afirmar com toda a certeza de que
o nazismo é de esquerda.
Ao descobrir essas produções literárias e também pelas afirmações do
ministro, muitas vezes deve nos caber a pergunta se ele realmente acredita no
que diz, ou se ele tentou “surfar” na onda “bolsonarista” que estava vindo em
ascensão, uma vez, que apesar dele ainda não ter sido embaixador no
Itamaraty, sua carreira já era um pouco longa antes de ser nomeado ministro, o
que nos leva a crer que alguém com estudos suficientes para conseguir entrar
no Itamaraty e desenvolver atividades importantes como as que ele já vinha
desenvolvendo, jamais seria possível imaginar que haveria alguém com um
tipo de pensamento desses no principal órgão de política externa do país.
Em 2008, em pleno governo Lula (PT), ele defendeu uma tese no Curso
de Altos Estudos do Itamaraty para obter promoção, que possuía o título:
“Mercosul: negociações extra-regionais”5 – que ao que tudo indica, não
confrontava com a política externa do então governo petista à época,
contrastando e muito com a atual visão anti-esquerda e anti-globalista que ele
possui hoje.
Todavia, na edição 151 da Revista Piauí de abril de 2019, Consuelo
Dieguez traça um panorama da personalidade do ministro, que aparentemente
parece ser uma pessoa tímida e reservada. Ele se formou em letras antes de
ingressar no Itamaraty. Já na chancelaria, cuidava quase sempre de assuntos
ligados a economia, e que embora fosse competente nessa área de atuação,
achava essa tarefa um tanto entediante.
Sempre teve grande identificação com a literatura, chegando a escrever
três romances pela editora Alfa Ômega, com títulos nada convencionais, como
“A Porta de Mogar” (1998), “Xarab Fica” (1999) e “Quatro 3”, (2001). Abaixo, vai
um trecho deste último livro que foi reproduzido na respectiva matéria da
Revista Piauí:
O ser humano está hoje fechado num quadrilátero formado pelo
Financial Times e pelos direitos humanos, crescimento econômico e
justiça social. Hoje é impossível mandar alguém que se exploda. Não
se pode querer que os pobres vão para Ukara-lho, nem que os
empresários vão para Ukara-lho. Qualquer impulso do ser humano é
contra alguma coisa, seja do mercado, seja do capítulo social da
constituição. O ser humano é contrário aos direitos humanos.
Analisando esse trecho, podemos notar que já nessa época (2001)
durante o governo FHC, Ernesto Araújo já reivindicava certa oposição ao que
seria chamado futuramente de “politicamente correto”, que se configuraria aos
olhos de nossa direita como uma suposta ditadura denominada “ditadura do
politicamente correto” onde o ser humano perante às leis, à globalização, ao
mercado financeiro, assim como às instituições, à constituição e aos direitos e
valores sociais e humanos seria sempre reprimido, não podendo se expressar
e agir contra esses paradigmas, tendo sempre que controlar os seus impulsos,
seguindo protocolos obrigatórios para se enquadrar de forma civilizada e ser
bem aceito pela sociedade em qualquer âmbito, ou seja, as conjunturas
econômicas globais, as normas institucionais, as regras de conduta, os direitos
constitucionais e o bom senso e empatia no trato com o outro acabam por se
tornarem empecilhos à vontade instintiva do indivíduo, que segundo o ministro,
5
http://funag.gov.br/loja/index.php?route=product/product&path=71&product_id=774
essa vontade é que seria o lado verdadeiramente humano de um indivíduo
qualquer, como ele afirma nessa entrevista à sua editora após o lançamento de
seu terceiro livro denominado “Quatro 3”:
Alfa Omega: Qual é a temática que você aborda?
Ernesto Araújo: Antes de mais nada, aquilo que o escritor francês Philippe
Muray6 chama a recusa de negatividade. A idéia de que um mundo de paz e
cooperação é a maior das maravilhas. A perda da liberdade de pensar e agir
que decorre da universalização de um certo tipo de democracia. Tento opor-me
a tudo isso e afirmar um pouco a negação, defender a possibilidade de ser
contra. Porque a humanidade nasce e cresce na contradição e no confronto:
confronto com a natureza, confronto entre povos e classes, confronto entre
espírito e matéria, confronto do homem consigo mesmo, desafio à realidade.
Hoje somos cada vez menos capazes de vivenciar o confronto, e assim vamonos desumanizando.7
Nesse trecho, podemos notar que Ernesto Araújo, àquela época,
caracterizava o confronto como um elemento essencial da humanidade, ou
seja, algo necessário para a condição humana, o que podemos supor que a
administração de conflitos e negociações visando o bom convívio dos cidadãos
é um fator que elimina do homem o seu elemento essencial, o confronto. Para
ele, o homem se desumaniza à medida em que cessa a possibilidade de
conflitos. Quanto menos conflitos viver uma sociedade, menos humana ela
tende a ser. Talvez isso explique o porquê para o ministro, um presidente como
Jair Bolsonaro possa ter “caído como uma luva”, uma vez que o presidente
além de detestar seguir protocolos minimamente civilizados, também manteve
toda a sua vida não só política, como pessoal, travando inúmeros conflitos com
quem quer que seja, desde parlamentares até funcionários de órgãos do
governo e mais recentemente, com a imprensa brasileira, só que ao contrário
http://wearetime.blogspot.com/2017/01/philippe-muray-e-demolicao-do.html - Philippe Muray
foi um escritor, romancista e novelista francês de caráter conservador e reacionário que era
contrário a festividade humana do homem pós-moderno que ele alcunhou de Homo Festivus.
Também foi um grande crítico do que seria a ausência de conflitos da pós-historia, período
caracterizado pelo convívio com as diversidades existentes entre as pessoas, coisa que ele
encarava como algo negativo.
6
7
https://site.alfaomega.com.br/livros/romance/quatro-3
do ministro, ele age de forma mais despojada e sem filtros, pois do que se tem
notícias de sua trajetória política, ele jamais fez questão de impedir que seus
impulsos viessem à tona, acabando por desrespeitar qualquer norma, conduta
ou postura, além de ofender qualquer pessoa que o questionasse ou criticasse,
ou que não estivesse adequada ao seu tipo de padrão moral ou
comportamental. Com Bolsonaro na presidência, o então chanceler passa a se
sentir mais livre para mandar (mesmo de forma mais tímida) a política, a
economia, os pobres e tudo aquilo que ele não gosta ou lhe faz sentir
entediado para Ukara-lho.
Ricardo Vélez Rodrigues, nascido na Colômbia e radicado no Brasil,
obtendo cidadania brasileira em 1997 é outro que apesar de ter uma grande
formação acadêmica, obtendo título de Doutor em Filosofia pela já extinta
universidade Gama Filho no Rio de Janeiro em 1982 e ter sido professor da
Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF) também foi outro personagem do
atual governo que causou polêmicas diante de suas afirmações inéditas para a
compreensão do mundo acadêmico, e porque não dizer, do mundo real?
Vélez Rodrigues, que ao mesmo exemplo do Chanceler, além de
também ter sido indicado por Olavo de Carvalho, também gostava de escrever
artigos nada convencionais em seu blog denominado Rocinante8, coisas como
um artigo escrito em 01 abril de 2017, em que ele exalta o golpe militar de
1964, exatamente ao dia seguinte ao aniversário de 53 anos após o início do
regime. Sobre o dia 31 de março ele escreve:
Amigos, esta é uma data para lembrar e comemorar. A esquerda
pretende negá-la. Mas não pode. Porque ela foi incorporada à nossa
memória como Nação. 64, aliás, não foi fruto exógeno aos brasileiros.
As Forças Armadas foram chamadas pela sociedade civil, afim de
que corrigissem o rumo enviesado pelo que o populismo janguista
tinha feito enveredar a nau do Estado. Um populismo irresponsável
que ameaçou esgarçar o tecido social, nos conduzindo
perigosamente para o confronto civil. Era tudo o que os comunas
Não por acaso, Rocinante era o nome do cavalo de Dom Quixote de La Mancha, o cavaleiro
andante personagem fictício do escritor espanhol de fins do Século XVII Miguel Cervantes, que
dentre as grandes aventuras contidas no romance, uma delas foi a de querer atacar um
moinho-de-vento, acreditando ser uma legião de gigantes. Neste blog, logo abaixo do título, há
o seguinte slogan: “Um espaço para a defesa da liberdade, da forma incondicional em que
Dom Quixote fazia nas suas heróicas empreitadas”.
8
queriam a fim de fazer o que sempre fizeram: pescar em águas
turvas.9
Contrariando boa parte dos atores que viveram àquela época (políticos,
artistas, intelectuais, jornalistas, movimentos estudantis, operários, etc), o exministro afirma que o dia 31 de março deveria ser comemorado com grande
orgulho por toda a população brasileira, pois ela foi “incorporada à memória do
povo como nação”, ou seja, ela pôde trazer a unidade da sociedade como país,
quando na verdade, ela fortaleceu as diferenças, que nos primeiros anos do
golpe se acirraram ainda mais durante os agitados anos 1960. Com o AI-5 em
1968, houve uma grande contenção das forças contrárias ao regime nos
chamados anos de chumbo (final do governo Costa e Silva e durante todo o
período do governo Médici). Grande parte dos grupos revolucionários surgiu
nessa época. As Forças Armadas também não foram chamadas pela
sociedade civil, o que houve foi uma divisão de forças entre a esquerda e a
direita. Fato é que a tomada de poder pelas Forças Armadas teve grande apoio
especificamente da classe média, dos empresários, das entidades patronais,
de políticos de direita e fundamentalmente, da Igreja Católica, como a Marcha
Com Deus Pela Liberdade, por exemplo, em resposta ao Comício da Central
realizado pelo então presidente à época, João Goulart, que reuniu em torno de
300 mil pessoas no Centro do Rio de Janeiro no dia 13 de março de 1964,
onde havia entre os manifestantes: trabalhadores rurais e urbanos, estudantes,
políticos progressistas, etc.
Não havia no país àquela época, essa unanimidade sugerida por Vélez
Rodrigues, de que o povo clamava pela intervenção militar, pois além da
polarização clássica entre esquerda x direita, havia um laço de extremismo de
ambos os lados, e havia também, pessoas que nem sabiam o que estava
acontecendo. Portanto, essa afirmação do ex-ministro não condiz com a
realidade e de longe, toca a unanimidade do povo brasileiro.
Nesse trecho do artigo, Vélez também nega que houve ajuda externa
(leia-se, dos Estados Unidos) quando diz que “64 não foi fruto exógeno aos
brasileiros”, sendo que vários estudiosos já apontaram que houve essa prática
Disponível em: https://pensadordelamancha.blogspot.com/2017/04/31-de-marco-de-1964-epatriotico-e.html.
9
por parte das forças de segurança e inteligência norte-americanas. Luiz Alberto
Moniz Bandeira (sd) diz:
[...] a partir de 1960, a tendência das Forças Armadas para intervir
como instituição no processo político da América Latina não decorreu
apenas de fatores endógenos, inerentes aos países daquela região.
Constituiu, na verdade, muito mais um fenômeno de política
internacional continental que de política nacional argentina,
equatoriana, brasileira etc., uma vez que fora determinada, em larga
medida, pela mutação que os Estados Unidos, a partir daquela
época, promoveram na estratégia de segurança do hemisfério,
redefinindo as ameaças, com prioridade para o inimigo interno, e
difundindo, particularmente por meio da Junta Interamericana de
Defesa, as doutrinas de contrainsurreição e da ação cívica. Tanto isso
é certo que a manifestação das Forças Armadas, em princípio, visou,
sobretudo, ditar decisões diplomáticas, modificar diretrizes de política
exterior, e ocorreu geralmente nos países cujos governos se
recusavam a romper relações com Cuba. E daí o surto militarista,
com a propagação dos golpes de Estado, que tinham como principal
fonte de inspiração a Junta Interamericana de Defesa.10
Com o acirramento da Guerra Fria e a bipolarização do poder geopolítico
(EUA x URSS), principalmente, após a Revolução Cubana de 1959, as duas
superpotências buscavam conquistar influências ao redor do globo. Estando o
Brasil na América Latina, região de grande influência norte-americana, que sob
o receio de perder influência para sua rival, a União Soviética, que já havia
arrebatado a ilha caribenha de Cuba, os Estados Unidos passam então a
influenciar, incentivar e em alguns casos, até a financiar os sucessivos golpes
de Estado ocorridos na América do Sul, e como aponta Moniz Bandeira, a
intervenção militar no Brasil não se deu apenas através de fatores endógenos
como nos quer levar a crer o ex-ministro.
A gestão de Vélez Rodrigues frente ao Ministério da Educação (como
seria previsível sob qualquer perspectiva minimamente civilizada e racional) foi
um desastre: declarações estapafúrdias juntos aos órgãos de imprensa como:
“A idéia de universidade para todos não existe” [...] “As universidades devem
ficar reservadas para uma elite intelectual, que não é a mesma elite
econômica” [...] “Nada contra o Uber, mas esse cidadão poderia ter evitado
perder seis anos estudando legislação“11- (se referindo a algum cidadão que
deve ter se formado em alguma universidade e não conseguiu emprego na
https://www.unicamp.br/unicamp/sites/default/files/2017-11/1964_Visoes_critticas-dogolpe_CAP_VII.pdf
11https://revistaforum.com.br/universidades-devem-ficar-reservadas-para-uma-elite-intelectualdiz-ministro-da-educacao/
10
área, apelando para o Uber como forma de obter alguma renda para o seu
sustento e o de seus familiares).
Em uma entrevista à revista Veja de 18 de fevereiro de 2019, Vélez
Rodrigues fala da conversa com o recém-eleito presidente Jair Bolsonaro, no
momento em que este iria nomeá-lo para o Ministério da educação:
Revista Veja: Como foi a conversa (com o presidente Bolsonaro)?
Vélez Rodrigues: A primeira pergunta que me fez o presidente: “Vélez, você
tem a faca nos dentes para enfrentar o problema do marxismo no MEC?”. Eu
disse: “Presidente, é o que eu faço há trinta anos”. Eu, como professor de
universidade pública, fui marginalizado na concessão de bolsas de doutorado e
pós-doutorado. Nunca consegui uma bolsa por causa do aparelhamento do
pelos petistas.
Revista Veja: Petistas?
Vélez Rodrigues: Eles já tomavam conta do MEC desde os anos 1990.
Vélez foi então designado pelo atual presidente da República para
enfrentar o marxismo no MEC, e como o próprio ex-ministro disse, faz isso há
mais de trinta anos e que foi marginalizado na concessão de bolsas de
doutorado e pós-doutorado. Em 1994, ele criou um programa de curso de
mestrado na UFJF (Universidade Federal de Juiz de Fora), todavia, esse
programa acabou sendo descredenciado pela CAPES em 2000. Segundo
matéria da Folha de São Paulo de 11 de fevereiro de 2019:
Após três visitas, os avaliadores não recomendaram o curso. Vélez
atribui
o
fracasso
a
questões
ideológicas.
Com referenciais liberais e conservadores, o programa sofreu ao ser
avaliado por uma estrutura dominada pela esquerda, ele avalia.
Essa visão é questionada por quatro docentes que atuavam na
universidade à época, sendo dois ex-reitores. Para eles, que
preferiram não se identificar, faltava qualidade mesmo.12
Segundo a matéria da Folha de São Paulo acima, Vélez, embora tenha
passado trinta anos em universidades, tinha tido uma carreira um tanto
discreta, e atribui a sua pouca aceitação, como o programa de mestrado citado
acima, por questões ideológicas, ou seja, uma insinuação de que as
universidades estavam tomadas por viés esquerdista, e que docentes com
https://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/2019/02/discreto-na-universidade-velez-quer-servisto-como-pensador-na-educacao.shtml
12
orientações liberais e conservadoras, na visão dele, não teriam espaço devido.
Também, como pudemos ver na matéria das páginas amarelas da Veja, ele
afirma que os petistas estavam aparelhando o MEC desde os anos 1990. Para
quem viveu os anos 1990, ou conhece o mínimo de política no Brasil, desde a
redemocratização, sabe que não isso não é verdade. O governo do PT se inicia
apenas em 2003 após a vitória eleitoral de Luís Inácio Lula da Silva, ou seja,
não se tinha notícias de nomeações de cargos importantes no MEC para
integrantes do PT antes de 2003.
Como sabemos em 1990 o presidente era Fernando Collor de Mello
(àquela época no PRN – Partido da Reconstrução Nacional) e seus ministros
da educação foram: Carlos Chiarello (antigo PFL – Partido da Frente Liberal –
atual DEM); José Goldemberg, que era físico, professor universitário e
pesquisador, ou seja, foi uma indicação mais técnica e não pertencia a nenhum
partido político e por fim, Eraldo Tinoco, também do antigo PFL.
No governo Itamar Franco, o ministro da educação foi Murílio de Valar
Hingel que era do PMDB.
No governo de Fernando Henrique Cardoso, o ministro foi Paulo Renato
de Souza, um dos fundadores do PSDB (Partido da Social Democracia
Brasileira).
Como podemos ver, nem de longe houve esse aparelhamento petista do
MEC nos anos 1990, sendo os ministros desse período (1990-2002),
marcadamente de orientação política de centro-direita. Sobre a educação nos
anos 1990, Adriana Inácio Yanaguita (sd.) afirma:
[...] no Brasil, o neoliberalismo começa a ascender no início dos anos
1990, com a posse de Fernando Collor de Mello na Presidência da
República, tendo sofrido certa descontinuidade durante a Presidência
de Itamar Franco e uma aceleração na gestão do Presidente
Fernando Henrique Cardoso (FHC), principalmente no seu primeiro
mandato (1995-1998). No governo de Collor de Melo (1990-1992),
iniciou-se um período de reajustes da nação brasileira “aos ditames
da ‘nova ordem mundial’” (SILVA; MACHADO, 1998, p. 25) e o
mercado passou a regular as relações humanas e, assim, todos os
direitos dos cidadãos (tais como a saúde, a educação, a cultura, etc.).
Assim, as políticas educacionais, nesse governo, foram marcadas por
forte clientelismo, privatização e enfoques fragmentados (VELLOSO,
1992).13
Os anos 1990 foi o período de consolidação do neoliberalismo, com o
fim do socialismo real e a ascensão das economias de mercado marcando a
vitória do capitalismo. Os países da América Latina, após sofrerem a grande
crise da década de 1980, seguem as orientações do Consenso de Washington
de 1989, que visavam conceder investimentos para ajudar no desenvolvimento
desses países sob imposições de uma cartilha conservadora de ações no
campo da economia, que consistiram em sua abertura, além das privatizações,
descentralizações e as reduções de custos da máquina pública. E isso se
transferiu para todos os setores das sociedades latino-americanas, dando
forma aos projetos de liberalização em vários campos da economia e da
sociedade, reduzindo o papel do Estado, refletindo inclusive, no modelo de
gestão da educação.
Não me estenderei aqui sobre suas afirmações medonhas para não fugir
do foco a que se destina esse trabalho, e sim apenas afirmar que por conta de
sua
controversa
estadia
como
Ministro
da
Educação
recheadas
de
desencontros, demissões e falas infelizes, ele então foi demitido em 8 de abril
de 2019, sendo substituído imediatamente por Abraham Weintraub, que havia
trabalhado com Bolsonaro em sua equipe de transição de governo no período
pós eleitoral até antes da posse do presidente como secretário-executivo da
Casa Civil, pasta comandada pelo ministro do DEM (RS) Onyx Lorenzoni.
Formado em Economia pela USP e com mestrado em Administração
pela Fundação Getúlio Vargas, foi professor da UNIFESP (Universidade
Federal de São Paulo), tendo também atuado por vinte anos no mercado
financeiro, portanto, sem experiência nenhuma na área de gestão educacional.
Não foi indicado diretamente por Olavo de Carvalho, e sim, pelo seu
chefe Onyx Lorenzoni, mas como boa parte dos integrantes do governo de Jair
Bolsonaro, é um “olavista” convicto.
13
http://www.anpae.org.br/simposio2011/cdrom2011/PDFs/trabalhosCompletos/comunicacoesR
elatos/0004.pdf
Em dezembro de 2018, suas falas na Primeira Cúpula Conservadora das
Américas em Fóz do Iguaçu (PR) é de arrepiar qualquer um que conheça um
mínimo de História do país e do mundo onde junto de seu irmão, Arthur
Weintraub, explica como foi a experiência da dupla em aplicar a teoria do Olavo
de Carvalho na economia e em como eles democraticamente lidam com o
“Marxismo Cultural”. Abraham Weintraub diz:
Max Weber14 lá atrás disse: Porque que os países do norte da Europa
são mais ricos e desenvolvidos do que os países do sul da Europa?
Porque os países do norte são protestantes, e os protestantes acham
que quando você fica rico, é porque Deus está dizendo pra você que
você está fazendo a coisa certa, então ser rico é bom, e o Max Weber
falava, enquanto os países católicos seguem estritamente: Bem
Aventurado os pobres, porque é deles o Reino dos Céus. Mais fácil
um camelo passar por um buraco de uma agulha, do quê...?
Arthur Weintraub diz: - “Quando um comunista ou socialista chegar para
você com um papo froin, oin, oin, você pega ele e manda para aquele lugar.
Xinga! Faça o que o professor Olavo fala: xinga! Xinga!”
No vídeos disponíveis15 abaixo, os irmãos Weintraub centravam suas
falas na incessante ameaça comunista em todo o mundo, tanto que já dito aqui
neste trabalho, o atual ministro da educação afirmou que os comunistas são o
topo da sociedade mundial e são eles que detêm o monopólio do mercado
global.
Basicamente, o impulsionamento dessa nova direita no Brasil, (que
também nos cabe perguntar se ela realmente é um fato novo) pode ter vindo a
partir das manifestações de 2013, das quais o motivo inicial se originou em São
Paulo, através do aumento de vinte centavos nas tarifas dos ônibus, a princípio
encabeçado pelo movimento Passe Livre, que se constituía num movimento
Max Weber foi um sociólogo alemão que através de sua grande obra – “A ética protestante e
o espírito do capitalismo”, traça um paralelo entre o protestantismo ascético e o catolicismo,
onde ele expunha de maneira fria e racional que o modo de vida protestante ia ao encontro do
capitalismo moderno de meados do século XX em virtude mesmo de sua cultura religiosa, que
pregava que só uma vida de trabalho árduo e da privação de desejos poderia proporcionar uma
vida próspera, enquanto que no catolicismo, essa relação entre trabalho árduo e privação de
desejos não era uma motivação ética ou cultural tão forte ou pelo menos predominante dentro
do campo religioso católico. Daí que Weber sugeriu que a ética protestante se encaixava
melhor dentro do modelo do modo de produção capitalista, afirmando que em muitos casos, as
pessoas que eram mais prósperas materialmente dentro da estrutura do capitalismo,
normalmente eram protestantes.
15
https://www.youtube.com/watch?v=7TEgr9lOY7o,
https://www.youtube.com/watch?v=OKIN8QtpRm8
14
apartidário de esquerda. Porém, de forma espantosa, as manifestações
cresceram para todos os lados, e para todo o país, tendo grande adesão de
segmentos das classes médias dos grandes centros urbanos brasileiros,
trazendo pautas que ganharam aderência de grandes massas empunhando a
bandeira verde e amarela do Brasil, a camisa da CBF da seleção brasileira e
desejando extinguir as camisas vermelhas dos integrantes de partidos de
esquerda ou de centrais sindicais, conseguindo também, a simpatia da grande
mídia, e minando as pautas que deram origem a tudo aquilo. Cada vez mais as
pautas levantadas acabaram tendo pouca ou nenhuma relação com o motivo
inicial (que era o aumento das tarifas de ônibus). E as posições e
reivindicações de determinados grupos se chocavam com as respectivas
posições e reivindicações de outros, deixando cada vez mais claro as cisões de
visões de mundo, divisões de atitudes e pensamentos, que pareciam pouco a
pouco tornar mais difícil a conciliação de expectativas e interesses entre os
atores que participaram dessas manifestações.
Um dos grandes legados dos movimentos de junho de 2013 foi o
surgimento de diversos movimentos que na prática se auto-intitulavam
apartidários, mas foram ganhando colorações políticas de direita, culminando
em uma grande polarização da sociedade brasileira, nas complicadas eleições
presidenciais de 2014, onde a presidente Dilma Roussef (PT) ganhou essas
eleições do seu rival Aécio Neves (PSDB), por uma margem estreita de votos.
Movimentos como Vem Pra Rua, MBL (Movimento Brasil Livre) e
Endireita Brasil, foram cruciais na capitalização de movimentação das massas
contra o então governo de coalizão do PT, bem como contra os partidos de
esquerda como um todo. Foram várias as manifestações de apoio ao
Impeachment em que o apoio e mobilização desses movimentos se tornaram
peças importantes para as forças contrárias ao governo como os tradicionais
partidos de direita como o PSDB, DEM e assemelhados e até o PMDB, que até
então era o partido de aliança de qualquer governo a partir do período de
abertura democrática dos anos 1980, assim como entidades de classes
patronais como a FIESP e sem dúvida nenhuma, os grandes grupos midiáticos
do país, que capitaneados pelas Organizações Globo, mídia uniformizaram
suas pautas e publicações e engrossaram o discurso que tornava cada dia
mais possível e previsível o Impeachment de Dilma Roussef, se configurando
num bem sucedido golpe de estado constitucional, ajudando a marginalizar não
só o então governo do PT, como quase uma tentativa de criminalizar toda a
esquerda.