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  • Doutoranda em História da Filosofia Antiga na Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio), onde pesquisa as metáforas alimentícias para o discurso como objeto de desejo e fonte de prazer nos diálogos de Platão, sob orien... moreedit
Este artigo foca nas primeiras partes do discurso de Sócrates no Banquete, no qual o filósofo descreve a natureza de eros, antes de discutir seus efeitos. Propõe-se que Platão introduz ali um vocabulário específico para descrever o... more
Este artigo foca nas primeiras partes do discurso de Sócrates no Banquete, no qual o filósofo descreve a natureza de eros, antes de discutir seus efeitos. Propõe-se que Platão introduz ali um vocabulário específico para descrever o fenômeno erótico que, diferente de outras abordagens sobre o desejo amplamente dito através do corpus, substitui o modelo de preenchimento e esvaziamento (πλησμονή e κένωσις) mais característico dos chamados “apetites” (ἐπιθυμίαι). Neste diálogo, o eros socrático, intermediário por excelência, oscila entre estados fugazes de ἔνδεια, falta, e εὐπορία, inventividade, sem visar à saciedade. A primeira seção do texto se debruça sobre o vocabulário da falta estabelecido, na maior parte, durante o elenchos de Agatão (199c-201d), personagem cuja tese, apoiada na superabundância divina, é refutada pelo estabelecimento do caráter necessitado e aporético (sem-recursos) de eros. Na segunda seção, a escolha de Poro (Recurso) e Penía (Penúria) por Diotima como os genitores de eros (203b-204c) é analisada a partir dos usos relevantes destes termos na literatura precedente. É pela interação das características parentais que eros será definido como euporético ou “inventivo”. Tendo estabelecido o par endeia (aporia) x euporia – termos familiares às leitoras do corpus por sua aplicação eminentemente discursiva –, Sócrates poderá descrever a melhor atividade ou expressão do desejo erótico como a busca incessante por um lógos.
Resumo: O mito de Deméter, na maioria de suas variadas versões, apresenta um episódio em que a deusa, enlutada pelo rapto de sua filha, ri. Em geral, duas personagens são alternadamente citadas como responsáveis por esse ato que integra a... more
Resumo: O mito de Deméter, na maioria de suas variadas versões, apresenta um episódio em que a deusa, enlutada pelo rapto de sua filha, ri. Em geral, duas personagens são alternadamente citadas como responsáveis por esse ato que integra a deusa temporariamente no mundo humano: Iambe e Baubo. Seja por palavras, seja por gestos, ambas apelam para o obsceno que choca e deleita a deusa. Assim, o artigo se divide em duas seções. A primeira se dedica a analisar as duas personagens a partir dos principais documentos que as apresentam, o Hino Homérico a Deméter e o fragmento órfico 52 Kern [= 395 F Bernabé]. Em seguida, na segunda seção, será considerada a forma como esse riso mítico se traduziu em diversos festivais dedicados a Deméter na forma do riso ritual.
O objetivo geral deste artigo é interpretar o episódio dos soluços de Aristófanes (185c- e) no Banquete de Platão como exemplo do uso que o filósofo faz de tópicas cômicas para seus próprios fins, algo que tem sido objeto de inúmeros... more
O objetivo geral deste artigo é interpretar o episódio dos soluços de Aristófanes (185c- e) no Banquete de Platão como exemplo do uso que o filósofo faz de tópicas cômicas para seus próprios fins, algo que tem sido objeto de inúmeros estudos recentes. Em específico, se argumenta, a partir de elementos lexicais e dramáticos platônicos e aristofânicos, que a atribuição do fenômeno dos soluços a um “empanturramento” (πλησμονή) tem como objetivo satirizar o discurso de Pausânias e sua proposta erótico-pedagógica. Entende-se que tal plesmoné consiste em um “preenchimento por discursos” e é uma das ocasiões de aplicação, por Platão, da metáfora do discurso como um fluxo gustativo. Esta é bem estabelecida na tradição literária anterior e é especialmente manipulada pelo poeta Aristófanes para criticar oradores, políticos e sofistas. O comediógrafo, enquanto personagem e representante do seu gênero no diálogo, serve ao filósofo no projeto mais amplo de propor que a sabedoria não é um produto acabado que possa ser adquirido por meio de uma transação.
O presente artigo visa a investigar a hipótese de que a imagem usada por Aristóteles em Poética, XXI.1457b16-22, como exemplo da metáfora por analogia – a de que a taça (phialē) está para Dioniso assim como o... more
O  presente  artigo  visa  a  investigar  a  hipótese  de  que  a  imagem  usada  por  Aristóteles em Poética,  XXI.1457b16-22,  como  exemplo da  metáfora  por  analogia  –  a  de  que  a  taça (phialē) está para Dioniso assim como o escudo  (aspis)  está  para  Ares,  –  é,  na  verdade,  a cristalização de um rico imaginário pregresso, e não simplesmente a articulação casual entre duas  divindades  quaisquer  por  artefatos  característicos  antonomásticos.  Partindo  dessa hipótese,  analisamos  instâncias  do  emprego privilegiado  desta  metáfora  nas  manifesta-ções poéticas atreladas a dois contextos mar-cadamente dionisíacos, a saber, o simpósio e a  festa:  ambos  estão  ligados  ao  consumo  de vinho, e ambos são possibilitados pela ausência de guerra. Assim sendo, na primeira seção do artigo, investigamos a contraposição entre vinho  e  guerra  na  elegia  arcaica  metasimpótica. Na segunda, nos interessa o vinho como símbolo  de  trégua  militar  no  drama  ático apresentado  nas  festividades  dionisíacas,  sobretudo na comédia aristofânica.



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This paper aims to investigate the hypothesis that  the  image  used  by  Aristotle  in Poetics, XXI.1457b16-22, as an example of metaphor by  analogy  –  that  the  cup  (phialē)  is  in  re-lation  to  Dionysus  as  the  shield  (aspis)  is  to Ares, – is, in fact, the crystallization of a pre-ceding rich system of images, and not simply a casual articulation between any two divini-ties by antonomastic characteristic artifacts. By  following  this  hypothesis,  we  analyze  in-stances of the privileged employment of this metaphor  in  poetic  manifestations  linked to  two  markedly  Dionysian  contexts,  name-ly, the symposium and the festival: both are linked to the consumption of wine, and both are  made  possible  by  the  absence  of  war. Therefore,  in  the  first  section  of  this  paper, we investigate the opposition between wine and  war  in  Archaic  metasympotic  elegy.  In the  second,  we  are  interested  in  wine  as  a symbol  of  military  truce  in  the  Attic  drama presented  in  Dionysian  festivities,  especially in Aristophanic comedy.
Novaes, Julia Guerreiro de Castro Zilio; Buarque de Holanda, Luisa Severo. Sede de discursos: lógos como vinho e objeto de desejo no Banquete de Platão. Rio de Janeiro, 2023. 309p. Dissertação de Mestrado – Departamento de Filosofia,... more
Novaes, Julia Guerreiro de Castro Zilio; Buarque de Holanda, Luisa Severo.
Sede de discursos: lógos como vinho e objeto de desejo no Banquete de Platão. Rio de Janeiro, 2023. 309p. Dissertação de Mestrado – Departamento de Filosofia, Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro.

Sede de discursos propõe uma leitura do Banquete de Platão que segue como fio condutor a identificação de uma metáfora: o discurso como vinho. A hipótese consiste em postular que há um uso estratégico dessa imagem para descrever a natureza e os efeitos do discurso, lógos, enquanto objeto e modo de expressão do desejo erótico, eros. A dissertação se dedica a mapear o desenvolvimento dessa metáfora a partir de elementos dramáticos e lexicais específicos, representativos do modo como os personagens agem, interagem e se expressam na atmosfera ébria de um sympósion. Interpretado à luz desta estratégia, o Banquete emerge como um diálogo que não apenas se preocupa com as condições filosóficas de emissão e recepção de discursos, mas que dispõe também de um vocabulário teórico específico para as descrever em oposição a outras. Os valores heurístico e hermenêutico da metodologia fundada na metáfora do vinho estão, justamente, na explicitação e contextualização deste vocabulário, que opõe, simultaneamente, dois tipos de desejo e dois tipos de práxis discursiva. Tanto estes quanto aqueles são sistematizados em dois pares dicotômicos: de um lado, um paradigma apetitivo passivo-aquisitivo de preenchimento x esvaziamento (πλησμονή x κενώσις); de outro, um paradigma erótico ativo-poiético de falta x inventividade (ἔνδεια x εὐπορία). A diferença entre eles é referente à postura do sujeito desejante frente ao objeto: enquanto o primeiro consome, intro-verte, o segundo produz, extro-verte. Dito de outro modo, é a diferença entre um apetite por discursos e um eros por sabedoria.
O presente capítulo tem como ensejo uma passagem no início do Banquete (175c-e), acerca da qual se deseja defender que Platão, por um determinado uso lexical, atribui a Agatão uma concepção “apetitiva” do desejo de sabedoria — ou seja,... more
O presente capítulo tem como ensejo uma passagem no início do Banquete (175c-e), acerca da qual se deseja defender que Platão, por um determinado uso lexical, atribui a Agatão uma concepção “apetitiva” do desejo de sabedoria — ou seja, que o poeta o entenderia como um vazio a ser preenchido pelo “consumo” de discursos advindos de fonte externa. Todavia, o caminho escolhido para tal não será percorrido internamente ao Banquete, mas através do corpus platônico, de modo a evidenciar o alinhamento entre o vocabulário da passagem em questão e um uso bastante bem sedimentado do que poderia ser chamado um “vocabulário do preenchimento por fluxos”, o qual Platão empresta da tradição literária anterior. Este vocabulário é comumente empregue no corpus em vista de pelo menos três fins, que serão aqui analisados em sequência: (1), caracterizar o discurso como um fluxo sensível que preenche aquele que o ouve; (2), descrever a fisiologia do desejo, e em especial o de inflexão apetitiva — a epithymia stricto sensu —, como um preencher e esvaziar; e (3), resultante da confluência dos dois primeiros empregos, sugerir que, no corpus, o discurso é um objeto de desejo que se presta a um tipo de consumo metafórico, tal como se fosse comida ou bebida da alma.