TERCEIRA MARGEM
Leila Danziger
UFJF
A língua paterna
Todos os Nomes, todos os
Nomes
Incinerados juntos. Tanta
Cinza para abençoar. Tanta
Terra conquistada
Sobre
Os leves, tão leves
AnéisAlmas.
Chymisch, Paul Celan1
Resumo: No ensaio, a artista plástica fala de seu trabalho com os nomes próprios, em
que tenta dar corpo aos nomes de desconhecidos mortos durante a 2ª Guerra, todos com
o mesmo sobrenome judaico, o seu. Os poemas de Paul Celan são parte do trabalho e
recebem tradução visual. Ao compor livros-objetos e gravar sobre jornais, tenta realizar
visualmente as operações que o poeta realiza na língua alemã.
Palavras-chave: Poesia, gravura, objetos estéticos, memória, história judaica.
Abstract: On the essay the artist relates her work with names of unknown persons who
died during the Second World War, who had her jewish family name. The poems of Paul
Celan are visually translated into aesthetic objects.
Keywords: Poetry, etching, aesthetic, objects, memory, jewish history.
Nascida no Rio de Janeiro na década de 1960, herdei de modo curioso a
língua alemã. Não como linguagem comunicativa, destinada a criar laços com o
cotidiano e familiares, tampouco com o passado, em momentos de festas e
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comemorações. Herdei o idioma alemão como uma espécie de monumento –
opaco, estanque, supostamente desativado –, sinalizando unicamente perdas
que, mesmo estas, permaneceriam infensas à rememoração.
“Não vejo diferença de princípio entre um aperto de mão e um poema” 2,
escreveu Paul Celan em “Carta a Hans Bender”. Poemas são encontros. “Poemas
são também presentes – presentes aos atentos. Presentes que levam consigo
um destino.”3 Sem exageros, posso dizer que a poesia de Paul Celan reativou
esse monumento sonoro – a língua alemã –, misto de familiaridade e profunda
estranheza, reabilitando-me lentamente, de modo crítico, à língua paterna.
Simultaneamente, orientou a busca de realidade – o atrito do mundo – sem o
qual o trabalho em artes plásticas fecha-se em purismos ou perde-se em
virtualidades.
Em “Discurso de Bremen”, Celan evoca sua paisagem de origem, o lugar
natal dos contos hassídicos, trazidos para o idioma alemão – sob inspiração da
visada romântica – por Martin Buber. Originário da Mitteleuropa como Kafka e
Canetti, Celan nunca foi cidadão alemão. Mesmo a política de extermínio e a
violência manifesta na linguagem administrativa do Terceiro Reich (repleta de
perífrases e eufemismos) foram incapazes de fazê-lo abandonar a língua materna.
Reconhecendo o caráter degradado da língua alemã e negando-se simplesmente
a não mais pronunciá-la, como foi o caso do filósofo Vladimir Jankélévitch,
Celan afirma o esforço daquele que “vai à língua com seu ser ferido de realidade
e em busca de realidade.”4 A complexa adesão à língua alemã é afirmada de
modo radical:
Alcançável, próximo e não-perdido permaneceu em meio às perdas
este único: a língua. Ela, a língua, permaneceu não-perdida, sim, apesar
de tudo. Mas ela teve de atravessar as suas próprias ausências de
resposta, atravessar um emudecer, atravessar os milhares de terrores
e o discurso que traz a morte. Ela atravessou e não deu nenhuma
palavra para aquilo que ocorreu; mas atravessou este ocorrido.
Atravessou e pôde novamente sair “enriquecida” por tudo aquilo.5
Comecei a ler Celan em traduções francesas, tentando confrontar-me ao
texto em alemão, procurando suas vias de acesso, como os pronomes pessoais
Ich /Du e os inúmeros nomes próprios: Marianne, Sulamith, Ruth, Brest, Bretagne,
Mandelstam. Estes efetivamente rompiam a opacidade do poema em alemão,
possibilitando a sentença de Vilém Flusser: “O nome próprio, incrustado dentro
do verso como um diamante dentro do minério, cintila.”
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O pensamento de Flusser estabelece continuidade com a filosofia da
linguagem de Walter Benjamin, para quem a essência da linguagem é o nome
próprio – “ponto em que a linguagem humana atinge a mais íntima participação
na infinitude divina da palavra pura e simples, o ponto em que não pode tornarse palavra finita nem conhecimento”. 6 O nome, fechando-se ao caráter
instrumental, não comunicando nada além de si mesmo, é a dimensão criadora
da linguagem. Também Flusser afirma em “A Dúvida”:
Os nomes próprios são tirados do caos do vir-a-ser para serem postos
para cá (hergestellt), isto é, para serem postos para dentro do
intelecto. Tirar para por para cá se chama, em grego, poiein. Aquele
que tira para propor, aquele que “produz”, portanto, é o poietés. A
atividade do chamar, a atividade que resulta em nomes próprios, é
portanto, a atividade da intuição poética. (...) Os nomes próprios são
produto da poesia.7
O apelo ao nome é constante na poesia de Celan. Em “Conversa na Montanha”
– cena crepuscular em que “o sol, e não apenas ele, tinha se posto”8 –, o judeu
atravessa a paisagem possuindo apenas um bordão e “seu nome, o indizível”
(“sein Name, der unaussprechliche”). Mas até mesmo seu estranho nome de judeu
– bem único, marca de alteridade – está condenado – como todo o universo ao
qual pertence – ao desaparecimento, ou em termos mais exatos, ao extermínio.
“Chymisch”, poema do livro Die Niemandsrose, tem início com a evocação
de um sacrifício – “Silêncio, como ouro cozido,/ em mãos/ carbonizadas” – e
prossegue pela queima de nomes. “Todos os Nomes, todos os/ Nomes/ Incinerados
juntos. Tanta/ Cinza para abençoar. Tanta/ Terra conquistada/ Sobre/ Os leves,
tão leves/ Anéis-/Almas.”
Este, entre tantos outros poemas de Celan, adquiriram ainda mais sentido
quando encontrei, em 1994, o Livro da Memória da Comunidade Judaico-alemã,
a listagem dos judeus alemães assassinados nos Lager. Encontrar meu nome de
família impresso dezenas de vezes fez com que o percebesse de modo particular.
Deu-lhe peso, densidade e um particular senso de responsabilidade.
Aos poucos comecei a conviver com estes nomes, lê-los, relê-los de modo
a dar-lhes inicialmente vida na memória, repeti-los como uma espécie de litania.
A quase total ausência de nomes considerados tipicamente judaicos parece
testemunhar a certeza tranqüila na cidadania alemã, adquirida ao cabo de um
longo processo.
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Quis dar materialidade aos nomes, resgatá-los da morte anônima, serial,
desumana, expressa pela repetição da palavra “verschollen” (desaparecido), destino
da maioria dos deportados. Desaparecido significa assassinado, carbonizado,
transformado em fumaça, disperso no ar: “Ninguém nos molda de novo da terra e
do barro,/ ninguém evoca nosso pó./ Ninguém./ Louvado sejas, Ninguém”.9
As gravuras e livros-objetos que integram a série Nomes próprios buscam
conceder nova materialidade aos nomes das vítimas, reinscrevê-los no tempo e
no espaço, dar-lhes aquilo que perderam: corpo. Mas a única corporeidade
possível a estes que foram um dia plenos de vida e densidade é a forma da
ausência. O trabalho instala-se justamente na tentativa de fazer pulsar a
ausência, potencializá-la, atestar a atualidade dos nomes nos quais se inscreve
o trágico desfecho do amálgama judaico-alemão, produto ainda do universalismo
e tolerância iluministas.
No texto “Proust et les noms”, Roland Barthes afirma que
o nome próprio é um signo, e não um simples indício que designaria
sem significar (...). Como o signo, o nome próprio se oferece a um
deciframento: ele é ao mesmo tempo um “meio” (no sentido biológico
do termo), no qual é preciso mergulhar, banhando-se indefinidamente
em todos os devaneios que ele traz, e um objeto precioso, comprimido,
embalsamado, que é preciso abrir como uma flor.10
Recusado o lirismo da citação de Barthes, terrivelmente deslocado em
relação aos nomes dos judeus assassinados, ainda podemos aceitar a sugestão
de neles imergir como num “meio”, mergulhando-se assim em camadas de história
– a densidade que faz pulsar esses corpos de ausências: os nomes dos deportados.
Nas cinco colunas que organizam as milhares de páginas do Livro da Memória
da Comunidade Judaico-alemã pulsa o final de uma era da história européia.
Como explica Hannah Arendt, “um dos aspectos mais fascinantes da história
judaica é o fato de que os judeus tomaram parte ativa na história européia
precisamente porque eram um elemento inter-europeu e não nacional, em um
mundo onde só as nações existiam ou estavam a ponto de nascer.”11 Também no
verbete “juif” da Encyclopédie de Diderot e D’Alembert, os judeus figuram como
elemento de ligação e equilíbrio entre as nações.
Trabalhar com meu próprio sobrenome – os 76 Danziger encontrados nas
páginas 241 e 242 do Livro da Memória – significa questionar a força de atração,
o poder latente da ausência. Como dar materialidade ao que lentamente e em
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segredo escava concavidades? Ausências constitutivas, organizadoras, operantes.
Ao contrário de países europeus, onde possuir sobrenome estrangeiro pulsa,
significa, e claro, segrega, em nosso país podemos nos chamar como quisermos.
Sobrenomes de origem não lusitana conferem certo prestígio abstrato, mas não
chegam propriamente a significar. O que aconteceu com os nomes dos índios e
dos negros trazidos como escravos? Foram apagados pelo batismo, desapareceram
sob o nome dos senhores de engenho. Nomes não nos aprisionam, tampouco nos
liberam. Na verdade, levitamos num tecido histórico frágil e incipiente, que
nos deixa vulneráveis à construção de identidades oficiais e postiças.
Trabalhar com meu próprio sobrenome significa um esforço de sentido em
meio ao que se apresenta, ilusoriamente, como “liberdade absoluta”. Nunca é
demais relembrar Adorno: “(...) a liberdade absoluta na arte, sempre liberdade
em um particular, funciona em contradição com o estado perene de não-liberdade
no todo.”12 Aparentemente podemos tanto realizar qualquer coisa no campo da
arte, quanto possuir toda e qualquer identidade, absorvida na grande geléia
geral brasileira. Mas o que é capaz de gerar sentido?
Considero os nomes próprios densos núcleos de sentido. Em sua soberania;
os nomes resistem à manipulação, recusam a tornar-se coisas, os nomes são
como rostos: (...) “os nomes de pessoas, cuja “afirmação” significa um rosto –
os nomes próprios no meio de todos esses nomes e lugares comuns – não resistem
à dissolução do sentido e não nos ajudam a falar?”13
Para Emmanuel Lévinas, o rosto é inviolável. Os olhos, inteiramente
desprotegidos, são a parte mais nua do corpo humano, oferecem contudo
resistência absoluta à posse, resistência absoluta onde se inscreve a tentação
do assassinato: a tentação de uma negação absoluta. “Essa tentação do
assassinato e essa impossibilidade do assassinato constituem a própria visão
do rosto.” Ver um rosto significa ouvir de imediato: “Não matarás.”14
A lista de nomes com os 76 Danziger surgiu como num encontro marcado
– imediato apelo ao testemunho. O trabalho é permeado pelo desejo de refletir
a própria estrutura da memória: instável, formada por sedimentos, surpreendida
por falhas, irrupções abruptas e obscuridades. De cada um dos nomes foram
feitas, em fotogravura, matrizes de metal. Os nomes são acompanhados das
sumárias informações presentes na lista: a cidade e a data de nascimento, a
data da morte (ou, como na maior parte dos casos, a menção desaparecido) e
o campo de concentração onde foram assassinados. As matrizes foram impressas
em papel impregnado por óleo de linhaça e grafite. As gravuras expostas
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formam uma superfície compacta de 400 x 220 cm. Nem pedra nem bronze, os
nomes ganham corpo em camadas de papel, material particularmente sensível à
passagem do tempo.15
Transformada em work in progress, à série Nomes próprios acrescentaramse livros que, despojados de função explicitamente comunicativa, enfatizam o
aspecto sensível dos materiais. Cada um destes livros-objetos parte de um
documento (texto, artigo de jornal e fotografia) e pretende conferir-lhe – pela
gravura, dentre outras operações – nova materialidade. A necessidade de reverter
o caráter volátil que as imagens adquirem nos meios de comunicação de massa
é o que me faz acentuar os dois pólos do trabalho em gravura: por um lado a
elaboração da matriz e por outro a de suportes sensíveis à recepção da imagem
gravada. De caráter interminável, os livros parecem sempre à espera de mais um
gesto de acréscimo ou subtração. Entregues ao contato e ao manuseio, são
organismos vivos, desejosos de tempo e transformações. Construindo-se em
camadas, parecem dotados de poder de absorção, voltando-se sobre si mesmos.
Alimentam-se, não obstante, de mundo e de história, conjugam interior e exterior,
público e privado, pessoal e coletivo.
A expansão dos livros continuou nas mesas de madeira, que de meros
suportes passaram a ser investidas como obras. Como se um poderoso processo
de erosão tivesse decomposto os livros que não existem apenas sobre as mesas
e, sim, delas se apoderando e interferindo em sua estrutura. A poética de Celan
no horizonte: “Na longa mesa do tempo/ embebedam-se os cântaros de Deus/
Eles esvaziam os olhos de quem vê e os olhos de quem não.” 16
Convivo com a poesia de Paul Celan desde 1987. Se o idioma pouco a pouco
perdeu a opacidade, a poesia, claro, resiste a entregar-se. Tenho seguido o
conselho dado pelo poeta a Israel Chalfen, quando este pediu-lhe que
interpretasse um poema: “Leia! Continuamente apenas leia, a compreensão vem
por si mesma.” 17. Também respeito imensamente Gadamer, ao advertir sobre os
perigos de interpretações exaustivas. Uma interpretação é correta apenas quando
termina por se apagar, sendo completamente integrada a uma nova experiência
do poema. À pergunta – “O que deve saber o leitor de Celan?” – responde o
filósofo: ele deve saber tanto quanto possa suportar. Deve saber o que seu
ouvido poético seja capaz de ouvir sem ensurdecer. Freqüentemente será bem
pouco, mas será melhor que se souber em excesso.18
Celan foi a associação imediata face aos acontecimentos do mês de
setembro.19 “Oh quand refleuriront oh roses vos septembres?” A frase, presente
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no poema “Huhediblu” está mesmo em francês no original alemão. “Huhediblu” é
escrito numa linguagem desarticulada, fraturada em pequenas unidades, sílabas
que se tornam independentes das palavras e se reorganizam em configurações
surpreendentes. Na desarticulação desconcertante que domina o poema, o verso
em francês surpreende ao fim e ao cabo por sua integridade.
Fiz um grande carimbo deste verso e marquei jornais de setembro, outubro,
novembro... Jornais apagados, literalmente “descascados” com fita adesiva,
esvaziados de sua função comunicativa. Jornal, ou melhor, journal, espécie de
diário, mas de caráter público, sem revelações de ordem íntima, apenas
estruturado pelas marcas das informações suprimidas e a pergunta do poeta:
florescerá ainda a capacidade mesma de florescer? – pois em “Olho do tempo”20
são os mortos que brotam e florescem.
Ao longo de um ano passado na Alemanha, conservei certa quantidade de
jornais que vão sendo aqui desfeitos, metodicamente apagados. Nesta operação,
a integridade da página é mantida e o que permanece é uma pele fina e
transparente, uma matéria frágil, fugaz, sensível à ação da luz, desafiadoramente
mundana. A informação persiste no avesso do jornal, murmúrios de um mundo
midiático que pretende refazer-se a cada dia. Substituo a linguagem da informação
pela dicção balbuciante do poeta que em “Tübingen, Janeiro”, poema-referência
aos anos de isolamento de Hölderlin, sugere que a língua da atualidade seria um
contínuo gaguejar. “Viesse/ viesse uma pessoa/ viesse uma pessoa ao mundo,
hoje, com/ a barba de luz dos/ patriarcas: ela poderia/ falasse ela deste /tempo,
ela/ poderia/ apenas gaguejar e gaguejar/ continuamente/ Pallaksch. Pallaksch.”
Nur lallen und lallen (apenas gaguejar e gaguejar) soa como o aprendizado
da fala pela criança. Desde o início impressionou-me em Celan certa sintaxe
balbuciante, ciranda, “ritournelle”: Krauseminze, Minze, krause; Mandelbaum/
Trandelmaum. Como linguagem da dor – fragmentada e afásica – creio que Celan
recupera algo do “som vivo” da língua alemã. Pois não era justamente este “som
vivo” que Gerschon Scholen tanto admirava na tradução alemã da Bíblia, trabalho
realizado ao longo de décadas por Martin Buber? Quando a tradução teve início
havia um judaísmo alemão e a língua alemã traduzida por Buber era marcada
pela vivacidade. Ao ser concluído, o trabalho perdera seu significado maior, o
de ser um presente do judaísmo alemão aos alemães, Tornara-se inversamente
“o epitáfio de um relacionamento que extinguiu-se em horror indescritível.”21
Em texto da década de 1960, Gerschon Scholem finaliza a saudação à tradução
de Buber com a constatação:
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Os judeus para quem os senhores traduziram não mais existem. Seus
filhos, que escaparam deste horror, não mais lerão o alemão. (...) Para
muitos de nós, o som vivo que os senhores procuravam evocar na
língua alemã desvaneceu-se, surgirá alguém para recuperá-lo?22
Ao continuar a escrever poesia na língua marcada pelas milhares de trevas de
discursos que trazem a morte (“die tausend Finsternisse todbringenderRede”), Celan
restitui-lhe certa humanidade e a devolve – “enriquecida”, em toda a complexidade
do termo – aos judeus e aos alemães, sejam eles europeus, turcos, africanos, ou
ainda todos aqueles que audaciosamente reivindicam a língua alemã para si mesmos.
Em um poema de Atemwende, Celan fala de “nossos nomes” modelados de
miolo de pão: “De suas migalhas/ você modela de novo nossos nomes” (“Aus seiner
Krume/ knetest du neu unsre Namen,)23. Fascinante neste poema, dentre outros
aspectos, é a materialidade e a plasticidade do Nome. Se é inevitável, lembra
Gadamer, a associação com a passagem do Gênesis, sem contar ressonâncias com o
misticismo judaico24, cabe ressaltar que os nomes são feitos, não de barro, mas de
pão, já produto do trabalho humano. No poema, a tarefa de nomear constitui-se
numa operação material e concreta. Trata-se aqui do nome próprio, aquilo que
nos é concedido ao nascer, mas que deverá ser construído ao longo da vida, informado, modelado e remodelado, numa tarefa certamente infindável. Num projeto
mais amplo, gostaria justamente de dar forma, de realizar no Real estético as
operações impossíveis que as imagens poéticas de Celan verbalmente constroem.
Leila Danzinger é artista plástica, professora da UFJF e doutora em História da
Cultura pela PUC-Rio.
NOTAS
1
Alle die Namen, alle die mit-/ Verbrannten/Namen. Soviel/ Zu segnende Asche. Soviel/
Gewonnenes Land/ Über/ Den leichten, so leichten/ Seelen-/ Ringen. Celan, Paul. Chymisch
in: “Die Niemandsrose”: Ausgewählte Gedichte, Frankfurt: Suhrkamp, p.80. Sempre que
possível, utilizei as traduções de Paul Celan realizadas por Vera Lins (“Conversa na
Montanha”, Revista Inimigo Rumor nº 8, Rio de Janeiro, 2000, pp. 66-68.), Cláudia
Cavalcanti (“Cristal”, SP: Iluminuras, 1999) e Márcio Seligmann-Silva (“A história como
trauma” in Catástrofe e Representação, Seligmann.-Silva e Nestrovski (orgs.). SP: Escuta,
2000, pp. 73-98.). Precisei contudo fazer traduções dos poemas de Celan cujas versões
para o português desconheço, ressaltando contudo que não sou tradutora.
CELAN, Paul. “Carta a Hans Bender”, in Cristal, seleção e tradução de Cláudia Cavalcanti,
SP: Iluminuras, 1999, p. 166.
2
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3
Idem, p. 166.
4
CELAN, Paul. “Bremens Rede” in: Ausgewählte Gedichte, Frankfurt: Suhrkamp, p. 129.
CELAN, Paul. “Bremens Rede”, tradução de Marcio Seligmann-Silva, in Catástrofe e
Representação, SP: Escuta, 2000, pp. 94-95.
5
BENJAMIN, Walter. “Sobre a linguagem em geral e sobre a linguagem humana” in: Sobre
arte, técnica, linguagem e política, Lisboa: Relógio d’Água, 1992, p. 187.
6
7
FLUSSER, Vilém. A Dúvida. RJ: Relume-Dumará, 1999, p. 65.
CELAN, Paul. “Conversa na montanha”, tradução de Vera Lins. Revista Inimigo Rumor nº
8, Rio de Janeiro, 2000, p. 66.
8
9
10
CELAN, Paul. “Salmo” in: Cristal, seleção e trad. Cláudia Cavalcanti. op. cit. p. 95.
BARTHES, Roland. Le degré zero de l’écriture. Paris: Ed. du Seuil, p. 125.
ARENDT, Hannah. Les origines du Totalitarisme – Sur l’antisemitisme. Paris: Ed. du
Seuil, p. 62.
11
“Denn die absolute Freiheit in der Kunst, stets noch einem Partikularen, gerät in
Widerspruch zum perennierenden Stande von Unfreiheit im Ganzen.” Adorno, Theodor.
Ästhetische Theorie, Frankfurt: Suhrkamp, 2000, p. 9.
12
13
LÉVINAS, Emmanuel. Noms propres. Paris: Fata Morgana, 1976. p. 9.
14
LÉVINAS, Emmanuel. Difficile liberté. Paris: Albin Michel, 1976, p. 21.
15
Limitei a série de gravuras em três edições, que possuem contudo diferenças.
Die Krüge. Tradução Cláudia Cavalcanti. op. cit. p. 41.
16
17
CHALFEN, Israel. Paul Celan. Eine Biographie seiner Jugend. Frankfurt: Suhrkamp, 1983,
p. 7.
GADAMER, Hans-Georg. Qui suis-je Qui est-tu? Commentaire de Cristaux de Souffle de
Paul Celan. Paris: Actes Sud, 1987, postface.
18
19
Refiro-me aos atentados do 11 de setembro de 2001.
“(...) es wird warm in der Welt/ und die Toten/ knospen und blühen.” Celan, Paul., in De
seuil en seuil/ Von Schelle zu Schwelle. Paris: Christian Bourgois Ed., p. 88.
20
21
SCHOLEM, Gerschon. O Golem, Benjamin, Buber e outros justos. Judaica I . SP: Ed.
Perspectiva, 1994, p. 45.
22
Idem, p. 45
23
“Von ungeträumten geätzt”, Celan, Paul. In: Gadamer. op. cit. p. 24.
24
Idem, p. 26.
125