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Academia.eduAcademia.edu
doi: http://dx.doi.org/10.5007/1984-8412.2021.e75669 TRAÇO DE PONTUALIDADE EM VERBOS COM MORFOLOGIA PROGRESSIVA NO INGLÊS: (IN)COMPATIBILIDADES RASGO DE PUNTUALIDAD EN VERBOS CON MORFOLOGÍA PROGRESIVA EN INGLÉS: (IN)COMPATIBILIDADES PUNCTUALITY TRACE IN VERBS WITH PROGRESSIVE MORPHOLOGY IN ENGLISH: (IN)COMPATIBILITIES Adriana Leitão Martins ∗ Matheus Gomes Alves ∗∗ Universidade Federal do Rio de Janeiro RESUMO: Objetivam-se nesta pesquisa investigar as leituras aspectuais desencadeadas pelo emprego da morfologia progressiva em verbos pontuais classificados como de achievement no inglês americano e britânico, identificar contextos que as favorecem e analisar restrições para a interação entre o traço de pontualidade e a morfologia progressiva. A hipótese adotada é de que, quando esses verbos são empregados com morfologia progressiva no inglês, somente três leituras aspectuais emergem: continuidade, incoatividade e iteratividade. A metodologia consiste no emprego de um teste linguístico e na análise de fala espontânea extraída de dois corpora. Os dados revelaram seis leituras aspectuais desencadeadas quando os verbos investigados foram combinados com a morfologia progressiva: continuidade, incoatividade, iteratividade, prospecção, habitualidade e terminação. A hipótese apresentada foi refutada. Argumenta-se que o traço de pontualidade é restringido quando verbos de achievement com morfologia progressiva desencadeiam as leituras de continuidade, incoatividade e terminação. PALAVRAS-CHAVE: Pontualidade. Morfologia progressiva. Inglês americano. Inglês britânico. RESUMEN: El objetivo de este trabajo investigar las lecturas aspectuales resultantes del uso de la morfología progresiva en verbos puntuales de achievement en inglés estadounidense y británico, identificar los contextos que las favorecen y analizar las restricciones de la interacción entre el rasgo de puntualidad y la morfología progresiva. Se adopta la hipótesis de que cuando se usan esos verbos con morfología progresiva en inglés solamente surgen tres lecturas: continuidad, incoatividad e iteratividad. La metodología ∗ Professora Associada do Departamento de Linguística e Filologia, do Programa de Pós-Graduação em Linguística e do Mestrado Profissional em Letras da Universidade Federal do Rio de Janeiro. E-mail: adrianaleitao@letras.ufrj.br. ∗∗ Mestrando em Linguística pelo Programa de Pós-Graduação em Linguística da Universidade Federal do Rio de Janeiro. E-mail: matheus.ling@letras.ufrj.br. 6623 consiste en la aplicación de una prueba lingüística y en el análisis del habla espontánea de dos corpora. Los resultados indicaron que el uso de la morfología progresiva en esos verbos condujo a seis posibles lecturas: continuidad, incoatividad, iteratividad, prospección, habitualidad y terminación. Así se refutó la hipótesis del estudio. Se argumenta que el rasgo de puntualidad es restringido cuando los verbos de achievement con morfología progresiva desencadenan las lecturas de continuidad, incoatividad y terminación. PALABRAS CLAVE: Puntualidad. Morfología progresiva. Inglés estadounidense. Inglés británico. ABSTRACT: This research is aimed at investigating the aspectual readings triggered by the employment of progressive morphology in punctual verbs classified as achievement ones in American and British English, identifying the contexts which favor them and acknowledging restrictions for the interplay between the trace of punctuality and progressivity. It is hypothesized that only the aspectual readings of continuity, inchoation and iterativity are triggered by the employment of the progressive morphology in these verbs. The methodology consists of the application of a linguistic test and in the analysis of spontaneous speech of two corpora. Evidence shows that there are six aspectual readings triggered by the employment of the progressive morphology in the investigated verbs: continuity, inchoation, iterativity, prospection, habituality and termination. Hence, our hypothesis was refuted. It is argued that the trace of punctuality is restricted when achievement verbs with the progressive morphology trigger the readings of continuity, inchoation and termination. KEYWORDS: Punctuality. Progressive morphology. American English. British English. 1 INTRODUÇÃO O presente trabalho 1 se fundamenta no escopo da corrente gerativista de estudos linguísticos. Tal corrente objetiva estudar a linguagem por meio de uma abordagem formal e a considera como efeito de uma dotação inata da biologia humana (CHOMSKY, 1988). Uma vez que se adota o enquadramento teórico gerativista neste trabalho, não apenas se busca contribuir para o entendimento da estrutura do conhecimento linguístico humano, como também para a compreensão de como o sistema linguístico é utilizado. A categoria linguística de aspecto está no escopo do conhecimento linguístico humano. Segundo Comrie (1976), aspecto refere-se a diferentes maneiras de conceber a estrutura temporal interna de uma situação. A categoria de aspecto é tradicionalmente dividida em dois subtipos, a saber: aspecto gramatical e aspecto inerente (ou Aktionsart). Neste trabalho, entende-se aspecto gramatical como aquele que pode ser realizado nas línguas por meio de morfologia verbal, partículas e advérbios aspectuais de caráter funcional, enquanto aspecto inerente é entendido como aquele promovido pela semântica interna aos itens lexicais que compõem uma sentença e é derivado da interação entre eles. O aspecto gramatical pode ser subdivido em dois tipos: perfectivo e imperfectivo. Este divide-se em habitual e contínuo. O aspecto imperfectivo habitual remete a um evento ordinário a determinado momento de referência, construído com base em uma certa frequência de ocorrência (OLIVEIRA, 2003). O aspecto imperfectivo contínuo traduz um evento simultâneo a determinado momento de referência e pode ser expresso por meio de morfologia progressiva 2 (COMRIE, 1976). A morfologia progressiva, em línguas como o inglês, o português, o espanhol e o italiano, por exemplo, é constituída pela perífrase formada por verbo auxiliar seguido de verbo principal no gerúndio. 1 Este artigo é derivado do trabalho de conclusão de curso de Alves (2019), orientado pela professora Adriana Leitão Martins. 2 Comrie (1976, p.25-26; p.102-103) entende o progressivo e o não progressivo ora como categorias semânticas distintas, ora como morfologias distintas. Neste trabalho, entende-se que estes são diferentes morfologias, que podem veicular tanto o aspecto imperfectivo contínuo (como em “João está cantando”/ “João canta agora”) quanto o aspecto imperfectivo habitual (como em “João está trabalhando no mercado todos os dias”/ “João trabalha no mercado todos os dias”). Martins & Alves | Traço de pontualidade em verbos com morfologia progressiva no inglês... 6624 No que se refere ao aspecto inerente, afirma-se que uma de suas formas de veiculação se dá pela composição dos predicados verbais. Vendler (1967), analisando os predicados da língua inglesa, propõe quatro tipos de verbos. Neste trabalho, os verbos de achievement, caracterizados como pontuais, estão sob escrutínio. O traço aspectual semântico de pontualidade caracteriza verbos que remetem a situações sem duração temporal interna, contrapondo-se ao traço aspectual semântico de duratividade. Verbos como to recognize (‘reconhecer’), to lose (something) (‘perder algo’), to find (something) (‘encontrar algo’) e to win (‘ganhar’) são classificados como pontuais de achievement, de acordo com Smith (1991) e Celce-Murcia & Larsen-Freeman (1999). Como proposto por Comrie (1976), uma situação descrita como pontual, por definição, carece de estrutura interna, e, portanto, o traço de pontualidade e a imperfectividade são prototipicamente incompatíveis. Dowty (1979) e Piñón (1997) consideram que, na língua inglesa, alguns verbos classificados como pontuais podem se combinar com a morfologia progressiva e repensam a definição de pontualidade. Celce-Murcia & Larsen-Freeman (1999) advogam que é possível a combinação de verbos classificados como pontuais com a morfologia progressiva na língua inglesa, mas não apresentam uma consideração acerca da manutenção ou não do traço de pontualidade dos verbos nessa combinação. Além disso, estas autoras apontam a emergência de três leituras na combinação da morfologia progressiva com verbos classificados como pontuais, a saber: de continuidade, de incoatividade e de iteratividade. É importante salientar que se adota neste estudo uma diferenciação entre o traço de pontualidade, enquanto informação aspectual referente ao item lexical, e verbos classificados como pontuais. Adota-se tal diferenciação por se considerar que alguns verbos classificados hodiernamente como pontuais na literatura de aspecto inerente possam, a depender da leitura aspectual emergente da sentença, não conter o traço de pontualidade marcado positivamente, como é argumentado na seção 6 deste artigo. Essa é a razão pela qual, neste trabalho, os verbos investigados com a morfologia progressiva são referidos como “verbos classificados como pontuais”. Frente a tal quadro, o objetivo geral desta pesquisa é contribuir para a caracterização dos verbos pontuais de achievement. Os objetivos específicos são: a) investigar a emergência de leituras aspectuais desencadeadas pelo emprego da morfologia progressiva em verbos classificados como pontuais de achievement no inglês americano e britânico, b) analisar contextos sintático-semânticos que favorecem o desencadeamento de diferentes leituras aspectuais a partir do uso da morfologia progressiva nesses verbos no inglês americano e britânico, e c) analisar restrições para a interação entre o traço de pontualidade do verbo e a morfologia progressiva no inglês americano e britânico. A hipótese é de que, quando verbos classificados como pontuais de achievement são empregados com morfologia progressiva no inglês americano e britânico, somente três leituras aspectuais podem emergir: a de continuidade, a de incoatividade e a de iteratividade. A metodologia deste trabalho consiste no emprego de um teste de julgamento de felicidade aplicado a falantes nativos de inglês americano e de inglês britânico. Além disso, realiza-se a análise de fala espontânea de falantes nativos de inglês americano e britânico extraída do Santa Barbara Corpus of Spoken American English e do British National Corpus. Este artigo é dividido em sete seções. Na segunda seção, há a discussão acerca do aspecto gramatical, da morfologia progressiva e de classes adverbiais aspectuais. Na terceira, é abordada a relação entre o aspecto inerente e o traço de pontualidade, juntamente com a discussão acerca da realização de verbos classificados como pontuais de achievement empregados com morfologia progressiva. Na quarta, são apresentados detalhes da metodologia adotada. Na quinta, há a apresentação dos resultados. Na sexta, é promovida uma discussão dos resultados. Na última seção, são apresentadas algumas considerações finais acerca do estudo. 2 ASPECTO GRAMATICAL E A MORFOLOGIA PROGRESSIVA Como apontado anteriormente, a categoria linguística de aspecto refere-se a diferentes maneiras de conceber a estrutura temporal interna de uma situação (COMRIE, 1976). Embora esteja relacionada nas línguas naturais à noção de tempo, a categoria de aspecto apresenta informações concernentes à constituição de uma situação que promovem o escrutínio das diferentes características que Forum lingüístic., Florianópolis, v.18, n. 3, p.6622-6644, jul./set.2021. 6625 subjazem a temporalidade interna de determinado evento. Nos exemplos a seguir, ambas as sentenças estão no tempo passado, mas se diferenciam no que concerne à informação aspectual em jogo: (1) John sang. (“João cantou.”) (2) John was singing. (“João estava cantando.”) Como já mencionado, tais sentenças compartilham a mesma informação temporal, referente à localização da ação de “cantar” no passado. Contudo, elas divergem em relação à informação aspectual, que, nesse caso, é realizada por morfologias distintas. O aspecto gramatical 3 remete à informação aspectual que pode ser veiculada por meio da morfologia verbal. Ao tratar de aspecto gramatical, Comrie (1976) diferencia o aspecto perfectivo do aspecto imperfectivo. Enquanto o perfectivo ressalta a composição temporal interna da situação como um todo, o imperfectivo implica na visualização de alguma fase interna que compõe uma situação. Essa distinção aspectual entre perfectivo e imperfectivo pode ser ilustrada nas sentenças (1) e (2) apresentadas. Em (1), a ação de “cantar” é descrita como um momento no tempo fechado, que não possibilita a visualização dessa situação em diferentes fases. Diferentemente, em (2), a descrição da ação de “cantar” possibilita a visualização de uma fase que compõe a situação em questão, proporcionando a emergência de uma leitura aspectual de continuidade. Logo, a leitura aspectual da sentença (1) é perfectiva, ao passo que aquela da sentença (2) é imperfectiva. Comrie (1976) divide o aspecto imperfectivo em duas subcategorias, a saber: imperfectivo habitual e imperfectivo contínuo. O aspecto imperfectivo habitual remete à enunciação de uma situação que é concebida como um hábito, ou comportamento ordinário, em um momento. O aspecto imperfectivo contínuo evidencia a descrição de uma situação que ocorre simultaneamente a algum momento de referência. As sentenças a seguir exemplificam, respectivamente, tais descrições: (3) John used to/would play guitar. (“João costumava tocar violão.”) (4) John was playing guitar. (“João estava tocando violão.”) As sentenças (3) e (4) compartilham a localização da ação de “tocar violão” no tempo passado e a possibilidade de se observar alguma fase interna que constitua tal situação. Contudo, em (3), a construção perifrástica used to/would play 4 (‘costumava tocar’) instancia a informação aspectual de habitualidade por meio dos auxiliares used to ou would, possibilitando a leitura de que a ação de tocar violão era ordinária a um determinado momento. Já em (4), a construção perifrástica was playing (‘estava tocando’) instancia a informação aspectual de continuidade entre a ação de “tocar violão” e o momento de referência. Frente a isso, a informação aspectual presente na sentença (3) remete ao imperfectivo habitual e aquela presente na sentença (4), ao imperfectivo contínuo. Como já mencionado, a informação aspectual de continuidade pode ser expressa linguisticamente de diferentes maneiras. Assim, Comrie (1976) considera que o aspecto imperfectivo contínuo pode ser expresso por meio de morfologia progressiva ou de morfologia não-progressiva, como se pode observar, respectivamente, nas sentenças abaixo: 3 Comrie (1976) emprega a terminologia “aspecto gramatical” por ele ser realizado por elementos de caráter gramatical, o que, neste artigo, é interpretado como uma realização de âmbito sintático. Tal interpretação é ancorada em estudos que assumem informações aspectuais como traços capazes de projetar nódulos funcionais, como é abordado mais adiante nesta seção. 4 Tais auxiliares possuem usos diferentes quando são empregados para denotar uma habitualidade (FOLEY; HALL, 2003; CELCE-MURCIA;LARSEN-FREEMAN, 1999). O primeiro auxiliar pode ser empregado com verbos de diferentes tipos (estado, atividade, accomplishment e achievement), ao passo que o segundo auxiliar não pode ser empregado com verbos de estado. A diferenciação entre os tipos de verbo é abordada na seção 3. Martins & Alves | Traço de pontualidade em verbos com morfologia progressiva no inglês... 6626 (5) Mary is singing. (“Maria está cantando.”) (6) Mary sings now. (“Maria canta agora.”) Na sentença (5), o aspecto imperfectivo contínuo é veiculado por meio da perífrase is singing (‘está cantando’). Já em (6), tal aspecto se apresenta por meio da morfologia verbal e do sintagma adverbial adjungido ao sintagma verbal. Embora ambas as sentenças estabeleçam a relação de simultaneidade com o mesmo momento de referência, estas se diferenciam na forma como veiculam tal noção. Advérbios, bem como outros elementos sintáticos, contribuem para a veiculação de informações aspectuais nas línguas humanas. Tal consideração se coaduna às observações de Verkuyl (1973) acerca do caráter composicional das informações aspectuais, instanciado pelo fato de que tais informações advêm não apenas da morfologia verbal, como também de outros elementos da constelação verbal (SMITH, 1991). Lamiroy (1987), em seu estudo sobre a complementação de verbos aspectuais (tais como “começar”, “continuar”, “terminar”, entre outros) em francês, também destaca o papel de advérbios e expressões adverbiais ao considerar que alguns verbos que expressam estados (por exemplo, “saber”) não podem ser complementos de verbos aspectuais. Logo, segundo a autora, em francês, sentenças como “*João começou a saber disso” não seriam gramaticais. Contudo, quando um advérbio ou expressão adverbial é empregado, tal agramaticalidade não ocorre, como se pode observar em “João começou a saber que sua esposa o traía enquanto escrevia sua tese”. Sendo assim, advérbios, além de contribuírem diretamente para a veiculação de informações aspectuais nas sentenças, possuem um importante papel de coerção aspectual em exemplos como esse, em que um verbo estativo é licenciado em contexto de complemento de verbos aspectuais, segundo a autora, por conta da expressão adverbial seguinte. Para o escopo deste artigo, é importante ainda considerar estudos acerca da representação estrutural da sentença que abordem advérbios e informações relacionadas ao aspecto gramatical, que podem ser instanciadas por meio de traços. Pode-se citar, por exemplo, autores como Koopman & Sportiche (1991) e Bok-Bennema (2001), que propõem a inserção de um nódulo aspectual na camada funcional 5. Além dessas autoras, Cinque (1999) também propõe a existência de diversos nódulos aspectuais na camada funcional, apresentando uma hierarquia universal desses nódulos. Tal autor aponta a existência de nódulos aspectuais específicos em que advérbios são alocados na posição de especificador para instanciarem informações de caráter funcional, como habitualidade e continuidade. Sendo assim, neste trabalho, emprega-se a terminologia aspecto gramatical pelo fato de este ser realizado nas línguas naturais morfossintaticamente e ser representado estruturalmente por projeções funcionais que abrigam traços aspectuais de natureza sintática. A hierarquia proposta por Cinque (1999) e refinada em Cinque (2006), na qual se destacam as projeções aspectuais e possíveis advérbios alocados em seus especificadores, pode ser observada em (7) a seguir. (7) Hierarquia Linear Universal francamente Modo Ato de fala> [surpreendentemente Modo Mirativo> [felizmente Modo Avaliativo > [evidentemente Modo Evidencial > [provavelmente Modalidade Epistêmica > [uma vez T Passado > [então T Futuro > [talvez Modo Irrealis > [necessariamente Modalidade Necessidade > [possivelmente Modalidade Possibilidade > [normalmente Asp Habitual > [finalmente Asp Tardivo > [tendencialmente Asp Predisposicional > [novamente Asp Repetitivo(I) > [frequentemente Asp Frequentativo(I) > [de/com gosto Modalidade Volitiva > [rapidamente Asp Acelerativo(I) > [já T Anterior > [não ... mais Asp 5 Desde, pelo menos, Chomsky (1986), há a postulação de três camadas básicas para a derivação de sentenças de uma língua: a camada lexical, a camada flexional e a camada complementizadora. Na camada lexical (ou espaço do vP), são estabelecidas, por exemplo, as relações temáticas dos constituintes oracionais. Na camada flexional (ou espaço do IP), informações de natureza temporal e de concordância são codificadas. Finalmente, na camada complementizadora (ou espaço do CP), estabelece-se, por exemplo, a interface entre a composição sintática e peculiaridades discursivas. Assume-se que a camada funcional seja aquela que abarca as camadas flexional e complementizadora, opondo-se à camada lexical. Para detalhamentos acerca do refinamento de projeções nucleadas por traços que anteriormente eram propostos nos nódulos vP, IP e CP, consulte Belletti (2004), Pollock (1989), Cinque (1999, 2004, 2006, 2010) e Rizzi (1997). Forum lingüístic., Florianópolis, v.18, n. 3, p.6622-6644, jul./set.2021. 6627 Terminativo > [ainda Asp Continuativo > [sempre Asp Contínuo > [apenas Asp Retrospectivo > [(dentro) em breve Asp Aproximativo > [brevemente Asp Durativo > [(?) Asp Genérico/Progressivo [quase Asp Prospectivo > [repentinamente Asp Incoativo(I) > [obrigatoriamente Modo Obrigação > [à toa Asp Frustrativo > [(?) Asp Conativo > [completamente Asp SingCompletivo(I) > [tudo Asp PlurCompletivo > [bem Voz > [cedo Asp Acelerativo(II) > [do nada Asp Incoativo(II) > [de novo Asp Repetitivo(II) > [frequentemente AspFrequentativo(II) > ... 6 A fim de ilustrar o papel dos advérbios na veiculação de informações aspectuais nas línguas humanas, apresenta-se como relevante para este estudo a análise do sintagma AsphabitualP. Segundo Cinque (1999), os casos em que o aspecto habitual é tipicamente veiculado são aqueles em que o advérbio usually (frequentemente) pode ser utilizado. Juntamente com esse, advérbios como habitually (habitualmente), customarily (costumeiramente), generally (geralmente) e regularly (regularmente), que estariam alocados em Spec de AsphabitualP, são utilizados para veicular a informação de habitualidade, como podemos observar no exemplo (8) do italiano abaixo, retirado de Cinque (1999, p.91): (8) Mario è di solito spesso costretto a rimanere a casa. (“Mario é geralmente obrigado a ficar em casa.”) Como se observa na sentença (8), há a emergência da informação aspectual de habitualidade, ancorada na expressão adverbial di solito (geralmente). Como afirma Cinque (1999), nesses casos, o verbo movimenta-se e checa o traço de habitualidade no núcleo do sintagma AsphabitualP. Outros sintagmas propostos por Cinque (1999) também relevantes para este estudo são AspterminativeP e AspprospectiveP. O traço de prospecção que nucleia este sintagma descreve um ponto antes do início de um evento, enquanto o traço de terminação que nucleia aquele sintagma descreve o fim de um evento. No que se refere a AspprospectiveP, Cinque (1999) considera que advérbios como almost (quase), nearly (por pouco) e imminently (eminentemente) no inglês e seus análogos em outras línguas ocupam a posição de especificador de tal sintagma. Nesse caso, em exemplos como (9), retirado de Cinque (1999, p.99), o verbo lexical se move do núcleo V e checa o traço de prospecção no núcleo de AspprospectiveP: (9) Gianni has almost died. (“Gianni quase morreu”.) No que concerne a AspterminativeP, Cinque (1999) afirma que expressões adverbiais como no longer (não mais) no inglês e seus análogos em outras línguas ocupam a posição de especificador desse sintagma. Assim, em exemplos como (10), retirado de Cinque (1999, p.95), o verbo lexical se move do núcleo V e checa o traço de terminação no núcleo de AspterminativeP: (10) Gianni no longer reaches de summit. (“Gianni não alcança mais o cume”.) Em Cinque (2010) e Tescari Neto (2013), a partir de desdobramentos da proposta anterior (CINQUE, 1999), um modelo mais refinado de derivação sintática é apresentado. Sendo assim, em uma sentença como John is almost breaking the windows (“João está quase quebrando as janelas”), a partir da descrição da assimetria direito-esquerda 7, de Cinque (2010), o primeiro constituinte a ser 6 Versão em português extraída de Forero Pataquiva (2020, p.30, grifo nosso). 7 Em Cinque (2010), assume-se que os constituintes presentes na numeração seriam soldados à esquerda de V. Há distintos movimentos sintagmáticos (movemento sem pied-piping, com pied-piping do tipo whose-picture, com pied-piping do tipo pictures-of-whom) promoveriam, assim, diferentes linearizações nas línguas Martins & Alves | Traço de pontualidade em verbos com morfologia progressiva no inglês... 6628 soldado seria o predicador verbal to break (“alcançar”). Posteriormente, haveria soldagem do DP tema “the windows”, à esquerda do VP, no especificador de uma projeção ThemeP. Insere-se uma projeção XP que receberá o VP the windows breaking em seu especificador. Insere-se, assim, uma projeção AgentP, em que é soldado, em seu especificador, o DP agente John, linearizando John the windows breaking. Solda-se outro núcleo, cujo especificador é local de pouso do VP, linearizando the windows breaking John. Finalmente, uma projeção CaseAccusativeP seria inserida e receberia em seu especificador o DP tema extraído the windows. Inserese outra projeção que receberá em seu especificador a projeção XP, linearizando breaking John the windows. Adiciona-se uma projeção NomCaseP cujo especificador é local de pouso do DP agente John, linearizando John breaking the windows. Insere-se, ainda, outra projeção que receberá o verbo e o objeto, breaking the windows, em seu especificador, linearizando breaking the windows John. Posteriormente, haveria movimento do VP breaking the windows para a projeção mais baixa, no caso AspprogressiveP, checando o traço de progressividade. Haveria, ainda, inserção da projeção AspprospectiveP, que receberia em seu especificador o VP breaking the windows. Insere-se uma projeção AdvprospectiveP, na qual, em seu especificador, é soldado o advérbio almost. Sobre auxiliares, em Cinque (1999, 2004), bem como em Tescari Neto (2013), assume-se que esses não possuiriam uma posição fixa de soldagem. Auxiliares entrariam na derivação no núcleo da projeção funcional correspondente a seu significado. Sendo assim, o auxiliar is poderia ser soldado, por exemplo, em núcleo de Tanterior, carregando o traço [-passado] 8. Finalmente, subextrai-se o sujeito John, por meio de uma projeção SubjP, que o alocará em seu especificador, linearizando, após, sucessivos movimentos, John is almost breaking the windows. Nesta seção, discutimos a conceituação do aspecto gramatical e sua relação com estruturas adverbiais e com a morfologia progressiva. Na próxima, são tecidas considerações relacionadas ao aspecto inerente, em especial, à pontualidade e à classificação de verbos como pontuais. 3 ASPECTO INERENTE E O TRAÇO DE PONTUALIDADE O aspecto inerente 9 pode ser definido como a informação aspectual relacionada à semântica interna dos itens lexicais que compõem uma sentença. Para melhor se compreender tal conceituação, toma-se como exemplo a sentença (1), repetida abaixo como (11), em que o núcleo do sintagma verbal pressupõe uma atividade processual que necessariamente demanda um gasto de energia por parte do argumento externo. No contexto da sentença (11), o argumento externo selecionado pelo verbo em questão deve ser necessariamente [+agentivo]. Percebe-se, portanto, que a informação aspectual instanciada pelo predicador verbal to sing (‘cantar’) em (11) também pode ser analisada de um ponto de vista semântico. (11) John sang. (“João cantou”) humanas. Em tal proposta assimétrica, propõe-se ainda a seguinte ordem de soldagem de DPs na derivação à esquerda do núcleo V: DP tempo > DP localização > ... > DP instrumento > ... > DP maneira > ... > DP agente > ... > DP objetivo > DP tema > Núcleo V. 8 Uma outra proposta possível seria a soldagem de is no núcleo de Aspgeneric/progressiveP, por causa de sua natureza não genérica e, posteriormente, a subida do auxiliar para núcleo de Tanterior, por conta de sua natureza não passada. 9 O termo “aspecto inerente”, empregado por Comrie (1976), denota o que alguns autores chamam de “aspecto lexical” (ROTHSTEIN, 2008) ou “aspecto de situação” (SMITH, 1991). Forum lingüístic., Florianópolis, v.18, n. 3, p.6622-6644, jul./set.2021. 6629 Vendler (1967) 10 propôs uma classificação de quatro tipos de predicados verbais em língua inglesa, a saber: estados, atividades, achievements e accomplishments 11. Neste artigo, os verbos de achievement são analisados. Segundo Vendler (1967), tais predicados verbos denotam situações que são inerentemente pontuais, ou seja, que não possuem uma complexa constituição temporal interna. Tal consideração pode ser ilustrada por meio da seguinte sentença: (12) Mary found her keys. (“Maria achou suas chaves.”) Na sentença (12), o verbo to find (‘achar’) remete a uma situação inerentemente pontual que não possui fases internas. Por mais que se possa expressar linguisticamente uma construção como “Maria demorou três horas para achar suas chaves”, a experiência de finalmente “achar as chaves” ocorre em apenas um ponto no tempo, não comprometendo, assim, a definição preteritamente exposta. Segundo Dowty (1979), verbos de achievement podem ser interpretados como verbos que denotam mudança única de estado. Analisando os contextos morfossintáticos em que tal tipo de verbo ocorre, propõe-se a divisão dos verbos de achievement em duas classes diferentes, a saber: achievements agentivos e achievements não-agentivos. Tal proposição se fundamenta na capacidade de predicadores verbais selecionarem argumentos externos com papel-θ de agente ou de experienciador, por exemplo. Dowty (1979) argumenta que tal capacidade de seleção influencia na ocorrência de alguns verbos de achievement em sentenças imperativas na língua inglesa, sendo licenciado o uso de imperativo com verbos pontuais apenas de natureza agentiva. Baseado nessa proposição, verbos como to realize (‘perceber’) e to recognize (‘reconhecer’) seriam pontuais não-agentivos, ao passo que verbos como to kill (‘matar’) e to point out (‘apontar’) seriam pontuais agentivos, como ilustram, respectivamente, os exemplos (13) e (14) abaixo: (13) John realized his mistakes. (“João percebeu seus erros.”) (14) John killed Peter. (“João matou Pedro.”) Na sentença (13), o argumento externo é [-agentivo], uma vez que não se é possível conceber João como o agente da situação mental e abstrata de perceber algo. Contrastivamente, em (14), o argumento externo é [+agentivo], uma vez que João é concebido como agente do evento concreto de eliminar a vida de alguém. A sentença (13) não poderia figurar no modo imperativo pela razão apresentada, diferindo-se em termos de comportamento sintático da sentença (14). Analisando com mais atenção a caracterização dos tipos de verbo propostos por Vendler (1967), pode-se considerar que estes instanciam traços aspectuais semânticos ordinários aos itens lexicais de uma sentença. Frente a isso, Comrie (1976) apresenta três pares de oposições aspectuais semânticas presentes nas línguas humanas, a saber: pontualidade e duratividade, estatividade e dinamicidade e, finalmente, telicidade e atelicidade. Pontualidade diferencia-se de duratividade em relação à duração de um evento. Um evento pontual, por definição, não possui uma constituição temporal interna complexa, não perdurando no tempo. Em oposição, um evento durativo necessariamente perdura no tempo. Neste trabalho, assume-se pontualidade enquanto um traço aspectual semântico que é especificado a partir da informação aspectual estabelecida composicionalmente na sentença, de modo que sua especificação leva em consideração não apenas a semântica interna ao próprio predicador verbal, como também a constelação verbal. 10 Convém ressaltar que Vendler (1967) não afirma diretamente que essas distintas classes de predicados verbais traduzem o que se chama hodiernamente de aspecto inerente. Ainda sobre Vendler (1967), vale ainda pontuar que, para diferenciar essas classes, o autor emprega um conjunto de testes, como a verificação da compatibilidade dos verbos com a morfologia progressiva e com certos adjuntos adverbiais. 11 Neste trabalho, o nome original em inglês é utilizado para se referir a esses dois últimos tipos de verbo. Martins & Alves | Traço de pontualidade em verbos com morfologia progressiva no inglês... 6630 No que concerne à oposição entre estatividade e dinamicidade, pode-se afirmar que tal diferenciação emerge da demanda de um gasto de energia para o desenvolvimento da situação descrita. Enquanto um evento estativo não exige um gasto de energia para desenvolver-se, um evento dinâmico pressupõe tal fluxo de energia. Em relação à oposição telicidade e atelicidade, pode-se afirmar que um evento télico, por natureza, exige a demarcação linguística de um ponto final inerente ao evento, que seria sua culminação ou seu telos (BASSO, 2011), ao passo que um evento atélico não demanda tal ponto final. À vista disso, Smith (1991) propõe uma nova classificação de tipos de verbo, baseada em traços inspirados nas oposições aspectuais semânticas preteritamente expostas. Em tal classificação, a autora adiciona a classe de verbos semelfactivos, que denotam “eventos de apenas um estágio que ocorrem rapidamente e que não apontam para um resultado” (SMITH, 1991, p.29, tradução nossa). No quadro abaixo, adaptado de Smith (1991, p.20), os dois tipos de verbo em que o traço de pontualidade é marcado positivamente são destacados: Pontualidade Estatividade Telicidade Achievements [+] [-] [+] Semelfactivos [+] [-] [-] Quadro 1: Especificação dos traços nos verbos de achievement e semelfactivos Fonte: Adaptado de Smith (1991, p.20) Como se pode observar, verbos de achievement são pontuais, dinâmicos e télicos, ou seja, além de fazerem referência a situações que não perduram no tempo, instanciam processos que apontam para um ponto final inerente, como se observa em to reach the summit (‘alcançar o cume’). Para Smith (1991), verbos semelfactivos são pontuais, dinâmicos e atélicos, ou seja, além de fazerem referência a situações instantâneas, instanciam processos que não apontam para um ponto final específico, como se observa em to knock at the door (‘bater à porta’). Neste trabalho, optamos por investigar apenas verbos tidos como pontuais que tenham sido classificados na literatura enquanto verbos de achievement, como desenvolvido no parágrafo a seguir. Ainda sobre verbos de achievement, Rothstein (2004), ao analisar expressões adverbiais de molde “em x tempo” e “por x tempo”, considera que, enquanto a primeira combina-se apenas com eventos télicos (achievements e accomplishments, por exemplo), a segunda combina-se apenas com eventos atélicos (atividades e estados, por exemplo). Sendo assim, uma sentença como “*João amou Ana em um minuto” não seria possível, pois há emprego de um predicador verbal atélico de natureza homogênea com uma expressão adverbial reveladora de telicidade. Uma sentença como “*João alcançou o cume por 2 horas” não seria possível, pois há emprego de um predicador verbal télico com uma expressão reveladora de atelicidade. Contudo, Basso (2011) considera que, quando “em x tempo” combina-se com um evento atélico, há leitura de prospecção, como se observa em “João dança em 10 minutos”. Além disso, quando verbos durativos realizados com morfologia imperfectiva combinam-se com “em x tempo”, há disparo de uma leitura de hábito, de genericidade ou, ainda, de capacidade, como em “João está correndo em 5 horas”. Kiss Katalin (2011), baseada em Smith (1991), apresenta alguns testes sintáticos para diferenciar verbos de achievement de verbos semelfactivos em inglês e húngaro. O primeiro teste consiste na testagem do licenciamento de construções modificadoras deverbais que sejam oriundas desses verbos. Segundo a autora, verbos de achievement podem ser empregados como modificadores adjetivais, como se observa em the dead convict (‘o condenado morto’), ao passo que verbos semelfactivos não podem ser empregados como modificadores adjetivais, como se constata em *the flashed light (‘a luz piscada’). Essa possibilidade de emprego em construções modificadoras adjetivais dos verbos de achievement se dá pela especificação positiva do traço de telicidade nesses verbos. Outro teste consiste na aferição do disparo de uma única leitura possível, a leitura de incoatividade, quando verbos semelfactivos são empregados com advérbios celerativos, como quickly (‘rapidamente’) ou slowly (‘vagarosamente’). Sendo assim, uma sentença como John is slowly coughing (‘João vagarosamente está tossindo’) só poderia, em inglês, disparar uma leitura de incoatividade, ao passo que uma sentença com um verbo de achievement e com esse advérbio poderia disparar diferentes leituras. Forum lingüístic., Florianópolis, v.18, n. 3, p.6622-6644, jul./set.2021. 6631 Com base nas classificações de tipos de verbo e de traços semânticos já expostas, autores como Comrie (1976), Smith (1991) e CelceMurcia & Larsen-Freeman (1999) apresentam alguns verbos que, no inglês, são classificados como achievements. Observam-se, no quadro abaixo, exemplos de verbos listados por cada um desses autores com suas respectivas traduções: Autores Verbos classificados como achievements Comrie (1976) To reach (‘alcançar’), to slap (‘bater’), to cough (‘tossir’), to die (‘morrer’). Smith (1991) To leave (‘deixar’), to recognize (‘reconhecer’), to win (‘ganhar’), to reach (‘alcançar’), to find (‘encontrar’), to shatter (‘despedaçar’), to break (‘quebrar’), to arrive (‘chegar’), to lose (‘perder’), to tear (‘rasgar/perfurar’), to start (‘começar’), to finish (‘terminar’), to define (‘definir’), to explode (‘explodir’), to hit (‘atingir’), to miss (‘perder’). Celce-Murcia & Larsen-Freeman (1999) To recognize (‘reconhecer’), to realize (‘perceber’), to find (‘encontrar’), to lose (‘perder’), to win (‘ganhar’), to nod (‘acenar com cabeça’), to land (‘aterrissar’). Quadro 2: Verbos de achievement segundo Comrie (1976), Smith (1991) e Celce-Murcia & Larsen-Freeman (1999) Fonte: Elaboração própria Em relação à caracterização de verbos pontuais, Comrie (1976) argumenta que uma situação pontual, ontologicamente, não possui uma estruturação temporal interna e que, portanto, é incompatível com a noção de imperfectividade. Logo, frente a tal incompatibilidade, um verbo de achievement não poderia expressar o aspecto imperfectivo contínuo de forma progressiva ou de forma não-progressiva. Ainda acerca da possibilidade de combinação entre imperfectividade e pontualidade, Dowty (1979) argumenta que verbos de achievement ou pontuais podem figurar no progressivo e Piñon (1997) afirma que, quando tais verbos ocorrem no progressivo, há sempre uma mudança imprevisível de significado inicialmente a ser instanciado pelo sintagma verbal. No que concerne às leituras aspectuais que podem emergir pelo uso da morfologia progressiva nos verbos classificados como pontuais de achievement, CelceMurcia & Larsen-Freeman (1999) apontam a emergência de três leituras, a saber: de iteratividade, de incoatividade e de continuidade. Pode-se observar nos exemplos abaixo, retirados de Celce-Murcia & Larsen-Freeman (1999, p.120), a emergência de tais leituras: (15) He is nodding his head in agreement. (“Ele está balançando a cabeça em concordância.”) (16) Joe is realizing his mistake. (“Joe está percebendo seu erro.”) (17) The plane is landing right on schedule. (“O avião está aterrissando como programado.”) Na sentença (15), há uma realização do verbo to nod (‘balançar’) por meio da morfologia progressiva, o que possibilita a interpretação da existência de várias fases sucessivas que são idênticas em natureza ao evento considerado, possibilitando, assim, a leitura iterativa. Na sentença (16), observa-se, de semelhante forma, uma realização do verbo to realize (‘perceber’) por meio da morfologia progressiva, o que dispara a leitura de incoatividade, uma vez que a situação de ‘perceber um erro’ está sendo focalizada em sua parte inicial. Na sentença (17), constata-se igualmente a realização do verbo to land (‘aterrissar’) por meio da morfologia progressiva, o que desencadeia a emergência da leitura de continuidade, enfática ao meio da situação considerada, promovendo a criação de fases internas a um evento inicialmente tomado como pontual. Martins & Alves | Traço de pontualidade em verbos com morfologia progressiva no inglês... 6632 A proposta de emergência apenas das leituras de iteratividade, de incoatividade e de continuidade feita por Celce-Murcia & LarsenFreeman (1999) motiva a hipótese de pesquisa adotada neste artigo, segundo a qual somente essas três leituras aspectuais podem emergir quando verbos classificados como pontuais de achievement são empregados com morfologia progressiva no inglês americano e britânico. 4 METODOLOGIA A metodologia empregada divide-se em duas partes, a saber: teste de julgamento de felicidade 12 e análise de fala espontânea. O teste de julgamento de felicidade foi aplicado a 25 falantes nativos de inglês americano e a 25 falantes nativos de inglês britânico, por meio de um formulário online do Google Forms. No que concerne aos falantes nativos de inglês americano, majoritariamente tais falantes são da costa leste dos Estados Unidos da América, abrangendo os estados de Nova York, Georgia e Pennsylvania. Além disso, houve expressiva participação de falantes dos estados do Novo México, Illinois e Califórnia. A faixa etária de tais falantes é de 20 a 50 anos e a maioria desses possuía ensino superior. No que se refere aos falantes de inglês britânico, majoritariamente tais falantes são das cidades Newcastle Upon Tyne, York e Londres. A faixa etária de tais falantes é de 20 a 50 anos e a maioria desses possuía ensino superior. Antes de ser respondido pelos participantes, o teste foi submetido à análise de dois falantes nativos de inglês americano, a fim de avaliar a naturalidade das sentenças criadas e a clareza dos comandos do teste. Tal teste se dividiu em duas partes. Na primeira parte, os participantes eram informados sobre o objetivo da pesquisa, os nomes dos pesquisadores envolvidos, os procedimentos para a participação no experimento e o caráter voluntário de sua participação, uma vez que não seriam remunerados e poderiam interromper a participação a qualquer momento. Tais informações buscavam garantir o caráter ético da pesquisa desenvolvida. Além disso, nessa parte, os participantes também eram convidados a identificarem sua idade, procedência, gênero e nível de escolarização. Na segunda parte do teste, os participantes foram expostos a um questionário com 6 sentenças alvo e 14 distratoras. Nas sentenças alvo, havia uma situação descrita por um verbo classificado como achievement empregado com a morfologia progressiva e os participantes deveriam selecionar a(s) sentença(s) que mais bem resumisse(m) ou parafraseasse(m) a sentença alvo apresentada, selecionando uma ou mais opções dentre três leituras possíveis (uma paráfrase para a leitura de incoatividade, uma para a leitura de continuidade e uma para a leitura de iteratividade), ou selecionando a opção other option (‘outra opção’) e inserindo sua própria paráfrase, como ilustra o exemplo abaixo. Read the following sentence: ‘Edward is realizing his mistakes’. Which option best conveys the meaning of the passage? (“Leia a seguinte sentença: Edward está percebendo seu erro. Qual opção mais bem sumariza o significado dessa passagem?”) A) Edward is in the very beginning of the process of realizing his mistakes. (“Edward está bem no início do processo de perceber seus erros”) B) Edward is in the middle of the process of realizing his mistakes. (“Edward está no meio do processo de perceber seus erros”) C) Edward is repeatedly realizing his mistakes. (“Edward está repetidamente percebendo seus erros”) D) Other option:_____________________________________________________________ (Outra opção) Como o objetivo do teste era identificar as leituras aspectuais advindas do emprego da morfologia progressiva, nas sentenças alvo não havia expressões adverbiais ou advérbios que pudessem forçar uma leitura em detrimento da outra. Foram utilizados os seguintes verbos classificados como achievements nas sentenças alvo: to realize (‘perceber’), to tear (‘rasgar/perfurar’), to find (‘encontrar’), to break (‘quebrar’), to shatter (‘despedaçar’) e to finish (‘terminar’). A escolha desses verbos resulta do fato de Alves 12 O teste de julgamento de felicidade foi desenvolvido a partir das considerações de Chaudron (2003) acerca das características desse tipo de teste, como o fato de ele buscar capturar se o participante avalia determinada expressão como adequada ou não para determinado contexto. Forum lingüístic., Florianópolis, v.18, n. 3, p.6622-6644, jul./set.2021. 6633 (2019) ter encontrado em análise de fala espontânea tais verbos no inglês americano empregados com a morfologia progressiva. Além disso, na feitura do teste, optou-se por pluralizar os argumentos internos, uma vez que algumas das leituras aspectuais apresentadas por Celce-Murcia & Larsen-Freeman (1999) parecem se relacionar a essa pluralização. Como havia a possibilidade de propor uma outra opção de leitura para cada sentença, as proposições oferecidas na opção other option foram enquadradas como outras leituras aspectuais e posteriormente analisadas para se identificar a leitura aspectual pretendida pelo participante. No que tange ao design das sentenças distratoras, apenas verbos não classificados como de achievement foram utilizados, a saber: to help (‘ajudar), to eat (‘comer), to drink (‘beber), to go (‘ir’), to play (‘jogar’), to lend (‘emprestar’), to tell (‘dizer’), to pass (‘passar’), to send (‘enviar’), to show (‘mostrar), to decline (‘recusar), to teach (‘ensinar’) e to read (‘ler’). No que tange às opções, semelhantemente às sentenças alvo, nas distratoras, havia paráfrases com variadas leituras aspectuais, como se pode observar no exemplo abaixo: Read the following sentence: 'Madison helped her relatives'. Which option best conveys the meaning of the passage? (“Leia a seguinte sentença: Madison ajudou seus parentes. Qual opção melhor sumariza o significado dessa passagem”?) A) Madison helped her relatives at a specific point of time. (“Madison ajudou seus parentes em um ponto específico”) B) Madison used to help her relatives. (“Madison costumava ajudar seus parentes”) C) Madison repeatedly helped her relatives. (“Madison ajudou repetidamente seus parentes”) D) Other option: _____________________________________________________________ (“Outra opção”) A análise de fala espontânea a partir dos corpora Santa Barbara Corpus of Spoken American English e British National Corpus teve como objetivos: a) identificar os advérbios que se coadunavam a sintagmas verbais nucleados por verbos classificados como pontuais de achievement empregados com a morfologia progressiva e b) analisar as leituras aspectuais emergentes dos usos de verbos classificados como pontuais de achievement empregados com a morfologia progressiva. O Santa Barbara Corpus of Spoken American English (2021) é um corpus gratuito online de inglês americano. Tal corpus é dividido em quatro partes, contendo, em cada uma, aproximadamente, cinco horas de gravações de fala espontânea. Em cada parte, há aproximadamente 15 conversas. Neste trabalho, especificamente a segunda parte do corpus foi analisada. Como é retomado na seção 5.2.1 dos resultados, os verbos pontuais de achievement com a morfologia progressiva que emergiram nesta análise foram to die (‘morrer’), to leave (‘partir/deixar’), to land (‘aterrissar’) e to lose (‘perder’). O British National Corpus (2021) é um corpus gratuito online de inglês britânico. Tal corpus não se divide da mesma forma que o Santa Barbara Corpus of Spoken American English, não havendo informações referentes à quantidade de horas transcritas. O corpus é exclusivamente acessado por meio de uma ferramenta de busca, em que se coloca uma palavra e são apresentadas diversas ocorrências dessa palavra em seus variados contextos sintáticos. Por conta da vastidão do corpus, optou-se por estudar as dez primeiras ocorrências dos seguintes verbos classificados como achievements utilizados com a morfologia progressiva: to tear (‘despedaçar/perfurar’), to recognize (‘reconhecer’), to realize (‘perceber’), to reach (‘alcançar’), to leave (‘deixar’), to lose (‘perder’) e to land (‘aterrissar’). A escolha de tais verbos foi parcialmente motivada pela escolha dos verbos do teste de julgamento de felicidade e pela ocorrência de alguns desses verbos no Santa Barbara Corpus of Spoken American English. É importante salientar que se adota, neste trabalho, a lógica racionalista-crítica da pesquisa científica, descrita em Popper (2007). Entende-se, assim, que uma hipótese deve ser necessariamente falseável na pesquisa científica. À vista disso, como foi adotada a hipótese de emergência de apenas três leituras aspectuais na combinação de verbos pontuais de achievement com a morfologia progressiva no inglês, caso os resultados obtidos apontem a emergência de outra leitura nas sentenças com tal combinação, a Martins & Alves | Traço de pontualidade em verbos com morfologia progressiva no inglês... 6634 hipótese será refutada. Na próxima seção, são apresentados os resultados do teste de julgamento de felicidade, bem como da análise dos corpora. 5 RESULTADOS E ANÁLISES Nesta seção, os resultados do teste e da análise dos corpora são apresentados. Inicialmente, são relatados os resultados do teste de julgamento de felicidade, primeiramente daquele aplicado a falantes nativos de inglês americano e, depois, daquele aplicado a falantes nativos de inglês britânico. Em seguida, são expostos os resultados da análise dos corpora, primeiramente do corpus do inglês americano e, depois, do corpus do inglês britânico. 5.1 RESULTADOS DO TESTE DE JULGAMENTO DE FELICIDADE 5.1.1 Inglês Americano O gráfico 1 apresenta as leituras aspectuais advindas do emprego de verbos classificados como pontuais de achievement com a morfologia progressiva no inglês americano em cada um dos seis verbos que compõem as sentenças alvo. Nesse gráfico, em “outras”, estão incluídas as seguintes leituras aspectuais não previstas por Celce-Murcia & Larsen-Freeman (1999): habitualidade e terminação. É relevante reiterar que esse teste foi aplicado a 25 falantes de inglês americano, havendo a possibilidade de cada participante apontar mais de uma leitura possível em cada sentença alvo. Leituras aspectuais dos verbos investigados com morfologia progressiva no inglês americano 100% 80% 60% 2 3 1 7 10 4 15 17 To tear To find 3 4 2 2 3 10 4 40% 20% 2 4 24 23 23 17 0% Continuidade To break To shatter To finish To realize Iteratividade Incoatividade Outras Gráfico 1: Leituras aspectuais de verbos classificados como pontuais de achievement com morfologia progressiva no inglês americano Fonte: Elaborado pelos autores No que se refere à leitura de continuidade no inglês americano, pode-se dizer que essa foi a preferida em todos os verbos estudados, sejam esses agentivos ou não-agentivos (DOWTY, 1979). A continuidade, portanto, parece ser a leitura aspectual mais basilar que subjaz a morfologia progressiva no sistema linguístico do inglês americano. A emergência da leitura de iteratividade se destacou no verbo to tear. A sentença utilizada no teste para ilustrar o emprego de tal verbo com a morfologia progressiva foi The mason is tearing holes in the wall (‘o pedreiro está fazendo buracos na parede’). Compreende-se que o verbo agentivo to tear, que pode ser traduzido nesse contexto como ‘esburacar’, traduz um evento dotado de vários pontos que juntos denotam a ação de fazer buracos em uma superfície. Nesse caso, defende-se que a leitura de iteratividade parece ter sido favorecida especificamente pela semântica do verbo to tear. Forum lingüístic., Florianópolis, v.18, n. 3, p.6622-6644, jul./set.2021. 6635 Observou-se que, nos verbos to realize e to find, a leitura de incoatividade emergiu com maior expressividade. O verbo to realize é de natureza não-agentiva e psicológica e o verbo to find, de natureza agentiva. Entende-se que o verbo to realize descreve um evento de âmbito mental, epistêmico-cognitivo 13, enfatizando uma mudança de estado do sujeito entre a não percepção e a percepção de algo. Analogamente, o verbo to find enfatiza uma mudança de estado do sujeito entre o não encontro e o encontro de algo. A mudança de estado observada em verbos como esses, em que se verifica a mudança entre não perceber/perceber algo (to realize) e em não encontrar/encontrar algo (to find), parece favorecer a leitura de incoatividade. Em outras palavras, a emergência da leitura aspectual de incoatividade parece ser justificada pela semântica do verbo. É importante destacar que, por mais que a opção de resposta da qual tratamos acima buscasse parafrasear a leitura de incoatividade 14, aventa-se a possibilidade de emergência da leitura aspectual de prospecção por parte de alguns participantes ao selecionarem tal opção de resposta. Como já definido anteriormente, a prospecção enfatiza um ponto imediatamente anterior ao início de um evento, diferenciando-se da incoatividade, que se refere ao início do evento. Assim, em (18), ao selecionar a paráfrase da incoatividade, alguns participantes podem ter interpretado que a morfologia progressiva estaria enfatizando o ponto imediatamente anterior ao início de um evento, mas não necessariamente o seu início. Nesse caso, a sentença em (18) a seguir talvez tenha sido interpretada como “Susan está quase achando as fotos de sua mãe”, com a estrutura adverbial “quase” não produzida foneticamente, e não como “Susan está começando a achar as fotos de sua mãe”: (18) Susan is finding her mother’s photos. (“Susan está achando as fotos da sua mãe”) Dentre as outras leituras aspectuais que emergiram pela seleção da opção other option (‘outra opção’) pelos participantes, destaca-se a de habitualidade. Tal leitura emergiu em sentenças com os verbos to find e to tear. É importante reiterar que tais verbos estavam combinados à morfologia progressiva, que se afirma como uma morfologia quase que especializada para a veiculação do aspecto imperfectivo contínuo e não do imperfectivo habitual no inglês. Uma vez que essa leitura de habitualidade foi apontada por produção elicitada, todas as vezes em que emergiu, era apresentada uma paráfrase da sentença original com o advérbio currently, como em The mason is currently tearing holes in the wall (‘O pedreiro está atualmente fazendo buracos na parede’) e em She is currently finding her mother's photos (‘Ela está atualmente achando as fotos da mãe’). Em termos de representação mental, tal advérbio estaria na posição de especificador de AspHabitualP. A emergência de tal leitura quando o verbo classificado como pontual de achievement é utilizado com a morfologia progressiva não foi prevista em Celce-Murcia & Larsen-Freeman (1999). Finalmente, a segunda leitura aspectual que surgiu pela seleção da opção other option foi a de terminação, também não prevista por Celce-Murcia e Larsen-Freeman (1999), que ocorreu duas vezes com o verbo to finish, em uma paráfrase dada pelos participantes como Marie is at the end of finishing her tasks (‘Marie está no fim de terminar suas tarefas’). Compreende-se que as propriedades lexicais do verbo to finish influenciaram em tal emergência. Portanto, parece que a leitura de terminação é amplamente favorecida em verbos pontuais terminativos, como ‘completar’, ‘terminar’, ‘acabar’ e ‘finalizar’, na forma progressiva. 5.1.2 Inglês Britânico O gráfico 2 a seguir apresenta as leituras aspectuais advindas do emprego de verbos classificados como pontuais de achievement com a morfologia progressiva no inglês britânico em cada verbo que compõe as sentenças alvo. Nesse gráfico, em “outras”, estão incluídas as seguintes leituras aspectuais não previstas por Celce-Murcia & Larsen-Freeman (1999): habitualidade e terminação. Como apresentado na metodologia, esse teste foi aplicado a 25 falantes de inglês britânico, havendo a possibilidade de cada participante apontar mais de uma leitura possível em cada sentença alvo. 13 Halliday e Mathiessen (2004, p.210) consideram que o verbo to realize pertence a uma subclasse de verbos de estado intitulada verbos cognitivos. Duarte & Brito (2003) agrupam esse e outros verbos em uma subclasse de verbos epistêmicos. 14 As opções de resposta nesses casos eram Edward is in the very beginning of the process of realizing his mistakes (‘Edward está no início do processo de perceber seus erros’) e Susan is in the very beginning of the process of finding her mother’s photos (‘Susan está no início do processo encontrar as fotos da sua mãe’). Martins & Alves | Traço de pontualidade em verbos com morfologia progressiva no inglês... 6636 Leituras aspectuais dos verbos investigados com morfologia progressiva no inglês britânico 100% 90% 80% 70% 60% 50% 40% 30% 20% 10% 0% 1 1 5 3 4 3 2 14 23 19 20 3 1 21 23 1 12 To tear To find Continuidade To break To shatter To finish To realize Iteratividade Incoatividade Outras Gráfico 2: Leituras aspectuais de verbos classificados como pontuais de achievement com morfologia progressiva no inglês britânico Fonte: Elaborado pelos autores Como se pode observar no gráfico acima, no inglês britânico, a leitura de continuidade é preferida em todos os verbos estudados utilizados com a morfologia progressiva, o que não é o caso apenas do verbo to realize, por ser pontual não-agentivo. Semelhantemente ao inglês americano, a leitura de iteratividade se destaca no verbo to tear. Entende-se que, pela mesma razão apresentada para o inglês americano, tal verbo parece descrever um evento iterativo. Quanto à ausência de emergência da leitura de iteratividade no verbo to break, propõe-se que tal ausência pode ter sido influenciada por uma leitura télica possível em Bill is breaking Susan’s glasses (‘Bill está quebrando os óculos de Susan’). Em inglês, o item lexical glasses (‘óculos’) é pluralia tantum, ou seja, possui a mesma forma no singular e no plural e, na sentença em questão, pode ter sido entendido como na forma singular. Em todas as demais sentenças do teste, por outro lado, o complemento necessariamente era entendido como plural, sem cardinalidade especificada, direcionando para uma leitura atélica. A iteratividade parece ser favorecida pela atelicidade. Logo, uma leitura télica, no contexto da sentença no singular com complemento de cardinalidade especificada, parece desfavorecer a leitura de iteratividade. A leitura de incoatividade é a preferida na combinação de verbos classificados como pontuais de achievement não-agentivos, como o verbo to realize, com a morfologia progressiva. Compreende-se também que a semântica do verbo to realize possa ter influenciado na promoção da leitura aspectual de incoatividade, conforme discutido na seção 5.1.1. Da mesma forma que no inglês americano, houve a emergência de outras leituras aspectuais, possibilitada pela seleção da opção de resposta other option. A emergência da leitura de habitualidade ocorreu uma vez, com o verbo to tear, ancorada no advérbio currently. Além dessa, houve também a emergência da leitura de terminação, que apareceu em três respostas com o verbo to finish. A ocorrência de tal leitura pode ser ilustrada pela paráfrase dada pelos participantes Marie is completing the process of finishing her tasks (‘Marie está completando o processo de terminar suas tarefas’), o que justifica a assunção de que este verbo com a morfologia progressiva foi interpretado como destacando o final de um processo inicialmente tido como pontual. Forum lingüístic., Florianópolis, v.18, n. 3, p.6622-6644, jul./set.2021. 6637 5.2 RESULTADOS DA ANÁLISE DE CORPORA 5.2.1 Inglês Americano Os verbos classificados como pontuais de achievement encontrados na análise da segunda seção do Santa Barbara Corpus of Spoken American English e empregados com a morfologia progressiva foram: to die (‘morrer’), to leave (‘partir/deixar’), to land (‘aterrissar’) e to lose (‘perder’). Inicialmente, analisou-se a leitura aspectual em jogo em cada uma das ocorrências e, depois, o contexto morfossintático dessas ocorrências. Houve uma ocorrência com o verbo to die, duas com o verbo to leave, uma com o verbo to land e uma com o verbo to lose. A emergência das leituras aspectuais pode ser observada no quadro 3 abaixo: Leituras/Verbo To die To leave To land To lose Continuidade 1 0 1 1 Incoatividade 0 2 0 0 Quadro 3: Resultados da análise de fala espontânea do inglês americano Fonte: Elaborado pelos autores A leitura de continuidade foi a preferida para a maioria dos verbos e (19) abaixo é um exemplo de tal leitura. Entende-se que, por ser a leitura mais básica do emprego da morfologia progressiva no inglês, como se observou nos resultados do teste, tais achados não são surpreendentes. (19) And we know as human beings, just like nature, if we're not growing, we're dying. (“E como sabemos, como seres humanos, da mesma forma que a natureza, se não estamos nos desenvolvendo, estamos morrendo.”) Como exemplo de emergência da leitura de incoatividade desencadeada pela combinação do verbo pontual to leave com a morfologia progressiva, tem-se a sentença (19), em que o evento de deixar está sendo enfatizado em seu início. Entende-se, como afirmado anteriormente, que verbos pontuais não-agentivos, quando empregados com a morfologia progressiva, podem desencadear uma leitura de incoatividade, o que não significa que verbos agentivos, como to leave, quando empregados com tal morfologia, não possam eventualmente também desencadear tal leitura. (20) Why hadn't you at some point after he is leaving seven, just wait till he is leaving seven hundred? 15 (“Por que você, em algum momento depois que ele estivesse deixando sete, só não esperou até que ele estivesse deixando setecentos [produtos]?”) 5.2.2 Inglês Britânico Como já explicitado na seção 4, os verbos classificados como pontuais de achievement buscados com a morfologia progressiva no British National Corpus foram to tear (‘despedaçar/perfurar’), to recognize (‘reconhecer’), to realize (‘perceber’), to reach (‘alcançar’), to leave (‘deixar’), to lose (‘perder’) e to land (‘aterrissar’). Inicialmente, identificou-se a leitura aspectual em jogo nas ocorrências desses verbos com a morfologia progressiva e, depois, o contexto morfossintático dessas ocorrências. A emergência de leituras aspectuais de tais verbos em inglês britânico pode ser observada no quadro 4 abaixo: 15 No corpus analisado, havia o seguinte contexto: um fornecedor que acabara de chegar estava deixando setecentas unidades de um produto em um local. Imediatamente, faz-se referência ao momento em que esse fornecedor estava no início da entrega dos produtos, ainda desabastecendo o caminhão de entrega. Por isso, nesse contexto, o verbo em questão foi interpretado como desencadeador de uma leitura de incoatividade. Martins & Alves | Traço de pontualidade em verbos com morfologia progressiva no inglês... 6638 Leituras/Verbos To tear To recognize To realize To reach To leave To lose To land Continuidade 2 0 0 0 2 4 3 Incoatividade 0 3 5 0 0 0 0 Prospecção 0 0 0 5 0 0 0 Quadro 4: Resultados da análise de fala espontânea do inglês britânico Fonte: Elaborado pelos autores No que se refere ao verbo to tear, argumenta-se que o fato do argumento interno ser singular – no caso do exemplo em (21), the wall (‘a parede’) – possa ter influenciado na emergência da leitura de continuidade, mas não na de iteratividade. Como apresentado anteriormente, argumenta-se que a leitura télica desfavorece a leitura iterativa; por outro lado, a pluralização do argumento interno sem cardinalidade especificada, que proporciona uma leitura atélica, parece favorecer uma leitura iterativa. (21) She's like tearing the wall down and collapsing on the floor with hysterics. (“Ela está derrubando a parede e sucumbindo no chão com histeria.”) Os verbos to recognize e to realize possuem um comportamento similar entre si no que concerne ao favorecimento da emergência da leitura aspectual de incoatividade na combinação com a morfologia progressiva. Ambos os verbos são pontuais não-agentivos e, por definição, não selecionam um argumento externo de papel temático de agente. Mais especificamente, tais verbos diferenciamse dos outros verbos pontuais estudados no corpus por possuírem uma natureza psicológica, marcando a mudança de estado mental entre não reconhecer ou não perceber e reconhecer ou perceber algo. Sendo assim, como argumentado na seção 5.1.1, a leitura de incoatividade parece estar relacionada a essa propriedade semântica desses verbos, como se pode observar nas sentenças (22) e (23) abaixo, extraídas da análise do corpus: (22) I'm quite sure that you can go through that because you're recognizing the patterns much more now. 16 (“Eu estou bem certo de que você pode analisar isso, pois você está reconhecendo os padrões muito melhor agora.”) (23) I really am realizing it now. (“Eu realmente estou percebendo isso agora.”) Como se pode perceber em (24) e na tabela apresentada, a leitura que emergiu na combinação do verbo to reach (‘alcançar’) com a morfologia progressiva foi a de prospecção. Faz-se mister afirmar que tal leitura também não fora prevista na hipótese deste trabalho. Como afirmado anteriormente, de acordo com Cinque (1999), advérbios como almost (quase) estão alocados na posição de especificador de AspprospectiveP. Na análise de fala espontânea, em todas as ocorrências do verbo to reach, havia o advérbio almost. Poder-se-ia argumentar que a leitura de prospecção estaria relacionada apenas a tal advérbio e não à morfologia progressiva. Contudo, o fato de tal advérbio e de tal leitura se relacionarem com essa morfologia, desencadeando uma sentença gramatical em língua inglesa, sustenta a tese de que a prospecção também é uma leitura desencadeada pelo emprego da morfologia progressiva. Nesse caso, entende-se que, mesmo em um contexto de não produção fonológica de advérbios como almost, o verbo no progressivo poderia se mover para checar o traço de prospecção na camada funcional. 16 Neste exemplo, ainda que haja o emprego de um DP tema pluralizado como the patterns, há a emergência de uma leitura de incoatividade pelo contraste estipulado na sentença entre a ausência anterior de reconhecimento de padrões e o início atual desse reconhecimento. Note que, se houvesse a emergência de leitura de habitualidade e não de incoatividade, uma sentença como you are usually recognizing the patterns (‘você geralmente está reconhecendo os padrões’), em que há o emprego de um advérbio de hábito, deveria ser sinônima da sentença sob análise, you’re recognizing the patterns now (‘você está reconhecendo os padrões agora’), o que não se fundamenta. Acrescenta-se ainda que, ao se utilizar um verbo aspectual de início como to start (‘começar’) (LAMIROY, 1987) na composição dessa sentença, como you’re starting to recognize the patterns (‘você está começando a reconhecer os padrões’), estabelece-se uma relação de sinonímia com a sentença sob análise. Portanto, defende-se que a leitura incoativa emerge no exemplo (22), não a de habitualidade. Forum lingüístic., Florianópolis, v.18, n. 3, p.6622-6644, jul./set.2021. 6639 (24) So it will tend to pull and it almost definitely is either reaching or pulling or holding something on for your life. (“Então isso tenderá puxar e quase definitivamente estará ou alcançando ou puxando ou segurando algo em sua vida.”) 6 DISCUSSÃO A partir dos resultados obtidos neste estudo, constatou-se que, além das leituras de continuidade, incoatividade e iteratividade promovidas pelo uso da morfologia progressiva em verbos classificados como pontuais de achievement, também as leituras de habitualidade, terminação e prospecção podem ser promovidas por tal uso no inglês americano e britânico. Sobre tais leituras, destaca-se que a de continuidade é a mais basilar na combinação de verbos classificados como achievements agentivos com a morfologia progressiva. Por sua vez, a leitura de incoatividade parece ser especialmente desencadeada quando verbos classificados como achievements não-agentivos e psicológicos, que enfatizam a percepção, como to realize e to recognize, são combinados com a morfologia progressiva. Inclusive, nos resultados do teste do inglês britânico, a leitura de incoatividade foi a preferida para o verbo to realize com essa morfologia. A leitura de iteratividade parece ser favorecida pela atelicidade do VP. A leitura de habitualidade parece estar relacionada à combinação da morfologia progressiva no verbo com o advérbio currently empregado na sentença. A leitura de terminação está relacionada à semântica interna de certos verbos pontuais, como to finish, em sua forma progressiva. A leitura de prospecção foi percebida pelo emprego de certos advérbios, como almost, na paráfrase de sentenças com verbos classificados como pontuais de achievement empregados com a morfologia progressiva. Dessa forma, entende-se que a emergência de diferentes leituras aspectuais pela combinação da morfologia progressiva com verbos classificados como pontuais de achievement possui motivações sintáticas e semânticas. Enquanto estas podem ser observadas nas propriedades semânticas dos próprios verbos de achievement e de s-seleção desses verbos, o que gera diferentes papéis temáticos aos seus argumentos externos, aquelas podem ser observadas no emprego de certos advérbios associados aos verbos investigados. Portanto, sobre os verbos classificados como pontuais de achievement, pode ser pertinente uma nova classificação, na qual seriam subagrupados os verbos que possuem o mesmo comportamento sintático-semântico no que concerne especialmente à existência de propriedades de s-seleção similares e às leituras aspectuais desencadeadas na combinação com a morfologia progressiva. Logo, admite-se como válido o agrupamento de tais verbos em dois tipos, como proposto por Dowty (1979): achievements agentivos e achievements não-agentivos 17. A partir da análise da emergência de diferentes leituras aspectuais na combinação da morfologia progressiva com verbos classificados como pontuais de achievement em língua inglesa, propõe-se ainda a possibilidade de tais verbos serem subdivididos em outras classes, levando em consideração não apenas as propriedades de s-seleção desses verbos, como também seus significados. Assim, propõe-se uma subclasse de achievements agentivos de natureza terminativa, além de uma subclasse de achievements nãoagentivos de natureza epistêmica e cognitiva. Justifica-se tal reagrupamento pela emergência expressiva da leitura de terminação em verbos de achievement terminativos, como to finish, e pela emergência expressiva da leitura de incoatividade em verbos de achievement epistêmico-cognitivos, tais como to realize e to recognize. No que concerne à discussão acerca da manutenção do traço de pontualidade em verbos classificados como pontuais de achievement com a morfologia progressiva, a partir dos resultados apresentados, discute-se que tal traço se perca quando os verbos com a morfologia investigada estão empregados em sentenças que façam emergir as leituras de continuidade, incoatividade e terminação. Como se observa na sentença (17), The plane is landing right on schedule, conceber como pontual um evento que possui 17 No que concerne a verbos de achievement inacusativos ou de alternância causativa, pontua-se que tais verbos não se apresentam como um problema para a classificação dos achievements em agentivos e não-agentivos, uma vez que esses poderiam ser enquadrados ora como agentivos, quando utilizados como causativos, ora como não-agentivos, quando utilizados como inacusativos. Nesse caso, assumindo um modelo lexicalista, entende-se que, no léxico, haveria duas entradas distintas porém semanticamente relacionadas para tais verbos de alternância causativa, no espírito da proposta de Jackendoff (1975). Martins & Alves | Traço de pontualidade em verbos com morfologia progressiva no inglês... 6640 temporalidade interna a ponto de ser possível conferir foco ao meio do processo apresenta-se como improvável 18. Semelhante fato pode ser observado em contextos em que a leitura de incoatividade, que salienta o momento inicial de um evento inicialmente tido como pontual, e a leitura de terminação, que enfatiza o momento final de um evento inicialmente tido como pontual, são desencadeadas. Nessas três leituras, há a adição de uma temporalidade interna à situação, sendo tal extensão temporal conferida à sua fase inicial, medial ou final, a depender da leitura desencadeada. 19 Por outro lado, entende-se que, quando os verbos classificados como pontuais de achievement com a morfologia progressiva estão empregados em sentenças que façam emergir as leituras de habitualidade, prospecção e iteratividade, não há comprometimento necessariamente do traço de pontualidade. Verbos que traduzem eventos entendidos como hábitos (leitura de habitualidade), focalizados em um ponto imediatamente anterior ao seu início (leitura de prospecção) ou visualizados como múltiplos pontos que se repetem (leitura de iteratividade) podem, ainda, manter positivamente marcado o traço de pontualidade, uma vez que não há necessariamente adição de temporalidade interna ao evento para se conceber tais leituras. Sendo assim, diferentemente de Comrie (1976), neste estudo, argumenta-se que o traço de pontualidade é compatível não apenas com a morfologia progressiva, como também com o próprio aspecto imperfectivo, bastando para isso que as leituras de habitualidade, prospecção ou iteratividade sejam viabilizadas pela sentença. Para alcançarmos o nível de adequação explicativa necessário para tal fenômeno, duas interpretações parecem competir: a não especificação do traço de pontualidade no léxico, e a especificação do traço de pontualidade no léxico com seu eventual bloqueio no curso da derivação sintática. A primeira interpretação é a de que o traço de pontualidade do verbo não se encontraria especificado no item já no léxico, sendo sua marcação feita após a concatenação dos itens que compõem a sentença, em interface com a forma lógica. Tal colocação se justifica pelo fato de, como argumentado no parágrafo acima, haver a possibilidade de combinação do traço de pontualidade com a morfologia progressiva na língua inglesa em sentenças com algumas leituras aspectuais (habitualidade, prospecção e iteratividade). Se determinadas leituras possibilitam a pontualidade do verbo e outras não a permitem e se somente é possível ter essas leituras após a formação da sentença, o traço de pontualidade parece ser valorado em interface com a forma lógica. Discute-se que outra evidência para tal assunção advém de fatores derivados da concatenação sintática, como o emprego de certos advérbios na sentença (currently e almost, por exemplo, possibilitando as leituras de habitualidade e prospecção, respectivamente) e a constituição do VP como (a)télico (favorecendo a leitura de (não)iteratividade), que propiciam a manutenção do traço de pontualidade em verbos classificados como pontuais de achievement com a morfologia progressiva. Nesse sentido, se o traço de pontualidade não estiver especificado no léxico estrito, talvez valha a reflexão acerca da postulação de achievements e subtipos de achievements não ser fundamentalmente relevante ou necessária, uma vez que o significado aspectual composicional da sentença determinaria a especificação do traço de pontualidade posteriormente, na forma lógica 20. Assim, segundo a interpretação sugerida no parágrafo acima, em uma sentença como “João está (quase) reconhecendo seus erros” (leitura de prospecção), em que existe um evento presente de “reconhecer”, tal que “João” é agente e “seus erros” tema, a marcação positiva do traço de pontualidade em “reconhecer” ocorreria após a derivação sintática, especificamente, após a checagem do verbo em AspprospectiveP. Contrastando essa sentença com “João está (ainda) reconhecendo seus erros” (leitura de continuidade), em que 18 Uma possibilidade de interpretação para a sentença em (17) seria de que o evento descrito inclui não apenas a aterrissagem, mas também a fase de descida do avião. Contudo, ainda tem-se aí uma leitura de continuidade, de modo que o evento descrito deve ser igualmente tomado como durativo. Logo, mesmo nessa interpretação, defende-se que há a perda do traço de pontualidade do verbo to land (‘aterrissar’), conforme argumentado neste artigo. 19 Nesse caso, no espírito da proposta de Lamiroy (1987), haveria um processo de coerção aspectual, em que a possibilidade de combinação de um evento com o imperfectivo poderia estar relacionada, também, ao emprego de certos advérbios ou expressões adverbiais. 20 Como apontado por um dos pareceristas anônimos deste artigo, uma proposta como essa deve explicar outras situações em que os achievements diferem de atividades e de accomplishments. A esse respeito, sustenta-se que, na interpretação que se sugere aqui, a diferenciação entre esses diferentes tipos de verbo dependeria essencialmente do concatenamento dos distintos constituintes oracionais no curso da derivação sintática. Logo, um verbo hodiernamente classificado como achievement poderia ser classificado como achievement se a sentença formada levasse a uma leitura de habitualidade, por exemplo, mas deveria ser classificado como atividade ou accomplishment se a sentença gerada produzisse, por exemplo, a leitura de continuidade. Analogamente, o verbo hodiernamente classificado como achievement seria classificado como atividade em uma sentença como “He’s realizing mistakes now” (‘Ele está percebendo erros agora’), com o argumento interno constituído por nome plural nu, e como accomplishment em uma sentença como “He’s realizing his mistake now” (‘Ele está percebendo seu erro agora’), com argumento interno constituído por um determinante seguido de nome. Forum lingüístic., Florianópolis, v.18, n. 3, p.6622-6644, jul./set.2021. 6641 existe um evento presente de “reconhecer”, tal que “João” é agente e “seus erros” tema, a marcação negativa do traço de pontualidade em “reconhecer” ocorreria após a derivação sintática, especificamente após a checagem do verbo em AspcontinuativoP. Haveria, portanto, no léxico, uma única entrada para “reconhecer”, que, a depender da concatenação sintática, teria a especificação do traço como [+pontual] ou [-pontual] apenas na interface com a forma lógica. A segunda interpretação é a de que o traço de pontualidade possa ser especificado por default em alguns verbos no léxico estrito e bloqueado no curso da derivação sintática, a depender, por exemplo, do papel temático do argumento externo e da combinação com alguns advérbios. Assim, se o traço de pontualidade for marcado positivamente em alguns verbos no léxico e bloqueado a depender da leitura aspectual gerada pela derivação da sentença, considera-se como relevante a postulação da classe de achievements e de seus subtipos e a identificação de fatores sintáticos que possam influenciar no bloqueio do traço de pontualidade. Desse modo, segundo a interpretação sugerida no parágrafo acima, em uma sentença como “O avião (ainda) está aterrissando” (leitura de continuidade), o traço de pontualidade de “aterrissar” seria especificado positivamente de forma default em sua entrada lexical. Contudo, após a derivação, especificamente após a checagem do verbo em AspcontinuativoP, na interface com a forma lógica, haveria o disparo de algum tipo de operação de bloqueio do traço de pontualidade, em virtude da leitura de continuidade da sentença. Já em uma sentença como “O avião está (quase) aterrissando” (leitura de prospecção), o traço de pontualidade de “aterrissar” especificado positivamente de forma default na entrada lexical, após a derivação, especificamente após a checagem do verbo em AspprospectiveP, convergiria sem que houvesse o seu bloqueio na interface com a forma lógica. 7 CONSIDERAÇÕES FINAIS Neste trabalho, o objetivo geral foi contribuir para a caracterização dos verbos pontuais de achievement. Os objetivos específicos foram: a) investigar a emergência de leituras aspectuais desencadeadas pelo emprego da morfologia progressiva em verbos classificados como pontuais de achievement no inglês americano e britânico, b) analisar contextos sintático-semânticos que favorecem o desencadeamento de diferentes leituras aspectuais a partir do uso da morfologia progressiva nesses verbos no inglês americano e britânico e c) analisar restrições para a interação entre o traço de pontualidade e a morfologia progressiva no inglês americano e britânico. A metodologia deste trabalho consistiu na análise dos resultados de um teste de julgamento de felicidade aplicado a falantes nativos de inglês americano e britânico e de dados de fala espontânea de falantes nativos de inglês americano e britânico extraídos do Santa Barbara Corpus of Spoken American English e do British National Corpus. A hipótese foi de que, quando verbos classificados como pontuais de achievement são empregados com morfologia progressiva no inglês americano e britânico, somente três leituras aspectuais podem emergir: a de continuidade, a de incoatividade e a de iteratividade. Os resultados obtidos neste estudo possibilitaram a refutação de tal hipótese. Além das três leituras previstas, outras três leituras possíveis foram encontradas, a saber: habitualidade, terminação e prospecção. Discutiu-se que o traço de pontualidade é anulado na combinação da morfologia progressiva com verbos classificados como pontuais de achievement quando a leitura aspectual composicional da sentença desencadeia as leituras de continuidade, incoatividade e terminação, mas não quando desencadeia as leituras de habitualidade, prospecção e iteratividade. Logo, argumentou-se que o traço de pontualidade não é necessariamente incompatível com verbos pontuais de achievement com a morfologia progressiva, como Comrie (1976) sustenta, uma vez que pode estar positivamente especificado nos verbos na forma progressiva que figuram em sentenças com as leituras de habitualidade, prospecção e iteratividade. À vista disso, postularam-se duas possibilidades de interpretação: ou a marcação do traço de pontualidade do verbo se dá em interface com a forma lógica, uma vez que ocorre quando já há uma leitura aspectual da sentença definida, após a concatenação dos itens que a compõem, ou a marcação se dá no léxico estrito e tal traço passa ser bloqueado a depender do valor aspectual gerado pela derivação sintática. Martins & Alves | Traço de pontualidade em verbos com morfologia progressiva no inglês... 6642 Os resultados obtidos nesta pesquisa contribuíram ainda para ratificar a necessidade de postulação dos verbos de achievement como uma classe não homogênea, diferindo-se entre achievements agentivos e achievements não-agentivos, tal como sustentado por Dowty (1979). Discutiu-se ainda que mesmo essas duas classes podem ser subdivididas em outras de acordo com suas características semânticas, como achievements agentivos de natureza terminativa e achievements não-agentivos de natureza epistêmica e cognitiva. Como desdobramentos deste trabalho, aponta-se a necessidade de investigação dos valores aspectuais da morfologia progressiva em diferentes tipos de verbo, como semelfactivos e estativos, em língua inglesa, a fim de se observar se as leituras encontradas neste trabalho são ordinárias a tal morfologia ou são restringidas exclusivamente pelo tipo de verbo. Outro desdobramento necessário seria a investigação da morfologia de progressivo em verbos pontuais de achievement em outras línguas a fim de se verificar se tal combinação promove as mesmas leituras aspectuais identificadas neste estudo e se a marcação do traço de pontualidade no verbo está sujeita às mesmas restrições aqui identificadas. REFERÊNCIAS ALVES, M.G. Interação entre aspecto gramatical e semântico: a morfologia progressiva e os verbos pontuais no inglês americano e britânico. 2019. 45 f. Trabalho de conclusão de curso (Licenciatura em Letras: Português – inglês) – Faculdade de Letras, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2019. BASSO, R. M. Uma proposta para a semântica dos adjuntos 'em X tempo' e 'por X tempo'. ALFA: Revista de Linguística, v. 55, n. 1, p. 113-134, 2011. BELLETTI, A. Aspects of the low IP area. The structure of CP and IP. The cartography of syntactic structures, v. 2, p. 16-51, 2004. BOK-BENNEMA, R. 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