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UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM LINGUÍSTICA
Ani Carla Marchesan
AS RELATIVAS LIVRES EM PORTUGUÊS BRASILEIRO
E OS REQUERIMENTOS DE COMPATIBILIDADE
Florianópolis, março de 2008.
1
Ani Carla Marchesan
AS RELATIVAS LIVRES EM PORTUGUÊS BRASILEIRO
E OS REQUERIMENTOS DE COMPATIBILIDADE
Dissertação submetida ao Programa de PósGraduação em Lingüística do Departamento de
Lingüística do Instituto de Letras da Universidade
Federal de Santa Catarina como parte dos
requisitos para a obtenção do Grau de MESTRE
em Lingüística. Área de Concentração: Lingüística
Teórica – as interfaces da gramática.
Orientador: Prof. Dr. Carlos Mioto
Florianópolis, março de 2008.
2
Ani Carla Marchesan
AS RELATIVAS LIVRES EM PORTUGUÊS BRASILEIRO
E OS REQUERIMENTOS DE COMPATIBILIDADE
Dissertação defendida e aprovada no Programa de Pós-Graduação em Lingüística do Instituto
de Letras da Universidade Federal de Santa Catarina como parte dos requisitos para a
obtenção do Grau de MESTRE em Lingüística, pela comissão examinadora composta pelos
professores:
Comissão examinadora:
_________________________
Professor Doutor Carlos Mioto - orientador
Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC).
__________________________
Professora Doutora Maria Cristina Figueiredo e Silva – Membro interno
Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC).
___________________________
Professora Doutora Mary Aizawa Kato – Membro externo
Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP).
___________________________
Professora Doutora Roberta Pires de Oliveira - Suplente
Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC).
Florianópolis, março de 2008.
3
A todos os lingüistas.
4
AGRADECIMENTOS
A meu orientador Carlos Mioto, a quem disse várias vezes que nunca agradeceria, pois estava
apenas fazendo seu trabalho como orientador. Meu mais sincero agradecimento vai a ele, por
me mostrar que existem ORIENTADORES e “orientadores”. Por seu brilhantismo, segurança,
compreensão, dedicação e, sobretudo, à paciência com que me ensinou várias vezes a mesma
coisa até eu compreender de fato o que estava acontecendo;
À profª Drª. Silvia Helena Lovato do Nascimento, que me iniciou nos estudos gerativistas,
despertando minha curiosidade para a pesquisa acadêmica. Agradeço por me apoiar e me
incentivar a seguir em frente.
À minha família, que sempre apoiou incondicionalmente e sempre acreditou que eu seria capaz.
Em especial a minha mãe, Emilda, por ser meu porto seguro, por me incentivar a trocar de
universidade e a procurar o que eu realmente gostava fazer e que, mesmo à distância,
acompanhou toda a minha dor e angústia nesses dois anos;
Aos verdadeiros amigos que aqui encontrei e dos quais nunca esquecerei (Patrícia, Andréa,
Salete, Rodrigo, e tantos outros). Agradeço pelas palavras reconfortantes, pela amizade
verdadeira, pelas muitas discussões e pelo incentivo em me fazer seguir em frente. Ninguém
consegue chegar a lugar algum sozinho. Vocês, sem dúvida, são responsáveis por esse
trabalho também;
Aos colegas do NEG, ALERS e VARSUL pelo companheirismo de sempre;
Ao Medeiros Júnior, por ter cordialmente disponibilizado sua dissertação, que foi muito
importante para o desenvolvimento desta.
Em especial, a Deus, que me deu a vida e a quem recorri sempre que não conseguia enxergar
uma luz;
Às professoras, Mary Kato, Maria Cristina Figueiredo Silva e Roberta Pires de Oliveira por
aceitarem o convite para participar da banca examinadora. Agradeço pela atenção e pelas
valiosas sugestões;
Ao Programa de Pós-graduação em Lingüística da UFSC e, em especial, ao Cnpq pelo suporte
financeiro durante toda a minha pesquisa;
À UFSC e à UFSM, universidades ainda públicas e de qualidade;
A mim mesma, por ter conseguido chegar até aqui;
E finalmente, meu muito obrigada a todos que porventura tenha esquecido. Eles sabem que a
maior expressão de amor é dar sem esperar, é aceitar sem exceção.
5
Estudar sintaxe gerativa é como tentar descobrir o segredo de um cofre:
cada pequeno ajuste no mecanismo parece levar a nada.
Apenas quando tudo entra no lugar a porta se abre.
(adaptado de Ludwig Wittgenstein)
6
RESUMO
Este trabalho é dedicado ao estudo do funcionamento das relativas livres do português
brasileiro sob o escopo de estudos gerativistas como os de Bresnan & Grimshaw (1978), Groos
e Van Riemsdijk (1981), Hirschbüher & Rivero (1983), Izvorski (1996), Caponigro (2002), entre
outros. A idéia básica é que nas relativas livres o pronome relativo-wh embute o que seria o
núcleo nominal de uma relativa com núcleo e, por isso, somente pronomes-wh com essa
capacidade de incorporação podem iniciar uma relativa livre. Além disso, o pronome relativo-wh
tem um duplo papel: respeitar os requisitos de caso e/ou categoria de um núcleo da sentença
matriz e da sentença encaixada simultaneamente (chamado de Requerimentos de
Compatibilidade). Assim, por meio do estudo das relativas livres objetivamos: a) distinguir uma
relativa livre de uma interrogativa encaixada e de uma completiva; b) estabelecer que posições
sintáticas uma relativa livre pode desempenhar; c) observar como ocorre o requerimento de
compatibilidade nas línguas, com especial atenção ao português brasileiro; d) verificar por que o
requerimento de compatibilidade não ocorre nas chamadas ‘relativas livres infinitivas’; e, e)
delimitar, entre três hipóteses (Hipótese do Núcleo, Hipótese do Comp e Hipótese do
complemento de D) a melhor para a análise dos dados do português brasileiro. Com esse
estudo constatamos, entre outros aspectos, que os pronomes relativos que, qual e cujo não
iniciam uma relativa livre, pois não conseguem embutir o que seria o um núcleo nominal de uma
relativa com núcleo. Ainda, verificamos que os pronomes relativos são DPs, porém quando
estão em posição AdvP eles são ambíguos entre ser DP ou PP. Em adição, constatamos que
as chamadas ‘relativas livres infinitivas’ que não respeitam os requerimentos de compatibilidade
na verdade não são relativas livres, mas sim relativas com núcleo.
Palavras-chave: Gramática Gerativa; Relativas Livres; Requerimentos de Compatibilidade.
7
ABSTRACT
This work is concerning the study of the free relatives in Brazilian
Portuguese based on
generative studies from Bresnan & Grimshaw (1978), Groos and Van Riemsdijk (1981),
Hirschbüher & Rivero (1983), Izvorski (1996), Caponigro (2002), among others. The basic idea
is that the relative pronoun of free relatives incorporates what would be the head of a headed
relative. Thus only wh-pronouns with this incorporation ability can initiate a free relative.
Furthermore, the wh-relative pronoun has a dual role: comply with the requirements of case
and/or category of the matrix and embedded sentence simultaneously (called Matching
Requirements). Thus, through free relative’s study we aim at: a) distinguishing free relative from
embedded questions and embedded clauses; b) establishing syntactic positions that a free
relative can play; c) observing how the matching requirement occurs in languages with special
attention to Brazilian Portuguese; d) verifying why the matching requirement does not occur in
the so-called 'infinitival free-relatives'; and e) defining, among three hypothesis (Head
Hypothesis, Comp Hypothesis and D-complement Hypothesis) the best for the analysis of data
from the Brazilian Portuguese. Due to this study, we noticed, among other aspects, that the
relative pronouns que, qual and cujo do not start a free relative because they are unable to
embed what would be a head of a headed relative. Furthermore, we noticed that the relative
pronouns are DPs, but when they are in an AdvP position they are ambiguous between being
DP or PP. We also noticed that the so-called ‘infinitival free relatives’ that do not respect the
matching requirement actually are not free relative, but headed relative.
Key-words: Generative Grammar; Free Relatives; Matching Requirement.
8
SUMÁRIO:
INTRODUÇÃO ..............................................................................................................................10
CAPÍTULO I: SENTENÇAS RELATIVAS ....................................................................................13
1 INTRODUÇÃO................................................................................................................... 13
2 DEFINIÇÃO ....................................................................................................................... 13
2.1 RELATIVAS COM NÚCLEO ........................................................................................... 17
2.2 RELATIVAS LIVRES....................................................................................................... 21
2.2.1 Relativa livre X Interrogativa encaixada.................................................................... 25
2.2.2 Requerimentos de compatibilidade .......................................................................... 33
3 A SEMÂNTICA DAS RELATIVAS LIVRES ........................................................................ 35
4 RESUMO DO CAPÍTULO .................................................................................................. 39
CAPÍTULO II: REQUERIMENTOS DE COMPATIBILIDADE .....................................................41
1 INTRODUÇÃO................................................................................................................... 41
2 AS FUNÇÕES SINTÁTICAS DAS RELATIVAS LIVRES E OS PRONOMES RELATIVOS 41
3 ASSENTANDO OS REQUERIMENTOS DE COMPATIBILIDADE ..................................... 45
4 A MANIFESTAÇÃO DOS REQUERIMENTOS DE COMPATIBILIDADE NAS LÍNGUAS... 50
4.1 LÍNGUAS QUE APRESENTAM RELATIVAS LIVRES COM MR OBRIGATÓRIO........... 50
4.2 LÍNGUAS QUE APRESENTAM RELATIVAS LIVRES COM INCOMPATIBILIDADE DE
CASOS OU DE CATEGORIAS............................................................................................. 51
4.2.1 Incompatibilidade de categorias (categorial matching) ............................................. 51
4.2.2 Incompatibilidade de casos (case matching) ............................................................ 51
4.2.2.1 Sincretismo ........................................................................................................... 52
4.2.2.2 Atração de caso .................................................................................................... 52
a) Islandês: ....................................................................................................................... 53
b) Alemão A: ..................................................................................................................... 53
c) Alemão B: ..................................................................................................................... 54
d) Gótico e romeno: .......................................................................................................... 55
e) Grego moderno:............................................................................................................ 56
4.2.2.3 Inserção de um pronome resumptivo para receber caso ....................................... 56
4.3 RESUMO: ....................................................................................................................... 57
5. REQUERIMENTOS DE COMPATIBILIDADE NO PORTUGUÊS BRASILEIRO................ 58
9
5.1 INCOMPATIBILIDADE DE CASOS................................................................................. 58
5.2 INCOMPATIBILIDADE DE CATEGORIAS...................................................................... 60
6 A QUESTÃO DAS CHAMADAS RELATIVAS LIVRES INFINITIVAS ................................. 63
6.1 AS INFINITIVAS NÃO SÃO INTERROGATIVAS ............................................................ 65
6.2 ALGUMAS INFINITIVAS NÃO SÃO RELATIVAS LIVRES .............................................. 66
7 RESUMO DO CAPÍTULO .................................................................................................. 69
CAPÍTULO III: ANÁLISE DAS RELATIVAS LIVRES .................................................................72
1 INTRODUÇÃO................................................................................................................... 72
2 HIPÓTESE DO NÚCLEO................................................................................................... 72
3 HIPÓTESE DO COMP....................................................................................................... 79
4 ANÁLISE DO COMPLEMENTO DE D ............................................................................... 81
4.1 ANÁLISE DE CAPONIGRO (2002) ................................................................................. 82
4.2 ANÁLISE DE MEDEIROS JÚNIOR (2005)...................................................................... 84
5 PROPOSTA PARA O PORTUGUÊS BRASILEIRO ........................................................... 86
6 RESUMO DO CAPÍTULO .................................................................................................. 90
CONSIDERAÇÕES FINAIS ..........................................................................................................92
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ............................................................................................95
10
INTRODUÇÃO
As relativas são sentenças encaixadas que apresentam um constituinte que é
compartilhado com a sentença matriz. Esse compartilhamento, como veremos, se dá através do
SpecCP que contém um pronome relativo-wh ou um complementizador mais um operador nulo.
Dada essa definição consideramos como relativas as sentenças abaixo:
(1)
a. Eu conheço a pessoa [que foi assaltada].
b. Eu conheço [quem foi assaltado].
Não temos dificuldade de reconhecer a sentença destacada entre colchetes em (1a) como uma
relativa, pois temos um constituinte NP pessoa que é compartilhado pelas duas sentenças. Já
em (1b) temos um pouco mais de dificuldade de reconhecer a sentença entre colchetes como
relativa, pois não temos claramente um constituinte, como pessoa, compartilhado pelas duas
sentenças. O pronome relativo-wh quem pertence à sentença encaixada, mas não é certo que
ele sozinho pertença à sentença matriz. Entretanto, como a sentença (1b) é uma paráfrase de
(1a), ela é reconhecida como relativa. Além disso, veremos no decorrer dessa dissertação que
o pronome relativo-wh de (1b) é compartilhado com a sentença matriz porque tem que
apresentar certas propriedades compatíveis com um constituinte dela.
A relativa de (1a) por ser antecedida por um nome é chamada de relativa com núcleo
nominal. Ao contrário, (1b) por não ter um nome antes, é chamada de relativa livre.
Dentre os lingüistas que estudam(ram) as relativas com núcleo, destacamos os
trabalhos feitos por Chomsky (1977), Kayne (1994), Bianchi (1999), De Vries (2002), Áreas
(2002), entre outros. Já no estudo das relativas livres encontramos trabalhos de pesquisadores
como Bresnan & Grimshaw (1978), Larson (1987), Van Riemsdijk (2000), Medeiros Júnior
(2005), entre outros.
Neste trabalho, que utiliza a abordagem teórica da Gramática Gerativa, optamos pela
análise das relativas livres (cf. (1b)), primeiro, por haver pouquíssima literatura sobre esse
assunto que analise dados do português brasileiro; segundo, porque esse tipo de construção
envolve muitos problemas ainda não solucionados e, terceiro, pelo interesse em verificar como
ocorrem os requerimentos de compatibilidade nas relativas livres do português brasileiro.
Assim, objetivamos: a) distinguir uma relativa livre (2a) de uma interrogativa encaixada
(2b):
11
(2)
a. João devolveu [o que a Maria roubou da loja].
b. João perguntou [o que a Maria roubou da loja].
b) distinguir uma relativa livre (3a) de uma completiva (3b):
(3)
a. Ter medo de [quem nos assusta] é normal.
b. Ter medo (de) [que sobrevenha um furacão] é normal.
c) observar como ocorre o requerimento de compatibilidade, que é uma propriedade específica
das relativas livres (brevemente, o requerimento de compatibilidade estipula que o pronome
relativo-wh deve respeitar os requisitos de caso e/ou categoria de um núcleo da sentença matriz
e da encaixada simultaneamente):
(4)
João devolveu [DP [DP o que]i a Maria roubou eci da loja].
d) verificar por que o requerimento de compatibilidade não ocorre nas chamadas ‘relativas livres
infinitivas’, como em (5):
(5)
João não tem [DP [PP com quem]i conversar eci].
e) delimitar, entre as três estruturas abaixo, que foram elaboradas para as relativas livres, a
melhor análise para os dados do português brasileiro:
(6)
a. Eu conheço [NP [NP quem][S você conhece [pro]]].
b. Eu conheço [NP[NP [ec] [S’ [Comp [quem]i [S você conhece eci]]]]].
c. Eu conheço [DP [quem]i [D ec [CP você conhece eci]]].
Esta dissertação se estrutura em três capítulos. No capítulo I, definimos com cuidado o
que é uma relativa livre diferenciando-a de uma relativa com núcleo, de uma interrogativa
encaixada e de uma completiva. Além disso, delimitamos todas as funções sintáticas que uma
relativa livre pode desempenhar, bem como descrevemos brevemente a semântica das
relativas livres, que é uma semântica de maximização.
No capítulo II, apresentamos de forma detalhada como o requerimento de
compatibilidade se manifesta nas línguas, com especial atenção aos dados do português
12
brasileiro. Dedicamos a última seção desse capítulo ao estudo das chamadas ‘relativas livres
infinitivas’ que são um problema para a análise das relativas livres, já que, como veremos,
algumas delas não respeitam os requerimentos de compatibilidade.
No último capítulo, capítulo III, apresentamos as análises propostas para as relativas
livres: Hipótese do Núcleo (cf. (6a)), Hipótese do Comp (cf. (6b)) e a Hipótese do Complemento
de D (cf. (6c)). Ao analisar essas estruturas, elaboramos uma proposta para as relativas livres
do português brasileiro com base em Caponigro (2002) que utiliza a hipótese do Complemento
de D.
13
CAPÍTULO I
SENTENÇAS RELATIVAS
1 INTRODUÇÃO
As relativas são sentenças encaixadas que apresentam um constituinte que é
compartilhado com a sentença matriz. Essas sentenças se dividem em relativas com núcleo e
relativas livres. As relativas livres, foco deste estudo, se assemelham, em alguns aspectos, às
relativas com núcleo e em outros às interrogativas encaixadas. Por causa dessa semelhança,
dedicaremos este capítulo ao estudo das características das relativas livres, bem como suas
diferenças frente às relativas com núcleo e às interrogativas encaixadas. Na seção 2
definiremos, de maneira geral, as características de uma sentença relativa. A seção 2.1 é
dedicada às características específicas das relativas com núcleo e a seção 2.2 às
características das relativas livres. Dentro dessa última seção abordaremos as diferenças entre
uma relativa livre e uma interrogativa encaixada (seção 2.2.1) e, brevemente, o que é o
Requerimento de Compatibilidade (seção 2.2.2) que é uma característica específica das
relativas livres. Por fim, a seção 3 é dedicada à semântica das relativas livres. Encerramos o
capítulo I com a seção 4 que contém o resumo dos tópicos mais importantes vistos neste
capítulo.
2 DEFINIÇÃO
Uma relativa é uma sentença encaixada. Como todo constituinte encaixado, uma relativa
é encaixada como argumento de um núcleo ou, podemos assumir, como adjunto. Assim, por
exemplo, a relativa pode ser o argumento interno (1a) ou o argumento externo de um verbo
(1b):
(1)
a. Ele vai comprar [o que você vender].
b. [O que você fez] abalou a cidade.
14
Pode também ser adjunto de um nome como mercadorias (2a) ou adjunto adverbial (2b):
(2)
a. Ele vai comprar as mercadorias [que você vender].
b. Ele abalou a cidade [quando chegou].
Ser uma sentença encaixada é uma condição necessária para uma relativa, muito
embora não seja condição suficiente. Evidentemente, existem sentenças encaixadas que não
são relativas. Comparemos as sentenças de (3):
(3)
a. Este é o motivo [por que ele foi embora].
b. Ele foi embora por[que estava triste].
Em (3a) temos entre os colchetes uma relativa, que funciona como adjunto do nome motivo (de
acordo com a análise de CHOMSKY, 1977). Em (3b) a sentença encaixada entre colchetes não
é relativa, mas uma completiva, que funciona como complemento da preposição por. Distinção
semelhante tem que ser feita entre as sentenças de (4):
(4)
a. Ter medo de [quem nos assusta] é normal.
b. Ter medo (de) [que sobrevenha um furacão] é normal.
Em (4a) temos uma relativa, que funciona como argumento de medo, mas em (4b) temos uma
completiva, que também funciona como argumento de medo.
Qual a propriedade que nos permite identificar (3a) e (4a) como relativas? Como o nome
sugere, uma relativa possui um constituinte que é relativizado (chamado de núcleo nominal,
NPrelativo, pivô, etc.). Esse constituinte é compartilhado pela sentença matriz e pela sentença
encaixada. Sendo assim, uma resposta possível à pergunta acima é dizer que uma relativa
sempre possui um constituinte que é relativizado. Em (3a) motivo é o constituinte relativizado,
pois pertence tanto à sentença matriz, sendo parte do predicativo, quanto à sentença
encaixada, onde é retomado pelo pronome relativo que, que funciona como complemento da
preposição. Em (4a) podemos dizer que o constituinte compartilhado é o pronome relativo-wh
quem, que é parte do complemento de medo e, ao mesmo tempo, sujeito de assustar.
15
É preciso expor ainda a forma como um constituinte é compartilhado: se não for exposto
isso, poderíamos chamar a sentença encaixada em (5) de relativa, pois menina é compartilhado
pelas duas sentenças:
(5)
A meninai disse [que eci está contente].
Em (5) o DP a menina pode ser considerado o constituinte compartilhado, pois, funciona como
sujeito do verbo dizer (na sentença matriz) e, mediante a categoria vazia (ec), como sujeito do
verbo estar. No entanto, essa sentença encaixada não pode ser considerada uma relativa como
veremos a seguir.
Tomando por base o modelo tradicional (Modelo Transformacional) podemos considerar
que a sentença que contém uma relativa pode ser dividida, para efeitos de interpretação, em
duas sentenças simples (6a', a''):
(6)
a. Maria viu o rapaz [CP que fugiu da cadeia ec].
a'. Maria viu o rapaz.
a''. O rapaz fugiu da cadeia.
Por meio desse processo, recuperamos integralmente o constituinte relativizado da relativa. Por
isso dizemos que, embora nunca possa ocorrer como nome na relativa, rapaz é o constituinte
relativizado.
O compartilhamento de constituinte que a relativa mantém com a sentença matriz é
especial: se dá via CP. Ou seja, em (6a) o NP rapaz é co-referente da categoria vazia (ec) e
essa co-referência é feita através do SpecCP. Se entendemos que o que em (6a) é um
pronome relativo, ele ocupa a posição de SpecCP para realizar a relativização; se entendemos
que o que é um complementizador, o que o SpecCP vai conter é um operador nulo (OP)
(CHOMSKY, 1977) 1.
Se (6a) é ambígua quanto ao preenchimento do SpecCP, existem relativas que não
apresentam essa ambigüidade. Consideremos, por exemplo, (7):
1
O compartilhamento do núcleo nominal só não ocorre via SpecCP em relativas resumptivas (cf. seção 2.1):
(i)
O livro [que a Maria leu ele] é extenso.
Em (i) a posição em que a categoria vazia deveria estar localizada é preenchida pelo pronome resumptivo ele.
Claramente não temos movimento-wh e, portanto, não temos um OP que preencha o SpecCP. Assim, para que a
sentença seja interpretada o pronome ele é coindexado diretamente ao núcleo nominal livro (TARALLO, 1983, p.
15).
16
(7)
Este é o homemi [CP [com quem]i C me casei eci].
Em (7) o NP homem é co-referente a categoria vazia (eci) através da expressão-wh com quem
que está em SpecCP. Como quem é nitidamente um pronome relativo, ele deve preencher o
SpecCP.
Por fim, uma relativa (restritiva)2 realiza uma predicação sobre o NP compartilhado com
a matriz via SpecCP. Por isso, não podemos dizer que a sentença introduzida pelo
complementizador que em (5) seja uma relativa. O complementizador em (5) apenas possibilita
o encaixe do IP que é complemento do verbo dizer. Em seu Spec não existe nenhum OP como
o que supomos existir nas relativas sem pronome relativo-wh para realizar a predicação, o que
se pode provar com exemplos de extração que veremos na seção (2.2.1).
Em resumo, uma relativa é uma sentença encaixada; apresenta um constituinte que é
compartilhado com a sentença matriz; esse compartilhamento se dá através do CP que vai
conter um pronome relativo-wh ou um complementizador mais um operador nulo OP.
Dada a definição de sentença relativa, temos que reconhecer como relativas as
sentenças entre colchetes de (8):
(8)
a. Eu vi a pessoa [que roubou a loja].
b. Eu vi [quem roubou a loja].
As duas sentenças de (8) são paráfrases uma da outra e a interpretação delas é como (9):
(9)
∃x, x = pessoa, [eu vi x & x roubou a loja].
Não temos dificuldade de reconhecer a sentença destacada entre colchetes em (8a) como uma
relativa, pois temos um constituinte NP pessoa que é compartilhado pelas duas sentenças. Já
em (8b) temos um pouco mais de dificuldade de reconhecer a sentença entre colchetes como
relativa, pois não temos claramente um constituinte como pessoa compartilhado pelas duas
sentenças. O pronome relativo-wh quem pertence à sentença encaixada, mas não é certo que
ele sozinho pertença à sentença matriz. Entretanto, de forma simplificada, como a sentença
(8b) é uma paráfrase de (8a), ela é reconhecida como uma relativa. Além disso, como veremos
2
Uma relativa apositiva (explicativa), como o próprio nome sugere, funciona como um aposto, o que motiva análises
que assumem que o encaixe, neste tipo de relativa, é diferente (DE VRIES, 2002; BIANCHI, 1999).
17
mais tarde, o pronome relativo-wh é compartilhado com a sentença matriz porque tem que
apresentar certas propriedades compatíveis com um constituinte dela.
Observamos que as sentenças de (8) são relativas mesmo sendo formalmente
diferentes. Em (8a) a sentença relativa é antecedida de um nome pessoa e, por isso, é
chamada relativa com núcleo nominal. Por não ter um nome antes, a relativa em (8b) é
chamada de relativa livre. Essas últimas são encabeçadas necessariamente por um pronome
relativo-wh, como veremos.
2.1 RELATIVAS COM NÚCLEO
O primeiro tipo de relativas é chamado de relativa com núcleo porque elas sempre
dependem sintaticamente desse núcleo, que é um nome. Elas funcionam como modificadores
do nome e tradicionalmente são representadas como adjunto do NP, como em (10):
(10)
[NP [NP O alunoi [CP que eci rasgou o livro] foi descuidado]].
Em (10) o NP aluno é o constituinte relativizado e funciona, simultaneamente, como parte do
sujeito do verbo matriz ser e, por co-referência, como sujeito do verbo encaixado rasgar, que é
foneticamente nulo. Se entendemos que o que em (10) é um pronome relativo-wh, ele nasce na
posição de argumento externo do verbo rasgar (ec) e se move para a posição de SpecCP para
realizar a relativização; se entendemos que o que é um complementizador, a posição de
argumento do verbo rasgar é preenchida por um OP que, posteriormente, se desloca a
SpecCP. Ou seja, todo o DP [o aluno que rasgou o livro] satisfaz os requisitos do núcleo da
sentença matriz e a ec (co-referente ao NP) satisfaz os requisitos da sentença encaixada. Por
isso, nesse tipo de relativa o NP e a ec podem apresentar papel temático, função sintática e
categoria independentes, na sentença matriz e na encaixada:
(11)
a. Ela gosta do menino [que eu vi ec na festa].
b. João conheceu a menina [que ec mora com sua irmã].
Em (11a) o constituinte NP menino, que faz parte do complemento da preposição de
(selecionada pelo verbo gostar) e, por co-referência, do verbo ver, é o constituinte relativizado.
18
O NP na sentença matriz integra um PP e na sentença encaixada um DP. Na sentença matriz o
menino recebe papel temático de tema e caso oblíquo da preposição de; na encaixada a ec
recebe papel temático de tema e caso acusativo do verbo ver. Caso semelhante ocorre em
(11b) em que o NP menina integra um DP, recebe papel temático de tema e caso acusativo do
verbo da sentença matriz conhecer, e a ec, também do tipo DP, recebe papel temático de
agente e caso nominativo da flexão (Iº) do verbo morar. Essas sentenças evidenciam que,
mesmo sendo co-referentes, o NP e a ec são independentes quanto ao papel temático, função
sintática e tipo de categoria.
As relativas com núcleo podem ser divididas em relativas com pronome resumptivo e
relativas sem pronome resumptivo. Começando com as primeiras temos:
(12)
a. O livro [que a Maria leu ele] é interessante.
b. A pá [que o João cavou o buraco com ela] quebrou.
Em (12a) o constituinte relativizado livro é retomado por um pronome resumptivo (ele), que está
no lugar onde deveria estar a ec. A presença do pronome resumptivo indica que não há
movimento do que, já que não temos uma ec envolvida. O mesmo ocorre em (12b) em que o
pronome resumptivo (ela) é selecionado por uma preposição. As sentenças do tipo de (12) são
chamadas por Tarallo (1983) de relativa resumptiva (ou copiadora).
O constituinte que de (12) é considerado um complementizador3, primeiro porque não há
movimento do que, e segundo por causa da agramaticalidade de (13):
(13)
a. *O livro [CP o qual a Maria leu ele] é interessante.
b. *A pá [CP com a qual o João cavou o buraco com ela] quebrou.
3
Apesar de afirmarmos que o que em (12) é um complementizador, sabemos que ainda não há um consenso na
literatura no que diz respeito a esse operador que. Tarallo (1983) considera que o que das relativas é um
complementizador, com exceção da relativa padrão (pied piping), como em (i):
(i)
a. *This is the pen with that I wrote the book.
b. Esta é a caneta com que eu escrevi o livro.
c. Esta é a caneta com a qual eu escrevi o livro. (ÁREAS, 2002, p. 73)
Segundo Tarallo, as relativas pied piping do inglês são formadas por uma preposição mais um pronome relativo, o
que explica a agramaticalidade de (i.a). Assim, o que em construções pied piping, como em (i.b), é um pronome
relativo e não um complementizador. Nos demais tipos de relativas o que é sempre um complementizador.
Em trabalho subseqüente ao de Tarallo; Kato (1993) faz uma análise das relativas resumptivas e cortadoras
e propõe que o operador que utilizado nessas estruturas é “um pronome relativo extraído de uma posição nãocanônica” (KATO, 1993, p.226) ao contrário do que dizia Tarallo. Para dar força a sua tese, Kato argumenta que se
compararmos o que, do português brasileiro, com o that do inglês (que é sem sombra de dúvidas um
complementizador), verificaremos que o que é mais parecido com um pronome relativo.
19
As sentenças relativas, entre colchetes, em (13) mostram que, em português brasileiro, se uma
sentença tem pronome resumptivo ela não pode ter pronome relativo-wh4. Assim, o pronome
resumptivo dentro da relativa atesta que não temos um pronome relativo-wh introduzindo a
sentença entre colchetes em (12). Por isso, o que de (12) é um complementizador e não um
pronome relativo-wh.
O que também é um complementizador em (14), em que não há um pronome
resumptivo:
(14)
Esta é a pá [CP que o João cavou o buraco com].
A sentença entre colchetes de (14) é chamada de relativa cortadora, pois há o apagamento da
preposição. Aqui, o que também é considerado um complementizador. Se houvesse pronome
relativo-wh em CP ele deveria ser antecedido de uma preposição:
(15)
Esta é a pá [CP com que o João cavou o buraco].
Entretanto, a preposição não está presente em (14), o que nos leva a supor que o que é um
complementizador e que um OP preenche o SpecCP.
Ao contrário, em (15) o que é um pronome relativo-wh. Se fosse um complementizador
ele deveria aceitar o resumptivo:
(16)
a. *Esta é a pá [CP com que o João cavou o buraco com ela].
b. Esta é a pái [CP com a quali o João cavou o buraco eci].
(16a) não aceita o pronome resumptivo, pois o que é um pronome relativo-wh, o que pode ser
confirmado pela gramaticalidade de (16b) em que temos o pronome relativo-wh qual. Nesse tipo
de sentença há, com certeza, movimento do pronome relativo-wh para o início da sentença
4
O pronome resumptivo tem que estar dentro da relativa. Caso contrário, as sentenças do alemão, abaixo, seriam
um contra-exemplo (VOGEL, 2001, p. 108):
(i)
[Wer
einmal lügt], (der)
lügt auch
ein zweites Mal.
Quem-NOM uma+vez mente, (ele-NOM) mente também uma segunda vez.
(ii)
[Wer
einmal
lügt], *(dem)
glaubt man
nicht.
Quem-NOM uma+vez mente, *(ele-DAT) acredita nele-NOM não.
‘Ninguém mais acredita em pessoas que mentiram uma vez’
As duas sentenças apresentam uma relativa livre entre colchetes que sempre é iniciada por um pronome relativowh. Elas também contêm um resumptivo der, dem. A sentença é boa porque o resumptivo está fora da relativa.
20
encaixada. O NP pá é co-referente a categoria vazia (ec) através da expressão-wh com a qual
em SpecCP. A esse tipo de relativa, em que o pronome relativo-wh se move para a periferia
esquerda da sentença e leva junto consigo a preposição, chamamos de relativa padrão pied
piping. Temos que admitir que há movimento do pronome relativo-wh para a periferia esquerda
da sentença, pois se o deixarmos in situ a sentença será mal formada:
(17)
* Esta é a pái [CP [C’ o João cavou o buraco com a quali]].
Salvo casos especiais, como (18a) abaixo, em português brasileiro, quando a preposição não é
apagada o pronome relativo-wh leva consigo a preposição, formando relativas padrão pied
piping (18b,c):
(18)
a. O casamento [que ele é contra ec].
b. O homem [com quem eu falei ec] ontem passou no vestibular.
c. A casa [na qual eu vivi ec] é pequena.
Ao contrário do português brasileiro, em algumas línguas, como o inglês, é muito comum
o pronome relativo se mover e deixar pra trás a preposição:
(19)
This is the man
Este é o
[who I talked to ec].
homem quem eu falei com.
Quando isso ocorre (preposição in situ) temos a chamada relativa com preposição órfã (ou
preposition stranding).
O último tipo de relativa sem pronome resumptivo é o descrito abaixo:
(20)
a. A pái [que eu comprei eci] não estava afiada.
b. Eu encontrei o rapazi [que eci assaltou sua casa].
A ec das sentenças em (20) são um DP. Em (20a) a ec está na posição de argumento interno
do verbo comprar e em (20b) na posição de argumento externo do verbo assaltar. Neste tipo de
relativa não sabemos se o que é um pronome relativo-wh (originado por movimento) ou um
complementizador. Tarallo (1983) diz que o que presente nesse tipo de sentença é sempre um
21
complementizador; já Kato (1993) argumenta que esse que é um pronome relativo-wh5. Aqui,
vamos assumir que o que em sentenças do tipo de (20) é sempre um pronome relativo-wh.
2.2 RELATIVAS LIVRES
O outro tipo de relativas são as relativas livres. Como definimos na seção 2, uma relativa
com núcleo modifica um núcleo nominal. Já em uma relativa livre esse núcleo nominal não é
explicito:
(21)
a. João comeu [o que a Maria cozinhou].
b. João comeu a comida [que a Maria cozinhou].
A sentença entre colchetes em (21a) é uma relativa livre. Uma relativa livre pode ser
parafraseada por uma relativa com núcleo nominal, como em (21b)6.
Como uma relativa é sempre uma sentença encaixada, ela pode ser construída como
argumento externo de um verbo (22a) ou argumento interno (22b)7:
(22)
a. [O que aconteceu] abalou João.
b. Maria não comprou [o que eu pedi].
Pode também ser adjunto de um VP, como em (23):
(23)
Maria saiu [quando Pedro chegou].
5
Como o foco desse estudo não é as relativas com núcleo, não vamos entrar nos detalhes/evidências que
diferenciam essas duas análises (que = complementizador ou que = pronome relativo). Para maiores informações
ver Tarallo (1983) e Kato (1993).
6
Às vezes, uma relativa livre pode ter mais do que uma paráfrase:
(i)
(ii)
João ligou para quem estava na casa da Maria.
a. João ligou para a pessoa que estava na casa da Maria.
b. João ligou para as pessoas que estavam na casa da Maria.
O pronome relativo quem pode ser usado para designar uma ou mais pessoas, dentro do universo do discurso que
contém o conjunto da(s) pessoa(s) que estavam na casa da Maria.
7
Vamos deixar de lado, por enquanto, a discussão acerca do lugar em que o pronome relativo-wh está localizado:
dentro ou fora da relativa. Vamos assumir, por facilidade, que o pronome relativo-wh está dentro da relativa livre.
22
Ou então, funcionar como um predicativo:
(24)
Ana é [quem está com medo do tigre].
O que não pode ocorrer é uma relativa livre com função sintática de adjunto adnominal. Quando
for adjunto de um nome, a relativa formada será uma relativa com núcleo:
(25)
Maria comprou as frutas [que eu pedi].
Assim, as relativas livres podem exercer as funções sintáticas de argumento, adjunto ou
predicativo. Já as relativas com núcleo exercem somente a função sintática de adjunto
adnominal.
Uma característica saliente de uma relativa livre é que ela só pode ser iniciada por
pronomes relativos-wh especiais. Esses pronomes relativos-wh são especiais porque sempre
incorporam o que seria o núcleo nominal de uma relativa com núcleo:
(26)
Não me lembro [onde eu deixei as chaves do carro].
Em (26) o pronome relativo-wh onde incorpora o núcleo nominal lugar que seria o constituinte
compartilhado em uma relativa com núcleo:
(27)
Não me lembro do lugar [em que deixei as chaves do carro].
De forma semelhante ao onde, o pronome relativo quem sempre incorpora o núcleo nominal
pessoa; o que incorpora o núcleo nominal coisa; quando incorpora o núcleo nominal momento;
como incorpora o núcleo nominal modo e, por fim, o pronome relativo quanto incorpora o núcleo
nominal quantia:
(28)
a. Eu vou encontrar [quem eu estou procurando].
a'. Eu vou encontrar a(s) pessoa(s) [que eu estou procurando].
(29)
a. Eu vou comprar [o que você escolheu].
a'. Eu vou comprar a(s) coisa(s) [que você escolheu].
23
(30)
a. Maria saiu [quando João entrou].
a'. Maria saiu no momento [em que João entrou].
(31)
a. Ele procedeu [como João ordenou].
a'. Ele procedeu da maneira [que João ordenou].
(32)
a. Ele vai cobrar [quanto quer pelo vinho].
a'. Ele vai cobrar a quantia [que quer pelo vinho].
Os pronomes relativos-wh que não embutem o núcleo nominal não podem encabeçar
uma relativa livre. Este é o caso do que, do qual e do cujo que não embutem nada8 (podem ser
usados tanto pra coisa como pra pessoa) e, por isso, são sempre usados com antecedente
nominal explícito:
(33)
a. *Eu vi [que você acha bonito].
b. Eu vi o meninoi [que você acha elei bonito].
(33a) é agramatical porque o que não incorpora nenhum núcleo nominal da sentença matriz.
Atenção especial deve ser dada à expressão o que. Há situações, como a exemplificada
em (34), em que o o é claramente um artigo definido precedendo um nome foneticamente não
realizado:
(34)
(Dos livros,) eu vou comprar o ec [que você escolheu].
Em (34) a ec corresponde ao nome recuperado anaforicamente a partir do tópico dos livros.
Neste caso, é acidental que os dois itens ocorram adjacentes. A tradução desta sentença para
o inglês seria como (35):
(35)
8
I will buy the one [that you chose].
O pronome-wh por que não entra nessa regra de embutir ou não um núcleo nominal pois, ele é o único dos
pronomes-wh que é usado somente em contextos interrogativos, ou seja, ele é [+interrrogativo].
24
O que a tradução inglesa revela é que, na falta de nome nulo, existe um núcleo nominal que
antecede a relativa: one. Então, não se debate que (35) contém uma relativa com núcleo
nominal.
Entretanto, há situações, como a exemplificada em (36), em que não é tão claro que
uma análise como a esboçada em (35) se sustente:
(36)
a. O João comprou o [que a Maria pediu para ele].
b. O João comprou aquilo [que a Maria pediu para ele].
Muitas vezes se considera que (36a) pode ser analisada como contendo o pronome
demonstrativo o (=aquilo) e o pronome relativo-wh que. Essa forma de analisar a expressão
implica que não temos uma relativa livre em (36a), mas uma relativa com núcleo nominal: o
demonstrativo neutro faria o papel de núcleo, assim como em (36b). Mas se traduzimos (36a)
para o inglês, temos em lugar de o que o pronome relativo-wh what:
(37)
John bought what Mary asked him.
Isto é, se se sustenta a análise que diz que o é o demonstrativo neutro aquilo, teríamos uma
situação em que a relativa numa língua, português, seria considerada relativa com núcleo e em
outra, inglês, relativa livre. Não achamos que isso deva ser considerado um problema. O que
nos parece problemático é a arbitrariedade que a análise de o como demonstrativo implica: no
português (brasileiro) não podemos fazer relativa livre com um pronome relativo que não
embute nenhum núcleo nominal (ou seja, que pode ser usado tanto para coisa quanto para
pessoa).
Para resgatar a idéia de que o que pode ser um pronome relativo e eliminar a
arbitrariedade, Carlos Mioto (em conversa pessoal) me apontou o exemplo em (38):
(38)
O que a Maria é é escandalosa.
De modo interessante, (38) pode ser usado em favor da hipótese de que o que≡what. O
raciocínio vai assim: se o fosse o pronome demonstrativo neutro (e, portanto, o núcleo nominal
que antecede a relativa), o adjetivo teria que concordar com ele, assumindo a forma do nãomarcada; como (38) é gramatical com o adjetivo na forma marcada pela flexão de feminino, o o
25
não pode ser o demonstrativo neutro e, portanto, o que≡what. Em suma, (38) mostra que existe
a equivalência o que≡what.
Dessa forma, os pronomes relativos-wh (ditos especiais) que iniciam uma relativa livre
são aqueles que incorporam o núcleo nominal da sentença matriz: o que, quem, onde, como,
quando e quanto. Os outros pronomes relativos-wh, por não incorporarem esse núcleo, nunca
podem iniciar uma oração relativa livre: que, qual, cujo. Ao contrário, uma relativa com núcleo
pode conter qualquer pronome relativo-wh, até mesmo um complementizador.
2.2.1 Relativa livre X Interrogativa encaixada
Por serem iniciadas por um pronome-wh, as relativas livres são freqüentemente
confundidas com as interrogativas encaixadas:
(39)
a. Eu me pergunto [quem a Maria convidou para a festa].
b. Eu conheço
[quem a Maria convidou para a festa].
A sentença entre colchetes em (39a) é uma interrogativa encaixada e a de (39b) é uma relativa
livre. Essa semelhança do pronome-wh também ocorre em algumas línguas como o alemão
(VAN RIEMSDIJK, 2000, p. 22) em que o pronome-wh utilizado para construir sentenças
interrogativas (40a) e relativas livres (40b) são pronomes iniciados por w (wen) e o pronome-wh
utilizado para construir relativas com núcleo (40c) são pronomes iniciados por d (den). Vejamos
os exemplos do autor9:
(40)
a. Peter fragte
wen ich worziehe.
Peter perguntou quem eu prefiro.
b. Peter hasst wen
ich vorziehe.
Peter odeia quem (quer que) eu prefira.
9
Caponigro (2002, p. 144) aponta que, além do alemão, o italiano também usa os mesmos pronomes-wh para
introduzir uma relativa livre e uma interrogativa enquanto as relativas com núcleo são introduzidas por outros
pronomes-wh. Ele afirma que nunca iremos encontrar uma língua que use um determinado tipo de pronome-wh
com relativas livres e relativas com núcleo e outro tipo de pronomes-wh com as interrogativas encaixadas.
26
c. Peter hasst den Mann,
Peter odeia o
den ich vorziehe.
homem que eu prefiro.
Essa semelhança sugere duas coisas: primeiro que uma relativa livre não pode ser
simplesmente um subtipo de uma relativa com núcleo e, segundo, que as relativas livres
parecem ser diretamente relacionadas às interrogativas, já que são introduzidas pelos mesmos
pronomes-wh em todas as línguas.
Assim, dada a definição de relativa livre elaborada na seção anterior, temos que
reconhecer como relativa a sentença (41) abaixo:
(41)
Eu vi [o que você comprou] na feira ontem.
A sentença entre colchetes em (41) é uma relativa livre, pois é uma sentença encaixada; não
possui um núcleo nominal explícito, mas pode ser parafraseada por uma relativa com núcleo; e,
é iniciada por um pronome relativo-wh (o que) que incorpora o núcleo nominal da sentença
matriz (coisa). Entretanto, só essas características não bastam para determinar uma relativa
livre, caso contrário poderíamos chamar a sentença encaixada em (42) de relativa livre:
(42)
Eu quero saber [o que você comprou] na feira ontem.
Em (42) a sentença entre colchetes é uma sentença encaixada; não possui um núcleo nominal
explícito e é iniciada por um pronome-wh (o que). No entanto, (42) não contém uma relativa
livre, mas sim uma interrogativa encaixada, como veremos a seguir através de três testes: a)
inserção do constituinte (é) que logo após o pronome-wh; b) inserção do quer que logo após o
pronome-wh e c) substituição do pronome-wh por uma expressão claramente interrogativa.
Além disso, verificaremos algumas propriedades que caracterizam essas duas estruturas: a)
diferença de significado; b) diferença quanto à extração em contexto de ilha; e, c) propriedades
selecionais do verbo da sentença matriz.
O primeiro teste que diferencia uma relativa livre de uma interrogativa encaixada, foi
elaborado por Alvarenga (1981) e adaptado por Baker (1988 apud MEDEIROS JÚNIOR, 2005a,
p. 17). O teste consiste em inserir (é) que logo após o pronome-wh. Se a sentença resultante for
bem formada, como em (43a') o que temos é uma interrogativa encaixada; caso contrário (43b')
temos uma relativa livre:
27
(43)
a. A Maria perguntou [quem roubou o banco].
a'. A Maria perguntou [quem (é) que roubou o banco].
b. Maria convidou para a festa [quem João indicou].
b'. *Maria convidou para a festa [quem (é) que João indicou].
Pelo teste, a sentença entre colchetes em (43a) é uma interrogativa encaixada, pois aceita a
inserção do (é) que. Já a sentença entre colchetes em (43b) é uma relativa livre.
Compreendemos o funcionamento do teste observando que a sentença com é que é
uma clivada (44a), sentença que, como afirmam Modesto (2000); Kato & Ribeiro (2007) e
Mioto10 (no prelo), é designada para focalizar. Também o que das sentenças com Comp
duplamente preenchido (44b), chamada por Kato et al. (1996) de clivada reduzida, é usado para
isolar o foco:
(44)
a. O João é que gosta de voar.
a'. Quem é que gosta de voar?
b. O João que gosta de voar.
b'. Quem que gosta de voar?
Se temos em mente que o pronome interrogativo-wh sozinho é o foco da sentença interrogativa,
entendemos por que se pode usar o (é) que com ele. Se, por outro lado, temos em mente que o
pronome relativo-wh não pode ser sozinho o foco de uma sentença (45a) enquanto toda a
relativa livre pode (45b), entendemos a razão da impossibilidade de usar (é) que.
(45)
a. *[O que] (é) que o João comprou agradou a Maria.
b. [O que o João comprou] (é) que agradou a Maria.
O segundo teste que pode ser aplicado foi proposto por Medeiros Júnior (2005a,b, p. 94-
95). O teste consiste em inserir quer que logo após o pronome-wh efetuando as alterações
necessárias no modo do verbo11. Se a sentença resultante for bem formada, como em (46a'),
temos uma relativa livre; caso contrário (46b') temos uma interrogativa encaixada:
10
11
MIOTO, Carlos. Pseudo-clivadas no português brasileiro.
Esse teste é uma adaptação da língua inglesa. Os pronomes relativos-wh, em inglês, podem conter o sufixo -ever
(i.a) o que não é permitido nas interrogativas encaixadas (i.b):
28
(46)
a. Pedro convence [quem ele conhece] a trabalhar com ele.
a'. Pedro convence [quem quer que ele conheça] a trabalhar com ele.
b. Pedro quer saber [quem trabalha com ele].
b'. *Pedro quer saber [quem quer que trabalhe com ele].
O terceiro e último teste, para distinguir uma relativa livre de uma interrogativa
encaixada, foi proposto por Carlos Mioto (em conversa pessoal). O teste consiste em substituir
o pronome-wh por uma expressão claramente interrogativa:
(47)
a. João sempre lê [o que a Maria escreve].
a'. *João sempre lê [que tipo de livro a Maria escreve].
b. João perguntou [o que a Maria escreve].
b'. João perguntou [que tipo de livro a Maria escreve].
Nas interrogativas o pronome interrogativo-wh sempre precede um NP e por estar em
distribuição complementar com determinantes, pode ser considerado um determinante (D). Por
exemplo, o quem é sempre descrito como que pessoa; o que como que coisa; e assim por
diante:
(48)
a. Que pessoa a Maria convidou para a festa?
b. Que presente você quer ganhar no Natal?
c. Qual sapato você quer comprar?
(i)
a. I’ll buy whatever he is selling.
b. *I’ll inquire whatever he is selling. (BRESNAN & GRIMSHAW, 1978, p. 334)
Bresnan & Grimshaw (1978, p. 334) acrescentam que a palavra ever pode ser utilizada em interrogativas como um
“quantificador temporal” (ii.a) ou um “intensificador retórico” (ii.b). Porém, quando o ever é usado em interrogativas
ele nunca pode ser grudado com o pronome interrogativo-wh. Já nas relativas livres, o ever deve ser sempre
concatenado com o pronome relativo-wh como um sufixo (ii.c); caso contrário, como mostra (ii.d), a sentença é
agramatical:
(ii)
a. Who did he ever kiss?
b. What ever is the matter with him now?
c. I kissed whoever he kissed
d. *I kissed who he ever kissed.
29
Todas as sentenças interrogativas de (48) são construídas na ordem: pronome interrogativo-wh
mais nome (wh+NP). Ao contrário, nas relativas é o NP que é seguido pelo pronome relativo-wh
(NP+wh):
(49)
a. João convidou para a festa a pessoa [que Maria pediu].
b. João comprou o presente [que Maria pediu].
c. Maria escolheu o sapato [do qual mais gostou].
(50)
a. João convidou para a festa [quem a Maria pediu].
b. João comprou [o que a Maria pediu].
Nas relativas com núcleo (entre colchetes em (49)) o NP sempre precede o pronome-wh. Da
mesma forma nas relativas livres (entre colchetes em (50)), o quem é descrito como a pessoa
que, o que como a coisa que, o livro que; etc.. Portanto, como o pronome-wh o que, em (47b),
pode ser substituído por que+NP (que tipo de livro) dizemos que ele está em uma estrutura
claramente interrogativa.
Além desses três testes, uma relativa livre pode ser distinguida de uma interrogativa
encaixada de outras três maneiras. A primeira distinção diz respeito ao significado
(CAPONIGRO, 2002, p. 141):
(51)
a. Eu vi [o que você comprou] na feira ontem.
a'. Eu vi a(s) coisa(s) [que você comprou] na feira ontem.
b. Eu quero saber [o que você comprou] feira ontem.
b'. Eu quero saber [qual(is) coisa(s) você comprou] na feira ontem.
Em (51) mesmo que o constituinte [o que você comprou] seja idêntico na relativa livre contida
em (51a) e na interrogativa encaixada, contida em (51b), observamos que o pronome-wh o que
possui significados diferentes. Quando faz parte de uma relativa livre, o pronome-wh tem uma
leitura definida (maximização); quando faz parte de uma interrogativa encaixada, esse
pronome-wh tem uma interpretação existencial12.
12
As características semânticas de uma relativa livre serão tratadas ainda neste capítulo (seção 3).
30
A segunda diferença que essas estruturas apresentam é quanto à extração, permitida
nas interrogativas, mas bloqueada nas relativas13:
(52)
a. [Que poesia]i a Ana perguntou [quando o Pedro declamou ti].
b. *[Que poesia]i a Ana chorou [quando o Pedro declamou ti]
Nenhum constituinte pode ser extraído de dentro da relativa livre de (52b). A extração da
expressão que poesia para fora da relativa torna a sentença (52b) agramatical. Isso ocorre
porque as relativas são ilhas fortes e, por isso, não permitem extração nem de adjunto, nem de
complemento (ROSS, 1967). Já as sentenças interrogativas, que são ilhas fracas, permitem
extração de complemento para fora do CP, como mostra a gramaticalidade de (52a) em que a
expressão que poesia é extraída.
A terceira diferença entre uma relativa livre e uma interrogativa pode ser inferida a partir
do verbo matriz das sentenças em (53): o verbo devolver de (53a) seleciona um DP como
complemento e o verbo dizer de (53b) seleciona um constituinte que não pode ser reduzido a
um DP, ou seja, um CP interrogativo (VAN RIEMSDIJK, 2000, p. 3)14. Se a sentença for boa
com a inserção de um DP, como fazemos com o livro em (53a'), logo após o verbo da sentença
matriz, temos uma relativa livre; caso contrário, como mostra (53b'), temos uma interrogativa
13
Exceção a isso são as relativas livres transparentes (que não serão tratadas nesta dissertação):
(i)
a. John is what you might call angry about something.
b. What is John what you might call angry about ec? (SCHELFHOUT; COPPEN & OOSTDIJK, 2004, p. 2)
Em (i.a) temos uma relativa livre transparente. Esse tipo de sentença, diferentemente das relativas livres
canônicas, permite extração de dentro da relativa como observamos em (i.b).
Engdahl (1997 apud HOGOBOOM, 2003, p.78) observa que o norueguês parece permitir extração do sujeito de
uma relativa livre quando toda relativa livre estiver em posição de objeto direto do verbo da matriz. Porém essa
extração só ocorre em condições muito específicas, como em (ii) abaixo:
(ii)
[Denne kunstneren]i kjØper jeg hava enn
ti produserer.
Deste artista
compro eu o+que quer+que produsa.
‘Eu compro o que quer que este artista produza’
Porém, ao contrário do que Engdahl afirma, essa sentença não parece ser um contexto de uma verdadeira
extração. Para Cinque (1990) Denne kunstneren é um tipo de tópico (chamado de hanging topic): assume-se que
este tipo de tópico é gerado diretamente na posição de tópico e é retomado como uma ec (um prozinho) ou um
pronome na posição de sujeito do verbo produzir:
(ii)
14
Este artista, eu compro o que ele produz.
Alguém poderia argumentar que o verbo dizer, em (53b) pode selecionar um DP, como em (i.a):
(i)
a. [Você poderia me dizer [DP o nome do livro que está em cima da mesa?]].
b. [Você poderia me dizer [CP qual [DP o nome do livro que está em cima da mesa?]]].
Porém, (i.a) não constitui um contra-exemplo. Em (i.a) temos claramente um CP vazio, que pode ser preenchido
por qual como observamos em (i.b).
31
encaixada. Alternativamente, se a sentença for gramatical com a inserção de um CP
interrogativo logo após o verbo da sentença matriz, como fazemos com a sentença iniciada pelo
complementizador se em (53b''), temos uma interrogativa; caso contrário (53a'') temos uma
relativa livre:
(53)
a. Você deve devolver [o que você terminou de ler] para a biblioteca15.
a'. Você deve devolver [NP o livro] para a biblioteca.
a''. *Você deve devolver [CP se você terminou de ler o livro] para a biblioteca?
b. Você poderia me dizer [o que você terminou de ler]?
b'. * Você poderia me dizer [NP o livro].
b''. Você poderia me dizer [CP se você terminou de ler o livro]?
Essa diferença é motivada, pois uma relativa livre tem a mesma distribuição sintática de DPs
(BRESNAN & GRIMSHAW, 1978, p. 336)16.
Podemos formular duas conseqüências do fato de a relativa livre ser um DP. Se uma
relativa livre é um DP, ela necessariamente precisa ser marcada por caso. Por isso, é de se
prever que a ocorrência de uma relativa livre é favorecida em posições casuais, como a de
sujeito em (54a):
(54)
a. [O que João fez] abalou os amigos.
b. Abalou os amigos [que o João tenha sumido].
Isto é, [o que o João fez] figura naturalmente no SpecIP. Por outro lado, em (54b) [que o João
tenha sumido], por não poder ser reduzido a um DP, não figura naturalmente no SpecIP: sua
15
As sentenças em (53) foram adaptadas de Van Riemsdijk (2000, p. 3):
(i)
16
a. You should return [what you have finished reading] to the library.
b. Could you tell me [what you have finished reading].
Temos que tomar cuidado com alguns verbos que são ambíguos como, por exemplo, o verbo saber:
(i)
a. Maria sabe [CP se Pedro chegou de viagem]?
b. Maria sabe [DP o caminho para a Universidade]. (MEDEIROS JÚNIOR, 2005a, p. 17)
A sentença entre colchetes em (i.a) é uma interrogativa encaixada do tipo sim/não. Em (i.b) o verbo saber
seleciona um DP como seu complemento; portanto, a sentença entre colchetes poderia ser substituída por uma
relativa livre (aqui o verbo saber tem o sentido de conhecer).
32
posição mais natural é à direita do verbo. Esta afirmação fica até mais clara se consideramos
(55):
(55)
a. Ela tem medo de [quem a reprime].
b. *Ela tem medo [quem a reprime].
c. Ele tem medo [que o professor a reprima].
Sabemos que uma categoria [+N] é incapaz de atribuir caso. Quando um nome tem um
argumento, como é o caso do nome medo em (55a), se esse argumento é um DP, ele precisa
receber caso. Como o nome é incapaz de atribuir caso, uma preposição funcional é inserida
para desempenhar essa função. (55b) mostra que, se a preposição não é inserida, a sentença
fica agramatical. Portanto, o complexo [quem a reprime] deve funcionar como um DP; e o
pronome relativo-wh deve ser a parte do complexo que assimila o caso. Por outro lado, a
preposição não é obrigatória em (55c), o que nos permite concluir que [que o professor a
reprima] não deve ser um DP. Em conclusão, o aparato para que o Filtro do Caso não seja
violado deve estar disponível na estrutura.
Consideremos, agora, uma relativa livre e uma interrogativa que funcionam como objeto
direto de um verbo, como as de (56):
(56)
a. João esbofeteou [quem beijou a Maria].
b. João quer saber [quem beijou a Maria].
De acordo com o que estamos defendendo, a relativa livre precisa de caso. A fonte só pode ser
o verbo transitivo esbofetear e o caso tem que ser acusativo. Como quem é um pronome
relativo que corresponde a um DP, ele é capaz de assimilar o caso de que a relativa precisa.
Assim, o caso acusativo é atribuído naturalmente. Poderíamos pensar que o mesmo ocorre em
(56b), mas, de acordo com a distinção de Van Riemsdijk (2000), uma interrogativa encaixada
não é um DP. Então, caso não é relevante para a interrogativa e o fato de ela ser introduzida
por um pronome-wh, que é um DP, é acidental. De fato, introduzindo a interrogativa poderíamos
ter qualquer pronome interrogativo-wh sem mudar o estatuto de complemento da sentença. É o
que mostra (57):
(57)
a. O João perguntou [com quem/onde/quando/por que/como a Maria vai casar].
b.
quer saber [para quem a Maria comprou o presente].
33
c.
[que dia a Maria vai casar].
d.
[qual roupa deve usar no casamento].
e.
[quem vai casar].
f.
[de quem a Maria gosta].
Já a relativa livre que é o complemento do verbo esbofetear, por ser um DP e por precisar ser
marcada por caso, só pode ser introduzida por um pronome relativo-wh compatível com o que o
verbo atribui: acusativo. Na próxima seção, abordamos rapidamente, estes requerimentos de
compatibilidade que são impostos a uma relativa livre.
2.2.2 Requerimentos de compatibilidade
Como foi apontado na seção anterior, uma relativa livre figura como um DP e por isso
precisa ser marcada por caso. Dessa forma o pronome relativo-wh, que inicia uma relativa livre,
tem que ser compatível com o caso que o núcleo da sentença matriz atribui:
(58)
Eu vou comprar [DP [DP o que]i você está vendendo eci].
Em (58) o verbo da sentença matriz comprar atribui caso acusativo à relativa livre que é
introduzida pelo pronome relativo-wh o que (DP). Na relativa é a ec (co-referente ao pronome
relativo-wh) que satisfaz os requisitos do verbo vender, que também seleciona um DP como seu
complemento, e atribui a ele caso acusativo. Como uma relativa livre é sempre iniciada por um
pronome relativo-wh, no final das contas é esse pronome relativo-wh que tem que satisfazer os
requisitos de caso e/ou categoria dos dois núcleos envolvidos na sentença. Essa igualdade
sintática que o pronome relativo tem que respeitar é chamada de Requerimento de
Compatibilidade (Matching Requirement) por Bresnan & Grimshaw (1978).
Quando o pronome relativo-wh não consegue satisfazer os requerimentos de um dos
núcleos envolvidos na sentença, a estrutura formada pode ser agramatical:
(59)
a. *Eu conheci [DP [PP com quem]i a Maria se casou eci].
b. * Eu conheci [PP [DP quem]i a Maria se casou eci].
34
(59a) é agramatical porque o verbo da sentença encaixada casar seleciona um PP como seu
complemento (com quem). Embora esse PP seja selecionado pelo verbo da sentença
encaixada, ele não está em conformidade categorial com o verbo da sentença matriz conhecer
que seleciona um DP como seu complemento. Portanto, há uma incompatibilidade de
categorias e também caso, tornando (59a) agramatical. O mesmo ocorre em (59b) em que,
embora o pronome relativo-wh seja selecionado categorialmente pelo verbo da sentença matriz
conhecer, não está em conformidade categorial com o verbo da sentença encaixada casar que
seleciona um PP.
Trocando um dos verbos de (59) a agramaticalidade é resolvida:
(60)
a. Eu conheci [DP [DP quem]i Maria ama eci].
b. Eu conversei [PP [PP com quem]i Maria se casou eci].
As sentenças em (60) são boas porque os verbos das sentenças matrizes (conhecer,
conversar) e encaixadas (amar, casar) subcategorizam respectivamente os mesmos elementos:
um DP em (60a) e um PP em (60b). Mioto (no prelo) afirma que coisa semelhante pode ser dita
para as sentenças peseudo-clivadas:
(61)
a. [DP [DP O que a Maria é] é escandalosa].
b. ? [DP [PP Onde a Maria mora] é em Florianópolis]17.
(61a) é boa, pois a relativa livre, que está na posição de sujeito, é um DP e o pronome relativowh também é da categoria DP. Por outro lado, (61b) não é tão boa, talvez agramatical, porque o
pronome relativo-wh é um PP e toda relativa deveria ser um DP (incompatibilidade de
categoria).
No entanto, esses requerimentos de compatibilidade não funcionam da mesma forma
em todas as línguas. Por isso, o capítulo II dessa dissertação, vai ser dedicado a esse
fenômeno.
Na seção 2.2 analisamos as características de uma relativa livre. Em resumo, elas são
sentenças encaixadas e não apresentam um núcleo nominal explícito, pois esse núcleo é
incorporado no pronome relativo-wh. Atenção especial foi dada à expressão o que. Há
situações em que o o é claramente um artigo ou demonstrativo precedendo um nome
17
Durante a defesa dessa dissertação, Mary A. Kato afirmou que, para ela, essa sentença é boa. Porém, eu e outros
informantes discordamos desse julgamento. Assim, usamos o ponto de interrogação (?) no início da sentença para
marcar essa discordância quanto a (a)gramaticalidade de algumas sentenças.
35
foneticamente não realizado e há situações em que o o que equivale ao what do inglês (visto
como uma expressão única o+que). Ainda, pelo fato de uma relativa livre e uma interrogativa
serem iniciadas pelos mesmos pronomes-wh, na seção 2.2.1 apresentamos algumas diferenças
entre essas duas estruturas. Por último, na seção 2.2.2, mostramos uma característica das
relativas livres, os requerimentos de compatibilidade: o constituinte relativizado tem que atender
as exigências que provêm tanto da sentença matriz quanto da sentença encaixada.
Na próxima seção vamos nos aprofundar um pouco na semântica das relativas livres.
3 A SEMÂNTICA DAS RELATIVAS LIVRES
A classificação semântica das relativas mais conhecida na literatura é aquela que
distingue relativas restritivas de relativas apositivas (ou explicativas). Essa relação semântica
ocorre entre o núcleo nominal e a sentença relativa. Vejamos os exemplos de De Vries (2002,
p. 16) adaptados para o português:
(62)
a. João falou aos palestrantes que falham no teste de didática.
b. João falou aos palestrantes, que falharam no teste de didática.
Em (62a) temos uma relativa restritiva. Nesse caso a relativa forma um constituinte com o
núcleo nominal NP palestrantes. Esse NP designa um conjunto que é interseccionado com o
conjunto designado pela relativa (conjunto dos palestrantes ∩ conjunto de todos os indivíduos
que não passaram no teste de didática). Nessa interseção a relativa restringe (ou determina) o
significado do NP (palestrantes), ou seja, o significado de (62a) é [João vai falar somente com o
grupo de palestrantes que falharam no teste] (ele não vai falar com possíveis palestrantes que
passaram no teste de didática). Já (62b) significa que [João vai falar com todos os palestrantes
no domínio do discurso, que, a propósito falharam no teste de didática]. Ou seja, a relativa
especifica o significado do núcleo nominal e por isso é chamada de relativa apositiva (ou
explicativa). Ao contrário, as relativas livres não modificam um núcleo nominal, pois não
possuem um núcleo nominal explícito (esse núcleo é embutido no pronome relativo-wh):
(63)
Eu comi [o que o garçom colocou no meu prato].
36
Em (63) não temos um núcleo nominal explícito no qual a relativa possa ser aplicada. Assim,
Grosu & Landman (1998) ampliam a classificação semântica de relativas restritivas e apositivas
e criam uma terceira tipologia: as relativas maximizadas.
De acordo com Grosu & Landman (1998), Van Riemsdijk (2000), De Vries (2002), entre
outros, a relativa livre pode ter interpretação definida ou universal18:
(64)
a. I
ate
what the waiter
Eu comi o+que o
a'. I
ate
garçom colocou no meu prato.
on my
plate.
coisa que o garçom colocou no meu prato.
will eat whatever
the waiter
Eu comerei o+que+quer+que o
b'. I
on my plate.
the thing that the waiter put
Eu comi a
b. I
put
will eat anything /
will put on my plate.
garçom coloque no meu prato.
everything the waiter
Eu comerei qualquer coisa/tudo+o+que o
put
on my plate.
garçom coloque no meu prato.
Em (64a) temos uma leitura definida e, em (64b) uma leitura universal. Ainda não há um
consenso a respeito do tipo de quantificador (anything/everything) envolvido na leitura universal
(64b'). Assim, essa sentença apresenta duas leituras: na primeira leitura (com o quantificador
anything) a paráfrase é [eu irei comer qualquer coisa de um conjunto de itens que o garçom
colocar no meu prato]. Esta leitura é chamada de free choice any; na segunda leitura a
paráfrase é (com o everything), [eu irei comer todos os itens (de comida) que o garçom colocar
no meu prato]. Van Riemsdijk (2000) ressalta que (64a) pode ser ambígua, ou seja, também
pode ter uma leitura universal (65):
(65)
I
will eat what
happens to be on the menu.
Eu comerei o+que estiver
no
menu.
Essa observação levou alguns lingüistas a se questionarem sobre a possibilidade de
unificar essas duas leituras. Jacobson19 (1995 apud VAN RIEMSDIJK, 2000; CAPONIGRO,
2001), assim como Grosu e Landman (1998) sugerem que essa unificação seja feita pela noção
18
Os exemplos (64) e (65) são de Van Riemsdijk (2000, p. 23).
19
JACOBSON, Pauline. On the quantificational force of English Free Relatives. In: BACH, E., JELINEK, E.,
KRATZER, A. and PARTEE, B.H. (eds.). Quantification in Natural Languages. Dordrecht: Kluwer, 1995, p. 451486.
37
de entidade plural máxima (maximal plural entity). Ou seja, eles propõem uma leitura semântica
de maximização para as relativas livres cuja interpretação é definida ou universal. Para
Jacobson (1995 apud CAPONIGRO, 2001, p. 8) “wh-words denote a function that applies to a
set P of individuals and returns the singleton set containing the maximal plural individual P”20,
como na sentença abaixo21:
(66)
João perguntou/trouxe [CP [o que]i Maria comprou ti].
A sentença-wh em (66) [o que Maria comprou ti] pode ser tanto uma relativa livre quanto uma
interrogativa (a escolha vai depender do verbo da sentença matriz). Mesmo assim, o significado
do CP de ambas as estruturas é o mesmo: os dois denotam um conjunto de indivíduos plurais
máximos que se origina da soma de todos os indivíduos atômicos que Maria comprou (se Maria
comprou somente uma coisa, o único indivíduo plural atômico e o indivíduo plural máximo
coincidem).
Se Maria comprou sorvete, bananas e carne o conjunto de indivíduos plurais vai ser
formado por todos esse indivíduos atômicos juntos (sorvete+ bananas+ carne):
(67)
Indivíduos atômicos que Maria comprou:
s: sorvete
b: banana
c: carne
(67) representa a lista dos indivíduos atômicos ou das coisas que Maria comprou. No diagrama
abaixo temos a denotação do IP [IP Maria comprou ti]. Essa denotação é o conjunto de todos os
indivíduos atômicos que Maria comprou mais todos os indivíduos plurais resultantes de todas as
possíveis ‘somas’ dos indivíduos atômicos que Maria comprou:
(68)
[IP Maria comprou ti] .
indivíduos
plurais
máximo
20
s+b+c
s+b
s+c
s
b+c
b
c
}indivíduos plurais
}indivíduos atômicos
“palavras-wh denotam uma função que é aplicada a um conjunto P de indivíduos e dá como retorno um conjunto
único que contém um indivíduo plural máximo”.
21
Essa explicação é adaptada de Caponigro (2001).
38
A combinação do pronome-wh com o IP muda a denotação de (68) para um conjunto
unitário que contém somente os indivíduos plurais máximos de (68):
(69)
[CP o quei [IP Maria comprou ti]] =
s+b+c
Ou seja, a contribuição semântica do pronome-wh é transformar o conjunto plural descrito em
(68) em um conjunto unitário de indivíduos plurais máximos.
Para dar conta da diferença entre relativas livres e interrogativas Jacobson (1995 apud
CAPONIGRO, 2001, p. 10) aplica duas operações semânticas diferentes no CP (que possui o
mesmo significado). Se o CP [CP o que Maria comprou] for selecionado por trouxe, como em
(70), teremos uma relativa livre e a ela é aplicada uma operação de type-shifting. Aqui a relativa
livre termina denotando ela mesma um indivíduo plural máximo (tipo <e> e não do tipo <e,t>).
Ou seja, a relativa livre funciona com um argumento. Grosu (2002, p. 147) acrescenta que o
núcleo C dessas relativas livres contém um traço [+definido] “which has the essential (but not
exact!) import of the definite article”22. É esse artigo definido em C que é visto como um
operador de MAX (maximização), que mapeia um conjunto de indivíduos em um único conjunto
singular máximo.
(70)
João trouxe [relativa livre o que a Maria comprou].
Caso o CP seja o complemento de um predicado interrogativo, como perguntar, teremos
uma sentença interrogativa. Uma outra operação semântica de type-shifting será aplicada e a
denotação final será uma única proposição verdadeira que afirma que [Maria comprou todas as
coisas que ela comprou]. Em uma situação como (67), (71) abaixo, denota uma proposição que
afirma que Maria comprou sorvete, banana e carne. Aqui o núcleo C contém um traço
[+interrogativo].
(71)
João perguntou [wh-interrogativo o que a Maria comprou].
Em resumo, quando o constituinte for uma relativa livre aplicaremos o type-shifting e a
relativa livre denotará uma entidade, um indivíduo do tipo <e>. Da mesma forma quando o
constituinte for uma interrogativa aplicaremos o type-shifting, só que agora a interrogativa
22
“o qual tem a característica essencial (mas não exata!) de um artigo definido”.
39
encaixada vai denotar um conjunto de proposições do tipo <e,t> que é uma sentença aberta
que vai buscar seu valor de verdade nas respostas.
Com essa semântica, descrita por Jacobson (1995 apud CAPONIGRO, 2001) podemos
assumir que todas as relativas livres têm uma leitura de maximização que é feita pela noção de
entidade plural máxima. Nas palavras de Van Riemsdijk (2000, p. 24):
We may then assume that a FR like what Mary recommended denotes the set of
maximal plural entities that Mary recommended (rather than any set of
individuals that Mary recommended). Given the fact that this set may be limited
to a single atomic entity, we now have an account for the fact that FRs at times
seem to be singular definites and at times universals: we always have a
singleton set. If there is only a single entity that Mary recommended, then the FR
will be equivalent to a singular definite. And if there is more than one entity, then
the FR will denote the single entity composed of all entities that Mary
23
recommended, which amounts to a universal interpretation .
4 RESUMO DO CAPÍTULO
Neste capítulo definimos, com cuidado, as características das relativas. Em suma, elas
são sempre sentenças encaixadas e apresentam um constituinte que é compartilhado com a
sentença matriz através do SpecCP. Vimos também que as relativas são divididas em relativas
com núcleo e relativas livres.
As relativas com núcleo sempre modificam um núcleo nominal e por isso, são sempre
adjunto de um nome. Elas são divididas em relativas com pronome resumptivo (relativa
resumptiva) e relativas sem pronome resumptivo (relativa cortadora, relativa padrão e relativa
com preposição órfã).
Ao contrário, as relativas livres não possuem um núcleo nominal explícito e podem
exercer as funções sintáticas de argumento, adjunto ou predicativo. Essas relativas só podem
ser iniciadas por pronomes relativos que incorporem o que seria o núcleo nominal de uma
relativa com núcleo, como quem, onde, como, etc.. Atenção especial foi dada à expressão o
que: há situações em que o o é claramente um artigo ou demonstrativo precedendo um nome
23
Podemos assumir que uma relativa livre como [o que Maria recomendou] denota o conjunto de entidades plurais
máximas que Maria recomendou (ao invés de qualquer conjunto de indivíduos que Maria recomendou). Dado que
este conjunto pode ser limitado a uma entidade atômica singular, nós conseguimos explicar o fato de que relativas
livres às vezes parecem ser definidos singulares e às vezes universais: nós sempre temos um conjunto singular.
Se há apenas uma entidade singular que Maria recomendou, então a relativa livre será equivalente ao singular
definido. Se houver mais de uma entidade, então a relativa livre denotará a entidade singular composta por todas
as entidades que Maria recomendou, o que nos leva a uma interpretação universal.
40
foneticamente não realizado e há situações em que o o que equivale ao what do inglês (visto
como uma expressão única o+que). Ainda, por serem iniciadas por um pronome-wh, as
relativas livres são freqüentemente confundidas com as interrogativas encaixadas. Dessa
forma, na seção 2.2.1 apresentamos algumas diferenças entre essas estruturas: a) diferença no
significado; b) possibilidade ou não de extração para fora do CP (as relativas livres não
permitem movimento); e, c) diferença quanto à seleção do verbo da sentença matriz (CP/NP).
Além disso, apresentamos três testes: a) possibilidade de inserção ou não do constituinte
(é)que, possível somente para as interrogativas encaixadas; b) inserção do quer que logo após
o pronome relativo-wh (permitido unicamente para relativas livres); e, c) substituição do
pronome-wh por uma expressão claramente interrogativa. Também verificamos que uma
relativa livre figura como um DP e por isso, precisa ser marcada por caso. Dessa forma, o
pronome relativo-wh, que inicia uma relativa livre, tem que ser compatível com o caso que um
núcleo da sentença matriz atribui bem como tem que ser compatível com o caso que um núcleo
da relativa atribui. Essa igualdade categorial/sintática é chamada de Requerimento de
Compatibilidade (BRESNAN & GRIMSHAW, 1978). Ou seja, o pronome relativo-wh tem que
atender as exigências que provêm tanto da sentença matriz quanto da sentença subordinada.
Por último, analisamos a semântica das relativas livres que é uma semântica de maximização
(o pronome relativo-wh denota uma função que é aplicada a um conjunto de indivíduos e que
dá como saída um conjunto único que contém um indivíduo plural máximo).
No próximo capítulo nos aprofundaremos no estudo dos Requerimentos de
Compatibilidade, que são uma característica específica das relativas livres.
41
CAPÍTULO II
REQUERIMENTOS DE COMPATIBILIDADE
1 INTRODUÇÃO
Neste capítulo iremos analisar uma característica excepcional das relativas livres: os
Requerimentos de Compatibilidade (MR – Matching Requirement). Pelo MR o pronome relativowh deve respeitar os requisitos de caso e/ou de categoria de um núcleo da sentença matriz e
encaixada simultaneamente. Assim, na seção 2 delimitamos as funções sintáticas das relativas
livres bem como as categorias dos pronomes relativos que as encabeçam. De posse dessas
funções sintáticas definimos, na seção 3, o que é o MR. Já na seção 4, dividimos as línguas
naturais em duas categorias: 4.1) línguas que apresentam relativas livres com os MR e, 4.2)
línguas que possuem relativas livres sem compatibilidade de casos e/ou sem compatibilidade
de categorias. Veremos que o português brasileiro, seção 5, por ser uma língua sem marcação
de caso na morfologia, apresenta somente restrições de combinação categorial. Por fim, na
seção 6, vamos analisar um tipo especial de relativa livre, as infinitivas, que a princípio parecem
ser o único tipo de estrutura encontrada no português em que os MR não ocorrem.
2 AS FUNÇÕES SINTÁTICAS DAS RELATIVAS LIVRES E OS PRONOMES RELATIVOS
Como vimos no capítulo I (seção 2.1), nas relativas com núcleo é o constituinte do qual
a relativa faz parte que satisfaz os requisitos de um núcleo da sentença matriz e a ec (coreferente ao pronome relativo-wh ou ao OP) que satisfaz os requisitos de um núcleo da
sentença encaixada:
(1)
a. Hoje, vou encontrar a menina [[com quem]i vou casar eci].
b. Ele foge da menina [que ec trabalha pra ele].
42
Os constituintes entre colchetes em (1) são relativas com núcleo. As relativas com núcleo são
sempre adjunto de um nome, no caso de (1), adjunto do nome menina. Por ser um adjunto
adnominal, a relativa pertence ao DP e, por isso, também faz parte do argumento de um núcleo
da sentença matriz. Em (1a) o verbo encontrar seleciona um DP como seu argumento interno.
Sendo assim, é todo o DP [a menina com quem vou casar] que satisfaz os requisitos do verbo
da sentença matriz. Já o pronome relativo-wh quem (precedido pela preposição com), coreferente à ec, satisfaz os requisitos do verbo da sentença encaixada casar, que seleciona um
PP como seu argumento. O mesmo ocorre quando o DP é selecionado por uma preposição:
todo o PP [da menina que trabalha pra ele] é o argumento interno do verbo da sentença matriz
fugir. Os requisitos do verbo da sentença encaixada são satisfeitos pela ec que é co-referente
ao DP a menina através do SpecCP.
Diferentemente das relativas com núcleo, as relativas livres podem estar na posição de
argumento, adjunto adverbial ou predicativo. Por não apresentarem um núcleo nominal explícito
toda a relativa (que é encabeçada pelo pronome relativo-wh) tem que desempenhar uma função
sintática na sentença matriz e o pronome relativo-wh tem que desempenhar uma função
sintática dentro da relativa:
(2)
a. [RL [O que]i você cozinhou eci] está mofado.
b. Ele cozinhou [RL [o que]i eci estava mofado].
c. Eu falei [PP com [RL [quem]i eci votou em você]].
d. Ela tem medo [PP de [RL [quem]i eci grita]].
e. A Suzanita é [RL [quem]i eci está segurando a rosa].
f. Eu encontrei o João [PP com [RL [quem]i eci odeia você]].
Em (2), as sentenças entre colchetes funcionam como argumento. Em (2a), o constituinte [o
que você cozinhou] é o sujeito da sentença e da small clause (SC) e é, também, uma relativa
livre. A ec, co-referente ao pronome relativo [o que] funciona como argumento interno do verbo
cozinhar. Em (2b) a relativa livre desempenha a função sintática de objeto direto do verbo
cozinhar e o pronome relativo-wh desempenha a função de sujeito da relativa livre e da SC. Já
em (2c) a relativa livre [quem votou em você] é complemento da preposição com, que é o
núcleo do PP complemento do verbo falar. A relativa livre [quem votou em você] satisfaz os
requerimentos da preposição com e a ec, que é um DP, satisfaz os requisitos da função de
sujeito da sentença relativa. Em (2d) o constituinte [de quem grita] é complemento do nome
medo, ou seja, da mesma forma que em (2c), a relativa livre é complemento da preposição
43
funcional de e a ec, que é um DP, desempenha a função sintática de sujeito do verbo gritar. Em
(2e) a relativa livre é um predicativo (predicado de uma SC, se, de acordo com Kato et al.24 (no
prelo), responde a pergunta: Quem é Suzanita?) e a ec desempenha a função sintática de
sujeito da relativa livre e da SC. Por fim, o PP [com quem odeia você] em (2f) é adjunto
adverbial. A relativa livre funciona como argumento da preposição com e a ec funciona como
sujeito do verbo odiar. Em resumo, em todas as sentenças descritas em (2) o pronome relativowh equivale a um DP e a relativa livre, exceto em (2e) (onde é um DP predicativo), funciona
como argumento.
Sendo assim, para que a relativa livre satisfaça os requerimentos da sentença matriz,
ela tem que ser introduzida por um pronome relativo-wh que seja compatível com a função que
a relativa livre desempenha: nos casos de (2) tem que ser um pronome do tipo DP; realçamos
novamente a obrigatoriedade da preposição em (2d) para que o pronome relativo-wh (e a
relativa livre) seja marcado por caso. Dessa forma, os pronomes relativos tem que realizar uma
função na sentença matriz e na relativa livre simultaneamente.
Uma relativa livre funciona também como um adjunto adverbial:
(3)
a. Ela saiu [RL quando ele chegou].
b. João caminhou [RL onde estava nevando].
Quando a relativa funciona como adjunto o compartilhamento do pronome relativo-wh se dá de
forma indireta. As relativas livres em (3) têm que preencher os requisitos necessários para que
ela possa ser um adjunto adverbial. Sabemos que o que é talhado para ser um adjunto
adverbial ou é um advérbio (4a) ou um PP (4b):
(4)
a. Ela saiu [ontem].
b. Ela saiu [no dia 25].
Em (4b), o DP o dia 25 é o complemento da preposição: recebe papel temático (tema) e caso
(oblíquo) da preposição. Se uma relativa livre é do tipo DP (encabeçada por quem ou o que),
em situações semelhantes a (4b), ela só pode pertencer ao adjunto se for complemento de uma
preposição. Assim como o DP o dia 25 é o complemento da preposição em em (4b), a relativa
livre [quem odeia você] tem que satisfazer os requerimentos da preposição com em (2f).
24
KATO, Mary Aizawa et al. As construções-Q no português brasileiro falado: relativas, clivadas e interrogativas.
44
Por outro lado, se a relativa livre é ela mesma o adjunto, a falta da preposição força que
ela seja do tipo adverbial, como em (3). Os itens lexicais que marcam isso em (3) são os
pronomes relativos-wh “adverbiais” quando e onde. Como vimos no capítulo anterior, os
pronomes relativos quando e onde embutem o que seria o núcleo nominal de uma relativa com
núcleo: momento e lugar. Devemos acrescentar que o quando e onde, por poderem ser
parafraseados por todo o PP grifado em (5), embutem também a preposição (quando = no
momento em que; onde = no lugar em que):
(5)
a. Ela saiu no momento (em) que ele chegou.
b. João encontrou Maria no lugar (em) que Pedro disse.
Larson (1987) postulou que o pronome relativo tem um marcador de caso inerente a ele
(embutido nele). O caso que a preposição forneceria ao DP é incorporado pelo pronome
relativo. Assim o quando incorpora o caso da preposição temporal; onde incorpora o caso da
preposição locativa, etc.. Dessa forma, uma relativa livre que funciona como adjunto do VP tem
que ser encabeçada por um pronome relativo-wh “adverbial”: esse pronome-wh vai ser
compatível com a ec adjunto do VP da relativa (adjunto de tempo/lugar) e vai fazer com que a
relativa livre possa ser adjunto do VP matriz.
Entretanto, é preciso acrescentar que quando e onde parecem poder ser também
pronomes relativos-wh do tipo DP. Consideremos os exemplos em (6)25:
(6)
a. Eu conheço Maria desde quando/desde [DP o tempo em que ela era uma garotinha
sardenta].
b. Maria andou por onde/por [DP lugares em que andaram os primeiros invasores do
Brasil].
As paráfrases mostram que o que vêm após as preposições desde e por é um DP: o
complemento de uma preposição não pode ser um PP. Esses fatos ajudam a entender o alto
grau de aceitabilidade que existe no português brasileiro em relação às sentenças de (7):
25
Em especial, como já foi observado por Pires de Oliveira (1999); Furlanetto (2004); Oliveira (2000), entre outros, o
onde parece estar passando por uma inovação, como vemos em (i):
(i)
Houve um desmoronamento onde atingiu várias casas (de entrevista de Dário Berger, prefeito de
Florianópolis, sobre as inundações de 2008).
Este pronome relativo está simplesmente sendo usado em lugar do que.
45
(7)
a. Quando a Maria chegou foi emocionante.
b. Onde a Maria mora é bonito.
Para serem aceitáveis encabeçando uma relativa livre que funciona como sujeito, os pronomes
relativos-wh devem poder ser do tipo DP.
Em resumo, as relativas livres normalmente funcionam como argumento, adjunto ou
predicativo da SC. O pronome relativo-wh que as encabeça tem que ser apropriado para
possibilitar o encaixe da relativa livre, como argumento, como adjunto ou como predicativo.
3 ASSENTANDO OS REQUERIMENTOS DE COMPATIBILIDADE
Como verificamos na seção anterior uma relativa livre pode funcionar como argumento,
adjunto ou predicativo. Sendo assim, para que a relativa livre satisfaça os requerimentos da
sentença matriz, ela tem que ser introduzida por um pronome relativo-wh que seja compatível
com a função que a relativa livre desempenha. Além disso, as relativas livres se distribuem
como sintagmas simples:
(8)
a. [Quem ganhou a corrida] correu descalço.
b. [O João] correu descalço.
(9)
a. Eu comprei [o que você pediu].
b. Eu comprei [o livro].
(10)
a. Eu cheguei [quando a Maria partiu].
b. Eu cheguei [ontem].
(11)
a. John will be [however tall his father was].
b. John will be [six feet tall].
Em (8) e (9) a relativa livre é argumento do verbo da sentença matriz; em (10) ela é adjunto do
VP e em (11) funciona como predicativo de uma SC. É visível que o argumento das sentenças
matrizes em (8) e (9) são DPs e as descritas em (11) APs26. Já em (10) os constituintes entre
colchetes são AdvP. Assim, ao analisarem dados como os descritos acima, Bresnan &
26
No português brasileiro parece que não temos relativas livres encabeçadas por APs, temos somente relativas
livres nominais (precedidas ou não de preposição), locativas (iniciadas pelo morfema onde) (BRITO, 1991) e
temporais (iniciadas pelo morfema quando).
46
Grimshaw (1978, p. 336) concluíram que as relativas livres, em (a), têm a mesma distribuição
sintática dos sintagmas simples, dados em (b).
Através dos constituintes destacados entre colchetes nas sentenças em (a), de (8) a
(11), as autoras observaram que “the syntactic category of the wh-phrase is the same as that of
the whole relative; that is, the same as that of the dominating node”27:
(8')
[DP [DP Quem] ganhou a corrida] correu descalço.
(9')
Eu comprei [DP[DP o que] você pediu].
(10')
Eu cheguei [AdvP[AdvP quando] Maria partiu].
(11')
John will be [AP [AP however tall] his father was].
Em (8') a relativa livre, entre colchetes, está em posição sintática de sujeito que é prototípica de
DPs, por isso o pronome relativo-wh quem também é da categoria DP. Em (9') a relativa livre
funciona como objeto do verbo comprar, por isso é um DP e o pronome relativo-wh também é
dessa categoria. Coisa semelhante acontece em (10') e (11') em que a relativa e o pronome
relativo-wh são um AdvP e um AP respectivamente. Sendo assim, o pronome relativo-wh e a
relativa livre sempre são da mesma categoria. Ou seja, a relativa livre deve estar munida de
todo aparato sintático para poder ser encaixada na sentença matriz e o aparato está refletido no
pronome relativo-wh que a introduz. Ao mesmo tempo, o pronome relativo-wh deve estar
aparelhado para desempenhar sua função dentro da relativa livre. No final das contas, como é o
pronome relativo-wh que encabeça a relativa livre, é esse pronome-wh que tem que ser
compatível com os requisitos de um núcleo da sentença matriz e da encaixada
simultaneamente. Quando não se verifica essa compatibilidade, a sentença fica, em maior ou
menor grau, danificada sintaticamente28:
(12)
a. * Eu vi ontem [de quem tu gostas].
b. *João detesta [quem o filho anda].
c. João se encontrou [com quem o filho anda].
Para analisar as sentenças em (12), tenhamos em mente que no português não se verifica o
fenômeno da preposição órfã. Assim, em (12a) temos que mover o pronome relativo-wh quem
para a periferia esquerda da sentença relativa, o que faz com que a preposição de seja
27
“a categoria sintática do sintagma-wh é a mesma de toda relativa livre; isto é, a mesma do nó dominante”
(BRESNAN & GRIMSHAW, 1978, p. 336).
28
Sentenças em (12a) e (12b) foram retiradas de Brito (1991, p. 204).
47
arrastada junto com o pronome-wh. Entretanto, o PP de quem, que satisfaz as condições para
ser objeto indireto do verbo gostar, não preenche as condições para ser objeto direto do verbo
ver. Dessa situação resulta a agramaticalidade da sentença. Em (12b), o DP quem na periferia
esquerda da relativa satisfaz os requisitos para ser objeto direto do verbo detestar, mas falha
em atender à condição de complemento PP (ou de adjunto) do verbo andar. Por outro lado, em
(12c) o PP com quem atende tanto os requisitos para encaixar a relativa livre na sentença
matriz quanto para encaixar-se como complemento do verbo da relativa. Nesse caso, a
sentença é gramatical.
A essa compatibilidade categorial que o pronome relativo-wh deve respeitar, como já
dissemos anteriormente, chamou-se de Matching Requirement ou Requerimentos de
Compatibilidade (MR). O MR é uma propriedade ‘excepcional’ (VOGEL, 2001) das relativas
livres que foi observada por Bresnan & Grimshaw (1978) e formulada da seguinte maneira:
(13)
The Matching Requirement29:
a. Case Matching:
[FR wh-CASEi ...]-CASEi
b. Categorial Matching: [FR [wh]XPi …]XPi
Case matching (13a) ocorre quando o MR é realizado através da marcação de caso, ou seja,
quando o pronome relativo-wh é tal que satisfaz os requisitos de caso de um núcleo da
sentença matriz e encaixada simultaneamente. No categorial matching (13b), o sintagma que
contém o pronome relativo-wh deve respeitar os requisitos de seleção (DP, PP, AP) categorial
dos dois núcleos envolvidos na construção.
Por essa hipótese, uma sentença que contém uma relativa livre só é gramatical se
respeitar às exigências de caso e/ou categoria dos dois núcleos envolvidos na construção,
como em (14):
(14)
a. [DP[DP Quem]i eci ganhou a corrida] correu descalço.
b. João comprou [DP[DP o que]i a Maria pediu eci].
c. Ele vendeu o carro para [DP[DP quem]i você conhece eci].
d. A Maria é [DP[DP quem]i eci está de vestido branco].
e. A Maria é [DP[DP o que]i a mãe dela foi eci] (: professora).
29
Requerimentos de Compatibilidade:
a.
Compatibilidade de caso: : [FR wh-CASOi ...]-CASOi
b.
Compatibilidade de categoria: [FR [wh]XPi …]XPi
48
Em (14a) e (14b) temos o chamado full matching requirement (requerimento de compatibilidade
total/pleno) porque ambos os núcleos selecionam um DP como seu argumento. Em (14a) os
verbos, correr e ganhar selecionam um DP (categorial matching) como seu argumento externo,
tendo, portanto, o pronome relativo-wh e a ec (que é co-referente ao pronome relativo-wh) caso
nominativo (case matching). Em (14b) os verbos da sentença matriz comprar e o da encaixada
pedir também selecionam um DP e a ele atribuem caso acusativo. Sendo assim, o pronome
relativo-wh é um DP e satisfaz os requisitos de caso e categoria dos dois núcleos envolvidos na
sentença. Em (14c), embora o pronome relativo-wh não tenha o mesmo caso na sentença
matriz (recebe caso oblíquo da preposição para) e na encaixada (recebe acusativo do verbo
conhecer), eles são da mesma categoria DP (quem), satisfazendo assim, os requerimentos
categoriais de compatibilidade. Por fim, (14d) e (14e) contêm relativas livres que funcionam
como
DP
predicativo
de
uma
sentença
copular
especificacional
e
predicacional,
respectivamente. Em (14d), ao mesmo tempo em que o DP relativo quem encabeça o
predicativo, é o sujeito da relativa. Nesse caso, se, como sugeriu Carlos Mioto (c.p.), o
predicativo tem caso nominativo por concordância com o sujeito, (como era explícito no latim)
se verifica a compatibilidade de caso. Em (14e) a relativa livre é predicativo da sentença matriz
e o pronome-wh é predicativo da relativa, verificando-se plenamente o MR.
Por ser uma característica específica das relativas livres, o MR não está presente nas
relativas com núcleo (15a), nem nas interrogativas encaixadas (15b):
(15)
a. Eu conheço [DP o rapaz] [PP de quem você falou [PP ec ]].
b. Maria perguntou [CP [PP com quem]i o João falou [PP eci]].
Em (15a) o PP que contém o pronome relativo-wh atende as exigências do verbo falar da
sentença encaixada. Esse pronome relativo-wh está isento de respeitar os requisitos da
sentença matriz, já que o todo o DP [o rapaz de quem você falou] se encarrega desse papel e
recebe caso acusativo do verbo conhecer.
Em (15b) o pronome interrogativo-wh faz parte de um PP selecionado pelo verbo da
sentença encaixada falar. Entretanto, se o verbo perguntar seleciona um PP, como vemos em
(16), a preposição que o encabeça não pode ser com:
(16)
Maria perguntou disso/sobre isso.
49
O que o verbo perguntar seleciona em (15b) é um CP que, de acordo com Mioto (1994) e Kato
& Mioto (2005), precisa ser marcado como interrogativo: o pronome-wh está em SpecCP
justamente para desempenhar essa função. Como mostram Kato et al. (no prelo), para o verbo
perguntar, não importa se o pronome-wh é do tipo DP, PP ou adverbial, nem mesmo se o CP
tem um pronome-wh. O que importa é tão somente que o CP complemento seja interrogativo,
com qualquer pronome-wh ou com o complementizador interrogativo:
(17)
a. Maria perguntou o que o João comprou.
b. Maria perguntou por que o João saiu.
c. Maria perguntou quando o João saiu.
d. Maria perguntou se o João saiu.
Em 1981, Groos e Van Riemsdijk30 (apud VOGEL, 2001) observaram que nem todas as
línguas apresentam o fenômeno do MR. Eles postulam que a existência ou não do MR depende
da função sintática que a relativa livre exerce na sentença, bem como da língua em que ocorre.
Além disso, Larson (1987, p. 244) afirma que a posição ocupada por um PP ou AdvP, por
exemplo, em uma relativa livre nem sempre é uma posição exclusiva dessa categoria:
(18)
a. John will leave [AdvP subsequently].
(Ele partirá posteriormente)
b.
[PP on Thursday].
(... na terça-feira)
c.
[DP the day that Max arrives].
(... o dia que Max chegar)
Através das sentenças em (18) observamos que a argumentação em favor da compatibilidade
categorial/casual parece ser enfraquecida, muito embora em (18c), pelo menos no português,
esteja implícita a preposição em (no dia em que Max chegar). Ou seja, o MR não é um
fenômeno generalizado.
Na próxima seção vamos verificar como o MR ocorre em algumas línguas e na seção 5,
como ele ocorre com o português brasileiro.
30
GROOS, Anneke & VAN RIEMSDIJK, Henk. Matching Effects with free relatives: a parameter of core grammar. In:
BELLETTI, A.; BRANDI, L. & RIZZI, L. (eds). Theories of markedness in Generative Grammar, Scuola Normale
Superiore di Pisa, Pisa, 1981, p. 171–216.
50
4 A MANIFESTAÇÃO DOS REQUERIMENTOS DE COMPATIBILIDADE NAS LÍNGUAS
A existência ou não do MR depende da função sintática que a relativa livre exerce na
sentença, bem como da língua em que ocorre. Assim, com o intuito de encontrar alguma
semelhança entre as línguas, vários lingüistas se dedicaram ao estudo desse fenômeno. Dentre
eles Hirschbühler & Rivero (1983), Izvorski (1996), Van Riemsdijk (2000) e Vogel (2001).
A partir desses estudos dividimos as línguas em duas categorias: a) línguas que
apresentam relativas livres com MR obrigatório, e b) línguas que apresentam relativas livres
sem a compatibilidade de caso e/ou categoria. Abaixo detalhamos cada uma dessas duas
divisões.
4.1 LÍNGUAS QUE APRESENTAM RELATIVAS LIVRES COM MR OBRIGATÓRIO
O francês e inglês (VOGEL, 2001; IZVORSKI, 1996; HIRSCHBÜHLER & RIVERO,
1983) são línguas que apresentam o MR obrigatório. Além disso, o holandês, uma variante do
alemão - variante C - (GROOS & VAN RIEMSDIJK, 1981 apud HIRSCHBÜHLER & RIVERO,
1983) e o norueguês (AFARLI31, 1994 apud VOGEL, 2001) também têm MR obrigatório em
todas as posições sintáticas. Vejamos um exemplo do inglês retirado de Izvorski (1996, p. 2):
(19)
*[FR With whom I
talked]
arrived last.
Com quem eu conversei chegou tarde.
(19) é agramatical, pois a relativa livre está na posição de sujeito, que é uma posição prototípica
de NP ou DP, mas é encabeçada por um PP [with whom] (com quem).
31
ÅFARLI, Tor A. A promotion analysis of restrictive relative clauses. The Linguistic Review, n.11, p. 81–100, 1994.
51
4.2 LÍNGUAS QUE APRESENTAM RELATIVAS LIVRES COM INCOMPATIBILIDADE DE
CASOS OU DE CATEGORIAS
Existem línguas em que o pronome relativo-wh não respeita os requisitos de um dos
dois núcleos envolvidos na construção e, mesmo assim forma sentenças com maior ou menor
grau de gramaticalidade. Essa incompatibilidade pode ser de categorias ou de casos. A
incompatibilidade categorial ocorre quando o pronome relativo-wh apresenta categorias
diferentes na sentença matriz e na encaixada. A incompatibilidade de caso ocorre quando o
caso fornecido por um núcleo da sentença matriz e da encaixada não coincidem e, mesmo
assim a sentença formada é boa.
4.2.1 Incompatibilidade de categorias (categorial matching)
A incompatibilidade de categorias ocorre quando o pronome relativo-wh não está em
conformidade categorial com um dos núcleos envolvidos na construção da sentença. A
princípio, não encontramos nenhuma língua com incompatibilidade categorial. Vejamos:
(20)
* Eu chamei [DP [PP com quem seu filho anda]].
A sentença (20) é agramatical, pois a expressão-wh [PP com quem] respeita os requisitos
categoriais do verbo da sentença encaixada andar, mas não o do verbo da sentença matriz
chamar que pede um DP como seu complemento.
4.2.2 Incompatibilidade de casos (case matching)
De acordo com Van Riemsdijk (2000), a incompatibilidade entre o caso fornecido por um
núcleo da sentença matriz e o caso fornecido por um núcleo da sentença encaixada pode ser
resolvida de três formas diferentes: a) sincretismo, b) atração de caso; e, c) inserção de um
pronome resumptivo que realiza o caso de um dos núcleos envolvidos na sentença.
52
4.2.2.1 Sincretismo
O sincretismo de casos ocorre em línguas que apresentam pronomes relativos-wh com
a mesma forma para um ou mais casos abstratos. No alemão, o pronome relativo-wh was tem a
mesma forma para os casos neutro: nominativo e acusativo (VAN RIEMSDIJK, 2000, p. 18):
(21)
Was
du
gekocht hast ist schimmlig.
O+que
você cozinhou
está mofado.
Em (21) o pronome relativo was (o que) pode receber caso acusativo do verbo da sentença
encaixada gekocht (cozinhou), já que é seu argumento interno; mas, também pode receber
caso nominativo da flexão Iº do verbo da matriz ist (estar). Ou seja, o pronome-wh was pode
‘escolher’ seu caso. Isso ocorre porque esse pronome tem a mesma forma (was) para o
acusativo e o nominativo.
É importante lembrar que o pronome relativo-wh mesmo tendo a possibilidade de
receber casos diferentes não fere o MR, pois a categoria do pronome-wh é a mesma (categorial
matching). Parece que as relativas livres só estão sujeitas ao case matching em línguas com
marcação casual na morfologia.
4.2.2.2 Atração de caso
Aqui estão incluídas as línguas que têm relativas livres sem o case matching, mas que
apresentam uma certa regularidade quanto à marcação de caso. Esse fenômeno é chamado de
atração de caso (case attraction).
Leung (2005, p. 280) aponta que, quando o pronome relativo-wh satisfaz os requisitos
de caso de um núcleo apenas, normalmente ele satisfaz os requisitos do núcleo da sentença
matriz (ele afirma que não encontrou nenhuma língua que não funcione dessa forma), salvo nos
casos da hierarquia de caso (do alemão e de outras línguas).
53
Vogel (2001, 2002), que trabalha sob a perspectiva da Teoria da Otimalidade, analisou
cinco línguas que apresentam atração de caso: islandês, alemão A32, alemão B, gótico e grego
moderno33. Vejamos cada uma delas:
a) Islandês:
No islandês o pronome relativo-wh sempre carrega o caso fornecido por um núcleo da
sentença matriz e apaga o caso que seria fornecido por um núcleo da relativa livre (= sentença
encaixada):
(22)
Ég hjálpa hverjum
/ *hvern
(sem) ég elska.
Eu ajudo quem-DAT / *quem-ACC (que) eu amo.
A sentença (22) só é aceitável se o caso realizado pelo pronome relativo-wh for o caso dativo,
fornecido pelo verbo da sentença matriz hjálpa (ajudar).
b) Alemão A:
Nessa variante do alemão, ao contrário do islandês, o pronome relativo-wh tem que
realizar o caso atribuído por um núcleo da sentença encaixada e apagar o caso que seria
atribuído por um núcleo da sentença matriz. O caso atribuído pelo núcleo da matriz só não pode
ser apagado se ele for da forma oblíqua (isto é, dativo, genitivo ou PP):
(23)
Er zerstörte was /
wer
ihm
begegnete.
Ele destruiu o+que/quem-NOM ele-DAT afrontou.
‘Ele destruiu o que/quem o afrontou’.
32
Vogel (2001, 2002) divide o alemão em três variantes: variante A e variante B, que serão trabalhadas aqui, e
variante C que é aquela que possui o MR sempre/em todas as posições sintáticas.
33
Todos os exemplos dessa sub-seção, exceto os do português brasileiro, foram retirados de Vogel (2001, 2002).
54
Em (23) o pronome relativo-wh realiza o caso nominativo atribuído pela flexão Iº do verbo da
sentença encaixada begegnete (afrontou) e por isso, tem a forma wer. O pronome relativo-wh
também pode ter a forma was. Quando isso ocorre não sabemos quem é o atribuidor de caso,
já que esse pronome-wh tem a mesma forma para o nominativo e acusativo.
c) Alemão B:
Nessa variante, as relativas livres são sensíveis à hierarquia de caso descrita por
34
Pittner (1991 apud VOGEL, 2001, p. 111):
(24)
nominativo < acusativo < dativo, genitivo, PP.
Em (24) temos uma escala hierárquica de caso. O caso mais especificado ou mais marcado é
aquele que está mais à direita na hierarquia de (24). Somente relativas livres que apagam o
caso menos marcado são aceitáveis. Entretanto, isso só ocorre se o caso mais marcado for o
caso atribuído por um núcleo da sentença encaixada. Ou seja, o pronome relativo-wh sempre
realiza o caso fornecido por um núcleo da sentença encaixada, porém, esse caso tem que ser
mais marcado/mais especificado do que o caso fornecido por um núcleo da sentença matriz.
(25)
Matriz = acusativo ; Encaixada = nominativo
a. *Er
zertörte, wer
ihm
begegnete.
Ele destruiu quem-NOM ele-DAT afrontou.
‘Ele destruiu quem o afrontou’.
Matriz = nominativo ; Encaixada = acusativo
b. Ihm
begegnete, wen
ele-DAT afrontou
er zerstören wollte.
quem-ACC ele destruir queria.
‘Quem ele queria destruir o afrontou’.
34
PITTNER, Karin. Freie relativsätze und die kasushierarchie. In: FELDBUSCH, E. (ed.). Neue Fragen der
Linguistik. p. 341–347, 1991.
55
Ao contrário do alemão A (cf. (23)), no alemão B a sentença em (25a) é agramatical. Em (25a) o
pronome relativo-wh wer (quem) recebe caso nominativo da flexão Iº do verbo begegnete
(afrontar) da sentença encaixada e apaga o caso acusativo do verbo zerstöre (destruiu) da
sentença matriz. Pela hierarquia de casos em (24), o caso acusativo é mais marcado do que o
nominativo e por isso, não poderia ser apagado. Ao contrário, (25b) é boa, pois o caso
nominativo, que é apagado, é menos marcado do que o caso acusativo fornecido pelo verbo da
sentença encaixada.
d) Gótico e romeno:
Nessas línguas é o caso mais marcado/especificado da hierarquia em (24) que é
realizado pelo pronome relativo-wh, independente de ser de um núcleo da sentença matriz ou
da sentença encaixada:
(26)
Romeno:
Matriz = nominativo ; Encaixada = dativo
a. Cuí
í
se
d
de mîncare trebuie s
Quem-DAT ele mesmo dar de comer
deve
munceasc .
SUBJ trabalhar.
‘Quem quer comida deve trabalhar’.
Gótico:
Matriz = acusatio ; Encaixada = nominativo
b. Jah po-ei
ist us Laudeikaion jus
E ACC-compl é de Laodicea
ussiggwaid.
você lê.
‘E você lê o que é de Laodicea’.
Em (26a) o caso mais marcado, de acordo com a hierarquia em (24), é o dativo,
conseqüentemente o pronome relativo-wh cuí (quem) realiza o caso dativo do verbo d (dar) da
encaixada. Em (26b) o caso acusativo, fornecido pelo verbo ussiggwaid (lê) da sentença matriz
é realizado pelo pronome relativo-wh por ser mais marcado do que o nominativo da sentença
encaixada fornecida pela flexão do verbo ist (ser).
56
e) Grego moderno:
No grego moderno o pronome relativo-wh realiza o caso de um núcleo da sentença
matriz. Porém, um clítico resumptivo terá que ser inserido se o caso fornecido por um núcleo da
sentença relativa for o oblíquo.
(27)
Agapo opjon /
Amo
*opjos me agapa.
quem-ACC / *NOM me ama.
Em (27) o pronome relativo-wh tem que realizar o caso acusativo atribuído pelo verbo agapo
(amo) da sentença matriz para a sentença ser boa. Ou seja, o pronome relativo-wh tem que ter
a forma de acusativo opjon (quem) que é mais marcada do que a forma nominativa opjos
recebida pelo verbo agapa (ama) da sentença encaixada.
4.2.2.3 Inserção de um pronome resumptivo para receber caso
A última forma de resolver a incompatibilidade de caso, apontada por Van Riemsdijk
(2000) é a inserção de um pronome resumptivo para receber caso. No grego moderno, como foi
dito acima, o pronome relativo-wh realiza o caso atribuído por um núcleo da sentença matriz.
Porém, se o caso da sentença encaixada for o oblíquo um clítico resumptivo é inserido. Se não
fosse assim, a hierarquia de casos em (24) não seria respeitada:
(28)
Tha voithiso opjon
Ajudarei
tu
dossis to onama um.
quem+quer+que-ACC clit.-GEN der
o nome meu.
‘Ajudarei quem tu deres meu nome’
Em (28) o caso acusativo do verbo tha voithiso (ajudarei) da matriz é atribuído ao pronome
relativo-wh opjon (quem quer que). Como o caso atribuído pelo verbo da encaixada dossis (der)
é o genitivo, o clítico tu é inserido para receber tal caso.
57
4.3 RESUMO:
Em resumo, na seção 4 vimos que existem línguas com MR obrigatório, caso do inglês e
francês, e existem línguas que não apresentam o MR ou pelo menos não apresentam
compatibilidade de categorias ou de casos. A incompatibilidade categorial ocorre quando o
pronome relativo-wh apresenta categorias diferentes na sentença matriz e na encaixada e, a
incompatibilidade de caso ocorre quanto o caso fornecido por um núcleo da sentença matriz e
da encaixada não coincidem e, mesmo assim a sentença formada é boa (a incompatibilidade de
caso só ocorre em línguas que apresentam caso marcado na morfologia). Segundo Van
Riemsdijk (2000) a incompatibilidade de caso é resolvida de três formas: a) sincretismo, b)
atração de caso e c) inserção de um pronome resumptivo que realiza o caso de um dos dois
núcleos envolvidos na sentença. O sincretismo ocorre quando o pronome relativo-wh possui a
mesma forma para um ou mais casos abstratos (como é o caso do pronome relativo-wh was, do
alemão, que tem a mesma forma para os casos neutro: nominativo e acusativo). Na atração de
caso ou o pronome relativo-wh realiza o caso de um núcleo da sentença matriz, ou realiza o
caso de um núcleo da encaixada. Dentro da atração de caso, temos as línguas que apresentam
uma estratégia única para a marcação de caso (como o islandês em que o pronome relativo-wh
sempre realiza o caso atribuído por um núcleo da sentença matriz e a variante A do alemão na
qual o pronome relativo-wh realiza o caso atribuído por um núcleo da sentença encaixada –
salvo quando o caso da matriz for da forma oblíqua). As outras línguas são sensíveis à
hierarquia de caso (nom<acc<dat,gen,PP): a variante B do alemão respeita a hierarquia de
caso, ou seja, sempre apaga o caso menos marcado (desde que o caso realizado seja
fornecido pelo verbo da sentença encaixada); o gótico e o romeno realizam sempre o caso mais
marcado dessa hierarquia; no grego moderno o pronome relativo realiza o caso atribuído por
um núcleo da matriz, contudo, um clítico resumptivo terá que ser inserido se o caso da
encaixada for o oblíquo.
Na próxima seção vamos verificar como ocorre o MR no português brasileiro.
58
5. REQUERIMENTOS DE COMPATIBILIDADE NO PORTUGUÊS BRASILEIRO
O português brasileiro é uma língua que não apresenta morfologia casual. O pronome
relativo-wh quem, por exemplo, apresenta a mesma forma para o acusativo, nominativo e
oblíquo. Sendo assim, é de se esperar que essa língua apresente relativas livres em que não
seja possível averiguar o case matching.
5.1 INCOMPATIBILIDADE DE CASOS
Como foi dito anteriormente, a incompatibilidade de caso ocorre quando o caso
fornecido ao pronome relativo-wh por um núcleo da sentença matriz e o caso fornecido por um
núcleo da sentença encaixada não coincidem e, assim, formam sentenças agramaticais. Porém,
como os pronomes relativos-wh em português brasileiro, a não ser o arcaizante cujo, não
apresentam marcação de caso na morfologia, essa incompatibilidade de casos não será
relevante para a (a)gramaticalidade dessas sentenças.
Além disso, por não apresentar marcação de caso na morfologia, os pronomes-wh do
português vão apresentar, com grande freqüência, o sincretismo de casos (que é quando um
pronome relativo-wh tem a mesma forma para um ou mais casos abstratos):
(29)
Matriz = nominativo ; Encaixada = acusativo
a. [O que você cozinhou] está mofado.
b. [Quem você viu] é meu irmão.
Em (29) a relativa livre funciona como sujeito da SC. O pronome relativo-wh recebe caso
nominativo da flexão Iº dos verbos da sentença matriz (estar, ser) e caso acusativo dos verbos
da sentença encaixada (cozinhar, ver). Mesmo recebendo casos diferentes, a sentença é boa
pois os pronomes relativos-wh o que, quem são da categoria DP (categorial matching) e tem a
mesma forma para o acusativo e nominativo (=sincretismo de caso).
(30)
Matriz = acusativo ; Encaixada = nominativo
a. João viu [o que caiu do armário].
59
b. Ela reconheceu [quem cometeu o crime].
O pronome relativo-wh das sentenças em (30) também apresenta sincretismo de caso. Ao
contrário de (29), aqui é o verbo da sentença matriz que atribui caso acusativo ao pronome
relativo-wh e a flexão Iº do verbo da encaixada que atribui nominativo. As sentenças são boas
porque os pronomes relativos-wh quem, e o que apresentam a mesma forma para o nominativo
e acusativo.
Salvo casos especiais (que serão discutidos abaixo), quando a preposição da sentença
matriz atribui caso oblíquo e o verbo da sentença encaixada atribui caso acusativo, também
temos sincretismo de casos:
(31)
Matriz = oblíquo ; Encaixada = acusativo
a. João conversou com [quemi você conhece eci]35.
b. João falou d[o quei ele viu eci na estrada].
c. João só obedece à [quemi ele conhece eci].
Em todas as sentenças de (31) todo o PP é argumento interno do verbo da matriz. Sendo
assim, a relativa livre é complemento de uma preposição funcional. Em (31a) a preposição com
atribui caso oblíquo ao pronome relativo-wh quem e o verbo conhecer (da sentença encaixada)
atribui acusativo a ec que é co-referente ao esse pronome relativo-wh. O mesmo ocorre em
(31b) e (31c): na sentença matriz, as preposições de e a atribuem caso oblíquo aos pronomeswh o que e quem respectivamente; na sentença encaixada, os verbos ver e conhecer atribuem
caso acusativo a ec co-referente ao pronome relativo-wh. Aqui também, mesmo apresentando
casos diferentes, o pronome relativo-wh é da categoria DP (categorial matching). O mesmo
ocorre com as sentenças abaixo em que a relativa livre faz parte de um adjunto:
(32)
Matriz = oblíquo ; Encaixada = acusativo
João saiu com [quemi você conhece eci].
Em (32) todo o PP [com quem você conhece] é adjunto adverbial. Da mesma forma que ocorre
em (31), aqui a relativa livre é complemento de uma preposição. Porém, a preposição é lexical e
não funcional. Assim, na sentença matriz, o pronome relativo quem recebe caso oblíquo dessa
preposição e, na encaixada, a ec recebe caso acusativo do verbo conhecer. Por fim, também há
35
A sentença (31a) é de Medeiros Júnior (2005, p. 22).
60
sincretismo de caso quando a preposição da matriz fornece caso oblíquo e a flexão Iº do verbo
da matriz, caso nominativo:
(33)
Matriz = oblíquo ; Encaixada = nominativo
a. João só fala com [quemi eci é simpático].
b. João só fala mal de [quemi eci gosta da Maria].
c. Eu dei o presente para [quemi eci venceu a corrida].
Em (33) todo o PP é argumento interno do verbo da sentença matriz. A relativa livre é
complemento da preposição funcional que atribui caso oblíquo ao pronome relativo-wh. Na
encaixada, o verbo gostar (33b) e o verbo vencer (33c) atribuem caso nominativo à ec coreferente ao pronome relativo-wh quem. O mesmo ocorre na sentença encaixada de (33a) em
que o pronome relativo-wh é sujeito da sentença e sujeito da SC.
Lembramos, novamente, que mesmo o pronome relativo-wh recebendo casos diferentes
ele não fere o MR, pois a categoria do pronome-wh é a mesma (categorial matching). Por isso,
parece que as relativas livres só estão sujeitas ao case matching em línguas com marcação
casual na morfologia (o que não é o caso do português brasileiro).
5.2 INCOMPATIBILIDADE DE CATEGORIAS
A incompatibilidade de categoria ocorre quando o pronome relativo-wh não está em
conformidade categorial com um dos núcleos envolvidos na construção da sentença:
(34)
a. *Eu chamei [com quem você saiu].
b. *Eu chamei [quem você saiu].
c. Eu chamei [quem você pediu].
Como já observamos, o português brasileiro não apresenta o fenômeno da preposição órfã.
Assim, em (34a) quando o pronome relativo-wh quem se move para a periferia esquerda da
relativa livre, ele leva consigo a preposição com. Entretanto, o PP com quem, que satisfaz as
condições para ser adjunto da relativa livre, não preenche as condições para ser objeto direto
do verbo chamar da sentença matriz e por isso, a sentença é agramatical. Em (34b), o DP
61
quem satisfaz os requisitos para ser objeto direto do verbo da matriz chamar, mas não atende
as condições para ser adjunto adverbial da relativa. Ao contrário, (34c) é boa porque o pronome
relativo quem atende tanto os requisitos da sentença matriz como os requisitos da sentença
encaixada.
A princípio, parece que o português brasileiro não apresenta nenhuma relativa livre em
que a compatibilidade categorial não seja respeitada. Porém, nos casos em que o pronome
relativo-wh é ambíguo entre embutir ou não uma preposição temos uma incompatibilidade de
categoria:
(35)
a. Eu te conheço desde [quandoi você era um garotinho eci].
b. Eu vou avançar até [onde ele traçou a linha ec].
Como já foi definido na seção 2 somente PPs e advérbios são talhados para ser adjunto. Em
(35a) todo o PP [desde quando você era um garotinho] funciona como adjunto adverbial. Assim,
o pronome relativo quando é um DP e recebe caso oblíquo da preposição desde36. Ao contrário,
na sentença encaixada, a ec co-referente ao pronome relativo-wh quando tem que ser do tipo
“adverbial”: o pronome relativo-wh funciona como um adjunto na sentença encaixada e, por ser
um DP, precisa receber caso. Portanto, em (35a) o pronome relativo-wh quando, que funciona
como adjunto nas duas sentenças, vai ser do tipo DP na sentença matriz e do tipo PP na
encaixada. O mesmo ocorre em (35b) em que o pronome relativo-wh onde é um DP, na
sentença matriz, e recebe caso oblíquo da preposição até; e, embute um PP na encaixada para
assim ser marcado com caso oblíquo.
Fora esse tipo de sentença (em que o pronome relativo-wh é ambíguo entre embutir ou
não uma preposição) o pronome relativo-wh de uma relativa livre em português brasileiro deve
respeitar os requisitos categoriais de um dos núcleos envolvidos na construção da sentença.
Vejamos como isso ocorre:
(36)
Matriz = DP ; Encaixada = PP
a. *[Com quem eu quero casar] não me dá bola.
b. ?[Com quem você conversou] ganhou a corrida.
c. [Com quem eu precisava de conversar] veio ao porto. (Negrão, 1994, p.1040)
36
Sabemos que o quando é um DP, pois uma preposição nunca seleciona outra preposição como seu complemento.
62
Em (36) o pronome relativo-wh respeita os requisitos categoriais do verbo da sentença
encaixada e não os da matriz37. A agramaticalidade, ou o baixo grau de aceitabilidade das
sentenças em (36) se deve ao fato de que, como aponta Leung (2005, p. 280), quando o
pronome relativo-wh satisfaz os requisitos de caso ou categoria só de um dos núcleos
envolvidos na construção da sentença, normalmente ele satisfaz os requisitos do núcleo da
sentença matriz (salvo nos casos de hierarquia de caso (cf. (24)):
(37)
a. Eu vou te dar [(*com) o que você sonha].
b. Eu vou te dar [(*do) o que você precisa].
As sentenças em (37) foram retiradas de Negrão (1994, p. 1041). As relativas livres que não
atendem aos requerimentos de categoria só são gramaticais se o pronome relativo-wh for um
DP requerido pelo verbo da sentença matriz. Se o pronome relativo-wh satisfizer os requisitos
categoriais da sentença encaixada (que seleciona um PP), a sentença formada será
agramatical. As sentenças de (36) e (37) nos levam a crer que no português brasileiro o
pronome relativo-wh deve sempre respeitar os requisitos categoriais de um núcleo da sentença
matriz:
(38)
Matriz = DP ; Encaixada = PP38
a. Eu só ajudo [quem eu gosto de].
b. Eu comprei [o que eu precisava do].
c. Eu vou te dar [o que você sonha com].
Em (38), o pronome relativo atende os requisitos do verbo da sentença matriz, que seleciona
um DP, e não atende os requisitos do verbo da sentença encaixada, que seleciona um PP.
Essas sentenças vão ao encontro do que diz Leung (2005): o pronome relativo-wh sempre é da
categoria requerida por um núcleo da sentença matriz (salvo nas línguas de hierarquia casual).
Como em (36) o PP com quem não atende os requerimentos do verbo da matriz, que seleciona
um DP conseguimos explicar o seu baixo grau de aceitabilidade.
37
A sentença em (36c) é uma sentença encontrada em um corpus NURC/SP por Esmeralda Negrão. Porém, os
falantes consultados por mim acharam a sentença estranha. Acho que precisaríamos verificar em que condições
essa sentença foi proferida. O português brasileiro parece rejeitar o fenômeno chamado quirky subject que se
manifesta em sentenças onde o SpecIP está preenchido por constituintes marcados por casos diferentes do
nominativo (RIVERO, 2004).
38
(33b) e (33c) são de Esmeralda Negrão (1994, p. 1041).
63
Em resumo, podemos dizer que em português brasileiro, o pronome relativo-wh é
sempre da categoria requerida por um núcleo da sentença matriz. Assim, dizemos que a
propriedade que define uma relativa livre em português brasileiro é: sentença wh que não pode
violar os requerimentos de categoria da sentença matriz.
6 A QUESTÃO DAS CHAMADAS RELATIVAS LIVRES INFINITIVAS
Existe um tipo de sentença, considerada por alguns lingüistas como uma relativa livre,
que se caracterizam por ter verbo no infinitivo39. Essas sentenças, que já foram estudadas por
Hirschbühler40 (1978 apud CAPONIGRO, 2001), Grosu & Landman (1998), Izvorski (1998) e
Caponigro (2001), ganham um destaque especial nesta dissertação, porque o pronome-wh da
relativa livre nem sempre satisfaz os requisitos da sentença matriz, como vemos em (39):
(39)
Matriz = DP/acusativo ; Encaixada = PP/oblíquo41
a. João não tem [[com quem]i conversar eci].
b. Maria achou [[do que]i se lamentar eci].
c. Eu tenho [[para quem]i escrever/telefonar eci].
d. João procura [[para onde]i ir eci].
e. Paulo já arranjou [[com quem]i casar eci].
Em (39) o verbo da sentença encaixada está no infinitivo e seleciona um PP como seu
argumento interno. Quando o elemento-wh se move para a periferia esquerda da sentença, ele
leva consigo a preposição que lhe fornece caso oblíquo. Ou seja, o PP respeita os requisitos do
verbo da sentença encaixada, mas não os do verbo da sentença matriz que seleciona um DP
como seu complemento.
Essas sentenças se caracterizam por: a) ocorrer principalmente como complemento de
verbos existenciais “mainly the equivalents of existenctial be and existential have”42; e b) poder
ser parafraseada por sentenças que contêm uma relativa antecedida por um DP indefinido:
39
Caponigro (2001) divide as relativas livres em definidas (que são as relativas livres canônicas) e indefinidas (do
tipo de (39)); Grosu & Landman (1998) as separam em relativas realis (canônicas) e irrealis (as de (39)). Esses
dois autores as classificam a partir da semântica, ignorando se elas são finitas ou infinitivas. Hirschbühler (1978),
porém, as classifica levando em conta a forma: relativas livres finitas (canônicas) e infinitivas (as de (39)).
40
HIRSCHBÜHLER, P. The syntax and semantics of wh-constructions. Dissertação de Mestrado (Mestrado em
Lingüística), University of Massachusetts, Amherst, 1978.
41
As sentenças em (39a-c) foram adaptadas de Medeiros Júnior (2005, p.83).
64
(40)
a. Paulo não tem [sentença infinitiva a quem pedir ajuda].
b. Paulo não tem [DP indefinido uma pessoa/alguém a quem pedir ajuda].
Para Grosu & Landman (1998), Izvorski (1998) e Caponigro (2001), o problema do MR
das relativas livres infinitivas não se coloca, pois elas são CPs nus e, por isso, são
sintaticamente iguais às interrogativas. Grosu & Landman (1998) elencam três argumentos para
confirmar essa igualdade:
1º) Relativas livres infinitivas não apresentam os MR, assim como as interrogativas (cf.
(39));
2º) As infinitivas ((41b) do romeno), assim como as interrogativas, permitem múltiplos
sintagmas-wh (empilhamento), o que as relativas livres não permitem ((41a) do inglês)43:
(41)
a. *[Who
danced with whom
Quem dançou com quem
b. Nu maia vem
[pe cine cu
last
night] will get married next week.
passada noite casará
na+próxima semana.
cine împerechia].
Não mais temos [quem com quem jogar].
3º) Extração para fora da relativa livre não é permitida. Já a extração para fora de
interrogativas vai, dependendo da língua, de meio ruim (inglês) a bom (romeno, hebreu,
português), como mostram os exemplos do romeno abaixo:
(42)
a. *Despre ce
ai
pe [cine vorbe te cu
Maria] în clasa ta?
Sobre o-que você-tem ACC wh é falando com Maria na classe sua.
‘[Sobre o que]i você tem quem está falando com Maria ti na sua sala?’
b. Despre ce
(nu) ai
Sobre o-que
[cu cine
s
vorbe ti__].
(não) você-tem com quem SUBJ falar__ ?
‘[Sobre o que]i você não tem com quem falar ti ?’
c. Despre ce
nu
tii
[cu
cine s
vorbesti__].
Sobre o-que não você-sabe com quem SUBJ falar__?
‘[Sobre o que]i você não sabe com quem falar ti?’
42
43
“principalmente os equivalentes do existencial ser e do existencial ter” (CAPONIGRO, 2001, p.3).
Sentença de (41) e (42) foram retiradas de Grosu & Landman (1998, p. 157).
65
Das sentenças de (42) não é permitido extrair o pronome-wh interrogativo apenas da relativa
livre canônica em (42a). Extração da relativa livre infinitiva (42b) e da interrogativa (42c) são
permitidas.
Caponigro (2001), Izvorski (1998) e Grosu & Landman (1998) analisam as sentenças
descritas acima pelo viés semântico. Por isso, esses autores incluem em suas análises relativas
livres que, embora sejam formalmente diferentes, têm interpretação semântica parecida.
Semanticamente essas sentenças podem ser parafraseadas por um DP indefinido, já que são
selecionadas principalmente por verbos existenciais:
(43)
a. C’è [RL indefinida chi
Há [
dice sempre di sì].
quem diga sempre sim].
a'. Ci sono [DP indefinido (delle)
Há
[
persone che dicono sempre di sì].
(algumas) pessoas que dizem sempre sim].
b. João tem [RL indefinida quem corte a grama pra ele].
b'. João tem [DP indefinido alguém que corte a grama pra ele].
Porém, como queremos analisar a parte formal (e não semântica) desse tipo de sentença, não
vamos considerar as sentenças com verbo no subjuntivo porque nas sentenças em (43) o MR
não é violado: em (43a) o verbo existencial seleciona um DP como seu complemento e o verbo
dire (dizer), na encaixada também seleciona um DP. O mesmo ocorre em (43b), em que o
pronome relativo-wh quem satisfaz os requisitos dos dois verbos envolvidos na sentença.
6.1 AS INFINITIVAS NÃO SÃO INTERROGATIVAS
As relativas livres infinitivas apresentam três características (descritas na seção anterior)
que as assemelham às interrogativas. Por causa dessas e de outras características, Izvorski
(1998) considera que essas sentenças não são relativas livres, mas sim interrogativas.
Porém, mesmo com as semelhanças descritas acima, as infinitivas não podem ser
consideradas interrogativas. De acordo com Caponigro (2001) e Izvorski (1998), parece que,
assim como ocorre com as relativas livres, não existem sentenças infinitivas encabeçadas por
66
palavras equivalentes a why ou what/which+NP, que, como vimos no capítulo anterior, são
marcas de sentenças interrogativas44:
(44)
Mne
est’
[(*katoruju)/
Me-DAT é-3sg
os-quais/
kakuju /
’ju knigu itat’].
o-que/ cujo livro ler-INF.
‘Há alguns livros *os quais/ que eu posso ler’.
Além disso, o verbo existencial que seleciona uma relativa livre infinitiva (cf. (39), (40)),
nunca seleciona uma interrogativa, como mostra (45)45:
(45)
*C’è [interrogativa sim/não se Harold
Há
dice sempre di sì].
se Haroldo diz sempre sim.
O último argumento, que sugere que essas sentenças não são interrogativas, é
semântico. As relativas livres infinitivas podem ser parafraseadas por um DP indefinido (cf.
(40)); já as interrogativas, geralmente, não podem ser parafraseadas por um DP, e tem a
mesma distribuição das sentenças declarativas:
(46)
a. So [interrogativa wh chi
Sei
dice sempre di sì].
quem diz sempre sim.
b. So [declarativa che Harold dice sempre di sì].
Sei
que Haroldo diz sempre sim.
Na próxima seção vamos estudar essas sentenças tendo em vista o português
brasileiro.
6.2 ALGUMAS INFINITIVAS NÃO SÃO RELATIVAS LIVRES
Observamos, em várias línguas, que as relativas livres apresentam as seguintes
propriedades: a) obedecem os MR; b) não permitem extração; c) não permitem múltiplos
44
45
Sentença do russo retirada de Izvorski (1998, p. 6).
Sentença retirada de Caponigro (2001, p. 7).
67
sintagmas-wh (empilhamento); e d) são interpretadas como DPs definidos. Quando
confrontamos as relativas infinitivas com essas propriedades, vemos que elas se comportam de
modo diferente.
Consideremos a sentença em (47):
(47)
O João não tem [o que fazer nos sábados].
Como apontam Marchesan e Mioto (no prelo), a relativa de (47) apresenta uma única
propriedade em comum com as relativas livres canônicas: obedece os MR já que o pronome
relativo-wh o que é da categoria DP, como requerem os verbos ter e fazer. As outras
propriedades elencadas acima não pertencem às relativas infinitivas. Primeiro, é permitido
extrair uma expressão wh interrogativa de dentro da infinitiva:
(48)
Com quemi o João não tem [o que fazer eci no sábado]? 46
Em segundo lugar, as infinitivas parecem permitir múltiplos sintagmas wh:
(49)
?João não tem mais [com quem jogar o que].
Em terceiro lugar, as infinitivas são interpretadas como DPs indefinidos, como mostra a
paráfrase (50b) de (50a):
(50)
a. João tem [o que fazer no sábado].
b. João tem [DP indefinido alguma coisa para fazer no sábado].
Apesar da discrepância apresentada acima, alguns lingüistas consideram que sentenças
como (47) são relativas livres. Confrontando essa situação com o português, devemos dizer que
uma sentença que, no mínimo, obedece os MR deve ser considerada uma relativa livre. A
propriedade que define uma relativa livre no português é: sentença wh que não pode violar os
requerimentos de categoria da sentença matriz.
46
Como apontam Marchesan e Mioto (no prelo), essa propriedade não pode ser arrolada para defender que as
infinitivas são semelhantes às interrogativas infinitivas encaixadas. Isto porque as interrogativas não permitem a
extração de um adjunto enquanto as relativas infinitivas permitem isso perfeitamente:
(i)
a. *Quandoi o João quer saber [o que fazer eci]?
b. Quandoi o João não tem [o que fazer eci]?
68
Vamos considerar, agora, a sentença em (51):
(51)
João não tem [com quem conversar no sábado].
Se queremos considerar que a sentença entre colchetes em (51) é uma relativa livre, como
fazem alguns lingüistas (GROSU & LANDMAN, 1998 e CAPONIGRO, 2001), temos que admitir
que nem os MR servem para definir uma relativa livre. De fato, o PP com quem não atende os
requerimentos do verbo matriz ter, que seleciona um DP. A manutenção da definição exige que
se descaracterize a sentença entre colchetes de (51) como relativa livre.
Na aparência, (51) é semelhante a (47), pois não tem um núcleo nominal relativizado.
Mas crucialmente existe uma diferença: a expressão relativa é um PP. Observemos que,
quando uma relativa livre é encabeçada por um PP (por exemplo, quando é objeto indireto), a
preposição é requerida pelo verbo matriz. Isto não é o que acontece em (51) onde a preposição
é nitidamente requerida pelo verbo encaixado falar. A presença da preposição faz com que (51)
possa ser parafraseada por uma sentença relativa com núcleo nominal, como vemos em (52):
(52)
João não tem uma pessoa com quem conversar no sábado.
Em (52), o complemento do verbo ter é um DP, como requerido por suas propriedades
selecionais.
Esse comportamento é inesperado se o comparamos com o de uma relativa livre
verdadeira, como observamos em (53):
(53)
a. Ela gosta de quem gosta de poesia.
b. Ela gosta das pessoas que gostam de poesia.
Em (53b) a preposição de, requerida pelo verbo gostar se mantém. Ao mesmo tempo, o
elemento-wh em (53b) muda de forma: de quem para que. Observe que, em (52), o pronome
relativo-wh mantém crucialmente a mesma forma que tem em (51). Retomando a observação
(ver cap. I) de que os pronomes relativos-wh quem e o que não podem encabeçar relativas com
núcleo a não ser que uma preposição quebre a adjacência entre o nome e eles, entendemos
por que a paráfrase em (52) é permitida. Se tentamos parafrasear uma sentença infinitiva que é
uma relativa livre verdadeira por uma relativa com núcleo, de modo semelhante a (52), não
obtemos sucesso:
69
(54)
a. João sempre tem quem perturbar.
a'. *João sempre tem uma pessoa quem/que perturbar.
a". João sempre tem uma pessoa para perturbar.
b. João tem [o que fazer no sábado].
b'. *João tem alguma coisa o que/que fazer.
b". João tem alguma coisa para fazer.
As sentenças (54a) e (54b) podem ser parafraseadas por sentenças finais, mas a rigor não por
relativas com núcleo.
A conclusão que tiramos dessas observações é que sentenças como (51) não são
relativas livres verdadeiras, mas relativas com núcleo nominal indefinido em que todo o DP
antecedente é omitido. A questão que permanece é por que esse tipo de sentença permite a
omissão do núcleo enquanto as outras relativas com núcleo nominal não permitem. A solução
sugerida é que todo o DP antecedente pode ser omitido porque ele é previsível. Se é verdade
que esse tipo de relativas ocorre com existenciais, como afirma Caponigro (2001, p. 3), “mainly
the equivalents of existenctial be and existential have”47, é previsível que o DP antecedente
esteja sempre sujeito aos Efeitos de Definitude (BELLETTI, 1988). Ao ser resgatado, ele só vai
poder ser o equivalente de alguma pessoa/alguém ou alguma coisa/algo.
7 RESUMO DO CAPÍTULO
Neste capítulo analisamos uma característica excepcional das relativas livres: o MR.
Pelo MR o pronome relativo-wh deve respeitar os requisitos de caso e/ou de categoria de um
núcleo da sentença matriz e encaixada simultaneamente.
Existem línguas como o Hindi, Tok Pisin e Coreano que não apresentam relativas livres
e por isso, usam outras estratégias para suprir essa falta (como por exemplo, relativas com
núcleo). Há também relativas livres que possuem o MR obrigatório, como é o caso do francês,
inglês, etc.. Por fim, analisamos relativas livres sem o case matching: algumas relativas livres
apresentam uma estratégia única para a marcação de caso (ex. o islandês e a variante A do
alemão); as outras línguas (alemão A, gótico, romeno, etc.) são sensíveis à hierarquia de caso
47
“principalmente equivalentes dos existenciais ser e ter”.
70
(nom<acc<dat,gen,PP). No português brasileiro o sincretismo de caso ocorre quase que
obrigatoriamente. O sincretismo só não ocorre quando o caso oblíquo for atribuído por uma
preposição selecionada pela sentença encaixada. Nesse caso, o pronome relativo-wh realiza o
caso da sentença matriz (nominativo ou acusativo). Podemos resumir o que foi dito acima com
a tabela 1:
Grego Moderno
R
R
R
R
RL
R
R
R
RL
R
R
R
M
M
M
RL
M
RES
RES
M
M
M
RL
Português Brasileiro
Gótico e Romeno
M
M
M
M
M
M
RL
Alemão B
RL
Alemão A
-
Islandês
m=NOM; r=ACC
m=NOM; r=OBL
m=ACC; r=OBL
m=ACC; r=NOM
m=OBL; r=NOM
m=OBL; r=ACC
Inglês, Francês,
Holandês,
Alemão C,
Norueguês
Conflito
Hindi, Tok Pisin,
Coreano
Tabela 1: Tipologia de conflitos de caso (tabela adaptada de VOGEL, 2001, p. 113).
R/M (sincretismo)
M
M
R/M (sincretismo)
R/M (sincretismo)
R/M (sincretismo)
RL
Legenda:
m = caso da sentença matriz
r = caso da sentença encaixada (relativa)
M = o caso realizado é o da sentença matriz
R = o caso realizado é o da sentença encaixada (relativa)
RES = pronome resumptivo que realiza o caso do verbo da sentença encaixada.
Além disso, na seção 6 analisamos o caso das relativas infinitivas que constituem um
problema, pois o pronome relativo realiza os requisitos do verbo da sentença encaixada e não
os da matriz. Analisando os dados do português brasileiro, concluímos que algumas infinitivas
não são relativas livres. As infinitivas em que o pronome relativo-wh não é complemento de uma
preposição (selecionada pelo verbo da encaixada), como por exemplo [João não tem quem
incomodar] é uma relativa livre verdadeira e as infinitivas em que o pronome relativo-wh é
argumento de uma preposição selecionada pelo verbo da encaixada, como por exemplo [João
não tem com quem conversar] não é uma relativa livre, mas, sim, uma relativa com núcleo.
Nesse último caso, o núcleo é omitido porque ele é previsível: essas relativas ocorrem com
71
verbos existenciais que estão sujeitos ao Efeito de Definitude, por isso o núcleo é facilmente
recuperável.
72
CAPÍTULO III
ANÁLISE DAS RELATIVAS LIVRES
1 INTRODUÇÃO
As relativas livres não contém um núcleo nominal explícito. O pronome relativo-wh
presente nessas sentenças sempre incorpora o que seria o núcleo nominal de uma relativa com
núcleo. A partir disso, nos perguntamos se o pronome relativo-wh ocupa a posição do núcleo
nominal, já que incorpora esse núcleo, ou permanece em sua posição canônica de SpecCP. A
primeira análise que vamos apresentar é aquela em que não há movimento do pronome
relativo-wh, ou seja, ele fica na posição do núcleo nominal. Essa análise é conhecida como
Hipótese do Núcleo (BRESNAN & GRIMSHAW, 1978). Na segunda análise, chamada de
Hipótese do Comp, o pronome relativo-wh nasce dentro de IP e se move para a posição de
SpecCP e foi elaborada por Groos & Van Riemsdijk (1981). Além dessas duas hipóteses, com
os estudos de Kayne (1994), outra hipótese veio à tona: a hipótese que diz que a relativa é
complemento de um determinante (hipótese do Complemento de D).
Dessa forma, neste capítulo vamos analisar cada uma dessas três hipóteses e verificar
qual é a mais adequada para tratar dos dados do português brasileiro.
2 HIPÓTESE DO NÚCLEO
Como vimos, o MR estipula que a sentença relativa tem que ser da mesma categoria do
pronome relativo-wh. A partir disso, Bresnan & Grimshaw (1978) propuseram que o pronome
relativo-wh ocupa a posição que seria preenchida pelo núcleo nominal em uma relativa com
núcleo. Na posição de núcleo é esse pronome-wh que inicia a relativa livre e por isso, para que
a relativa livre satisfaça os requerimentos da sentença matriz, ela tem que ser introduzida por
um pronome relativo-wh que seja compatível com a função que a relativa livre desempenha.
73
Nessa análise, também chamada de Hipótese de Base, a relativa livre está em uma
estrutura de adjunção e não há movimento do pronome relativo-wh 48:
(1)
I’ll buy [NP [NP what ][S you
are selling [pro]]].
∅
Eu comprarei o+que você está vendendo.
Uma proposta com movimento não conseguiria prever a necessidade de compatibilidade entre
a categoria que domina a sentença e o pronome relativo-wh que se deslocasse para Comp.
Além disso, o pronome relativo-wh é gerado na base para diferenciar essa estrutura das
interrogativas (em que há movimento-wh) e assemelhá-la às relativas com núcleo (em que não
há movimento-wh, segundo a análise de Chomsky, 1977).
Além do MR, as autoras elencam quatro argumentos em favor da Hipótese do Núcleo. O
primeiro argumento é a concordância:
(2)
a. The books she has *is/are marked up with her notes.
Os livros ela têm *é/são marcados com suas anotações.
b. What books she has isn’t/* aren’t certain.
Quais livros ela tem não é/*são
certo.
c. Whatever books she has *is/are marked up with her notes.
Quaisquer livros ela tem *é/são marcados com suas anotações.
Na posição de sujeito, os sintagmas wh desencadeiam um processo de concordância com a
forma verbal da sentença matriz, como vemos em (2a) que contém um relativa com núcleo e
(2c) que contém uma relativa livre. Porém, essa concordância não é verificada nas
interrogativas encaixadas, como em (2b).
O segundo argumento é relacionado ao movimento-wh: nas interrogativas o pronomewh se move para uma posição
e, normalmente, leva consigo os traços de caso; já nas
relativas livres, o pronome-wh pode ter casos diferentes na sentença matriz e na encaixada (cf.
cap. II):
(3)
a. [O que você viu ec] pertence a mim.
b. João perguntou [quem]i eci comprou a televisão.
48
As sentenças em (1), (2), (4), (5), (7), (8), (9) foram extraídas do texto de Bresnan & Grimshaw (1978).
74
Em (3a) a relativa livre está na posição de sujeito (assim, o pronome relativo-wh recebe caso
nominativo da flexão Aux (=Iº) do verbo pertencer) e a ec, que é co-referente ao pronome
relativo-wh, está na posição de argumento interno do verbo ver (recebe caso acusativo). Já em
(3b), que contém uma interrogativa encaixada, o pronome-wh nasce como argumento do verbo
comprar e recebe caso nominativo da flexão desse verbo. Ao se mover para S’ esse pronomewh leva consigo o caso recebido antes do movimento.
O terceiro argumento diz respeito à preposição órfã que não ocorre nas interrogativas
indiretas, mas ocorre nas relativas livres, como vemos em (4):
(4)
I’ll live
in [whatever town
you live in].
Eu viverei em qualquer cidade você viver na.
Por fim, o quarto argumento é relacionado ao fenômeno pied piping, permitido nas
relativas com núcleo (5a) e nas interrogativas encaixadas (5b), mas impossível nas relativas
livres (5c), por causa do MR:
(5)
a. I’ll read the paper on which John is
Eu lerei o
b. I’d like
working.
jornal no qual João está trabalhando.
to know on which paper John is
working.
Eu gostaria de saber em qual jornal João está trabalhando.
c. * I’ll reread on whatever paper John has worked.
Eu relerei em qualquer jornal João tem trabalhado.
(5c) é agramatical porque o verbo reread (reler) exige que seu complemento seja um DP, mas a
relativa livre é iniciada por uma preposição (selecionada pelo verbo da encaixada).
Para os pronomes relativos-wh que têm propriedades distribucionais de PPs, como
wherever, whenever, Bresnan & Grimshaw (1978) adotam a seguinte estrutura:
(6)
a.
PP[Loc]
P[Loc]
Ø
b.
PP[Temp]
P [Temp]
NP[Loc]
where(ver)
Ø
NP[Temp]
when(ever)
75
O apagamento do núcleo P em (6) é atribuído a regra do P-deletion formulada por Emonds49
(1976 apud BRESNAN & GRIMSHAW, 1978, p. 347) que afirmou que vários outros sintagmas
em inglês podem se usados “adverbialmente” com o uso opcional da preposição:
(7)
a. She wants to move (to)
Ela quer
b. I’m
mudar
someplace
new.
(para) algum+lugar novo.
leaving (on) the day after
tomorrow.
Eu estou partindo (em) o dia depois de+amanhã.
Assim, “[a]ssuming that [Loc] and [Temp] are categorial features of prepositions and nouns, we
hypothesize that these features are added to phrase nodes whose heads bear the features”50
(BRESNAN & GRIMSHAW, 1978, p. 347). Ou seja, através do P-deletion, o traço do núcleo P é
adicionado ao nó PP, e o traço do pronome-wh é adicionado ao nó NP:
(8)
a. I would consider [wherever
Eu consideraria
b.
she lives ec a
onde+quer+que ela more
nice place to
live].
um bom lugar para morar.
S
NP Aux
I
would
VP
V
consider
PP[Loc]
NP
NP[Loc]
NPi [Loc]
whereverj
a nice place
to live
IP
NP
she
VP
V
lives
PP[Loc]
NPi [Loc]
therej (=Pro[Loc])
Em (8b) há claramente uma relação entre o pronome relativo-wh wherever e o pronome there
(marcadas pelo índice j). Como essa relação não pode ser estabelecida por movimento-wh, já
49
50
EMONDS, J. A transformational approach to English syntax: root, structure-preserving, and local
transformations. New York: Academic Press, 1976.
“[a]ssumindo que [Loc] e [Temp] são traços categoriais de preposições e nomes, hipotetizamos que esses traços
são adicionados aos nós sintagmáticos cujo núcleo carrega esses traços”.
76
que o pronome relativo-wh é gerado na periferia esquerda da sentença na DS (Deep Structure),
Bresnam & Grimshaw (1978) propuseram a regra do Controlled Pro Deletion (apagamento do
pro controlado). A relativa livre apresenta uma categoria pronominal nula que é apagada ao ser
coindexada com o pronome relativo-wh da sentença matriz (chamado de controlador). Em (8) o
pronome-wh locativo there é apagado através do Controlled Pro Deletion e o NP[Loc], que
domina a ec, é coindexado com o núcleo NP[Loc] da relativa livre.
Além dos pronomes relativos-wh que podem embutir uma preposição, como wherever e
whenever, existem relativas livres que são iniciadas por preposições explícitas, como (9a) e
relativas livres com preposição órfã, como (9b):
(9)
a. I will live
[in whatever town
you live ec].
Eu viveria em qualquer cidade você more.
b. I will move
to
[whatever town
Eu mudaria para qualquer
you live in].
cidade você viva em.
a.
b.
PP[Loc]
PPi[Loc]
PP[Dir]
S
NP NP
VP
P[Loc]
in whatever you
town
V
live
P[Dir]
to
PPi[Loc]
NP[Loc]
there
(=pro[Loc])
NP
S
NPi
whatever
town
NP
you
V
live
VP
PP[Loc]
P[Loc]
in
NPi
pro
Em (9a) a regra do Controlled Pro Deletion apaga o pronome locativo-wh there e coindexa o
PP[Loc], que domina esse pronome-wh, com o PP[Loc] [in whatever town] que inicia a relativa livre.
O NP whatever town não pode ser o controlador porque ele sozinho não possui traços [+Loc] e
não há nenhum NP que domine o pro para concordar com ele. Ou seja, os traços do controlador
e da ec têm que concordar para que possa haver apagamento e coindexação51. Em (9b) temos
uma preposição direcional e uma locativa, assim, o Controlled Pro Deletion apaga o NP ([-Loc.],
[-Dir.]) e coindexa o vestígio que surge desse apagamento com o NP whatever town que
51
Qualquer categoria XP pode ser uma categoria pro: pro-adjetivos, pro-verbos, pro-sentenças. Porém o traço do nó
coindexado deve concordar com o traço do núcleo da relativa.
77
também é ([-Loc], [-Dir]). Portanto, a presença ou a ausência da preposição órfã indica qual vai
ser a estrutura da relativa livre52.
Essa análise apresenta alguns problemas, se considerada à luz da GB (Government &
Binding). O primeiro problema é exemplificado pelos exemplos do alemão, extraídos de Groos &
Van Riemsdijk (1981 apud LEUNG, 2005, p. 266; VAN RIEMSDIJK 2000, p. 7):
(10)
a. Der Hans hat [das Geld,
O
das er gestohlen hat],
zurückgegeben.
Hans tinha [o dinheiro o qual roubado tinha], devolvido.
‘Hans devolveu o dinheiro que ele tinha roubado.’
b. Der Hans hat
O
[das Geld ti]
Hans tinha [o
zurückgegeben, [CP das
dinheiro ti] devolvido
[CP o qual ele roubado tinha].
c. *Der Hans hat ti zurückgegeben [PP das Geld
O
(11)
Hans tinha ti devolvido
a.* Der Hans hat
[was]
[DP o
O
das
er gestohlen hat].
dinheiro o qual ele roubado tinha].
zurückgegeben, [er gestohlen hat].
O Hans tinha [o que] devolvido,
b. Der Hans hat
er gestohlen hat].
[ele roubado
[e] zurückgegeben, [was
Hans tinha [e] devolvido,
tinha].
er gestohlen hat].
[o que ele roubado tinha].
A sentença destacada entre colchetes em (10a) é uma relativa com núcleo e por isso pode ser
extraposta para o fim da sentença, como mostra (10b). Mas todo o DP não pode ser extraposto,
como vemos em (10c). Ou seja, o núcleo NP deve permanecer antes do particípio
zurückgegeben (devolvido). A impossibilidade de extrapor o núcleo NP, em uma relativa com
núcleo, sugere que o pronome relativo-wh, em uma relativa livre, também não possa ser
extraposto. Porém, não é isso que a sentença (11) mostra. (11a) é agramatical se o pronome
relativo-wh permanecer antes do particípio e a relativa livre for extraposta.
52
A estrutura proposta por Bresnan &Grimshaw (1978) é aplicada, também, àquelas sentenças em que a ec não é
substituída por nada:
(i)
I drank [whatever there was].
Para a sentença não ser mal formada, já que não temos apagamento de nenhum pronome, as autoras adotam a
existência de um pro vazio:
(ii)
[S I drank [NP [NPi whatever [S there was [NPi pro]]]]].
Também encontramos sentenças desse tipo no português brasileiro:
(iii)
Eu vou trabalhar com [o que João determinar].
78
O segundo problema é quanto ao pronome relativo-wh. Se o pronome relativo-wh está
na posição do núcleo nominal, temos que supor que o que segue esse núcleo, assim como
ocorre com as relativas com núcleo, é um CP, o que não se confirma53:
(12)
a. I put [the pie] [which / *which that / that / Ø you prepared] in the refrigerator.
Eu coloquei o bolo o+qual/o+qual que/que/ Ø você preparou na geladeira.
b. I put [what] [*which / *which that / *that / Ø you prepared] in the refrigerator.
Eu coloquei o+que o+qual/o+qual que / que Ø você preparou na geladeira.
Em (12a) a sentença relativa, entre colchetes, iniciada por which, é um CP. O mesmo não pode
ser dito para (12b), já que não permite a inserção de nenhum pronome-wh. Van Riemsdijk
(2000, p. 8) diz que Bresnam & Grimshaw estavam cientes desse problema e por isso
estipularam que o que segue o pronome relativo-wh, em uma relativa livre, não é um CP, mas,
sim, um IP.
O terceiro problema que essa hipótese enfrenta foi apresentado em Larson (1987, p.
244-245), que afirma que o MR não se sustenta na medida em que outras categorias podem
aparecer onde se esperaria a ocorrência de PPs:
(13)
a. I worded my letter [AdvP carefully].
(Eu escrevi minha carta cuidadosamente)
b.
[PP in a careful manner].
c.
[NP the way
(...a
(…. de uma maneira cuidadosa)
that you told me to].
maneira que você falou me para)
O quarto e, talvez, último problema dessa análise é a tentativa de estabelecer uma
diferença estrutural entre as relativas livres (14a) e as relativas com núcleo (14b) (LARSON,
1987, p. 245), já que ambas apresentam diferenças estruturais mínimas:
(14)
(a)
XP
XP
S
[+wh]
(onde X = N, P, A, Adv)
53
Sentenças de Van Riemsdijk (2000, p. 8).
(b)
NP
NP
S'
79
Assim, com todos esses problemas que a Hipótese do Núcleo enfrenta, essa análise é
descartada. Na seção seguinte, vamos verificar outra hipótese de análise para as relativas
livres.
3 HIPÓTESE DO COMP
Alguns anos mais tarde Groos & Van Riemsdijk (1981 apud LEUNG, 2005) formularam a
chamada Hipótese do Comp (Comp Proposal), que, segundo Van Riemsdijk (2000), foi
desenvolvida e analisada por Kuroda (1968)54, Quicoli (1972)55, Hirschbühler (1976)56, entre
outros. Aqui a relativa livre também apresenta uma estrutura de adjunção; porém, por regra de
movimento, o pronome relativo-wh se desloca da posição de complemento para a posição de
Comp semelhante ao que ocorre nas interrogativas. Brito (1991) e Vogel (2002) apontam que o
pronome-wh de uma relativa livre se move porque o Comp dessas estruturas possui traços-φ
não interpretáveis que motivam esse movimento.
(15)
a. Maria perguntou [S’ [Comp quem estava na casa de sua mãe]].
b. Maria conhece [S’ [Comp quem estava na casa de sua mãe]].
A sentença entre colchetes em (15a) é uma interrogativa que possui traços [+int.] o que motiva
o movimento do pronome-wh. Já o Comp de (15b) possui traços [+rel], o que motiva o
movimento do pronome relativo-wh da relativa livre. A estrutura das relativas livres é a
seguinte57:
(16)
a. NP[NP[ec]S’[Comp {qui/
el qui}]S[diu això
ment]]].
Quem/art. quem diz essas mentiras.
Leung (2005, p. 267) aponta uma evidência (usando a GB) que mostra essa igualdade
entre as características das relativas livres e das interrogativas. Vejamos:
54
KURODA, Sige-Yuki. English relativization and certain related problems. Language, 44, 2(part 1), p. 244-266,
1968.
55
QUICOLI, Carlos. Aspects of Portuguese Complementation. unpublished Ph.D. Dissertation, MIT, 1972.
56
th
HIRSCHBÜHLER, Paul. Two analyses of Free Relatives in English. Proceedings of the 6 Meeting of the North
Eastern Linguistic Society, Montréal Working Papers in Linguistics III: 137-152, 1976.
57
Sentença de Hirschbüler & Rivero (1983, p. 508).
80
(17)
Movimento-wh:
a. [Which pictures of
Quais fotos
himselfi] is
Johni willing
to sell?
dele mesmo está João desejando vender?’
b. * [Which pictures of Johni] did hei take yesterday?
Quais fotos
(18)
(Princípio A)
de João
(Princípio C)
ele tirou ontem?
Relativas Livres
a. I
will buy
[whatever picture of himselfi]
Eu comprarei qualquer foto
b. *I
Johni is
willing
dele mesmo João está desejando vender.
liked [whatever picture of Johni] hei took.
Eu gostei qualquer foto
to sell. (Princípio A)
(Princípio C)
de João ele tirou.
Dada a semelhança de comportamento das relativas e interrogativas frente aos Princípios A e
C, as duas sentenças devem ser derivadas por movimento do pronome-wh. Se a análise da
sentença em (18b) fosse uma em que a expressão-wh fosse gerada na periferia esquerda da
relativa livre, seria difícil entender por que a sentença (18b) é agramatical: nem John ccomandaria o pronome he nem he c-comandaria John e assim, não haveria motivo para que a
sentença fosse agramatical. Se, pelo contrário, a derivação de ambas as sentenças implica
movimento, a explicação para a (a)gramaticalidade será a mesma.
Assim como a Hipótese do Núcleo, essa hipótese também apresenta alguns problemas.
O primeiro problema está relacionado ao MR. Nessa hipótese, o pronome-wh está em Comp.
Dessa posição, ele não consegue ser subcategorizado pelo verbo da sentença matriz e por isso
o MR não tem como se verificar. Para resolver esse problema, Groos e Van Riemsdijk
estipularam o chamado Comp Accessibility Parameter: “The COMP of a free relative is
syntactically accessible to matrix rules such as subcategorization and case marking, and
furthermore it is the wh-phrase in COMP, not the empty head, which is relevant for the
satisfaction or nonsatisfaction of the matrix requirements”.58 (GROOS E VAN RIEMSDIJK, 1981
apud LEUNG, 2005, p. 266-267). Nas palavras de Medeiros Júnior (2005a, p. 43), quando o MR
é observado, o núcleo do Comp (onde se encontra o pronome-wh) “passa a ser sintaticamente
acessível para a satisfação de exigências da matriz, tais como subcategorização e marcação de
caso”.
58
“O COMP de uma relativa livre é sintaticamente acessível às regras da matriz tais como subcategorização e
marcação de caso, e além disso é o sintagma-wh em COMP, e não o núcleo vazio, que é relevante para a
satisfação ou não dos requerimentos da matriz”.
81
O segundo problema que essa hipótese enfrenta, segundo Van Riemsdijk (2000), é o
critério temático: o mesmo pronome-wh recebe papel temático duas vezes: sai de uma posição
temática e vai para outra posição que acaba sendo tematicamente marcada pelo verbo matriz, o
que é barrado pela Teoria da GB:
(19)
Maria colocou os livros [CP ondei eu queria pôr as revistas ti].
Van Riemsdijk (2000, p. 10) lembra que tanto a Hipótese do Comp quanto a Hipótese do
Núcleo foram propostas antes da GB, e por isso esses problemas surgiram somente agora. Há
várias teorias que tentam resolver esse problema postulando que a categoria vazia é um pro
(GROOS & VAN RIEMSDIJK, 1981; SUÑER, 1984), ou um PRO (HARBERT, 1983), mas o fato
é que o problema envolvendo o Critério Temático continua sem ser resolvido.
A partir desses problemas, descartamos essa hipótese e passamos à terceira hipótese:
hipótese do complemento de D.
4 ANÁLISE DO COMPLEMENTO DE D
Com os estudos de Kayne (1994) uma nova análise para as relativas veio à tona. Esta
análise muda a perspectiva de que as relativas com núcleo sejam um adjunto do NP, supondo
que elas são o complemento de um determinante. Bianchi (1999), De Vries (2002) e, para o
português brasileiro, Áreas (2002), entre outros, estudaram as relativas com núcleo sob essa
perspectiva. Caponigro (2002) e Medeiros Júnior (2005) aplicam essa hipótese do complemento
de D às relativas livres. Ou seja, da mesma forma que uma relativa com núcleo é selecionada
por um determinante, uma relativa livre também o é59. Nas próximas seções apresentamos a
hipótese desses dois autores.
59
Para ver evidências que comprovam que a relativa com núcleo é selecionada por um determinante ver Bianchi
(1999), De Vries (2002), Áreas (2002), entre outros.
82
4.1 ANÁLISE DE CAPONIGRO (2002)
Para Caponigro (2002), as relativas livres, assim como as interrogativas são CPs.
Porém, as relativas livres não são somente um CP, mas sim DPs com um D implícito que
seleciona um CP como seu complemento:
(20) Estrutura sintática das relativas livres (CAPONIGRO, 2002, p. 143):
DP
whi
D’
D
e
CP
ti
C’
C
IP
ti
Caponigro aplica essa estrutura somente às relativas com verbos flexionados, que
ocorrem na posição de argumento ou adjunto e que apresentem distribuição de DPs, como por
exemplo [I appreciate what you did for me] / [He opened the door when I was about to knock].
Ele argumenta que “[s]ince D is covert, it must be licensed by some agreement configuration.
[...] covert elements must enter in a Spec-Head relation with overt material in order to be
licensed”60 (CAPONIGRO, 2002, p. 143). Ou seja, o pronome relativo-wh se move do SpecCP
para o SpecDP para, assim, licenciar o D implícito.
Caponigro (2002, p. 146) afirma que todas as relativas livres têm distribuição de DPs,
mesmo aquelas em que o pronome relativo-wh é um PP, como where e when61:
(21)
a. He was born [PP where I
Ele nasceu
onde eu cresci.
b. He was born [PP in my
Ele nasceu
60
grew up].
hometown] / *[DP my
em minha cidade+natal /
hometown].
minha cidade+natal.
“[p]elo fato de o D ser implícito, ele deve ser licenciado por alguma configuração de concordância. [...] elementos
implícitos devem entrar em uma relação de Spec-Head com material explícito a fim de serem licenciados”.
61
Sentenças de (21) a (24) são de Caponigro (2002, p. 146-147).
83
Em (21a) where ocorre em uma posição prototípica de PPs, como vemos pela sentença em
(21b). Mas esses pronomes-wh também podem ocorrer em lugares onde a ocorrência de DPs é
prototípica:
(22)
a. [PP Where I grew up] was a
Onde eu cresci
b. [DP My
really
small
town.
era uma verdadeira pequena cidade.
hometown] /*[PP In/To my
hometown]
was a
really
small town.
Minha cidade+natal/*na/para minha cidade+natal era uma verdadeira pequena
cidade.
Além disso, ele afirma que as relativas livres iniciadas por where e when têm o mesmo
comportamento das expressões there, yesterday, last year, etc. Essas expressões, dependendo
do contexto, podem atuar tanto como DPs quanto como PPs:
(23)
a. He was born [DP there].
Ele nasceu
lá.
b. He was born [PP in my
Ele nasceu
(24)
hometown].
na minha cidade+natal.
a. [DP There] is really small.
Lá
b. [DP My
é realmente pequeno.
hometown]
is really
small.
Minha cidade+natal é realmente pequena.
A partir desses exemplos, e seguindo Jackobson62 (1995), Caponigro (2002, p. 147) salienta
que esses pronomes-wh são DPs que permitem uma interpretação adverbial. As relativas livres
“syntactically, [...] are DPs; semantically, they can be interpreted as either DPs or PP”63.
A partir da estrutura em (20) Caponigro consegue explicar por que não há extração para
fora de uma relativa livre: simplesmente porque uma relativa é um nominal complexo, algo
como um DP com um CP dentro dele. O MR é explicado porque somente pronomes relativoswh DPs podem ocorrer em relativas livres: “the syntactic category of the FR and the syntatic
62
JACOBSON, P.. On the quantificational force of English free relatives. In.: BACH, E. et al. (eds.), Quantification in
natural language. Kluwer, Dordrecht, 1995, p. 451-486.
63
“sintaticamete, […] são DPs; semanticamente, elas podem ser interpretadas como DPs ou PPs”.
84
category of its wh-phrase have to match”64. (CAPONIGRO, 2002, p.147) – como o D é vazio,
apenas um DP pode ser o seu licenciador.
4.2 ANÁLISE DE MEDEIROS JÚNIOR (2005)
Medeiros Júnior (2005) analisa dados do português brasileiro e adota a hipótese do
complemento de D. Sua análise é parecida com a de Caponigro (2002).
Para Caponigro o pronome relativo-wh se move para a posição de SpecDP para
licenciar o D implícito. Já na proposta de Medeiros Júnior, que foi desenvolvida a partir de
Rocha65 (1990 apud MEDEIROS JÚNIOR, 2005a, p. 65), além de o pronome relativo-wh se
mover para SpecDP para licenciar o D implícito ele “está implicado com um tipo de operação
sintática específico da derivação da sentença relativa” (MEDEIROS JÚNIOR, 2005a, p. 71).
Para ele as “palavras-Qu em relativas livres correspondem a um amálgama morfológico entre
um elemento pronominal e um morfema relativizador”, como em (25)66:
(25)
a. [A pessoa que] cala consente.
b. [A CV67 que] cala consente.
c. [Quem] cala consente.
A analogia em (25) evidencia que, quando apagamos o núcleo NP pessoa, o complementizador
que se transforma em um pronome relativo-wh que carrega os traços desse núcleo NP que foi
apagado (cf. capítulo I). Isso explica a agramaticalidade de (26a):
(26)
a. * O João conhece a moça quem cometeu o crime.
b. O João conhece quem cometeu o crime.
Em (26a) o pronome relativo-wh quem bloqueia a presença de qualquer elemento de natureza
nominal anterior a ele. Isso demonstra que o pronome relativo-wh quem apresenta traços
64
“a categoria sintática da RL [Relativa Livre] e a categoria sintática do sintagma-wh têm que ser compatíveis”.
ROCHA, Mari Lucia D. F.. Sintagmas QU em interrogativas indiretas e relativas livres do português. 1990.
Dissertação de Mestrado (Mestrado em Lingüística) - Universidade Federal de Brasília, Brasília, 1990.
66
Os exemplos de (25) são de Rocha (1990 apud MEDEIROS JÚNIOR, 2005b, p. 13). Os de (26) são de Medeiros
Júnior (2005b, p. 13).
67
CV = Categoria Vazia
65
85
[+humano], ou seja, quem “supostamente corresponde à fusão entre o antecedente e o
pronome relativo” (MEDEIROS JÚNIOR, 2005a, p. 68). Porém, Medeiros Júnior não menciona
sentenças em que o pronome-wh é antecedido por uma preposição:
(27)
a. Todos admiram o menino com quem você conversou ontem.
b. João não conhece a garota de quem você falou.
(28)
I
saw the girl
Eu vi
a
who(m) you met.
garota que(m) você encontrou.
Em (27), a preposição quebra a adjacência entre o núcleo nominal e o pronome relativo-wh e,
por isso, os dois traços [+humano] podem permanecer na mesma estrutura. Ao contrário, a
sentença (28) mostra que no inglês dois traços [+humano] podem ficar adjacentes sem, com
isso, tornar a sentença agramatical, ou seja, no inglês essa fusão entre o antecedente e o
pronome relativo-wh não ocorre.
Voltando a proposta de Medeiros Júnior (2005), observamos que há um amálgama/uma
fusão que consiste na incorporação de dois núcleos funcionais Cº+Dº:
(29)
Estrutura sintática das relativas livres (MEDEIROS JÚNIOR, 2005a, p. 75):
DP
DP
quem
D’
Dº
Cº
CP
Dº
quem
Cº
C’
TP
Como o pronome relativo-wh sai de uma posição argumental (dentro de IP) e se desloca para
outra posição argumental (SpecDP), ele receberia caso duas vezes – o que é um problema
para a teoria da GB. Isso não ocorre se estipularmos que “o sintagma-Qu satisfaz as exigências
de Caso do verbo na subordinada e, após a derivação de toda sentença relativa, tem-se uma
espécie de DP complexo; o traço de Caso do predicador mais alto é então descarregado no
núcleo D do complexo (D+C)” (MEDEIROS JÚNIOR, 2005a, p. 81).
86
O problema com esta análise é que, se a incorporação ocorre na periferia esquerda, não
conseguimos explicar como o pronome relativo-wh satisfaz as propriedades de seleção do
verbo encaixado. A incorporação é tardia no sentido de que já teria passado o ciclo em que o
pronome relativo satisfaz os requerimentos do verbo encaixado68.
5 PROPOSTA PARA O PORTUGUÊS BRASILEIRO
Uma proposta de análise das relativas livres do português brasileiro pode ser construída
com base em Caponigro (2002). De acordo com esta análise, a estrutura sintática de uma
relativa livre é um DP que seleciona um CP como seu complemento. Pelo fato de o D ser nulo
ele tem que ser licenciado por alguma configuração de concordância. Dessa forma, os
pronomes relativos-wh DPs vão para SpecDP para licenciar o D implícito. Esta análise mantém
a intuição tradicional de que as relativas livres desempenham funções de DP e não de CP e
evita o problema da incorporação tardia implícito na proposta de Medeiros Júnior (2005).
68
Não podemos deixar de mencionar que existe um trabalho de Kato & Nunes, ainda em andamento. No entanto,
como não tivemos acesso ao trabalho final não temos como avaliá-lo. Abaixo está ‘parte’ da proposta desses
autores, que foi citada no livro de Hornstein, Nunes e Grohmann (2005):
Na proposta desenvolvida por Kato & Nunes para as relativas livres, o pronome relativo-wh é adjunto ao CP.
Nessa análise aplicações de Merge e Move são intercaladas para, assim, produzir a derivação correta da
sentença relativa. Vejamos a derivação contida em Hornstein, Nunes e Grohmann (2005, p. 56):
(i)
a. Aplicação de Merge:
[CP Cstrong-wh ele concorda com quem].
b. Move com quem:
[CP [com quem]i [CP Cstrong-wh ele concorda ti]].
c. Merge conversa:
[VP conversa [CP [com quem]i [CP Cstrong-wh ele concorda ti]].
d. Mais uma aplicação de Merge:
[ele só conversa [CP [com quem]i [CP Cstrong-wh ele concorda ti]]].
Várias aplicações de merge formam a sentença encaixada, como mostra (i.a). Cº tem um traço forte strong-wh
que precisa ser checado, assim o PP complemento se move, explicitamente, e se adjunge a CP para checar
esse traço forte de Cº, como mostra (i.b). A estrutura formada em (i.b) é concatenada (merge) com o verbo
conversar formando o VP [conversa com quem ele concorda]. Por fim, mais algumas aplicação de merge
produzem a sentença desejada [ele só conversa com quem ele concorda].
Para esses autores, o PP adjungido em (i.b) checa o traço forte de Cº permitindo que a derivação convirja em
PF. Além disso, a estrutura formada em (i.c) faz com que o verbo conversar e o PP movido estejam em uma
configuração mútua de c-comando (PP não é dominado pelo CP). Essa é uma configuração que permite que os
requerimentos temáticos e selecionais sejam estabelecidos (o PP [com quem] está em uma posição de adjunção
e, por isso, fica ‘flutuando’ entre respeitar os requisitos da matriz e da encaixada). Portanto, a derivação pode
convergir em LF porque os requerimentos temáticos e selecionais do verbo da matriz e da encaixada são
satisfeitos no curso da derivação.
87
Essa análise dá conta trivialmente de sentenças como (30):
(30)
Maria comprou [DP o que Dº [CP to que João encomendou to que]].
Em (30) o que checa caso acusativo na relativa livre (mas vamos mudar isso logo abaixo por
causa dos MR) e o DP inteiro, que é toda a relativa, checa o caso acusativo na sentença matriz.
Os MR revelam que, para que isso aconteça, o pronome relativo não pode ser de categoria
diferente daquela capaz de checar caso acusativo, ou seja, DP. Reforçando, o caso não precisa
ser o mesmo, mas a categoria do pronome relativo precisa, como observamos em (31):
(31)
Maria ama [quem D [ tquem gosta de poesia].
A sentença (31) é gramatical e agora a relativa livre checa acusativo e o pronome relativo checa
nominativo.
Essa forma de derivar uma sentença que contém relativa livre enfrenta uma primeira
complicação ao considerarmos sentenças como (32):
(32)
a. Maria sempre desconfia de quem ele gosta.
b. Maria sempre desconfia de [quem D [ele gosta]].
c. Maria sempre desconfia [de quem [ele gosta]].
Temos que decidir se a preposição funcional de é regida pelo verbo matriz (32b) ou pelo verbo
encaixado (32c). Embora a derivação de (32a) como (32c) tenha uma explicação direta com de
quem sendo movido para a periferia esquerda, alguns fatos nos levam a optar por (32b). O
principal deles é que os requerimentos do verbo matriz nunca podem ser desobedecidos, como
apontamos no capítulo anterior e como exemplificamos abaixo:
(33)
a. *João ama [de quem a Maria gosta].
b. João gosta de [quem a Maria ama].
Em (33a), os requerimentos do verbo amar, que c-seleciona DP, não são atendidos pela relativa
livre encabeçada por um PP e, por isso, a sentença é agramatical. Como em (33b) temos uma
sentença gramatical, concluímos que a preposição deve ser regida pelo verbo matriz.
88
Entretanto, se a preposição regida pelo verbo encaixado fosse preservada, o que
teríamos seria (34):
(34)
*Maria sempre desconfia de [de quem ele gosta].
(34) é agramatical e a agramaticalidade se deve às duas preposições contíguas, seqüência
proibida no português brasileiro. Dessa forma, somos levados à segunda complicação: o que
acontece com a preposição regida pelo verbo encaixado em (33a)? Vemos duas saídas para
resolver essa questão, nenhuma delas isenta de complicações. A primeira é postular um
apagamento da preposição de baixo para que a derivação ocorra. Mesmo considerando que a
preposição é funcional em (34), é complicado retirar da sentença um item que deve estar
contido na numeração.
A segunda saída, que vamos adotar, implica que se mude a rota que vem sendo trilhada
de forma a impedir que a preposição conste na numeração. Primeiro vamos reformular a
suposição de que o que está em questão é o caso do pronome relativo e da relativa livre
dizendo que é o caso do pronome relativo que importa. Para que o caso não seja checado duas
vezes embaixo e em cima, vamos assumir que ele fica sem ser checado na sentença
encaixada. Essa assunção dispensa a preposição na relativa livre de (33a,b) e retarda a
checagem de caso do pronome relativo. Quando o pronome relativo sobe para a periferia
esquerda da sentença ele checa seu caso, tendo que ser da categoria compatível para tanto:
DP. Dessa forma, a relativa livre atende aos MR e dá conta também de sentenças em que as
preposições não são idênticas69:
(35)
a. Maria confia em quem o João desconfia.
b. Maria desconfia de quem o João confia.
c. Maria sai com quem o João gosta.
Por fim, vamos ver qual poderia ser a estrutura das relativas livres “adverbiais”, que são
encabeçadas pelos pronomes relativos quando, onde. Em primeiro lugar, retomemos a
afirmação de que esses pronomes relativos são ambíguos entre serem DPs (36) ou AdvPs (37):
(36)
69
a. Eu caminhei [PP por [DP onde Maria passeava]]. (onde = o lugar em que)
Pessoas mais velhas vêem restrições de aceitabilidade nessas sentenças, ainda que achem que elas são
melhores que aquelas que violam os MR do verbo matriz. Mary Kato, por exemplo, considera (35a) agramatical,
(35b) um pouco melhor, e (35c) boa.
89
b. João a conhece desde [DP quando ela era uma garotinha sardenta]. (quando = o
momento em que)
c. [DP Onde ela mora] é bonito. (onde = o lugar em que)
(37)
a. João comprou a casa [AdvP onde ninguém quer morar]. (onde = no lugar em que)
b. Ela chegou [AdvP quando a Maria saiu]. (quando = no momento em que)
c. Ele fez o trabalho [AdvP como João sugeriu]. (como = do modo que)
Em vez de seguir Caponigro (2002) na redução de todas as relativas livres a DPs, mantemos a
ambigüidade que fica explicitada entre os parênteses em (36) e (37). Para derivar as relativas
livres encabeçadas por DPs, o procedimento é o mesmo elaborado acima: em (36a,b), o caso é
checado contra a preposição; em (36c), contra a flexão finita da cópula.
Para derivar as adverbiais, entretanto, supomos uma estrutura que contém uma
preposição nula, como em (38):
(38)
PP
whi
P’
DP
e
ti
D’
D
e
CP
ti
C’
C
IP
ti
O pronome relativo, além de passar pelo SpecDP para licenciar o D nulo, deve ir para SpecPP
para licenciar a P nula. Dessa forma, podemos manter que o pronome relativo AdvP incorpora
uma preposição.
Em resumo, quando o pronome relativo-wh é um DP, ele se desloca de dentro do IP
para SpecDP para, assim, licenciar o D implícito. Se o pronome relativo-wh for um PP, ele vai
ter um movimento a mais: do SpecDP para SpecPP (para, assim, licenciar a preposição). Caso
a relativa livre seja selecionada por uma preposição, o pronome relativo-wh não sobe para
90
SpecPP porque a preposição não é nula. Além disso, para que o caso não seja checado duas
vezes na sentença matriz e na encaixada, assumimos que o caso do pronome relativo-wh é
checado somente na sentença matriz (após se mover para a periferia esquerda da sentença).
6 RESUMO DO CAPÍTULO
Neste capítulo analisamos três hipóteses que tratam das relativas livres. A primeira
hipótese, elaborada por Bresnan & Grimshaw (1978), é chamada de Hipótese do Núcleo. Nessa
análise a relativa livre está em uma estrutura de adjunção e não há movimento do pronome
relativo-wh para, assim, diferenciá-las das interrogativas. O pronome relativo-wh é gerado na
base para atender as exigências do MR.
A segunda hipótese, chamada de Hipótese do Comp, foi desenvolvida por Groos e Van
Riemsdijk (1981). Nessa hipótese o pronome relativo-wh também está em uma estrutura de
adjunção; porém, por regra de movimento o pronome relativo-wh se desloca da posição de
complemento para a posição de Comp, semelhante ao que ocorre nas interrogativas.
Na terceira hipótese (análise do complemento de D) a relativa livre não é mais adjunto
do NP, mas, sim, complemento de um determinante (essa hipótese se baseia nos estudos de
Kayne (1994) para as relativas com núcleo). Essa hipótese é analisada por dois autores:
Caponigro (2002) e Medeiros Júnior (2005). Para Caponigro (2002) o pronome relativo-wh é
gerado na sentença encaixada e alçado a SpecDP para assim licenciar o D implícito. Já para
Medeiros Júnior (2005), além de o pronome relativo-wh se mover para SpecDP para licenciar o
D implícito, ele está implicado com um tipo de operação sintática específico: a incorporação de
dois núcleos funcionais Cº+Dº.
Diante dessas hipóteses elaboramos uma análise para as relativas livres do português
brasileiro com base em Caponigro (2002). Dessa forma, os pronomes relativos-wh DPs vão
para SpecDP para licenciar o D implícito. Porém, diferentemente de Caponigro, para quem
todos os pronomes-wh são DPs, mantemos a afirmação de que alguns pronomes-wh podem
ser ambíguos entre ser um DP e um PP. Quando for um PP, o pronome relativo, além de
passar pelo SpecDP para licenciar o D nulo, vai para SpecPP para licenciar a P nula (com isso,
mantemos a postulação de que o pronome relativo AdvP incorpora uma preposição). Além
disso, para que o caso não seja checado duas vezes em baixo e em cima, assumimos que o
91
caso do pronome relativo-wh fica sem ser checado na sentença encaixada. Dessa forma,
quando o pronome relativo sobe para a periferia esquerda da sentença ele checa seu caso.
92
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Nesta dissertação descrevemos e analisamos as relativas livres no português brasileiro,
com base na Teoria Gerativa. A partir desse estudo conseguimos definir propriedades sintáticas
e semânticas dessas estruturas que as diferenciam de outras sentenças-wh.
No capítulo I mostramos que as relativas são sentenças encaixadas e apresentam um
constituinte que é compartilhado com a sentença matriz através do SpecCP. Essas relativas
são divididas em relativas que apresentam um núcleo nominal (relativas com núcleo) e relativas
que não apresentam um núcleo nominal explícito, chamadas de relativas livres. Nas relativas
livres, foco do nosso estudo, o pronome relativo-wh incorpora o que seria o núcleo nominal de
uma relativa com núcleo. Por isso, essas sentenças só podem ser iniciadas por pronomes
relativos-wh que têm essa capacidade de incorporação (o que, quem, onde, como, quando e
quanto). Além disso, as relativas livres não permitem extração para fora do CP porque são ilhas
fortes; também não permitem o fenômeno chamado Comp duplamente preenchido, podem ser
parafraseadas por uma relativa com núcleo e apresentam uma semântica de maximização. As
características elencadas acima diferenciam uma relativa livre de uma interrogativa encaixada.
Ainda, verificamos que uma relativa livre figura como um DP, e por isso, precisa ser marcada
por caso. Dessa forma, o pronome-wh checaria caso duas vezes (na matriz e na encaixada).
Além disso, vimos que o pronome relativo tem que respeitar os requerimentos categorias de um
núcleo da sentença matriz e encaixada simultaneamente. Essa igualdade categorial/sintática é
chamada de Requerimento de Compatibilidade - MR (BRESNAN & GRIMSHAW, 1978).
O MR foi amplamente estudado no capítulo II. Pelo MR o pronome relativo-wh deve
respeitar os requisitos de caso e/ou de categoria de um núcleo da sentença matriz e encaixada
simultaneamente (esse fenômeno não se verifica nas relativas com núcleo, nem nas
interrogativas encaixadas). Vimos que há línguas que apresentam MR obrigatório (case e
categorial matching), como o inglês e o francês, e há línguas que não apresentam o case
matching e/ou o categorial matching. Entretanto, mesmo não apresentando o case matching,
essas línguas apresentam uma certa regularidade na marcação de caso: algumas relativas
livres apresentam uma estratégia única para a marcação de caso, como o islandês e a variante
A do alemão; outras línguas, como o alemão A, gótico e romeno, são sensíveis à hierarquia de
caso (nom<acc<dat,gen,PP).
O português brasileiro possui poucos casos de relativas livres com incompatibilidade de
categoria ficando a incompatibilidade quase que restrita às sentenças em que a relativa livre
93
funciona como adjunto. Fora esses casos, o pronome relativo-wh vai ser sempre da categoria
requerida por um núcleo da sentença matriz. Vimos que o sincretismo de caso ocorre quase
que categoricamente, porque os pronomes relativos-wh em português não apresentam
marcação casual na morfologia. Assim, por exemplo, os pronomes relativos o que, quem e onde
apresentam a mesma forma para o acusativo, nominativo e oblíquo, o que nos fez concluir que
as relativas livres só estão sujeitas ao case matching em línguas com marcação casual na
morfologia.
Dedicamos atenção especial, neste capítulo II, às chamadas relativas infinitivas.
Observamos que as relativas infinitivas em que o pronome relativo-wh não é selecionado por
uma preposição (complemento de um verbo da sentença encaixada) são verdadeiramente
relativas livres. Já as relativas livres em que o pronome relativo-wh é selecionado por uma
preposição que é argumento de um verbo da sentença encaixada não é uma relativa livre, mas,
sim, uma relativa com núcleo. Nesse último caso, o núcleo é omitido porque ele é previsível:
essas relativas ocorrem com verbos existenciais que estão sujeitos ao Efeito de Definitude, por
isso o núcleo é facilmente recuperável.
Por fim, no capítulo III analisamos três hipóteses que tratam das relativas livres. Na
primeira hipótese, chamada de Hipótese do Núcleo por Bresnan & Grimshaw (1978), a relativa
livre está em uma estrutura de adjunção e não há movimento do pronome relativo-wh para
diferenciá-la das interrogativas. O pronome relativo-wh é gerado na base para atender as
exigências do MR. Na segunda hipótese, desenvolvida por Groos e Van Riemsdijk (1981) e
denominada Hipótese do Comp, o pronome relativo-wh também está em uma estrutura de
adjunção; porém, por regra de movimento o pronome relativo-wh se desloca da posição de
complemento para a posição de Comp, semelhante ao que ocorre nas interrogativas. Na
terceira hipótese, baseada nos estudos de Kayne (1994), a relativa livre não é mais adjunto do
NP, mas, sim, complemento de um determinante. Para Caponigro (2002) o pronome relativo-wh
é gerado na sentença encaixada e alçado a SpecDP para licenciar o D implícito. Já para
Medeiros Júnior (2005), além de o pronome-wh se mover para SpecDP, ele está implicado em
um tipo de operação sintática específico: a incorporação de dois núcleos funcionais Cº+Dº.
Diante dessas hipóteses, elaboramos uma análise para as relativas livres do português
brasileiro com base em Caponigro (2002): os pronomes relativos-wh DPs se deslocam do IP
para SpecDP para licenciar o D implícito. Porém, diferentemente de Caponigro, para quem
todos os pronomes-wh são DPs, mantemos a afirmação de que alguns pronomes-wh podem
ser ambíguos entre ser um DP e um PP. Se for um PP, o pronome relativo, além de passar pelo
SpecDP para licenciar o D nulo, vai para SpecPP para licenciar a P nula. Com isso, mantemos
94
a afirmação de que pronomes relativos AdvP incorporam uma preposição. Além disso, para que
o caso não seja checado duas vezes em baixo e em cima, assumimos que o caso do pronome
relativo-wh fica sem ser checado na sentença encaixada. Dessa forma, quando o pronome
relativo sobe para a periferia esquerda da sentença ele checa seu caso.
95
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