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Death of a Salesman: uma tragédia moderna
Diego do Nascimento Rodrigues Flores
Doutorando em Estudos Literários - UFES
1. As (im)possibilidades do trágico
Traçar comentários sobre a possibilidade da experiência trágica na contemporaneidade não é
tarefa fácil, tendo em vista os que já se levantaram contra isso. No entanto, é este o nosso
intuito, e para isso dialogaremos, após a breve discussão teórica a seguir, com a peça Death
of a Salesman (A morte do caixeiro viajante), de 1949, do dramaturgo norte-americano Arthur
Miller, falecido recentemente, em 2005. Nossa argumentação em favor da possibilidade da
tragédia contemporânea encontra apoio em Raymond Williams, cuja análise da peça em
questão pretendemos aprofundar aqui.
Enquanto gênero, a tragédia firmou-se desde há muito tempo, remontando, como se sabe, à
Grécia antiga, onde floresceram autores como Sófocles, Ésquilo e Eurípedes. Foi revivida
intensamente, mais tarde, durante o Renascimento, tendo ganhado outros ares com William
Shakespeare e Christopher Marlowe, na Inglaterra, e, posteriormente, com Racine e Corneille,
na França. Viu, contudo, sua força diminuir-se com o passar dos séculos e com as mudanças
que ocorreram nas sociedades, até que sua morte fosse decretada por alguns críticos já em fins
do século XIX e início do XX.
Mas por que decretar o fim da experiência trágica? Para compreendê-lo, faz-se necessário um
brevíssimo retorno à algumas das categorias propostas por Aristóteles em sua Poética, que
afirma ser a tragédia a imitação de homens superiores aos da atualidade, contrapondo-se
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portanto aos da comédia, que devem ser inferiores (ARISTÓTELES, 2001, p. 21). Logo, a
tragédia seria
a representação de uma ação grave, de alguma extensão e completa, em
linguagem exornada, cada parte com seu atavio adequado, com atores agindo,
não narrando, a qual, inspirando pena e temor, opera a catarse própria dessas
emoções (ARISTÓTELES, 2001, p. 25).
Para protagonizar essa ação de forma que se opere com sucesso a catarse das emoções de
temor e piedade que devem ser suscitadas pela tragédia, há o herói trágico, que “nem
sobreleva pela virtude e justiça, nem cai no infortúnio em conseqüência do vício e da
maldade, senão de algum erro, figurando entre aqueles que desfrutam de grande prestígio e
prosperidade” (ARISTÓTELES, 2001, p. 32), e que deve passar, no decorrer da ação, “da
felicidade a infortúnio que resulte, não de maldade, mas dum grave erro de herói”
(ARISTÓTELES, 2001, p. 32). Quanto aos personagens, Aristóteles caracteriza-os
asseverando que há quatro alvos a que visar, dos quais o primeiro é que sejam bons, e que se
aplicará a todos os personagens; o segundo diz respeito à adequação dos personagens, ou seja,
não se deve imputar a virilidade, por exemplo, a uma mulher; o terceiro trata da semelhança,
que significa que os personagens devem enquadrar-se na tradição de representação dos
homens; o quarto é a constância do personagem, ou seja, ainda que o personagem seja
inconstante nas suas ações, ele deverá ser constante nessa inconstância (ARISTÓTELES,
2001, p. 34-35). Certamente, vários outros aspectos importantes que caracterizam a tragédia
deixaram de ser comentados aqui. Todavia, consideramos serem esses os aspectos
imprescindíveis para o debate que pretendemos levantar logo a seguir.
Não menos importante, acreditamos, é compreender, ainda que de maneira forçosamente
panorâmica, como a tragédia era entendida e praticada na época elisabetana, uma vez que
nessa época a dimensão trágica ampliou suas fronteiras. Martin Wiggins, em Shakespeare and
the drama of his time (Shakespeare e o teatro de seu tempo), nos lembra que o drama, a
princípio, tinha propósitos morais, e de uma moral conservativa, já que as peças não
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desafiavam as convenções sociais que embasavam a sociedade elisabetana. Ao contrário, diz
Wiggins, essas convenções eram reforçadas pelas peças que encenavam a subordinação do
súdito ao governante, bem como do fim a que os traidores eram levados: o castigo pelos seus
atos (WIGGINS, 2001, p. 35). No entanto, houve uma mudança nesta perspectiva com a peça
Tamburlaine the Great (Tamburlaine, o Grande), de Christopher Marlowe, uma peça
desafiadora sobre a ambição de um protagonista de origens humildes, antes um simples
pastor, mas que consegue subir ao poder. Segundo Wiggins, um pastor, como Tamburlaine,
não almejaria, normalmente, uma ascensão ao poder, já que a sociedade monárquica e
rigidamente estratificada estava baseada em uma hierarquia de lealdade e responsabilidade
cujo ápice era a coroa inglesa que centralizava todo poder (WIGGINS, 2000, p. 37). Se a peça
de Marlowe, por um lado, desfiava as expectativas do público com um protagonista de origem
humilde, mas de ambição desmedida, por outro, via-se a ordem ser restabelecida com a morte
de Tamburlaine. Imperava, então, uma definição de tragédia que, de acordo com Wiggins,
havia sido herdada da Idade Média, e segundo a qual esta estava voltada para
the fall of great men, sometimes destroyed by the heavens in retribution for
their overweening arrogance, and sometimes overthrown by the capricious
and uncontrollable actions of Fortune: whether it emphasized the randomness
of fate or the purposive working-out of providential history, it was a highly
moral genre within the terms of contemporary dramatic criticism (WIGGINS,
2000, p. 38)1.
Tal definição, contudo, sofrerá algumas mudanças mais tarde, ganhando novo vigor com
Shakespeare. Isso quem nos diz é o próprio Wiggins, que disserta sobre essa mudança de foco
quando afirma que a tragédia passara a trazer, como essência de sua experiência, o
relacionamento com outro ser humano, particularmente com The Spanish Tragedy, de Thomas
Kyd e o tema da vingança (WIGGINS, 2000, p. 42). Deste modo, escreve Wiggins,
where conventional tragedy promoted an unquestioning acceptance of the
order of things, these plays evoked a sense of regret that political and
methaphysical circunstances should be such as to make suffering inevitable:
Em português: “a queda de grandes homens, às vezes destruídos pelos céus em conseqüência de sua arrogância
excessiva, e às vezes derrubados pelos atos caprichosos e incontroláveis do Destino: se enfatizava a casualidade
do destino ou o cálculo proposital da história providente, era um gênero altamente moral dentro dos termos da
crítica dramática contemporânea”.
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as Shakespeare’s Hamlet expresses it, “The time is out of joint. O cursèd
spite / That ever I was born to set it right!” 2 (WIGGINS, 2000, p. 43)
Há, então, uma humanização da situação trágica, um lamentar de uma situação criada pelo
próprio protagonista e que levará à sua destruição final, ao contrário da desobediência a uma
ordem social ou mesmo divina. O homem torna-se responsável pela sua própria destruição,
ou, o que nos parece igualmente interessante, segundo colocação de Wiggins, o protagonista
falha ao realizar seu pleno potencial humano porque é limitado pela sociedade em que vive ou
pelo tipo de caráter que desenvolve no decorrer da ação (WIGGINS, 2000, p. 49), o que leva à
criação de uma esfera de paradoxos da qual não é possível escapar. O herói, então, será
obrigado a arcar com as conseqüências de suas escolhas, como a de se vingar, em Hamlet, ou
de matar por ambição, em Macbeth.
Vimos desenhar-se, na breve exposição acima, uma das características da tragédia clássica e,
em seguida, da elisabetana, que contribuíram para o decreto de sua falência e de sua
impossibilidade na contemporaneidade para vários especialistas, que é seu caráter
aristocrático incompatível com sociedades estruturadas sob o molde democrático e de classe
média, por não possuírem o sentido trágico, conforme estudo de Eric Bentley, em O
dramaturgo como pensador: um estudo da dramaturgia nos tempos modernos (1991, p. 69).
Deteremos-nos, daqui em diante, em alguns argumentos levantados contra a possibilidade da
tragédia contemporânea.
Entre os críticos que produziram em solo nacional, destacamos Anatol Rosenfeld, que em
Prismas do teatro considera como fases propícias à tragédia aquelas “em que uma certa
unidade de cosmovisão se desfaz ante o advento de atitudes, crenças e filosofias novas, tidas
Em português: “onde a tragédia convencional promovia uma aceitação inquestionável da ordem das coisas,
estas peças invocavam um sentimento de arrependimento que as circunstâncias políticas e metafísicas fossem
tais de modo a tornar o sofrimento inevitável: como o Hamlet de Shakespeare o expressa, ‘O tempo está fora dos
eixos. Oh amaldiçoado rancor / De ter nascido para consertá-lo’”
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como tão válidas como os valores tradicionais” (ROSENFELD, 1993, p. 71). De acordo com
Rosenfeld, a tragédia grega surge num momento em que os deuses começam a ser
questionados, e oscila, portanto, entre uma teodicéia e o niilismo emergente. Nós, por outro
lado, não vivemos numa época trágica porque experienciamos um tipo de pensamento secular
e relativista (ROSENFELD, 1993, p. 72), portanto supostamente inapto à experiência trágica
dado esse seu caráter diverso daquele em que viviam os gregos. A conclusão a que chega
Rosenfeld é a de que, por não encontrar condições favoráveis ao seu florescimento, estar-se-ia
apto a decretar a “morte da tragédia” (ROSENFELD, 1993, p. 74). Perguntamo-nos, somente,
como fica essa opinião de Rosenfeld frente ao que discutimos acima acerca da tragédia
elisabetana. Se tomarmos qualquer uma das grandes tragédias de Shakespeare, dificilmente
encontraremos aquelas condições a que Rosenfeld se refere, o oscilar entre uma teodicéia e
um niilismo emergente. O que se vê, ali, são questões pura e simplesmente humanas,
situações trágicas criadas pelos próprios protagonistas das tragédias.
Seguindo o mesmo raciocínio, também Hans Ulrich Gumbrecht, em seu ensaio “Os lugares da
tragédia”, nos lembra que condição necessária para a experiência trágica é a criação de uma
esfera de paradoxos, resultado de valores que se excluem mutuamente, criando uma tensão
entre a agência e a estrutura objetiva. Desse modo, o herói não poderá desculpar-se pelo seu
erro, bem como não poderá ser uma vítima da situação em que se encontra, incorporando,
portanto, valores positivos. Da mesma forma, não poderá ser ele um salvador nem se proteger
do perigo iminente, ou da morte, na maioria dos casos (GUMBRECHT, 2001, p. 11). Isso
tudo teria como resultado a catarse, ou, segundo definição de Gumbrecht, o irrompimento de
emoções que não possuem um ponto de referência “real”, já que não há perigo “real” para o
espectador, o que faz com que pareçam, portanto, despropositadas, mas que, por outro lado,
são assim purgadas (GUMBRECHT, 2001, p. 12). Entretanto, diz Gumbrecht, as sociedades
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contemporâneas possuem vários instrumentos de desparadoxificação, ou seja, “instrumentos
que lhes permitem remover todo e qualquer potencial de tragédia do espaço
público”(GUMBRECHT, 2001, p. 15).
É facilmente perceptível que a concepção que Hans Ulrich Gumbrecht tem da tragédia, por
ser menos objetiva do que aquela sobre a qual se apóia Rosenfeld,
que diz respeito
diretamente à tragédia grega, abarca com maior facilidade a experiência trágica elisabetana,
mais humanista e menos metafísica, portanto. Certo está, também, quando nos lembra dos
artifícios, ou instrumentos, desparadoxificadores de que dispomos atualmente. Poderíamos
argumentar que estes instrumentos não estão disponíveis a todos, ao que Gumbrecht rebateria,
afirmando que “mesmo para quem não pode pagar essas técnicas, o que antes era uma
‘situação trágica’ passou a ser um problema prático de criar para si uma história de crédito e
de encontrar o mercado de dinheiro apropriado”, permanecendo, portanto, como limitação
trágica, somente a inexorável morte (GUMBRECHT, 2001, p. 16). Isso certamente procede
no contexto de uma sociedade capitalista européia ou norte-americana, digamos, no qual
ainda se pode (?) contar com a possibilidade de criar oportunidades para si mesmo com o
objetivo de fugir de situações que nos incomodam. O mesmo não pode ser dito, convenhamos,
quando se pensa em sociedades que não dispõem de tais facilidades.
Reconheçamos, no entanto, que Hans Ulrich Gumbrecht não chegou a decretar o fim da
experiência trágica, ou sua impossibilidade. O que faz, em seu artigo, é demonstrar que
experimentar o sentimento trágico tem-se tornado cada vez mais complexo devido a uma
tragicofobia do espaço público. Todavia, Gumbrecht aponta para a existência de uma “esfera
privada tragicofílica”, que seria o
nosso persistente fascínio perante a morte como um espetáculo, ou seja, como
a apresentação e a documentação das mortes individuais que estão distantes o
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bastante de nossas vidas para surgirem como algo alheio, objetivo, e,
portanto, indefinidamente desfrutável (GUMBRECHT, 2001, p. 17).
Mais uma vez, fazemos nossas ressalvas: se Gumbrecht procura relativizar o desaparecimento
da experiência trágica graças aos artifícios de desparadoxificação de que se dispõe
atualmente, que nos protegem das potenciais tragédias, entendemos, por outro lado, que sua
afirmação, com base em Miguel de Unamuno, que conclui que somente a morte permanece
como limitação trágica, e que todo o resto é contingente, é bastante redutora. É inegável que
estamos limitados pela nossa mortalidade, e que a morte nos apavora tanto quanto nos fascina.
Entretanto, buscaremos uma saída para esse impasse, e atendendo ao desejo por algo não
contingente a que Ulrich se refere ao fim de seu artigo (GUMBRECHT, 2001, p. 19) na
análise que faremos a seguir da peça de Arthur Miller, Death of a Salesman, na qual
buscaremos encontrar outras limitações trágicas e, possivelmente, uma nova configuração da
experiência trágica.
2 . Death of a Salesman, a tragédia do self-made man
O primeiro caminho que seguiremos para abordar a peça de Arthur Miller será uma
interpretação dos nomes que ele dá aos personagens da família Loman, particularmente
daqueles que são o cerne do conflito da peça: Willy, e seu filho, Biff.
O nome de família, Loman, define o que os seus membros são, ou representam:
foneticamente, aquele nome nos remete a low man, em que o homem (man) é caracterizado
pelo adjetivo low, que inglês pode se referir tanto à baixa estatura, quanto a algo de menor
valor, ou a pessoas que pertencem a uma classe mais baixa e, até mesmo, a indivíduos
desonestos ou de caráter duvidoso.
Todas essas informações encaixam-se perfeitamente com que podemos perceber em Willy
Loman que, se não é declaradamente descrito como um homem de baixa estatura na peça,
pelo menos é essa a impressão que nos fica dele, o que é reforçado pela escolha do ator Dustin
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Hoffman, um homem de baixa estatura segundo os padrões norte-americanos, para interpretar
o personagem no filme homônimo de 1985. Mesmo as outras acepções do adjetivo “low”
comentadas acima são perfeitamente aplicáveis a Willy, que se recusa a admitir, no fim de sua
carreira como caixeiro-viajante, que ele, devido à posição de subalternidade que ocupou
durante toda a vida, acaba se tornado algo sem valor algum para a empresa para a qual
trabalha, que pertence a uma classe trabalhadora que mal consegue pagar as contas do mês, e
que, mesmo sem perceber, é desonesto.
Certamente, tudo isso é igualmente imputável aos outros membros da família Loman, como a
Happy, que julga ser muito mais do que realmente é profissionalmente, sempre distorcendo os
fatos para que pareça ocupar uma posição superior à que realmente ocupa, em especial
quando de trata da possibilidade de ascensão profissional, e também a Biff, com trinta e
quatro anos de idade e ainda desempregado, e que sequer chegou a dar um rumo à sua vida.
Também do seu primeiro nome, Willy, podemos extrair algo que lance alguma luz sobre
caráter do personagem: tal nome, em inglês, é um diminutivo, assim como Will, do nome
William, que logo nos remete a um dos monarcas britânicos – William I, O conquistador, que
governou entre os anos 1066-1087 – além de ser também o nome de um dos maiores poetas
da língua inglesa, Shakespeare. Mas o que é ainda mais interessante nesse nome é a
existência, nele, do substantivo will, que segundo o Collins English Dictionary nos remete a
algo como volição, ou vontade, escolha, ou até mesmo um testamento que se dispõe sobre as
propriedades de uma pessoa após sua morte (p. 1837). Há de se levar em consideração,
também, que o diminutivo willy, segundo o mesmo dicionário, é um termo utilizado pelas
crianças para se referir ao pênis – o falo, a autoridade paterna, mas não plenamente
desenvolvida.
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Já o nome pelo qual o filho mais velho de Willy Loman é conhecido na peça, Biff, só nos
deixa uma saída: não se trata, aqui, de um nome próprio, como William; biff é um substantivo
comum na língua inglesa, dicionarizado como uma gíria que quer dizer algo como um soco ou
uma pancada, segundo o mesmo dicionário (p. 160).
Deixaremos, entretanto, as implicações desses significados para mais tarde a fim de nos
atermos, a partir de agora, ao conflito sobre o qual a peça foi criada e que servirá ao nosso
propósito de compreender esta peça como genuinamente trágica.
O enredo de Death of a Salesman é relativamente simples: Willy Loman, um caixeiro-viajante
com mais de sessenta anos, é assombrado pelo fantasma da derrota profissional, já que
trabalhou por trinta e quatro anos para uma empresa que agora já não vê utilidade neste seu
empregado de décadas. Ciente de que está no fim de sua carreira, deposita todas as suas
esperanças em seu filho Biff, cuja adolescência foi marcada pelo estrelato no futebol
americano escolar e cuja popularidade, Willy acreditava, seria o suficiente para que ele tivesse
sucesso na vida. No entanto, tudo toma um rumo diferente quando Biff, reprovado em
matemática e, em conseqüência disso, vê seu sonho de entrar para uma universidade ser
ameaçado, viaja para Boston ao encontro de seu pai para pedir-lhe que tente convencer seu
professor a desistir da reprovação ou a lhe dar uma segunda chance. Chegando ao hotel em
que seu pai estava hospedado, Biff o encontra com uma outra mulher, uma amante, e a partir
daquele momento passa a acreditar que o herói de sua juventude, seu pai, não passa de uma
farsa. Isso, no entanto, só nos é revelado ao final da peça. Até lá, o que vemos é um intenso
conflito entre pai e filho, que pouco a pouco passamos a compreender, um conflito de duas
visões de mundo radicalmente opostas, e que culmina no suicídio de Willy Loman, na
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esperança de que o seguro de vida que deixara para a família fosse a solução para ver seu
filho alcançar o sucesso que ele esperava.
É exatamente este conflito, esses dois pólos conflitantes e inconciliáveis que nos interessarão
aqui. Para entendê-lo, entretanto, faz-se necessária a explicação de cada uma destas partes
representadas por Willy Loman e Biff.
Willy Loman é aquele pai de família que se vê em uma situação de extrema delicadeza, a qual
ele se recusa a reconhecer na maioria das vezes: o seu fracasso profissional. Ele se recusa, por
exemplo, a acreditar que mesmo em sua profissão de caixeiro-viajante já não tem mais
utilidade, como neste pequeno trecho, em que Willy conversa com sua esposa, Linda, a
respeito da possibilidade de pedir um emprego em um escritório da empresa em Nova Iorque,
onde moram:
LINDA: Willy, dear. Talk to them again. There’s no reason why you can’t
work in New York.
WILLY: They don’t need me in New York. I’m the New England man. I’m
vital in New England3. (MILLER, 1961, p. 10)
Willy Loman crê, ou quer acreditar, que a empresa ainda depende dele, mesmo que ele já não
venda o suficiente para que sua comissão dê para arcar com as despesas do mês. Isso o faz
lembrar do início de sua carreira, quando a empresa ainda era comandada por outra pessoa,
Wagner, pai do atual responsável por ela, Howard. Willy, então, lamentando-se, lembra que
foi ele quem abriu os caminhos da empresa em New England, o que Howard parece não levar
em consideração, conforme vemos no trecho a seguir:
WILLY: If old man Wagner was alive I’d a been in charge of New York
now! That man was a prince, he was a masterful man. But that boy of his,
that Howard, he don’t appreciate. When I went north the first time, the
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LINDA: Willy, querido. Fale com eles novamente. Não há motivos para você não trabalhar em Nova Iorque.
WILLY: Eles não precisam de mim em Nova Iorque. Eu sou o vendedor de New England. Sou vital em New
England.
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Wagner Company didn’t know where New England was! 4 (MILLER, 1961,
p. 10)
Logo em seguida, vemos Willy reclamar da falta de sentido que vê, em todo o trabalho que
teve durante sua vida, sempre tentando construir algo, como a casa que vem pagando há anos
e que agora ficará vazia, ou o jardim não plantado, que o preocupa tanto ao fim da peça,
porque suas desavenças com Biff não permitirão que o filho mais velho dê continuidade ao
que ele construiu:
WILLY: Figure it out. Work a lifetime to pay off a house. You finally own it,
and there’s nobody to live in it.
LINDA: Well, dear, life is a casting off. It’s always that way.
WILLY: No, no, some people- some people accomplish something5.
(MILLER, 1961, p. 10)
Este é um dos grandes pesadelos de Willy: reconhecer que, embora alguns conquistem algo,
ele não foi capaz de conquistar nada de relevante, ou de deixar um legado, uma marca de sua
passagem pela vida. Perguntamo-nos, portanto, qual seria a causa do seu fracasso, algo que o
próprio personagem faz em vários momentos da peça. Lembramos, então, que para Willy não
restam dúvidas de que ser apreciado (well liked6) ou popular é condição essencial e suficiente
para se ter sucesso profissional, como se vê em vários momentos da peça, a exemplo do que
citamos a seguir:
WILLY: That’s just what I mean. Bernard can get the best marks in school,
y’understand, but when he gets out in the business world, y’understand, you
are going to be five times ahead of him. That’s why I thank Almighty God
you’re both built like Adonises. Because the man who makes an appearance
in the business world, the man who creates personal interest, is the man who
gets ahead. Be liked and you will never want. You take me, for instance. I
never have to wait in line to see a buyer. “Willy Loman is here!” That’s all
they have to know, and I go right through 7. (MILLER, 1961, p. 25-26, grifo
nosso)
4
WILLY: Se o velho Wagner estivesse vivo eu seria responsável por Nova Iorque agora. Mas aquele filho dele,
aquele Howard, ele não tem consideração. Quando eu fui para o norte pela primeira vez, a Companhia Wager
não sabia onde ficava New England.
5
WILLY: Pensa nisso. Você trabalha a vida toda para quitar uma casa. Ela finalmente é sua, e não tem ninguém
para morar nela. LINDA: Bem, querido, a vida é um desperdício. É sempre assim.
WILLY: Não, não, algumas pessoas… algumas conquistam alguma coisa.
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A expressão well liked ocorre nove vezes na peça, enquanto o termo liked, como verbo ou adjetivo, aparecerá
isolado outras sete vezes.
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WILLY: É isso que eu quero dizer. Bernard pode ter as melhores notas na escola, entende, mas quando ele sair
para o mundo dos negócios, entende, você vai estar cinco vezes à frente dele. É por isso que eu agradeço ao
Todo Poderoso por ter feito vocês como dois Adônis. Porque o homem que causa uma boa impressão no mundo
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Willy Loman crê que ser apreciado, causar uma boa impressão no mundo dos negócios, é
tudo. Esquece-se de que, em uma sociedade articulada sob os moldes do capitalismo, quem
fala mais alto, na verdade, é o dinheiro. É o vizinho Charley quem faz Willy se dar conta
disso:
CHARLEY: Why must everybody like you? Who liked J. P. Morgan? Was
he impressive? In a Turkish bath he’d look like a butcher. But with his
pockets on he was very well liked8. (MILLER, 1961, p. 77)
Essa é a realidade na qual Willy Loman prefere não acreditar, ainda que o reconheça às vezes,
entrando em contradição consigo mesmo:
WILLY: Oh, I’ll knock ‘em dead next week. I’ll go to Hartford. I’m very
well liked in Hartford. You know, the trouble is, Linda, people don’t seem to
take to me.
(They move onto the forestage.)
LINDA: Oh, don’t be foolish.
WILLY: I know it when I walk in. They seem to laugh at me.
LINDA: Why? Why would they laugh at you? Don’t talk that way, Willy.
(Willy moves to the edge of the stage. Linda goes into the kitchen and starts
to dam stockings.)
WILLY: I don’t know the reason for it, but they just pass me by. I’m not
noticed9. (MILLER, 1961, p. 28, grifo nosso)
Ser apreciado, admirado, causar uma boa impressão, nada disso, na verdade, garante o
sucesso de alguém. A própria peça nos dá mostras disso. Tomemos, por exemplo, Bernard,
filho de Charley, a quem Willy, a certo ponto da peça chama de “verme”, comparando-o com
o seu filho, Biff, que tem espírito, personalidade (MILLER, 1961, p. 31). Mais tarde,
encontraremos aquele mesmo Bernard, um advogado de sucesso, prestes a defender um caso
na Suprema Corte, e que não faz questão de se gabar por isso (MILLER, 1961, p. 75). Willy
dos negócios, o homem que cria interesse pessoal, é o homem que vai a frente. Sejam apreciados e vocês terão
tudo. Vejam a mim, por exemplo. Eu nunca tenho que esperar para ver um comprador. “Willy Loman está
aqui!”. É tudo o que eles precisam saber, e eu entro logo.
8
CHARLEY: Por que todos precisam gostar de você? Quem gostava de J.P. Morgam? Ele causa uma boa
impressão? Em um banho Turco ele pareceria um açougueiro. Mas com os seus bolsos cheios ele era apreciado.
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WILLY: Ah, eu vou mostrar a eles na semana que vem. Vou para Hartford. Sou bastante apreciado em
Hartford. Sabe, o problema, Linda, é que as pessoas não parecem me levar a sério. (Caminham para a frente do
palco). LINDA: Ah, Willy, não seja bobo. WILLY: Eu sei disso quando eu entro. Eles parecem rir de mim.
LINDA: Por que? Por que ririam de você? Não fale assim, Willy. (Willy caminha para a beira do palco. Linda
entra na cozinha e começa a emendar suas meias.) WILLY: Eu não sei a razão disso, mas eles simplesmente
passam por mim. Não sou notado.
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acreditava que o bom desempenho de Bernard em seus estudos não dariam muita vantagem a
ele, e que seu filho Biff sempre estaria cinco passos à frente no mundo dos negócios. O passar
dos anos provou o contrário: enquanto Bernard se tornou um advogado bem sucedido graças
ao seu estudo e, provavelmente, à condição financeira privilegiada de seu pai, Biff, por outro
lado, está desempregado e sem uma conquista sequer.
O sonho do self-made man, daquele que conquista o mundo à força, descrito na fala de Willy
transcrita a seguir, se vê então abalado:
WILLY: What’s the mystery? The man knew what he wanted and went out
and got it! Walked into a jungle, and comes out, the age of twenty-one, and
he’s rich! The world is an oyster, but you don’t crack it open on a mattress! 10
(MILLER, 1961, p. 32)
Willy Loman é um homem comum, ordinário, que quer muito chegar a algum lugar, mas que
acredita no sonho errado, que ainda precisa crescer e encarar uma realidade da qual ele insiste
em fugir, na qual ele prefere não acreditar e que, por fim, será a causadora se sua demência.
Essa condição de oprimido a que Willy Loman é levado acaba sendo reforçada pelos
constantes conflitos com seu filho Biff, no qual ele depositava todas as suas esperanças. Esse
é o conflito que permeia toda a peça – pai e filho que não se entendem – e que revelará sua
causa somente ao nos aproximarmos do fim. Onomasticamente, biff nos remete, como vimos
acima, a uma pancada, um soco, aludindo, portanto, aos intensos choques entre Biff e Willy,
entre o que conhece a verdade e o que se recusa a reconhecê-la. Mas que “verdade” é essa,
causadora de um conflito tão angustiante cuja causa é omitida durante todo o espetáculo?
Sabemos, pelo que foi dito anteriormente, que um dos motivos do conflito entre Biff e Wily é
o fato de Biff ter encontrado seu pai, ao fim do segundo ato (trata-se, na verdade, de um
flashback, resultado da demência de Willy), em um quarto de hotel com uma outra mulher,
10
WILLY: Qual o mistério? O homem sabia o que ele queria, foi lá e pegou! Entrou numa selva, e quando saiu,
aos vinte e um, estava rico! O mundo é uma ostra, mas você não abre uma ostra em cima de um colchão!
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uma amante, quando de sua ida a Boston para pedir ao pai que conversasse com o professor
que o reprovara. Ao perceber que não será mais possível esconder a mulher com quem estava,
Willy pede para que ela se retire, e lhe dá os pares de meias que ela exige. Biff, atônito,
assiste a cena sem dizer nada: a imagem do herói de sua juventude, de exemplo a ser seguido,
que seu pai representava, dá lugar ao que Biff passa a considerar o verdadeiro Willy Loman,
uma farsa. Se antes Biff acreditava que o carisma do seu pai seria suficiente para fazer com
que o professor mudasse de idéia, agora Willy não passa de um mentiroso, “a phony little
fake” (MILLER, 1961, p. 95).
Deste conflito (mas não só dele), que já dura anos, vemos sair um Willy derrotado, mas que
não se admite como tal. Vemos, também, um Willy acometido pela senilidade, talvez pela
esquizofrenia. Ficamos, portanto, em dúvida durante quase toda a peça: seria Willy Loman
uma vítima? E, caso o seja, de quê ou de quem? Essa idéia, então, uma vez que passamos a
compreender o porquê das atitudes de Biff para com o seu pai, parece esmaecer-se: Biff
parece ter razão em considerar o pai uma farsa, um adúltero mentiroso. Resta responder à
pergunta que Willy faz a Bernard: qual o segredo para o sucesso?
Willy, no entanto, parece não se dar conta, em momento algum da peça, que o segredo não
está onde ele acredita estar, em ser apreciado, well liked. Ele não parece escutar a resposta que
Bernard lhe dá quando lhe diz que, de fato, não conhece a resposta que Willy procura, mas
que o fracasso de Biff é, em parte, resultado do seu despreparo para o mundo do trabalho.
No entanto, não devemos tentar encontrar um culpado – o próprio Biff o afirma: “To hell with
whose fault it is or anything like that11”.(MILLER, 1961, p. 101). Todos o são, na verdade.
11
BIFF: Não quero saber de quem é a culpa ou coisas do tipo.
17
Willy, por não querer olhar para si mesmo e reconhecer aquilo que é, por acreditar no sonho
do self-made man; Biff, por não tentar compreender tudo por que o seu pai passou para fazer
dele um homem respeitável; Happy, por sua inconseqüência e irresponsabilidade, por seu
egoísmo; e mesmo Linda, que, ainda que por bondade, acaba por alimentar as fantasias de
Willy Loman. Existe, ainda, toda uma estrutura de poder por trás do que ocorre na peça, um
sistema que utilizou Wily enquanto este lhe servia, mas que agora, uma vez que Willy tenha
se tornado descartável, graças à sua improdutividade e à sua demência, não precisa mais dele.
Daí tornar-se pertinente a seguinte conversa que Linda mantém com os seus dois filhos na
citação a seguir:
LINDA: […] I don’t say he’s a great man. Willy Loman never made a lot of
money. His name was never in the paper. He’s not the finest character that
ever lived. But he’s a human being, and a terrible thing is happening to him.
So attention must be paid. He’s not to be allowed to fall into his grave like an
old dog. Attention, attention must be finally paid to such a person. You called
him crazy...
BIFF: I didn’t mean...
LINDA: No, a lot of people think he’s lost his — balance. But you don’t have
to be very smart to know what his trouble is. The man is exhausted.
HAPPY: Sure!
LINDA: A small man can be just as exhausted as a great man. He works for
a company thirty-six years this March, opens up unheard-of territories to their
trademark, and now in his old age they take his salary away12 (MILLER,
1961, p. 44, grifo nosso).
Na verdade, não se trata de buscar culpados para os punir: é preciso, ao contrário, lembrar que
Willy Loman é um ser humano, exausto de tanto lutar inutilmente contra o sistema que o
utilizou enquanto ele era útil, e que agora o descarta sem o menor respeito pela sua
contribuição. Willy Loman pode ser um small man, mas isso não faz dele alguém inferior,
merecedor de menos respeito ou de menos cuidado. Willy Loman é, de certa forma, um
LINDA: […] Não estou dizendo que ele é um grande homem. Willy Loman nunca ganhou muito dinheiro. Seu
nome nunca esteve nos jornais. Ele não é a pessoa mais exemplar que já viveu. Mas ele é um ser humano, e algo
terrível está acontecendo a ele. Então é preciso prestar atenção. Ele não vai cair na sua cova como um cachorro
velho. Atenção, atenção deve finalmente ser dada a tal pessoa. Você o chamou de louco... BIFF: Eu não quis
dizer... LINDA: Não, muitas pessoas pensam que ele perdeu… seu equilíbrio. Mas não é preciso ser muito
inteligente para saber qual é o problema. O homem está exausto. HAPPY: Claro! LINDA: Um homem comum
pode ficar tão exausto quanto um grande homem. Em março, fará trinta e seis anos que ele trabalha para a
mesma empresa, abriu territórios inexplorados para a marca deles, e agora, na sua velhice, tiram o seu salário.
12
18
arrivista, no sentido indicado por Zygmunt Bauman, de “alguém já no lugar, mas não
inteiramente do lugar, um aspirante a residente sem permissão de residência” (BAUMAN,
1998, p. 92), preso nas malhas do que Bauman considera “o caráter incomparavelmente
trágico – ou é esquizofrênico? – da cultura moderna, a cultura que só se sente
verdadeiramente à vontade no seu desabrigo” (BAUMAN, 1998, p. 99).
Ele mesmo percebe a condição em que se encontra, quando de sua conversa com Howard, o
dono da firma para a qual trabalhou nos últimos 34 anos, Willy Loman se vê desempregado:
“I put thirty-four years into this firm, Howard, and now I can’t pay my insurance! You can’t
eat the orange and throw the peel away — a man is not a piece of fruit!13” (MILLER, 1961, p.
64, grifo nosso). Willy, inutilmente, tenta fazer valer os anos que dedicou à firma, a amizade
que tinha com o seu antigo dono, a história que construiu, os caminhos abertos por ele em
New England, mas nada disso, de fato, terá relevância agora. Nesse momento, a conversa que
Charley tem com Willy aparece como mais uma tentativa de fazê-lo enxergar aquilo que o
próprio Willy reconhece não acreditar:
CHARLEY: Willy, when’re you gonna realize that them things don’t mean
anything? You named him Howard, but you can’t sell that. The only thing
you got in this world is what you can sell. And the funny thing is that you’re a
salesman, and you don’t know that.
WILLY: I’ve always tried to think otherwise, I guess. I always felt that if a
man was impressive, and well liked, that nothing...14 (MILLER, 1961, p. 7677, grifo nosso).
As palavras de Charley não poderiam ser mais apropriadas para o momento: só o que
realmente conta, no mundo em que Willy Loman vive, é o que se pode vender, e Willy é o
vendedor que não se dá conta disso – ou, conforme Raymond Williams, “Willy Loman é um
homem que de vender coisas passou a vender a si mesmo, tornando-se, de fato, uma
13
Eu coloquei trinta e quarto anos nesta firma Howard, e agora não consigo pagar meu seguro! Você não pode
chupar a laranja e jogar a casca for – um homem não é um pedaço de fruta!
14
CHARLEY: Willy, quando você vai se dar conta de que estas coisas não significam nada? Você deu o nome
de Howard a ele, mas você não pode vender isso. Tudo o que você tem nesse mundo é o que você pode vender.
E o engraçado é que você é um vendedor e não sabe disso. WILLY: Sempre tentei pensar o contrário, eu acho.
Sempre senti que se um homem fosse impressionante, e apreciado, que nada...
19
mercadoria que, como outras mercadorias, será a certa altura descartada pelas leis da
economia” (WILLIAMS, 2002, p. 140) – , que prefere acreditar que o caráter de uma pessoa,
ser capaz de causar uma boa impressão e, por fim, ser apreciado, são mais importantes do que
o dinheiro.
Será preciso que Biff force Willy a ouvir a verdade sem meios termos, sem as atenuações ou
distorções de Linda e Happy, e mesmo Biff, que, por bondade ou ingenuidade, corroboravam
os devaneios de Willy, na tentativa de ajudá-lo. Biff, no entanto, ao fim do segundo ato,
mostra-se cansado das mentiras sobre si mesmo e sobre sua família que pesam sobre todos:
“BIFF (to Happy): The man don’t know who we are! The man is gonna know! (To Willy) We
never told the truth for ten minutes in this house!15” (MILLER, 1961, p. 104).
A verdade que Biff se propõe a contar vem com palavras duras, que remetem ambos, Biff e
Willy, ao que eles realmente são, homens ordinários, trabalhadores comuns, que são
utilizados pelo sistema enquanto são úteis, produtivos, mas que são descartados tão logo
perdem sua utilidade, que não deveriam se dar ao trabalho de acreditar na possibilidade de
conquistarem o mundo só com base em ser apreciado ou querido por todos e sem um centavo
sequer:
BIFF: I am not a leader of men, Willy, and neither are you. You were never
anything but a hard-working drummer who landed in the ash can like all the
rest of them! I’m one dollar an hour, Willy I tried seven states and couldn’t
raise it. A buck an hour! Do you gather my meaning? I’m not bringing home
any prizes any more, and you’re going to stop waiting for me to bring them
home!16 (MILLER, 1961, p. 105)
O que Biff espera, desta conversa com o seu pai, é se libertar dos grilhões do sonho
impossível, do sonho do self-made man desbravador, enquanto ainda pode: “BIFF (crying,
15
BIFF (para Happy): O homem não sabe quem nós somos! O homem irá saber! (Para Willy) Nunca falamos a
verdade por cinco minutos nessa casa!
16
BIFF: Eu não sou um líder de homens, Willy, e nem você. Você nunca passou de um operário que acabou no
lixo como todos os outros! Sou um dólar a hora, Willy, eu tentei em sete estados e não consegui nada. Um dólar
a hora! Você me entede? Não trarei mais nenhum prêmio para casa, e você vai parar de esperar que eu os traga
para casa!
20
broken): Will you let me go, for Christ’s sake? Will you take that phony dream and burn it
before something happens?17” (MILLER, 1961, p. 107).
O desfecho é conhecido: depois de ver o desespero de Biff, que chora ao pedir para que o seu
pai abandone o sonho de vê-lo brilhar, Willy finalmente decide-se pelo suicídio, tendo em
vista o seguro de vida que iria para as mãos de Biff, desta forma abrindo os caminhos que ele
esperava ver seu filho trilhar.
Biff, entretanto, finalmente descobre que não pensa como sei pai, finalmente afirma saber
quem ele é, mas que seu pai, ao contrário, nunca o soube, que, segundo Biff, tinha os sonhos
errados:
BIFF: He had the wrong dreams. All, all, wrong.
HAPPY (almost ready to fight Biff): Don’t say that!
BIFF: He never knew who he was.
CHARLEY (stopping Happy’s movement and reply. To Biff): Nobody dast
blame this man. You don’t understand: Willy was a salesman. And for a
salesman, there is no rock bottom to the life. He don’t put a bolt to a nut, he
don’t tell you the law or give you medicine. He’s man way out there in the
blue, riding on a smile and a Shoeshine. And when they start not smiling back
— that’s an earthquake. And then you get yourself a couple of spots on your
hat, and you’re finished. Nobody dast blame this man. A salesman is got to
dream, boy. It comes with the territory18. (MILLER, 1961, p. 110-111, grifo
nosso).
Interessante é notar, entretanto, as palavras de Charley acima: mesmo que Charley tenha
freqüentemente perguntado a Willy a respeito de quando ele iria crescer – aludindo, é claro,
aos sonhos errados de Willy –, nesta fala Charley o defende, mostra-se, ao contrário,
compreensivo: Willy era um caixeiro viajante, e por isso dependia de que as pessoas, os
17
BIFF (chorando, cansado): Você vai me deixar ir embora, pelo amor de Deus? Vai pegar esse seu sonho idiota
e queimá-lo antes que algo aconteça?
18
BIFF: Ele tinha os sonhos errados. Todos, todos errados. HAPPY (quase pronto para enfrentar Biff): Não fale
isso! BIFF: Ele nunca soube quem ele era. CHARLEY (impedindo Happy e respondendo a Biff): Ninguém culpe
esse homem. Vocês não entendem: Willy era um caixeiro-viajante. E para um caixeiro-viajante não existem
dificuldades na vida. Ele não sabe colocar uma porca num parafuso, ele não te diz a lei ou te dá remédios. É um
homem sozinho, caminhando com um sorriso e um sapato brilhante. E quando começam a não retribuir o
sorriso… é um terremoto. E então você ganha algumas manchas no seu chapéu, e você está acabado. Ninguém
culpe este homem. O caixeiro-viajante tem que sonhar meu rapaz. Isso vem com o território.
21
compradores especialmente, gostassem dele, dependia do sonho, pois era isso que o
impulsionava, a esperança de poder fazer melhor no dia seguinte.
Mais à frente, Charley nos dá ainda mais uma dica: “No man only needs a little salary19”.
(MILLER, 1961, p. 110), diz, discordando de Linda, que se lamenta da escolha de Willy, e do
que fizeram com ele. Deve-se compreender a ambição de Willy: não se vive só com o
essencial, com o que é irremediavelmente incompressível; precisamos, sim, do algo a mais, ou
ao menos da possibilidade de acreditar que é possível mudar, que ainda há uma saída, para
que não nos sintamos meros párias descartáveis.
3. À guisa de conclusão: o que restou do trágico
Na seção anterior deste trabalho, foi apresentada uma leitura de Death of a Salesman que
buscou dar relevo a momentos da peça que propiciariam o debate que iniciamos agora, em
diálogo aberto com Raymond Williams e seu Tragédia Moderna acerca do que ficou, para
nós, tardios, da milenar tradição trágica.
No capítulo que abre seu livro, Tragédia e experiência, Williams diz ter conhecido a tragédia
“na vida de um homem reduzido ao silêncio, em uma banal vida de trabalhos”, acometido por
uma morte comum e sem repercussão que lhe remete à “perda de conexão entre os homens, e
mesmo entre pai e filho” (WILLIAMS, 2002, p. 29). Leva-nos, então, a questionar o sentido
19
CHARLEY: Homem nenhum precisa só de um pequeno salário.
22
que a palavra tragédia ganhou entre nós, de algo que supostamente perdeu seu sentido geral
justamente por causa daquela falta de conexão, de algo que se tornou mesmo antes um
acidente do que uma causalidade.
Não seria exatamente isso que vimos Death of a Salesman, com Willy Loman, que nem
sequer foi “reduzido a uma banal vida de trabalhos”, mas que vislumbrava até mesmo a
possibilidade dessa vida banal? Não é isso que quer dizer Biff quanto a eles serem
simplesmente operários que acabarão no lixo como todos os outros? Dependendo da forma
como entendemos essas questões, será preciso se perguntar também sobre o significado do
suicídio de Willy Loman.
Entretanto, não é nosso propósito, aqui, retomar todo aquele debate já tão bem estudado por
Raymond Williams na obra referida acima. Queremos, ao contrário, enquadrar naquele debate
o que pudemos apreender da leitura da peça de Miller com o intuito de reforçar a idéia de
Williams de que a experiência trágica ainda é possível, ainda que necessariamente sob novos
moldes.
No segundo capítulo de Tragédia moderna, Williams diz que devemos interpretar as
variações da experiência trágica em relação com as convenções e instituições em processo de
transformação (p. 70), e que o trágico dá-se na relação entre um acontecimento e um sentido
geral, que é o que está em questão quando se fala de tragédia na contemporaneidade: conhecer
qual é este sentido geral (p. 72). Se, como afirma Williams, há uma ideologia – e aí mora o
sentido geral – cercando o conceito de tragédia, é preciso, portanto, desmascará-la para que
possamos questionar os seus valores intrínsecos e não o que vincula o fato àquele sentido.
23
O fim da tragédia estaria, portanto, atrelado à impossibilidade de se imputar um sentido geral
a uma determinada ação, pelo desaparecimento da “unidade de cosmovisão” a que Rosenfeld
se refere em favor de “um tipo de pensamento secular e relativista”, ou graças aos
“instrumentos de desparadoxificação” de Gumbrecht que reduziriam o trágico a uma “esfera
privada tragicofílica”. Williams, entretanto, caminha em sentido contrário quando afirma que
não enxergar um sentido geral em determinados acontecimentos trágicos seria uma alienação
da experiência humana (p. 74) – motivo pelo qual devemos lutar pela manutenção da
possibilidade do trágico contemporâneo.
De volta à Death of a Salesman, para que possamos enquadrá-la dentro de uma perspectiva
trágica, como o faz Williams em seu livro, devemos pensar o local onde estaria o sentido
geral em no acontecimento particular que a peça encena: o conflito entre Willy e Biff, o
fracasso – em termos capitalistas – dos dois, e o conseqüente, talvez inevitável, suicídio de
Willy.
“O homem mediano”, diz Bentley, “pode ser tão interessante quanto qualquer outro” quando
pensamos na configuração de uma ação genuinamente trágica (BENTLEY, 1991, p. 78). É
impossível não ouvir, nestas palavras, ecos das palavras de Linda a respeito de Willy:
LINDA: […] I don’t say he’s a great man. Willy Loman never made a lot of
money. His name was never in the paper. He’s not the finest character that
ever lived. But he’s a human being, and a terrible thing is happening to him.
So attention must be paid20. (MILLER, 1961, p. 44).
Durante toda a peça, que se foca sobre o conflito entre pai e filho – ou a perda de conexão, de
entendimento, entre eles – o que vemos é algo que acontece a um homem desprovido de
qualquer prestígio a não ser entre os seus, ou, o que é mais interessante, o que acontece por
meio dele – a perda do emprego, o desespero, o suicídio – algo que é passível de acontecer
20
Cf. nota 13.
24
com qualquer pessoa que trabalhe em uma sociedade como a norte-americana de então e de
agora. No entanto, esse conflito parece estar distante do ideal do trágico clássico.
Perguntamo-nos se não seria a isso que Williams se refere quando trata da alienação da
experiência humana e quando propõe uma forma de se entender o trágico já que
A definição de tragédia como dependente da história de um homem de
posição é justamente uma tal alienação: algumas mortes importavam mais do
que outras e a posição social era a verdadeira linha divisória – a morte de um
escravo ou de um servidor não era mais do que incidental e certamente não
era trágica (WILLIAMS, 2002, p. 74)
Antes, o homem de posição era dotado de uma certa “posição geral”, segundo Williams, e sua
morta afetava toda a comunidade. Estamos tratando, aqui, é claro, do primeiro ponto
levantado por Williams acerca da teoria da tragédia: os conceitos de ordem e acidente.
A morte de Willy Loman, o seu suicídio, certamente não foi um desastre para a comunidade,
daí ser, talvez, algo acidental, casual, resultado da demência em que ele se encontrava. Na
verdade, é bastante provável que sua morte não tenha surtido a menor diferença. Mas algo
estava acontecendo a ele, como disse Linda, e é a esse “algo” que devemos nos ater.
Ao se questionar sobre o porquê da inviabilidade da tragédia contemporânea, Raymond
Williams diz não haver mais o desígnio de um destino cego e inexorável e, sim, acidentes,
desprovidos de um sentido cultural. A morte de Willy Loman poderia encaixar-se aí. Para
escapar a este problema, Williams propõe, como condição para a tragédia contemporânea,
“novos tipos de relação e novos tipos de lei que estabeleçam vínculos com o nosso presente e
o interpretem” (WILLIAMS, 2006, p. 76). Desta forma, se “O sentido trágico é sempre
cultural e historicamente condicionado” (p. 77), deveríamos, então, buscar a essência da
tragédia em nós mesmos, abandonando o que Williams chama de crenças particulares:
destino, desígnio divino, ou o sentido do irreparável. Logo, Williams irá identificar a
verdadeira condição para a tragédia na “tensão entre o velho e o novo: entre crenças herdadas
25
e incorporadas em instituições e reações, e contradições e possibilidades vivenciadas de forma
nova e viva” (WILLIAMS, 2002, p. 79).
Temos, então, os dois pólos do conflito de Death of a Salesman: Willy Loman, conformista,
vive a mentira do homem que pode vencer por mérito próprio (o self-made man), dependendo
somente de ser apreciado e admirado por seus pares, mentira que quer perpetuar no seu filho,
Biff, que a aceita até o momento em que percebe que seu pai não é o que ele acreditava que
fosse. Eis, aqui, o sentido geral de que fala Raymond Williams, a crença no mito do self-made
man que não é só de Willy, a crença na necessidade de conquistar o sucesso invejável, que se
materializa, durante a encenação, na voz fantasmagórica de Bem, um possível exemplo deste
tipo de sucesso. A falha de caráter de Willy, testemunhada por Biff, o adultério, torna-se
reveladora para ele, e Biff passa, então, a questionar os valores caros ao seu pai, os dogmas do
mundo dos negócios e a rebelar-se contra eles. O resultado deste conflito, vimos, foi o
suicídio de Willy, um último ato de altruísmo para ver seu filho reconhecer quem ele era – um
homem de muitos amigos, outros vendedores, que viriam de todas as partes para atender ao
seu funeral, o que não aconteceu – bem como dar a ele uma chance de sucesso com o dinheiro
do seguro. Esta morte sem repercussão, cujo funeral foi atendido somente pelos mais íntimos
por falta de outros que se interessassem por ele, torna-se, por isso, exemplar. Lembremos,
aqui, mais algumas palavras de Williams:
o que me parece mais significativo em relação ao atual isolamento da morte
não é o que ele pode dizer sobre a tragédia ou sobre o momento da morte,
mas o que está dizendo, por meio disso, sobre a solidão e a perda de conexões
humanas e a conseqüente cegueira do fado humano (WILLIAMS, 2002, p.
83-84)
É exatamente isto, entendemos, que a morte de Willy metonimicamente representa: a
reificação de Willy Loman torna-se alegórica de todos que se encontram em condições
similares às dele, pois Willy “atrai a tragédia para si não por opor-se à mentira, mas por vivêla” (WILLIAMS, 2002, p. 140). Eis as razões pelas quais acreditamos estar diante de uma
26
ação genuinamente trágica: temos, em Death of a Salesman, uma morte isolada, de um
homem comum, a drummer, como diz Biff, mas que nos toca a todos, porque ela é resultado
de condições desumanas criadas por uma sociedade que não parece se preocupar com o que
acontecerá com aqueles de quem não precisa mais.
Esse, certamente, não é o único exemplo que temos de uma tragédia contemporânea,
atestando a sua possibilidade. Com Raymond Williams vemos que outros autores, como
Tennessee Williams ou Eugene O’Neil, ou Sarte e Camus, também são autores cujas obras –
algumas delas em alguns casos – também podem ser analisadas de uma perspectiva trágica.
Uma vez que a possibilidade da tragédia esteja assegurada, resta saber se ela ainda é
desejável, e porquê. Voltemos a Raymond Williams: “A pergunta que devemos formular é se
a tragédia, em nosso tempo, é uma resposta à desordem social” (WILLIAMS, 2002, p. 90).
Sigamos esta trilha.
Vimos, em Death of a Salesman, que algo estava fora dos eixos, cujo resultado já
conhecemos. Naquele ambiente, Biff aparece como uma voz que renuncia, que nega o que
querem para ele, uma voz que clama por liberdade. Biff, então, é a “consciência individual
que contradiz o papel social definido” (WILLIAMS, 2002, p. 95). Em cena, estava a
desordem, o conflito entre a continuidade e a ruptura; mas, por estar em cena, também nos faz
conscientes do problema em que estamos imersos, nos faz pensar sobre a nossa própria
condição. Participar daquela encenação, seja lendo, assistindo-a em um teatro ou em DVD,
nos faz perceber algo do qual poderíamos não estar cientes: uma vez mais, as injustiças,
desordem que o homem – sociedade ou indivíduo – cria para si mesmo.Todavia, sugere
Raymond Williams, “A ação trágica não é, no seu sentido mais profundo, a confirmação da
27
desordem, mas a compreensão, a experiência e a resolução dessa desordem” (WILLIAMS,
2002, p. 114). Eis a razão pela qual vivenciar o trágico continua sendo relevante, ou mesmo
desejável: por meio dele, podemos experimentar a nossa própria condição humana, nossos
medos, nossas deficiências, por permitir que nos coloquemos frente à frente com o aquilo que
tememos em nós mesmos. Vivenciar, ou testemunhar, aquilo por que passaram Willy Loman,
Biff, Happy, Linda, e as diferentes sortes de Charley e seu filho Bernard pode nos fazer
refletir sobre o que vimos fazendo com nossas vidas e com as dos outros.
Talvez seja isso, também, o que há de interessante nas Artes e, particularmente, na Literatura.
No epílogo de The fictive and the imaginary: charting literary anthropology, Wolfgang Iser
escreve o seguinte: “literary staging does not aim primarily at capturing beginning and end in
stories or pictures; instead, it seeks to unfold what has been fenced in by the cardinal
mysteries21” (ISER, 1993, p.298). Se pensarmos nisso em termos do trágico no teatro
contemporâneo, reafirmamos o que dissemos acima: vivenciá-lo, ser passível de usufruir a
catarse aristotélica, pode nos levar a um maior conhecimento de nossos próprios medos, de
nossas reações frente a tal situação, o que nos remete, também, a outras palavras de Iser no
mesmo epílogo: “The text game proceeds as a transformation of its referential worlds, which
gives rise to something that cannot be deduced from these worlds22” (ISER, 1993, p. 281). A
encenação, particularmente a encenação do trágico, graças a seu efeito catártico, pode nos
fazer sair de um estado de dormência quanto à nossa própria condição humana, não somente
nos purgando de descargas emocionais, mas nos fazendo perceber o que estamos fazendo a
nós mesmos.
“A encenação literária não objetiva, primeiramente, em apreender o princípio e o fim em histórias ou quadros;
ao contrário, busca revelar o que fora cercado por mistérios cardinais.”
22
“O jogo do texto procede como uma transformação dos seus mundos referenciais, que dá relevo a algo que não
pode ser deduzido destes mundos.”
21
28
Bibliografia
ARISTÓTELES; HORÁCIO; LONGINO. A poética clássica. Trad. Jaime Bruna. 9. ed. São
Paulo: Cultrix, 2001.
BAUMAN, Zygmunt. O mal-estar da pós-modernidade. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed.,
1998.
BENTLEY, Eric. O dramaturgo como pensador: um estudo da dramaturgia nos tempos
modernos. Trad. Ana Zilma Campos. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1991.
COLLINS English Dictionary: complete and unabridged. Glasgow: HarperCollins Publishers,
2003.
GUMBRECHT, Hans Ulrich. “Os lugares da tragédia”. In: Rosenfield, Kathrin. (Org.)
Filosofia e literatura: o trágico. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed, 2001.
ISER, Wolfgang. The fictive and the imaginary: charting literary anthropology. Baltimore
and London: John Hopkins University Press, 1993.
MILLER, Arthur. Death of a Salesman. New York: Penguin Books, 1961.
ROSENFELD, Anatol. Prismas do teatro. São Paulo: Perspectiva, 1995.
WIGGINS, Martin. Shakespeare and the drama of his time. Oxford: Oxford University Press,
2000.