Elimar Cosme do Espírito Santo

O objetivo principal do presente capítulo é fazer uma
discussão acerca das vivências de mulheres pobres
no cotidiano da atual Cidade de Formiga, CentroOeste do Estado de Minas Gerais. Para tanto, serviu
de fonte um processo aberto em 1842 referente ao
assassinato de Francisco das Chagas, vulgo Gago,
morto a facadas enquanto dormia durante a
madrugada. Foram julgados e condenados pelo
crime José dos Santos Leão, amigo de Gago, e Luíza
Maria da Conceição, esposa da vítima que foi acusada
de ser não só amante de Leão como inclusive
mandante do crime. O mencionado caso possui
quantidade elevada de informações e permitiu que
fosse analisada não apenas o cotidiano de mulheres
pobres como também elementos dos discursos
comportamentais atribuídos aos gêneros, a atuação
feminina na arena judicial, assim como também um
pouco acerca dos procedimentos metodológicos a
serem aplicados na análise dos documentos
criminais.

Os processos criminais são, grosso modo, um documento no qual duas partes – a acusação e a defesa – tentam impor uma versão de um fato criminoso considerado como tal pelo Estado, perpassando testemunhos, julgamentos, etc. A definição de crime e mesmo o alcance do recurso à justiça como forma adequada de resolver disputas variam conforme a época e sociedade. Por isso, devemos levar em conta os percursos de modernizações e expansões da máquina jurídica, bem como conhecer os códigos criminais e processuais de cada época, o que permite apreender um pouco das definições de crimes e punições conforme o recorte espaço-temporal, assim como da própria estrutura do processo. Entre algumas das potencialidades de pesquisa das fontes criminais está a investigação dos discursos oficiais de uma sociedade ou do funcionamento da justiça, assim como da atuação social de diversos grupos. A partir destas questões foi escrito o presente capítulo, voltado para o objetivo de evidenciar as potencialidades dos processos criminais enquanto fontes históricas e, também, realizar alguns estudos de caso que nos permitam ver de forma mais prática estes elementos.

Esta pesquisa se refere a uma análise da ação sociocultural feminina em uma região voltada à produção de alimentos, Formiga/MG, em contexto de estruturação jurídica-social do Brasil oitocentista. Com um conjunto de 153 processos criminais da mencionada localidade, foram problematizados de forma quantitativa os dados socioeconômicos das mulheres e homens que se envolveram nestes casos. Assim como também foram quantificados os números dos tipos de crimes e motivações de tais documentos. Além disso, foi feita análise qualitativa das linhas e entrelinhas dos processos, de modo a perceber as representações que as mulheres tinham dos modelos de conduta. Como viviam suas vidas e as situações em que resistiam a tais modelos, se apropriavam deles em benefício próprio. Por outro lado, foi também investigado como os homens (autoridades ou não) que estiveram em tais causas criminais enxergavam os citados modelos relacionados às mulheres. Servindo de amparo teórico as perspectivas de gênero, as estratégias e táticas, representações, apropriações e lutas de representações.