Esta tese tem por objeto de estudo a composição assistida por imagens visuais na música instrumental. Nela abordamos o processo composicional em que a visualidade da partitura é um importante espaço de manipulação. Por partitura...
moreEsta tese tem por objeto de estudo a composição assistida por imagens visuais na música instrumental. Nela abordamos o processo composicional em que a visualidade da partitura é um importante espaço de manipulação. Por partitura entendemos aqui a superfície de registro tradicionalmente tomada como espaço de manipulação de imagens sonoras. Para este estudo tomamos por referência a noção de percepção intermodal para pensar a relação de imagens sonoras com imagens visuais e táteis como ferramenta para a composição musical. Nosso ponto de partida é o trabalho dos compositores Iannis Xenakis e Salvatore Sciarrino, compreendidos lado ao trabalho dos artistas visuais Paul Klee e Wassily Kandinsky. De Klee e Kandinsky, destacamos o trabalho com a temporalidade dos elementos visuais através da realização de 'leituras pictóricas' de elementos e conceitos musicais; de Sciarrino, a presença da visualidade na composição musical, fator por ele atribuído à influência da notação musical; e de Xenakis, a elaboração de um sistema visual a partir da equivalência entre elementos visuais e sonoros, manipulando imagens visuais como se fossem imagens sonoras. Neste processo o trabalho de outros compositores também serviu como referência. A pesquisa sobre o processo criativo de compositores que mencionam imagens visuais em seus relatos composicionais revela duas abordagens: o desdobramento de imagens visuais em imagens sonoras, observada quando a influência da visualidade não implica a manipulação direta de imagens visuais, mas sim uma 'leitura musical' de tais imagens; a manipulação de imagens sonoras através de imagens visuais, abordagem relacionada ao trabalho de Sciarrino e Xenakis. Além dos compositores relacionados à segunda abordagem há os autores que propõem visualizações para modelos sonoros, como Lachenmann, Thoressen e Blackburn: a análise de suas proposições fornece subsídios à elaboração de visualizações próprias, bem como sugere a criação não só a partir da visualidade, mas com a visualidade.
A tese está apresentada em dois momentos, um compreendendo o estudo conceitual da relação entre imagens visuais e composição musical, e outro, de cunho prático, em que procurou-se uma aplicação do pensamento composicional a partir de imagens. No que diz respeito ao segundo momento, apresentamos nesta tese as composições Estudo (quarteto de clarinetes), Escondido num ponto (flauta, sax alto, cello e piano) e Enrascada (clarinete, fagote e piano). A partir delas destacamos a influência recíproca dos espaços de manipulação (visualizações através de desenhos e escrita na partitura), aqui chamada de intermodulação, processo constatado durante a composição de Estudo (em que o esboço visual foi alterado na etapa da escrita) e explorado na composição de Escondido num ponto (com desenho e escrita se influenciando passo a passo). A composição de Enrascada traz reflexões sobre as particularidades de cada espaço de manipulação em relação ao trabalho com determinadas imagens sonoras. Conclui-se que a questão da influência recíproca entre imagens visuais e sonoras (e seus espaços de manipulação) permite trazer ao ato da composição a potência de domínios táteis e visuais, sem que isto implique em transposições meramente descritivas, mas sim na proliferação de possibilidades.
Palavras-chave: visualidade, composição musical, processo criativo, superfície de registro, espaço de manipulação.