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O Princípio como Fundamento no desenvolvimento do constitucionalismo brasileiro: um sentido para além dos conceitos Eneida Desiree Salgado Professora de Direito Constitucional da Universidade Federal do Paraná Professora do Programa de Mestrado das Faculdades Integradas do Brasil Mestre e Doutora em Direito do Estado pela Universidade Federal do Paraná Emerson Gabardo Professor de Direito Administrativo da Universidade Federal do Paraná Coordenador Geral do Programa de Mestrado e Doutorado em Direito da Pontifícia Universidade Católica do Paraná Mestre e Doutor em Direito do Estado pela Universidade Federal do Paraná Sumário: 1. Introdução: tratando novamente dos princípios jurídicos...; 2. Princípio jurídico e o desenvolvimento eclético de sentidos; 3. Conclusão: perspectivas de desenvolvimento da categoria principio como elemento metaconceitual. 1. Introdução: tratando novamente dos princípios jurídicos... Em meados do século XX, quando em um discurso houvesse a tratativa da categoria “princípio jurídico”, haveria grande chance de o interlocutor estar se referindo a um elemento da ciência do Direito e não do sistema jurídico positivo. Este era um dos motivos pelo qual, quando a doutrina (e a jurisprudência) se referiam aos princípios, muitas vezes não se reportavam à sua normatividade. Hoje em dia, não muitos autores ainda prestigiam a tratativa do princípio como categoria científica. Talvez uma das poucas autoras seja Maria Sylvia Zanella di Pietro, que se remetendo a José Cretella Júnior, assevera serem os princípios proposições básicas e fundamentais que configuram alicerces de determinada ciência. PIETRO, Maria Sylvia Zanella di. Direito Administrativo. 25 ed., São Paulo: Atlas, 2012, p. 63. A forma diferenciada utilizada pela autora para se referir ao assunto suscitou a ideia deste texto, que pretende ser uma singela homenagem ao brilhantismo desta grande juspublicista brasileira. Nos últimos vinte anos a doutrina jurídica nacional, acompanhando a discussão alemã, seja diretamente, seja por intermédio dos portugueses, vem se debatendo em torno da questão do conceito de “princípio”, sua função no ordenamento jurídico e a forma de sua aplicação como norma jurídica. Não é sem razão. Conforme salienta Daniel W. Hachem, “a aplicação de qualquer princípio jurídico demanda que o intérprete compreenda adequadamente a sua configuração jurídica, verificando os fundamentos que lhe fornecem suporte no sistema normativo e identificando os elementos que o compõem.” HACHEM, Daniel, Wunder. Princípio constitucional da supremacia do interesse público. Belo Horizonte: Fórum, 2011. p. 37. Neste intuito, e com forte influência da leitura de Robert Alexy, o constitucionalismo nacional tem se desenvolvido a partir da gramática da ponderação ou do sopesamento, sem qualquer preocupação com o que se pode ou não deduzir da Constituição e, ademais, aglutinando o autor com outro grande ícone do pós-positivismo: Ronald Dworkin. A identificação do princípio como fundamento científico do Direito parece ter ficado para trás ou ser objeto apenas de disciplinas introdutórias do Direito e não do Direito constitucional. Ou então, muitas vezes se observa o que Luis Virgílio Afonso da Silva chama de “sincretismo metodológico”, que consistiria na junção equívoca de teorias cuja ontologia é reciprocamente excludente, SILVA, Luís Virgílio Afonso da. Princípios e regras: mitos e equívocos acerca de uma distinção. Revista Latino-americana de Estudos Constitucionais. Belo Horizonte: Del Rey, n° 01, 2003, p. 607 e ss. inclusive propiciando, às vezes, certa confusão entre ser e dever ser. O alerta do autor é procedente. Sem dúvida, não são poucas as tentativas inglórias de sustentação propositiva da atualidade brasileira, cuja superficialidade e descompromisso científico em nada colaboram à incrementação acadêmica e ao próprio entendimento a respeito dos princípios constitucionais. Mas se é preciso ter cuidado com algumas incompatibilidades, também merecem ressalva os exageros lógicos típicos de um verdadeiro “aprisionamento epistemológico”. Isso ocorre quando se pretende entabular uma análise tomando-se como base a identificação totalizada de determinados marcos teóricos e seu confronto comparativo. Ou ainda, quando se pretende elaborar uma “teoria ontológico-explicativa” a respeito do fenômeno. Todavia, quando a busca é por uma abordagem vinculada o máximo possível com a realidade, não parece descartável ou irracional a postura eclética ou metaconceitual. Ou seja, não parece inadequado recuperar de cada autor, dando-lhe o crédito, um pedaço, um recorte. Mesmo que este recorte jamais possa ser recolocado no seu lugar de origem; mesmo que ele nunca mais recomponha o todo. Um estudo aplicado que se restrinja à teoria de um autor ou escola tende à riqueza formal e à pobreza material; tende à precisão lógica e ao afastamento da vida. Ademais, pretender a perfeita compreensão lógica e completa das teorias incidentes é acreditar que elas realmente são lógicas e completas; é pretender que os seus autores sejam sempre em absoluto coerentes subjetiva e intersubjetivamente – o que, feliz ou infelizmente, não é algo pragmaticamente verdadeiro. Nestes termos, parte-se do pressuposto de que não é a doutrina, sequer a jurisprudência, que prioritariamente, deve dar ensejo às determinações de conteúdo do sistema jurídico (e neste sentido, o presente texto irá se restringir ao modus operandi atual que foca o princípio como elemento do sistema e não da ciência, embora, no mérito, se inspire em seu entendimento científico – que exalta a ideia de “fundamento”). É por intermédio deste raciocínio que parece oportuna uma abordagem do tema que parta da premissa que é o poder constituinte quem define a estrutura o Estado a partir de decisões políticas que configuram valores, princípios ou regras constitucionais (no sentido mais direto e simples possível). E tais decisões se juridificam, revestindo-se de força normativa de grau superior e funcionado tanto como razões para condutas e decisões quanto como critério de validade para todo o ordenamento jurídico. A partir deste pressuposto é possível fazer uma reavaliação dos pressupostos do desenvolvimento da categoria princípio dentro do constitucionalismo brasileiro, o que terá reflexos na fundamentação jurídica de todas as áreas do Direito, notadamente àquelas que ordinariamente são elencadas como pertencentes ao campo do Direito público (tais como o Direito Administrativo). Os valores constitucionais se evidenciam no preâmbulo e nos primeiros artigos da Constituição: justiça, liberdade, igualdade, dignidade, segurança, bem comum, desenvolvimento, solidariedade, pluralismo e garantia do exercício dos direitos sociais e individuais. Esses fins formam o escopo da atuação dos poderes públicos e devem informar também as relações privadas. Todavia, ocorre que os valores se manifestam em termos bastante genéricos, o que torna mais difícil o entendimento do seu conteúdo. Mas isso não os leva a uma superfluidade que possa os tornar desimportantes, mesmo quando comparados com os princípios. Ainda que, de início, não se possa afirmar exatamente o que signifiquem, nem se possa retirar deles uma conduta determinada, o significado dos termos limita, ao menos negativamente, o agir dos órgãos de soberania. Neste sentido, merece destaque o entendimento de Maria Sylvia Zanella di Pietro: “A importância dos valores e princípios na Constituição está no fato de que eles são de observância obrigatória. Eles ajudam no trabalho de interpretação; eles ajudam na tarefa de integração, preenchendo as lacunas da lei (a própria Lei de Introdução ao Código Civil – Decreto-lei n. 4.657, de 4-9-1942 – prevê os princípios gerais do direito como fontes do direito, no art. 4º). E, principalmente, os valores e princípios, sendo de aplicação obrigatória, dirigem-se aos três Poderes do Estado na medida em que limitam (e não ampliam) a discricionariedade do legislador e do administrador público e ampliam os limites do controle judicial. A presença dos princípios e valores na Constituição permite a afirmação de que no Brasil a submissão da Administração se dá à lei e ao direito.” PIETRO, Maria Sylvia Zanella di. O princípio da segurança jurídica diante do princípio da legalidade. In: MARRARA, Thiago (Org.). Princípios de Direito Administrativo. São Paulo: Atlas, 2012, p. 9. Os fins últimos do Estado são traduzidos em princípios constitucionais – e esta imbricação teórica leva o operador a resultados práticos que acabam por misturar, na aplicação, as idéias de valor e princípio. Mas é importante considerar que, ao consagrar princípios e valores, o legislador constituinte não teve em mente qual seria a teoria hermenêutica ou a corrente doutrinária que iria possibilitar sua aplicação. E mesmo que tivesse, em não sendo explicitada, não faz parte da Constituição formalmente estabelecida. É neste ponto que reside o problema, ou mesmo o paradoxo, da questão. O sistema positivo é um marco que não pode ser desconsiderado, pela própria idéia-base atualmente reconhecida pela comunidade político-jurídica majoritária; não é possível restringir-se a ele ao ser analisado quais significados detém os valores, princípios e regras constitucionais (e supranacionais; e infraconstitucionais). Não se pode descurar que os atuais Estados de Direito, de caracterização democrática, incorporam um sentido axiológico, que, conforme Clèmerson Merlin Clève, levam a sua configuração como um Estado de Justiça, “juridicamente conformada pela própria Constituição”. CLÈVE, Clèmerson Merlin. Atividade legislativa do Poder Executivo no Estado contemporâneo e na Constituição de 1988. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1993, p. 142-143. Assim, a eleição de valores pelo constituinte, e sua eventual concretização por intermédio de princípios densificadores e regras, não deve ser ignorada sob pena de a atuação do leitor e aplicador da Constituição esvair-se de legitimidade. Isto não significa que se desconheçam as opções valorativas inerentes ao processo de aplicação do direito, ainda que determinado por regras, em virtude da textura aberta da linguagem. NINO, Carlos Santiago. Derecho, Moral y Política: Una revisión de la teoría general del Derecho. Barcelona: Ariel, 1994, p. 87-100. O que não pode ser admitido é a substituição dos valores plasmados na Constituição por valores subjetivos, mascarados de argumentos técnicos ou de uma concepção pessoal de justiça. Não se nega, tampouco, o caráter constitutivo da interpretação do Direito, GRAU, Eros Roberto. A ordem econômica na Constituição de 1988. 11. ed. São Paulo: Malheiros, 2006, p. 163. mas a necessidade de respeitar as opções do constituinte e do legislador democrático (e a própria história hermenêutica dos institutos e signos lingüísticos) deve ser tomada como um ponto de partida fundante. Os valores constitucionais se condensam em princípios constitucionais, dando aos fins um sentido específico, apresentando um feixe de possibilidades e excluindo determinados meios. Valores e princípios, portanto, atuam de maneira distinta na efetivação do Direito, mas intensamente imbricada. Enquanto os valores servem como baliza para a interpretação de uma norma e para o desenvolvimento legislativo, os princípios estão ao alcance do legislador e do juiz, se inexiste regra específica ou se a aplicação de tal regra ao caso concreto não consegue fundamentar-se por um principio que vença outro na batalha tópica. Ao legislador cabe a conversão do valor em uma norma, a “projeção normativa”, com ampla margem de liberdade; ao juiz, resta apenas a eficácia interpretativa dos valores positivados. No entanto, em relação aos princípios, o leque de opções do legislador é reduzido, pois as regras que podem ser abarcadas pela projeção normativa estão delineadas (mas não especificamente pré-determinadas) pelo significado do enunciado principiológico. O juiz pode acessar diretamente o princípio, projetando-o normativamente, quando não há desenvolvimento legislativo que apresente uma regra para o caso em apreciação. ARAGÓN, Manuel. La eficacia jurídica del principio democrático. Revista Española de Derecho Constitucional. Madrid, a. 8, v. 24, p. 9-45, sep./dec. 1985. p. 26. Mas não é possível ignorar a regra ou partir do pressuposto que ela sempre deverá ser afastada por qualquer fundamento subjetivamente extraído do entendimento que determinada autoridade detém de um determinado princípio. Novo paradoxo: “Os juízes não criam o Direito (embora certamente produzam Direito), porque interpretam o Direito aplicando seus princípios gerais. Porém, na realidade, aplicando estes princípios tendo em vista determinadas consequências, eles na verdade criam Direito, porque nem todas as consequências e, portanto, nem todos os princípios podem ser previstos pelo Direito”. STRECK, Lênio. Hermenêutica jurídica e(m) crise: uma exploração hermenêutica da construção do Direito. 5. ed., Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2004, p. 108. Os princípios são concretizados fundamentalmente pelo legislador, pelo administrador público, ou pelo juiz, não necessariamente pela criação de um direito novo, mas pela derivação de comandos normativos específicos a partir do leque de possibilidades estabelecido pelos próprios princípios. A preferência para a concretização, no entanto, é do legislador, e sempre há um conteúdo mínimo a ser respeitado. Mas esta distinção entre valores e princípios precisa ser mais esclarecida. Para Manuel Aragón, os valores não estabelecem, não predizem o conteúdo da sua projeção normativa. Já os princípios são “fórmulas de derecho fuertemente condensadas que albergan en su seno indicios o gérmenes de reglas”. “Las reglas derivadas de un principio están indeterminadas en él, pero son ‘predictibles’ en términos jurídicos”. O Poder Judiciário atua no controle da discricionariedade do legislador, mas não pode inventar uma regra jurídica, embora possa “descobri-la” a partir da formulação do princípio. ARAGÓN, Manuel. La eficacia jurídica del principio democrático. Revista Española de Derecho Constitucional… p. 28. E esta observação é importante no Brasil deste início de século XXI, pois o que se observa é uma indisfarçável (ainda que disfarçada) criação inovadora inserida na atividade judicial (considerando o fato de que o Judiciário, na contemporaneidade, foi reconhecido como o mais importante centro de deliberação do sentido das normas – e, ademais, em caráter definitivo). A questão sobre a concretização dos princípios, pela determinação do seu significado e de seu alcance, encontra-se no centro da tensão entre democracia e jurisdição constitucional. Tensão invencível (definitivamente, mas que exige respostas provisórias) de uma oposição inconciliável, segundo Vera Karam de Chueiri. Cf.: CHUEIRI, Vera Karam de. O discurso do constitucionalismo: governo das leis versus governo do povo. In: FONSECA, Ricardo Marcelo (Org.). Direito e discurso: discursos do direito. Florianópolis: Fundação Boiteux, 2006, p. 161-171 e p. 169-170. Ainda que não se possa negar a necessidade de reservar ao Poder Judiciário a capacidade de dar um conteúdo concreto aos princípios para sua aplicação a um caso concreto (sob pena de enfraquecer a normatividade dos princípios), deve-se reconhecer a primazia do consenso democrático na concretização dos princípios, quando do seu adequado e consistente desdobramento em outros princípios e em regras constitucionais e infraconstitucionais. Assim, o princípio democrático é condensado pelos princípios da soberania popular, da separação e interdependência dos órgãos de soberania, da participação democrática dos cidadãos e do sufrágio universal. Este último princípio constitucional geral é “concretizado pelos princípios da liberdade de propaganda, igualdade de oportunidades e imparcialidade nas campanhas eleitorais”, princípios constitucionais especiais. O princípio democrático se relaciona com o direito de sufrágio, e este se conforma pelos princípios da universalidade (em relação ao voto e à elegibilidade), da imediaticidade (o cidadão dá a primeira e a última palavra), da liberdade de voto (que também se revela no princípio do voto secreto), da igualdade de voto (mesmo peso e mesmo valor de resultado), da periodicidade e da unicidade. CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição... p. 1090-1100 e p. 294-298. Classificação esta adequada, mas nem mais nem menos legítima que várias outras delineadas por diferentes doutrinadores e seus critérios preferenciais – nenhuma delas perfeita, nenhuma delas plenamente explicativa da realidade conceitual e jurisprudencial brasileira. 2. Princípio jurídico e o desenvolvimento eclético de sentidos O princípio jurídico é aquele que orienta normativamente a ação ou o juízo (sendo seu critério de validade) exigindo um cálculo de adequação que torna a ação e/ou o juízo em certa medida previsíveis. ZAGREBELSKY, Gustavo. Diritto per: valori, principi o regole? (a proposito della dottrina dei principi di Ronald Dworkin). Quaderni Fiorentini per la storia del pensiero giuridico moderno. Firenze, t. 1, n. 31, p. 865-897, 2002. p. 873. Os princípios são enunciados normativos, e embora apresentem uma textura aberta, não permitem o arbítrio do intérprete, que está vinculado a vontades – da Constituição, do constituinte – preexistentes reveladas pelos valores constitucionais. FILHO, Romeu Felipe. Processo Administrativo Disciplinar. 3. ed., São Paulo: Saraiva, 2012. p. 147 e ss. As regras também orientam ações e decisões, mas indicam uma consequência jurídica determinada. Derivam teoricamente dos princípios como esses dos valores (ainda que isso não ocorra na prática), em uma relação de inferência. Assim exemplifica Gustavo Zagrebelsky: “La regola che vieta la tortura presuppone il principio dell’intangibilità della dignità della persona e quest’ultimo rinvia alla persona umana come valore”. E adiante: “In astratto, si può dire che non c’è regola che non risponda a un principio che non si colleghi a un valore. Il principio è il medium nel quale troviamo un’apertura ‘morale’ al valore e un’apertura ‘pratica’ alla regola”. E, mais enfaticamente, afirma que a congruência entre valores-princípios-regras é constitutiva da validade do direito, algo que vem “prima dello stesso potere di fare una costituzione.” Cf.: ZAGREBELSKY, Gustavo. Diritto per: valori, principi o regole? (a proposito della dottrina dei principi di Ronald Dworkin). Quaderni Fiorentini per la storia del pensiero giuridico moderno... p. 877. Acentua Ruy Samuel Espíndola que “as regras são concreções dos princípios; são especificações regulatórias desses; são desdobramentos normativos dos mesmos.” Cf.: ESPÍNDOLA, Ruy Samuel. Conceito de princípios constitucionais. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002. p. 75. A regra deve remeter-se a um princípio para sua justificação; caso seja contrária a um princípio, antes de inconstitucional, a regra é “intrinsecamente irracional, arbitrária, ou manifestamente injusta”. ZAGREBELSKY, Gustavo. Diritto per: valori, principi o regole? (a proposito della dottrina dei principi di Ronald Dworkin). Quaderni Fiorentini per la storia del pensiero giuridico moderno, Firenze, t. 1, n. 31, p. 865-897, 2002. p. 877. A compreensão aqui defendida não se coaduna diretamente com a visão de Robert Alexy e de Ronald Dworkin em relação à teoria dos princípios. A visão de que o princípio se diferencia da regra porque essa se aplica segundo uma lógica do tudo ou nada, DWORKIN, Ronald. Levando os direitos a sério. Tradução: Jefferson Luiz Camargo. São Paulo: Martins Fontes, 2007 [1978]. ou porque o princípio configura um mandado de otimização, ALEXY, Robert. Teoría de los Derechos Fundamentales. Tradução: Ernesto Garzón Valdés. Madrid: Centro de Estudios Constitucionales, 1997 [1986]. não corresponde à visão aqui compartilhada da função dos princípios. Até porque parece ser realmente uma simples utopia normativa imaginar que uma teoria lógico-sistemática (seja de Dworkin, seja de Alexy) poderia explicar com perfeição e totalidade a realidade normativa dos fundamentos do Direito constitucional brasileiro. Quiçá sirvam para explicar suas próprias realidades constitucionais. Por outro lado, suas reflexões são, obviamente, de uma importância impar para o entendimento e a análise do sistema brasileiro. Mas sempre de uma forma eclética e sem compromissos teórico-estruturantes. Para Dworkin, princípios são exigências “de justiça ou eqüidade ou alguma outra dimensão da moralidade”, e se diferenciam logicamente das regras. “As regras são aplicáveis à maneira do tudo-ou-nada” e dos princípios não decorrem automaticamente consequências jurídicas. DWORKIN, Ronald. Levando os direitos a sério... p. 36 e 39-40. Não é simples tal apontamento, embora a doutrina nacional muitas vezes o trate como tal. Na leitura de Gianluigi Palombella, por exemplo, os princípios em Dworkin são tanto os direitos morais dos indivíduos como os marcos “da normatividade expressa na totalidade do sistema interpretado à luz da tradição constitucional”, que servem de limites ao poder. PALOMBELLA, Gianluigi. Filosofia do Direito. Tradução: Ivone C. Benedetti. São Paulo: Martins Fontes, 2005 [1996] p. 329 e 336-337. Já Herbert L. A. Hart tradicionalmente criticou a visão de Dworkin, afirmando que a regra nunca traz todos os elementos para a decisão do caso: “a função da regra é determinar apenas as condições gerais que as decisões jurídicas correctas devem satisfazer”. As regras não funcionam na lógica do tudo ou nada, pois podem ser afastadas apenas em um caso concreto, sem perder sua validade. HART, Herbert L. A. Pós-escrito. In:_____. O conceito de Direito. 4. ed. Tradução: A. Ribeiro Mendes. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2005 [1994], p. 299-339. p. 320 e ss. Acompanhando Hart, Genaro Carrió, também possui reservas quanto à correção dos argumentos de Dworkin no tocante à sua crítica genérica ao positivismo. O autor contesta o modelo de regras e princípios ressaltando que nem todas as regras são específicas como afirma Dworkin. Ainda, ressalta que todas as regras, até as mais específicas, possuem uma textura aberta, pois sempre podem admitir exceções. Finalmente, propõe que não seria correto asseverar que as regras sempre se aplicam na forma do tudo ou nada. Ademais, os conflitos entre regras nem sempre se resolvem negando a validez de uma delas. Portanto, a partir desta ótica também se poderia aceitar que há uma dimensão de peso nas regras. CARRIÓ, Genaro R. Princípios jurídicos y positivismo jurídico. Buenos Aires: Abeledo-Perrot, 1970. p. 57 e ss. Em outro lado, na visão de Alexy, “princípios são normas que exigem que algo seja realizado na maior medida possível, dadas as condições fáticas e jurídicas existentes”. “Principles are norms requiring that something be realized to the greatest extent possible, given the factual and legal possibilities.” Cf.: ALEXY, Robert. Balancing, constitutional review, and representation. International Journal of Constitutional Law, New York, n. 3, p. 572-581, 2005. p. 573. Todavia, não parece ser possível admitir que a efetivação dos princípios constitucionais dependa das “possibilidades jurídicas e fáticas”; ao menos esta interpretação parece poder ser defendida segundo as opões consagradas na Constituição de 1988, bem como costumam ser referendadas pela interpretação fortemente consensualizada a respeito da sua efetividade nos últimos vinte anos (ainda que existam posições doutrinárias marginais em sentido contrário, como a própria análise econômica do Direito). Resumidamente, duas breves incursões no tema podem ser obtidas em: FARIA, Guiomar T. Estrella. Interpretação econômica do Direito. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1994; e RIBEIRO, Marcia Carla Pereira e KLEIN, Vinícius. O que é análise econômica do Direito: uma introdução. Belo Horizonte: Fórum, 2011. Provavelmente, pela leitura de Alexy e Dworkin, o comando constitucional constante no artigo 5º, inciso XXXIX, da Constituição Federal brasileira (não há crime sem lei anterior que o defina, nem pena sem prévia cominação legal) configuraria regra: afinal, não há possibilidade de sua aplicação ser “ponderada” com outras normas, e sua lógica é de obediência ou desrespeito ao comando. Na leitura aqui desenvolvida, o dispositivo normativo corresponde a um princípio, que deriva de um valor (a liberdade) e estrutura todo o desenvolvimento das regras jurídicas que a ele se vinculam (o Direito Penal, no exemplo apresentado). Há aqui, portanto, uma noção distinta de princípio. A noção de princípio, neste trabalho, é “muito próxima” (só porque, afinal, não pode ser idêntica, considerando que não existe uma noção única e fechada no ambiente nacional) apontada tradicionalmente pela literatura jurídica brasileira, como afirma Luís Virgílio Afonso da Silva. Cf.: SILVA, Virgílio Afonso da. Princípios e regras: mitos e equívocos acerca de uma distinção. Revista Latino-Americana de Estudos Constitucionais, Belo Horizonte, n. 1, p. 607-630, jan./jun. 2003. p. 612. O autor assinala as diferenças entre as concepções de Alexy e Dworkin e a compreensão aqui compartilhada e utiliza o mesmo exemplo da legalidade em matéria penal. Nesta perspectiva não há conflito entre os princípios, pois seu significado e seu alcance são determinados concomitantemente, a partir do significado e do alcance dos demais. O mais importante, no caso, é que os princípios sejam tomados como o fundamento do sistema jurídico, com todas as consequências que se possa extrair desta informação. Ainda que se possa ter muita controvérsia a respeito destas consequências e, também, seja possível observar a atual utilização concomitante de diferentes significados (e, caso prefira-se, “conceitos) da idéia de “princípio jurídico”. Genaro Carrió promoveu um interessante estudo como decorrência da busca por uma resposta à pergunta “o que é um princípio jurídico?”. De início, segundo autor, poder-se-ia ter ao menos sete entendimentos (todos eles perfeitamente aplicáveis ao sistema jurídico brasileiro): a) como característica central ou núcleo básico; b) como guia, orientação ou indicação geral; c) como fonte geradora, causa ou origem; d) como finalidade, objetivo ou propósito; e) como premissa, axioma, ponto de partida ou evidência teórica; f) como verdade ética inquestionável ou evidência prática; g) como máxima decorrente do prestígio da tradição. Cf.: CARRIÓ, Genaro R. Princípios jurídicos y positivismo jurídico... 1970. p. 33 e ss. Portanto, pretender distinguir lógica e formalmente regras e princípios talvez não seja uma boa opção para a sua aplicação no Brasil – ainda que tenha muito sentido em termos de reflexão científica. É o caso, por exemplo, do trabalho de Humberto Ávila. Cf: ÁVILA, Humberto. Teoria dos princípios: da definição à aplicação dos princípios jurídicos. 6. ed., São Paulo: Malheiros, 2006. E Juarez Freitas parece ter analisado esta questão de forma pioneira no Brasil quando tratou de forma densa e adequada esta questão – utilizando a doutrina estrangeira para entender o sistema brasileiro sem pretender a existência de uma teoria geral unificadora. Num sentido mais realista e menos utopista, uma teoria sistemática parece muito mais adequada à realidade brasileira, que uma teoria analítica. FREITAS, Juarez. A interpretação sistemática do Direito... Na contemporaneidade fundada pela Constituição de 1988 os princípios tornaram-se a chave de todo o Direito. Portanto, tornou-se banal a afirmação de que não há Direito sem princípios. Todavia, antes disso (e mesmo aquém da consagração de alguns autores estrangeiros no ambiente nacional) originalmente já apontava Geraldo Ataliba que “as simples regras jurídicas de nada valem se não estiverem apoiadas em princípios sólidos”. E caminhava além o autor, para asseverar que os princípios constitucionais seriam intangíveis e, portanto, inalcançáveis até pelo poder de reforma da Constituição. ATALIBA, Geraldo. Mudança da Constituição. Revista de Direito Público, São Paulo, n. 86, p. 181-186, abr./jun. 1988. Afirmava que os princípios qualificam a ordenação jurídica, dando à comunidade estatal uma determinada fisionomia político-social, ATALIBA, Geraldo. A lei complementar na Constituição. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1971. p. 23. mesmo adotando o autor uma visão contrária àquela então hegemônica. Celso Antônio Bandeira de Mello também de há muito produz teoria no campo dos princípios, tornando-se um autor efetivamente adotado pela doutrina e jurisprudência nacionais, mesmo sem referendar qualquer “teoria específica” dos princípios, a ser reclamada por tal ou qual autor estrangeiro. E ao contrário do que muitas vezes se afirma de forma descompromissada e descontextualizada, segundo o autor, os princípios, sobre serem normas, conferem a direção do sistema jurídico e quem os ofende ou desconsidera na interpretação de uma norma pratica “um ato de subversão” passível de controle judicial. MELLO, Celso Antônio Bandeira. Considerações em torno dos princípios hermenêuticos. Revista de Direito Público, São Paulo, n. 21, p. 141-147, jul./set. 1972. p. 144. A comum contraposição efetuada entre uma teoria antiga que negava potencialidade normativa aos princípios, e uma nova, que a contempla, é historicamente reducionista e mais serve para legitimar a visão presente e consensual a respeito da hermenêutica presente, do que para realmente explicar a origem e conteúdo semiológico dos princípios na prática dos operadores jurídicos no Brasil. Desse modo, se é amplamente reconhecido que entre as funções dos princípios está: a) “a orientação ao legislador na elaboração de leis adequadas e o necessário indicativo para a correta interpretação do ordenamento jurídico”, BACELLAR FILHO, Romeu Felipe. Reflexões sobre Direito Administrativo. Belo Horizonte: Fórum, 2009. p. 23. b) a sua característica de atuarem como vetores da interpretação; TAVARES, André Ramos. Curso de Direito Constitucional. 5. ed, rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2007. p. 100. e c) o seu entendimento “como que uma frente comum apta a nortear o intérprete em todas as direções para as quais pretenda se dirigir”; BALERA, Wagner. O princípio fundamental da promoção do bem de todos. In: VELLOSO, Carlos Mários da Silva; ROSAS, Roberto; AMARAL, Antonio Carlos Rodrigues do (Coords.). Princípios constitucionais fundamentais. Estudos em homenagem ao professor Ives Gandra da Silva Martins. São Paulo: Lex, 2005, p. 989-998. p. 994. também tornou-se sem grande importância a controvérsia antigamente existente sobre a normatividade dos princípios jurídicos (fato típico deste momento – o chamado pós-positivismo. ESPÍNDOLA, Ruy Samuel. Conceito de princípios constitucionais... p. 75. Enfim, são normas jurídicas, que identificam valores ou fins, revelando um conteúdo axiológico ou uma decisão política. BARROSO, Luís Roberto; BARCELLOS, Ana Paula de. O começo da história. A nova interpretação constitucional e o papel dos princípios no Direito brasileiro. In: BARROSO, Luís Roberto (Org.). A nova interpretação constitucional: ponderação, direitos fundamentais e relações privadas. Rio de Janeiro: Renovar, 2006, p. 327-378. p. 340. Afirmação esta que, mais do que contrapor-se ao positivismo clássico (notadamente kelseniano) pragmaticamente afasta-se da compreensão retórica relativa à matéria no Brasil (que atribui aos princípios apenas uma função secundária, para corrigir ou integrar as regras jurídicas), afirmando, na seara de grandes autores do constitucionalismo contemporâneo, que constitui uma “intrínseca contradição se destinar às normas de maior densidade de conteúdo (os princípios) uma função puramente acessória da que desempenham as normas cuja densidade é menor (as regras).” ZAGREBELSKY, Gustavo. El derecho dúctil: Ley, derechos, justicia. 7. ed. Tradução: Marina Gascón. Madrid: Trotta Editorial, 2007 [1992]. p. 117. É a partir deste horizonte de sentido que se pode afirmar, sem afastar-se de uma já tradicional e festejada doutrina constitucionalista, que o sistema jurídico é um sistema aberto de regras e princípios, todos dotados de normatividade. CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. Coimbra: Almedina, 1999. p. 1085. E ainda, que os princípios informam a leitura adequada das regras jurídicas em geral, dando “identidade ideológica e ética ao sistema jurídico, apontando objetivos e caminhos”; e, finalmente, que os princípios têm eficácia direta (incidência imediata sobre o caso), eficácia interpretativa (dão o sentido e o alcance do significado possível das normas jurídicas) e eficácia negativa (afastam a aplicação de normas em desconformidade com seu comando). BARROSO, Luís Roberto. Curso de Direito Constitucional Contemporâneo. São Paulo: Saraiva, 2009. p. 209 e 318-320. A normatividade é, portanto, uma grande conquista, mas não a única. Nem mesmo parece razoável supor que tal incrementação jurídica implicaria a supressão de outras importantes funções à categoria princípio, que tem se desenvolvido mediante a “agregação” de sentidos e não “substituição”. 3. Conclusão: perspectivas de desenvolvimento da categoria princípio como elemento metaconceitual Princípio é uma categoria geral e abstrata que propõe uma ação humana como um dever estabelecido a priori. Sua característica básica, portanto, é a normatividade e, nesse sentido, não pode ser confundido, portanto, com um mero axioma (que seria uma afirmação sem pretensão de realização prática). Princípio não é um conceito que pode, então, ser medido pela sua utilidade, pois ele ocorre a partir de uma razão prática (de natureza metafísica) e que deve ser “capaz de guiar ao juízo ou de servir de ponto de partida ao espírito na prática dos deveres”. KANT, Emmanuel. Doutrina do Direito. Tradução de Edson Bini. 2. ed. São Paulo: Ícone, 1993, p. 28. Contudo, esta prescrição não pode variar de acordo com o livre arbítrio, sob pena de configurar apenas uma “máxima”, que “é o princípio subjetivo que o sujeito se impõe como regra de ação (é o como quer agir)”. Ao contrário, o princípio em um sentido objetivo é o que a razão lhe prescreve, por conseguinte, é o como deve agir. KANT, Emmanuel. Doutrina do Direito... p. 40. Assim sendo, podem ser descritos os princípios morais a partir de três caracteres fundamentais: a) sua existência ocorre por sua validez ou aceitabilidade, e não por sua aceitação efetiva por certos indivíduos (nesse sentido, seriam ideais); b) se aceitos como justificação, esta se torna “final”; c) podem valorar qualquer conduta a partir de seu conteúdo que é, como já asseverado, de caráter objetivo. NINO, Carlos Santiago. Ética y derechos humanos: um ensayo de fundamentación. 2. ed., Buenos Aires: Astrea. p. 20. Ao redor deste espectro básico a respeito da noção “princípio” é possível que se apresentem distintas conjunturas. Daí que surge a possibilidade de princípios de caráter eminentemente moral/ético e princípios de caráter propriamente jurídico. Claro que ambas as esferas podem comunicar-se e em regra o fazem quando se trata da filosofia política. Poder-se-ia iniciar uma conceituação de princípios “ético-jurídicos” a partir da sua função. Segundo Karl Larenz, eles devem funcionar como “critérios teleológicos-objectivos da interpretação” ou “pautas diretivas de normação jurídica que, em virtude de sua própria força de convicção, podem justificar resoluções jurídicas”. LARENZ, Karl. Metodologia da ciência do direito. Tradução de José Lamego. 2. ed. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1989, p. 577. A contribuição de Dworkin é definitiva para completar esta caracterização afirmando o seu caráter de “norma vinculante” e, ainda, concorda-se que não parece ser adequada a idéia de uma “regra de reconhecimento”, O autor destaca que não seria capaz de “conceber uma fórmula qualquer [a regra de reconhecimento] para testar quanto e que tipo de apoio institucional é necessário para transformar um princípio em princípio jurídico”. DWORKIN, Ronald. Levando os direitos a sério. Tradução de Nelson Boeira. São Paulo: Martins Fontes, 2002. p. 65. quando é considerado um sistema normativo como o brasileiro, cuja centralidade está em uma Constituição essencialmente axiológica. É possível afirmar a existência de princípios da filosofia política que não são jurídicos; ou mesmo, seria adequado supor que um princípio pode decorrer de uma teorização metajurídica, mas que acaba por ter sua juridicidade consagrada dentro de um ordenamento positivo específico. Assim é que, mais do que especificamente concordar com Dworkin sobre a possibilidade da incidência de princípios morais externos dentro da ordem positiva, defende-se a idéia de que existem princípios de caráter ético-jurídico que não estão, necessariamente, contidos formalmente no sistema constitucional, mas que podem ser identificados de maneira implícita a partir de uma interpretação sistemática (considerando-se que toda interpretação sistemática é uma interpretação constitucional). Como propõe Juarez Freitas. Cf.: FREITAS, Juarez. A interpretação sistemática do Direito... p. 182 e ss. Karl Larenz esclarece que “são possíveis mutações na espécie de jogo concertado dos princípios, do seu alcance e limitação recíproca, como também a descoberta de novos princípios”. Mas sempre com referibilidade ao sistema, LARENZ, Karl. Metodologia da ciência do direito... p. 592. sob pena de se recair em alguma espécie de jusnaturalismo. Não se trata, portanto, de entender os princípios apenas como um conjunto de disposições ideais que acarretam uma justificação finalística de instituições e ações. Entendimento de Nino sobre o que seria o princípio para o jusnaturalismo. Ver: NINO, Carlos Santiago. Ética y derechos humanos... p. 18. Deve haver uma ligação jurídico-normativa dos princípios com o sistema constitucional, ainda que não expressa (e, nesse sentido, não deixa de permanecer existente certo apego à fundamentação positiva). CARRIÓ, R. Genaro. Los derechos humanos y su protección: distintos tipos de problemas. Buenos Aires: Abeledo-Perrot, 1990, p. 21. Fazendo estas ressalvas, é possível concluir que princípio é um “padrão que deve ser observado, não porque vá promover ou assegurar uma situação econômica, política ou social considerada desejável, mas porque é uma exigência de justiça ou equidade ou alguma outra dimensão da moralidade”. DWORKIN, Ronald. Levando os direitos a sério... p. 36. Princípios, portanto, diferenciam-se de objetivos sociais ou mesmo de políticas públicas tanto quanto se distinguem das regras. Ainda que, por vezes, possam retratar autênticas normas programáticas. FERRARI, Regina Maria Macedo Nery. Normas constitucionais programáticas: normatividade, operatividade e efetividade. São Paulo: RT, 2001. p. 253. E sendo assim, torna-se possível (e necessário) defender uma noção de princípio que se afaste totalmente do utilitarismo, Vera Karam de Chueiri ressalta que “Dworkin não só critica e refuta as teorias positivista e utilitarista do direito, especial embora não exclusivamente nas suas versões anglo-americanas, como também o pressuposto de que não ocorre comunicação (interdependência) entre elas, ou seja, de que seus caminhos não se entrecruzam”. Cf.: CHUEIRI, Vera Karam. Filosofia do direito e modernidade: Dworkin e a possibilidade de um discurso instituinte de direitos. Curitiba: JM, 1995. p. 61. ainda que não aceite nem a “tese da vinculação” (pela qual os jusnaturalistas defendem a existência de um vínculo conceitual entre Direito e moral), nem a “tese da separação” (pela qual os positivistas defendem que não há tal ligação). BULYGIN, Eugênio. Alexy y el argumento de la corrección. In: ALEXY, Robert; BULYGIN, Eugênio. La pretensión de corrección de derecho (la polémica Alexy/Bulygin sobre la relación entre derecho y moral). Tradução de Paula Gaido. Bogotá: Universidade Externado de Colômbia, 2001, p. 41. A partir desta proposição, não é relevante para a análise ora realizada diferenciar a natureza dos princípios separando-os como axiomas, postulados ou normas propriamente ditas. Como o faz Humberto Ávila. Cf.: ÁVILA, Humberto. Teoria dos princípios: da definição à aplicação dos princípios jurídicos. 6. ed. São Paulo: Malheiros, 2006, p. 121 e ss. Ao contrário, parece bastante difícil estabelecer uma diferenciação absoluta a partir desta classificação. Cada vez mais, a ciência contemporânea tem estabelecido a relatividade das possibilidades conceituais quando confrontadas com as práticas. Um axioma deduzido logicamente pode denotar um sofisma; um postulado num momento entendido como condição de possibilidade de conhecimento do objeto, pode se apresentar diretamente vinculante em outro e um princípio concebido como norma pode apresentar elevado grau de abstração a ponto de possuir reduzida relevância na deliberação prática ou, ainda, em alguns casos, traduzir acentuada dificuldade para sua ponderação (o que o faz carecer de relatividade pela ausência de boas razões para sua flexibilização no caso concreto ou pela própria inexistência de um princípio que razoavelmente pudesse adquirir algum grau de preferibilidade prática). Ademais, a função normativa dentro do sistema pode ser realizada de diferentes formas, por exemplo, um mesmo princípio pode ser identificado ora como geral, ora como setorial. Ainda, um princípio pode ser entendido em um processo interpretativo como postulado, em outro, como princípio-norma e em outro, ainda, como um axioma (é o caso do princípio da justiça, por exemplo, ou mesmo o princípio da proporcionalidade). Finalmente, podem ser elencados princípios cuja função é especificamente propiciar a interpretação normativa e nem por isso perdem seu caráter normativo. Parte destas constatações aqui esboçadas neste tópico foram desenvolvidas preliminarmente em obra precedente. Cf.: GABARDO, Emerson. Interesse público e subsidiariedade. Belo Horizonte: Fórum, 2009, p. 2001 e ss. Em função destas breves razões apontadas, pode-se concluir que há diferentes tipos de vinculação em termos de dever ser jurídico. Independentemente da classificação utilizada, o importante é reconhecer um traço que comumente lhes é peculiar: o estabelecimento de um standard normativo relevante para o Direito e detentor de caráter externo normativamente relativo. Prender-se a uma classificação específica não é uma boa opção para um trabalho aplicado. Toda classificação dependerá, além de outros elementos, dos fins para os quais se destina. COMANDUCCI, Paolo. Principios jurídicos e interderminación del derecho. Doxa Cuadernos de Filosofia del Derecho. Alicante: Biblioteca Virtual Miguel de Cervantes, 1998, n. 21, p. 100. Manuel Aragón ressalta que todo o Direito é principialista, mas o Direito Constitucional o é mais fortemente, por conta de seu caráter genérico e seu lugar central, que faz com que seus princípios fundamentais sustentem os demais ramos do Direito. ARAGÓN, Manuel. La eficacia jurídica del principio democrático. Revista Española de Derecho Constitucional… p. 14). Mas é preciso afirmar com convicção que tal compreensão dos princípios e do caráter principiológico da Constituição e do ordenamento jurídico não combina com uma concepção puramente procedimental: impõe-se o reconhecimento de uma dimensão fortemente material aos princípios constitucionais. CANOTILHO, José Joaquim Gomes. [Anais de teleconferência]. In: COUTINHO, Jacinto Nelson de Miranda (Org.). Canotilho e a Constituição dirigente. Rio de Janeiro: Renovar, 2003, p. 24-25. E cabe ponderar, ainda, que a Constituição contém espaços para a conformação do legislador. Em algumas matérias, o texto constitucional traz apenas grandes linhas, deixando propositalmente questões para serem debatidas e decididas posteriormente na esfera democrática. Além disso, a utilização de conceitos abertos permite a adaptação da Constituição às mudanças sociais. HESSE, Konrad. Escritos de Derecho Constitucional. Seleção, tradução e introdução: Pedro Cruz Villalon. Madrid: Centro de Estudos Constitucionales, 1992 [1966/1959/1974]. p. 18 No entanto, conforme Konrad Hesse, a Constituição “establece, con carácter vinculante, lo que no debe quedar abierto”, como os fundamentos da ordem jurídica, os princípios reitores, a estrutura estatal, as competências de seus órgãos e o procedimento para a tomada de decisões. Isso se considera decidido, fora do alcance do debate político. HESSE, Konrad. Escritos de Derecho Constitucional... p. 19. A partir desta concepção do termo “princípio” é possível se defender que todos os princípios constitucionais estão para além da possibilidade de sua alteração pelos poderes constituídos porque a “alteração destes princípios mutila a Constituição, destrói seu espírito”. SALGADO, Eneida Desiree. Princípios constitucionais eleitorais. Belo Horizonte: Fórum, 2010, p. 23. Em seu conjunto, tais princípios dão identidade à Constituição e alterá-los implica modificar a essência da Constituição. Afastando-os ou reduzindo-os, a Constituição passa a ser outra. Esse desenho do que a Constituição insere no debate democrático e o que ela estabiliza a partir da definição constituinte estabelece os contornos da questão entre o constitucionalismo e a democracia, embora não se preste a oferecer soluções a priori estabelecidas, notadamente dentro de uma sistemática teórica especial. Parecer ser mais adequado e pragmaticamente válido, recorrer-se, ecleticamente, aos autores que tratam do tema no Brasil de forma descompromissada e livre. A liberdade hermenêutica de pressupostos lógicos e fechados a respeito da ideia de princípio jurídico parece ser a melhor alternativa em termos de sua incrementação como categoria constitucional voltada aos anseios de justiça e democracia no ambiente não somente pós-positivista, mas fundamentalmente otimista em relação ao desenvolvimento nacional brasileiro (ainda que nem tanto otimista em se tratando das estruturas institucionais formais dos Poderes estabelecidos). 4. Referências bibliográficas ALEXY, Robert. Balancing, constitutional review, and representation. International Journal of Constitutional Law, New York, n. 3, p. 572-581, 2005. ALEXY, Robert. Teoría de los Derechos Fundamentales. Tradução: Ernesto Garzón Valdés. Madrid: Centro de Estudios Constitucionales, 1997 [1986]. ARAGÓN, Manuel. La eficacia jurídica del principio democrático. Revista Española de Derecho Constitucional. Madrid, a. 8, v. 24, p. 9-45, sep./dec. 1985. ATALIBA, Geraldo. 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