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Não, essa voz não é tua. Você não tem voz própria, tal como não é dela a luz da lua, no céu, esse quarto minguante incompetente que mal e porcamente alumia, essa tosca arandela de santo em quarto de bordel, coberta de cocô de mosca... Não abre a boca, não estufa o peito, não. Nada que você diga é teu. Nada é você. Você não é. Pu f ! A s s i m t e r m i n a o ú l t i m o d o s “ D e z s o n e t o i d e s m a n c o s ”, d e P a u l o H e n r i q u e s B r i t t o ,1 n o s q u a i s o p o e t a c o m p a r t i l h a c o m o le it o r , m a i s u m a v e z , a d e s i l u s ã o c o m o v e r s o . C o m u m a e n to n a ç ã o e n é rg ic a , n u m r itm o m a rc a d o p o r re p e tiç õ e s d e n e g a ç õ e s e n ­ f á t i c a s - “n ã o ”, “ n a d a ” e m u m a e s tr u tu r a c o n v e n c io n a l, a d o s o n e to , m a s s u b m e ­ tid a a tr a n s f o r m a ç õ e s - d o is te rc e to s , s e g u id o s d e d o is d ís tic o s e n u m a s o lu ç ã o d e c o n t e n ç ã o q u e r e s u l t a , p o r e s s a r a z ã o , e m d e z v e r s o s “m a n c o s ” o p o e ta p la s m a , e m im a g e n s p o é tic a s , c o n te ú d o s d is c u rs iv o s , d e n s o s e p r o f u n d o s . N ã o s e ria p o u c o o esp aço , d e n o ta n d o u m d e s e q u ilíb r io o r ig in á r io e irre v e rs ív e l? C o m o o p o e ta e q u a c io n a a re la ç ã o e n tr e u m m á x im o d e s e n tid o e u m m ín im o d e p a la v ra s ? D e u m la d o , a s r im a s ir r e g u la r e s f o r n e c e m a o s v e r s o s u m r itm o s e c o e c o n tu n d e n te . D e o u t r o , a f r o n t a n d o a e x p e r i ê n c i a d o le it o r , z o m b a n d o a o d e s m a s c a r a r a s i m a g e n s b a n a i s q u e a i n d a o s e d u z e m ( “a l u z d a l u a , n o c é u ” ), o v e r s o a g r i d e ( “e s s e q u a r t o m i n g u a n t e in c o m p e t e n t e q u e m a l e p o r c a m e n te a lu m ia ” ) e, s e m ju s tif ic a tiv a p l a u ­ s ív e l a o l e i t o r , n e g a - l h e q u a l q u e r i d e n t i d a d e , s u s t e n t a d o t ã o s o m e n t e p e l o e f e i to d e u m ú n i c o r e f e r e n t e m a t e r i a l : “e s s a t o s c a / a r a n d e l a d e s a n t o e m q u a r t o d e b o r d e l , / c o b e r ta d e c o c ô d e m o s c a .../” D e s s e m o d o , a b r e v e e x te n s ã o , fe ita n ã o d e e c o n o m ia e s ín te s e , m a s d e a m p u ta ç ã o , r e s u lta , e v id e n te m e n te , n o d e s e q u ilíb r io m a n c o . T al fa lta , c o n tu d o , n ã o é f a lh a , e s im o e le m e n to fo rm a l q u e e x a c e rb a o m o v im e n to d e m o lid o r r e p e tid o n o s o u tro s n o v e s o n e to id e s , e m q u e o p o e ta in s is te n o m e s m o p ro c e s s o d e d e s e n c a n ta m e n to . i B R I T T O , P a u l o H e n r i q u e s. M o c a u . S ã o P a u l o : C o m p a n h i a d a s Le t r a s, 2 0 0 3 , p . T e r e sa 66. revist a d e Lit er at u r a Brasileira [ 10 111]; São Paulo, p. 174- 191, 2010. - 177 A am biguidade instaura- se, de pronto, na p rim eira estrofe do sonetoide i, pois no ex ato instante em que o leit o r carente p rovavelm ent e com eça a fraq uejar e identificar- se com a fala do poeta - “ m elh or seria sim plesm ente ser, sem preocupar- se/ em ser o rig in al” - 2 e, sentindo- se acolhid o, em um a p át ria qualquer, tim id am ente pensa con cord ar e p ercorrer o m esm o cam inho, é arrancad o de seu sono poético p elo verso: “ n atu ralm en t e sei que isto é b an al”. Esse p roced im en t o cu lm in a no q uinto sonetoide com a já m anjada e desavergonhada ap rop riação do m ote baudelairian o da m odernidade: “ E assim tornam o- nos, senão irm ãos, leit o r hipócrita,/ ao m enos cúm plices, você e eu”. Tal recurso assinala que leit o r e autor, devidam ente id en tificad os pela e na linguagem , sabem desde o in ício em que t erreno estão p i­ sando: “ Sim , você é um/ dos nossos. Pode entrar. A gente não m orde”.3 Nada aqui aponta p ara o novo, nem para o novíssim o: o poeta não engana, ex ibe suas heranças e filiações, diz qual é o jogo, convida- nos a p art icip ar dele ressaltando, contudo, de antem ão, que não há vencedores, só perdedores. Desde L i t u r g i a d a m a t é r i a (1982), M í n i m a lír ic a (1989) e T r o v a r c la r o ( 1 9 9 7 ) , Pau lo Hen riq u es Br it t o constrói um projeto consistente que p rocu ra d ar form a a um a lír ica que não seja m era expressão do eu, “dessa coisa falsa que se disfarça, fin g ind o se ex pressar”,4 mas linguagem de atrito com um m und o que se apresenta com o corp óreo e m aterial. Para engendrar um a form a a p ar t ir da m atéria, o poeta, em sua trajetória, apropria- se, m uita vez, da form a canônica do soneto, traduzindo- a em variantes, com o “son et ilh o ”, “sonetoide” ou “soneteto”, que, p or terem sido in t en cio n alm en t e m acu la­ das, adquirem form as m ancas, trágicas, sentim entais ou grotescas. É possível ap ontar na fatura de Pau lo Hen riq u es Br it t o dois p roced im entos, em aparência antagônicos, m as convergentes, em p art icu lar nos seus “ Sonetoides m an ­ cos”, aqui enfatizados: de um lado, a progressão do soneto é colapsada p o r in t er ­ rupções e involuções, que im p licam a adoção de desenvolvim ento irreg u lar e, co n ­ sequentem ente, a ausência de coesão interna. De outro, o p oeta ex plora o efeito do contraste: no geral, os dois p rim eiros tercetos introd uzem reflex ões teóricas e interrogações em tom sério, de apelo filosófico - na verdade, enunciados filosóficos ligeiros, d igeríveis e sim p lórios que convid am o leit o r à com unhão e à intim id ad e: “ Tam bém não m e encontrei” ; “ Nad a não leva a nada” ; “será que é não querer o que se d eseja?” ; “ Tam bém já estive aí, no não lugar onde você se encontra” - contudo, Idem , p. 57. Ib id em . BRITTO, Paulo Hen r iq u es. Um p o u co d e St rauss. Tr o v ar clar o . São Paulo: Co m p an h ia d as Let ras, 20 0 6 , p. 85. 17 8 . SILVA, Ar len ice Alm eid a da. A lu c id e z t a r d ia : a p o e sia d e Pau lo H e n r iq u e s Br it t o o tom sério rep entinam ente é abandonado p or um tom m enor, sarcástico, às vezes nos versos f in ais do soneto, às vezes ain d a no p r im eiro terceto in icial. Reb aix a­ m ento que surge ora de um b rusco deslocam ento, gerando um efeito inesperado: “ Não. Só a geladeira tendo um ch iliq u e” ou “cob erta de cocô de m osca” ; ora de um a oscilação na p ró p ria linguagem , p or m eio de term os retirad os do uso co lo q u ial e que encenam um a aparência de in t im id ad e: “ Ué? Já v ai?” ; “ Bem que eu falei” ; “ Vai pra cam a” ; “ Que n inguém nos ouça” ;“ p u f ” ; “ Ep a” etc. Assim , o soneto se desvia necessariam ente do seu form ato t rad icion al, isto é, de um a estrutura que com eça com um a questão, p rog rid e nela, encam inhando- se para o re­ m ate, o “ fecho de ouro” no qual um a solução seria encontrada: um encantam ento que confirm asse a unid ad e plena e p erfeita da obra. M as o desvio é só p arcial, pois em Br it t o o soneto, a despeito de m anco, não fracassa; ao con trário, os contrastes e arrem ates desem bocam em soluções que, inesperadam ente, apontam para um a coesão que, no d egringolar do soneto, dá um a razão de ser a todas as suas partes. A rigor, e com o o p róp rio t ít u lo já enuncia, aqui p red om ina um a chave irôn ica, desm ist ificad o ra, certam ente f iliad a à trad ição m od erna, em especial à do satanism o b au d elairian o . Reen co n t ram os na p oesia aind a “ m od ern a” de Pau lo Hen riq u es Br it t o a ousada relação entre lirism o e iro n ia, que p erm it iu aos m odernos rad ica­ liz arem a chave rom ântica. Con tu d o, no m ovim en to in t ern o de desrealização da form a soneto, que in t ro d u z irreg u larid ad e e d issonância, dotando a form a fix a de prosaísm o, o recurso ir ô n ico nas m ãos do poeta aparece com o negação d et erm i­ nada, que pede no m ín im o um com entário. H á um a lucid ez im p udente em seus versos, um a n ít id a clareza de que se trata de arro m b ar um a p orta já escancarada. Os dez sonetos são m ancos não porque cox os e assim étricos, nem apenas porque an acrôn icos e passadistas, ou porque repisam a van id ad e dos sonhos e a q uim era dos gestos, e, conseq uentem ente da linguagem que pretende aind a anunciá- los, m as p o r in sist irem m ais um a vez no recurso cínico, em um a interp olação ao leitor já con hecid a, e, m esm o assim , reiterada: “ Naturalm ente, sei que isto é b anal [...] e a con sciência disso, então... Etcétera e t al” ; “ Você já viu esse film e” ; “ Se tudo correr bem , tam bém a tua derrota/ vai ser de bom tam anho. Pode contar com igo” ; “ Bem que eu f alei” ; “ Ep a. Resposta dada. Ué? Já v ai?” ; “ Pronto. O m om ento já passou./ Levan t a da cadeira. Vai pra cam a” ; “ Pu f ” O que p od e sig n if icar p ara a lír ica contem porânea tal recorrên cia? A rep rod ução de um m od elo bem - sucedido? Até que ponto a lír ica de Pau lo Hen riq u es Brit t o , ao retom ar a t rad ição da m od ernid ad e, pelo viés da iron ia, ex em p lifica as indagações poéticas contem porâneas? Em que term os podem os pensar sua h istoricid ad e? Sua T e r e sa revist a d e Lit er at u r a Brasileira [ 10 11 1]; São Paulo, p. 174- 191, 2 0 1 0 . - 179 poesia não cai na arm ad ilh a salvadora do “ m ú lt ip lo”, nem no m ote do decifram ento, no qual am bos, leit o r e poeta, em com unhão, com p art ilh ariam de um enigm a que, em cascata, sem pre ap on t aria p ara um a “ m u lt ip licid ad e de sig n ificações” Então, que efeito o poem a espera arran car do leit or? Ao resp ond er em tom de ad vertên cia: “ não, essa voz não é tua”, a lír ica dirige- se d iretam ente a um suposto leitor- autor, buscando desarm á- lo de p ronto; esse le i­ tor ex em plar que, no afã de in t im id ad e e com unhão, busca fazer do p oem a sua p róp ria voz; um leit o r que se crê “sensível”, pois está a ler e a fazer poem as, p ro cu ­ rand o inten cionalm en te fo rjar encantam ento a p ar t ir de um a sensibilidade que se crê p reservada e intacta; um a lír ica que continua zom bando do leit or que quer ser consolado e que acredita na poesia com o um a via de acesso a seu “ m ais ín t im o eu”. Os sonetoides e sonetetos, sejam “ m ancos”, “ trágicos” ou “grotescos”, de Pau lo Henriques Brit t o , devem m ais um a vez r ir deste leit or que é rom ântico, m as, sobretudo, que acredita aind a p od er p reservar um a in t eriorid ad e in cólu m e diante de um ex te­ r io r alienado. Seguram ente, nestes versos a defesa de um a in t erio rid ad e autônom a, afetiva e digna é colocada sob suspeita: N a d a d e m e rg u lh o s . É n a s u p e rfíc ie q u e o re a l, m in ú s c u lo p lâ n c to n , se tra i. S e n tid o s , s e n tim e n to s e o u tr o s m o lu s c o s n ã o p a s s a m p e la fin ís s im a p e n e ir a d o f u n c i o n a l . E o s o f r i m e n t o , a i, e sse n e f a n d o p in g u im d e lo u ç a s o b re o q u e d e v e r ia ser, n a q u itin e te d o e u , u m a a u s te r a g e la d e ir a ... Q u e n in g u é m n o s o u ç a: g u a rd a esse e sc a fa n d ro , m e u f i l h o . S ó o r a s o é c o o l. A d o r é k it s c h .s 5 Id em , p. 62 18 0 • SILVA, Ar len ice Alm eid a da. A lu cid e z t a r d ia : a p o e sia d e Pau lo H e n r i q u e s Br it t o Reencontram os aqui o m esm o m ovim ento. A oposição séria e elevada entre p ro fu n ­ didade e superfície que abre o v i sonetoide deságua no desfecho d ialético zom beteiro de quem conhece com o as hierarquias dispõem os afetos, os valores e as coisas: a dor insincera e fingida oscila entre o c o o l e o k i t s c h , par de term os oriund o do cenário cu l­ tural; “ juízos estéticos” subjetivos, desinteressados, inúteis, mas determ inados pelas v i ­ cissitudes das tensões sociais e pelas dem andas externas. Se para Theod or Adorno, na “ Palestra sobre lír ica e sociedade”, era o sofrim ento do poeta o elem ento objetivo que lhe perm itia, no lim ite, reagir p or m eio da linguagem diante da sociedade coisificada, aqui a crítica é da m esm a m atriz, m as ainda m ais profunda, pois nem o sofrim ento é poupado, desm ascarado na im agem do “pinguim de louça” com o ícone p o p : produto, bem cultural, na sociedade funcional, na qual não há espaço ex istencial para senti­ m entos pretensam ente autênticos. Se o real apenas “se t rai”, é porque não há tam pouco algum cam po epistem ológico transcendental ou com unicativo propenso à produção de sentido: “ não há nada aqui que se ex plique”, ninguém te im p lorando a presença, nenhum a m ensagem im prescindível: “eu não disse? Não tin h a ninguém / batendo à tua porta a essa hora/ da noite, com o era de se esperar.” 6 De m odo que, se estam os novam ente diante da crise do verso, é para reform ular os im passes da crise do sentido, no contem porâneo. Augusto Massi, na apresentação de T r o v a r c la r o , de 1997, encontra a f órm u la cert eira ao nom ear Pau lo Hen riq u es Brit t o um racionalista em desassossego. “ O poeta busca ideias de ordem diante do desconcerto do m undo, m as im pregnado p or certa sub jetivid ade franq ueia a ex pe­ riên cia intelectual aos m ovim entos da intim id ad e. O racionalista em desassossego quer enterrar os seus defuntos m ais fam iliares e desm ascarar o im postor no espelho da id entidade”.7 Do ponto de vista q u antitativo e p anorâm ico, isto é, do m ecanism o in st it u cio n al e m id iát ico, estam os diante do fenôm eno do contem porâneo: p ara o bem ou p ara o m al, Pau lo Hen riq u es Br it t o p art icip a da recente efervescência da poesia, com os índ ices de p rod ução que assinalam núm eros otim istas; escrevem - se e publicam - se cada d ia m ais versos. A p oesia t r ad icio n al em livr o e a d ivu lg ad a em b lo g s e s ite s têm crescido sig n ificativam ente no Brasil. Um encorajam ento, aliás, que não atinge apenas o fazer versos, pois o crescim ento se vê em outras form as de arte. Ela está 6 Id em , p. 64. 7 M ASSI, Au g u st o . Ap r esen t ação . In: Tr o v ar clar o . São Paulo: Co m p an h ia d as Let ras, 20 0 6 . T e r e sa revist a d e Lit er at u r a Brasileira [1 0 | 1 1 ]; São Paulo, p. 174- 191, 2010. - 18 1 presente em toda parte: quase tudo é artístico, nessa sociedade cu lt u ral con t em p o­ rânea. Museus, ex posições, publicações, feiras de arte são referências que apresen­ tam ao público um a varied ade de linguagens e produtos, sem deix arem de instruí- lo de que tais ativid ad es artísticas são um a p o rt a de entrad a p ara um a m ais eficaz integração na sociedade. Um cu lt u ral m ovid o p or um a p otência de assim ilação que in co rp o ra tudo passivam ente, ig norand o as h ierarq uias e as diferenças estéticas. Do ponto de vista da pesquisa form al, contudo, Paulo Henriques Brit t o é herdeiro assu­ m ido da tradição m oderna e de seu problem a central: a crise da poesia. De m odo que duas tem poralidades convivem em seus versos. De um lado, o m oderno e a sua crise se apresentam na redução da linguagem poética a seus elementos essenciais não discursi­ vos; quando a poesia se torna ex perim entação e poeticidade, nos term os hoje clássicos de Jakobson: “a palavra é ex perim entada com o palavra e não com o simples substituto do objeto nom eado, nem com o ex plosão de em oção”.8 De outro, a linguagem que dis­ solve o real, abrindo- se criticam ente para o ex perim ental, am plia cada vez m ais a dis­ tância e o estranham ento em relação ao tempo. Não é p or outra razão que p eriod ica­ mente ressurge a exigência da integração da poesia ao ciclo tecnológico e científico da cultura contem porânea, ou seja, volta o tem a do desajuste e a denúncia de que a poesia está atrasada em relação ao tempo e à m argem dos m eios vigentes de com unicação. Diante deste im passe, d efin id o r do cenário p oético b rasileiro contem porâneo, duas tendências con flitam , na avaliação de Alf red o Bo si, sem apresentar resultados sa­ tisfatórios: de um lado, p red om inam reproduções de m odelos lit erários, “o acervo fastidioso de neom aneirism os pós- m odernos” (pastiches à Osw ald de An d rad e, à Fernan d o Pessoa, à João Cab ral de M elo Net o ). De outro, d om in am tentativas de ajustam ento ao tem po, com um a produção nom eada de “cultura- para- m assas co m ­ putad orizad a”, pois “a com unicação estim ulad a e acelerada de m od o vert ig in o so p erm ite um descarte selvagem da trad ição culta, favorecend o p e r f o r m a n c e s co m ­ pulsivas no n ível do p uerilism o e do b rutalism o”. D aí seu nostálgico d iagnóstico: “é cada vez m ais árdua e rara a ex pressão lír ica pura, forte, resistente”.9 Para escapar dos lim ites e arm ad ilhas destas tendências, Pau lo Hen riq u es Br it t o enfrenta o problem a do m oderno na lír ica contem porânea, buscando soluções que contem plem os dois poios do im passe poético. Pois, de um lado, aind a reverbera, entre nós, o tem a da autonom ia da arte e a avaliação do crít ico e poeta M ár io Faustino, para quem a crise é p ositiva porque os poetas “têm o destino da poesia em suas 8 JAKOBSON, Ro m an. Qu' est -ce q u e la p o ésie? H 9 u it q u e s t io n s d e p o é t iq u e . Paris: Éd it io ns d u Seuil, 1977, p. 46 BOSI, Alf redo . Poesia e h ist o r icid ad e. O ser e o t em p o d a p o e sia . São Paulo: Co m p an h ia d as Let ras, 20 0 0 , p. 16-17. 18 2 • SILVA, Ar len ice Alm eid a da. A lu cid e z t a r d ia : a p o e sia d e Pau lo H e n r i q u e s Br it t o m ãos”.10 Bem com o, de outro lado, a avaliação h istórica de Alf red o Bo si, em 1970, em O se r e o te m p o d a p o e s ia : a p a r tir d e L e o p a rd i, d e H õ ld e r lin , d e P o e , d e B a u d e la ire , só se te m a g u ç a d o a c o n s c iê n c ia d a c o n t r a d i ç ã o . A p o e s i a h á m u i t o n ã o c o n s e g u e i n t e g r a r - s e , f e li z , n o s d i s c u r s o s c o r r e n t e s d a s o c ie d a d e . D a í v ê m a s s a íd a s d ifíc e is : o s ím b o lo f e c h a d o , o c a n to o p o s to d a lín g u a d a trib o , a n te s b r a d o o u s u s s u r r o q u e d is c u r s o p le n o , a p a la v ra -e s g a r, a a u to d e s a rtic u la ç ã o , o s i l ê n c i o . [...] E s s a s f o r m a s e s t r a n h a s p e l a s q u a i s o p o é t i c o s o b r e v i v e , e m u m m e i o h o s t i l o u s u r d o , n ã o c o n s titu e m o s e r d a p o e s ia , m a s a p e n a s o m o d o h is to r ic a m e n te p o s s ív e l d e e x i s t i r n o i n t e r i o r d o p r o c e s s o c a p i t a l i s t a .11 C u lm in a n d o c o m o d ia g n ó s tic o p ro v o c a d o r: A p o e s ia v is ta c o m o u m a té c n ic a a u tô n o m a d a lin g u a g e m , p o s ta à p a r te d a s o u tr a s té c n i­ c a s e b a s t a n d o - s e a s i m e s m a : e is u m a t e o r i a q u e e s t e n d e à p r á t i c a s i m b ó l i c a o p r i n c í p i o f u n d a m e n t a l d a d i v i s ã o d o t r a b a l h o e o e x a l t a e m n o m e d a m a i o r e f i c i ê n c i a d o p r o d u t o r .12 A poesia de Paulo Henriq ues Brit t o alm eja ser de “ longa duração”, inserindo- se, pois, nesta encruzilhada conceituai e tem poral, no coração do paradox o da lírica contem po­ rânea - pretensão que lança um desafio ao com entador. O problem a aqui circunscrito, portanto, pode ser enunciado com o o da relação entre o m oderno e o contem porâneo. Contudo, à crítica não cabe apenas constatar o inusitado, mas, com o sugeriu Adorno, tom ar o poem a com o um “ relógio solar histórico- filosófico”, percebendo o significado das badaladas.13 Evidentem ente, a relação não se esgota com o argum ento do in aca­ bado, no qual a m odernidade sobreviveria ainda p or ser um projeto não realizado ple­ nam ente. Tam pouco anuncia soluções conservadoras com o um retorno nostálgico às origens, ao pré- m oderno, em que a obra reencontraria, finalm ente, a coesão perdida. O poeta faz versos, pois, com o Schiller, considera- se filho de sua época, mas não seu discípulo ou favorito; p or teim osia, porque insiste em im p ed ir o esquecim ento, diante de um a subjetividade em crise e de um a linguagem que não pode dizer o objeto da ex periência. A form a nasce desse desejo, que é saber; partind o da constatação de que Cf . N U N E S , B e n e d i t o . I n t r o d u ç ã o . In : F A U S T I N O , M á r io . P o e s i a e e x p e r i ê n c i a . S ã o P a u l o : P e r sp e c t i v a , 19 77 , p . 6. B O SI , A l f r e d o , o p . cit ., p . 16 5 . I d e m , p . 17 0 . A D O R N O ,T h e o d o r . Pa le st r a so b r e lír ica e so cie d a d e . N o t a s d e l i t e r a t u r a I. Sã o Pa u lo : D u a s Cid a d e s, Ed it o r a 3 4 ,2 0 0 3 , p. T e r e sa revist a d e Lit er at u r a Brasileira [ 1 0 111 ] ; São Paulo, p. 174 - 191 , 2 0 1 0 . - 79- 183 não há com o voltar atrás e estabilizar o referente, dispondo- o de tal form a que apareça nele um sentido reconhecível e estável. A p rop ósito da corresp o n d ên cia entre os poetas Stefan George e Ho f m an n st h al, Ad o rn o, em 1940, situou de form a com plex a o caráter p recário da lír ica que se apre­ senta com o h eran ça do m od erno. Se o p oeta do m od ern o deu as costas a q u al­ quer in f lu ên cia hegeliana - “o esp írito que se ex põe de m odo esp irit u al p or m eio da representação”, nos term os de Hegel - seus herd eiros devem lid ar com o vazio deix ado pela ex plosão de todas as form as categoriais que eram capazes de fix ar o sujeito e o objeto. Ou seja, na m ed id a em que tudo se t orn a d izível, a crise da lír ica aponta para outro esvaziam ento, que é o do sentido; e p ara o m om ento de rup tura, de cisão: “a linguagem não m ais p erm it e d izer o que foi o objeto de ex p eriência. Ou ela é a linguagem reificad a e b anal das m ercadorias, que de antem ão falsifica o pensam ento; ou ela se autoinstitui, cerim oniosa m as sem cerim ô n ia, poderosa mas sem poder, apoiando- se no p róp rio punho.” 14 Um vazio que não é apenas ausência de um conteúdo d eterm inad o e, portanto, ab ertura ao in d et erm in ad o, m as signo de um “desm oronam ento” que, negativam ente, pode apontar p ara “aq uilo que a l i n ­ guagem não conseguiu d issolver” e que só pode ser percebido pela reflex ão teórica im anente, colocada em jogo pela e na poesia. O p rincíp io da arte m oderna para Ad orno é a negação das pretensões de um a unidade e plenitude de sentido na obra, mas, trata- se de um a recusa histórica: a negação do sentido herdado, da form a trad icional do sistema de sentido.15É claro que, em Adorno, na operação poética trata- se prim ord ialm ente de nom ear o incom ensurável, na m e­ dida em que, à poesia com o presença de algo não pensável, abre- se um cam po de ex ­ perim entação. Contudo, ao com entar a poesia de Hofm annsthal, diz Ad orn o que se o “poeta do m oderno deixa- se subm eter pelo poder das coisas com o o outsider ” : 16 [...] e s e e s f o r ç a f e b r i l m e n t e e m i n s t a u r a r a p r ó p r i a c o i s a [ ...] . O q u e s e d e s e j a é f a z e r e x ­ p lo d ir, c o m o m a te ria l d e s p r o v id o d e in te n ç ã o , a re a lid a d e p e tr if ic a d a p e lo s s ig n ific a d o s tr a d ic io n a is : r e f u g ia r - s e e m c o n te ú d o s in é d ito s , p a r a q u e e s te s n ã o s e ja m a b s o r v id o s p o r n e n h u m a c o m u n i c a ç ã o c o s t u m e i r a n o â m b i t o d o e x i s t e n t e .17 14 Idem . Geo r g e e Ho f m annst hal - co rr esp o nd ência: 189 1-19 06 . In: Pr ism as. São Paulo: Át ica, 1998, p. 200. 15 Cf. W ELLM ER, Alb r ech t . So b r e la d ia lé c t i c a d e m o d e r n i d a d y p o st m o d e r n id a d . M ad r i: A. M ach ad o Lib r o s S. A., 2004, p. 60. 16 ADORN O, Th eo d o r , op. cit ., p. 219. 17 Id em , ib id em , p. 216. 18 4 • SILVA, Ar len ice Alm eid a da. A lu cid e z t a r d ia : a p o e sia de Pau lo H e n r i q u e s Br it t o O p roced im en to é negativo: roubar- lhes a linguagem , negar- lhes a com unicação, eis a tarefa do p oeta herd eiro do m oderno. A p oesia de Pau lo Hen riq u es Br it t o não abre m ão de p ensar a ex istência sem p u ­ dor, com o base m at erial ou ossatura do m und o; a relação entre in t er io r e ex terior, tensa, assim étrica, assinala a p recaried ad e do p r im eiro term o e a h o st ilid ad e das coisas. M a c a u , t ít u lo do seu livro de poem as de 2003, não é a t erra desconhecida, da aventura e da ab ertura de um cam po in f in it o de p ossibilidades, m as, sim , em um a inversão p erversa, o “eu”, esse “ m in ú scu lo im p ério sem t er r it ó r io ” que não pode sair de d entro de si, de suas bordas, que “ jam ais se desprendeu / do cais ú m id o e ín f im o do eu”.18 N a 11 das “ Ep ifan ias t r iviais”, o poeta co n firm a o beco sem saída de um a in d ivid u alid ad e atritad a com o m und o das coisas: A s c o is a s q u e te c e r c a m , a té o n d e a lc a n ç a a tu a v is ta , tã o p a ss iv a s e m su a o p a c id a d e , q u e te im p e d e m d e e n x e r g a r o ( in e x is t e n t e ) h o r iz o n t e , q u e j u s t a m e n t e p o r n ã o s e r e m v iv a s se p r e s ta m p a ra t u d o , e n u n c a p e d e m n e m m e s m o u m a m ig a lh a d e a t e n ç ã o , e s sa s c o is a s q u e v o c ê u sa e e s q u e c e a s s im q u e la r g a n a p r im e ir a m e s a p o is b e m : e la s v ã o ficar. V o c ê , n ã o . T u d o o q u e p e n s a p a ssa . P e r m a n e c e A a lv e n a r ia d o m u n d o , o q u e p e sa . O m a is é e n c h im e n t o , e se c o n s o m e . A s ta is F o r m a s e t e r n a s, a s Id e ia s, e a m e n t e q u e as in v e n ta , a c a b a m e m p ó , e d e la s f ic a m , q u a n d o m u it o , o s n o m e s . 18 B R I T T O , P a u l o H e n r i q u e s. M a c a u , o p . cit ., p . 4 2. P o d e -s e p e r c e b e r t a m b é m n a p r o sa p e r so n a l í ssi m a d e P a u l o H e n r i q u e s B r it t o a f o r ç a e a h o st i l i d a d e d o s o b j e t o s p r e s s i o n a n d o e d e f i n i n d o o s l im i t e s d a i n t e r i o r i d a d e . P o r e x e m p l o , n o c o n t o " U m cr im in o so " , a t r a m a r e su l t a d a d e sc r i ç ã o d o s o b j e t o s q u e v ê m à t o n a d ia n t e d o o lh a r d o n a r r a d o r , c o n f i g u r a n d o e d e t e r m i n a n d o su a p e r c e p ç ã o d o m u n d o . Cf . Pa r a íso s a r t if iciais. S ã o P a u l o : C o m p a n h i a d a s Le t r a s, 2 0 0 4 . T e r e sa revist a d e Lit er at u r a Brasileira [1 0 | 1 1 ]; São Paulo, p. 174- 191, 2010. - 185 M u ita lo u ç a a in d a r e sta e m P o m p e ia , M a s lá b io s q u e a to c a r a m , n e m u m só. A s t e s t e m u n h a s c e g a s d a e x is t ê n c ia , S e m p r e a te o lh a r s e m q u e v o c ê se im p o r te , v ã o a ssistir s e m c o m p a ix ã o n e m â n sia , c o m a m a is a b so lu ta in d if e r e n ç a , q u a n d o c h e g a r a h o r a , a tu a m o r t e . ( N ã o q u e is s o t e n h a a m ín im a im p o r t â n c ia .) 19 As quatro sex tilhas do poem a acim a ex ibem um a cadência arrastada, a despeito das rim as alternadas e sim étricas, gerando um efeito de peso. Seu caráter descritivo, la­ m entoso, im pede a irru p ção in t u it iva de um a verdade, em form ato de celebração, daí resultarem em epifanias t riviais e não gloriosas. Trata- se da ex periência do olhar, entendida aqui com o aquilo que resulta da “atenção”, isto é, da ativid ad e da ob serva­ ção e do reconhecim ento operados pelo pensam ento, confrontada com a indiferença d aquilo que é fun cional e cego, que apenas pesa e perm anece, que apenas se “ usa e esquece”, isto é, a “alvenaria do m undo”. Se é verdade que o poeta eterniza nestes versos a falência do sujeito, naturalizando- a, atinge, ao m esm o tem po, o significad o m ais p rofund o da crise contem porânea, ao vê- la p or m eio da contrap osição entre aquilo que pensa e m orre e aquilo que pesa e perm anece. As p rim eiras estrofes con ­ firm am a t rivialid ad e das falências do sentido e da representação: a alvenaria pesa, pois é passiva em sua opacidade; porém perm anece, pois é cega e não se consom e. À m edida, contudo, que as estrofes finais se desdobram , o poem a ganha dram aticidade e desem boca, na últim a sex tilha, na inesperada inversão dialética: o olhar viro u alvenaria; as testem unhas da ex istência tornam - se cegas, passivas, indiferentes. Neste m inúsculo tratado sobre o olhar, Paulo Henriq ues Brit t o dissolve o m ito do olhar ilim itado, desm istificado em olhar curto: “até onde alcança a tua vista” ; um olhar guiado por “exigências cegas” que não remete, contudo, a um Tirésias contem porâneo dotado de um a clarivid ência enigm ática, mas à m ais absoluta indiferença - metástase inabordável. Aind a, se o poeta parece recair de form a idealista na terceira sex tilha ao abrigo das ideias platônicas, e ao tem a central do “Crátilo” - a discussão sobre o cará­ ter convencional ou não do signo linguístico - é tão só para condenar, na sequência, a ilusão de qualquer visão filosófica, em particular, a tese segundo a qual “quem co- 19 I d e m , i b i d e m , p . 7 0 -7 1. 18 6 • SILVA, Ar len ice Alm eid a da. A lu cid e z t a r d ia : a p o e sia de Pau lo H e n r iq u e s Br it t o nhece o nom e conhece tam bém a coisa” ; para sugerir de m odo ainda m ais corrosivo a n ulid ad e de um saber poético decorrente de signos arb itrários, pois se é verdade que as “coisas se prestam para tudo”, diz o poeta, “as tais Form as eternas, as Ideias,/ e a m ente que as inventa, acabam em pó”. Se os nom es ficam , o que im p orta é o que se perde, os lábios, isto é, a ex periência da m orte; a m orte vivid a com o pura indiferença, com o aq uilo que se consom e sem deix ar rastros. O m esm o pode ser visto no poem a intitulad o “ De Vu lg ari Eloq uentia”, no qual o poeta diante do d if ícil acesso à realidade (“coisa delicada, de se pegar com a ponta dos dedos” ) volta ao tem a daquilo que pesa e, por segundos, finge acreditar no poder autônom o das palavras: “são as palavras que suportam o m undo,/ não os om bros”, mas encerra o poem a em tom irônico: “portanto, meus am igos, eu insisto: falem sem parar. Mesm o sem assunto”.20 Os versos do poeta p artem da crise da sub jetivid ad e, m as a ela não se acom odam . Con st at ar que o sujeito se con st it u i pela linguagem e na linguagem , ou que ele é o resultad o de m ú lt ip las p ráticas d iscu rsivas, descentrado, con stituin te, que n unca ex istiu o tal sujeito coeso, centrado, autônom o, que certa f ilo so f ia in sistia em p r o ­ palar, não resulta em p o st u lar necessariam ente um a reco n ciliação que se dê no m últip lo, nem na energia lib erad a na m ob iliz ação de diversas figuras de subjetivação. D it o de outro m odo, a instab ilid ad e e a p recariedad e do sujeito não são em si a “chave de ouro” da p oesia de Brit t o . A ir o n ia do poeta não é am ena, seus versos ferem , pois aind a visam a arran car o leit o r da sua passividade: “ Porém há quem se preste a esse papel esdrúx ulo,/ com o há quem não se vex e de ler e d ecif rar/ essas palavras bestas estrebuchando inúteis,/ cágados com as quatro patas virad as pro ar” Ao ex por o m o d u s o p e r a n d i do autor- leitor, os versos não estão apenas m ais um a vez rep ensand o o fazer p oético, a in su f iciên cia da linguagem , ou o lim it e da r e­ presentação, m as consid erand o o efeito, esperando p or um a voz “do outro lado da lin h a form ig and o de estática,/ dizendo algo m ais que testando, testando, um dois três,/ câm bio?.” 21 O algo a m ais não p erm ite dizer o que foi o objeto da ex periência, irrem ed iavelm ente p erd id a no esquecim ento, m as, com o dizia Valéry: o poem a não é apenas linguagem dentro da linguagem , m as linguagem que internam ente produz “efetivas e eficazes variações da língua, ou seja, quer viver aind a em um a vid a t o t al­ m ente diferente. Ela ad q u iriu valo r; e adquiriu- o em d etrim en to de seu significad o f in it o , crio u a necessidade de ser ou vid a aind a”.22 Id em , ib id e m , p. 18. I d e m , i b i d e m , p . 19 . VALÉRY, Paul. Po esia e p en sam en t o ab st rat o . V ar ie d a d es. São Paulo: Ilu m in u r as, 19 91, p. 208. T e r e sa revist a d e Lit er at u r a Brasileira [ 10| 11 ]; São Paulo, p. 174 - 1 91,2010.- 18 7 A alt ern ân cia entre o estilo elevad o e o rebaix ado, a u tiliz ação de form as e m ét r i­ cas trad icio n ais com binadas com a in form alid ad e coloq uial, resulta não só de um a “estreita relação com a lín g u a inglesa e do corp o a corp o com poetas da sua eleição com o Wallace Stevens, Eiz ab et h Bish o p e Jam es M er r il”, com o defende Augusto M assi,23 m as tam bém da necessidade que sente o poeta na contem p oraneid ad e de en cu rt ar a d ist ância estética entre autor e leit o r com as arm as da t rad ição m oderna, isto é, com os m eios lógicos de um a ín f im a conex ão tem poral. Para não cair na b a­ nalid ad e do nada, e rascu n har os lim ites da ex periência, o poeta p rocu ra não fazer t a b u l a r a s a do passado. No poem a de ab ertura do livr o T a r d e , de 2007, in t it u lad o “ o p . c it ., p p . 164- 65”, ao zom bar da im p ost ura e in u t ilid ad e da t eoria diante do p od er dos versos, o poeta ex ibe um a clareza surpreendente sobre sua p ró p ria poesia. À lír ica co n t em p o râ­ nea resta pôr- se a cam inho, a p ar t ir do paradox o da m od ern id ad e - que já estava presente em Fern an d o Pessoa ou seja, da tensão entre a “ necessidade de ex p ri­ m ir- se um a sub jetivid ade num a p ersonalíssim a voz lír ica” e a “con sciência crít ica” de um sujeito que sabe ser tal tarefa im possível, e que assim , lú cid o, “se in ven t a e evade”, “desconstrói seu art if ício ”, ex pondo o que em si é falso ou p uro fingim ento. O m od erno perpetua- se no contem porâneo p or m eio do m al- estar p rovocad o pela in evit ab ilid ad e de um a “p ostura cín ica”.24 O cín ico aqui, contudo, não é descaso, m as ir o n ia no sentido p oético m oderno: pressentim ento de sentido recolh id o num instante com o “vertig inosa lucid ez ” 25 A herança do m od ern o à qual o poeta aind a se agarra é a da lu cid ez irô n ica: o m od ern o pensado com o vertig em da razão, com o t u rb ilh ão , vo racid ad e e am b i­ guidade: tudo é possível, m as nada é certo, tudo se confund e; a form a m od ern a que não é só a busca pelo novo, m as seu corolário, o recon h ecim en to da lucid ez possível vislu m b rad a no instante de con cen tração e irru p ção de um resíd uo de verd ad e, p or um a su b jetivid ad e que foi aos seus lim ites; a vert ig em que, diante da “vio lên cia dos fatos” e do t erro r do m und o m oderno, reage con fig u ran d o um a p alavra- m urm úrio, um b alb ucio que interrom p e o silêncio p rovocad o pelo excesso de transform ações. A referência ex p lícit a a este conceito de m od ern o encontra- se, curiosam ente, no jovem Luk ács, no ensaio in t it u lad o “ O instante e as form as”, parte da coletânea A a l m a e a s f o r m a s (1910) - tex to sem inal sobre a m od ernid ad e, M A SSI , A u g u st o , o p . cit . BRITTO, Paulo Hen r iq u es. Tar d e. São Paulo: Co m p an h ia d as Let ras, 2007, p. 9. I d e m , i b i d e m , p . 8 7. 18 8 • SILVA, Ar len ice Alm eid a da. A lu cid e z t a r d ia : a p o e sia de Pau lo H e n r iq u e s Br it t o m atriz do p ensam ento ad o rn ian o .26 Nesse artigo, de 1908, Luk ács in t ro d u z o co n ­ ceito de vertig em para pensar a relação p rob lem ática entre as form as p oéticas e a m od ern id ad e: “ Toda ob ra lit er ár ia cond uz aos grandes instantes, nos quais p ers­ p ectivas são vislu m b rad as d iante das p rofund as som bras de um abism o, ao qual devem os descer lentam ente. E o desejo de ser p recip itad o é o conteúdo escondido de nossa vid a; nossa con sciência p rocu ra evitá- lo o m aio r tem po possível, m as ele está continuam ente aos nossos pés, sob a form a de vertigens viven ciad as no topo de um a m ontanha, pelo fato de que perspectivas foram abertas ao acaso, de m odo inesperado”.27 Para o jovem Luk ács, a m etáfora da atração pelo abism o (A b g r u n d )28 alude à p ercep ção do m od ern o com o t u rb ilh ão : toda form a busca salvar o eu do en torp ecim en to d iante do d ilem a, colocad o pelo tem po, entre arreb atam ento ou resignação, retardando, assim , o m ovim en to da queda diante do p recip ício. De um lado, as form as resistem ao em udecim ento ao fig u rar o instante em que a vid a em sua m u lt ip licid ad e se p recip it a no nada e no vazio; de outro, elas enfrentam a re­ n ú n cia, superando a carên cia de linguagem frente à p róp ria ex p eriência e à reali­ dade, com um a ou tra linguagem na qual o inefável se t orn a d iz ível e aq u ilo que estava encerrad o na ex p eriência in d ivid u al, acessível e transm issível. Se não é m ais possível a constituição de um a u nid ad e sig n ificat iva entre alm a e natureza, sim b ó­ lica e substancial, resta o d iscernim ento de que a lír ica não é neutra nem pode m ais ig n orar o m und o opaco e alheio ao sentido, inapreensível e im penetrável. A retom ada da reflex ão sobre os gêneros, e nesse artigo em p art icu lar sobre o l í­ rico, ensejou a via para o jovem Luk ács enunciar o “problem a espiritual (s e e lis c h ) do hom em m od erno”. Os sinais dos novos tem pos, contudo, não são encontrados em form as nom eadas “ intelectualm ente m odernas”, mas em outra form a, paralela, dupla­ m ente ex perim ental e clássica, designada “a nova poesia da p alavra” ( W o r t d i c h t u n g ) ou “ lirism o das relações hum anas”. Este novo lirism o apontava para o contex to do 26 A f o r m ação f ilo só f ica d e A d o r n o foi f o r t em en t e m ar cad a p elo p en sam en t o d o jo v e m Lukács, esp ecialm en t e p o r o b r as co m o A a lm a e a s fo r m a s e T e o r ia d o r o m a n c e . Co m as o b r as da m at u r id ad e, d e u -se o o p o st o : um a o p o sição ve em e n t e d e Ad o r n o co nt r a 0 f iló so f o h ú n g ar o q u e havia, no s seus t er m o s, f o r jad o u m a " reco nci­ liação ext orquida" . Cf .TERTU LIAN , N ico las. A d o r n o -Lu k ács: p o lêm icas e m al-en t en d id o s. In: M arg em Es q u e r d a , São Paulo: Bo it em p o , n. 9, p. 6 1-8 1, ju n h o d e 2007. 27 L U K Á C S , G e o r g . L i n st a n t e t le s f o r m e s. E a m e e t l e s f o r m e s . Pa r is: G a l l im a r d , 19 7 4 , p . 18 7 . 28 O t e m a d o A b i s m o r e ssu r g ir á a p a r t ir d o s a n o s 19 30 em um n o v o c o n t e x t o , n a e st é t i c a a g o r a c l a r a m e n t e m a r x i st a d e L u k á c s. Ele a p a r e c e d e f o r m a c r í t i c a c o m o e i n G r a n d H o t e l A b g r u n d , ist o é , c o m o d e n ú n c i a d a ir r e le v â n cia e im p o t ê n c ia da p e r c e p ç ã o d o f i ló so f o , c o n f o r t a v e l m e n t e i n st a l a d o e m um "Grande H otel A b ism o " , d o m u n d o c o n t e m p o r â n e o c o m o p u r a n e g a t i v i d a d e . T e r e sa revist a d e Lit er at u r a Brasileira [ 1 0 111 ]; São Paulo, p. 174- 191, 2010. - 18 9 d eclín io da t rad ição do canto p op u lar e o da ascensão do lirism o m usical de f o r ­ m ato inglês, quadro o qual, de certa form a, o m aduro Goethe já antecipara e de que Stefan George, o d iscíp u lo alem ão de M allarm é, seria o p r in cip al nom e, além de Hofm ann sth al e Beer- Hofm ann. Para Luk ács, em George a “ técn ica dos grandes instantes” é o que p o ssib ilit a ao poeta “o lh ar a vid a nos olhos”, apenas p ara constatar que os “ hom ens estão sós na natureza, em um a solid ão m o rt al e sem rem éd io” 29 Ho fm an n st h al sim p lif ica suas figuras, reduzindo suas qualidades ao estritam ente necessário. Em Beer- Hofm an n , a concentração é o que p erm ite um “ face a face trágico” que abre um acesso ao in s­ tante com o potência soberana e sim bólica. O p rim ad o do instante não significa que a consciência lib ert ad a do peso do tem po e da presença dos acontecim entos ex ter­ nos pode agora se m ovim en tar livrem ente em direção ao passado ou ao futuro, m as que, tragicam ente, restou ao sujeito m od erno apenas o instante com o o m om ento de lucid ez m áx im a no qual ele co n fro n t a sua im p ot ên cia diante do m und o reificado. O instante é concentração só ao preço de um esvaziam ento do seu conteúdo ex terno: “ lam pejos repentinos de sentido”.30 O conceito de autonom ia da obra de arte ganha, assim , nos ensaios de A a l m a e a s f o r m a s um a trad ução desencantada. O que sig n ifica que o jovem Luk ács, f o rt e­ m ente hegeliano, leva realm ente a sério a id eia de que um a sub jetivid ade não pode saltar, p or seus próp rios m eios, p or cim a de seu tem po. E o tem po é o da d issonân­ cia, da nostalgia, da im p ossib ilid ad e da essência, en fim , da busca in feliz e irôn ica, ou seja, de um a “época não art íst ica”. Se, em Hegel, Sch iller m arcava o m om ento m ais “agudo” da lír ica, pois “ele não canta silenciosam ente em si m esm o”,31 p ara o jovem Luk ács, a solidão de Stefan George resulta de um q uadro de abandono e 29 L U K Á C S , G e o r g . La n o u v e l l e so l i t u d e e t so n ly r ism e . L' am e et les f o r m es, o p . cit ., p . 14 5 . 30 Ap esar d e não se referir às o b ras de Lukács, Erich Auer b ach em vários m o m en t o s se ap r o x im a da ref lexão d o f iló ­ sofo húngar o. O co nceit o d e" m o d er n o " ap r een d id o nos r o m an ces de Vir ginia W o o lf e d e M arcel Proust assinala ig u alm en t e um a no va co n cep ção d o t em p o . 0 escrit o r m o d er n o ab an d o n o u -se ao acaso e às co n t in g ên cias, não b u scan d o m ais co m p o r e o r d en ar 0 t em p o p len am en t e; ao co nt rário, f az d o inst ant e, d e um f r ag m en t o esco lh id o ao acaso, o elem en t o q u e libera e d esen cad eia " processos da consciência" , r ealid ad es m ais p ro f undas; cam ad as d e co n sciên cia q u e r em et em a um t em p o m ult if acet ado . M as, d if erent em ent e d e Lukács, o m o d er n o para Auer b ach não t em um a d im en são t rágica, pois result a da " conf iança d e q u e em q u alq u er f r ag m en t o esco ­ lhid o ao acaso, em q u alq u er inst ant e, no cur so d e um a vida, est á co nt id a e p o d e ser r ep resent ada a sub st ância t o d a d o dest ino." Cf . AUERBACH, Erich. M im ese. São Paulo: Perspect iva, 1974, p. 480-498. 31 HEGEL, G. W. F. Cu r so s d e Est ét ica. São Paulo: Ed usp, 2004, p. 189, v. IV. 19 0 • SILVA, Ar len ice Alm eid a da. A lu cid e z t a r d ia : a p o e sia de Pau lo H e n r iq u e s Br it t o d eclín io - “ n in g u ém tem necessidade de l i e d s ” 32 Se não é o fim da poesia, com o q u eria Hegel, é sinal, sim , de um a “ m utação na arte”, nos term os de Gérar d Leb r u n 33, que lhe fran q u eia um m erg u lho na in t erio rid ad e sem precedentes, um devotam ento a seus “cursos in teriores”, àq uilo que na sua ex p eriência é o m ais pessoal. Mas, negativam ente, tal m ergulho “ não anun cia nada de verd ad eiram ente decisivo sobre seu verd ad eiro ser”, diz Luk ács. Em George, tal lirism o que se atém ao que é m ais pessoal adota um tom de despistam ento de forte in sp iração em M allarm é, com o se procurasse d issim u lar os elem entos confessionais, evitand o, assim , q u al­ quer id en t ificação e recon h ecim en to p or parte do leitor. Luk ács d em onstra que o proced im ento, se não resulta, com o em M allarm é, no an iq u ilam ento da realidade, decorre de um afastam ento de toda a realid ad e em p írica, portanto, de um lirism o que negativam ente e in t en cio n alm en t e se afasta de q ualq uer com unhão com o lei­ tor. Lirism o “sim b ólico” “ u n iversal”, m as, p rin cip alm ente, “ p ud ico” e “enig m ático”. Proced im ento que coloca o poeta cada vez m ais solit ário e afastado da vid a. Os versos p ud icos e rad icais de Pau lo Hen riq u es Br it t o e sua propensão, ao m esm o tem po, h ist ó rica e u n iversal p erm item situá- los nesses im passes da lír ica m oderna, tal com o vivid o s na contem p oraneid ad e. Em A r t p o é t i q u e , p or ex em plo, o poeta encara sua arte com o um a “p o rrad a de problem as - in so lú veis” Pois, m esm o sa­ b endo de antem ão que não há in t erlocu t ores e que toda com u nicação está in t er ­ rom p id a - que ela é “ um escrever que é verb o intransitivo/ que se conjuga num a só pessoa”, “se nem m esm o soa,/ com o h averia de querer dizer/ algum a coisa que va­ lesse o vão/ e d uro esforço de fazer sen t id o ?” - , o poeta escreve, nem que seja para co n f r o n t ar os lim it es da m áx im a k an t ian a da co m u n icab ilid ad e u n iversal: “ Po r outro lado, a coisa dá prazer./ D á um a form id ável sensação/ (m esm o que falsa) de estar sendo o u vid o ”.34 O sentido de T a r d e , t ít u lo da recente obra de Pau lo Hen riq u es Brit t o, rem ete ao cre­ p uscular: d iscernim ento provocado pelo instante em que ao m esm o tem po as coisas ganham um a visib ilid ad e pungente e com eçam a perder nitidez; mas aponta tam bém p ara a sensação p aradox al de se ter chegado tarde dem ais: “ Todas as sílabas im ag i­ náveis soaram ./ Nad a ficou p or cantar,/ nem m esm o o não- ter- mais- o- que- cantar,/ 32 LUKÁCS, Geo r g , o p . cit ., p. 136. 33 LEBRUN, Gérar d . A m u t ação da o b r a d e art e. A f ilo so f ia e su a h ist ó r ia. São Paulo: Co sac Naif y, 2006. 34 BRITTO, Pau lo Hen r iq u es. Tar d e, o p . cit ., p. 54- T e r e sa revist a d e Lit er at u r a Brasileira [10| 11 ]; São Paulo, p. 174- 191, 2010. - 19 1 o não- poder- cantar, já tão cantado/ que estiolou no in f in it o banal/ de espelhos frente a frente a refletir- se”.35 Tal sensação refere- se a um a relação com um presente in ap reen sível, fug id io, vivid o p elo poeta com o aq u ilo que escapa; que n u n ca se pode ter ou pegar. Se o passado é o que foi d estruído e irrem ed iavelm ente p erd id o enquanto ex periência, e o presente é o que foge veloz, incom p reensível, com o im a­ g in ar “ um a form a de vid a que se an u n cia,/ aind a hesitante. M as insistente/ ”,36 senão com o puro fin g im en t o ? Com o evit ar a constatação de que só resta “estar o tem po todo atento/ à aprox im ação do desastre” ? E resignar- se a “ n unca não ser ninguém nem nada,/ porém deix ar- se estar no tem po/ com o se aind a fosse água” ?37 Bu scan d o os lim ites da lucidez, a operação p oética de Pau lo Hen riq u es Br it t o in ­ siste em “ p erseguir o agora” designando o prazer pelo negativo, com o consciência do fingim ento; evitand o perder- se em águas turvas, os versos aludem à lucidez m á­ x im a possível, diante da “opacidade das coisas”. M o vim en t o no qual o m od erno se enrosca em form as do passado que, m utiladas, despojadas, quase nuas, ressurgem com a tarefa sem pre in f in it a do recom eço, de fazer r eviver de algum m od o um sujeito da representação- no- m undo, m esm o sabendo tratar- se de um em p reen d i­ m ento in ú t il. Sua grande força é a honestidade: f o rjar form as im ersas na vid a, nas quais os abism os e fissuras do tem po são docem ente in corp orad o s ao verso. A lei­ tura de seus versos não prom ete esperança, m as apenas a possibilidade do rascunho, do recom eço, de “ reinventar a m anhã”. Eis o “ácido saber de nossos dias”. A b r u t ali­ dade deste saber, sem esperança algum a, sem utopia, deve causar estranham ento e incôm od o, não naturalidad e ou resignação. Edgar A llan Poe, nas considerações sobre o efeito da poesia, em “ Filo so f ia da co m ­ p osição”, in au g u rava a m od ern id ad e, em 1845, ex pondo seu processo p rod u t ivo, m as aind a sustentando de form a id ealista a “ intensa e p ura elevação de alm a que se ex p erim enta em consequência da contem plação do belo”. Em op osição às p re­ tensões sérias dessa “ Filo so f ia”, Pau lo Hen riq u es Br it t o iron iz a contrap ond o, com recursos m ín im os, um a “ Fisio lo g ia da com p osição”. D a f ilo so f ia p ara a fisiolog ia, da representação para o funcionam ento, da p rofund id ad e p ara o raso: o poeta p er­ corre um in t er valo que não é puro vazio, m as t er rit ó r io p reen chid o p or um p r i n c i p i u m s t i l i s a t i o n i s , form a- fragm ento de ex p eriência p erdida; vestígios de um a h is­ t ó ria da sub jetivid ad e da qual o poeta tenta p recariam ente salvar alguns resíduos. 35 Id em , ib id em , p. 84. 36 Id em , ib id em , p. 55. 37 Id em , 19 2 • M a c a u , p. 25. SILVA, Ar len ice Alm eid a da. A lu cid e z t a r d ia : a p o e sia d e Pau lo H e n r iq u e s Br it t o Sua “ fisiolog ia” não é pastiche ou p aród ia, m as fiap o de nex o histórico, vertig em de sentido, lucid ez , m elan colia; d ialeticam en te, “ p alavras t ard ias” que d iante de um agora im ob iliz ad o chegam “ m ais tarde aind a” : A o p a c id a d e d a s c o is a s e o s o lh o s s e r e m s ó d o is . A c o m p u ls ã o s e m c u lp a d e d a r s e n t id o a tu d o . O in c ô m o d o p e j o d e ser s ó d e s e jo . P o r f im , o a c a s o . S e m o q u a l, n a d a .38 Arlenice Almeida da Silva é p r o f esso r a d e Est é t ica na U n iv e r sid ad e Fed er al d e São Pau lo . É au t o r a d e A s Gu e r r a s d a In d e p e n d ê n c i a ( Á t ica, 19 9 5) . 38 Idem, p. 13 . T e r e sa revist a d e Lit er at u r a Brasileira [ 10 111]; São Paulo, p. 174- 191, 2 0 1 0 . -19 3