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A imagem na era de sua reprodutibilidade eletrônica

2000

1 RUY SARDINHA LOPES A IMAGEM NA ERA DE SUA REPRODUTIBILIDADE ELETRÔNICA UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO 1995 2 RUY SARDINHA LOPES A IMAGEM NA ERA DE SUA REPRODUTIBILIDADE ELETRÔNICA Dissertação apresentada ao de mestrado Departamento de Filosofia da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Universidade orientação de da São Profª Beatriz Fiori Arantes. São Paulo 1995 Humanas Paulo Drª da sob Otília 3 Esta dissertação foi defendida em 02/10/1995 Perante à seguinte banca examinadora: Profª Drª Otília B. Fiori Arantes (Orientadora) Profª Drª Iná Camargo Costa Prof. Dr. Celso Favaretto 4 Aos meus pais e à Vera Lúcia, minha esposa e presença fundamental na elaboração deste trabalho. 5 AGRADECIMENTOS À Otília Beatriz F. Arantes, por sua orientação e amizade. À Cecília N. Morelli de Camargo À Maria Luiza Medeiros Pereira Aos funcionários da Secretaria do Dept°de Filosofia-USP À Coordenação de Aperfeiçoamento do Pessoal de Nível Superior 6 SUMÁRIO Introdução.................................................1 CAPÍTULO 1 A IMAGERIE CONTEMPORÂNEA.................................09 1.1.As imagens e o desenvolvimento das forças produtivas.09 1.2.A cultura e o Capitalismo contemporâneo............. 19 1.2.1.O "alto modernismo" e o Capitalismo do pós-guerra..25 1.2.2.A cultura "hedonista" dos anos 60..................30 1.2.3.A "reestruturação" contemporânea do Capitalismo....41 CAPÍTULO 2 AS IMAGENS ELETRÔNICAS E A CULTURA TÁTIL.................49 2.1.Imagens sem aura.....................................55 2.2.A perda da aura e a arte autônoma....................62 2.3.A cultura tátil..................................... 72 2.4.A cultura tátil e as imagens eletrônicas.............75 CAPÍTULO 3 A IMAGEM E SUA REPRODUTIBILIDADE ELETRÔNICA..............83 3.1.Imagens sem perspectiva..............................86 3.2.As imagens dissonantes da videoarte..................99 3.3.O ocaso da câmera...................................110 3.4.A simulação as imagens..............................122 3.5.A interatividade e a performatividade dos sistemas..131 3.6.Experiências ucrônicas..............................142 CONCLUSÃO...............................................155 BIBLIOGRAFIA............................................171 7 " A natureza e a técnica, o primitivismo e o conforto se unificam completamente, e aos olhos das pessoas, fatigadas com as complicações infinitas da vida diária e que vêem o objetivo da vida apenas como o mais remoto ponto de fuga numa interminável perspectiva de meios, surge uma existência que se basta a si mesma, em cada episódio, do modo mais simples e mais cômodo, e na qual um automóvel não pesa mais que um chapéu de palha, e uma fruta na árvore se arredonda como a gôndola de um balão". Walter Benjamin 8 INTRODUÇÃO A pletora marcantes crítica da da de imagens cultura cultura, constitui contemporânea. poderíamos um A afirmar dos se traços dar que a mais ouvidos à percepção contemporânea tem nas imagens seu elemento fundante. No entanto, é preciso que se diga, não se trata de qualquer imagem1. Se a discussão de seu estatuto percorre toda a história da Filosofia, encontrando espaço também no interior do pensamento científico - desde a neurolinguística até a imagens psicanálise -, técnicas, isto trata-se, é, agora, imagens da hegemonia enunciadas por das algum dispositivo técnico, em nossa cultura. Se a eleição deste termo traz mais confusão que esclarecimentos- prestando-se mais para distinguir as imagens mentais das demais imagens produzidas pelo homem, as quais pressupõem, evidentemente, a 1- Este termo engloba, na verdade, um domínio vasto e diversificado da atividade humana. Refere-se tanto às imagens "internas", dirigidas unicamente ao intelecto, quanto a um certo estímulo que, vindo do mundo exterior, dirige-se aos nossos órgãos do sentido e é interpretado por alguma instância interna. Neste trabalho trataremos somente de uma variedade de imagens, as imagens que possuem forma visível e são enunciadas através de alguma mediação instrumental. 9 mediação de algum aparato técnico-, ele se presta para 10 evidenciar o papel assumido pela técnica em nossa sociedade e marcar, desta forma, um percurso a seguir. Se as técnicas sempre tiveram um papel fundamental no processo civilizatório é inegável o incremento obtido após a Revolução Industrial e, contemporaneamente, após a Terceira Revolução Tecnológica2. No campo das artes isto se traduz pela importância assumida pelas artes mecânicas no século XIX e pelas artes eletrônicas no século XX. Neste sentido, a associação do termo técnico à imagem indicará um percurso mais restrito, a saber, o que vai da fotografia às imagens sintéticas, marcado pela intervenção cada vez mais "estrutural" da técnica a ponto de afetar a própria natureza da imagem. De nossa reproduzida parte, preferimos eletronicamente, adotar ou o termo simplesmente imagem imagem eletrônica3, para marcar sua vinculação com a atual mutação 2 - Embora seja evidente a relação entre a atividade técnica e a visão simbólica, das relações homem/mundo, é certo que ela não se constituiu num discurso autônomo até recentemente. Sua autonomia, assim como o de outras esferas, faz parte da sociedade capitalista desenvolvida. O que marca nossa contemporaneidade é a expansão desse discurso traduzido inclusive pela mudança vocabular de técnica para "tecnologia" - e sua função de agregador social. 3 - Embora com este recorte definimos um campo alheio às imagens fotográficas e cinematográficas, é importante destacar os cruzamentos, os intercâmbios das imagens cada vez mais frequentes em nossa cultura. Além do meio eletrônico servir de "suporte" para a exibição de imagens cinematográficas e fotográficas (ainda que isto implique na mudança da própria "natureza" destas imagens), é cada vez 11 caracterizada pela conjugação das mídias audiovisuais, da informática e seus efeitos4. As novas tecnologias de produção, captação e transmissão da imagem são uma realidade incontestável e a multiplicidade dos sistemas maquínicos que nos envolve afeta todas as formas de produção de enunciados, imagens, pensamentos e afetos. Em virtude da simultaneidade e instantaneidade das imagens, as apreensões espaço-temporais são igualmente transformadas. Vivemos uma fase de compressão do espaçotempo com consequências desorientadoras e disruptivas sobre a vida social e cultural (Harvey,1992:257). A discussão sobre o estatuto das imagens e sobre as consequências da crescente ingerência das novas tecnologias sobre a sociedade ganha relevância no processo cultural5. "Apocalípticos e integrados" expõem seus argumentos ora afirmando tratar-se de um novo regime de visibilidade, de uma transformação decisiva na história da representação, de um novo imaginário - agora numérico - marcado pela mais frequente o "tratamento" eletrônico e digital das outras imagens técnicas. 4 - Em termos de uma análise mais ampla da cultura termos como renascença eletrônica, revolução das comunicações, civilização dos simulacros, idade neo-barroco etc. foram cunhados para tentar abarcar conceitualmente tal mutação. 5Embora a discussão sobre as relações arte/técnica e técnica/sociedade seja antiga e recorrente na história, com o peso crescente das novas tecnologias ela readquire importância, dando-se sob novos pressupostos. 12 reconciliação dos campos do inteligível e do sensível6; ora vendo o ataque determinismo às ligação estruturas social, sociais, tecnológico da mais e o resistentes promovendo linguagem como a do promotor do que fragmentação próprio de um resta da das corpo classes individual, remontando às idéias de Heidegger para quem a tecnociência é sinônimo do esquecimento do ser7. Tratar tecnologias desprovido desta da de forma imagem sentido. a é, discussão acerca evidentemente, Como bem observa um das novas reducionismo Arlindo Machado (1993:11), uniformizar a pluralidade existente neste campo pode resultar, conformistas, tecnológica por onde é o um a lado, melhor mutismo, a legitimadora ou, por outro lado, a generalização necessariamente das uma máquinas em posturas resposta recusa à de fatalistas e produtividade qualquer ação na ilusão da crença em que enunciadoras democratização cultural ou representa um ganho criativo, não dando-se conta que: "O trabalho artístico depende muito pouco dos valores produção e progride na direção contrária a tecnocracia; ele precisa de um certo coeficiente desordem, de um certo espaço de imprevisibilidade, sem da da de os 6- Ver a esse respeito Rene Payant, 1986; Alain Renaud e Anne Sauvageot, 1987; Philipe Queau, 1986, 1993; Edmond Couchot,1993. 7- Ver a esse respeito Lefebvre, 1967; Marc Guilhaume, 1989; Virilio, 1980, 1993, 1994; Baudrillard, 1981. 13 quais degenera na (Machado, 1993:27). Se a sistemas atribuição imagéticos, metáfora de uma da utilidade potência desvinculados programada" diabólica de qualquer a estes prática social mais ampla, nos parece descabida, a desvinculação desta pragmática de qualquer passado histórico é ilusória. Neste sentido, a idéia de um corte epistemológico entre as novas imagens e a produção imagética que as antecedeu especialmente a pintura, a fotografia e o cinema - deve ser vista com cuidado e será abordada posteriormente(Cap. 3). Deixemos claro, desde já, que os elementos freqüentemente apontados como marcas de ruptura destas imagens, isto é, a auto-referencialidade, a matematização, a construção de sistemas de visibilidade independentes da chamada realidade, a "artificialidade" "naturalidade" da da imagem imagem digital analógica são em oposição muito mais à a potencialização de questões já presentes na história da arte do que a constituição de um novo sistema representativo. A potencialidade aberta por estes novos processos de enunciação da imagem deve, portanto, ser pensada a partir de uma perspectiva mais longa. A ênfase na determinação técnica de tais imagens- um dos traços ideológicos de nossa época oculta o fato de que não se pode considerar o desenvolvimento técnico como uma variável independente do desenvolvimento da sociedade como um todo (Burguer, 1987:78). Caso contrário não encontraríamos explicação para 14 a observação dos mesmos princípios operatórios em manifestações artísticas onde as inovações técnicas não são tão presentes como nas imagens eletrônicas - a literatura, por exemplo. Tal fato implica em tomarmos as imagens eletrônicas como inseridas na lógica cultural do Capitalismo contemporâneo, de vê-las como algo determinado intra-esteticamente e como transpassadas por forças de produção extra-estética. Com isso, não se tratará de apontar uma sobredeterminação econômica dos fenômenos estéticos, mas de se questionar, na esteira de Walter Benjamin, como é que a obra de arte, e neste caso as imagens eletrônicas, se colocam dentro das relações de produção do seu tempo. De vermos o que as configurações sociais contemporâneas e o advento das novas tecnologias fazem com a arte, que possibilidades e perigos são colocados para os realizadores artísticos. Nestes termos, o desalastramento dos conteúdos rígidos, a flutuação impressão de dos valores, a uma realidade auto-referencialidade, espetacularizada etc. a serão tomados muito mais como características da "reestruturação" contemporânea do Capitalismo do que pertencentes ao domínio exclusivo das imagens eletrônicas. Reestruturação esta que encontra na presença avassaladora das novas tecnologias sua principal protagonista. Assim, ao analisarmos as características das imagens eletrônicas e sua inserção nesta 15 lógica cultural, pretendemos tomá-las como um modo de acesso privilegiado de nossa prática cultural atual. Tal empreitada reveste-se de dificuldades devido à própria natureza do objeto em questão. Seu aspecto múltiplo, efêmero e polissêmico se furta ao tempo requerido por uma análise mais sistemática. A sucessão instantânea das imagens contrapõe-se à estabilidade dos conceitos. A própria posição central destas manifestações artísticas e sua vinculação estreita com o desenvolvimento tecnológico fazem com que a cada nova "descoberta" um campo de possibilidades seja aberto sem que as potencialidades anteriores tenham sido esgotadas da 8. Toda análise teórica neste campo corre o risco obsolescência, de se ver atropelada pelos desenvolvimentos últimos do seu objeto de estudo. Nosso caminhar por este espaço instável terá como guia um conceito que permite sondar, a um só tempo, a vinculação das imagens eletrônicas com a cultura capitalista bem como avaliar o destino das artes nesta sociedade. Tal conceito é o de tatilidade(cf. Benjamin e Baudrillard )9. 8- Com isto, boa parte da literatura disponível acaba por permanecer no nível descritivo de tais procedimentos. 9 - Este é o argumento básico de Otília Arantes na interpretação que faz da arquitetura contemporânea e suas relações com a cultura de massa em "Arquitetura Simulada"(1993) ao mostrar a preeminência do tátil mesmo no plano ótico, anulando a oposição tradicional entre o ótico e o tátil, o distante e o próximo. Proximidade tátil que ela designará de "obscena", utilizando o conceito na acepção baudrillardiana, de obliteração da cena. 16 Se, na tradição benjaminiana, tal conceito vinculava-se às inovações trazidas pelo surgimento das artes mecânicas (notadamente potencial a fotografia emancipatório e (sem o cinema) esconder, e comportava entretanto, um os perigos de uma utilização regressiva), na era das artes eletrônicas tal possibilidade parece esgotada. Longe de oferecer-nos os elementos necessários para uma politização das artes, a tatilidade de nossa cultura serve de incremento à estetização do social. Estetização esta que, ao contrário das intenções vanguardistas, não instaura uma nova práxis no mundo dos negócios, mas des-realiza a própria realidade, torna-a um produto estético passível de consumo ligeiro. Isto não implica na condenação total da arte contemporânea (ou, no nosso caso, das imagens eletrônicas). Implica sim no afastamento do deslumbramento acrítico e na melhor visualização das forças que perpassam sua pragmática, contribuindo, desta forma, para usos desviantes e para a recuperação do potencial crítico que, a nosso ver, a arte deve preservar. 17 CAPÍTULO 1 A IMAGERIE CONTEMPORÂNEA 1.1. AS IMAGENS E O DESENVOLVIMENTO DAS FORÇAS PRODUTIVAS Partindo do pressuposto, generalizado na crítica da cultura atual, de que estamos sob o império da imagem- uma imagem específica, eletrônica, que se sobrepõe às demais e que, cada vez mais, o acesso à complexidade do mundo se faz pela intermediação dos aparatos tecnológicos, a postura diante destes novos Sobrevalorizando-se feitos o tem caráter sido de de ruptura amor ou ódio. destas novas tecnologias, enfatiza-se ora seu aspecto democratizante colocando-as a serviço de uma nova iluminação das massas -, ora seu aspecto reificante - contribuindo para a espetacularização da chamada realidade e dos laços sócioculturais estabelecidos. Ao atribuir-lhes um caráter de ruptura, frequentemente imputam-lhes a responsabilidade daquilo que são o sintoma. A ponderação do deslumbre ou do solipsismo causado por estas tecnologias se dá, portanto, por sua inserção numa prática cultural mais ampla: tanto referentes ao desenvolvimento dos modelos representacionais postos em circulação a partir do 18 Renascimento quanto das transformações da sociedade capitalista. Jean Baudrillard foi um dos primeiros teóricos que buscou entender a imagerie contemporânea como transcendente ao campo da produção imagética, relacionando-a ao desenvolvimento das forças produtivas. Em sua teoria dos simulacros (1985) aponta para o paralelismo existente entre a ordem histórica dos simulacros, as fases do desenvolvimento das imagens e as mutações da lei do valor. Partindo da concepção de valor de Saussure que distinguia duas dimensões - a funcional e a estrutural10 - , Baudrillard descreve o processo de crescente perda de diferenciação entre o signo e a realidade; processo este que vai da utopia do princípio de equivalência - onde o signo designava alguma coisa - à indeterminação total, à morte de toda referência, como a sucessão de três ordens de 10 - Para Saussure, o valor de um termo dentro de um sistema linguístico provém da relatividade de todos os termos entre si, por oposição a relação de cada termo com aquilo que ele designa. Ao primeiro aspecto corresponde a dimensão estrutural da linguagem; ao segundo, a dimensão funcional. A primeira parte refere-se à relatividade interna ao sistema, feita de oposições distintivas; a segunda, à relação de cada significante com seu significado. Baudrillard, por sua vez, vê um paralelismo desta disjunção com a teoria do valor em Marx. O primeiro aspecto, a dimensão estrutural, Baudrillard remete à "intercambialidade de todas as mercadorias entre si sob a lei da equivalência". O segundo, à relação entre o valor de uso/ valor de troca, onde o primeiro é visto como finalidade do segundo. 19 simulacros - a saber, o simulacro naturalista, o simulacro produtivista e o simulacro de simulação11. Trata-se, segundo Baudrillard, de um processo posto em movimento pela própria lógica do Capital, uma lógica que dispensa o recurso a instâncias determinantes e que é responsável pelas mutações da lei do valor da Renascença até nossos dias. Este processo é, para Baudrillard, acompanhado pelas fases de desenvolvimento da imagem em nossa cultura. Vai-se de um momento onde a imagem se dá como reflexo de uma realidade profunda, ao momento onde esta não se refere a qualquer realidade, passando por duas etapas intermediárias - onde ela mascara e desvirtua uma realidade profunda e onde ela mascara a ausência de realidade profunda ( 1981:17). As imagens eletrônicas inserem-se neste último momento, na última etapa do "declínio da referência", etapa esta - Partindo de uma distinção entre signos que remetem a uma teoria da verdade e do segredo e signos que dissimulam uma ausência, Baudrillard vê, neste segundo tipo de signos, os simulacros, a construção de três ordens: 1ª - os simulacros naturalistas, correspondentes ao período que vai do Renascimento à Revolução Industrial, construídos a partir da lei natural do valor. 11 2ª - Os simulacros produtivistas, correspondentes à industrial, e que possuem a lei mercantil do valor princípio determinante. era por 3ª - Os simulacros de simulação, correspondentes à era pósindsutrial, e construídos à luz da lei estrutural do valor. (Cf. Baudrillard, 1976:75-128). 20 marcada pela hegemonia dos significantes sobre os significados, pela intercambialidade de discursos diversos no interior de uma mesma obra e pela auto-referencialidade das imagens. As imagens eletrônicas têm, desta forma, o mérito de tornar manifesta a conjugação de forças diversas postas em movimento pela sociedade contemporânea. Este paralelismo entre a ordem das imagens e as mutações da lei do valor faz com que Baudrillard estenda para todo o tecido social as características operatórias nas imagens eletrônicas, não tardando em ver na "auto-referencialidade" das imagens um princípio de elisão da própria realidade: uma vez que a realidade é mediatizada pelos mídia, não dá mais para verificá-la, desaparecem todos os instrumentos de sua inteligibilidade. Trata-se de um novo espaço repressivo, de um invólucro que encontrando sua totalização , além de pôr fim à toda uma maneira de se perceber e entender as relações sociais12, pouco espaço destina para a ação individual ou coletiva, nos aprisionando e nos deixando sem saída (1981). - " Fim do trabalho. Fim da produção. Fim da economia política. Fim da dialética significante/significado que permitia a acumulação do saber e do sentido, o sintagma linear do discurso cumulativo. Fim simultâneo da dialética valor de troca/valor de uso, que tornava possível a acumulação e a produção social. Fim da dimensão linear do discurso. Fim da dimensão linear da mercadoria. Fim da era clássica do signo. Fim da era da produção. 12 21 Embora Baudrillard nos dê inúmeras pistas para se pensar a relação entre as imagens contemporânea, limita-se à sua eletrônicas e descrição, não a cultura explicando como tais relações são estabelecidas. Com isso, como nota Sfez(1994), a utilização circularidade, tautologia etc., artísticos quanto de conceitos como auto-referencialidade, aplicáveis às práticas tanto os de interconexões, aos sociais, procedimentos sem as devidas conexões e mediações, beira o espaço fictício, sendo mais aplicável àquilo que Sfez chama de tecnologias do espírito13 que ao tecido social como um todo. Não é a revolução que pôs fim a tudo isso. É o próprio capital. É ele quem abole a determinação social pelo modo de produção. É ele quem substitui a forma mercadoria pela forma estrutural do valor. É ele quem comanda toda estratégia atual do sistema"(Baudrillard,1976:20). - Tomando a diferença estabelecida po Pierre Francastel entre episteme e forma simbólica, Lucien Sfez concebe a comunicação como um continuum que vai do núcleo epistêmico, marcado pela grande diversidade dos saberes comuns à ciência da comuicação, à forma simbólica, isto é, ao tratamento que tais conceitos recebem e que, passando para a vida cotidiana, pouco a pouco contituem a tela através da qual construímos o mundo. O núcleo epistêmico é composto tanto das máquinas - de traduzir, de falar, de saber, de simular, de produzir comunicação e retrasmiti-la e dos conhecimentos requisitados para seu funcionamento, quanto das tecnologias do espírito, isto é, dos procedimentos de emprego da comunicação pela tecnologia. Estes dois elementos, imperativo tecnológico e tecnologias do espírito, acabam por produzir uma forma simbólica que os ultrapassa e confere-lhes um segundo vigor. A transformação destes elementos em forma simbólica- na tela através da qual nossas relações individuais e sociais e 13 22 Fredric mostrar a Jameson é vinculação outro entre teórico o que se preocupa desenvolvimento das em forças produtivas e da produção cultural contemporânea. Partindo do princípio conhecer que o nossa próprio sociedade passado, perdeu tendo a capacidade começado a viver de num presente perpétuo, sem profundidade, sem definição e sem identidade segura, Jameson tratará, em seu ensaio The Cultural Logic of Late Capitalism, de estabelecer, a partir da concepção lacaniana da esquizofrenia como uma ruptura na cadeia significativa de sentido, uma relação entre a desordem linguística e a compressão temporal característica de nossa cultura. Se a identidade é obtida por meio da unificação do passado e do futuro diante do meu presente e se a cadeia significativa segue, na frase, a mesma trajetória; a desordem lingüística representa a incapacidade de concatenar passado, presente e futuro tanto na frase quanto na vida psíquica14. Estamos diante do reino dos significantes puros ou da personalidade esquizofrênica. Em lugar das idéias fundadoras, a rotação dos significantes; em lugar da razão nossas relações com o mundo são construídas-, uma vez interiorizada, aparecerá como a única forma de apreensão da realidade. Segundo Sfez, Baudrillard, ao não diferenciar o núcleo epistêmico da forma simbólica, torna-se prisioneiro daquilo que descreve (ver Sfez, 1994:9-16). 14 - Voltaremos a isto no capítulo 3. 23 abstrata, a pragmaticidade dos resultados; em lugar da visão do social como uma totalidade, a descontinuidade sem centro. Tais características, que Jameson vê operarem na cultura a partir do início dos anos sessenta, serão responsáveis pela predominância modernista", capitalismo de agora uma tomada tardio". nova como Embora "a Jameson sensibilidade "pós- lógica cultural persiga esta do lógica através de manifestações da literatura, da música, do cinema e arquitetura atuais, não tardará a tomar o vídeo "como modo de acesso privilegiado a esse tipo de descrição de nosso sistema cultural em geral"(1985:105). Neste sentido, a imposição, pelo vídeo experimental, do "tempo da máquina" ao qual o espectador deve se adaptar: a justaposição de materiais "naturais" e "artificiais", a incapacidade de se estabelecer um conhecimento optimal da obra, o desaparecimento do conteúdo e o enfraquecimento dos signos, faz com que Jameson veja aí o trabalho da própria tecnologia reprodutora que, num processo mais universal de reificação e fragmentação, de acordo com a própria lógica do capital, faz com que se deslize de uma concepção da referência como designação de um objeto "real" externo à unidade do Significante e do Significado para uma posição em que o próprio Significante separa-se do Significado. 24 Este movimento de esfacelamento do signo, sintomático no vídeo experimental, capitalista tardia será e tomado como observável exemplar nas da lógica realidades muito diversas da história recente, servindo de base para que Jameson, em outro texto: "Periodizing the 60's"(1985a) analise o período tido como essencial à constituição desta nova forma cultural. Tais formulações não estão isentas de problemas e Mike Davis (Kaplan, 1993) mostrou o quanto é frágil o agrupamento de realidades diversas em totalizações homogêneas, bem como a impropriedade de se aplicar o conceito mandeliano de capitalismo tardio, presente em Late Capitalism, ao momento cultural atual caracterizado como pós-moderno15. Entretanto, não há como deixar de reconhecer a tese de que as técnicas não são somente meios de transformar o mundo, elas são meios de perceber, isto é, definem um olhar e um modo de apreensão diferentes, estruturam uma visão de mundo; estando submetidas, portanto, a normas que não são somente técnicas, mas ideológicas. - Enquanto Mandel fala do Capitalismo Tardio como sucessor dos estágios monopolista e imperialista do capital, vendo sua origem no pós-guerra [ momento em que se inicia a "longa onda expansionista" do Capital e que tem seu término, segundo Mandel, na crise de 1974/75], Jameson aponta os anos 60 como fundamentais à nova ordem cultural. 15 25 Assim, somos levados a crer que as características atribuídas às imagens eletrônicas refletem uma mudança da "estrutura de sentimento"(Raymond Willians) de nossa sociedade como um todo. Neste sentido, Baudrillard e Jameson têm razão em apontar imagens eletrônicas as características observáveis nas não apenas como um modo de produção imagética, mas, sobretudo , um novo modo de situar-se e perceber o mundo. Entretanto, para evitarmos os sobrevôos apontados, seria necessário empreender uma análise histórica que apreenda a realidade como um conjunto de linhas de forças Seria contraditórias necessário permite e como e com verificar o funciona e, desenvolvimentos que o discurso sobretudo, desiguais. pós-moderno verificar seus próprios limites - o que não é o objetivo deste trabalho. Gostaríamos, entretanto, de dizer que, embora possuindo um papel decisivo neste processo, as transformações apontadas não se explicam somente pelo advento dos novos mídia, e da imagem eletrônica em particular. O novo estatuto das imagens é antes o sintoma e o termo lógico de um processo histórico mais amplo, observável em maior ou menor escala nos diversos domínios da sociedade. No sentido de visualizarmos as forças intra e extra-estéticas que perpassam a imagem eletrônica, trataremos de ver a percepção contemporânea, bem como a chamada "Pós-modernidade", 26 marcadas pela articulação de diversas forças caracterizada pelo: a) desenvolvimento do sistema capitalista no pós-guerra que, ao se tornar hegemônico, incorpora as culturas précapitalistas, contribuindo assim para o esgotamento do potencial crítico das experiências modernistas, a partir de então codificadas num "alto modernismo" totalmente incorporado. b) emergência conjunção com alternativas ao falibilidade do as da "Sociedade desesperanças sistema modelo de em instituído Consumo" relação e às que, em práticas apontando para a fordista/keynesiano em resolver a crise do capital, origina uma crença nas relações imediatas, desembocando numa cultura "personalizada"e no hedonismo dos anos 60. c) processo de "reestruturação" capitalista que, oriundo da crise dos modelos anteriores, se instala a partir de 1973, tenta restabelecer a ordem econômica sobre a ênfase da lógica da especulação, sobre a presença marcante de um capital transnacional e sobre uma mobilidade e realocação cada vez maiores do capital, gerando um aspecto "imaterial" na forças produtivas e dando, desta forma, o "tom" cultural do período. 27 1.2. A CULTURA E O CAPITALISMO CONTEMPORÂNEO Que atravessamos um período de intensa reestruturação social parece difícil de negar. O momento contemporâneo, marcado pela recente tentativa de se buscar um arranjo espaço-temporal voltado para a sobrevivência do capitalismo, é tido como conseqüência de uma série de crises inter- relacionadas - cujo ponto crítico foi a crise mundial de 1973/75 pondo fim à "longa onda expansionista" do capitalismo do pós-guerra - e originou uma infinidade de contextos Ordem interpretativos:"Sociedade Econômica Internacional, Pós-industrial, Era do Capital Nova Global, Sociedade baseada na Informação e sistemas industriais PósFordistas". Embora nem todos concordem com a explicação de Ernest Mandel, sobre a origem de tal processo, todos concordam com a importância produtividade e da tecnologia dos internacionalização lucros, do na na capital diferenciação análise e da do processo aceleração de da de sua mobilidade, nas funções expandidas do Estado nacional, na crise dos sistemas previdenciários keynesianos e dos programas de estabilização econômica daí decorrentes. Em que se pese as diferenças na periodização, na terminologia e nas implicações políticas deste novo "arranjo" do capital, quando se trata de estabelecer relações entre as formas 28 culturais, nas quais as imagens eletrônicas estão inseridas, e as fases esquema de desenvolvimento madeliano mostra-se das mais forças produtivas, profícuo, desde o que enriquecido pela contribuição das teorias divergentes. Partindo do princípio de que o Capitalismo é orientado para a busca de "superlucros", Mandel, em seu livro O Capitalismo Tardio (1982), vê a história da economia dos últimos anos como uma articulação das relações de produção capitalistas, semi e pré-capitalistas. estendendo-se a novos domínios O Capitalismo suplanta, pela produção de mercadorias capitalistas, os ramos sobre os quais ainda não tenha supremacia, expansão esta determinada, em última análise, por uma diferença no nível de lucro. As diferentes etapas que a história da economia capitalista passou desde a revolução industrial - Capitalismo de Livre Concorrência, Imperialismo e Capitalismo Tardio - representariam, desta forma, tanto o processo de penetração cada vez mais profunda das relações capitalistas, quanto o desenvolvimento de sua busca por superlucros. Essa busca de superlucros gira em torno de três fontes fundamentais16 e embora todas existam desde as origens do - A expansão da massa de capital, a redução do preço de custo das mercadorias através do uso de maquinaria aperfeiçoada e de uma composição orgânica de capital mais elevada ( Mandel, 1985:52). 16 29 capitalismo, cada uma alcança uma proeminência particular em diferentes períodos históricos. Na era do Capitalismo de Livre Concorrência, os superlucros tiveram origem na justaposição regional da indústria, concentrada em apenas alguns complexos territoriais dos países capitalistas, e das regiões agrícolas que serviam para fornecer matériasprimas e alimentos, mercados para os bens de consumo industriais e reservatórios de mão-de-obra barata. Na era do Imperialismo, a principal fonte de superlucros foi a internacionalização do capital que, organizando a economia internacional através de transações financeiras, monetárias e justaposição de investimentos, internacional de assentou-se um centro sobre a dominante- industrial-imperialista e uma periferia mundial dependenteagrícola-subdesenvolvida. A etapa denominada Capitalismo Tardio, relacionada às transformações tecnológicas, sociais e econômicas ocorridas a partir dos anos 40 deste século, representa o momento de maior abrangência da economia capitalista, onde todos os setores da economia se encontram plenamente industrializados, e seu aparecimento marcou uma mudança na fonte dos superlucros. Agora, as rendas tecnológicas, isto é, os lucros provenientes de progressos da produtividade baseados nos avanços tecnológicos e na organização sistemas produtivos, se tornaram predominantes. dos 30 Importa reter, num primeiro momento, do esquema mandeliano que cada nova reestruturação capitalista emerge da crise de seu antecessor, caracterizada pelo declínio da massa de lucros coordenando a e da taxa de recuperação lucros. da O novo depressão período, anterior e reorganizando a acumulação capitalista sobre novos eixos, será a base para um novo surto expansivo até mergulhar em sua própria fase de crise. O período do Capitalismo Tardio inaugura a "onda longa expansiva" que vai dos anos 40 ao fim dos anos 60 e, se nos períodos anteriores ainda observávamos a presença de setores pré ou semi-capitalistas na economia, agora podemos falar de uma economia totalmente capitalista, sujeita portanto, com muito mais vigor, às crises inerentes de seu próprio desenvolvimento. Observa-se também, como uma tentativa de se garantir a expansão capitalista correspondente ao keynesiana demanda, da baseada enorme num aumento do consumo da welfare produção, state e a de massa a gestão regulação estatal das relações entre capital e trabalho, investindo o Estado de uma responsabilidade ativa no controle da conjuntura econômica. Tal gerência dos fundos públicos na acumulação de capital inclui desde os recursos para a ciência e tecnologia, os diversos subsídios para a produção, passando pelos juros subsidiados para setores de ponta, como 31 pela sustentação do mercado financeiro através de bancos e fundos. O desenvolvimento da cultura e das artes do século XIX até aproximadamente os anos 40 deste século pode ser descrito pela articulação de duas linhas divergentes: uma advinda de uma sociedade pré-capitalista, de tom aristocrático, que, aliada a uma presença ainda incipiente das tecnologias industriais, servia de base a uma cultura de resistência à penetração do Capitalismo como princípio organizador da cultura; e outra, mais afirmativa do impacto do Capitalismo Industrial. Neste sentido, pode-se entender a Moda e a Arquitetura do século XIX, por exemplo, não como aberrações historicistas, mas como a persistência dos valores de uma classe que, embora superada economicamente, ainda dava o tom cultural do período17. O esteticismo da segunda metade do século XIX, com a autonomia da arte e sua separação da - Neste sentido, podemos entender o excesso de ornamentação na moda feminina e no ecletismo arquitetô0nico, como a tentativa da burguesia dar a si mesma um ambiente "nobre"e digno de sua supremacia econômica. Trata-se, portanto, da apropriação de valores culturais estabelecidos e hegemônicos até então. Com isso, assim como em relação ao colecionismo da época, pretendia-se contrapor-se ao caráter de mercadoria das coisas e deter a desintegraçãao da cultura provenientes de sua mercadificação. A arte moderna, e a Arquitetura Moderna em especial, vêm debilitar esta tendência, devassando o interior burguês e impondo a racionalidade instrumental capitalista como mais apropriada à época. 17 32 práxis vital, representa, igualmente, uma tentativa de se contrapor à racionalidade dos fins da sociedade burguesa18. - A perda da importância da temática em favor de uma concentração sobre o próprio meio, isto é, a perda da função social como essência da arte realizada pelo esteticismo pode ser entendida como uma tentativa dos artistas, ao se manterem afastados, realizarem uma crítica à cotidianidade burguesa. Este processo deve ser entendido de forma dialética, pois representa igualmente a adoção da tendência da sociedade burguesa para a progressiva divisão do trabalho, constituindo então esferas autônomas. 18 33 1.2.1. O "ALTO MODERNISMO" E O CAPITALISMO DO PÓSGUERRA A vitalidade das experiências estéticas do Modernismo, sobretudo das vanguardas artísticas, deve-se, como mostra Perry Anderson (1986), à intersecção de três temporalidades históricas diferentes: um passado clássico, semi- aristocrático, que institucionalizado nos regimes oficiais de Estado, dava o tom cultural de uma época onde a indústria pesada moderna ainda constituía um setor surpreendentemente pequeno; um presente técnico ainda indeterminável, marcado pela novidade ainda insipiente da segunda revolução industrial e um futuro político ainda imprevisível, marcado pela proximidade imaginativa da revolução social. Destarte, foram as presenças de uma ordem dominante semi-aristocrática , fornecendo um conjunto crítico de valores culturais contra os quais e em termo dos quais as formas insurgentes podiam medir-se e devastações capitalista utilizáveis do enquanto mercado pólo capitalista; semi-industrializada, de de servindo resistência uma de às economia estímulo à imaginação mas extrapolável das relações sociais de produção que os estavam criando; e um movimento operário semi- emergente, responsável pela rejeição da ordem social como um todo, que Perry Anderson vê operarem na cultura até a Segunda Guerra Mundial, as responsáveis pelo florescimento 34 do Modernismo europeu do final do século XIX até os anos 40 deste século. O surgimento do Capitalismo Tardio, aqui identificado com o período do pós-Segunda Grande Guerra, marcará a retirada de cena destes campos de resistência, acabando, como aponta Mandel, com a velha ordem semi-aristocrática ou agrária e impondo a ordem capitalista a todos os domínios. A efetivação do processo de crescimento do Capitalismo implicou num processo de racionalização da produção em larga escala e na organização de um mercado massivo que encontra no FORDISMO sua melhor expressão. Embora surgido nos Estados Unidos nos anos 20, a plena vigência dos princípios organizacionais do Fordismo e do Taylorismo tem uma longa e complicada história e só será efetivada a seguir à Segunda Guerra - as imediatamente condições históricas anterior e concretas posterior à do período Segunda Guerra, destruindo, por exemplo, uma série de conquistas históricas e sociais dos operários, propiciaram o boom econômico do pós-guerra originando um acréscimo na produtividade. A administração racionalizada da linha produtiva, fruto do impacto informática, das novas traduzida tecnologias numa como a eletrônica e a automação e semi-automação, ocasionou, desta forma, uma forte pressão no sentido da planificação exata e em detalhe de todas as esferas. Os altos custos envolvidos tanto em desenvolvimento quanto na 35 produção requisitaram, para seu êxito, tanto uma racionalização do setor de vendas, isto é, a constituição de uma "Sociedade de Consumo" e a incorporação capitalista de setores até então mantidos à margem, como o comércio, os transportes e os serviços, quanto a redefinição do papel do Estado, dos ciclos econômicos através de políticas fiscais e monetárias19. De qualquer maneira, o Fordismo é muito mais um esforço para a criação de um novo modo de vida que um mero sistema de produção racionalizado. Como afirma David Harvey, baseando-se nos Cadernos de Cárcere de Gramsci: "O que havia de especial em Ford (e que, em última análise, distingue o fordismo do taylorismo) era a sua visão, seu reconhecimento explícito de que produção de massa significava consumo de massa, um novo sistema de reprodução da força de trabalho, uma nova psicologia, em suma, um novo tipo de sociedade democrática, racionalizada, modernista e populista" (1992:121). Em termos culturais, vitalidade do modernismo, cultura da ênfase e sentido, literatura isto através em seu podemos entender etc. "alto do implicou a da viés a interrupção da mercadificação da funcionalista. arte, modernismo" a Neste arquitetura, a vinculadas ao como establishment. Evidentemente, o modernismo não foi um fenômeno monolítico, nem seu problema restringe-se à possibilidade de 19 - As políticas keynesianas. 36 sua integração mudada a a uma ideologia configuração conservadora; histórica responsável entretanto, pela utopia revolucionária do primeiro modernismo, o que restou foi a impressão de uma arte domesticada e transformada em veículo de propaganda da guerra-fria. A arquitetura é exemplar deste destino do modernismo. A hegemonia do Estilo Internacional representará a objetivação dos ideais dos CIAMs na reconstrução da Europa do pós- guerra, eliminando, no entanto, sua visão social, presente, por exemplo, tornando-se nos uma padronização programas mera e de aplicação construção abstrata racionalização, da de Bauhaus, modelos desembocando de num funcionalismo muito mais próximo das relações capitalistas de mercado que de qualquer dinâmica social mais ampla (O.Arantes, 1993:53-56). A questão industrial, já da cooptação abordada da pelos cultura teóricos pelo da sistema Escola de Frankfurt como uma comprovação do caráter totalitário do sistema capitalista, embora represente, como apontou Adorno, um destino inerente ao material artístico da época deve ser sistema tomada como um incorporador. O mutismo dos artistas desenvolvimento 20, diante subseqüente não do da "instituição arte" mostrou tratar-se de uma relação tensa 20 - Cf. cap 2, 2.2 . 37 onde concorrem de um lado a necessidade de legitimação social das forças produtivas através do imaginário artístico e de outro lado a necessidade do artista explorar os novos horizontes abertos pelas inovações tecnológicas explicitando suas finalidades21. - Ver a esse respeito o capítulo "Máquina e Imaginário" de Arlindo Machado ( 1993: 21-44). 21 38 1.2.2. A CULTURA "HEDONISTA" DOS ANOS 60 O desenvolvimento da economia capitalista proposto por Mandel não representa uma solução das contradições inerentes a esse sistema, mas ao contrário, sua pontencialização Mandel mostra alternância como de a penetração expansão, capitalista super-produção, sobrepõe recessão a e recuperação econômica em ciclos de 7 a 10 anos com ciclos mais amplos de 30 a 50 anos que permitiriam aumentos na taxa de lucro, até que tais vantagens tenham se exaurido e o ciclo chegue ao fim. Desta forma, o ciclo expansionista que teve origem no pós-guerra aumentando consideravelmente a produção de mais-valia relativa e os superlucros levou a um aumento pronunciado da composição orgânica do capital que, associado ao crescimento do peso objetivo da classe operária que impossibilitou a alta da taxa de mais-valia nos anos 60, terminou com a inexorável erosão da taxa média de lucros, invertendo a "onda longa". Embora este processo só venha a se evidenciar na década de 70, o fato é que já na década de 60 a rigidez das soluções "fordistas" começa a entrar em crise e a cultura do período pode ser vista como uma cultura de fin-de-siècle. O Capital, não podendo mais se valorizar na indústria propriamente serviços, dita, gerando, expande-se como para contraface o chamado setor de dos altos custos da racionalização da linha produtiva, a racionalização deste 39 setor através marketing e do desenvolvimento publicidade, o que das ficou estratégias conhecido de como Sociedade de Consumo. Tal fato gerará uma grande diferenciação do consumo, acarretando não uma homogeneização dos indivíduos através da demanda de produtos padronizados, mas uma "personalização" da cultura. O Capitalismo Tardio, em sua fase terminal, opera uma lógica da diferenciação que terá como conseqüência tanto o culto à novidade, através da estetização dos objetos [a da "estética mercadoria"(Haug,1985)], como a personalização e o hedonismo dos anos 60. Trata-se, como Richard Sennett(1988) e Christopher Lash(1988) apontaram, de um longo processo que teve sua origem na relação entre o Capitalismo Industrial e a cultura pública no século XIX e que desembocou, em nosso século, num sobreinvestimento no Eu, na "busca de uma identidade própria e já não da universalidade como motivo das ações sociais e individuais" (Lipovetsky, sd:10). Um sobreinvestimento que leva, no entanto, ao desalastramento dos conteúdos rígidos do Eu, restando-lhe a incerteza sobre si mesmo e sobre o mundo. O consumo, tornado sistema, enfatiza tais características. A questão não é a de conter as necessidades individuais, mas de reintegrá-las como forças produtivas e de socializar as massas como forças consumidoras. O sistema 40 passa a funcionar, agora, não pela abundância dos produtos oferecidos ou pela multiplicação das necessidades, mas através da "ideologia dos objeto pessoais e de um sistema de diferenças" (Baudrillard). Trata-se não da promoção de diferenças reais, mas de sua substituição por diferenças periféricas22 funcionalidade que, dos embora totalmente objetos, convergem dispensáveis para modelos à 23 - Trata-se, como Baudrillard analisa com perspicácia, da incorporação, pelo objeto produzido em série e, portanto, não personalizado, de "diferenças" totalmente dispensáveis e, em grande parte, contrário às normas técnicas. Este acréscimo é, no entanto, fundamental para a "personalização"do objeto, isto é, ao apagar-se a característica de produto em série e promovê-lo como objeto "pessoal", a diferença, por menor que seja, é dada como específica. Ao tornar essa diferença essencial à lógica do sistema, este opera, na verdade, uma perda da finalidade específica e da função do objeto ( seu valor de uso), restando somente a exploração do objeto como signo. Daí a importância dada, doravante, à imagem em detrimento da significação do objeto. Trata-se, portanto, da perda das diferenças reais em detrimento das produzidas artificialmente, isto é, das diferenças produzidas pelas relações capitalistas atuantes na esfera do consumo ( para uma análise mais profunda destes aspectos ver de Jean Baudrillard O Sistema dos Objetos, São Paulo,Perspectiva,1973 e A Sociedade de Consumo, Lisboa, Edições 70, sd. ). 22 - Baudrillard faz uma distinção entre série e modelo. O modelo permaneceria absoluto, ligado a uma transcendência ( o equivalente ao "estilo"), daí sua utilização, por exemplo, como signo de distinção social, ou modo de vida de uma minoria social. A série, por sua vez, seria desprovida de tais atributos. A tendência da sociedade contemporânea é, no entanto, baralhar tais distinções, quer "funcionalizando" os modelos, quer "psicologizando" a série, isto é, dotando-a de 23 41 personalizados e são transformados em signos de uma liberdade de escolha meramente formal - na medida em que os termos desta "escolha" são determinados não pelas diferenças reais entre as pessoas, mas pelas formas diferenciais, industrializáveis e comercializáveis (Baudrillard, sd:81). Trata-se, em suma, não do consumo de valores de uso, mas de signos, donde a intercambialidade dos diferentes objetos24. A racionalização da demanda aliada a um decréscimo da rigidez fordista levará a uma ética mais "permissiva" tanto cultural como politicamente. O hedonismo e a permissividade da cultura dos anos 60 caminham, desta forma, de par com o processo descrito. Da mesma forma, esta lógica geradora de "diferénces" será a responsável pela emergência de discursos até então silenciados. Vemos surgir nos anos 60 a ideologia das minorias através das manifestações da juventude, das mulheres, dos negros, dos homossexuais, dos países do terceiro mundo etc.; minorias estas que não se colocam mais atributos transcendentes ( cf. O Sistema dos Objetos, op.cit.,pp.145-146). Esta é, aliás, uma tendência observada desde as transformações do comércio varejista no século XIX que, para freiar a vertente padronizante dos produtos industriais ( o público consumia até então produtos artesanais), tentavam estimular as pessoas a comprar tais mercadorias criando do lado de fora da loja um espetáculo visando dotar as mercadorias de qualidades humanas e de um interesse que estas poderiam não ter, daí as análises sobre a fetichização das mercadorias ( cf. Sennett, 1988: 179-189). 24 - Mais adiante (cap.2) falaremos desta proliferação de signos como marca da cultura contemporânea. 42 à margem do sistema, mas são incorporadas por sua lógica interna. No domínio diferencial das forneceu crepúsculo", artes, algo recuperando esta como nova "um temporalidade breve momentaneamente o clarão no ethos de antagonismo, através da referência a um passado - o "alto modernismo" - criticável, que a arte moderna perdera. Merce Cunnighan do e os membros Gran Union incorporaram o aleatório e o acaso em suas coreografias de "antidança". Kaprow, Whitman, Claes Oldenburg e outros incorporaram e transformaram materiais não-artísticos como sucata, objetos colhidos nas ruas e formas distintas de arte como a pintura, o teatro e a dança numa síntese distorcida. Os meios de comunicação e a cultura popular foram incorporados como desafios aos cânones da "grande arte", embora sua utilização fosse repleta de contradições e, em grande parte, acrítica. O caminho estava aberto para a total intercambialidade dos objetos e estilos estéticos, resultando na reabsorção do kitsch e do vernacular, na recuperação do ecletismo, na aproximação da teoria com a ficção, da autobiografia com a narrativa ficcional; na convivência, numa mesma obra, de diversos gêneros, como demonstram, no campo da arquitetura, o edifício decorados de de Phillip Robert Johnson para Venturi a ou AT&T, a os galpões imersão na 43 intercambialidade dos objetos cotidianos promovida pela Pop art ou ainda as instalações e obras da videoarte nascente. A crítica que artistas e críticos como Rauschenberg, Jasper Johns, Kerouac, Gingsberg, Burroughs, Bathelme, Susan Sontag, Leslie Fiedler e Ihab Hassan fazem nos anos 60, colocando a necessidade de se por a arte e a crítica sobre novos trilhos, representa não só uma crítica ao elitismo do alto modernismo, procurando distanciar-se daquilo que Paolo Portoghesi chama"uma simples continuação do emprego de um ponto de vista aristocrático e do mito da originalidade elitista romântica/ modernista através inigualável"(1983:28), e de um do código gênio estético compartilhado de maneira mais geral, como representava a elisão das cultura de distinções massas, modernistas sintetizada através na do época culto tanto da pela iconografia Pop quanto pela sensibilidade "Camp" de Susan Sontag25. A presença da 3ª Revolução Tecnológica e a importância adquirida pelas capitalismo do importante para rendas tecnológicas pós-guerra as artes na reestruturação constituíram dos anos 60. outra A do coordenada chegada dos primeiros computadores - o UNIVAC, por exemplo, fruto dos - ver a esse respeito: Susan Sontag - "Notas sobre o Camp" in Contra a Interpretação, Porto Alegre, LP&M editores, 1987. 25 44 trabalhos de John Mauchleu e J. P. Eckery, com o auxílio do matemático J. Neumann, ou seja, das máquinas que "pensam, aprendem e informação criam"-, - o desenvolvimento desvinculando a da informação teoria do da conteúdo semântico das afirmações e codificando-a como uma medida apenas quantitativa, mensurada bits, em de trocas comunicativas, ocorridas em um canal mecânico que exige que a mensagem seja codificada e, a seguir, decodificada em impulsos eletrônicos (Shannon) - e a eleição do modelo cibernético como adequado aos demais domínios da sociedade conjugando com informação e a teoria linguística das estrutural, percepções, teoria pesquisadores da como Wiener passaram a crer que, a partir de agora: " a máquina revela a verdade sobre a estrutura do corpo, do cérebro, do discurso, da ação, da consciência"26 - criaram o solo propício para a crença na onipotência da tecnologia e nas vantagens da organização. Se no início dos anos 60 havia "uma epidemia de aversão tecnológica" (Gringrich), fortes pressões econômicas contribuíram para a mudança desse quadro - concessão de incentivos fiscais, destinação de grandes somas do orçamento - Lefevbre, Henri - "Mimesis e praxis" in Metafilosofia, Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 1967, p. 236. Ver ainda, Ashb, W. Ross - Introdução à Cibernética, São Paulo, Perspectiva, 1970 e Moles, Abraham - Rumos de uma Cultura Tecnológica, São Paulo, Perspectiva, 1973. 26 45 militar americano, a evidenciação da incapacidade do fordismo e do keynesianismo, no período de 1965 a 1973, de conter as contradições inerentes ao capitalismo. A partir de então, a crença na racionalidade técnica como a única capaz de solucionar as crises e conflitos se generalizou. O otimismo tecnológico tomou conta de grande parte dos artistas do representaram período e o para parte que da a fotografia vanguarda dos e o anos cinema 20, a televisão, o vídeo e o computador foram para os apologistas da sociedade pós-industrial, que tiveram em McLuhan seu principal profeta. No entanto, este relâmpago vanguardista não resistiu à consolidação que se seguiu. Podemos afirmar, com Perry Anderson, que, se a construção de um futuro promissor através da crítica de um passado desolador era a marca da vitalidade modernista, o que caracteriza Ocidente é o a situação fechamento de do artista horizontes: contemporâneo sem um no passado apropriável, o futuro torna-se inimaginável, donde a noção de um presente interminavelmente recorrente27 (1986:12). O - Tais características não se aplicam, como P. Anderson, faz questão de salientar, ao Terceiro mundo. Marcado pela presença de Oligarquias pré-capitalistas, o que tornava o desenvolvimento capitalista muito menos estável, a revolução socialista rondava tais sociedades, configurando a possibilidade de um futuro promissor(Anderson, 1986:12). F. Jameson ( 1991:84-93), por sua vez, também aponta para a importância do Terceiro Mundo na criação de modelos políticos-culturais utilizados nos anos 60. Tal processo 27 46 surgimento daquilo minimalista", aqui que Lasch entendida (1988) como chamou uma de "estética despersonalização deliberada da obra, comprova tal aspecto: "Lá pelos anos 60, uma nova sensibilidade, não linear, não livrescaquântica, digamos, no seu feitio descontínuo - estava sendo modelada pela TV, a moda, a publicidade, o design, o rock. Era Pop e gregária, dionisíaca e contracultural, experimentadora e sem hierarquias, enfeixando o que seria a revanche pósmoderna dos sentidos contra a inteligência modernista. O consumo desbancava a Bíblia, McLuhan abalava Marx e Dylan silenciava Eliot. Aos escritores americanos amadurecidos no pós-guerra como Barth, Pynchon, Heller, Vonnegut, Brautingan, só restava, assim, não se oporem a essa sensibilidade pelo intelectualismo, mas pesquisar um estilo ou anti-estilo para expor sua face apocalíptica, sua farsa terminal, em suma, engendrar uma antiforma para o absurdo sob o guarda-chuva nuclear, numa era de mutação cultural" (Santos, 1988:60/61). Em oposição ao expressionismo abstrato que representava a última tentativa do modernismo em "reviver uma concepção romântica do gênio artístico, uma arte interessada em expressar as emoções humanas básicas" (Mark Rothko) e em explorar a dimensão interior da subjetividade, os artistas voltaram os Generalizada olhos a para o impressão de interior que a da própria realidade arte. superava a deve ser visto de forma dialética, lembrando-se que o processo de descolonização foi acompanhado por um neocolonialismo e que as novas esperanças foram frustradas quer pela corrupção institucional dos países africanos, quer pela total militarização dos regimes da América Latina. De qualquer modo, fica a impressão da contexto restrito da produção artística dos anos 60 do Terceiro Mundo, e que este não se constitui numa fonte de eterna juventude para o modernismo. 47 imaginação daqueles destinados a relatá-la, descarta-se o privilégio do artista como intérprete da experiência ou como guia de acesso a uma subjetividade escondida. Como uma série de obras atesta - J. G. Ballard, W. Burroughs, Doctorow, Robbe-Grillet, Pynchon, Ad Reinhardt, R. Morris - a recusa a qualquer figuração ou traço que sugerisse a presença do artista é a marca registrada da época. Quer Andre, F. recuperando Stella, Robert os de ready-made Morris), quer Duchamp trazendo (Carl para o interior da obra a hiperrealidade dos objetos cotidianos como a Pop art, quer ainda, planejando detalhadamente a obra como os artistas conceitualistas ou satirizando os dogmas com os quais a literatura moderna - Hemingway, Faulkner, Elliot - tinha explorado os conflitos sociais, busca-se agora uma certa "leveza": a busca da leveza como reação ao peso do viver (Calvino, 1991:39). A estética minimalista reflete, assim, uma sensibilidade solipsista. A derrocada das esperanças modernas arrastou consigo a confiança do artista em sua capacidade de interpretar e transformar a história. Para além de qualquer transcendência resta a imersão na profusão de signos cotidianos - donde o transbordamento de cenas, imagens e citações históricas - ou a adoção do vazio como ausência de significados imanentes ( Ad Reinhardt, por exemplo). Além do mais, fica a demonstração, clarificada pelo exemplo das 48 neovanguardas, primeiro que, modernismo mudada (aqui a temporalidade identificada com histórica o tempo do das vanguardas históricas), a recuperação de suas intenções é ilusória e, neste sentido, podemos associar a cultura dos anos 60 à culminação do processo expansivo descrito por Mandel. 49 1.2.3. A "REESTRUTURAÇÃO" CONTEMPORÂNEA DO CAPITALISMO O fim deste período expansionista, embora observado desde o final dos anos 60, teve na recessão generalizada da economia capitalista de 1974/75 seu momento de maior visibilidade. Vários teóricos - Piore e Sabel(1984) e seu The New Industrial Divide; Claus Off (1985), com o Capitalismo desorganizado; Aglieta (1976) e Alain Lipietz (1991) e a Acumulação Flexível; Colapso da Modernização etc. Robert Kurz (1993) e o - tentam dar conta desta reversão de expectativas e da nova configuração econômica daí resultante. Para Mandel(1990) superprodução, trata-se prevista de uma anteriormente crise típica (1982) como de uma consequência inevitável da expansão pós-guerra. Agora que os altos rendimentos tecnológicos e os superlucros monopolísticos realizados pelos setores de ponta reduziramse progressivamente e que as técnicas anticrise - a política keynesiana - se mostraram, a longo prazo, fundamentalmente inflacionárias, inflação, ao chegou-se, após desmoronamento a aceleração do sistema mundial da monetário internacional e à adoção de políticas antiinflacionárias. Embora os dirigentes dos países imperialistas tentem, após 1975, adotar medidas de reanimação monetária através da supressão das medidas de restrição ao crédito e de 50 diminuição do crescimento da massa monetária bilhões circuito de dólares econômico de poder através de de compra déficits injetando suplementar orçamentários no dos principais países imperialistas - não se pode deixar de observar a precariedade de tais soluções e a gravidade da situação atual para o capitalismo - o que leva Robert Kurz (1993), por exemplo, a prever, exageradamente, o "colapso da modernização", isto é, a confundir aquilo que talvez seja uma crise cíclica do capitalismo, com uma crise final do sistema produtor de mercadorias e o início de uma "era de trevas, do caos e da decadência das estruturas sociais, tal como jamais existiu na história do mundo" (p. 222). Trata-se, como Mandel mostra, da irrupção de todas as contradições fundamentais do modo de produção capitalista responsável por uma nova "onda de crescimento lento". Neste sentido, a recuperação da economia capitalista internacional no período de 1976/80 se manifestou sobretudo pela dificuldade da produção industrial em retomar o nível mais elevado que havia atingido às vésperas da recessão e foi seguida pela recessão generalizada de 1980/82, combinando uma baixa média de lucro com uma queda dos investimentos produtivos. Nem mesmo economistas capitalismo, a retomada conservadores combinada, em de 1983/85, como sinal 1989, com alardeada pelos do "triunfo" do a derrocada do 51 estatismo, pôde se manter. Assentada sobre o aumento da demanda proveniente do déficit orçamentário e pelo crescimento dos gastos militares, o que se seguiu a esta retomada foi a constatação da incapacidade do capitalismo resolver o problema econômico e político da grande maioria da população. A desaceleração do crescimento e os altos níveis de desemprego marcam o contexto atual. A reestruturação capitalista daí resultante foi descrita pela Escola da Regulação em termos de uma especialização flexível na produção, nas relações trabalhistas e na localização das atividades produtivas: "A acumulação flexível, como vou chamá-la, é marcada por um confronto direto com a rigidez do fordismo. Ela se apóia na flexibilidade dos processos de trabalho, dos mercados de trabalho, dos produtos e padrões de consumo. Caracteriza-se pelo surgimento de setores de produção inteiramente novos, novas maneiras de fornecimento de serviços financeiros, novos mercados e, sobretudo, taxas altamente intensificadas de inovação comercial, tecnológica e organizacional"(Harvey, 1992:140). A superação da crise significou uma rápida implantação de novas formas organizacionais e de novas tecnologias de produção que, através de subcontratações, redução de estoques, produção em pequenos lotes, aperfeiçoamento dos sistemas de comunicação e de fluxos de informação, permitiu a aceleração do ritmo de inovação do produto e deslocou as bases da concorrência dos preços para a diferenciação do produto e para a ocupação temporária de "nichos" lucrativos, diferenciados, do mercado. À flexibilização na produção 52 corresponde uma flexibilidade dos mercados de trabalho, das qualificações e das práticas laborais, aprofundando o dualismo dos mercados de trabalho locais e a elevação das taxas de rotatividade da mão-de-obra e das altas proporções de trabalhadores politicamente marginalizados. O sistema pós-fordista caracteriza-se também pelo surgimento de novos distritos industriais localizados e, na medida em que os mercados se tornam volúveis, as firmas realizam formas flexíveis de organização permitindo, desta maneira, rápidas mudanças na produção. Várias críticas foram feitas à teoria regulacionista, quer rejeitando a outrora hegemonia do sistema fordista e a atual dominância pós-fordista, quer apontando para uma análise de um número limitado de setores e que ignora o crescimento massivo insuficiência economia de dos mediações capitalista instrumental serviços28, - analítico o nas ou ainda questões que gera da uma suficientemente apontando a dinâmica da "escassez de refinado para estabelecer conexões entre a dinâmica econômica - e a crise, em particular e -[ por exemplo ] - distintos cenários de geração e difusão de inovações tecnológicas" (Possas, 1988:211). - Ver a esse respeito o artigo de Martin Boddy, 1990 (Ver também a bibliografia referente à crítica da escola da regulação sugerida pelo autor neste artigo). 28 53 Outra crítica das mais relevantes refere-se ao fato da perspectiva regulacionista prever uma inevitabilidade determinista na resolução da crise fordista: algo como uma nova coesão, um "neofordismo" (Aglieta 1979:385 apud Boddy). Ou seja, a imposição mais ou menos automática de uma "regulação" do sistema capitalista - sem levar em conta as contradições derivadas da lei do valor e do resultado incerto da luta de classes, como mostra Mandel , torna-se utópica e não dá conta do funcionamento contraditório do sistema (1990:207). Para que uma reestruturação econômica profunda e duradoura ocorra será necessário, para Mandel, a articulação tanto de fatores exógenos ("meio geográfico, área de operação do capitalismo, ou seja, hoje, essencialmente, as relações com setores não-capitalistas da economia mundial"), quanto endógenos, parcialmente autônomos, produtos relativamente rígidos do desenvolvimento passado do sistema ("as relações de forças econômicas entre o capital e o trabalho nas metrópoles imperialistas"). Trata, como podemos ver, de um campo de possibilidades, encarado como outra tentativa do fundamentais capitalismo de sua de restaurar sobrevivência, as distante condições tanto do determinismo catastrófico de Robert Kurz quanto da regulação neofordista. 54 O que podemos importância retomadas dos reter créditos econômicas substituirá a que ênfase destas análises não-produtivos se nos sucederam é nas após princípios a crescente sucessivas 1971; o que residuais do produtivismo pela lógica da especulação através da expansão hipertrofiada do setor financeiro e de serviços. Agora, desprendida a forma-mercadoria do seu valor de uso, resta a livre flutuação da forma-publicidade. Observamos também uma internacionalização do capital produtivo e financeiro29, sustentada por novos acordos de crédito e liquidez, que, tornando-se transnacional, é capaz de explorar os mercados de bens, finanças, consumo e trabalho no mundo inteiro, com menos restrições territoriais do que nunca (Soja, 1993:225). Tal fato, ligado a um capital cada vez mais móvel e a uma realocação do capital e do trabalho em sistemas espaciais de produção alargados, gera a impressão de uma realidade onde as trocas "imateriais", as "altas velocidades" das transações, a "compressão espaço- Ao contrário do que ocorria nos anos 30 e 40, este novo mercado financeiro mundial, tornando extremamente grande e ultrapassando em muitas vezes o próprio negócio de mercadorias de um país, pode gerar muito mais capital que o próprio Estado. Neste sentido, podemos dizer que se depois da Segunda Guerra a expansão dos mercados era mediada pelo crescimento do Estado (Welfare State), agora, nesta virada neo-liberal, a extensão dos mercados monetários e financeiros ultrapassa o próprio Estado ( uma discussão interessante sobre esta virada neoliberal é feita em Gentili (org.) - Pós-neoliberalismo: As políticas sociais e o Estado democrático, Paz e Terra, Rio de Janeiro, 1995). 29 55 temporal" dão o tom. Sintomática deste estado de crise, a arte contemporânea - e as imagens eletrônicas em particular - exibirá o espírito do capital ficcional. Voltando às "temporalidades" de Perry Anderson, o que marcará a contemporaneidade será a noção de que "o sonho acabou" e que os relâmpagos contraculturais não passaram de revolta infantil. A ausência de uma perspectiva utópica às mazelas do capitalismo pôs uma pá de cal nas esperanças emancipatórias da arte e originou uma produção muito mais "autocentrada" que antes. O recurso ao passado artístico será visto não como um meio de se evitar a "barbárie" do presente, mas como um repertório facilmente recuperável pela flutuação dos valores da atualidade. O presente, definitivamente povoado pelas novas tecnologias, avizinha-se como uma realidade totalizante e onde a saída é sujeitar-se às suas performances. A simultaneidade de gêneros e estilos presentes numa mesma obra, a recorrência ao passado tanto no cinema - quer através dos remakes, quer pela "citação"- como na arquitetura, a justaposição de temporalidades diversas na videoarte e nas imagens sintéticas, a produção teórica e artística de pessoas como Foucault, Lyotard, McHale, David Salle, Richard Prince, Serrie Levine, Charles Moore, Peter Eisenman, o "desconstrutivismo" e o pragmatismo filosófico, exemplificam, no domínio da produção cultural, uma "estutura 56 de sentimento" caracterizada pela hipervalorização do flou, do aleatório, da simultaneidade, do efêmero etc.30 Para concluirmos, o desenvolvimento das forças produtivas nos últimos anos assumiu características muito mais "desalastradas", contribuindo, desta forma, para a reestruturação do capitalismo sobre novos parâmetros e para a impressão de uma realidade "espetacularizada". Trata-se, em última instância, de um movimento operado pela própria lógica do capital e que encontra na forma-publicidade sua expressão contemporânea. Ao tentarmos verificar os modos de inserção das imagens eletrônicas nesta nova configuração pretendemos dar uma contribuição para o entendimento de seu modus operandi - O predomínio destas coordenadas suscita, por escassez, um movimento oposto. À compressão espacial soma-se o interesse por filmes "espaciais" no cinema - Paris Texas; Os Imperdoáveis etc. À compressão temporal, os ralentis de um Tarkovsky ou de um Kielovsky. Às saturações imagéticas, o universo asséptico de Jamurch. À efemeridade das relações, a nostalgia de Tomates Verdes Fritos e a recuperação da mídia de Sexo, Mentiras e Videotape. Exemplos em outras áreas poderiam ser buscados. 30 57 CAPÍTULO 2 AS IMAGENS ELETRÔNICAS E A CULTURA TÁTIL Aceitando a tese de que a nova topologia colocada pelas imagens eletrônicas imagética, transcende constituindo-se num o campo novo modo de da produção situar-se e perceber o mundo e que tal topologia encontra sua razão de ser na "temporalidade histórica diferencial" da contemporaneidade, tratemos de visualizar o modo de inserção destas imagens em nossa sociedade através de um dos conceitos-chave para sua compreensão: a tatilidade. Walter Benjamin, em seu texto sobre A Obra de Arte..., mostra a dominância do tátil sobre o ótico que a era da reprodutibilidade técnica inaugura - a partir de agora, a obra de arte reproduzida em série se opõe não só à arte aurática ou obra de arte única, autêntica e mantida a uma distância solene superficial e do público, difusa, tátil, como requer em oposição uma recepção à recepção contemplativa e atenta, ótica, requisitada pelas obras de arte tradicionais. 58 A dominância do tátil é a marca registrada da cultura de massa na sociedade contemporânea e as imagens eletrônicas representam o termo deste processo de liquidação da aura. Um processo que faz abortar as expectativas emancipatórias de Benjamin - o declínio da aura e a recuperação da teoria da distração eram vistas como uma possibilidade da percepção liberar-se para outras tarefas, tornando-se propícia a um uso antiburguês e revolucionário da arte . O momento atual não é o da liberação do potencial cognitivo, mas o da ausência de uma distância crítica, não a transformação da vivência habitual, mas o da afirmação do status quo. O processo de liquidação da aura caminha de par com o processo do "declínio da referência"31 que culminará, em nossos dias, na proliferação das imagens auto-referentes. Esta verdadeira rotação de significantes, que se origina com a própria constituição do Capitalismo, tem sua presença marcada num processo cultural mais amplo, surgido a partir dos anos 60, observável sobretudo nas teorias estruturalistas e pós-estruturalistas sobre a linguagem. No domínio da lingüística, o "espírito da época" dos sixties verá na teoria da significação que inclua uma explicação acerca da maneira como as expressões triunfam ou 31- Cf. as idéias de Baudrillard apontadas anteriormente (p.12 ss). Anteriormente a Baudrillard, Foucault abordou o processo de dissociação entre o signo e a referência em sua obra As Palavras e as Coisas(1992). 59 falham ao referir-se a objetos extra-discursivos uma manifestação da "metafísica da presença", ou seja, a reapresentação de alguma verdade ideal, a revelação de verdades intemporais. Contrapondo-se a uma concepção da literatura como portadora de uma situação ontologicamente privilegiada ou da linguagem como o "lugar da manifestação do Ser", a revolução estrutural de Frye e Jakobson - recuperando a lingüística de Saussure e o estruturalismo de Lévi-Strauss - passa a ver a linguagem como um sistema de signos dispostos sincronicamente, onde o significado não é a realidade, mas o resultado da diferença entre os signos, operando um verdadeiro corte entre o signo e a realidade. As palavras significam não em virtude de seus referentes, mas através de sua relação com outras palavras. A partir daí, e em sintonia com os demais processos do período, modelo o caminho linguístico estava que, aberto através para do a exorbitação estruturalismo, do será aplicado aos diversos domínios da sociedade, tais como a economia, a psicanálise, a filosofia, a política e, de maneira especial, a semiótica. O florescimento da semiótica (Barthes, Foucault, Eco, Genette, Riffatere) - definida , a partir de Peirce, como o estudo sistemático dos signos - liga-se à proliferação dos signos abstraídos de qualquer relação produtiva. Uma vez 60 separados de seus referentes extra-discursivos, os signos encontram sua legitimidade no interior do próprio sistema, o significado é, desta forma, dado pelo "sistema dos objetos" sem o recurso a outras instâncias determinantes. Várias críticas poderiam ser feitas a tal empreitada. A tentativa de aplicar a lingüística a outros objetos extralingüísticos apresenta enormes dificuldades; a análise, por ser demasiado formalista, acaba isolando a linguagem das relações sociais; o caráter a-histórico do estruturalismo impedia o relacionamento da obra com as condições que a haviam produzido32. De qualquer modo o corte signo/realidade e sua consequente "atenuação da verdade" e "declínio da 32- Não obstante o fato da dimensão histórica aparecer nas preocupações de autores como Foucault e Althusser. Este último, por exemplo, propondo-se construir o conceito marxista de história(de tempo histórico) a partir da concepção marxista da totalidade social, verá a existência de uma sobredeterminação pelo nível econômico, instância esta que não anula a existência de temporalidades diversas dos diferentes níveis do todo, mas , ao contrário, lhes atribui uma semi-autonomia e uma relativa independência em sua dependência mesma, dos 'tempos' dos outros níveis. Embora a noção de contradição sobredeterminada seja inseparável do corpo social e das próprias instâncias que ela governa, advindo da imbricação do plano sistemático no plano histórico, como Althusser lhe atribui por função articular os elementos da estrutura, mas não estruturá-los (já que cada nível possui sua própria estrutura e autonomia relativa), esta relação tende a se destruir, sob seu próprio impulso, distendendo a semi-autonomia em autonomia tout court. Assim, articuladas por uma causalidade estruturaleliminando-se, enfim, a própria história deste processo - , permanece o problema de como relacionar estruturas ou práticas recortadas arbitrariamente. 61 referência" foram decisivos para o desenvolvimento da cultura subsequente. O advento do pós-estruturalismo representa não só uma ruptura com tal processo mas seu termo. Levando às últimas consequências a relação de arbitrariedade entre significado e referente estabelecida estruturalistas rompem com por a Saussure, simetria os existente pós- para os estruturalistas entre o significante e o significado. Agora, a significação interminável de é vista como significantes, o produto numa eterna de um jogo "rotação" de significantes e significados. A língua será, portanto, "um sistema puro e simples de significantes flutuantes, sem absolutamente nenhuma relação determinável com qualquer referente extralingüístico (Anderson, 1987:53). A linguagem passa a assemelhar-se a um emaranhado infinito, sem que se chegue a nenhuma base inatacável ou a um princípio último ou primeiro. Trata-se, em suma, da adoção do sistema lingüístico como um sistema de diferenças, não como uma coisa fechada, ordenada, mas móvel, múltipla, indeterminada. A sincronicidade destas idéias com a "reestruturação" capitalista contemporânea e a proliferação das imagens eletrônicas constitui um dos pontos chaves da lógica cultural de nossa sociedade e deverá ser apreendida em suas inter-relações e temporalidades específicas. Antes, porém, 62 de estudar as formas tomadas pela imagem em nossa sociedade contemporânea convém examinar mais amplamente as etapas deste "declínio". 63 2.1. IMAGENS SEM AURA Marcada pelo estigma do sagrado ou do solene, a imagem permanece como privilégio de uma elite aristocrática ou religiosa até o século XVIII, período em que a imagem se aburguesa através das manifestações da cultura profana, aos poucos desgarrada de seus empenhos tradicionais33. 33- Ligada inicialmente ao misterioso e ao sagrado - sendo durante muito tempo privilégio de chefes e poderosos o direito aos emblemas e as "represetanções simbólicas"-, a imagem, devido sua vocação de incitar a superação do aquiagora, de inscrever a ausência numa presença, pretendeu fazer ver o invisível, colocando a potência sagrada, hic et nunc, à disposição dos homens, rementendo, portanto, à profundidade do sentido, a uma troca entre o visível e o invisível. Com a perda do referencial divino e a consolidação de uma racionalidade que passa pelo desencantamento do mundo promovida pelo Renascimento, o valor da imagens deixa de estar indexado à escala dos poderes divinos para abrir-se à natureza física e assumir o papel de um espelho onde se vêem refletidos a materialidade do mundo e seus proprietários. Abrindo mão do caráter mediador entre os homens e a divindade, as imagens, aqui, servem à glória do princípe ou como auto-retrato da sociedade cortesã, sendo lançadas numa competição aberta enquanto signos de prestígio social. Baudrillard (1976) vê nesta passagem o estágio inicial do declínio da referência, no sentido em que, ao contrário das trocas simbólicas das sociedades arcaicas até a feudal, aqui o signo não passa de esquema formal,não remetendo,verdadeiramente, a nenhuma realidade externa. Em sincronicidade com a gênese da forma monetária e com as características formais que vão sendo abstraídas do valor de uso para atrelaram-se ao dinheiro no processo de constituição das mercadorias capitalistas, os signos reenviam, enquanto significantes, a um universo 64 Rompido estado de natureza" weberiano, isto é, o momento anterior à ascensão do Capitalismo, onde as regiões do cognitivo, ainda do estavam ético-político misturados, e do estético-libidinal passamos, agora, para a especialização dessas três esferas, donde a autonomia da arte em relação ao cognitivo, ao ético e ao político. Se, como aponta Weber, tal movimento é característico do sistema capitalista, a arte - não estando mais vinculada à práxis vital e passando a constituir-se em um âmbito alheio racionalidade dos fins que domina a totalidade da vida - à é, por um lado, penetrada pela valorização econômica e, por outro, abandona os condicionamentos oficiais e se livra de suas tutelas. Reduzida sua significação social, a arte aumentará sua distância apreensão, do uma ressacralização público recepção - que requisitando, atenta embora e para sua melhor contemplativa. pressuponha sua Uma total emancipação do sagrado - assentada, agora, nas formas mais profanas do culto do Belo e que foi subsumido pelo conceito de aura por Walter Benjamin: uma figura singular, composta de elementos espaciais e temporais: a aparição única de uma coisa distante, por mais perto que ela esteja ( 1993:170 ). desencantando do significado, denominador comum do mundo real, com relação ao qual ninguém mais tem compromisso. 65 A arte aurática além de partilhar com o objeto de culto as características da inacessibilidade e da distância estava incrustada Benjamin, na a tradição; sua quintessência autenticidade de tudo aquilo era, o segundo que foi transmitido pela tradição, a partir de sua origem, desde sua duração material até seu testemunho histórico (1993:168). A obra de arte clássica remetia, assim, a um momento onde o homem ainda conseguia estabelecer uma comunhão com a natureza, dotando sua existência de sentido e força interior. Momento onde prevalece a experiência - um conjunto de percepções e reflexões assimiladas, que podem voltar-se a aplicar na práxis vital -, onde certos conteúdos do passado individual se conjugam com outros do passado coletivo. Neste sentido, pela aura da cultura o homem se relacionava com a tradição e com a história. Comportando, desta forma, um impulso emancipatório. A teoria da arte pela arte e o esteticismo do século XIX, ao tentarem reeditar o modo tradicional de apreensão da arte, tentavam, por um lado, retrouver le temps, opor-se à degradação da experiência imposta pelo Capitalismo34, subtraindo-se do ciclo material da produção e do consumo. Por outro subsistemas 34- lado, como pertence à sua diferenciação lógica do dos demais desenvolvimento Ver a esse respeito as coordenadas que, segundo Anderson, marcaram o primeiro modernismo (cf. p.25). da P. 66 sociedade burguesa, a figura da autonomia está com os dias contados. O fim da aura representa, desta forma, o fim da fantasia de não se deixar absorver pela lógica do Capital, de se constituir um domínio determinações. experiência, A de - o da capacidade, se encadear arte - contida os alheio no às suas conceito acontecimentos de passados aplicando-os na práxis vital encontra-se interditada pela vivência moderna. A dispersão caótica das coisas e a velocidade das transações da vida moderna tornam os homens cada vez menos capazes de incorporar os acontecimentos às suas experiências. O recolhimento estético solitário requerido pela arte aurática transforma-se, à luz dos fatos históricos do período, num modelo de comportamento antisocial. As artes reproduzidas mecanicamente, notadamente a fotografia e o cinema, constituem, para Benjamin, o primeiro grau do declínio da aura, representando, a um só tempo, tanto o fim dos resquícios de uma estética idealista que, concebendo a obra de arte como estruturada em todas as suas partes, prevê uma recepção contemplativa, sob o molde da unidade do sujeito e do objeto; quanto a instalação de um novo modelo perceptivo - através do olhar da técnica - propondo ao público uma relação harmoniosa com a técnica e a natureza. 67 Para Benjamin, a crítica da aura fazia parte tanto da tentativa de genialidade, eliminar valor da de teoria eternidade da arte etc., noções que como tinham se reveladas operatórias para a política cultural fascista, quanto uma maneira alienação autônomas de marcado e agravado se pela pelo contrapor ao novo compartimentação divórcio entre sistema das a de esferas cultura dos experts e o mundo vivido. Em sintonia com o espírito das vanguardas, Benjamin verá na recepção divertida e racional das massas um "afirmar-se" diante de um mundo cada vez mais tecnicizado, uma centelha passível de utilização para a formulação de reivindicações revolucionárias na política artística. Não se tratava, evidentemente, de uma adesão cega ao admirável avanço tecnológico - Benjamin sabia que esta recuperação da distração se dicotomizava entre indício de emancipação e alienação -, mas de uma redefinição da tarefa do artista diante deste novo espaço. Assim, em 1934, em seu ensaio "O Autor como Produtor", ao enfocar a relação entre o desenvolvimento da tecnologia e a técnica da própria arte, Benjamin supera a infrutífera divisão entre forma e conteúdo, reeditada no debate entre tendência e qualidade. Tomando nas mãos o conceito brechtiano de refuncionalização, advoga que o artista deixe de ser um mero fornecedor para o aparelho de produção e distribuição e, por meio de uma 68 inteligência progressista - através da percepção do seu papel no processo de produção -, transforme suas formas e instrumentos, adaptando-os aos fins da revolução proletária. Nestes termos, progressivos visualizando da arte os componentes tecnológica, regressivos Benjamin propõe e sua utilização numa chave emancipatória. Se ao tratar da produção literária Benjamin já aponta para a inserção do desenvolvimento das forças de produção nas próprias técnicas reproduzidas tecnicamente própria noção da arte. arte tradicional, cultura literárias, como o verá ao tal abordar amálgama as artes alterar a Ao abolir a distância aurática da Capitalismo tornou impossível não só dessacralizou qualquer a transcendência estética. Findo o estado paradisíaco onde o signo e o objeto estão intimamente unidos, encontramo-nos, segundo Benjamin, na instrumentalização degradada da linguagem, no mundo vazio e homogêneo da reificação. A arte pós-aurática, despojada de suas bases ritualísticas, não pode manter seu caráter de representação. Não se trata idealizada mais nem de de refletir a espartilhá-la natureza numa naturada ou racionalidade produtiva. Não mais a evocação do real, mas sua atualização. Portanto, a arte atual teria na proximidade sua marca característica. Ao mesmo tempo, entretanto, enquanto parte mesma deste real, ela conteria indícios que nos permitiriam 69 repensá-lo: os objetos, aliviados do peso da tradição e tornados independentes de seu ambiente original, poderiam se articular em novas correspondências, em que os objetos, fora do lugar, tornar-se-iam uma via de acesso a uma nova realidade, propiciando uma nova visão do passado - algo como uma "iluminação profana" pela qual se instaura um sentido inesperado. 70 2.2. A PERDA DA AURA E A ARTE AUTÔNOMA A recuperação materialista da teoria da distração e o peso atribuído artístico já à técnica foram na objetos transformação de crítica, do por subsistema exemplo, de Adorno, que não compartilhava as esperanças depositadas num uso emancipatório da distração das massas, nem a crença na oposição entre o caráter aurático e o aspecto tecnológico que, segundo Adorno, além de não relacionar corretamente o estado das forças produtivas às relações de produção, pode torná-la vítima daquilo contra o que ela se revolta, obscurecendo o fato de que a racionalidade técnica fora convertida, à sua época, num instrumento de dominação das massas. Consciente de que a arte autônoma contém elementos mágicos, Adorno não vê em sua defesa uma regressão ao mito, haja vista ela ser dialética: ela encerra em si o mágico com o sinal da liberdade. Devido à obediência à lei tecnológica da arte autônoma, a obra se aproximaria de uma postura de liberdade, da feitura consciente, constituindo uma forma de oposição à sociedade administrada. A arte, a um só tempo autônoma e fato social, não é mera imitação da realidade, mas negação determinada desta identidade perversa. Ao associar arte e conduta mimética conduta esta mediada pela construção racional -, Adorno verá 71 na tentativa de fazer-se igual a explicitação de sua diferença; ou seja, a arte apresenta a reconciliação na inflexibilidade de incomunicabilidade sua aparência, donde sua com uma sociedade que cada vez mais aposta suas fichas na intercambialidade abstrata das trocas. Localizada numa área marginal ao cognitivo, ao ético e ao político, instrumental, outras, a região do afetivo/instintivo/não- transformada em uma mercadoria no meio das tenta tornar vantajosa para si a adquirida autonomia: "A autonomia, no sentido preocupante da pura falta de função social, é transformada numa autonomia com um sentido mais produtivo: a arte como um deliberado voltarse sobre si mesma, como gesto mudo de resistência à ordem social, que, na expressão de Adorno, tem um revólver apontado contra a própria cabeça. A autonomia estética transforma-se numa espécie de política negativa. A arte, como a humanidade, é inteiramente e gloriosamente inútil, talvez a única forma de atividade não-reificada e nãoinstrumentalizada que sobrou" (Eagleton, 1993:267). Não assegurando a autonomia da obra de arte como uma reserva e reconhecendo, com Benjamin, o desaparecimento do aurático - acima de tudo pelo próprio desenvolvimento da lei autônoma - , Adorno verá nesta autonomia tanto os elementos de transformação quanto o risco de integração e neutralização de seus efeitos chocantes35. 35- Para Adorno, como aponta Marc Jimenez, " o fato da obra moderna dever absorver os mais avançados produtos da técnica não impede que ela se exponha, por seu radicalismo, a este tipo de integração, em que a tentativa do artista de escapar 72 Walter Benjamin, por sua vez, também aponta para tal risco em sua análise da arte reproduzida tecnicamente. O declínio da aura representa o abrir-se mão do caráter edênico em que, no discurso, o signo e o referente estão intimamente unidos, donde o papel ocupado pelo símbolo nestas culturas tradicionais. Este, ao estabelecer um efeito comunicativo direto, instala uma coincidência entre o sujeito e o objeto, exprimindo uma mediação universal, uma visão de totalidade. Sua emergência pressupõe, portanto, processos onde homem e natureza compõem uma unidade. A violentação da natureza pelo progresso técnico e a dessacralização da cultura pelo Capitalismo aniquilaram o caráter simbólico da cultura. Onde havia fusão entre a linguagem e o real, um sentido imediato e transparente, há distância entre significante e significado; onde havia o alcance direto do universal, remete-se, agora, à diversidade, não mais a uma suposta unidade do diverso; os à reificação, intervindo na obra por meio de uma técnica levada ao extremo, conduza a arte a obedecer a uma necessidade cega que a ultrapasse e que a faça recair no que pretendia evitar. Mesmo o radicalismo estético é suscetível de ser integrado. A pintura 'abstrata'muitas vezes se presta admiravelmente à decoração mural do novo 'bem-estar'. Um dos signos da falsa reconciliação é precisamente esta serenidade com que a época da neutralização total aceita os conteúdos ditos "chocantes":(...)'Dentre os perigos da nova arte, o maior é a ausência de perigo'. A busca de objetivação conduz ao ponto da pura subjetividade, ela própria reutilizada pelo espírito burguês com fins reacionários"(Jimenez, 1977:124). 73 elementos do universo concreto passam a valer uns pelos outros. Fim dos pontos fixos, emergência de um universo moderno - fragmentado, arbitrário, desintegrador dos objetos e do sujeito clássico. O que caracteriza a modernidade, para Benjamin, é a realidade onipresente do choque , o excesso de excitações provenientes do mundo externo e a incapacidade do homem de conservar vestígios destas excitações. A arte, a literatura e, sobretudo, o cinema refletem, em seu campo próprio, essa impregnação da vida cotidiana pela experiência do choque. Como consequência, o sistema de percepção-consciência, encarregado de interceptar e absorver o choque, expulsa-o da memória sem que este se sedimente em experiências coletivas. Trata-se da degradação da "experiência" em "vivência", ou seja, da produção interceptação e transformação em adaptação do de uma sensibilidade neutralização hábito, homem do choque, constituindo, moderno aos concentrada desta perigos de na sua forma, uma uma vida de turbulenta. Se Adorno via neste processo a marca da alienação das massas, apontando comunica inovações com a o lado razão tecnológicas negativo instrumental, fez com que de a uma arte que insipiência Benjamin e se destas diversos artistas e teóricos - à esquerda e à direita - apontassem 74 também para a redenção, vendo-a como passível de ser politizada. A reprodutibilidade ao se comprometer com a reprodução do sistema de objetos o mantém como referente necessário. Se o cinema, por exemplo, impõe ao espectador uma sequência de choques, isto é, uma impiedosa sucessão brusca e rápida de imagens que não permite ao observador divagar livremente sobre o visto, donde o empobrecimento da experiência promovido por esta nova prática, ele torna-se político, na acepção de realidade, Benjamin, ao fragmentos lidar com arrancados o seccionamento da da contextualidade cotidiana, isto é, das conexões repressivas que ocultam as ruínas do humano. As artes pós-auráticas, reconhecendo haver entre o homem e a natureza uma fratura e recusando a reduplicação da assim chamada realidade, traz a marca do inacabado e truncamentos de toda ordem. A arte moderna, tematizando na própria obra o artifício da representação, não traz a boa forma organicamente constituída, mas a consciência exacerbada do caráter problemático da interpretação. Tornase, desta forma, alegórica36. 36- Embora Benjamin utilize este conceito para referir-se à Idade Barroca, época esta marcada pela dilaceração entre a fé cristã e a imanência terrestre que se impõe cada vez mais, e onde os signos sagrados não são mais decifráveis enquanto tais, esta experiência da incompletude e do lado perecível das coisas se instala com força redobrada nas 75 A modernização capitalista, esta atmosfera de agitação e turbulência onde tudo que é sólido desmancha no ar, vai gradualmente setores impondo semi referente ou sua lógica dissociadora pré-capitalistas. expressa, assim, o A aos vastos separação signo- esboroamento, no contexto social, dos referentes sólidos, de sua unidade e coerência lógica. Ao lidar com este seccionamento da realidade, com os fragmentos arrancados da contextualidade cotidiana, a arte pós-aurática proporciona uma atenção tão aguçada que capta em suas malhas o imperceptível dos objetos (Rouanet, 1981: 36). Possuindo consciência da crise moderna, encara-a frente, de desautorizando qualquer visão ingênua do progresso. Arruinando a linearidade do sentido definitivo, a alegoria revela ao observador a facies hippocratica da história. Pelo fato de mostrar isto, desmistifica e permite, mais adiante, uma "iluminação profana", um caminho para a felicidade. Importa-nos otimismo ressaltar diante das que quer possibilidades assumindo um certo emancipatórias das inovações tecnológicas, quer furtando-se a tal diálogo e resguardando-se estes autores no interior partilham de de uma uma autonomia utopia pretendida, estética: a arte constituiria um modelo para as relações interpessoais numa questões que envolvem a arte moderna. A alegoria moderna constitui-se, assim, na sensibilidade de uma época marcada pela vertigem dos sentidos e pela idéia de totalidade como coleção de momentos e objetos fragmentados. 76 sociedade liberada, tornando-se um fator de reorientação total da vida em uma nova sociedade. De um lado, o fracasso da redenção a ser promovida pela união entre a arte e a técnica, de outro, a museificação da dialética negativa de uma arte que foi facilmente mercadificada e absorvida pelas políticas de administração cultural, vêm sendo amplamente recentes ao modernismo demonstrado artístico e nas críticas arquitetônico - revelando, ao contrário do que afirmam os que apostam num desvio retificável, as aporias do Modernismo. Adorno analisa o envelhecimento do Moderno tomando como parâmetro a Nova Música. Aproveitando o conceito musical de "material"37 como instância privilegiada de mediação entre a arte e a sociedade38, Adorno associa o material artístico historicamente tecnicamente 37- avançado estruturada à necessidade de de acordo o com uma estágio arte de " ... o material é aquilo com que lidam os artistas: o que a eles se apresenta em palavras, cores, sons até às combinações de todos os tipos, até aos procedimentos técnicos na sua totalidade; nessa medida, podem também as formas transformar-se em material; portanto, tudo o que a elas se apresenta e a cujo respeito podem decidir"( Adorno, 1988:170). 38- Jorge Mattos de Almeida (1992) mostra a posição central ocupada pela música nas reflexões de Adorno e o aproveitamento que este faz do conceito musical de "material" para a superação da oposição entre análise formal-estrutural e análise histórico-sociológica das obras de arte. 77 desenvolvimento das forças produtivas de sua época. Os antagonismos sociais, as contradições do real, entre força produtiva e relação social de produção, em suma, os problemas não resolvidos da realidade, retornam às obras de arte como problemas imanentes de sua forma. Ao enfrentar os problemas que o material lhe impõe, o artista está lidando, na verdade, com o conteúdo social sedimentado no estágio correspondente do material e da técnica39. A tese de subterraneamente produtivas fracasso da do um material ligado sociedade poder de ao faz choque historicamente desenvolvimento com da que arte avançado das forças Adorno vincule moderna - e o mais especificamente da Música Nova-, a total aceitação por parte da sociedade estabelecida dos conteúdos ditos "chocantes", ao próprio processo de racionalização da modernidade. Isto é, 39- se a evolução artística da Modernidade eliminou os Neste sentido, Adorno mostra, por exemplo, como a passagem do sistema tonal para o atonal, e deste para o dodecafonismo explica-se não somente pela evolução gradual e autônoma do som musical: seu momento de maturação, debilidade e morte natural, como pelo próprio contexto em que tal envelhecimento se dá. Nestes termos, a regressão da audição no mundo moderno, a imposição da música ligeira, a reduzida capacidade de concentração, o estilhaçamento do todo etc., consequências, em última instância, do principío de racionalização presente na sociedade moderna, impossibilitam "aquele tempo autônomo no qual os temas vivem como um elemento próprio e no qual são capazes de se desenvolver de acordo com suas próprias leis internas, na perfeita interação de uns com os outros" (Jameson), como permite um novo posicionamento, por parte dos artistas, em relação ao material disponível em seu tempo. 78 resíduos da tradição no material emancipado, sua expansão, pelo menos no caso da música, parece ter atingido seu limite justamente ao acompanhar o processo social da Aufklärung. A perda de tensão social nas obras - a racionalização em que culminaria o dodecafonismo - caracterizaria assim aquilo que Adorno chamou de "envelhecimento da Nova Música"40. Neste sentido, a obsessão tecnicista com o material transforma-se num postura feitichista de uma racionalidade funcional. O desenvolvimento das forças produtivas acaba, desta forma, determinando a conversão das esperanças emancipatórias da arte moderna em seu contrário, esboroando a tentativa do artista moderno escapar à reificação. Uma vez tecnicamente esgotadas avançada, as que possibilidades a um só de tempo uma arte retrate e contradiga o todo social de sua época, torna-se mais do que nunca atual a denúncia do próprio Adorno ao "fetichismo do material" dos modernistas - conceito chave para se entender a 40- arte tecnológica dos nossos dias. A sujeição da Daí, como sugere Jorge M. de Almeida (1992), os limites, apontado pelo próprio Adorno, do recurso aos "materiais historicamente avançados". Se, no exemplo da música de Schoenberg, o recurso a tais materiais, encontrando sua razão de ser numa reação contra a regressão da audição, devia desenvolver todas as forças e fraquezas do adversário, a condena também - devido ao impulso em direção a uma organizaçãao total da obra presente no sistema dodecafônico - , em última instância, ao fracasso, tornando-se uma espécie de camisa-de-força. 79 funcionalidade estrita à funcionalidade sistêmica41 apontada por Adorno como um dos elementos do envelhecimento da Música Nova ganha força redobrada nos estágios mais avançados do Capitalismo, onde não há mais elementos que se furtem à sua lógica implacável e onde até mesmo a arte ao ceder aos ditames da técnica acabou reduzida a uma mera forma- publicitária. 41- Ou, em termos benjaminianos, a neutralização do choque em hábito - em choque-vivência repetitivo. 80 2.3. A CULTURA TÁTIL A perda do caráter agonístico da arte dá-se num momento onde a ordem social contra a qual se manifestava também muda rapidamente. Terminada a época de uma cultura marcada por profundas contradições e divisões, codificadas numa separação entre o alto e baixo repertórios, a homogeneização e a desdiferenciação das esferas da produção cultural caracterizam, agora, um momento onde o avanço da indústria de consumo sobre o campo da produção artística e a íntima associação da tecnologia com a estética, não só abolem as antigas contradições - desintegrando os limites entre alta, média e baixa culturas - como marca o surgimento de uma cultura rapidamente estetizada. A época em que se realiza, tardiamente, os ideais de alargamento do campo estético dá-se como pós-vanguardista; uma época onde o experimentalismo de outrora, repetido à exaustão e tornado objeto de consumo, vê exaurir-se seu potencial utópico de transformação da sociedade como um todo. Com a rotinização dos efeitos de estranhamento - em termos benjaminianos, hábito - verificou-se com não a transformação a pretendida do choque liberação em das faculdades para novas tarefas emancipatórias, mas a rápida perda de suas delimitações e a convivência pacífica das ambiguidades. 81 Agora, com o "fetichismo do estilo e da superfície, o culto do hedonismo e da técnica, a reificação do significante e o deslocamento do significado discursivo por intensidades causais" (Eagleton, 1993:269), chega-se a uma sociedade (que expressa a essência do Capitalismo, diria Marx) onde o desmantelamento dos espaços sagrados, a pluralidade de línguas, o fim da aura de singularidade e a repetição compulsiva da reprodução mecânica (ibidem, 271) dão o "tom" de uma arte dirigida à absorção e à fruição imediatas. A expansão neutralizadora do econômico deixa, agora, pouco espaço aos valores desapegados dessa petrificação, assimilando mais do que nunca a experiência estética a seu mercado. Como afirma Claude Amey (1991:144):"Desde então não é mais produtivo isolados, que de atuem sentido sobre o procurar real, pontos tentando de lhe verdade opor um alhures 'exemplar', nem colocar a arte no diapasão das redes de intercompreensão no âmago do mundo vivido". A arte, deixando de possuir uma estética da negatividade, difunde-se por todo integral. o tecido Tal social, "generalização dando-se da como fato estética"- ou estético melhor, "estetização do social" - visa, mais que a dissolução do caráter crítico da arte, a neutralização da multiplicidade dos problemas e das contradições da própria realidade, sua absorção enquanto obra de arte total. 82 Chegamos assim ao estágio final do processo descrito por Benjamin a partir das técnicas de reprodução das obras de arte. Se a arte tecnológica comportava - apesar de seu uso anti-emancipatório e de identificação com a moderna sociedade industrial - uma função emancipadora, hoje, quando o capitalismo passa por uma nova "reestruturação", a politização da arte requerida por Benjamin foi desbancada pela estetização do social, uma estetização que, abolindo a distância solene entre a obra de arte e o público massivo, transforma a recepção tátil em consumo ligeiro. Como afirma Baudrillard, ainda que um tanto exageradamente: "Todo paradigma da sensibilidade mudou, porque esta tatilidade não é o sentido orgânico do tato. Significa simplesmente a contigüidade epidérmica do olho e da imagem, o final da distância estética do olhar. Nos aproximamos infinitamente da superfície da tela, nossos olhos estão como que disseminados dentro da imagem. Já não temos a distância do espectador em relação à cena, já não há convenção cênica. E se caímos tão facilmente nesta espécie de coma imaginária da tela, é porque esta delineia um espaço vazio perpétuo que estamos prontos a exaltar. Proximidade das imagens, promiscuidade das imagens, pornografia tátil das imagens"(1989:31/32). Fenômeno culturais da este observável nas contemporaneidade, diversas mas que manifestações encontra na proliferação das imagens eletrônicas seu melhor posto de observação. 83 2.4. A CULTURA TÁTIL E AS IMAGENS ELETRÔNICAS A crítica conceituação simulacro, da de uma cultura contemporânea Baudrillard, época onde para os uma signos acena, na civilização do auto-referentes da atualidade não remetem mais a nenhuma realidade que a sua própria, evaporando a própria realidade. Como afirma Deleuze: "O simulacro não é uma cópia degradada, ele encerra uma potência positiva que nega tanto o original como a cópia, tanto o modelo como a reprodução... Não basta nem mesmo invocar o modelo do Outro, pois nenhum modelo resiste a vertigem do simulacro. Não há mais ponto de vista privilegiado do que objetos comuns a todos os pontos de vista. Não há mais hierarquia possível; nem segundo, nem terceiro" (1989: 267). Do talher à cidade, vivemos esta irrealidade cotidiana propiciada pelas técnicas modernas e, sobretudo, pelo advento das imagens eletrônicas. A mistura de materiais e estilos, a recorrência a temporalidades diversas, o desapego à realidade estão cada vez mais presentes em nossa cultura acentuando ainda mais a propalada perda da realidade. Agora, segundo separação entre formas passam por (1976), reinando a total o significante e o significado, todas as a reprodutibilidade, "geração Baudrillard ser concebidas não modelos", todas as formas. mais donde a a partir produção a de em precedência sua própria série, destes mas a sobre Se o momento anterior - o da Modernidade 84 - era o da regência da lei mercantil do valor, um universo onde os signos não remetem mais a um objeto único e singular mas à produção em série de objetos idênticos, onde não domina qualquer relação entre o original e a imitação, mas a indiferença e a equivalência; agora, a ruptura entre as dimensões funcional e estrutural do valor atinge o momento de hegemonia da última42, liberando o Capital de qualquer determinação externa. Reina a indeterminação, chegando-se à indeterminação total e ao grande jogo da comutação. Se antes a imagem remetia ao protótipo divino ou à singularidade burguesa, agora ela procede a sua própria sagração, ou mais precisamente, à sagração do modelo que a engendrou. Se, no limite, a imagem eletrônica não remete a uma realidade preexistente, ela se reporta a modelos de significação do real, impondo uma submissão do sensível aos modelos de sua inteligibilidade. 42- Para Baudrillard, a 3ª ordem do simulacro é a das oposições binárias numa relação estritamente operacional. Estamos sob a hegemonia da dimensão estrutural do valor. Neste sentido, o processo contraditório do Verdadeio e do Falso, do Real e do Imaginário, que pressupõe uma dimensão referencial, é abolido. O domínio do visível definido, em referência a Walter Benjamin, como o da distância, do espetáculo, da contemplação e, portanto, como promessa de significação, é abolido pela "grande cultura da comunicação tátil... fim do espetáculo e fim do espetacular". Reino da completa imersão no objeto e da incapacidade de qualquer distanciamento crítico, donde a obscenidade como uma das características da cultura contemporânea ( Cf. "Le tactile et le Digital" e "L'hyperréalisme de la simulation" in Baudrillard, 1976 e ver também Baudrillard, 1981). 85 A tão propalada "perda da realidade" significa, desta forma, o fim da noção de um mundo enquanto aquilo que resiste ou contradiz minha representação, de um pragma que é, independentemente de toda percepção ou conhecimento e ao qual o intelecto deve esforçar-se em reconhecer a razão formal. Agora, estando a visibilidade reduzida a uma imagem conceitual, a imagerie contemporânea não expressa mais que a total racionalização do real. Imagem de um real expurgado de suas potencialidades, mesmo pré-fabricado e preexistente a si (Alliez). Trata-se, como vimos procurando mostrar, de um processo que encontra suas origens no desenvolvimento capitalista. A "estetização reificação do da valor", isto realidade da é, sua vida auto-fundação, social e geram a um "desalastramento" dos valores que, agora, passam a flutuar soltos em seu próprio espaço e que encontra na estética, auto-referente e afirmada como um constructo tecnológico, um modelo eficaz para essa estratégia. Se crença Mandel na ideologia (1982: 351-366) onipotência no da Capitalismo tinha razão tecnologia tardio, em como donde a a apontar a forma da crença na organização e numa sociedade tecnologicamente arregimentada; contemporaneamente, tal ideologia encontra na hegemonia das imagens eletrônicas Alliez, o seu determinismo principal tecnológico difusor. atual é Como " afirma o meio de 86 produção da imagem que o Capital deve de si mesmo transmitir a fim de projetar sua dominação na forma ideal de subsunção do Ser no Método"(1993: 273). Desta forma, a auto- referencialidade das imagens eletrônicas liga-se ao processo mais amplo da estetização do social, isto é, da experiência de uma realidade asséptica e desdramatizada, reduzida a um modelo programável. "Surrealização" da racionalidade capitalista de tal modo que nada mais ocorra que antes não tenha sido controlado e programado (Alliez). Tais imagens, reconciliando-se com o mundo dos negócios, dirige-se à absorção e à fruição imediatas. O mito da interatividade (como mostraremos a seguir, cap.3, 3.5) expressa muito bem o que estamos dizendo. Em sintonia com o espírito do tempo contemporâneo, vários teóricos43 postulam como proposta de superação da estética negativa de Adorno uma reativação da comunicação entre as obras de arte e sua recepção cotidiana. Constatando a falência da reflexão filosófica para a abordagem das restituir a comunicável. obras essa artísticas, experiência Servindo-se das Jauss seu (1978) caráter categorias de pretende fruição aristotélicas da poiesis, aesthesis e catharsis, elabora uma concepção de arte capaz tanto de “desconceituar” o mundo, renovando a 43- H. R. Jauss, J. Habermas, A. Wellmer entre outros. 87 percepção das coisas aplainadas nos hábitos quanto de restaurar sua função comunicativa. Não se atendo, portanto, à mera reflexividade identificação encontra espontânea e na catarse prazeirosa liberatória com o a outro. Centrando-se no prazer da recepção a experiência estética poderia interferir na práxis cotidiana e assumir uma dimensão normativa baseada numa sensibilidade emergente do prazer estético. Embora não se trate de uma comunicação minoritária de experts, não há como deixar de notar o cunho neo-iluminista de tal aposta. Embora os teóricos da recepção sustentem suas teses com base na mescla de formas e estilos pós-vanguardistas, é patente a ressonância de tais teses na valorização do caráter interativo das imagens eletrônicas. Devido às suas especificidades estas imagens intervenção do técnicas se (tratadas prestam receptor, aos no mais sugerindo próximo diversos uma capítulo), tipos de comunicabilidade ideal, a existência de uma comunidade de sentimento, isto é, um co-pertencimento, do artista e do receptor, a um solo que os torna aptos a receber e, portanto, a modificar e agir. Se, entretanto, esta comunicação estética pressuposta pelo juízo de gosto kantiano estava associada ao advento da esfera pública burguesa, constituindo-se na contrapartida do exercício da opinião e do debate genericamente universalizado numa esfera social em que o consenso é a 88 condição ao exercício livre da política, socialização esta indeterminável e abstrata; o que se vê hoje em dia é a total decomposição modelo a desta uma esfera44. Agora, comunicabilidade longe política de servir pretendida, de a recepção estética associa-se à fragmentação da vida pública. A comunidade de connaisseurs transforma-se na comunidade de consumidores. Neste sentido, a interação possibilitada pelas imagens eletrônicas, longe de propor uma nova práxis, aplaina os momentos de conflitos entre a obra e a chamada realidade. Busca-se, aqui, uma intervenção ilusória, uma vez que se trata de uma reação já conformada pelo sistema. Trata-se não mais de um conflito entre a estrutura pulsiva do receptor e a coibição de tais desejos imposta pelo outro - aqui, pela obra de arte -, mas de se fazer baixar as tensões psíquicas dos interatores, uma vez que a obra se abre à realização ilusória - de seus desejos. A questão que se coloca não é, portanto, a da comunicabilidade ou não da arte com o mundo vivido, mas do significado desta comunicação - questão esta que não se resolve no nível da recepção, mas no da criação -. Como afirma Claude Amey (1991: 139): 44- Cf. as análises de Habermas(ver seu livro sobre o Espaço Público) e de Sennett (1988). 89 "será que o sistema sócio-cultural que estrutura o mundo vivido é tal que a experiência estética, desejada pela estética comunicativa, possa ser plenamente conduzida para integrar a condição que lhe é feita por esse próprio sistema, ou seja, sem sacrificar essa própria experiência?" Não se colocar esta questão é esquecer que a própria recepção é socialmente condicionada, que à produção racionalizada de uma obra corresponde uma outra produção qualificada como "consumo". Se observarmos, ainda, os códigos de leitura vigentes para o grande público teríamos, ao assumir o pressuposto de uma intercomunicabilidade estética, que descartar toda uma produção artística, manifestações ainda eletrônicas, mais que em se impõem tratando novas regras das de leitura. Se considerarmos o contexto cultural onde os jogos de linguagem atuais se dão, veremos que a comunicabilidade estética - presente nas diversas "políticas culturais" longe de propiciar uma "iluminação profana" dá-se como forma legitimadora do establishment. Como resume Otília Arantes (1993), a tatilidade contemporânea não representa a afirmação do sujeito diante da técnica, mas a completa imersão no objeto e anulação de qualquer diferença do sujeito. Se o recolhimento diante da obra de arte transformara-se, na época de Benjamin, num modelo de comportamento anti-social, aqui, a tatilidade acaba por impedir o olho de se fixar em qualquer imagem, representando um novo espaço coercitivo (o que não 90 significa, evidentemente, uma retomada nostálgica dos ideais de uma obra orgânica nem de uma relação contemplativa e íntima com a obra de arte). Situar as imagens eletrônicas neste contexto significa então visualizar as forças extra-estéticas que perpassam sua pragmática e apontar-lhes um campo de atuação possível. Vejamos, para uma melhor configuração deste território, como se constituem tais imagens. 91 CAPÍTULO 3 A IMAGEM E SUA REPRODUTIBILIDADE ELETRÔNICA O surgimento da imagem eletrônica nos coloca diante de um novo campo imagético. Trata-se, agora, de uma imagem múltipla, variável e complexa, quer pela diversidade de suas manifestações concretas- fitas magnéticas, instalações, esculturas, performances, programações em tevês comerciais e alternativas, teleconferências, terminais de videotextos, videolasers etc., ou ainda em seu prolongamento informático como os terminais bancários e as diversas manifestações da computação gráfica - , quer pelas diferenças de regulagem dos monitores onde são apresentadas ou ainda por se apropriar, ao se tornar o medium dominante, de formas de expressão de meios muitas vezes avessos ao universo eletrônico. A imagem eletrônica tornou-se hegemônica- sobretudo com o predomínio da televisão a partir dos anos 60- passando a impor seu ritmo e linguagem às demais formas de comunicação. A imagem eletrônica sai, assim, do âmbito específico dos processos enunciadores de imagem para constituir-se naquilo que Kroker chama, a respeito da televisão, de um "gigantesco e exteriorizado sistema nervoso eletrônico, amplificando tecnologicamente todos os nossos sentidos e desenvolvendo funções sensórias em forma processada de 92 imagens e sons mutantes... Ela devolve nossa própria angústia com signos simulados e hiperreais de vida" (apud Marcondes Filho, 1991:33). Trata-se de uma imagem onde sua descrição é sempre problemática. Segundo Jameson (1988:105), o vídeo sempre escapará de toda tentativa de compreensão ou decifração, caracterizando-se significantes. por Fargier uma incessante (1987:52) também rotação aponta de para a dificuldade de se descrever a imagem eletrônica vendo o "ruído" como o específico do vídeo: "Trucagens, efeitos especiais - a escrita do vídeo, no limite, consiste nisto. Nada de grafia sem arranhão. É preciso que isto quebre para que isto passe. Arranhar, rasurar, obliterar, flicar, rasgar, grafitar: tudo é bom para dilacerar. Nenhuma imagem deve sair inteira daí". Trata-se de uma imagem onde o trabalho material é fundamental: a trama eletrônica, luz/cor, quadro, processo de emissão e recepção. Uma imagem onde o processo de enunciação carrega-se de significado. Progressão constante ou fluxo total de materiais múltiplos. A busca pelo específico da imagem eletrônica - feedback, efeitos especiais, sobreposições eletrônicas etc.- pode levar-nos a um obscurantismo tecnicista segundo o qual o aparecimento de uma nova tecnologia implica necessariamente o surgimento de uma nova problemática, uma ruptura com os modelos anteriores. A maioria das manifestações das imagens eletrônicas, é preciso reconhecer, não coloca problema algum, representando um uso meramente convencional das novas 93 técnicas. A questão é vermos se a sua presença pode ser integrada à um devir estético, se diante destas novas manifestações novas questões são colocadas, uma reformulação dos conceitos que tradicionalmente norteavam a crítica e a percepção é exigida. Cabe aqui uma observação importante. Embora venhamos tratando as imagens eletrônicas como um bloco monolítico, é necessária ter em vista a diferença existente entre a imagem videográfica e a imagem sintética - manifesta entre outros aspectos na oposição entre a "desconstrução" causada pela imagem videográfica (explícita na videoarte, mas latente em todas as suas estritamente manifestações) calculado dos e o processos controle geradores total da e imagem requerido pela imagem gerada por computador. No decorrer deste capítulo sintéticas falaremos enquanto das imagens imagens enunciadas videográficas e eletronicamente, indicando suas diferenças quando se fizer necessário. 94 3.1. IMAGENS SEM PERSPECTIVA A imagem eletrônica- o frame- é composta por cerca de 200 mil pixels, compondo 525 ou 625 linhas45, conforme o padrão adotado, e projetada numa superfície fotossensível e pulverizada em milhares de retículas. A tela do monitor não é, propriamente falando, um suporte: a imagem é sua própria atividade, a trama eletrônica. Segundo Nam June Paik, tudo é produzido a partir de um entrelaçamento eletrônico artificialmente produzido, donde o seu interesse - e dos videastas de uma maneira geral- pelas condições técnicas e materias da fabricação das imagens (Paik apud Fargier, 1979:12). Estas eletrônica determinações - pelo técnicas menos até que fazem a com que implantação a da imagem HD-TV confira-lhe uma "alta definição" -, contrariamente à imagem fotográfica e à cinematográfica que tornam imperceptíveis a olho nu sua realidade constitutiva ( os grãos de prata ), se afaste da "moral da acuidade visual", não sendo possível a manutenção dos conceitos de clareza, nitidez e precisão. A própria "profundidade de campo", tão cara aos sistemas baseados na perspectiva central não se sustenta no vídeo: 45- Ou, segundo os experimentos de HD-TV no sistema NHK da Sony, cerca de um milhão de pixels, compondo um quadro de 1125 linhas hoizontais. 95 "No vídeo, a profundidade de campo é sempre precária, porque a partir de um certo nível de afastamento do primeiro plano (foreground) as figuras tendem a se desmaterializar e a se confundir com as retículas" (Machado, 1988:46). Tais fatos fizeram uma série de especialistas pleitear, hiperbolicamente, a novidade destas imagens na ruptura com a pintura, a fotografia e o cinema. Em linhas gerais, a imagem eletrônica ao se automático (como espectador uma no afastar do registro caso da fotografia), disposição em aceitar a perspectivista não requer perspectiva do como ferramenta legítima da representação do real, desvinculandose de uma ideologia historicamente determinada e criticável. Implícita nestas análises está a crítica da "naturalidade" da imagem analógica. É preciso ver que, como mostra Panofsky (1980), nem a perspectiva central possível (as pássaro", as utilizadas implantação é a única perspectivas de "espinha durante toda representou forma de "curvilíneas", de a a peixe", história por da imposição "naturalista" de percepção46. Sua presença 46- representação as de "vôo exemplo, arte), de um de foram nem sua modelo dá-se como um Panofsky mostra o quanto a noção de um espaço infinito, constante e homogêneo é totalmente oposta a do espaço psicofisiológico, uma vez que a percepção encontra-se unida a determinados limites da faculdade perceptiva e a um campo limitado e definido do espaço. O postulado da homogeneidade do espaço também não se observa na percepção imediata, não se pondendo falar, aqui, na identidade rigorosa de lugar e direção. Por outro lado, a tese da constância do espaço perspectivo contraria o fato de vermos com dois olhos em 96 constructo racional que atende as demandas sócio-culturais do período (ao aparecimento de um "espaço sistemático", ao desenvolvimento da ótica geométrica, ao espírito que levou às "Grandes Descobertas", à forma republicana de governo etc.), dando-se muito mais como "forma simbólica"47 do que um mero problema de representação artística. Desta forma, é preciso reconhecer, como afirma Gombrich em Arte e Ilusão, que toda representação é convencional, reunindo elementos de redobramento da realidade visual ( o aspecto mirror) e múltiplos esquemas de simplificação da representação oriundos da tradição artística ( o aspecto map). Mais, se se nota que a representação perspectivista central representava um "espartilhamento" da realidade nos cânones rígidos da matemática, vinculando a imagem pictórica às formalizações algébricas de Descartes e Desargues, entre constante movimento, o que confere ao campo visual uma forma esferóide(embora neste caso, como observa Aumont (1993:40), Panofsky confunda a natureza da "imagem" retiniana, que é apenas um estágio do processamento da informação luminosa, e que não vemos jamais, com a imagem realmente percebida). Ver Panofsky, 1980 e Aumont, 1993. 47- Panofsky (ibidem, 27) utiliza esta noção, devida a Ernest Cassirer para designar as construções intelectuais e sociais(a linguagem, a imagem artística, os mitos, a ciência etc.) pelas quais o homem se relaciona com o mundo e para mostrar que cada período histórico teve sua forma simbólica da apreensão do espaço e que esta forma é sobredeterminada por uma concepção do visível e do mundo. 97 outros, a propalada (neste caso, com ruptura as com imagens as imagens sintéticas) eletrônicas torna-se insustentável. No entanto, essa coincidência matematizante agiu em sentido contrário às intenções renascentistas. Retomando a noção de forma simbólica vemos que o que não se sustenta mais hoje em dia é a noção de um real apreendido através do vínculo estabelecido sensíveis. Se tal noção passa com suas aparências por transformações já no século XVII, interpondo entre o real e sua representação a individualidade burguesa48, permanecerá atuante até o século 48- A eleição do espaço homogêneo e sistemático da perspectiva central liga-se inicialmente, como mostrou Foucault (1992), à idéia difundida no século XVI da relação do microcosmos com o macrocosmos. Tal relação sustenta a visão da natureza (do microcosmos) como um jogo de signos e das semelhanças enquanto figura redobrada do macrocosmos. Daí a importância de uma pintura-ciência onde a imagem, assemelhando-se às estruturas subjacentes às formas sensíveis - e supondo-se uma ligação ( uma simpatia) entre as marcas e as coisas designadas - , dava-se como uma reduplicação, como um espelho do mundo. No século XVII, desaparecendo o liame que ligava o signo à coisa representada, as similitudes conduzirão, agora, ao engano dos sentidos, sendo excluídas como experiência fundamental do saber. Não se trata mais de interpretar as marcas do invisível, através da leitura de suas semelhanças, de suas simpatias, mas de compará-las e de discenir, através do pensamento intuitivo, as identidades verdadeiras. A imagem (ou, em sentido mais amplo, o signo) deixa de ser uma reduplicação do mundo para tornar-se um desdobramento deste em seu espaço. A relação imagem-mundo dá-se, agora, no interior do conhecimento, marcando o paralelismo entre o aparato perspectivista e o momento da constituição do Sujeito e da singularidade burguesa (embora tal aproximação deva ser vista com reserva, uma vez que, como aponta Jacques Aumont (1993:217), o centramento da representação e sua assimilação à visão humana são fenômenos 98 XIX, período em que com a pintura acadêmica e com o surgimento da fotografia atinge seu "estágio supremo". É igualmente conhecido representativo no o esgotamento século XIX deste através da modelo pintura impressionista e de Cézanne49. No cinema, podemos observar igual afastamento através das vanguardas do início do século. Afastando-se da demanda de ilusionismo que induziu o cinema nascente a seguir os passos do teatro e da literatura consolidados no século XIX50, nos anos 20 cineastas como Abel Gance, Jean Epstein, Germaine abriram Dulac, fogo Eisenstein contra o e Dziga naturalismo Vertov burguês entre outros, e tensões as melodramáticas, recorrendo a uma experimentação visual que impedia a percepção identitária, liberando o espectador das hierarquias impostas pelas coordenadas espaço-temporais51. mais característicos da pintura em torno de 1800 e da fotografia incipiente). 49- Não se trata, evidentemente, de um percurso linear. Como mostrou Baltrusaitis (1977), métodos de deformação dos raios visuais da pirâmide albertiana, as anamorfoses, são temporalmente sincrônicos ao aperfeiçoamento do código perspectivista renascentista, verificando-se desde então uma direção "especular" e uma direção desconstrutora desta "objetividade" visual. Estas duas tendências, não sendo excludentes, se intercalam, observando-se a predominância, em certas épocas, ora de uma ora de outra, ou de sua interpenetração. 50- Repondo, portanto, o modelo de figuração do século XV posto em crise pelas artes plásticas. 51Embora outras experimentações "anamórficas" - as do cinema surrealista por exemplo - tenham sido realizadas no 99 Ao tentar "justapor todos os pontos do universo" (Vertov) pretendia-se criar uma brecha na relação do sujeito com o espaço da representação (Dubois, 1988:273-276). A utilização do close up, as alterações das velocidades no processo de registro, as explorações plásticas das imagens e dos objetos etc. fazem com que a identidade da pessoa ou do objeto vistos seja precária e que a unidade do espaço não passe de uma ficção (Xavier, 1984:92). A partir dos anos 30 estas experiências são colocadas à margem em prol da "linguagem cinematográfica institucional", através de uma "escrita" cinematográfica que, por intermédio da decupagem clássica, impõe uma evolução histórica do repertório que, escondendo as marcas da fratura da montagem e ocultando sua natureza convencional, instaura o ilusionismo. Com Porter, Ince e Griffith, com a invenção do grande plano, do campo/contra-campo, da profundidade de campo, com a interpretação naturalista dos atores etc se entra no universo físico e mental da narração, convertendo-a em algo natural, admitindo-se a hipótese de que o modo normal ou natural de se combinar as imagens é aquele que não destrói a "impressão de realidade" da imagem cinematográfica. Estabelece-se, desta forma, a ilusão de que o espectador sentido de afastar o cinema das imagens naturalistas, elas se mostraram esporádicas e pontuais. 100 está em contato direto, sem mediações, com o mundo representado. Subjacente a esta prática está a crença num mundo "pleno de sentido", captado em sua essência pela câmera cinematográfica. Esse movimento de refluxo não significa, evidentemente, a volta aos ideais de uma sociedade orgânica, uma vez que as formas de experiência vivida já haviam sido pulverizadas pela cidade marcava grande uma e onde a "existência" presença dos atomizada, faits divers impedindo a possibilidade de narrativa. Neste sentido, este movimento se explica tanto pelo enquadramento das vanguardas- quer pelo fascismo italiano ou pelo realismo socialista-, quanto por um compromisso democrático (na forma da frente popular, New Deal) que volta a valorizar as formas tradicionais que contam com o assentimento de amplas camadas da população -, bem como pela tentativa de internacionalização da indústria cinematográfica norte-americana que, não tolerando produtos que não sejam profissionais, isto é, que não recorram aos sofisticados aparatos sincronização e justapor, nos de mixagem filmes, de muitos gravação, som, captação montagem objetos de etc., atração póspassa de a um público não predisposto à ida frequente ao cinema (Prokop, 1986). 101 No fim dos anos 50, tais princípios tornaram-se objeto de crítica52. Opondo-se à impressão de realidade do cinema clássico, surge toda uma produção teórica nos anos 60 que verá na manutenção de tal ilusionismo a presença da ideologia burguesa. Quer sob a influência da semiologia, quer sob influência da psicanálise lacaniana ou do marxismo althusseriano, critica-se a idéia do espelhamento linguagemmundo (ou, no caso do cinema, imagem-realidade) em prol da idéia de "produção de significado" pelo próprio trabalho cinematográfico. No centro destas críticas encontram-se as teses de que ao "naturalizar" (através da decupagem clássica e da narração realista) a perspectiva central e a profundidade de campo nos filmes, o cinema clássico reproduz os códigos que definem a objetividade visual segundo a cultura dominante em nossa sociedade, impondo a "representação" como "realidade", daí seu caráter dispositivo-cinema ideológico como e a tese instrumento que, de tomando o reprodução indefinida do sujeito centrado (aqui no sentido do sujeito transcendental), associa o cinema clássico à manutenção do idealismo burguês. 52- Ver a esse respeito a polêmica entre os Cahiers du Cinéma e a revista Cinéthique matizada por Ismail Xavier em (Xavier, 1986). 102 Embora a identificação da representação narrativa ou da imagem de perspectiva central (automatizada pela câmera fotográfica e cinematográfica) com a ideologia burguesa seja problemática - como já apontada por Patrick Lebel(1971), para quem tais críticos adotam uma "concepção monolítica da ideologia dominante" não percebendo, portanto, que é o uso social de um aparelho que define seu papel ideológico - e não se dê sem as devidas mediações ( que precisariam ser analisadas caso a caso), o fato é que estas idéias passaram a valorizar a "crítica da representação" empreendida pela nova produção cinematográfica dos anos 60 que dissolve qualquer crença no "sentido" ou no "significado". Agora, o surgimento da imagem eletrônica ao invés de romper com os demais meios expressivos, alia-se a eles na busca deste novo topos expressivo. Apesar das produções tradicionais de vídeo - a televisão broadcasting especialmente - pôr-se a serviço da ilusão da realidade - o que representa, no universo das imagens eletrônicas a imposição de princípios de ordem econômica, tal como se observou na constituição da indústria cinematográfica especificidades -, a da videoarte imagem tratou eletrônica de explorar as no sentido de ocupou-se da transgredir tal ilusionismo. Uma grande parte da videoarte nascente implosão do visual através da elaboração de um verdadeiro 103 sistema desconstrutivo. Desde os primórdios, Nam June Paik e Wolf Vostell representam esta tendência diluidora. Em 1963, Vostell registra sobre película de 16 mm imagens de tevê desreguladas (Tv Décollage), tornando evidente que sob uma imagem eletrônica há sempre uma outra imagem (Fargier, 1986:11). O conceito de décollage: "um princípio de produção que faz uso da destruição e da autodestruição, ao contrário da colagem intactos" na qual (Vostell) constitutiva da estão revela imagem, reunidos sua com o objetos preocupação incessante quase com a sempre trama movimento da multiplicidade inerente a toda imagem eletrônica. A ira desconstrutora de Vostell dirigia-se até mesmo para os próprios aparelhos de tevê e sua linguagem. Numa exposição realizada na Alemanha em 1963, Wolf destrói um televisor na presença do público: "Ele enrola os televisores com um fio de arame farpado, os enterra pela metade, ele os cimenta até três quartos, os entala num buraco da parede, num sexo de mulher, ele os enfia na garganta seccionada de um lobo, os joga numa cama, em cima de um monte de sapatos" ( apud Matuk, 1989:151). Sessenta e três é também o ano em que Paik apresenta os resultados de sua pesquisa visual baseada na eletrônica. Trabalhando com a modulação horizontal e vertical e com pulsos de sincronização, Paik conseguiu distorcer as imagens transmitidas pela tevê. Mais tarde, aproxima um ímã circular da superfície da tela da tevê alterando, desta forma, a 104 trajetória do feixe de elétrons e desregulando a estrutura harmônica das imagens ( Distorced TV Sets ). Em 1969, Paik e Suya Abe constróem os primeiros sintetizadores de imagem de vídeo, mecanismo este capaz de gerar imagens sem o recurso às câmeras de registro ótico e de distorcer imagens já enunciadas. O resultado destas experiências pode ser visto em várias de suas obras como Global Grove (1973), Tribute to John Cage (1974) e Good Morning Mr. Orwel(1979). Global Grove, por exemplo, mostra um comercial japonês da Pepsi Cola, Allen Ginsberg cantando mantras, John Cage discorrendo sobre o silêncio, Charlotte Moorman na famosa sequência do TV-Celo. Fragmentação, simultaneidade, mudança de escala, perda da unidade: é a multiplicação que põe fim a unidade do corpo (Fargier, 1986: em prol 16). da representação Justaposição, eletrônica incrustação, sobreposição, saturação de imagens: há sempre mais de uma imagem em uma imagem. Há sempre várias coisas para se ver ao mesmo tempo. O pontilhismo da trama eletrônica e a "baixa definição" aliados com as técnicas de manipulação da imagem fizeram do vídeo um espaço impróprio para a manutenção da profundidade de campo e da tradição do cinema hegemônico. Este questionamento da noção de "representação" e das concepções tradicionais de verdade, observado também em 105 outros domínios da vida cultural dos sixties53, embora tenha produzido aquilo efeitos que radicais pretende genuínos, opor-se num acaba dissolvendo emaranhado textual indefinido. Como afirma Terry Eagleton (1993:273): "...é simples demais imaginar que todas as ideologias dominantes operem necessariamente com conceitos de verdade absolutos e auto-idênticos, que um toque de textualidade, de desconstrução ou ironia auto-reflexiva possa desmontar. Uma oposição assim simplista ignora a complexidade própria dessas ideologias, que são bastante capazes, de vez em quando, de incluir a ironia e a autoreflexão entre suas armas". Mais do que o fim da ideologia burguesa, o que se viu foi a inadequação pressupunha da forma conceitos de simbólica clássica totalidade (que bastante homogeneizadores) a um contexto sócio-cultural cada vez mais cambiante e instável. Neste sentido, a "ausência de perspectiva" da produção imagética contemporânea representa sua imersão numa nova formação ideológica. O fato deste modelo representacional ter-se tornado hegemônico a partir do surgimento das imagens eletrônicas 53- No teatro, por exemplo, o rompimento com o espaço representacional ilusionista dá-se pela atenção às convenções do palco - num retorno a Brecht e sobre forte influência das idéias de Artaud. O teatro experimental, representado pelas performances, happenings, teatro do absurdo etc., buscava libertar-se da subserviência do roteiro, caracteriza-se pelo desdém pelas marcações e pelo texto, enfatizando o improviso, dissolvendo todo tipo de coerência, enredo, personagens e ambientes tradicionais. Na literatura, experiências como a do Nouveau Roman também marcam a ruptura com o espaço narrativo clássico. 106 transcende, desta forma, os limites de sua história interna para aliar-se aos anseios da sociedade do período. Agora, de modo nada surpreendente, as dissonâncias culturais período não sobreviveram à consolidação que se seguiu. do 107 3.2. AS IMAGENS DISSONANTES DA VIDEOARTE Embora a videoarte partilhe com a televisão broadcasting as características eletrônica - entrecortada de ambas pela enunciação requerem presença dos e uma recepção da recepção "próxima", materiais imagem enunciadores da imagem -, não podemos esquecer que esta surge como um dos instrumentos de revolta contra a televisão comercial e contra o sistema institucional das artes. Nos primórdios da videoarte, vários artistas passaram a usar as novas tecnologias - o portapack54 e os sintetizadores de imagem por exemplo - como uma crítica social à audiência da massa e à postura dos artistas frente à indústria de entretenimento de massa. A televisão oficial, julgada infantil, é vista como uma meio onde nenhuma liberdade é deixada ao espectador. Segundo Ira Schneider (1985), a aparição dos primeiros equipamentos de vídeo permitiu um tipo de comunicação menos dominada pelos órgãos diversos tipos de tradicional de comunicação, experiências. representava, desta A mais alteração forma, a aberta da aos imagem tentativa de desregular os mecanismos de visão deste público e lhe propor um novo tipo de imagem (Bloch, 1986:22). 54- Marca do primeiro gravador portátil de meia polegada fabricado pela Sony. 108 Artistas como Frank Gilette, Ira Schneider, Paul Ryan, Dan Graham, Peter interessantes Campus trabalhos e neste Bill Viola sentido. realizaram Paul Ryan, por exemplo, apresentou em TV as a creative medium,a primeira mostra coletiva de videoarte organizada em 1969, na Howard Wise Gallery de Nova Yorque, um dispositivo no qual o visitante dirigia-se a um confessionário e gravava seu rosto durante a confissão. Ao terminar, ele circundava o confessionário e sentava-se no lugar do padre para assistir à gravação de sua própria confissão. Frank Gilette apresentou na mesma exposição seu Wipe Cycle. Através do uso do feed-back, Gilette fazia com que o espectador tivesse uma experiência visual de si mesmo no mesmo instante que sua imagem era captada por uma câmera e também oito e dezesseis segundos depois (Matuk, 1989: 166-167). Bill Viola, em sua instalação He Weeps For You, fazia com que o espectador se visse projetado numa tela deformadamente por sua reflexão em uma gota d'água; a gota, ao cair devido o seu próprio peso, desfazia a imagem até que se formasse uma nova gota e uma nova imagem Manhattan (Bonet, is an 1979: Island, 104). Ira coloca 24 Schneider, em monitores seu e 6 videogravadores dispostos circularmente exibindo visões da cidade de diferentes pontos de vista: as partes alta, baixa e central transporte. de O Manhatan tomadas espectador, por além diferentes de ter um meios de panorama 109 hiperconcentrado e virtual da ilha, ouvia uma justaposição de sons aleatórios. Várias outras mostras (com a participação de artistas como Acconci, Fox, Naumam, Oppenheim etc.) foram organizadas no período. Fica a impressão recorrente em todas as obras de que se trata de uma arte que tira proveito de uma manipulação da grande comunicação televisual. Possibilitando uma interferência direta no meio, lidando com pontos de vista distintos, vivenciando uma temporalidade diversa etc. A "guerrilha crescimento de televisual"55 vários foi grupos também observada independentes - pelo Raindance, TVTV, People's Video Theatre, Videofreex, Global Village, Paper Tiger Television etc. Produzindo vários "Sreet tapes", suas fitas eram espontâneas, arbitrárias e frequentemente caóticas, revelando uma fascinação pelo simples ato do registro. Grupos como Videofreex procuram estabelecer uma relação entre estabelecido, registrando as o movimento percorrendo de o manifestações contracultura país dos no seu movimentos e o poder "video-bus", alternativos Termo aqui utilizado em referência ao livro Guerrilla Television, publicado em 1971 de autoria de M. Shamberg, que, imerso no espírito da contracultura do período e fascinado com as qualidades do novo meio, vê os portapacks, a tevê a cabo e os videocassetes constituindo uma alternativa ao papel alienador dos mass-media na sociedade americana. Tal termo foi utilizado pelo autor para caracterizar a proliferação de grupos independentes de vídeo-artistas que se seguiu a 1969. 55- 110 com as mídia dominantes. Raindance, por sua vez, produz irônicos comentários complexidade das sobre relações o de estado poder da sociedade manifestadas na e a vida cotidiana, através da justaposição dos mass media com as mídia alternativas, explorando os pontos de junção entre a televisão, a arte e a mudança social. As intensas movimentações sociais e o idealismo extremo dos anos 60 formaram um solo propício para que este novo meio, sem nenhuma tradição no sistema das artes, contemporâneo das performances, da arte conceitual, da land art ou da body art, fosse visto como um meio privilegiado para se questionar os mass media,o tradicional objeto de arte, e o modernismo institucionalizado ( alguns autores como Raymond Bellour e Fredric Jameson o vêem como já sendo um produto pós-moderno). O vídeo constitui-se, desta maneira, numa forma ideal para se colocar em prática as teorias de Allan Kaprow, Merce Cunninghan, John Cage e Robert Rauschenberg que desejavam suprir as fronteiras entre as diferentes artes, rompendo como a especificidade e autonomia da obra. Estes ensejos vanguardistas mostraram-se, desde o início, ambíguos. A relação da videoarte e dos grupos de 111 "guerilha televisiva" com a macrotelevisão56 foi , a um só tempo, de repulsa e atração. Contrariando o espírito das vanguardas do início do século, a "guerrilha televisiva" mostrava-se muito mais "ecológica" que política. Como afirma o autor do termo: "Muitos pensam que "radical" é sinônimo de político, porém não é o nosso caso. Nós cremos em soluções póspolíticas para os problemas culturais, e essas soluções são radicais em sua descontinuidade com o passado. Assim, nosso emprego desse adjetivo serve para desviar as pessoas de um antigo contexto (o político) para o nosso" (Shamberg, 1971). A ambiguidade destes novos meios pode ser observada através da discussão entre Enzensberger e Baudrillard acerca do caráter emancipatório ou regressivo dos meios eletrônicos. Enzensberger, em seu ensaio Elementos para uma teoria dos meios de comunicação,pretendendo fornecer elementos para uma "teoria socialista dos media", vê os novos meios classes eletrônicos, dominantes, atualmente desviados de sob seu o monopólio proveito. das Nestes termos, atribuindo às classes dominantes a redução destes meios de comunicação a simples meios de distribuição, caberia à sociedade socialista recuperar aos media sua estrutura reencontrando, 56- "fundamentalmente igualitária", Termo utilizado por René Berger televisão convencional: estatal privada/comercial (oligopolista). para se referir a (monopolista) ou 112 desta forma, sua autenticidade, sua vocação de comunicação democrática ilimitada: "Pela primeira vez na história, os meios de comunicação possibilitam a participação maciça em um processo produtivo social e socializado, cujos meios práticos se encontram nas mãos das próprias massas. Uma utilização desse tipo conferiria autenticidade aos meios de comunicação (que até agora levam injustamente esse nome). Na sua forma atual, técnicas como a televisão e o cinema não estão a serviço da comunicação, mas até lhe são obstáculos" (1978:49-50). Reinvestidos de sua autenticidade, os novos meios eletrônicos conseguiriam destruir os métodos privados de produção dos intelectuais burgueses, devido precisamente a suas potencialidades progressivas, a saber, sua estrutura coletiva que, eliminando do isolamento os participantes individuais, possibilitaria sua auto-organização, rompendo, em última instância, a oposição entre produtores e consumidores. Em sua critique crítica de a Enzensberger, l'économie politique contida du em Pour une Baudrillard signe, reprova a atribuição de um destino revolucionário aos novos meios (tal fato se daria pela ilusão de se atribuir um "valor de uso" social anterior e fundamentalmente oposto ao "valor de burguesa57). 57- troca" Vendo capitalista a e arquitetura investido atual dos da ideologia media como Para Baudrillard, a utilidade imediata não antecede a possibilidade da troca, mas é sua consequência. O valor de uso é justamente a forma metafísica de que o valor de troca se reveste, antes sua intensificação do que o seu oposto: 113 antimediadora, impossibilitando qualquer possibilidade de troca, isto é, de uma resposta que quebre a unilateralidade da comunicação, Baudrillard aponta para a ilusão estratégica de se crer num desvio crítico dos novos meios eletrônicos. A ideologia dos media está nesta arquitetura, ao nível da forma. A única colocar alternativa todo valor à capacidade oposicional a do capitalismo seu serviço é de uma resistência ao conceito do valor mesmo, aqui assumindo o nome de "troca simbólica". O simbólico é, desta forma, assumido como um ato de troca que põe fim a todo tipo de disjunção, uma indissolúvel. reconciliação Agora, revolucionária dos para media, das além oposições de numa qualquer tratar-se-ia de sua unidade recuperação destruição enquanto tais: "Isto não implica liquidação, tal como a crítica radical do discurso não implica a negação da linguagem enquanto material significante. Mas implica certamente a liquidação de toda sua estrutura atual,funcional e "Se o sistema do valor de uso é produzido pelo sistema do valor de troca como sua própria ideologia - se o valor de uso não tem autonomia, sendo apenas o satélite e o álibi do valor de troca, se bem que combinando-se sistematicamente com ele o quadro da economia política, já não é possível pôr o valor de uso como alternativa ao valor de troca e, portanto, nem sua "restituição" no final da economia política, sob o signo da "liberação das necessidades" e da "administração das coisas", como perspectiva revolucionária" (1972: 167-168). 114 técnica, de sua forma operacional, se assim se pode dizer, que reflete por toda parte a sua forma social. No limite, certamente, é o próprio conceito de médium que desaparece, que deve desaparecer: a palavra trocada, a troca recíproca e simbólica nega a noção e a função de médium, de intermediário" (Baudrillard, 1972: 218). Ainda que se dispense todos os matizes apocalípticos envolvidos em tal posição58, não podemos desprezar a relevância da crítica no "destino" revolucionário dos novos meios, nem o fato deles representarem a operacionalização da ideologia em nossa sociedade. Ainda que se advogue a possibilidade de transformações - mesmo limitadas - e usos não regressivos dos meios eletrônicos, não podemos deixar de concordar que a crença nos usos emancipatórios do feed-back (transformando-os em meios de comunicação) contribui para reproduzir aquilo a que se opõe59. Longe de representar uma oposição à estrutura de poder dominante, a "reversibilidade" formal destes meios significa uma mudança de estatuto do próprio sistema que, agora, passa a prescindir do controle orwelliano. Portanto, a euforia cega nos avanços tecnológicos (em sintonia com a exaltação dos feitos da 3ª Revolução Tecnológica) aliada ao teor antipolítico artistas 58- e de teóricos seus manifestos envolvidos com acabaram os novos levando meios Em nossa conclusão discutiremos mais detalhadamente tal posicionamento e suas consequências para uma análise crítica dos meios eletrônicos. 59- Voltaremos a isso ao tratar da "interatividade" destes meios. 115 eletrônicos a subestimar o poder incorporador da indústria de comunicação. Em sintonia com as mutações da época e com a institucionalização das mídia, em meados dos anos 70, os grupos de videoarte Stephen "guerillha se vê Burk, televisiva" incorporada Vasulka, são pelo Etra e dissolvidos a Assim, establishment. Emshwiller e constróem seus sintetizadores com a ajuda das grandes cadeias de televisão (vários laboratórios de experimentação são montados dentro das emissoras). O departamento experimental da KQED-TV de San Francisco realiza experimentos de manipulação eletrônica de materiais pré-gravados e de exploração estética da imagem videográfica através da colaboração de artistas de diversas áreas de expressão: William Allen, William Brown, Richard Feliciano, Loren Sears, Jepson etc. A WGBH-TV apresentação de algumas Bill Roarty, Stephen Beck, W. de Boston foi a responsável pela inovações em relação à produção standard transmitindo programas experimetais como The Medium is the Medium, em 1969, Video Variations, em 1972 e Video: The New Wave, em 1973. A WNET-TV de New York, concentrandose na área documental e videoartística, conta com a presença de nomes Douglas como: Davis, Ed Bill Emshwiller, Viola, William Joan Jonas Gwin, N.J. Paik, entre outros. Na década de 70, fundações como a Rockefeller Foudation e a New York State Council on the Arts, distribuem fortes somas a 116 artistas e organismos Syracuse, Bonino, de vídeo. Everson Museus, etc.) e galerias canais (MOMA, oficiais (especialmente o canal 13 de New York) realizaram mostras de vídeo60. Deste contato surgiram obras de incontestável cunho inovador: Em 1979, por exemplo, Doug Hall, Chip Lord e Jody Proctor, acolhidos por uma cadeia de televisão local no Texas, produzem Amarillo Tapes, uma fita que questiona a realidade do jornal televisivo revelando, segundo Bellour (1986:92), o arbitrário, o falso natural e a paranóia invisível do código. Bill Viola exibe em novembro de 1983, na WGBH-TV, seu Reverse Television, onde quarenta e quatro pessoas apareciam diante da câmera, durante um minuto cada, em silêncio, sem ser anunciadas, nem localizadas. Anthony Muntadas, com Media Ecology Ads, exibe no espaço dos comerciais, imagens que levam a uma reflexão sobre o tempo televisivo. No primeiro plano, uma linha clara corta horizontalmente a tela escura. Uma chama, à esquerda, se acende e a consome. Quando a chama termina de consumir a linha, o tape termina (5 minutos e quarenta segundos). Durante este tempo aparece, da direita para a esquerda, um texto sobre o tempo de Sang-Tan, um escritor zen do século II. 60- Em 1987, Anthony Muntadas e Hanky Ver a esse respeito Bonet et all, 1980 e Bull editam, no Sturken,1988. 117 Canadá, Cross Cultural Television. Utilizando apenas a justaposição de imagens de tevê captadas em diversos países, são apresentados segmentos dos sinais de identificação das redes, das vinhetas e dos apresentadores de telejornais, das reportagens do mercado financeiro, de informações metereológicas. Num dos segmentos, apresentam-se imagens do arcebispo Desmond Tutu sem edição e, em seguida, o mesmo seguimento editado pela rede americana CBS (apud Matuk, 1989: 177-180). Não se tratava mais, entretanto, como na videoarte nascente, de se propor o portapack como algo necessariamente radical e esquerdista, signo da esperança revolucionária de outorgar ao público televisivo o poder de fazer televisão. Diante dos aspectos financeiros, de controle, de distribuição etc. envolvidos na arte eletrônica, o que estas experiências assinalam, além de sua ambiguidade de origem a um tempo radical e cooptada61 - , é uma nova forma de relacionamento entre a Arte e o establishment. 61- Ou seja, pode-se aderir ao fluxo incessante da rede televisiva, cair-se nas armadilhas ideológicas do sistema contribuindo-se, através do respaldo estético, para sua legitimação social, ou pode-se resistir a ele, levá-lo a uma aceleração autofágica, denunciar o aleatório do "verdadeiro" e o verdadeiro do "falso". 118 3.3. O OCASO DA CÂMERA Em entrevista a Jean-Paul Fargier, Nam June Paik diz não se questionar a propósito da imagem, mas exclusivamente sobre seu processo: "não é a imagem que me interessa, mas o processo de sua fabricação" (apud Fargier, 1979:12). Nestes termos, a imagem eletrônica não passa do retalhamento de um campo visual em um campo reticulado que pode ser varrido por um feixe de elétrons e cuja capacidade para produzir eletricidade varia de acordo com a quantidade de luz que incide sobre cada um de seus pontos (Machado,1988:41). Para a imagem eletrônica o registro ótico, isto é, a captação dos efeitos luminosos de um objeto externo por um suporte fotossensível, é menos importante que a trama eletrônica. Através de modulações eletrônicas, pode-se distorcer as imagens do mundo externo até a abstração (Distorced TV Sets) ou mesmo gerar imagens inexistentes através de sintetizadores de imagens. Se a videoarte explorou ao máximo tais características, com a chegada dos processos digitais de enunciação de imagens o ocaso da câmera dá um salto definitivo. Composta de pequenos segmentos - pixels - aos quais são atribuídos valores numéricos, a imagem sintética se apresenta como uma matriz numérica sobre a qual se exerce um controle total, podendo-se conservá-la, reproduzi-la, 119 alterá-la parcial ou totalmente pela simples manipulação de seus números. objetos do Não é mundo, mais mas a as incidência da matemáticas, luz os sobre os índices de refração, de reflexão, da resistência dos materiais etc. que trabalham. A imagem numérica tem como suporte os números e não a matéria. Abre-se com isto uma nova discussão sobre o estatuto da imagem e sua relação com a chamada realidade. As imagens formadas a partir do registro ótico foram tidas durante muito tempo como sentido indiciais(no de Charles Peirce, isto é, no sentido em que o índice resulta de uma relação natural com seu referente). A fotografia, ao guardar um traço da ação da luz sobre determinados objetos, isentaria-se de dar sua interpretação sobre determinado acontecimento, isolando-o (paralisando-o) dos demais e dando provas de sua existência. Esta visão teve longa duração e foi partilhada por teóricos como Roland Barthes e Susan Sontag, por exemplo. Para o primeiro, a fotografia é uma emanação do referente, uma espécie de vínculo umbilical que liga o meu olhar ao corpo da coisa fotografada (1984:121). A fotografia transmite, para Barthes, o real literal e, se é certo que a imagem não é o real, ela é seu analogon perfeito (1961:1011). Para Susan Sontag, o que diferencia a fotografia das outras imagens (como a pintura) é o fato dela ser um 120 vestígio material, como uma pegada ou uma máscara fúnebre, do objeto fotografado (1981: 148). Se esta imbricação entre a fotografia e o objeto fotografado parece ser a marca distintiva desta em relação às demais artes miméticas, tal amálgama só foi possível, segundo a análise corrente, devido ao uso que a fotografia faz da construção perspectivista e devido a "automaticidade" de seu registro, capaz de ultrapassar a intencionalidade do fotógrafo. Assim entendida, a imagem fotográfica seria o coroamento da tentativa de se representar o mundo objetivamente, tentativa esta que encontraria suas origens na pintura renascentista. A base de tal visão [e o motivo de sua impropriedade] reside menos no automatismo da construção perspectivista e mais na leitura positiva que o século XIX faz de seus procedimentos62. O abandono da postura segundo a qual os seres poderiam ser apreendidos como combinações de estruturas visíveis em prol da noção de organização, isto é, de uma estrutura [interior aos próprios seres] de ordem superior à qual se refere tudo o que se conhece nos seres 62- Se a eleição da representação perspectivista associa-se, ao menos a partir do séc. XVII, à crença de uma ligação entre as aparências e as coisas designadas e no conhecimento das estruturas subjacentes ao visível mediado pelo sujeito cognoscente, tal recurso mostra-se impróprio à "objetividade" requerida pela imagem fotográfica. 121 (Jacob, 1985:84), operada na segunda metade do século XVII, foi lida, no século XIX, como a imposição de um universo articulado onde não é mais a imaginação ou a concordância entre o objeto racionalidade e já o sujeito vem que inscrita dá na ordem ao estrutura mundo; mesma a da natureza, podendo, portanto, o sujeito eclipsar-se diante desta realidade. Transportada para a estrutura das coisas, a ordem antes imposta pelo "olho arbitrário do artista" será signo de seu eclipse. Agora, segundo o espírito positivista da época, se exige, tanto da ciência como da arte, um apego ao certo e indubitável, ao determinado e útil; exatidão científica e reprodução fiel da realidade na obra de arte. Tal exigência será vista como realizada pela Fotografia. Ao tornar veracidade, a imagem fotográfica o grande modelo de ela poderá substituir o próprio real, fazendo- se com que se trabalhe sobre essas imagens como se estivesse trabalhando sobre a própria natureza (trata-se do conceito de modelo científico). primeiro momento, em A ilusão de tal visão reside, num confundir um modelo geométrico (a perspectiva linear) com o modelo perceptivo do olho humano (a perspectiva naturalis)63, naturalizando aquilo que não passa de constructo arbitrário, concedendo, desta forma, à 63- Cf. Jacques Aumont( 1993: 37-47) 122 analogia papel de perspectiva modelo de toda representação. Ora, nem a central é o único sistema cientificamente legítimo, nem a imagem mais analógica que se possa conceber representa aquela que fornece o máximo de informação sobre a realidade. A subjacentes, vinculação passíveis entre de o ser real e suas apreendidas estruturas por modelo um representativo, torna-se ideológica, no sentido preciso do termo, ao ocultar sua parcialidade e contextualidade histórica. O que escapa a Barthes e aos demais defensores do caráter essencialmente denotativo da fotografia, é que a passagem da natureza à imagem fotográfica é uma transformação (no sentido matemático do termo). A natureza tornada imagem se constitui em signos substancialmente diferentes do objeto que ela dá a ler. A natureza tornada imagem dá-se numa organização, numa estruturação, numa pigmentação, numa clareza só possível pela refração que a distorce; constituindo-se, necessariamente, numa mensagem segunda. Neste sentido, como afirma Arlindo Machado (1984), a imagem fotográfica tradicionais, é devendo, tão simbólica igualmente, quanto ser as imagens decifrada pelo leitor. Ao observar uma foto, o leitor não se depara com seu significado - mas com um feixe de teorias (óticas, físicas, químicas etc.) tornadas concretas pela imagem. Se assim não 123 o parece é porque, constitutivos imagem), a não se ciência devido darem em ao à fato visão questão se de seus (alta processos definição apresenta como da uma linguagem tão objetiva que é a própria natureza. A "visão fotográfica" do mundo pressupõe a possibilidade de um recorte imobilizador da realidade. Para ser apreendido na foto, os primeiros fotógrafos submetiam as pessoas a verdadeiras torturas de imobilidade, servindo-se de "appuietête" e de diversos instrumentos para sustentar o corpo: "A fotografia transformava o sujeito em objeto, e até mesmo, se é possível falar assim, em objeto de museu: para fazer os primeiros retratos (em torno de 1840), era preciso submeter o sujeito a longas poses atrás de uma vidraça em pleno sol; tornar-se objeto, isso fazia sofrer como uma operação cirúrgica; inventou-se então um aparelho, um apoio para a cabeça, espécie de prótese, invisível para a objetiva, que sustentava e mantinha o corpo em sua passagem para a imobilidade: esse apoio para a cabeça era o soco da estátua que eu ia tornar-me, o espartilho de minha essência" (Barthes, 1984:26-27). Embora o desenvolvimento tecnológico tenha diminuído a frações de segundos essa "tortura de imobilidade", permanece a mesma intenção. Se a Fotografia podia ser vista como cópia fiel da realidade é porque se supunha uma natureza uniforme e operável. Compartilha-se a fé em um mundo em que tudo poderia ser descrito e reproduzido em termos de exemplos concretos. Se A. Comte podia pregar uma submissão à observação do real, do certo e indubitável, era porque se supunha uma certa regularidade dos fenômenos naturais: sempre haveria possibilidade de se comprovar as afirmações 124 da ciência, remetendo-as aos fenômenos naturais de onde estas emergiram. A hegemonia das imagens eletrônicas - e a "visão pósfotográfica" do mundo - representa não só um rompimento com o registro ótico, mas uma nova forma de apreensão e compreensão do mundo. Contrariando a crença na apreensão "objetiva" da realidade, a teoria einsteiniana demonstra que os conceitos de espaço e de tempo, bem como os de forma, dimensão, cor etc. são nossa consciência64 formas de intuição indissociáveis de ( Virilio, 1994:42), restando-nos, portanto, acerca da realidade externa, somente um conjunto de informações conformes à re-presentação em nossas imagens mentais. Agora, e a própria proliferação dos "pontos de vista" fotográficos já o comprova, o princípio claro de ordenação dos acontecimentos e de suas provas externas estão comprometidos. Se a imagem fotográfica teve a pretensão de "fixar" a realidade 64- externa num suporte materialmente sensível, a Embora a física quântica refira-se, evidentemente, às propriedades das partículas elementares, Virilio faz, a partir das idéias de Max Planck, Heisenberg e Louis de Broglie, extensões ao nível macroscópico. Assim como, do ponto de vista quântico, as relações de incerteza nos impedem de conhecer, ao mesmo tempo a figura e o movimento, haveria, na escala macroscópica a mesma crise das dimensões físicas. O quadro "espaço-tempo", tido como algo dado a priori e passível de descrição através das coordenadas cartesianas é desbancado pelo indeterminismo dos atuais modelos de representação do mundo (Ver Virilio, 1993). 125 ausência de suporte da imagerie contemporânea representa, ao contrário, a impossibilidade de se fixar qualquer verdade única. Trata-se, agora, não da monumentalidade de um passado que existiu, mas da própria abolição do princípio de verdade. Às questões do verdadeiro e do falso superpõem-se as da verossimilhança e da inverossimilhança. A fronteira entre o verdadeiro e o falso torna-se cada vez mais impalpável. A câmera fotográfica não fixa mais uma verdade insofismável, mas apenas encenações. As imagens não remetem mais a uma realidade que lhe é exterior, mas ao seu próprio universo. A chamada "realidade", aqui, não é mais um dado objetivo e exterior aos processos de sua enunicação. A efetividade, a realidade não é mais pensada enquanto atual, mas enquanto virtual65- uma realidade segunda, equivalente a um estado de paramnésia, artificial e puramente ficcional. Detendo-nos, entretanto, no campo das especificidades técnicas das novas imagens, a questão colocada não é tanto a da substituição da realidade pela simulação. O virtual informático não é aquilo que se opõe ao real; seu modo de existência (imaterial) é o da potência, do possível- desde 65- Em Virilio, assim como em Baudrillard, a noção de virtual refere-se menos às propriedades técnicas de enunciação das imagens que ao processo social de desmaterialização do real implicando, desta forma, numa nova forma de apreensão e compreensão do mundo. Neste sentido, as novas tecnologias da imagem representam não o ponto de partida, mas o coroamento deste processo. 126 que as condições de atualização sejam realizáveis1. Em sua utilização apresentados infográfica, segundo os objetos determinada virtuais conformação não são visual, mas enquanto esquemas cognitivos, uma das formas de percepção deste real regulado segundo seus parâmetros funcionais. Neste sentido, o virtual envolve uma camada de possibilidades não apenas imaginadas, dá-se como um projeto de extensão capacidade destas da de realidade. visualização potencialidades, A inovação antecipada propondo, desta talvez e resida na experimentação forma, um novo relacionamento entre o objeto e sua imagem e propiciando a co-presença do real e do virtual. Ao quebrar a dependência da imagem de um objeto que lhe antecedia, abriu-se a possibilidade do nascimento de objetos híbridos, situados num espaço de não-separação entre objeto e imagem66. Os experimentos recentes no campo da realidade virtual se dão no sentido de permitir teoricamente todas as 66- Ao abolir a relação biunívoca entre o real e sua imagem, abre-se espaço para o surgimento de figuras em permamente mutação, fluidas e escorregarias, para uma hidridização: Hibridização entre as próprias formas constituintes da imagem sempre em processo, entre dois estados possíveis diamórficos, meta-estáveis, autogerados. Hibridização entre todas as imagens, inclusive as imagens óticas, a pintura, o desenho, a foto, o cinema e a televisão, a partir do momento em que se encontram numerizadas. Hibridização entre a imagem e o objeto, a imagem e o sujeito, - a imagem interativa é o resultado da ação do observador sobre a imagem - ele se mantém na interface do real e do virtual, colocando-as mutuamente em contato (Couchot, 1993: 46-47). 127 passagens entre o real e o virtual. Cada vez mais, toca-se "realmente" no virtual e se é tocado pelo efeito virtual. Esta proximidade entre o real e o virtual não está isenta de contradições e apresenta importantes conseqüências tecnológicas, psicológicas e ideológicas, como, por exemplo, as diversas formas de esquizofrenia ou de solipsismo que, como Jameson apontou (ver p.8 e seguintes), sanciona a demanda por estes objetos virtuais. Tomando-se estas imagens por referência, corre-se o risco de se tomar esta pseudorealidade, mais plástica e mais sedutora que a original, como a própria realidade. Se podemos associar tal processo com a lógica cultural do capitalismo deve-se, contemporâneo justamente, à (ver cap.2, ambigüidade 2.4), deste tal fato princípio de desrealização. Se as imagens eletrônicas tiveram o mérito de questionar as concepções tradicionais de imagem e, como vimos, da própria noção de verdade, absoluta e monológica; trata-se, agora, da camuflagem daquilo que realmente importa ao status quo. Como afirma Paul Virilio (1994), a estratégia decisiva da "logística da percepção" contemporânea é a indeterminação entre o atual e o virtual. Pode mais quem dissimula melhor. Como vimos recentemente com a Guerra do Golfo, a estratégia agora reside sobre o princípio de indeterminação das armas. Mais do que a hegemonia na região, importava aos 128 Estados Unidos mostrar ao mundo os "milagres" da alta tecnologia, o sucesso dos "aviões invisíveis", dos patriots, dos satélites espiões, dos lasers e computadores, marcando presença como a única potência a deter o monopólio da força na "nova ordem" mundial. A utilização midiática da guerra, a veiculação da "operação cirúrgica", da precisão tecnológica com que os alvos eram atingidos, a identificação do campo de batalha com um show de luzes e cores, a supressão dos mortos e a não veiculação dos protestos contrários à guerra, demonstraram o quanto os militares americanos aprenderam a lição do Vietnã, passando a valer-se do Poder das imagens. O campo de propagação das ondas hertzianas tornou-se também um campo de batalhas (Santos, 1993:160). Por parte dos Estados mortos e as Unidos, as informações imagens sobre dos o soldados número de americanos soldados e armamentos utilizados foram censurados. Sadam Hussein, por sua vez, impediu a divulgação de imagens das baixas civis e militares. O cerceamento do acesso às antenas transmissoras, quer devido ao recurso do corte de energia elétrica, quer através da "queima" das faixas de onda com poderosas interferências eletromagnéticas (Machado, 1992), demonstrou a militarização do espaço eletromagnético e um dos paradoxos mais marcantes das tecnologias de comunicação de nossa época - a Guerra transmitida "ao vivo" transformou-se num jogo de 129 desinformação. Percebe-se, assim, o quanto os diversos meios de enganar, distorcer, desvirtuar e dissimular tornam-se estruturais em nossa sociedade. O fato é que, por trás da fascinação tecnológica reside a lógica da destruição - dos significados, diferenças da etc. verdade, A das repetição, cidades, elevada das à vidas, das potência, de Auschwitz, Hiroshima, Vietnã e demais vítimas silenciadas. Agora que "a política do questionamento da verdade é tão ambivalente quanto o estatuto da própria verdade nas nossas sociedades"(Eagleton, 1993:274), urge estabelecer uma ética da imagem virtual que recupere o poder politicamente explosivo dos fatos verdadeiros e que utilize a virtualidade não como um apagamento do real mas como sua ascultação íntima. Como afirma Philippe Quéau: "O desenvolvimento das redes virtuais nos exigirá uma atenção crescente a problemas ainda insuspeitados. Os mundos virtuais dentro dos quais poderemos mergulhar e navegar darão um aspecto eminentemente realista, palpável, tangível, e aparentemente crível, por exemplo, a qualquer tipo de simulação. Será imprescindível instituir critérios, objetivar os "pontos de vistas", situar com precisão os campos de expressão, os lugares de onde se fala, estabelecer as bases de uma ética da imagem virtual. Quanto mais estivermos imersos na imagem, mais deveremos aprender a desconfiar desta imagem, e evitar de nos deixar absorver pela pseudo-evidência dos sentidos" (1993: 97). 130 3.4. A SIMULAÇÃO DAS IMAGENS A virtualidade das imagens eletrônicas impõe-lhe um novo estatuto: não mais simulação67.Ao procuram re-apresentação a contrário apreender o dos sistemas mundo com do mundo, mas sua representativos que precisão e fineza, a simulação visa criar as condições de produção de um "pequeno mundo" - funciona modelo. um como Ou réplica seja, um sistema computacional da abstrato que estrutura, do comportamento ou das propriedades de um fenômeno real ou imaginário (Machado, 1993:117). A modelização funciona, desta forma, como uma condensação, uma redução formal da realidade. Trata-se, agora, do domínio matemático e da antecipação simbólica do real. Modelizadas matematicamente ou em programas informáticos, apenas em um segundo momento, e de uma maneira parcial e relativa, elas podem oferecer-nos uma forma sensível do modelo que a engendrou, uma A noção de simulação liga-se à "imagem". experimentação das performances destes modelos, isto é, à experimentação de sua coerência interna e de sua confrontação com o contexto real: "Formalmente se trata de explorar o "espaço de fases" de todos os estados possíveis do modelo. Aqui, exploração quer dizer pesquisa das propriedades encontradas na 67- Não se trata, aqui, de retirarmos o conceito de simulação da categoria da representação, mas de marcarmos a diferença entre dois registros: o ótico e o sintético e, destarte, entre dois modelos perceptivos. 131 reserva das relações algébricas ou lógicas existentes entre os diferentes parâmetros e os diferentes "observáveis". O modelo se comporta como um "pequeno mundo" do qual se trata de traçar o mapa e observar a 'flora' e a 'fauna'" (Queàu, 1987:112). A construção de um modelo teórico e o teste de sua performance não é uma exclusividade dos sistemas infográficos. A escrita, por exemplo, é também o resultado de uma hipótese teórica que produz um modelo cognitivo e que se submete ao juízo da verificação sígnica (Bettetini, 1988:71). A diferença é que o real ao qual a simulação recorre para testar seus modelos não lhe é exterior, faz parte do mesmo espaço abstrato e formalizado. As imagens numéricas são tributárias dos modelos empregados e dependem dos limites dos próprios modelos. Tal como os modelos representativos do século XVI/XVII, trata-se, aqui, do domínio matemático do espaço, da apreensão da realidade fugaz numa malha algébrica. Ao se afastar, entretano, da crença numa correspondência entre o visível e o invisível, os "criadores" das imagens sintéticas abandonam os efeitos óticos sobre uma realidade fotossensível e "descem" às profundidades da matéria, às leis óticas, aos princípios físico-químicos. Ao sintetizar o movimento das ondas e a ação do vento sobre o tecido das bandeiras Alain Fournier (Flages and Waves, 1987) se apoiou sobre o conhecimento das correntes marítimas e dos ventos, construiu um modelo matemático que 132 simula o comportamento do mar e das ondas, animando as partículas de água sobre órbitas circulares ou elípticas. A simulação de fontes de luz para se conseguir imagens realistas requer que se calcule o trajeto de cada raio de luz que entra na cena, modificando a cor e a sombra das superfícies na medida em que passa através de uma ou é refletido pela outra (método Ray-tracing). Tudo aqui deve ser estritamente calculado e ordenado: desde as estruturas caóticas e (através da vagas das encostas utilização da das montanhas geometria ou do de fractal fogo Benoit Mandelbrot68), o vôo dos pássaros ou o movimento de cardumes (através dos estudos de Briam Partridge69), até mesmo as expressões do rosto humano (vide Tony de Peltrie, 1985 de Philippe Bergeron e Pierre Lachapelle) e o movimento humano (vide os trabalhos de Keith Waters e o famoso esqueleto de Davis, Georges). Não se trata simplesmente de tornar visível o invisível, mas de simular as estruturas subjacentes que o engendram. Frequentemente, referindo-se aos resultados das pesquisas médicas, neurofisiológicas, físicas, químicas, matemáticas 68- Trata-se de algorítmos matemáticos que permitem a descrição de domínios irregulares, de linhas de dimensões intermediárias entre 1 e 2 e de certas superfícies entre 2 e 3 (ver Mandelbrot, 1975). 69- Referimo-nos ao trabalho idealizado por Craig Reynolds para a empresa Symbolics Incorporated de Los Angeles (ver Reynolds, 1987). 133 etc. estas imagens refletem o esforço do homem contemporâneo em dominar o mundo que lhe envolve e escapa: "Dando a ver mais que a superfície, ligando-se às estruturas funcionais dos objetos, incorporando suas dimensões funcionais, ela (a imagem sintética) carrega em seu paroxismo a tentativa mimética até a fonte da figuração onde a imagem é o objeto e possui seus atributos, princípio da iconografia do antigo Egito ou de certas práticas do culto vodú por exemplo" (Weissberg, 1988:42). A imagem torna-se, desta forma, um modo de existência do objeto e uma via de acesso para sua criação, manipulação e transformação. A imagem sintética já não é o termo visível de um corte que manifesta, através da substituição icônica, uma essência objetiva atribuída ao mundo. A chamada "realidade" aqui, não é mais um dado objetivo e exterior aos processos de sua enunciação. Se é certo que os modernos meios de concepção da imagem (CAO, CAD/CAM, IA etc) generalizaram os feitos da simulação, oferecendo-nos importantes instrumentos de conhecimento e percepção do mundo, é preciso tomar um certo cuidado ao se exacerbar os efeitos tecnológicos destas imagens. Em primeiro lugar, simulação numérica descrição formalizada. é não preciso lida A com ter-se o em real, experimentação conta mas numérica que a com sua só tem sentido na medida em que se abstrai do mundo real (Couchot, 1987:92). Não obstante todo o esforço das matemáticas em "capturar"o mundo real em malhas cada vez mais finas, não se 134 deve esquecer que tal esforço representa uma redução. Como afirma Thiery Cazals: "Do mundo, do homem, essas imagens aplicadas retém de fato o estritamente necessário, uma grade de informações fortemente redutora. Dos fenômenos, se percebe e se registra somente o que será útil, significante, manipulável" (1987:53). Devido ao próprio substrato "material" de que é constituída - a linguagem formal - esta é uma imagem que pouco se presta às ambigüidades do mundo natural. Mais, se todo o matematismo renascentista servia para expressar as "paixões da alma" humana, com os novos meios isto parece não se dar. A linguagem formal se define por parâmetros alheios à pragmaticidade da semântica usual, tornando-se difícil expressar "amor", "raiva", por intermédio "surpresa" formalização 70- seu de tais etc 70. aspectos sentimentos Mesmo isso que só como se será chegue à possível Edmond Couchot nota, acertadamente, que além de nem todo modelo de simulação numérica ser de natureza matemática, sua submissão às matemáticas e à lógica formal é relativa. Modelos provenientes de outras áreas do conhecimento, as ciências humanas e a biologia por exemplo, vêm sendo utilizados. O que não quer dizer, ao contrário do que sugere Couchot, que estes modelos tornam-se mais "plásticos", suscetíveis às intervenções "não-programáveis" por parte do experimentador. As passagens entre o real e o virtual (ou entre o mundo e sua modelização) dá-se pela codificação estrita do primeiro, por seu espartilhamento a um código inteligível (Couchot, 1993:37-47). 135 articificialmente, mudando-se a própria natureza do que está sendo representado71. O implacável rigor e a atribuição de valores calculáveis a todos os dados do sensível- na verdade uma reedição do conceitualismo - torna difícil sua aplicação à arte, ou, pelo menos, muda os cânones do que é tido como procedimentos inerentes à atividade artística. A criação da imagem sintética obriga o "artista"a exprimir muito precisamente suas intenções numa linguagem que não admite as ambigüidades da linguagem própria arte. Se, como afirma E. Couchot, usual a e da linguagem programática é a verdadeira geradora da imagem, o fato é que não é qualquer dado que pode entrar na máquina, assim como é necessário uma forma específica dos mesmos. No computador, tudo precisa passar pela assepsia da linguagem formal, tudo precisa ser programado. As noções de dé-collage, a elevação semiótica do ruído, as atitudes desconstrutivas tão caras à videoarte não têm sentido no universo numérico. Aqui, desprogramar é ainda programar, a gestão do aleatório é ainda uma gestão (Méredieu, 1988:67). 71- Ver, por exemplo, todo o trabalho necesário para tornar visível um objeto construído na memória de um computador e todo o matematismo necessário para se representar imagens naturalistas por intermádio, por exemplo, das fractais em "A imagem digital" (Machado, 1988:37/156). 136 Não obstante o fato de que cada vez mais os algoritmos se aproximem do realismo fotográfico, tornando-se, em alguns casos, a distinção pesquisas e impossível empresas - comerciais vários institutos New (Lucasfilm, de York Institute of Technology, Universidade de Tókio, Thompson Digital Image, Institut National de l'audiovisuel etc.) vêm obtendo nos sentido últimos -; anos resultados sobretudo sem significativos negarmos o neste interesse, principalmente o epistemológico, desta empreitada, seu uso em busca de um realismo cada vez mais aperfeiçoado talvez não explore as representando a reais manutenção potencialidades de percepções deste de meio, gostos já consagrados. Corremos, desta forma, o risco de ratificarmos a dependência dos nossos sistemas perceptivos de nossa vivência sócio-cultural, não nos arriscando à "aventura do olhar". Mais do naturalistas que ou um novo reproduzir meio de representar fotograficamente montanhas uma cena da realidade exterior, as imagens eletrônicas - sintética e videográfica - trazem à percepção uma outra realidade: a do fluxo de corrente elétrica, a dos conceitos e dos algoritmos. Trazem à tona as formas puras e sua inscrição temporal. A mutação contínua, o "escorregamento fluido dos conceitos": 137 "As anamorfoses e dissoluções de figuras, os imbricamentos de imagns através do chromakey, a inserção de textos escritos ou falados, os efeitos de edição ou de collage, os jogos das metáforas e das metonímias não são meros artifícios de valor decorativos: eles constituem, antes, os elementos de articulação do vídeo enquanto sistema de expressão" (Machado, 1993:17). Explorar estas potencialidades - como fazem artistas como o japonês Yochiro Kawaguchi através de programas como o meta-balls e Morphogenesis Model(Growth III: Origin, 1985 e Ecology: Ocean, exposição 1986), Frontiers os of trabalhos apresentados realizados Chaos a partir na da geometria fractal de Benoit Madelbrot, Zbignew Rybczinsky em The Fourth Dimension ou Ko Nakajima em Mt. Fuji entre outros - é possibilitar, como nos mostra Anne Sauvageot (1987:105), que o olhar se aventure, se indetermine, abandone parcialmente sua lógica, investindo-se na complicação das figuras moventes e mutantes. Aí reside um campo privilegiado para o trabalho artístico profícuo, não a sujeição à destinação originária destes modelos científicos, mas a subversão de sua produtividade programada. Subversão esta que não passa mais pela recusa do modelo gerador ou pela incorporação de materiais contrários à sua lógica, mas que se dá em seu interior, num espaço híbrido, entre o pensamento formalizável e o pensamento criador, de natureza diversa, que os modelos jamais poderão anexar (Couchot, 1993: 47). Como vimos procurando mostrar, tal empreitada é das mais 138 difícies, cheia de contradições, e correndo risco de afirmar aquilo que pretende negar. o constante 139 5. A INTERATIVIDADE E A PERFORMATIVIDADE DOS SISTEMAS As trucagens eletrônicas e o suporte numérico conferem à imagem eletrônica uma manipulabilidade até então impossível. Anteriormente, para se manipular a imagem - no registro ótico - era necessário "maquiar" o referente ou submeter o suporte material a demorados tratamentos físico-químicos. Com o computador matriz definidora instantaneamente. imagem basta A totalmente alterar para que imagem as margens a imagem gerada penetrável, numéricas se por computador sempre preste da altere é a uma ser retrabalhada pelo cálculo. A necessidade de se ter um controle imediato da imagem no momento de sua visualização levou à concepção de um modo de programação que torna a resposta às instruções o mais rápido possível. Pode-se interagir com o sistema informático de várias maneiras: simples transações, manipulação de dados e de imagens, chaves de comandos, pedais, canetas luminosas, mouses, reconhecimento da voz, do tato, dos olhos etc. Devido numérica a essa manipulabilidade diz-se que a imagem "interage" com o espectador, abre-se à sua intervenção direta. Como o computador guarda em sua memória todas as imagens possíveis de um objeto construído, basta que o usuário lhe "peça" determinada atualização para que 140 este lhe "responda"com a forma solicitada, podendo-se estender este jogo ao infinito. A possibilidade de se visualizar as várias faces de um objeto sintetizado perspectiva traz central - o fim da visão processo este privilegiada já contido da nas experiências cubistas - e torna possível explorar os objetos nos seus mínimos detalhes e sob todos os ângulos. Do ponto de vista estético, a manipulabilidade das imagens eletrônicas representa a visualização de um processo constante artistas na produção clássicos realizadas. Como artística. não concebeu demonstram os A potência suas obras "estudos" de criativa de prontamente Leonardo da Vinci ou de Picasso, por exemplo, se produzia uma infinidade de obras intermediárias, "virtuais", até se optar pela obra final (Méredieu, 1988:61). O computador tornou mecânico e acessível ao público aquilo que era artesanal e restrito ao criador da obra. A manipulabilidade destas imagens faz com que o uso de modelos e simulações sintéticas se generalize. Pode-se construir modelos de carros ou se desenhar cidades inteiras corrigindo-se imediatamente as imagens intermediárias ou o próprio modelo. Através de simuladores de vôo é possível interferir-se nos diversos parâmetros envolvidos num plano de vôo sem os custos de uma operação. Os "benefícios" da interatividade chegaram até mesmo aos consultórios de 141 cirurgia antecipar plástica e e aos alterar salões "ao de gosto beleza do - freguês" é possível os vários resultados possíveis de uma intervenção cirúrgica ou de um penteado ou maquiagem. Embora estas imagens proporcionem uma garantia de dupla intervenção - e de uma certa autonomia - do usuário e da máquina, dizer que tudo é virtualmente possível é inexato. As possibilidades abertas dependem inexoravelmente dos limites dos modelos empregados e não se pode empurrá-los para além de seus próprios limites (isto seria construir um novo modelo). As virtualidades do sistema limitam-se, até o presente momento, a algumas variáveis: percursos, iluminação, cor, texturas, ângulos de visualização etc. Como estas "respostas" estão presentes na memória do computador, isto é, estão pré-vistas no modelo que as gerou, não se trata, na verdade, de uma interferência essencial, que altere os rumos do jogo, ou que ponha em evidência o inesperado, o inusitado. Trata-se muito mais de se testar o desempenho das performances do sistema. A panacéia criada em torno da interatividade destas imagens, ou sobre o poder de "decibilidade" do usuário devese muito tecnológica, mais a questões ligando-se, desta de ordem forma, à ideológica ideologia da que 3ª 142 Revolução Tecnológica72 na racionalidade e contribuindo para gerar a crença tecnológica como a única capaz de solucionar as crises e conflitos sociais. A "profanização" dos dogmas desta religião tecnológica, através da incorporação de esferas até então periféricas à economia oficial, como o universo doméstico e a indústria de lazer, devido a generalização de e hardwares softwares compatíveis com o uso individual - dão ao usuário a ilusão de participar da comunidade dos experts, revivendo o mito do sujeito burguês singular e autodeterminado. Trata-se, agora, não conhecimento real sintética videográfica e dos de um processos ( o interesse produtivos que se dá e de da em um imagem nível da elaboração dos modelos e algorítmos ou da manipulação da trama eletrônica), ou seja, não se trata de uma democratização dos meios de produção imagético, mas de uma relação distraída e personalizada73. Trata-se de divertir-se com a infinita manipulabilidade destas imagens. 72- Cf. p.35 e seguintes. Richard Sennett (1988) mostrou que o advento da "personalidade como princípio social" tem sua origem nas profundas transformações das cidades, no advento de uma nova classe social, nas transformações do comércio varejista e no novo secularismo promovidos pela relação entre o Capitalismo Industrial e a Cultura Pública no século XIX. Como resultado temos uma ideologia da intimidade assentada na crença de que relacionamentos sociais são reais e críveis, quanto mais próximo se estiver das preocupações interiores de cada um. O culto da personalidade conduz, assim, a uma procura do Eu próprio - a busca de uma identidade própria e já não 73- 143 A obra de arte, tornando-se permeável ao receptor, não mais apresenta pulsiva74, uma mas, a estrutura exemplo contrária dos à demais sua estrutura sistemas sob a hegemonia da Sociedade de Consumo e dos meios de comunicação de massa, imediata parece ter gratificação sua dos existência seus justificada desejos, pela baixando-se as tensões psíquicas dos interatores. Ao remeter esta satisfação às performances do sistema (uma vez indivíduo que as vê sua "respostas" autonomia já estão determinada programadas), pelos limites o do da universalidade como motivo das ações sociais e individuais (Lipovetsky). Com a dissolução dos elos de uma intersubjetividade determinante - a impossibilidade de uma Gemeinschaft - o Eu torna-se a preocupação central, donde o Narcisismo contemporâneo, assentado, no entanto, no desalastramento de seus conteúdos rígidos, incerto de si mesmo e do mundo. A convergência, em nossos dias, da cultura personalizada e da relação distraída, contribui, assim, não para a liberação da atenção para atividades emancipatórias, mas para a vulnerabilidade deste Eu flutuante aos modelos de comportamento postos pelo mercado. 74Sabe-se que o princípio de realidade representa uma coibição à estrutura pulsiva, deixando vir à consciência os desejos e necessidades oriundos desse crivo. Quando os desejos inconscientes vêm à consciência, O Ego utiliza-se da fantasia, pois é através de uma satisfação ilusória desses desejos (situações imaginadas sem custos reais) que o Ego evita entrar em conflito com o social. Como a obra de arte tradicional não é regida pelo princípio do prazer do receptor, sua recepção pressupunha um conflito entre a estrutura pulsiva deste e a coibição de tais desejos, um Logro do Ego. Desta forma, o receptor poderia vivenciar novas formas de associação de seus desejos com o princípio de realidade (formação simbólica), essencial à emergência da subjetividade. 144 sistema. A recepção destas imagens, colocada entre os limites do connaisseur e do público distraído, torna-se, desta forma, não um meio libertador da atenção para fins emancipatórios, mas, ao contrário, uma forma afirmadora do status quo. A intensa manipulabilidade das imagens eletrônicas levou as massas a uma apreensão superficial e descartável das obras de arte75. Chegamos, na expressão de Peter Sloterdijk, ao período da Fast Aesthetics. Se antes o espectador recebia a obra, agora se pede sua autoconstituição enquanto sujeito ativo em relação ao que lhe é destinado. Segundo Lyotard (1993:265), esta atividade tão almejada, na verdade significa apenas reagir, na melhor das hipóteses, conformar-se febrilmente a um jogo já dado ou instalado. Esta para "participação" as happenings artes e proporcionavam o do público participativas dos novo teatro uma interatividade remete-nos anos americano 60 que, bem igualmente - como diga-se, mais os nos rica e diferenciada. Preocupado com a dissolução de todo tipo de coerência, teatro enredo, experimental personagem promoveu e a cenários tradicionais, elevação da o performance, mudando o foco da figura do autor-diretor para uma produção 75- Trata-se, como vimos mostrando, de um processo extensivo às diversas manifestações artísticas da contemporaneidade, não reservando-se às imagens eletrônicas qualquer imputação de responsabilidade exclusiva. 145 cooperativa, onde o público tinha uma participação ativa. Este desejo obteve vanguardistas. parcos Como afirma resultados Herbert em seus Blau ( propósitos apud Connor, 1992:121), as aparentes subversões da autoridade do texto, do autor ou do diretor, são restritos pelo fato da teatralidade, isto é, toda performance ocorre num contexto institucional e vê sua autonomia neutralizada pelo maquinário do teatro. Neste sentido, a mistura dos atores e do público, a "interatividade teatral" não faz do espectador um comungante; ela proporciona a oportunidade de admirar-se a si mesmo no novo papel de pseudo-ator (Lasch). Se a ênfase nas performances representava um desejo de impedir sua mercadificação - o que se contrapunha e subestimava toda tentativa de manter registros documentais dessas performances -, o desenvolvimento dos modernos meios de informação, comunicação, registro e reprodução, como o vídeo, o disc-laser etc., interligou esses termos de forma complexa. A "interatividade" destas imagens representa, desta forma, a incorporação de uma estrutura anteriormente avessa ao mercado aos domínios deste último. A "performatividade" tornou-se não um elemento que retira a obra da estrutura mercadológica, mas o modo de consumo par excellence. Generaliza-se, a partir da presença das técnicas em todos os domínios da vida social e da imposição de sua 146 lógica performática, a idéia de uma nova legitimação das práticas sociais assentada não mais sobre os ideais humanistas-liberais, mas sobre o critério do desempenho: "A administração da prova, que em princípio não é senão uma parte da argumentação destinada a obter o consentimento dos destinatários da mensagem científica, passa assim a ser controlada por um outro jogo de linguagem onde o que está em questão não é a verdade mas o desempenho, ou seja a melhor relação input/output" (Lyotard, 1986:83). Também no "enfraquecimento exemplos. universo da do é ser" imagem videográfica observado. Tomemos tal alguns Em Returning to Fiji,1984, Nan Hoover mostra um processo de desorganização/reorganização da paisagem. Vê-se, num primeiro momento, a dissolução dos contornos azuis da montanha sob Gradualmente, as nuvens as nuvens solidificando-se na outros azuis contornos parte se que lhe perdem central formam estão sua da no superpostas. transparência, montanha, alto. A enquanto paisagem é temporariamente fixada para, a seguir, voltar ao processo de dissolução/reorganização (Ross, 1988:17/18). Zbigniew Rybczinsky mostra, em Fourth Dimension, 1988, com a ajuda de um computador programado para "refilmar" uma imagem 480 vezes, linha por linha, diferentes momentos do movimento dos corpos, anamorfoses incomuns, lentos turbilhões, figuras elásticas, contorcidas em torno de si mesmas ou de um ponto de referência, enfim, "o atestado de uma possibilidade insuspeitável do Ser"(Fargier, 1989:62). 147 Em Still, Thierry Kuntzel mostra sobre o fundo de uma praia uniformemente azul, a aparição e desaparição de uma forma. Pontos luminosos surgem sobre a tela, confundindo-se inicialmente com a trama. Brancos sobre o azul, os pontos de cor nascem como pérolas da sutura da trama e voltam, mais tarde, a luminosa se se confundir despedaça com e se circulam como transparentes a trama refaz sem inicial. cessar. ectoplasmas. A A matéria As tela formas funciona como uma espaço de sutura onde a imagem pode ou bem se perder ou reaparecer (Méredieu, 1988:250/251). Fruto de uma metamorfose, isto é, da passagem daquilo que é captado magnéticos ou pela "emanação digitais, a do referente" mobilidade em destas sinais imagens desinveste o espectador de qualquer tentativa de conferir uma estabilidade significativa a estas imagens, uma vez que jamais se chega a um conhecimento optimal, a partir do qual se desencadearia uma leitura formal e globalizadora destas imagens. É preciso ter-se em vista que este "desalastramento dos conteúdos eletrônicas tecnologias rígidos não da do é sujeito" uma imagem. observado conseqüência A abulia e nas direta apatia das imagens novas contemporâneas fazem parte da sensibilidade solipsista observada em nossa cultura a partir dos anos 60 (ver cap.1, 1.4.2) e que, com a crença no determinismo tecnológico, ganha força redobrada. O 148 homem contemporâneo não se apega a nada e suas opiniões refletem sua indiferença em relação a tudo: "Deus morreu, as grandes finalidades extinguem-se, mas toda a gente se está a lixar para isso, eis a jubilosa nova, eis o limite do diagnóstico de Nietzsche a respeito da decadência européia" (Lipovetsky, sd:35) Segundo boa contemporâneo pelo parte explorar instrumento, da as crítica, resta possibilidades submetendo-se, ao artista pré-determinadas portanto, à realidade interna dos meios técnicos. O interesse desloca-se do mundo lá para fora sistema. A concentrar-se atenção passa nos a mecanismos recair sobre funcionais do a de criação algoritmos suficientemente ricos, cuja potencialidade supere a do usuário. Uma "boa" imagem deve ser julgada menos pelo que dá a ver e mais pelos processos, ou melhor, pelos cálculos que a engendram. Agora, pessoas treinadas em avaliar a capacidade de se construir algoritmos, de se manipular a linguagem formal, de interagir com as máquinas disponíveis constituem a comunidade ideal dos receptores. Trata-se, racionalismo aqui, de uma tecnológico, verdadeira elevando-o mistificação a um do mecanismo independente dos objetivos e decisões humanas. Ao apregoarem a natureza imutável das determinações técnicas esconde-se o fato de que sua utilização vigente explica-se muito mais 149 pelos interesses e leis econômicas que por qualquer determinismo inerente a tal mecanismo. Isto representa um risco para o domínio das artes. Com a absorção do sensível no conceito perdemos, como sugere Lyotard, aquilo que, não sendo controlado, nos causava um atingimento estético. Nestas situações calculadas, onde tudo deve ser "pré-visto", corremos o risco de nos atermos tanto aos mecanismos, que nos perdemos da arte e de sua obra, de não distinguirmos entre possibilidade técnica e realização artística. Como apontamos anteriormente, não se trata aqui de opor a imaginação criativa às determinações técnicas, mas de tomar o trabalho artístico como transpassado por estas forças contraditórias, de se questionar os procedimentos tecnológicos e ideológicos a partir da própria criação, de se articular seus determinantes a partir da inventividade de suas determinações (Leão, 1983). 150 3.6. EXPERIÊNCIAS UCRÔNICAS76 Um dos pontos fundamentais levantado pelo cruzamento das imagens eletrônicas e da lógica cultural da sociedade contemporânea é o do tempo. Embora a visão compreenda antes de tudo um sentido espacial, o tempo está inscrito, de modo fundamental em nossa percepção77. Por outro lado, se considerarmos, a exemplo da física contemporânea, que nem ao tempo nem ao espaço podem ser atribuídos significados objetivos, veremos que o tempo é sempre concebido como uma representação sensações, mais isto ou é, menos abstrata compreende uma de conteúdos, perspectiva de temporal (Aumont.1993:107). Destarte, os diferentes sentidos de tempo observados na evolução histórica da humanidade, compreendem formas diferenciais de representá-lo. Para Fredric Jameson (1984), por exemplo, o que caracteriza nossa sociedade é justamente uma crise da nossa experiência do espaço e do 76- Referimo-nos aqui a uma noção de tempo, contrário ao sentido usual, posta pelas novas tecnologias da imagem . Aqui, o tempo não se desenvolve mais de uma maneira linear e irreversível, mas se ramifica em uma arborescência de possíveis sempre reiteráveis e jamais atualizáveis em sua totalidade (Couchot,1988:94). 77 - Jacques Aumont(1993:31) aponta três razões pelas quais os fatores temporais afetam a percepção: 1. A variação temporal dos estímulos visuais 2. A constante movimentação dos olhos, o que faz variar a informação recebida pelo cérebro 3. o fato da própria percepção não ser um processo instantâneo, mas compreender temporalidades distintas 151 tempo, crise equipamento "espaço esta causada perceptual do alto experiências - pela formado, modernismo" - espaço-temporais tecnologias. As forma, experiência a imagens inadequação segundo em eletrônicas desta nosso Jameson, relação abertas de às novas pelas novas representam, perspectiva no desta temporal contemporânea. Embora a representação do tempo nas imagens envolva diversos aspectos78,quase todas as imagens transmitem uma sensação de tempo. A fotografia, normalmente encarada como um mecanismo de suspensão do tempo, isto é, da redução da experiência da duração aos limites do sensível, ao instante, traz em si as marcas do tempo. Por maiores que sejam as velocidades de obturação dos equipamentos fotográficos, permanece utópica a tentativa de se retirar um acontecimento do fluxo temporal; como demonstram as fotografias que registram uma duração mais ou menos longa, uma anotação do movimento, vê-se, sempre, o tempo. Se a fotografia pode ser tida como capaz de capturar o tempo, tal fato deveu-se à noção, oriunda da pintura, de instante pregnante, isto é, de um instante que pudesse resumir toda a significação de um acontecimento real. Embora 78- Imagens que se modificam ao longo do tempo, imagens que permanecem idênticas a si mesmas; imagens fixas, imagens móveis; tempo do espectador, tempo da imagem etc. 152 o desenvolvimento do automatismo fotográfico tenha permitido a retenção de qualquer instante, permanece o valor estético desta inclusão temporal nos trabalhos de diversos fotógrafos como Cartier-Bresson e Robert Doisneau. Embora a fotografia inscreva o tempo79 em si, trata-se, evidentemente, de uma imagem fixa que tem de recorrer à tradução mais representá-lo. fabricar um ou O menos cinema tempo arbitrária representou sintético. Além desse a de tempo tentativa para de se representar um movimento, o movimento das imagens do filme possuem uma duração própria, podendo-se chegar a reproduzir o tempo de forma idêntica (quando a duração de um plano cinematográfico tem a mesma distendê-lo. duração do Entretanto, acontecimento), como observa condensá-lo Arlindo ou Machado (1993:102), uma vez que o elemento significante do cinema continua sendo o fotograma, a percepção do tempo no cinema dá-se através da intervenção no ordenamento dos fotogramas e planos. Destarte, trata-se, na verdade, de uma tradução (ilusão) do movimento e do tempo para o universo das imagens fixas80, embora, neste caso, a ilusão temporal seja mais 79- Trabalhos interessantes neste sentido foram realizados por Eadweard Muybridge, Étienne-Jules Marey, Jacques-Henri Lartigue, David Hockney e Andrew Davidhazy (ver Machado, 1993:100-116). 80- Quer, no caso do movimento aparente, através do efeito phi, isto é, através da projeção de dois estímulos luminosos (os fotogramas) separados por um intervalo de tempo muito pequeno (a faixa preta que os separa); quer, no caso do 153 convincente e envolva diferentes matizes (ver Deleuze, 1985). Ao contrário do registro ótico (fotografia e cinema), as imagens registradas por varredura eletrônica consistem num conjunto de linhas horizontais superpostas, varredura esta que se dá de modo contínuo (obturações) da imagem e fotográfica, forma, inscrever um deslocamento único quadro. Contrariamente cinematográficas, as sem medidas interrupções conseguindo, desta e o tempo dentro de um às e as imagens fotográficas e quantidades espaciais são frequentemente atomizadas pelo fluxo constante de elétrons: a imagem assim obtida não é senão uma síntese temporal assentada sobre a permanente descontinuidade (Zunzunegui, 1987:58). Ao papel da reta no espaço geométrico euclidiano sucede-se a projeção de pontos alinhados no espaço-tempo de uma sucessão instantânea de imagens; fazendo com que, como diz Paik, o vídeo não seja do espaço, mas do tempo81. tempo, pelos diversos meios de simbolização do tempo (fusão de imagens, superposição, aceleração etc). 81- Também nas figuras de representação digital observa-se a predominância desta "profundidade de tempo", uma vez que a extensão das superfícies observadas ou simuladas está submetida à profundidade de tempo da gravação dos dados numéricos (os pixels). 154 Embora, em termos perceptivos, este aspecto genealógico não faça muita diferença 82, este saber torna-se determinante, em alguns artistas, gerando toda uma gama de manipulações específicas vinculadas a tal dispositivo. Se a imagem fotográfica, por exemplo, remete a um acontecimento passado, a um tempo vivido e perdido pelo espectador, o registro eletrônico, aliado com as técnicas de manipulação desta imagem: feed-back, incrustação, operação em tempo presente etc., permitiram não só uma justaposição de imagens diversas, mas de tempos distintos. Além disso, contrariamente à tecnologia da fotografia e do cinema, o universo da imagem eletrônica é capaz de lidar com o tempo real, uma vez que a análise da imagem pela câmera e sua exibição no monitor, pode se dar de forma simultânea com sua enunciação, dispensando todo processamento intermediário. A obra de Ira Schneider, Manhattan is an Island, citada anteriormente, permite ao espectador uma experiência de compressão do tempo, como codex de reconhecimento da fluidez do visível. multiplicidade 82- A de justaposição imagens e de sons várias de telas diversas e a fontes Não há, como aponta Jacques Aumont (1993:171) nenhuma diferença percetível entre o vídeo e o cinema no que se refere ao movimento aparente, entre outros aspectos devido à velocidade das linhas de varredura ultrapassar nossa capacidade de perceptiva; tratando-se, em suma, de um mesmo tipo de imagem: a imagem temporalizada. 155 possibilitam uma leitura complexa do eixo espacial e temporal. Em Present, continuous, past(1974), Dan Graham constrói um dispositivo composto de uma sala na qual se encontra, numa parede um monitor de tevê e acima dele a objetiva de uma câmera de vídeo. A parede em frente e uma das laterais são cobertas por espelhos. A câmera grava o que está em frente a ela e o refletido na parede oposta que, por sua vez, reflete tudo o que está presente na sala. A imagem captada pela câmera aparece no monitor, por um processo de feed-back, oito segundos depois. O espectador é, assim, confrontado com duas imagens simultâneas de si mesmo, uma do presente, refletida nos espelhos, outra já passada, refletida no monitor. Presente e passado passam a coexistir no mesmo espaço, a continuidade/contigüidade temporal é vivenciada pelo sujeito. Em Archéologie du présent(1973), Fred Forest registra com uma câmera transmite as fixa imagens a maior parte colhidas no da rua Guénégaud interior da e galeria Germain, diretamente, sobre uma grande tela. O espectador, vindo de fora, reencontra o exterior no interior; confrontando, desta forma, duas temporalidades distintas, uma ação presente e uma ação ação passada. Embora os exemplos acima refiram-se às instalações, a maioria das obras de videoarte apresentam, de maneira 156 intencional ou não, uma reflexão sobre a temporalidade [o videoclip, por exemplo, na sua ruptura súbita e descontínua dos elementos áudio/visuais, quebra a seqüência lógica do relato, possibilitando sentidos e significações polissêmicas]. Também no universo das imagens numéricas trata-se de um tempo que se infinidade de expõe instantaneamente. instantes sempre Composto renováveis e de uma diferentes, atualizáveis em momentos que nem o objeto nem o sujeito viveram anteriormente, o tempo numérico é um tempo simulado, virtual. Ele não tem passado próprio, não é o registro de qualquer acontecimento. Trata-se de um registro ucrônico( Couchot, 1988). Tudo nos é dado instantaneamente. Não precisamos esperar longos meses para visualizarmos os resultados de um projeto paisagístico, por exemplo, bastam alguns segundos para obtermos sua versão sintetizada. Para obtermos uma imagem de um povoado do final do século XVII - o povoado de São Miguel das Missões, no Rio Grande Sul - uma equipe do Laboratório de tecnologia da Universidade do Vale do Rio dos Sinos criou uma maquete eletrônica a partir do que sobrou das casas e o computador recriou o povoado quando foi construído. Outro exemplo é dado por Nancy Burson e David Kramilch que, desenvolvendo algoritmos de "envelhecimento" e de "rejuvenescimento" de imagens fotográficas, são capazes de 157 fornecer imagens de como éramos há quinze anos ou de como seremos daqui a alguns anos. Na impossibilidade de representar dois lugares ao mesmo tempo, o temporal aparato que os perspectivista situava impunha uma temporalmente, hierarquia representava a duração como o escoamento linear e uniforme de um fluido (Weissberg, 1988:21); as experimentações eletrônicas permitem uma percepção diferenciada do fluxo temporal, um deslocamento do espectador e uma fragmentação do sentido em uma multiplicidade de sentidos possíveis. Composta de uma infinidade de instantes sempre renováveis e diferentes, onde, através da intercambialidade das formas, temporalidades diversas interagem, a imagem eletrônica torna possível a experimentação tanto de um tempo condensado e multisensorial- instantaneidade das onde, operações, o em razão tempo da torna-se quase uma categoria mais vaga e sem espessura-, quanto do tempo real, levando o espectador a vivenciar o "peso da existência", a transformação e o crescimento da imagem no tempo, "cultivar a capacidade de ver através dos objetos" - como podemos ver em várias obras de Bill Viola. Utilizando-se de pouquíssimos efeitos tecnológicos, Viola coloca sobre a natureza a responsabilidade dos efeitos especiais. Filmando o contínuum, o passar do tempo, ele acaba por nos revelar o aleatório, o descontínuo. Utilizando 158 apenas uma super zoom (800 mm), Bill registra a dissolução dos corpos pelo calor do deserto e uma "flutuação" dos corpos em relação à paisagem (Chott-el Djerid, 1979). Em I do not know what it is I am like, 1986, Viola mostra intermináveis minutos de um boi no pasto, de um pássaro dormindo, de corujas revelando-se etc., descontínua. registra Efeitos de a continuidade incrustação sem recursos tecnológicos. Em todas as suas obras - e de uma forma mais intensa investigação sobre principalmente pela em a The vida e Passing o recuperação - existir do observa-se e olhar isto se cuidadoso uma dá e reflexivo. Esta co-presença, ou esta compressão, de temporalidades diversas observáveis nas imagens eletrônicas constitui um dos principais vetores da condição pós-moderna. A noção de tempo como a seqüência passado-presente-futuro, para o Iluminismo (que assentava seu projeto marcante de construção de uma realidade que estaria por vir na superação de um antes e de um agora), é substituída por uma descontinuidade da experiência temporal. Verificando a supremacia assumida pelo vetor velocidade no mundo contemporâneo(que se tem no automóvel do século XIX seu ponto de partida, encontra nas tecnologias audiovisuais 159 da atualidade seu clímax83), Paul Virilio vê a desmontagem da realidade perceptiva tradicional, dominada pela ortodoxia ortogonal, e o surgimento de uma nova ordem de visibilidade marcada pela videoperformance da transmissão e representação de dados. Como principal conseqüência da ubiqüidade do tempo real das máquinas de visão contemporâneas, teríamos a suplantação do espaço das aparências sensíveis, a ausência da percepção imediata da realidade concreta e a contração das durações - a experiência de um tempo intensivo84 Não físicas obstante clássicas o fato por uma da substituição representação das mais dimensões "instável" ligar-se ao advento da mecânica quântica, Virilio verá o mesmo processo "desmaterializante" e "compressor" em toda a cultura contemporânea, encontrando nas imagens eletrônicas seu principal difusor: 83- Se com o automóvel diminuia-se o tempo entre a partida e a chegada (implicando na destruição geográfica das distâncias), as novas técnicas de teleobservação possibilitam abranger as mais vastas extensões jamais percebidas. Além deste "horizonte negativo", temos o aumento da velocidade entre a captação, a transmissão e a recepção das imagens, donde a importância assumida pelo conceito de "profundidade de tempo", onde o povoamento do tempo de transporte e de transmissão suplanta o povoamento do espaço (Virilio, 1993: 11). 84- Um tempo ultra-curto e associado ao surgimento das novas tecnologias, em oposição ao tempo extensivo, da cronologia e da longa duração (ver Virilio, 1990). 160 "Se,a partir de agora, a representação teórica na escala microscópica (as partículas atômicas) é resultado da mecânica quântica, ou seja, do QUANTUM de ação, de energia, este grão de matéria ou de luz (neutron, elétron, fóton...) e da incerteza de sua velocidade ou de sua posição, em um meio fundamentalmente incerto, a representação prática na escala macroscópica (humana) torna-se o efeito de uma espécie de mecânica PUNTICA (alfa-numérica) que, se por um lado parece sacrificar as coordenadas cartesianas clássicas às capacidades da memória da trama, por outro repousa também, e de forma essencial, sobre as videoperformances de um PUNCTUM de ação, o PIXEL (ou ponto luminoso da ótica eletrônica), a forma-imagem sintética resultando não somente das propriedades codificadas no programa, mas de partículas elementares (elétrons) que nos lembra, como se fosse necessário, que a "telemática" não resulta somente da associação da informática com a transmissão instantânea a distância, mas antes do efeito de instantaneidade de emissão local de uma figura, de um movimento ou de uma extensão aparente na interface de uma tela; figura analógica ou digital que, por sua vez, resulta da ausência de campo, de profundidade de campo, já que esta "profundidade" é apenas a das videoperformances temporais do PIXEL" ( 1993: 39)85 Apesar de as extrapolações de um nível micro para uma escala macro serem sempre problemáticas, correndo o risco de não atender a nenhum dos campos, podemos reconhecer uma certa "instabilidade" - ainda que de outra ordem86 - nos fenômenos sociais. Acelerações do tempo de giro na produção, aumento da velocidade de consumo de bens e serviços, fluxos 85- Virilio sugere,com isto, tratar-se de uma mudança de paradigma, nos termos elaborados por Thomas S. Khun em A estrutura das revoluções científicas, mudança esta responsável pela nova "visão de mundo" contemporânea. 86Muito mais econômico-social que "quântica" ou informacional 161 de informações transmitidos na velocidade da luz, as possibilidades simultâneas de ação, de trabalho, de lazer etc. abertas pelas novas tecnologias, tudo isto radicalmente comprimido. Como conseqüência, o envelhecimento precoce de tudo aquilo que surge no horizonte, a acentuada volatilidade e efemeridade das modas, produtos, processos de trabalho, idéias e ideologias, valores e práticas estabelecidas (Harvey, 1993:258). Agora, as pessoas se vêem obrigadas a lidar com a descartabilidade e a obsolescência instantânea. Vive-se a dificuldade de se manter qualquer sentido firme de continuidade, de materialidade, donde o "enfraquecimento do sentido do tempo histórico"87, a flutuação das rotação dos identidades e a imaterialidade contemporânea. Em lugar das idéias fundadoras, a significantes; em lugar da razão abstrata, a pragmaticidade dos resultados; em lugar da visão social como uma totalidade, a descontinuidade sem centro. Agora, este ser vagueante e privado das ideologias integradoras elegerá a performatividade das redes como seu último refúgio. Aí, isto é, 87- nos mitos em torno das novas tecnologias e de sua Que levará , segundo Christopher Lasch (1983/1987) a uma "mentalidade sitiada", a uma época onde "viver para o momento é a paixão predominante". Tal fato será o responsável pelo caráter narcísico e esquizofrênico de nossa cultura (ver a noção jamensoniana de esquizofrenia, p.18). 162 interatividade, talvez resida o ponto de atuação privilegiado da ideologia em nossa sociedade. A pragmática da imagem eletrônica, sua auto-fundação, sua performatividade, seu caráter "imaterial", sua experiência temporal "ucrônica" etc. e seu modo de inserção na sociedade contemporânea tornam-se, como procuramos mostrar, sincrônicos ao processo de "espectralização" do Capital e à agudização do processo de reificação da realidade da vida social. Se, na época de seu surgimento, tais processos puderam ser saudados como libertários e denunciadores dos discursos que carregavam atrás de si uma fonte produtora e seus interesses, o que se viu foi a derrocada deste "destino" por um uso muito mais simpático ao sistema. Não se trata aqui, evidentemente, de uma condenação da alta tecnologia "em si", nem de uma "atribuição de responsabilidade" pelo processo descrito anteriormente. Trata-se, como dissemos, de tomar as imagens eletrônicas e, de uma maneira geral, a alta tecnologia, como um "posto de observação" exemplar de um processo que as ultrapassa e engloba. Trata-se, da visualização das ambigüidades e complexidades que envolvem a prática artística na sociedade contemporânea, ao mesmo tempo radical e cooptada, e de encontrar, não obstante a "falta de perspectiva" destas imagens, seus "pontos de fuga". 163 CONCLUSÃO Uma vez que vimos tratando o desenvolvimento das imagens eletrônicas vinculado ao desenvolvimento das forças produtivas contemporâneas- vinculação esta não imediata e comportando desenvolvimentos desiguais e conflituosos -, a visualização das possibilidades abertas por esses novos meios a seus criadores depende, evidentemente, da análise deste relacionamento. Retomando as análises de Perry Anderson acerca do ciclo modernista, vimos que sua ambigüidades de florescência origem, isto é, tanto à ligava-se presença de as um presente técnico ainda indeterminável quanto de um futuro político imprevisível mas marcado pela proximidade da revolução social. Esta incerteza de origem podia medir-se pelo surgimento de uma imaginação criadora, extrapolável das relações sociais produtivas que a estava criando e que teria na insurreição estética seu momento redentor. Se tal constelação fora a responsável pelo aparecimento de obras de inquestionável valor artístico e cultural, o seu fim marcará a época contemporânea ressituando o papel das artes neste novo contexto. 164 O fim das esperanças de uma Sociedade do Trabalho representa, da mesma forma, o fim de uma atitude ingênua em relação ao desenvolvimento tecnológico. Se, à sua época, os vanguardistas podiam alimentar esperanças de um uso contraposto à lógica do poder estabelecido; agora, a partir do Capitalismo Tardio, as rendas tecnológicas tornaram-se seu ponto nevrálgico. Aliado a este presente tecnológico determinado, encontramos a ausência, ainda que imaginativa, de um futuro político que rompa com este estado de coisas. Tal percurso, solucionar suas estendendo movido próprias seus pela crises- domínios às tentativa processo mais do Capitalismo pelo qual vai diversas regiões geográficas e aos diferentes setores econômicos -, fará com que a sociedade adote, a cada época, uma nova configuração sócio-cultural: da predominância de uma cultura racionalizada e funcional, passamos pela "permissividade" dos anos 60 até à "imaterialidade" atual. Agora, nesta nova tentativa do Capitalismo se reerguer de suas crises inerentes, as relações "imateriais"- ou seja, os mercados monetários e financeiros, os sistemas produtivos auto-gerenciados, as "altas velocidades" das transações etc.-, incrementadas pela "globalização" tecnológica superam em muito o poder irradiador do modelo "produtivista". Mais, se antes, o capitalismo tinha de se confrontar com setores semi ou pré-capitalistas, em suma, se seu 165 funcionamento dependia do confronto com realidades de outra ordem; agora não é este o caso. Sua lógica tornou-se autofundante e auto-referenciada, não pressupondo nenhuma realidade externa a si88. Aí reside, talvez, a origem da propalada "perda de realidade" e a "auto-referencialidade" da cultura contemporânea e, ao mesmo tempo, na tentativa de se generalizar tal processo, a marca da ideologia do Capitalismo atual. Se a seu tempo Walter Benjamin já apontava para o amálgama existente entre as forças intra e extra-estética explicitado a partir das artes reproduzidas mecanicamente, tal junção dá-se, agora, de tal maneira que faz parecer brincadeira de criança o anarquismo vanguardista, frustrando qualquer tentativa de sua reedição89. Hoje, mais do que nunca, a "marca de qualidade" da arte é apanágio do mercado. Nem mesmo sua proclamada "inutilidade" contraposta ao mundo dos negócios pode ser 88- É interessante observar, neste sentido, o quanto as políticas econômicas não se atém a nenhuma realidade que não a sua mesma. Medidas de exclusão social são cada vez mais propostas como essenciais à operacionalidade capitalista e, como afirma Atílio Borón , sugerindo uma resposta de Hayek ao esgotamento dessas políticas: "se a democracia que se equivoca e - sem poder administrar eficientemente a medicina neoliberal - avança contra o mercado, será necessário, então, cancelar a democracia"(Gentili, 1995: 172). 89- Donde a impropriedade de termos como "revolução", "neovanguarda", "ruptura" etc para se referir às imagens eletrônicas. 166 mais sustentada numa época onde se consome justamente o supérfluo. Na época do "Estado Cultural"90(Debray, 1994) onde a cultura tornou-se um bem como qualquer outro, ou melhor, tudo tornou-se cultura91 - a expansão avassaladora do econômico perímetro "cultural" da assimila o indústria de tem como experimentalismo consumo. conseqüência O a estético no esgarçamento do neutralização da potencialidade do choque da estranheza. Os experimentalismos artísticos já surgem em resposta às demandas culturais sempre em alta, vêm de encontro à lógica de um mercado cada vez mais segmentado e "sofisticado". 90- É interessante observar como a emergência do cultural liga-se ao desmantelamento do welfare state. À compressão orçamentária nos gastos sociais substituía-se a expansão dos negócios culturais. Neste sentido, tomando-se como exemplo a França, é significativa a passagem da fase Malraux(19581969) para a fase Lang(1981-1993), passagem esta que exemplifica uma ressemantização do "cultural": deixando de lado a necessidade racional da formação do cidadão eleitor(do exercício da autonomia) e a extensão das "luzes" republicanas aux enfants, através da multiplicação das Maisons de la Culture, passa-se à animação cultural, a uma liberdade concebida em termos de "espontaneidade", donde o incentivo ao cultivo de "sua [dos franceses] capacidade de inventar e criar, exprimam livremente seus talentos"(Lang). O "cultural" torna-se "publicitário": "o cálculo custoutilidade de um investimento cultural não tem como parâmetro o crescimento efetivo da preferência ou dos talentos, na população e a longo prazo, mas a superfície de exposição midiática (S.E.M.) com a qual, no imediato, o decididor poderá contar"(Debray, 1993:103). 91- E aqui cabe ressaltar, mais uma vez, a posição central ocupada pelas novas tecnologias neste "tudo-cultural". 167 Se a configuração contemporânea nos faz duvidar das potencialidades libertárias da arte, tem o mérito de tornar claro as aporias do Movimento Moderno que ao tentar instaurar uma nova práxis- abstraindo-se, entretanto, das forças produtivas contrário. A do nova momento- transformava-se constelação traz o em benefício seu da visualização dos erros do passado, sem que nos conceda o de antever o futuro. Aparentemente a arte eletrônica reforça os argumentos de Adorno a propósito dos desdobramentos da arte-técnica e do esgotamento da arte-autônoma, no entanto o debate sobre as possibilidades emancipatórias, até quem sabe maiores, desses novos meios não pára por aí. Assim, Enzensberger, ao menos nos anos 7092, chegou a falar em "essência igualitária"93 nos novos meios eletrônicos - tratar-se-ia, portanto, para sua recuperação progressita, do incremento da 92- Aliás, postura já abandonada, se tomarmos como referência um de seus últimos textos: "os teóricos educacionais e críticos que continuam a suspeitar de forças produtivas na mídia eletrônica que, se liberadas, serviriam para colocar em movimento processos de aprendizado social com os quais até hoje ninguém sequer sonhou (uma boa notícia que se pode extrair com algum esforço a partir de alguns velhos briquedinhos de montar pertencentes à mídia)"(1995:77). 93"Quanto à sua estrutura, os novos meios são igualitários. Com um simples acionar de botão, qualquer pessoa pode participar... Os novos meios tendem a eliminar todos os privilégios culturais, e com isso o monopólio cultural da intelligentsia burguesa" (Enzensberger, 1979:71). 168 influência recíproca entre o emissor e o receptor. que Enzensberger apontasse Ainda a necessidade de uma sociedade socialista livre para o uso correto dos meios eletrônicos, acaba sugerindo que sua presença em todas as situações de conflito social - locais de trabalho, escolas, repartições públicas etc - possibilitaria uma "iluminação profana" das massas, permitindo uma opinião pública de contorno agressivo. Apostando nas "potencialidades progressivas" dos novos meios - capaz de por em questão, pela primeira vez, os métodos privados de produção dos intelectuais burgueses -, Enzensberger chega a opor os "programas descentralizados", a "transformação de cada receptor em um transmissor em potencial", a "interação dos participantes", a "produção coletiva" etc propiciada pela tecnologia eletrônica ao uso repressivo dos meios de comunicação. Se tal aposta, nos termos expostos, parece extemporânea a uma época que retirou de seu horizonte a proximidade imaginativa de uma revolução socialista, permanece em alta a sobrevalorização destes meios. Nicholas Negroponte, um dos fundadores do Media Lab do Massachusetts Institute of Technology e autor de A Vida Digital, por exemplo, além de apontar os méritos "tecnológicos" da digitalização - a compressão de dados e a correção de erros, para ficarmos nos exemplos mais óbvios -, aponta também para a "inteligência" 169 destes veículos. Assim, contra a "mesmice da informação" poderíamos ter, no receptor, um sistema editor de notícias que, diante da quantidade selecionaria umas receptor. libertar Ao poucas, o enorme de material dependendo receptor dos do recebido, interesse "átomos"94 da do vida cotidiana, o uso do computador dá-lhes "mais poder e tempo de sobra para se divertir e trabalhar produtivamente"95. Da mesma forma, análises de autores como Edmond Couchot e Philippe Quéau, embora não apontem para uma função socialmente emancipadora das imagens eletrônicas, ao não inserir tal pragmática no contexto da situação histórica concreta, correm o risco de cair num excesso de tecnicismo, não avaliando corretamente o caráter "inovador" destes novos meios. Neste "recepção sentido, esclarecida" conversacional" intervenção na , isto imagem por é, exemplo, a exaltação possibilitada pelas diversas eletrônica ou pelo duma "modelo modalidades na de programação transmitida (através do controle remoto) -, quando vista na sua 94- relação com a cultura capitalista atual, revela-se Negroponte usa este termo para se referir aos suportes "materiais" de informação: jornais, revistas e livros, de entretenimento: discos, filmes, fotos etc. 95- Para além de uma maior satisfação individual, Negroponte chega a falar numa diminuição do abismo existente entre os países pobres e ricos oriunda do barateamento dos preços dos computadores (ver sua entrevista à Revista Veja de 26/07/1995). 170 conformada pelo sistema, constituindo-se - a personalização da cultura - num dos modos do "Estado cultural". Inverte-se assim, o argumento básico de Enzensberger, revelando-se, entretanto, sua outra face. Aqui, a aposta não reside mais nos usos coletivos destes novos meios, mas nível da individualidade: "na era da pós-informação, em o público que se tem é, com frequência, composto de uma única pessoa. Tudo extremamente é feito por encomenda, e personalizada"(Negroponte, a informação 1995:143). Não é é mais, portanto, o sujeito que se abre ao mundo, mas este que se abre ao indivíduo, que lhe chega sem resistências e para satisfazer suas necessidades mais remotas. Também em nosso país boa parte da crítica parece ceder às potencialidades das novas tecnologias. Quer enfatizando os benefícios de uma recepção "zapeadora", quer apostando na abolição da divisão entre autor e leitor, artista e receptor propiciada pela interatividade numérica, quer ainda apostando no potencial inovador destes "navegadores" das redes - na possibilidade de descobertas imprevistas e revolucionárias96 - , autores como Arlindo Machado, Julio Plaza, Gilberto Prado97, entre outros, lançam suas apostas 96- Não no sentido político, mas no da descoberta de potencialidades não ante/vistas, da aposta na indeterminação dos sistemas. 97- Há diferenças nas abordagens de cada autor, requerendo, portanto, análises mais detida nas especificidades de cada um- o que, entretanto, não realizaremos neste estudo. Um bom 171 nesta hibridização de diferentes perspectivas, num "salto revolucionário", qualitativamente representativo, nas melhor, explorações do sistema "tecno-poéticas do tecnológico"(Júlio Plaza). Numa época de globalização das redes de informação, a própria tese de que o volume de informações disponíveis e colocadas, em princípio, ao alcance de todos representa um estímulo decisivo emancipatórias excesso de ao desenvolvimento transforma-se oferta com em das potencialidades ideologia. democracia, Confude-se des-centralização com autonomia, flexibilidade com autonomia. Oculta-se, com isso, o fato de que a simples suficiente para uma diferenças sociais presença utilização essenciais destes meios transformadora são repostas e não que com é as força redobrada. A origem econômica do conceito de globalização mostra seu caráter excludente. Trata-se da organização da produção, distribuição e consumo de bens e serviços a partir de uma estratégia mundial, e Deslocalização e anteriormente, liga-se voltada flexibilidade à para que, um mercado conforme "reestruturação" do mundial. analisamos Capitalismo contemporâneo. Neste sentido, a "globalização" implica um exemplo destas posições pode ser encontrado na coletânea organizada por Andre Parente, Imagem-Máquina(1993) e no número 3 da revista Imagem publicada pela UNICAMP. 172 conjunto de transformações nada libertário: subcontratações, enfraquecimento dos sindicatos, rotatividade da trabalhadores politicamente elevação mão-de-obra, altas das taxas proporções marginalizados, de de aumento do deram aos desemprego etc. Se a aplicação das medidas neo-liberais países de capitalismo avançado a ilusão da saída da crise, recuperando, em parte, suas taxas de lucro, tal fato não implicou, evidentemente, uma globalização dos lucros. Ao contrário, vivenciamos hoje um retrocesso social muito mais pronunciado, com o agravamento das desigualdades sociais. Criticando aqueles que não se "integram" às redes neo- liberais, esta "globalização vai, desta forma, estendendo sua malha de excluídos sociais98. Agora, se o pensar a realidade mundial a partir dos aspectos específicos de cada cultura, isto é, tomar este movimento "globalizador" no confronto com as especificidades "locais", poderia fornecer uma visão enriquecedora e crítica 98- Como Afirma Alain Touraine em artigo à Folha de São Paulo de 13/8/95: "Essa noção tão cômoda, porém, choca-se com duas realidades contrastantes. A primeira é o crescente dualismo presente na grande parte dos países: todos participam do mercado mundial, mas, nos países ricos, 20% da população ficam de fora do processo econômico - cifra que atinge na América Latina o patamar de 50% e eleva-se em determinadas regiões, sobretudo na África, a 80%. Uma tal realidade, de tão evidente, faz o tema da globalização parecer mais ideológico do que descritivo..." 173 desse processo, a tese de uma cultura "globalizada" vê-se exaurida de qualquer potencial crítico. Serve apenas para dar nome à difusão generalizada de uma sociedade de consumo que, à primeira vista, como afirma Alain Touraine(1995:513), transformaria o mundo num imenso "duty-free"99. Diante da impossibilidade de se socializar os lucros, oferece-se a ilusão de uma fruição cultural generalizada. Uma cultura totalmente capitalizar, tal publicitárias, inteligíveis e desterritorializada como signos fazem e as uma que grandes referências consumíveis100.Em e palavra, busca agências imediatamente uma cultura reduzida a sua forma-publicitária. 99- Isto é, aliás, o que se pode constatar na mundialização da cultura analisada por Renato Ortiz que chega a reconhecer na base de uma cultura internacional-popular a presença do mercado consumidor: "Afirmar a existência de uma memória internacional-popular é reconhecer que no interior da sociedade de consumo são forjadas referências culturais mundializadas. Os personagens, imagens, situações, veiculadas pela publicidade, histórias em quadrinhos, televisão,cinema constituem-se em substratos desta memória. Nela se inscrevem as lembranças de todos. As estrelas de cinema, Greta garbo, Marilyn Monroe ou Brigitte Bardot, cultuadas nas cinematecas, pôsteres e anúncios, fazem parte de um imaginário coletivo mundial. Neste sentido pode se falar de uma memória cibernética, banco de dados das lembranças desterritorializadas dos homens, Marcas de cigarro, carros velozes, cantores de rock, produtos de supermercado, cenas do passado ou de science-fiction são elementos heteróclitos, estocados para serem utilizados a qualquer momento(Ortiz, 1994:126). 100- bens O que não implica, como vimos mostrando, a imposição de culturais padronizados, mas em se tomar a própria 174 Teria, então, razão Baudrillard em pregar, em relação aos meios eletrônicos, a liquidação de toda sua estrutura atual, funcional Convencido da Baudrillard e técnica, de sua unilateralidade do processo verá os novos meios forma como de operacional? informação, promotores da desestruturação do social e da dissolução do sentido, não por um desvio de sua essência, mas por sua própria forma, sendo, neste sentido, efetuadores de ideologia. Submetida à cultura dos simulacros, a comunicação assim como a arte contemporânea - torna-se autônoma com relação ao mundo e se desenrola através de uma rede circular e sem fim num processo tautológico. Como não se trata, aqui, de um processo Baudrillard restrito estende aos esta novos meios circularidade - uma vez estrutural que aos diversos domínios da sociedade contemporânea, constituindo uma das marcas decisivas do simulacro hiperreal - não haveria saída a isso: só uma 'exacerbação' lógica e uma resolução catastrófica. Agora, não haveria objeto exterior representado pelos mass media, como também não haveria sujeito comunicante dotado do poder de construção ou de influência (Sfez, 1994:101). Restaria, portanto, à arte segmentação do mercado, propiciada, aliás, pelas novas tecnologias, como a ideologia do "pós-industrialismo". Neste sentido, é apenas aparente a contradição existente entre o processo "globalizador" da economia e o atendimento a um mercado cada vez mais "local", aproximando-se da individualidade do consumidor. 175 parodiar a pertuba(sic) ordem, essa ilustrá-la, ordem que é simulá-la, também a mas nunca sua(Baudrillard, 1972:125). Embora Baudrillard descreva com perspicácia vários traços essenciais de nossa época e aponte para a importância das novas tecnologias na formação do zeitgeist contemporâneo, peca em sua absolutização de tais fenômenos. Se é incontestável que a presença desta hiperrealidade afeta as nossas relações individuais e sociais bem como nossas relações com o mundo construído, é também certo, como mostra Sfez, tratar-se de um filtro ou quadro simbólico, como um meio de conhecimento entre outros que, embora cada vez mais interiorizado e não percebido como tal, é passível de crítica e intervenções desviantes. A absolutização destes fenômenos além de não apreender a realidade em suas forças contraditórias, pode tomar como causa aquilo que não passa de sintoma, não dando conta da pragmática das imagens eletrônicas em nossa sociedade. No momento em que a "auto-determinação" capitalista configura um novo quadro de exclusão social, esta estranha coalização dos que defendem, sem qualquer mediação crítica, os ganhos epistemológicos e sociais dos novos mídia aqueles 101- que apostam na tese da simulação com generalizada101 Insistindo na incapacidade de se distinguir entre a realidade e a ficção. 176 corre o risco de obliterar a própria realidade, de passá-la por uma "assepsia" que mascare aquilo que não é para ser visto (assim como a "operação cirúrgica"da Guerra do Golfo mascarou os corpos das vítimas). Uma postura mais afeita as interrelações entre as novas tecnologias e o atual contexto histórico é dada por Paul Virilio para quem o advento das novas tecnologias são o sintoma de uma nova temporalidade que, colocando em crise os diversos sistemas de referências do passado, permite uma nova experiência perceptiva. Da mesma forma como os regulacionistas apostam numa "regulação" mais ou menos automática do sistema capitalista, sem levar em conta seu funcionamento contraditório, Virilio chegou a apostar numa "ecologia CINZA". Uma "reorganização" do ecossistema tecnológico, dedicada ao aparecimento intempestivo desta "Cidade-Mundo" totalmente dependente das telecomunicações (Virilio, 1993). Falando da redução da cidade a um sistema de audiência eletrônica, flutuar onde "em espaciais, difusão um mas os éter elementos eletrônico inscrito instantânea", na arquitetônicos desprovido temporalidade Viriliio serve de de passam a dimensões única de uma referência aos partidários da "Cidade Digital", uma netrópolis(net=redes) composta de infovias que começa a se delinear em torno das redes de comunicação via computador. As possibilidades 177 comunicacionais- tidas como ilimitadas- abertas por estas redes estão sendo enaltecidas sobretudo pelos teóricos e profissionais da comunicação102 que vêem, na generalização das redes e na ausência de um emissor central, a abertura de leituras plurais. Entretanto, como reconhece o próprio Virilio, tal processo não é isento de contradições e não representa, necessariamente, um ganho social e político, mas uma "interpretação óptica 'subjetiva' dos fenômenos observados" que levaria cegamento a sociedade a voluntário". um mergulho Aos na ganhos "noite de oriundos um do desenvolvimento das infovias se somaria uma "desorientação fundamental"103: um desdobramento da realidade sensível entre o real e o virtual visto como uma novo tipo de tirania. Um risco comparável ao da bomba atômica- "La bombe informatique, aprés l'atomique"104. Embora tal comparação nos pareça apressada e não haja como negar a importância e os ganhos obtidos com estas novas tecnologias, tecnológico uma não possibilidades, 102- "reorganização" passa, dependente entretanto, da do de articulação "ecossistema" um de campo de diversos Ver, por exemplo, a publicação do Grupo de Estudos "Nova Teoria da Comunicação" da ECA-USP - Atrator Estranho. 103- Trata-se, segundo Virilio, de um processo tecnológico que acompanha a desregulação social e a desregulamentação dos mercados financeiros. 104- Cf. Virilio, 1995. 178 fatores contraditórios, parcialmente autônomos e, na maior parte das vezes, independente das especificidades técnicas dos meios. Apesar de a história parecer ter dado razão a Adorno, comprometendo os vínculos comunicacionais entre a arte e a sociedade antagônica, nem por isso devemos deixar de imaginar a possibilidade de "pontos de fuga". Na medida em que os criadores tomem consciência das limitações inerentes ao fazer artístico no mundo contemporâneo e se desfaçam do otimismo acrítico tecnologias, que talvez cerca possam a utilização refuncionalizar das novas seus meios, transformando-os em veículos produtores de novos sentidos e sensibilidades. Esta é, no entanto, uma aposta que, coerentemente com as nossas análises a respeito da lógica cultural do Capitalismo avançado, deve obrigatoriamente vir acompanhada Capitalismo de uma mudança e na de configuração sua deste mesmo lógica. 179 BIBLIOGRAFIA ADORNO & HORKHEIMER. Dialética do Esclarescimento. Rio de Janeiro, Jorge Zahar Editor, 1985. ADORNO, Teodor W. Edições 70, Teoria estética.São Paulo, Lisboa, 1988. _________________. Filosofia da Nova Música. São Paulo, Perspectiva, 1974. AGLIETTA, M. Paris, Régulation Calmann- et crises du capitalisme. Lévy, 1976. ALLIEZ, Eric. "Carta a André Parente: entre Imagem e Pensamento". PARENTE, A. 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