Revista Historiador Número 05. Ano 05. Dezembro de 2012
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A ESCRITA ALÉM DOS CUNEIFORMES
Renata Dariva Costa1
Resumo
Visando um maior entendimento sobre a escrita cuneiforme e suas variantes, este artigo tem
como caráter explicativo duas teses já publicadas sobre o assunto. A escrita cuneiforme não
acontece de uma hora para a outra, nem é apenas um simples processo de aculturação e
transmissão dentro das sociedades antigas. Para termos o seu relativo entendimento
devemos buscar compreender as suas etapas, sempre relatando que nada é progressivo
e/ou anulante dentro do estudo da história.
Palavras Chave: Cuneiforme. Escrita. Problemáticas.
1. Introdução
O desenvolvimento da escrita cuneiforme só pôde ocorrer em virtude da crescente
sedentarização da sociedade. Veremos que, há diversos tipos de registros cuneiformes e,
todos eles, contribuíram para a formação da fala e da escrita.
Para fins de entendimento, este artigo relatará as questões do deciframento e suas
problemáticas. As etapas pré-estabelicidas da escrita mesopotâmica (com fins altamente
didáticos para a compreensão da mesma), a escrita suméria, a escrita acádia, os alfabetos,
a literatura e a importância dos escribas nas sociedades antigas.
2. O Deciframento
Conforme a recente obra traduzida por Marcelo Rede, Escritas Cuneiformes História
Usos e Deciframento, podemos observar que o deciframento da escrita cuneiforme ocorreu
em diversas etapas e com diferentes conflitos entre os pesquisadores responsáveis pelo
mesmo. Veremos aqui, uma breve explicação para o futuro entendimento das próprias
línguas cuneiformes, baseado, principalmente na recentemente obra traduzida (já citada) e,
na obra de Paul Garelli, em L’Assyriologie.
Atualmente temos o trabalho completo do The Assyrian Dictionary, que é disponível a
venda, assim como disponibilizado via internet gratuitamente para pesquisadores. O projeto
lançado pelo Instituto Oriental da Universidade de Chicago que é um dos principais
1
Acadêmica do curso de História das Faculdades Porto-Alegrenses. Trabalho desenvolvido para a disciplina de
Metodologia da Pesquisa Histórica sob Orientação do Prof. Dr. Sergio Roberto Rocha da Silva e posteriormente
apresentado no X Fórum FAPA, onde recebeu o título de menção honrosa. E-mail para contato com a
acadêmica: renatadariva@yahoo.com.br.
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mantedores sobre o estudo das civilizações do oriente próximo asiático. O dicionário consta
com a indexação de mais de dois milhões de cartões e registros assírios.2
2.1 Os pesquisadores
Conforme as teorias de Petro della Valle, em 1621, as escritas do oriente próximo
eram lidas da esquerda para a direita, teoria que a posteriori foi comprovada. Os estudos
sobre o oriente antigo foram retomados no primeiro século de nossa era, onde vemos a
descoberta do calhau Michaux, estela com inscrição cuneiforme, que ganhou nome do seu
descobridor André Michaux. Entretanto, é observável que o deciframento das escritas
cuneiformes recebe relativamente um avanço em virtude do deciframento do persa antigo,
realizado pelo trabalho de Carstem Niebuhr (1733-1815) e Georg Friedrich Grotefend (17751853), onde o último formula uma hipótese baseada no trabalho de Niebuhr em Persépolis
(que se fundamentou nas inscrições gregas arcaicas e aquêmiadas). A partir dessa hipótese
temos os primeiros sinais = a nomes de reis, e em seguida as sequências genealógicas,
cujo: A, rei, filho de B, rei.
Posteriormente temos o deciframento do persa antigo realizado por Rawlinson, nos
anos 1840, que retoma os trabalhos de Grotefend, identificando a compreensão de mais
duas línguas existentes na inscrição de Behistun: o babilônico e o elamita. Seu trabalho
alcança quase que a totalidade para a compreensão do persa antigo, sendo ele,
responsável pela primeira síntese do texto de Behistun em 1847.
A obra Escritas Cuneiformes: História Usos e deciframentos (LION; MICHEL, 2011, p.
20) nos informa que antes de 1857, temos uma série de pesquisas e descobrimentos:
Em 1845, uma vez assegurado o deciframento do persa antigo, I.
Löwenstern supõe que a língua da terceira coluna das inscrições de
Persópolis é semítica. No ano seguinte, E. Hincks compreende que alguns
sinais registram silabas. Em 1847, A. de Longpérier, conservador das
antiguidades do Louvre e lingüista, também formula a hipótese de um
silabismo, o que explicaria o grande número de sinais. [...] a partir de 1843
2
Podemos encontrar fontes disponíveis dos cuneiformes para maior estudo nos sites:
CDLI: Cuneiform Digital Library Initiative. Disponível em: < http://cdli.ucla.edu/>. Acesso em: 20 de junho de
2012.
ETCSL: the eletronic text corpus sumerian literature Disponível em: < http://www.etcsl.orient.ox.ac.uk/>. Acesso
em: 20 de junho de 2012.
Sistema do Etana: electronic tools and Ancient Near Eastern Archives: Disponível em:
<
http://www.etana.org>. Acesso em: 20 de junho de 2012.
Digital Hammurabi: Disponível em: <http://www.jhu.edu/digitalhammurabi/>. Acesso em: 18 de junho de 2012.
The Pennsylvania Sumerian Dictionary: Disponível em: <http://psd.museum.upenn.edu/epsd/index.html>. Acesso
em 18 de junho de 2012.
Royal Society: Disponível em: <http://royalsociety.org/>. Acesso em: 18 de junho de 2012.
The Neo-Assyrian Text Corpus Project: Disponível em: <http://www.helsinki.fi/science/saa/>. Acesso em: 18 de
junho de 2012.
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P.-E. Botta copia as numerosas inscrições que havia descoberto em
Khorsabad. Em 1849 e 1850, ele publicaria cinco volumes, Monumentos de
Níneve, que, apesar do titulo, dizem a respeito às escavações de
Khorsabad; dois volumes são consagrados as inscrições. [...] Assim, A. de
Longpérier consegue ler, em parte, a titulatura de Sargão II.
A mesma obra (LION; MICHEL, 2011, p. 20) nos relatam, também, que em virtude do
trabalho de H.C. Rawlinson há continuidade nos trabalhos anteriores, obtendo a terceira
língua, o acadiano:
Em 1851, ele publica o texto babilônico da inscrição de Behistun, [...] Além
disso, propõe uma transcrição e uma tradução do texto. Ele empreende o
deciframento comparando os nomes próprios nas versões persa antiga e
acadiana. Ele acrescenta na obra uma tabela de 246 sinais, com seus
valores. Ele também formula a hipótese que alguns sinais derivam da
representação de objetos, por analogia com a escrita egípcia. No ano
anterior, ele havia publicado um trabalho sobre as inscrições assírias
encontradas recentemente em Nimrud, a antiga Kalhu.
Podemos destacar também o trabalho de A.H. Layard, exposto por Lion e Michel
(2011, p. 20), como responsável em 1851 pela escavação de Nínive, onde encontrou os
tabletes da biblioteca de Assurbanipal e lhes enviou para o museu Britânico.
Em 1857 temos os trabalhos de W.H.F. Talbot, o de E. Hincks e J. Oppert enviadas
para a Royal Asiatic Society, onde temos pesquisas tradutórias bastante satisfatórias,
incluindo o prisma de Tiglat-Pileser I, que se constitui num prisma octogonal de argila
descoberto na antiga Assur, relatando os grandes feitos militares e construções do rei que
dá nome ao tablete. É importante destacarmos o trabalho de J. Oppert, pois o mesmo foi
responsável pelo principio da língua acadiana composta na sua principal obra L’ expedition
scientifique em mésopotamie exécutée par ordre du governement, ele compreende sinais
que vão além do acadiano.
Trabalhando com os tabletes de Níneve, J. Oppert compreende que alguns
sinais não correspondem a sílabas, mas a palavras inteiras. Ele supõe que
esses ideogramas foram criados para notar uma língua mais antiga que o
acadiano e não semítica. Ele lança assim bases para o deciframento do
sumério. A seguir, ele se interessa também pelo elamita, a ,terceira língua,
Registrada no rochedo de Behistun e nos monumentos de Persépolis.
(LION; MICHEL, 2011, p. 23).
Ou seja, além de ele ser um dos principais responsáveis pelo deciframento do
acadiano, ele também descobriu o sumério. Entretanto, Oppert consegue mais dois feitos
em sua vida profissional, cria a cadeira de filologia e arqueologia assírias no College de
France (um dos principais núcleos de estudos do oriente antigo até hoje) e, participa da
fundação da revista Revue d’Assyriologie na França e da Zeitschrift für Assyriologie na
Alemanha.
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3. Etapas do Desenvolvimento da Escrita Cuneiforme
Podemos dividir a escrita cuneiforme em três etapas distintas. Porém a escrita é muito
mais antiga, conforme Katia Pozzer (POZZER, 1998, p. 41) “a ideia de escrita surgiu ainda
na pré-história, pois, desde o período neolítico e durante milênios, o homem praticou
sistemas de contabilidade utilizando símbolos numéricos que serviam de auxilio na
administração do templo e do palácio”. Logo, a posteriori a autora coloca na nota de rodapé
que “pode-se conceituar escrita como sistema que permite transmitirem-se e fixarem-se
línguas, ideias, sentimentos e informações no espaço e no tempo, tendo nascido de
imperativos econômicos e sociais ligados ao desenvolvimento das sociedades antigas.”
Gordon Childe (1973, p. 15) também legitima esta ideia colocando que:
a linguagem é mais do que um simples veiculo da tradição. Ela afeta o que
transmite. O sentido socialmente aceito de uma palavra (ou de outro
símbolo) é quase necessariamente algo abstrato. [...] A linguagem faz com
que a tradição seja racional.
A origem da palavra cuneiforme vem do latim cuneus – canto – logo escrita
cuneiforme, escrita em cantos. Conforme (POZZER, 1998, p. 41) a escrita cuneiforme:
é o resultado da incisão de um estilete, impressa na argila mole, com três
dimensões (altura, largura e profundidade). A escrita cuneiforme foi utilizada
para se gravar em paredes de rochedos, corpos de estátuas e grandes
monumentos, sendo sempre as inscrições um decalque do texto escrito no
tablete de argila. Lê-se um texto em escrita cuneiforme da esquerda para a
direita e de cima para baixo, como em português. [...] o tablete de argila
possui, em geral, 10 cm (a dimensão da palma da mão), mas pode variar de
3cm a mais de 50 cm.
O tablete é sempre lido, como citado pela autora, da esquerda para direita e virado
sempre em função do seu eixo horizontal na ordem: a face, a borda inferior, o reverso, a
borda superior e, eventualmente, quando encontramos inscrições do lado esquerdo.
Algumas vezes, é observável que, as linhas da face e do reverso transbordem sobre o lado
direito.
Em relação ao processo de confecção do tablete, frequentemente, sua secagem se dá
ao céu aberto, sendo os tabletes cozidos mais comuns na utilização de documentos para
bibliotecas. Há, também, tabletes envoltos por uma fina camada de argila, que seria um
envelope. O objetivo é a proteção do tablete, que contém uma mensagem, muitas vezes de
valor jurídico. É comum encontrarmos o emissor e o destinatário neste tipo de inscrição.
3.1 I Estágio
Tokens (fichas) (c. 8.500-3.200 a.C.)
São os primeiros complexos escritos, feito de unidades de conta, passava
informações. Pozzer (1998, p. 42) coloca que, estes poderiam ser chamados de calculi, “que
eram símbolos numéricos cuja forma variava segundo o objeto que correspondiam”.
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3.1 II Estágio
Bullae (esferas) (c.3.400-3.200 a.C.)
De acordo com Pozzer (1998, p. 42) as Bullae tornaram-se, a unidade de
armazenamento dos tokens. Elas eram “marcadas de numerais e a aposição do selo de
quem teria emitido [...] essas esferas possuíam o tamanho aproximado de uma bola de
tênis.”
3.3 III Estágio
Nesse estágio temos a eliminação dos tokiens. Podemos classificá-los em duas
subdivisões. Num aspecto geral temos o surgimento dos primeiros tabletes de argila. Os
selos-cilindros também começam a ser utilizados, estes possuíam de 1 a 3 cm de altura e 2
cm de diâmetro. Eles eram importantes, pois mostravam o cotidiano dos mesopotâmicos e
podiam ser confeccionados em pedra, cerâmica, vidro, argila cozida, metal, madeira ou
marfim.
III (a) tabletes numéricos (c.3.300-3.000 a.C.)
Contem a impressão de numerais.
III (b) tablete cuneiforme (lista lexical c.2.500 a.C.) e o mais arcaico tablete pictográfico
(c.3.200-3.100 a.C.)
Nos tabletes pictográficos o principio é baseado pela semelhança do objeto e do
símbolo, não há necessariamente uma abstração do número, isso irá ocorrer com o
desenvolvimento da escrita. “na etapa pictográfica realizaram-se representações picturais
dos objetos. O pictograma (desenho) ainda não era uma escrita porque ele simbolizava uma
coisa e não uma palavra. [...] Pode-se considerá-lo uma frase-ideograma”. (POZZER, 1998,
p. 44)
Na lista lexical já temos um sistema de abstração, onde a escrita é feita penha cunha
aberta, a cunha horizontal e a vertical. Nessa etapa temos os sistemas fonéticos, mas nem
sempre silábicos. O principio abstrato de escrita havia nascido. Veremos a seguir o sumério
e o acádio que são duas línguas completamente diferentes (Figura1).
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Figura 1 – Tabela Schmandt- Besserat. Fonte: Marcelo Rede, 2011.
4. Sumério
É a língua mais antiga da mesopotâmia. Segundo Paul Garelli (GARELLI, 1972, p. 11):
[...] L’ écriture cuneiforme, inventée par les Sumériens vers 3500 avant J-C.,
était primitivement composée de véritables dessins qui représentaient, soit
des objets, soit um de leurs éléments caractéristiques, soit, pour certaines
notions plus abstraites, des compositions symboliques. Mais il s’est produit
une double évolution, dans le graphisme et dans l’utilisation que l’on fit de
ces sigues.
O mesmo autor relata também que os sumérios tiveram um relativo êxito na
Mesopotâmia em virtude do tipo de material que utilizaram para a escrita, a argila, que era
bastante abundante nas regiões mesopotâmicas e, que o uso da escrita só pode ser
desenvolvido em virtude da facilidade para se manusear o material. Relatando sobre o
sistema sumério, o autor, nos trás a seguinte informação:
Le système était à l’origine purement idéographique. Chaque signe avait un
sens fundamental auquel venaient s’ajouter des significations dérivées ou
apparentées. C’est ainsi que le signe représentant la bouche (en sumérien
KA), servait aussi à désigner la parole (INIM), la dent (ZU), et des notions
comme parler (DUG) et crier (GU). Mais la langue sumérienne, de tedance
monosyllabique, comportait de mombreux homophones que l’on distinguait
peut-être dans la prononciacion par des différences de ton musical, comme
c’est le cas em chinois ou dans certaines langues africaine. Nous sommes
obligés, aujourd’hui, de les différencier par des signes diacritiques, chiffres
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em exposant ou accents. Dans l’ exemple précédent il faudrait transcrire:
ZÚ, DUG 4, et GÙ. (GARELLI, 1972, p. 12)
Ou seja, o sumério é uma língua aglutinante, que não tem origem em nenhuma família
lingüística conhecida. Cada idéia ou objeto é registrado por um ideograma.
Garelli, continua, abordando que:
Ceppendant, le système idéographique pur pré-sentatait un gros
inconvénient: il ne permettait pas de reproduire l’ appareil grammatical de la
phrase, notamment les préfixes et les sufixes, que ne traduire aucun signe
concret. Pour les transcrire, on utilisa les signes qui se prononçaient de la
même manière, sans tenir compte de leurs sens. Autrement dit, on fit
abstraction des valeurs idéographiques de certains signes, pour ne retenir
que leurs valeurs phonétiques. C’est ainsi que pour transcrire le préfixe
verbal e-, on utilisa le signe E, qui désignait le canal d’ irrigation, mais em le
dépouillant de cette signification. Il ne représentait alors plus que le son, e.
(GARELLI, 1972, p. 12).
Portanto, podemos concluir que o sumério tem como base a iconografia, ou seja, o
desenho, que com o passar do desenvolvimento da escrita também irá evoluir. Tendo suas
silabas (nominais e verbais) estáveis ou formadas de várias sílabas. O verbo, diferente do
acadiano (que veremos a seguir) tem uma raiz fixa e inflexível. Como este é inflexível, para
obtermos formas conjugadas, é preciso colocar o prefixo, o verbo e, uma serie de infixos
entre a base e a raiz. Pozzer (1998, p. 46) exemplifica que: “A raiz zu significa saber; para
conjugá-la, adiciona-se a base um, dando um.zu (ele soube); com nu-um-zu, tem se a frase
negativa (ele não soube).”
A estrutura da frase é feita com sujeito – complemento - verbo, mesma que no
acadiano. O ideograma será colocado a uma justaposição de símbolos que se
complementam, estes símbolos irão crescer indefinidamente, tornando o sistema bastante
complexo, pois a vários sinais e várias palavras a serem escritas na língua.Em relação ao
alfabeto, Pozzer (POZZER, 1998, p. 47) cita que: “a língua suméria utiliza apenas quatro
vogais, a, e, i, u duas semivogais, w, y, e diversas consoantes: b,d,g,k,l,m,n,p,r,s,t,z,h, š.”
Com o tempo, a complexidade da língua suméria aumentará e, das bases
iconográficas iniciais teremos no sumério arcaico a justaposição de sinais. Eles criarão
ainda os chamados sinais complexos, com o objetivo de limitar seu inventário cuneiforme.
Fazendo-se isto, teremos a polifonia (vários sons para o mesmo sinal), assim como a
grande quantidade de homófonos (sinais cuneiformes diferentes que representam o mesmo
som). Conforme a obra Escritas cuneiformes história usos e deciframento, teríamos cerca de
500 tipos de enunciados.
Katia Pozzer (1998, p. 49) coloca que: “foi criado um sistema, pelo filólogo francês
François Thureau-Dangin, que consiste em se numerar os homófonos de 1 ao infinito.” Ou
seja, como a língua suméria é monossilábica, o que vai modificar o seu fonema
correspondente a determinado cuneiforme é a numeração abaixo no final da silaba. Existem
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dois silabários que ajudam a compreensão dos especialistas, um é na língua francesa e, o
outro em alemão.
5. Acadiano
Ao contrário do sumério o acadiano é uma língua flexionada. Sua composição também
se dá na estrutura sujeito complemento verbo. No acadiano temos as mesmas vogais que
no sumério: a,e,i,u, as semi vogais são w,y;e as consoantes b,d,g,k,l,m,n,p,q,r,s,t,z,h, , , š,s,t
e o sinal ‘’”. Segundo Pozzer (1998, p. 50-51) “[...] Os acádios, então sistematizaram o
emprego da escrita fonética, redigindo por silabas, que eles haviam herdado do velho
sistema sumério. Com isso, eles esvaziaram os ideogramas de seu sentido e os reduziram a
simples grafias fonéticas.”
A autora segue relatando que com a mudança da escrita, “a primeira consequência foi
um alivio considerável do sistema [...] foi escolhido apenas um sinal cuneiforme [...] houve
um aumento da capacidade semântica da silaba”. Portanto, com a escolha de apenas um
sinal os outros ficaram desmerecidos, sendo que cada escolha “caracterizava as
particularidades regionais ou históricas da escrita dos acádios.”
A palavra acadiano tem sua origem na cidade de Akkad (onde, ainda não se sabe a
localização exata, entretanto, acredita-se que ela se encontra próximo a região de Bagdá.
Podemos dizer que o acádio possui três grandes dialetos: acádio antigo, babilônico e
assírio. Conforme Bouzon, em O código de Hammurabi, o acádio é a língua dos povos
semitas presentes na mesopotâmia, juntamente com os sumérios. A obra Escritas
cuneiformes, nos relata que:
ele também pode ser empregue em um sentido mais amplo para remeter a
língua semítica em uso até o final do I milênio a.C. em uma vasta zona
geográfica do Oriente ‘próximo compreendendo o Iraque, o Kuwait, o leste
da síria e o sudeste da Turquia. A partir do segundo milênio, essa língua se
divide em vários dialetos; os principais são o assírio e o babilônico. O
acadiano é uma língua lesta semítica, outras chamadas de oeste semíticas,
são utilizadas na região da síria palestina: no II° milênio: o amorita, o
ugarítico, o cananeu; no Iº milênio: o fenício, o aramaico (língua ainda viva,
hoje em dia, entre os cristãos da síria), o hebraico e o árabe. (LION;
MICHEL, 2011, p. 26).
Se no sumério tínhamos cerca de 500 caracteres, o número de silabas no acadiano
varia entre 150 a 200. Portanto, confirmando a capacidade semântica da sílaba colocados
por Pozzer anteriormente.
6. Os Alfabetos
Na citação anterior vimos a língua uguarítica. O alfabeto de Ugarit era utilizado pelos
escribas juntamente com o acadiano e, muitas vezes para textos mais “formais” como
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registros jurídicos, alguns mitos religiosos de ordem, textos administrativos, etc. A língua é
lida da esquerda para direita.
O persa antigo, raramente utilizado em cuneiformes de argila, tendo seu uso mais
comum em paredes de rochedos, tabletes de pedra e metal contem 36 sinais que por sua
vez, não são totalmente alfabéticos. Possuem três vogais a-i-u, que também são silabas. É
notável a importância da utilização de alguns sinais que servem como separadores entre
alguns ideogramas. A inscrição em persa antigo mais conhecida é do rochedo de Dario, em
Behistun, que também foi a primeira a ser decodificada como vimos anteriormente no item o
deciframento.
Partindo para os alfabetos lineares, vemos que este tem sua inspiração nos
hieroglíficos egípcios acredita-se que se tenha em cerca de trinta sinais pictográficos.
Conforme a obra Escritas Cuneiformes história usos e deciframento:
é desse sistema que deriva o alfabeto fenício do inicio do Iº milênio.
Progressivamente, os alfabetos hebraico e aramaico se diferenciam dele
quanto as suas grafias, mas as ordem dos nomes permanecem os mesmos.
A escrita é lida, agora, da direita para a esquerda. Frequentemente, o
emprego dessas escritas cursivas está associado a um suporte flexível,
como o papiro ou a pele, o que explica que a documentação antiga redigida
nesses alfabetos, que devia representar uma massa considerável, tenha
desaparecido quase completamente. As inscrições foram mais bem
conservadas em outros suportes: pedra, óstraco (cacos) e mesmo tabletes
de argila. Os gregos tomaram de empréstimo aos fenícios o seu alfabeto,
assim como o nome das letras; o conjunto foi transmitido até nós e o próprio
termo <alfabeto> atesta sua origem, dois deriva das duas primeiras letras,
A: alfa <alp, <boi>, nas línguas semíticas, e B: beta< bet, <casa>.(LION;
MICHEL, 2011, p. 31).
7. A Literatura
Temos uma vasta produção escrita, entretanto, podemos, contar com três grandes
obras escritas em acádico: Enûma Eliš, Atrahasîs, Erra.3 A Enûma Eliš tem na sua
composição 1100 versos, composta de sete cantos. Realizada no reinado de
Nabucodonosor I (1124-1103 a.C.), relata o mito sumério de Enlil e exalta o deus babilônico
Marduk. Esta literatura era importante tanto para os escribas, quanto para os sacerdotes,
pois trás as questões universais da criação do universo, do homem, e a relação com os
deuses. É frequentemente recitada durante as festas de Akîtu.A Atrahasîs (“o super sábio”)
tem uma visão teocêntrica do mundo, dividida em quatro partes Antes da criação do
Homem; A criação do Homem; A história primitiva do Homem; O dilúvio. Foi produzida no
3
Não podemos desmerecer a A EPOPÉIA DE GILGAMEŠ, que é um dos textos primordiais para entendermos o
mito fundador das antigas sociedades mesopotâmicas. Podemos encontrar e epopéia e outros textos nos
seguintes sites:
The Electronic Text Corpus of Sumerian Literature (ETCSL): disponível em:< http://etcsl.orinst.ox.ac.uk/>. Acesso
em 18 junho 2012.
Kramer Gilgamesh: Disponível em: <http://www.piney.com/BabGilgPro.html>. Acesso em 17 junho 2012.
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século XVII a.C., sob o reinado de Ammi-saduqa (1646-1626 a.C.). Já o mito de Erra, temos
uma crescente narrativa mitologia para a busca da universalidade. Escrita no século VIII
a.C., relata acontecimentos ocorridos entre 1100 e 850 a.C. Este texto merece destaque em
virtude que não há o anonimato: seu autor é citado na linha 45 do V tablete, Kabti-ilâniMarduk, que significa “homem importante, o protegido do deus Marduk”.
8. A Importância dos Escribas nas Sociedades Antigas
A profissão de escriba nas sociedades antigas era passada de pai para filho. Os
escribas treinavam durante a sua formação escolar a agilidade e a perfeição para a escrita
nos tabletes.
Orâ, sê um homem. Não percas tempo no jardim publico nem nas ruas ou
nas praças. Mostra a teu professor que tu o temes; se tu demonstras medo,
ele ficará contente contigo (...) Frequenta a escola; disto, tu tirarás proveito.
De todos os ofícios humanos que existem sobre a terra, e que o deus Enlil
nomeou, ele não nomeou o nome de nenhuma profissão mais difícil que a
arte do escriba. Conforme as prescrições do deus Enlil, o filho deve suceder
seu pai em seu oficio. (LION; MICHEL, 2011, p. 36).
Não se sabe se houve a instituição escola como conhecemos atualmente nas
sociedades mesopotâmicas. Entretanto, temos a É.DUB.BA, que poderia ser casa particular
do mestre, que ofertava cursos para apenas alguns alunos.
Os alunos tinham uma rotina árdua, como podemos verificar nesse seguinte relato:
O total de dias que passo na escola é fixado assim: meus dias de férias:
três dias por mês,as variadas festas: três dias por mês; portanto, restam 24
dias por mês, que eu passo na escola (LION; MICHEL, 2011, p. 36).
Os alunos aprendiam primeiramente, a modelar a argila, segurar corretamente o
cálamo, ou, a haste de um junco talhado. Os tabletes destinados aos alunos eram
arredondados, enquanto os do mestre, de forma retangular. A aprendizagem se dava por
vários níveis de repetição (primeiramente por linhas, cunhas, e posteriormente anotando
grafias que não tinha alguma relação entre elas. Feito este processo, começava-se a
aprendizagem feita a partir de classificações, plantas, animais, etc). Podemos, também,
verificar um pouco da rotina de um aluno escriba no seguinte relato:
Eu recitei meu tablete, eu almocei. Eu preparei meu novo tablete, eu o enchi
de escrita, eu o terminei. Depois, indicaram-me minha citação e, durante a
tarde, indicaram-me meu exercício de escrita. No final da aula, eu fui pra
casa, entrei em casa, onde encontrei meu pai sentado. Eu falei do meu
exercício de escrita a meu pai, eu recitei meu tablete e meu pai ficou
encantado. Quando eu acordei, de manhã cedo, virei-me para minha mãe e
4
disse: “dá-me meu almoço, eu devo ir à escola” (LION; MICHEL, 2011, p.
37).
4
No artigo de Pozzer intitulado ensino escrita e burocracia na antiga suméria. Publicado pela edipucrs, na obra
Origens do ensino, temos uma descrição um pouco mais detalhada do techo citado. a autora relata, em seu
artigo, que este trecho ficou conhecido como o tablete os tempos da escola, traduzido por Kramer e, nos trás a
compreensão da rotina de um estudante em relação à escola e ao seu professor.
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De qualquer forma, depois de formado, o escriba poderia ser empregue pelos
palácios, templos ou para serviços particulares. Os escribas com destaques especiais
trabalhavam frequentemente para o clero ou para o próprio monarca. Nesta qualidade mais
erudita, vemos escribas que exerciam funções igualmente de astrólogo, ou também como
matemáticos, médicos e literários. Já os escribas particulares, sem ligação direta com o
clero, realizavam trabalhos de cunho mais administrativo, como podemos verificar no relato:
Eu quero escrever tabletes;
o tablete de medida de um gur de cevada até 600 gur,
o tablete dos pesos de um siclo até 20 minas de prata,
com contratos de casamento que me tragam,
os contatos de associação, eu posso escolher os pesos controlados
de um talento,
a venda de casas, de campos, de escravos, as cauções em prata, os
contratos de locação de campos, os contratos de cultivo de
palmeiras, Mesmo os tabletes dos contratos de adoção, eu sei
escrever tudo isso.(LION; MICHEL, 2011, p. 38)
9. Conclusão
Podemos concluir que, desde a etapa do deciframento até a importância dos escribas
nas sociedades antigas, a escrita foi de importância primordial para a sociedade
mesopotâmica, pois legitimava os encantamentos, as cartas entre os reis, a formação
literária, as descobertas das ciências, etc. Entretanto, a escrita e a aprendizagem não era
uma direito de todos, sendo restrita a indivíduos com alto poder aquisitivo, mas de qualquer,
ela nos trás o entendimento daquela sociedade e da formação das línguas antigas e
modernas.
Com quase 200 milhões de tabletes achados pelos especialistas, essa documentação
não para de se multiplicar com os novos achados arqueológicos. Será que com esta
documentação compreenderemos um pouco de nós mesmos em virtude de algumas das
nossas tradições e conhecimentos?
De qualquer forma, com a invenção da escrita, a representação do “espírito” daqueles
povos, aos poucos, vai se materializando e se abstraindo para diversas formas de escrita,
onde da representação iconográfica/ideografia passamos para a categoria e, para a
construção do signo linguístico, que aos poucos também irá se abstraindo em virtude do
fonetismo. O papel dos deuses serão importantes para a construção de cada tablete, pois o
escriba e o sacerdote são os mediadores da vontade deles.
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Revista Historiador Número 05. Ano 05. Dezembro de 2012
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