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Revista Historiador Número 05. Ano 05. Dezembro de 2012 Disponível em: http://www.historialivre.com/revistahistoriador 9 A ESCRITA ALÉM DOS CUNEIFORMES Renata Dariva Costa1 Resumo Visando um maior entendimento sobre a escrita cuneiforme e suas variantes, este artigo tem como caráter explicativo duas teses já publicadas sobre o assunto. A escrita cuneiforme não acontece de uma hora para a outra, nem é apenas um simples processo de aculturação e transmissão dentro das sociedades antigas. Para termos o seu relativo entendimento devemos buscar compreender as suas etapas, sempre relatando que nada é progressivo e/ou anulante dentro do estudo da história. Palavras Chave: Cuneiforme. Escrita. Problemáticas. 1. Introdução O desenvolvimento da escrita cuneiforme só pôde ocorrer em virtude da crescente sedentarização da sociedade. Veremos que, há diversos tipos de registros cuneiformes e, todos eles, contribuíram para a formação da fala e da escrita. Para fins de entendimento, este artigo relatará as questões do deciframento e suas problemáticas. As etapas pré-estabelicidas da escrita mesopotâmica (com fins altamente didáticos para a compreensão da mesma), a escrita suméria, a escrita acádia, os alfabetos, a literatura e a importância dos escribas nas sociedades antigas. 2. O Deciframento Conforme a recente obra traduzida por Marcelo Rede, Escritas Cuneiformes História Usos e Deciframento, podemos observar que o deciframento da escrita cuneiforme ocorreu em diversas etapas e com diferentes conflitos entre os pesquisadores responsáveis pelo mesmo. Veremos aqui, uma breve explicação para o futuro entendimento das próprias línguas cuneiformes, baseado, principalmente na recentemente obra traduzida (já citada) e, na obra de Paul Garelli, em L’Assyriologie. Atualmente temos o trabalho completo do The Assyrian Dictionary, que é disponível a venda, assim como disponibilizado via internet gratuitamente para pesquisadores. O projeto lançado pelo Instituto Oriental da Universidade de Chicago que é um dos principais 1 Acadêmica do curso de História das Faculdades Porto-Alegrenses. Trabalho desenvolvido para a disciplina de Metodologia da Pesquisa Histórica sob Orientação do Prof. Dr. Sergio Roberto Rocha da Silva e posteriormente apresentado no X Fórum FAPA, onde recebeu o título de menção honrosa. E-mail para contato com a acadêmica: renatadariva@yahoo.com.br. Revista Historiador Número 05. Ano 05. Dezembro de 2012 Disponível em: http://www.historialivre.com/revistahistoriador mantedores sobre o estudo das civilizações do oriente próximo asiático. O dicionário consta com a indexação de mais de dois milhões de cartões e registros assírios.2 2.1 Os pesquisadores Conforme as teorias de Petro della Valle, em 1621, as escritas do oriente próximo eram lidas da esquerda para a direita, teoria que a posteriori foi comprovada. Os estudos sobre o oriente antigo foram retomados no primeiro século de nossa era, onde vemos a descoberta do calhau Michaux, estela com inscrição cuneiforme, que ganhou nome do seu descobridor André Michaux. Entretanto, é observável que o deciframento das escritas cuneiformes recebe relativamente um avanço em virtude do deciframento do persa antigo, realizado pelo trabalho de Carstem Niebuhr (1733-1815) e Georg Friedrich Grotefend (17751853), onde o último formula uma hipótese baseada no trabalho de Niebuhr em Persépolis (que se fundamentou nas inscrições gregas arcaicas e aquêmiadas). A partir dessa hipótese temos os primeiros sinais = a nomes de reis, e em seguida as sequências genealógicas, cujo: A, rei, filho de B, rei. Posteriormente temos o deciframento do persa antigo realizado por Rawlinson, nos anos 1840, que retoma os trabalhos de Grotefend, identificando a compreensão de mais duas línguas existentes na inscrição de Behistun: o babilônico e o elamita. Seu trabalho alcança quase que a totalidade para a compreensão do persa antigo, sendo ele, responsável pela primeira síntese do texto de Behistun em 1847. A obra Escritas Cuneiformes: História Usos e deciframentos (LION; MICHEL, 2011, p. 20) nos informa que antes de 1857, temos uma série de pesquisas e descobrimentos: Em 1845, uma vez assegurado o deciframento do persa antigo, I. Löwenstern supõe que a língua da terceira coluna das inscrições de Persópolis é semítica. No ano seguinte, E. Hincks compreende que alguns sinais registram silabas. Em 1847, A. de Longpérier, conservador das antiguidades do Louvre e lingüista, também formula a hipótese de um silabismo, o que explicaria o grande número de sinais. [...] a partir de 1843 2 Podemos encontrar fontes disponíveis dos cuneiformes para maior estudo nos sites: CDLI: Cuneiform Digital Library Initiative. Disponível em: < http://cdli.ucla.edu/>. Acesso em: 20 de junho de 2012. ETCSL: the eletronic text corpus sumerian literature Disponível em: < http://www.etcsl.orient.ox.ac.uk/>. Acesso em: 20 de junho de 2012. Sistema do Etana: electronic tools and Ancient Near Eastern Archives: Disponível em: < http://www.etana.org>. Acesso em: 20 de junho de 2012. Digital Hammurabi: Disponível em: <http://www.jhu.edu/digitalhammurabi/>. Acesso em: 18 de junho de 2012. The Pennsylvania Sumerian Dictionary: Disponível em: <http://psd.museum.upenn.edu/epsd/index.html>. Acesso em 18 de junho de 2012. Royal Society: Disponível em: <http://royalsociety.org/>. Acesso em: 18 de junho de 2012. The Neo-Assyrian Text Corpus Project: Disponível em: <http://www.helsinki.fi/science/saa/>. Acesso em: 18 de junho de 2012. 10 Revista Historiador Número 05. Ano 05. Dezembro de 2012 Disponível em: http://www.historialivre.com/revistahistoriador P.-E. Botta copia as numerosas inscrições que havia descoberto em Khorsabad. Em 1849 e 1850, ele publicaria cinco volumes, Monumentos de Níneve, que, apesar do titulo, dizem a respeito às escavações de Khorsabad; dois volumes são consagrados as inscrições. [...] Assim, A. de Longpérier consegue ler, em parte, a titulatura de Sargão II. A mesma obra (LION; MICHEL, 2011, p. 20) nos relatam, também, que em virtude do trabalho de H.C. Rawlinson há continuidade nos trabalhos anteriores, obtendo a terceira língua, o acadiano: Em 1851, ele publica o texto babilônico da inscrição de Behistun, [...] Além disso, propõe uma transcrição e uma tradução do texto. Ele empreende o deciframento comparando os nomes próprios nas versões persa antiga e acadiana. Ele acrescenta na obra uma tabela de 246 sinais, com seus valores. Ele também formula a hipótese que alguns sinais derivam da representação de objetos, por analogia com a escrita egípcia. No ano anterior, ele havia publicado um trabalho sobre as inscrições assírias encontradas recentemente em Nimrud, a antiga Kalhu. Podemos destacar também o trabalho de A.H. Layard, exposto por Lion e Michel (2011, p. 20), como responsável em 1851 pela escavação de Nínive, onde encontrou os tabletes da biblioteca de Assurbanipal e lhes enviou para o museu Britânico. Em 1857 temos os trabalhos de W.H.F. Talbot, o de E. Hincks e J. Oppert enviadas para a Royal Asiatic Society, onde temos pesquisas tradutórias bastante satisfatórias, incluindo o prisma de Tiglat-Pileser I, que se constitui num prisma octogonal de argila descoberto na antiga Assur, relatando os grandes feitos militares e construções do rei que dá nome ao tablete. É importante destacarmos o trabalho de J. Oppert, pois o mesmo foi responsável pelo principio da língua acadiana composta na sua principal obra L’ expedition scientifique em mésopotamie exécutée par ordre du governement, ele compreende sinais que vão além do acadiano. Trabalhando com os tabletes de Níneve, J. Oppert compreende que alguns sinais não correspondem a sílabas, mas a palavras inteiras. Ele supõe que esses ideogramas foram criados para notar uma língua mais antiga que o acadiano e não semítica. Ele lança assim bases para o deciframento do sumério. A seguir, ele se interessa também pelo elamita, a ,terceira língua, Registrada no rochedo de Behistun e nos monumentos de Persépolis. (LION; MICHEL, 2011, p. 23). Ou seja, além de ele ser um dos principais responsáveis pelo deciframento do acadiano, ele também descobriu o sumério. Entretanto, Oppert consegue mais dois feitos em sua vida profissional, cria a cadeira de filologia e arqueologia assírias no College de France (um dos principais núcleos de estudos do oriente antigo até hoje) e, participa da fundação da revista Revue d’Assyriologie na França e da Zeitschrift für Assyriologie na Alemanha. 11 Revista Historiador Número 05. Ano 05. Dezembro de 2012 Disponível em: http://www.historialivre.com/revistahistoriador 3. Etapas do Desenvolvimento da Escrita Cuneiforme Podemos dividir a escrita cuneiforme em três etapas distintas. Porém a escrita é muito mais antiga, conforme Katia Pozzer (POZZER, 1998, p. 41) “a ideia de escrita surgiu ainda na pré-história, pois, desde o período neolítico e durante milênios, o homem praticou sistemas de contabilidade utilizando símbolos numéricos que serviam de auxilio na administração do templo e do palácio”. Logo, a posteriori a autora coloca na nota de rodapé que “pode-se conceituar escrita como sistema que permite transmitirem-se e fixarem-se línguas, ideias, sentimentos e informações no espaço e no tempo, tendo nascido de imperativos econômicos e sociais ligados ao desenvolvimento das sociedades antigas.” Gordon Childe (1973, p. 15) também legitima esta ideia colocando que: a linguagem é mais do que um simples veiculo da tradição. Ela afeta o que transmite. O sentido socialmente aceito de uma palavra (ou de outro símbolo) é quase necessariamente algo abstrato. [...] A linguagem faz com que a tradição seja racional. A origem da palavra cuneiforme vem do latim cuneus – canto – logo escrita cuneiforme, escrita em cantos. Conforme (POZZER, 1998, p. 41) a escrita cuneiforme: é o resultado da incisão de um estilete, impressa na argila mole, com três dimensões (altura, largura e profundidade). A escrita cuneiforme foi utilizada para se gravar em paredes de rochedos, corpos de estátuas e grandes monumentos, sendo sempre as inscrições um decalque do texto escrito no tablete de argila. Lê-se um texto em escrita cuneiforme da esquerda para a direita e de cima para baixo, como em português. [...] o tablete de argila possui, em geral, 10 cm (a dimensão da palma da mão), mas pode variar de 3cm a mais de 50 cm. O tablete é sempre lido, como citado pela autora, da esquerda para direita e virado sempre em função do seu eixo horizontal na ordem: a face, a borda inferior, o reverso, a borda superior e, eventualmente, quando encontramos inscrições do lado esquerdo. Algumas vezes, é observável que, as linhas da face e do reverso transbordem sobre o lado direito. Em relação ao processo de confecção do tablete, frequentemente, sua secagem se dá ao céu aberto, sendo os tabletes cozidos mais comuns na utilização de documentos para bibliotecas. Há, também, tabletes envoltos por uma fina camada de argila, que seria um envelope. O objetivo é a proteção do tablete, que contém uma mensagem, muitas vezes de valor jurídico. É comum encontrarmos o emissor e o destinatário neste tipo de inscrição. 3.1 I Estágio Tokens (fichas) (c. 8.500-3.200 a.C.) São os primeiros complexos escritos, feito de unidades de conta, passava informações. Pozzer (1998, p. 42) coloca que, estes poderiam ser chamados de calculi, “que eram símbolos numéricos cuja forma variava segundo o objeto que correspondiam”. 12 Revista Historiador Número 05. Ano 05. Dezembro de 2012 Disponível em: http://www.historialivre.com/revistahistoriador 3.1 II Estágio Bullae (esferas) (c.3.400-3.200 a.C.) De acordo com Pozzer (1998, p. 42) as Bullae tornaram-se, a unidade de armazenamento dos tokens. Elas eram “marcadas de numerais e a aposição do selo de quem teria emitido [...] essas esferas possuíam o tamanho aproximado de uma bola de tênis.” 3.3 III Estágio Nesse estágio temos a eliminação dos tokiens. Podemos classificá-los em duas subdivisões. Num aspecto geral temos o surgimento dos primeiros tabletes de argila. Os selos-cilindros também começam a ser utilizados, estes possuíam de 1 a 3 cm de altura e 2 cm de diâmetro. Eles eram importantes, pois mostravam o cotidiano dos mesopotâmicos e podiam ser confeccionados em pedra, cerâmica, vidro, argila cozida, metal, madeira ou marfim. III (a) tabletes numéricos (c.3.300-3.000 a.C.) Contem a impressão de numerais. III (b) tablete cuneiforme (lista lexical c.2.500 a.C.) e o mais arcaico tablete pictográfico (c.3.200-3.100 a.C.) Nos tabletes pictográficos o principio é baseado pela semelhança do objeto e do símbolo, não há necessariamente uma abstração do número, isso irá ocorrer com o desenvolvimento da escrita. “na etapa pictográfica realizaram-se representações picturais dos objetos. O pictograma (desenho) ainda não era uma escrita porque ele simbolizava uma coisa e não uma palavra. [...] Pode-se considerá-lo uma frase-ideograma”. (POZZER, 1998, p. 44) Na lista lexical já temos um sistema de abstração, onde a escrita é feita penha cunha aberta, a cunha horizontal e a vertical. Nessa etapa temos os sistemas fonéticos, mas nem sempre silábicos. O principio abstrato de escrita havia nascido. Veremos a seguir o sumério e o acádio que são duas línguas completamente diferentes (Figura1). 13 Revista Historiador Número 05. Ano 05. Dezembro de 2012 Disponível em: http://www.historialivre.com/revistahistoriador Figura 1 – Tabela Schmandt- Besserat. Fonte: Marcelo Rede, 2011. 4. Sumério É a língua mais antiga da mesopotâmia. Segundo Paul Garelli (GARELLI, 1972, p. 11): [...] L’ écriture cuneiforme, inventée par les Sumériens vers 3500 avant J-C., était primitivement composée de véritables dessins qui représentaient, soit des objets, soit um de leurs éléments caractéristiques, soit, pour certaines notions plus abstraites, des compositions symboliques. Mais il s’est produit une double évolution, dans le graphisme et dans l’utilisation que l’on fit de ces sigues. O mesmo autor relata também que os sumérios tiveram um relativo êxito na Mesopotâmia em virtude do tipo de material que utilizaram para a escrita, a argila, que era bastante abundante nas regiões mesopotâmicas e, que o uso da escrita só pode ser desenvolvido em virtude da facilidade para se manusear o material. Relatando sobre o sistema sumério, o autor, nos trás a seguinte informação: Le système était à l’origine purement idéographique. Chaque signe avait un sens fundamental auquel venaient s’ajouter des significations dérivées ou apparentées. C’est ainsi que le signe représentant la bouche (en sumérien KA), servait aussi à désigner la parole (INIM), la dent (ZU), et des notions comme parler (DUG) et crier (GU). Mais la langue sumérienne, de tedance monosyllabique, comportait de mombreux homophones que l’on distinguait peut-être dans la prononciacion par des différences de ton musical, comme c’est le cas em chinois ou dans certaines langues africaine. Nous sommes obligés, aujourd’hui, de les différencier par des signes diacritiques, chiffres 14 Revista Historiador Número 05. Ano 05. Dezembro de 2012 Disponível em: http://www.historialivre.com/revistahistoriador em exposant ou accents. Dans l’ exemple précédent il faudrait transcrire: ZÚ, DUG 4, et GÙ. (GARELLI, 1972, p. 12) Ou seja, o sumério é uma língua aglutinante, que não tem origem em nenhuma família lingüística conhecida. Cada idéia ou objeto é registrado por um ideograma. Garelli, continua, abordando que: Ceppendant, le système idéographique pur pré-sentatait un gros inconvénient: il ne permettait pas de reproduire l’ appareil grammatical de la phrase, notamment les préfixes et les sufixes, que ne traduire aucun signe concret. Pour les transcrire, on utilisa les signes qui se prononçaient de la même manière, sans tenir compte de leurs sens. Autrement dit, on fit abstraction des valeurs idéographiques de certains signes, pour ne retenir que leurs valeurs phonétiques. C’est ainsi que pour transcrire le préfixe verbal e-, on utilisa le signe E, qui désignait le canal d’ irrigation, mais em le dépouillant de cette signification. Il ne représentait alors plus que le son, e. (GARELLI, 1972, p. 12). Portanto, podemos concluir que o sumério tem como base a iconografia, ou seja, o desenho, que com o passar do desenvolvimento da escrita também irá evoluir. Tendo suas silabas (nominais e verbais) estáveis ou formadas de várias sílabas. O verbo, diferente do acadiano (que veremos a seguir) tem uma raiz fixa e inflexível. Como este é inflexível, para obtermos formas conjugadas, é preciso colocar o prefixo, o verbo e, uma serie de infixos entre a base e a raiz. Pozzer (1998, p. 46) exemplifica que: “A raiz zu significa saber; para conjugá-la, adiciona-se a base um, dando um.zu (ele soube); com nu-um-zu, tem se a frase negativa (ele não soube).” A estrutura da frase é feita com sujeito – complemento - verbo, mesma que no acadiano. O ideograma será colocado a uma justaposição de símbolos que se complementam, estes símbolos irão crescer indefinidamente, tornando o sistema bastante complexo, pois a vários sinais e várias palavras a serem escritas na língua.Em relação ao alfabeto, Pozzer (POZZER, 1998, p. 47) cita que: “a língua suméria utiliza apenas quatro vogais, a, e, i, u duas semivogais, w, y, e diversas consoantes: b,d,g,k,l,m,n,p,r,s,t,z,h, š.” Com o tempo, a complexidade da língua suméria aumentará e, das bases iconográficas iniciais teremos no sumério arcaico a justaposição de sinais. Eles criarão ainda os chamados sinais complexos, com o objetivo de limitar seu inventário cuneiforme. Fazendo-se isto, teremos a polifonia (vários sons para o mesmo sinal), assim como a grande quantidade de homófonos (sinais cuneiformes diferentes que representam o mesmo som). Conforme a obra Escritas cuneiformes história usos e deciframento, teríamos cerca de 500 tipos de enunciados. Katia Pozzer (1998, p. 49) coloca que: “foi criado um sistema, pelo filólogo francês François Thureau-Dangin, que consiste em se numerar os homófonos de 1 ao infinito.” Ou seja, como a língua suméria é monossilábica, o que vai modificar o seu fonema correspondente a determinado cuneiforme é a numeração abaixo no final da silaba. Existem 15 Revista Historiador Número 05. Ano 05. Dezembro de 2012 Disponível em: http://www.historialivre.com/revistahistoriador dois silabários que ajudam a compreensão dos especialistas, um é na língua francesa e, o outro em alemão. 5. Acadiano Ao contrário do sumério o acadiano é uma língua flexionada. Sua composição também se dá na estrutura sujeito complemento verbo. No acadiano temos as mesmas vogais que no sumério: a,e,i,u, as semi vogais são w,y;e as consoantes b,d,g,k,l,m,n,p,q,r,s,t,z,h, , , š,s,t e o sinal ‘’”. Segundo Pozzer (1998, p. 50-51) “[...] Os acádios, então sistematizaram o emprego da escrita fonética, redigindo por silabas, que eles haviam herdado do velho sistema sumério. Com isso, eles esvaziaram os ideogramas de seu sentido e os reduziram a simples grafias fonéticas.” A autora segue relatando que com a mudança da escrita, “a primeira consequência foi um alivio considerável do sistema [...] foi escolhido apenas um sinal cuneiforme [...] houve um aumento da capacidade semântica da silaba”. Portanto, com a escolha de apenas um sinal os outros ficaram desmerecidos, sendo que cada escolha “caracterizava as particularidades regionais ou históricas da escrita dos acádios.” A palavra acadiano tem sua origem na cidade de Akkad (onde, ainda não se sabe a localização exata, entretanto, acredita-se que ela se encontra próximo a região de Bagdá. Podemos dizer que o acádio possui três grandes dialetos: acádio antigo, babilônico e assírio. Conforme Bouzon, em O código de Hammurabi, o acádio é a língua dos povos semitas presentes na mesopotâmia, juntamente com os sumérios. A obra Escritas cuneiformes, nos relata que: ele também pode ser empregue em um sentido mais amplo para remeter a língua semítica em uso até o final do I milênio a.C. em uma vasta zona geográfica do Oriente ‘próximo compreendendo o Iraque, o Kuwait, o leste da síria e o sudeste da Turquia. A partir do segundo milênio, essa língua se divide em vários dialetos; os principais são o assírio e o babilônico. O acadiano é uma língua lesta semítica, outras chamadas de oeste semíticas, são utilizadas na região da síria palestina: no II° milênio: o amorita, o ugarítico, o cananeu; no Iº milênio: o fenício, o aramaico (língua ainda viva, hoje em dia, entre os cristãos da síria), o hebraico e o árabe. (LION; MICHEL, 2011, p. 26). Se no sumério tínhamos cerca de 500 caracteres, o número de silabas no acadiano varia entre 150 a 200. Portanto, confirmando a capacidade semântica da sílaba colocados por Pozzer anteriormente. 6. Os Alfabetos Na citação anterior vimos a língua uguarítica. O alfabeto de Ugarit era utilizado pelos escribas juntamente com o acadiano e, muitas vezes para textos mais “formais” como 16 Revista Historiador Número 05. Ano 05. Dezembro de 2012 Disponível em: http://www.historialivre.com/revistahistoriador registros jurídicos, alguns mitos religiosos de ordem, textos administrativos, etc. A língua é lida da esquerda para direita. O persa antigo, raramente utilizado em cuneiformes de argila, tendo seu uso mais comum em paredes de rochedos, tabletes de pedra e metal contem 36 sinais que por sua vez, não são totalmente alfabéticos. Possuem três vogais a-i-u, que também são silabas. É notável a importância da utilização de alguns sinais que servem como separadores entre alguns ideogramas. A inscrição em persa antigo mais conhecida é do rochedo de Dario, em Behistun, que também foi a primeira a ser decodificada como vimos anteriormente no item o deciframento. Partindo para os alfabetos lineares, vemos que este tem sua inspiração nos hieroglíficos egípcios acredita-se que se tenha em cerca de trinta sinais pictográficos. Conforme a obra Escritas Cuneiformes história usos e deciframento: é desse sistema que deriva o alfabeto fenício do inicio do Iº milênio. Progressivamente, os alfabetos hebraico e aramaico se diferenciam dele quanto as suas grafias, mas as ordem dos nomes permanecem os mesmos. A escrita é lida, agora, da direita para a esquerda. Frequentemente, o emprego dessas escritas cursivas está associado a um suporte flexível, como o papiro ou a pele, o que explica que a documentação antiga redigida nesses alfabetos, que devia representar uma massa considerável, tenha desaparecido quase completamente. As inscrições foram mais bem conservadas em outros suportes: pedra, óstraco (cacos) e mesmo tabletes de argila. Os gregos tomaram de empréstimo aos fenícios o seu alfabeto, assim como o nome das letras; o conjunto foi transmitido até nós e o próprio termo <alfabeto> atesta sua origem, dois deriva das duas primeiras letras, A: alfa <alp, <boi>, nas línguas semíticas, e B: beta< bet, <casa>.(LION; MICHEL, 2011, p. 31). 7. A Literatura Temos uma vasta produção escrita, entretanto, podemos, contar com três grandes obras escritas em acádico: Enûma Eliš, Atrahasîs, Erra.3 A Enûma Eliš tem na sua composição 1100 versos, composta de sete cantos. Realizada no reinado de Nabucodonosor I (1124-1103 a.C.), relata o mito sumério de Enlil e exalta o deus babilônico Marduk. Esta literatura era importante tanto para os escribas, quanto para os sacerdotes, pois trás as questões universais da criação do universo, do homem, e a relação com os deuses. É frequentemente recitada durante as festas de Akîtu.A Atrahasîs (“o super sábio”) tem uma visão teocêntrica do mundo, dividida em quatro partes Antes da criação do Homem; A criação do Homem; A história primitiva do Homem; O dilúvio. Foi produzida no 3 Não podemos desmerecer a A EPOPÉIA DE GILGAMEŠ, que é um dos textos primordiais para entendermos o mito fundador das antigas sociedades mesopotâmicas. Podemos encontrar e epopéia e outros textos nos seguintes sites: The Electronic Text Corpus of Sumerian Literature (ETCSL): disponível em:< http://etcsl.orinst.ox.ac.uk/>. Acesso em 18 junho 2012. Kramer Gilgamesh: Disponível em: <http://www.piney.com/BabGilgPro.html>. Acesso em 17 junho 2012. 17 Revista Historiador Número 05. Ano 05. Dezembro de 2012 Disponível em: http://www.historialivre.com/revistahistoriador século XVII a.C., sob o reinado de Ammi-saduqa (1646-1626 a.C.). Já o mito de Erra, temos uma crescente narrativa mitologia para a busca da universalidade. Escrita no século VIII a.C., relata acontecimentos ocorridos entre 1100 e 850 a.C. Este texto merece destaque em virtude que não há o anonimato: seu autor é citado na linha 45 do V tablete, Kabti-ilâniMarduk, que significa “homem importante, o protegido do deus Marduk”. 8. A Importância dos Escribas nas Sociedades Antigas A profissão de escriba nas sociedades antigas era passada de pai para filho. Os escribas treinavam durante a sua formação escolar a agilidade e a perfeição para a escrita nos tabletes. Orâ, sê um homem. Não percas tempo no jardim publico nem nas ruas ou nas praças. Mostra a teu professor que tu o temes; se tu demonstras medo, ele ficará contente contigo (...) Frequenta a escola; disto, tu tirarás proveito. De todos os ofícios humanos que existem sobre a terra, e que o deus Enlil nomeou, ele não nomeou o nome de nenhuma profissão mais difícil que a arte do escriba. Conforme as prescrições do deus Enlil, o filho deve suceder seu pai em seu oficio. (LION; MICHEL, 2011, p. 36). Não se sabe se houve a instituição escola como conhecemos atualmente nas sociedades mesopotâmicas. Entretanto, temos a É.DUB.BA, que poderia ser casa particular do mestre, que ofertava cursos para apenas alguns alunos. Os alunos tinham uma rotina árdua, como podemos verificar nesse seguinte relato: O total de dias que passo na escola é fixado assim: meus dias de férias: três dias por mês,as variadas festas: três dias por mês; portanto, restam 24 dias por mês, que eu passo na escola (LION; MICHEL, 2011, p. 36). Os alunos aprendiam primeiramente, a modelar a argila, segurar corretamente o cálamo, ou, a haste de um junco talhado. Os tabletes destinados aos alunos eram arredondados, enquanto os do mestre, de forma retangular. A aprendizagem se dava por vários níveis de repetição (primeiramente por linhas, cunhas, e posteriormente anotando grafias que não tinha alguma relação entre elas. Feito este processo, começava-se a aprendizagem feita a partir de classificações, plantas, animais, etc). Podemos, também, verificar um pouco da rotina de um aluno escriba no seguinte relato: Eu recitei meu tablete, eu almocei. Eu preparei meu novo tablete, eu o enchi de escrita, eu o terminei. Depois, indicaram-me minha citação e, durante a tarde, indicaram-me meu exercício de escrita. No final da aula, eu fui pra casa, entrei em casa, onde encontrei meu pai sentado. Eu falei do meu exercício de escrita a meu pai, eu recitei meu tablete e meu pai ficou encantado. Quando eu acordei, de manhã cedo, virei-me para minha mãe e 4 disse: “dá-me meu almoço, eu devo ir à escola” (LION; MICHEL, 2011, p. 37). 4 No artigo de Pozzer intitulado ensino escrita e burocracia na antiga suméria. Publicado pela edipucrs, na obra Origens do ensino, temos uma descrição um pouco mais detalhada do techo citado. a autora relata, em seu artigo, que este trecho ficou conhecido como o tablete os tempos da escola, traduzido por Kramer e, nos trás a compreensão da rotina de um estudante em relação à escola e ao seu professor. 18 Revista Historiador Número 05. Ano 05. Dezembro de 2012 Disponível em: http://www.historialivre.com/revistahistoriador De qualquer forma, depois de formado, o escriba poderia ser empregue pelos palácios, templos ou para serviços particulares. Os escribas com destaques especiais trabalhavam frequentemente para o clero ou para o próprio monarca. Nesta qualidade mais erudita, vemos escribas que exerciam funções igualmente de astrólogo, ou também como matemáticos, médicos e literários. Já os escribas particulares, sem ligação direta com o clero, realizavam trabalhos de cunho mais administrativo, como podemos verificar no relato: Eu quero escrever tabletes; o tablete de medida de um gur de cevada até 600 gur, o tablete dos pesos de um siclo até 20 minas de prata, com contratos de casamento que me tragam, os contatos de associação, eu posso escolher os pesos controlados de um talento, a venda de casas, de campos, de escravos, as cauções em prata, os contratos de locação de campos, os contratos de cultivo de palmeiras, Mesmo os tabletes dos contratos de adoção, eu sei escrever tudo isso.(LION; MICHEL, 2011, p. 38) 9. Conclusão Podemos concluir que, desde a etapa do deciframento até a importância dos escribas nas sociedades antigas, a escrita foi de importância primordial para a sociedade mesopotâmica, pois legitimava os encantamentos, as cartas entre os reis, a formação literária, as descobertas das ciências, etc. Entretanto, a escrita e a aprendizagem não era uma direito de todos, sendo restrita a indivíduos com alto poder aquisitivo, mas de qualquer, ela nos trás o entendimento daquela sociedade e da formação das línguas antigas e modernas. Com quase 200 milhões de tabletes achados pelos especialistas, essa documentação não para de se multiplicar com os novos achados arqueológicos. Será que com esta documentação compreenderemos um pouco de nós mesmos em virtude de algumas das nossas tradições e conhecimentos? De qualquer forma, com a invenção da escrita, a representação do “espírito” daqueles povos, aos poucos, vai se materializando e se abstraindo para diversas formas de escrita, onde da representação iconográfica/ideografia passamos para a categoria e, para a construção do signo linguístico, que aos poucos também irá se abstraindo em virtude do fonetismo. O papel dos deuses serão importantes para a construção de cada tablete, pois o escriba e o sacerdote são os mediadores da vontade deles. Referências BOTTÉRO, Jean et al. Cultura, pensamento e escrita. São Paulo: Ática, 1995. BOUZON, Emanuel. O código de Hammurabi. 4 ed. Petropolis: Vozes, 1987. CHILDE, Gordon. O que aconteceu na História. 3.ed. Rio de Janeiro: Zahar, 1973. 19 Revista Historiador Número 05. Ano 05. Dezembro de 2012 Disponível em: http://www.historialivre.com/revistahistoriador CONTENAU, Georges. Les civilizations anciennes du poche-orient. Paris: Presses Universitaires de France, 1955. GARELLI, Paul. L’ assyriologie. 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