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BRASIL NA ZOPACAS: DESAFIOS E ATUAÇÃO

2017, Acervo digital » Programa Álvaro Alberto

O presente estudo tem por objetivo fazer um diagnóstico crítico da atuação do Brasil frente aos desafios para a manutenção da Zona de Paz e Cooperação do Atlântico Sul (ZOPACAS). A pesquisa se concentra na investigação de documentos oficiais que tratam da dinâmica desse processo de integração regional, como discursos do Ministério das Relações Exteriores, as atas dos Encontros Ministeriais da ZOPACAS, a Estratégia Nacional de Defesa (END) e documentos oficiais. Por fim, conclui que a cooperação militar, técnica e a ação diplomática são indissociáveis para a consolidação do Brasil como ator de destaque.

O BRASIL NA ZOPACAS: DESAFIOS E ATUAÇÃO Luís Gustavo Guerreiro Moreira1 Resumo: O presente estudo tem por objetivo fazer um diagnóstico crítico da atuação do Brasil frente aos desafios para a manutenção da Zona de Paz e Cooperação do Atlântico Sul (ZOPACAS). A pesquisa se concentra na investigação de documentos oficiais que tratam da dinâmica desse processo de integração regional, como discursos do Ministério das Relações Exteriores, as atas dos Encontros Ministeriais da ZOPACAS, a Estratégia Nacional de Defesa (END) e documentos oficiais. Por fim, conclui que a cooperação militar, técnica e a ação diplomática são indissociáveis para a consolidação do Brasil como ator de destaque. PALAVRAS-CHAVE: Defesa Regional, Atlântico Sul, Brasil, África ZOPACAS, Cooperação Inter-regional. Abstract: This study aims to make a critical assessment of the actions of Brazil facing the challenges for the maintenance of the Zone of Peace and Cooperation of the South Atlantic (ZPCAS). The research focuses on the investigation of official documents dealing with the dynamics of this regional integration process, as speeches of the Ministry of Foreign Affairs, the minutes of the Ministerial of ZPCAS Meetings, the National Defense Strategy (END) and official documents. Finally, it concludes that military and technical cooperation and diplomatic action are inextricably linked to the consolidation of Brazil as a leading actor. KEYWORDS: Regional Defense, South Atlantic, Brazil, Africa, ZPCAS, Inter-regional cooperation. 1. INTRODUÇÃO As mudanças contemporâneas na ordem global apontam que assuntos como interregionalismo, segurança marítima e cooperação Sul-Sul constituem importante campo de pesquisa para a compreensão da novas dinâmicas inter-regionais. Dentre diversas iniciativas regionais, a Zona de Paz e Cooperação do Atlântico Sul – ZOPACAS destaca-se por ter surgido como resposta a um contexto de fim do mundo bipolar e crescente hegemonia dos Estados Unidos. 1 Mestre em Sociologia pela Universidade Federal do Ceará e pesquisador do grupo de pesquisa Observatório das Nacionalidades. Criada em 1986 pela resolução 41/11 da Assembleia Geral das Nações Unidas, a ZOPACAS surgiu por iniciativa do Brasil, com apoio da Argentina, Nigéria e Angola. Hoje é composta por 24 países-membros e atende a uma demanda regional pela garantia de um ambiente livre de ameaças externas. 2 O acordo prevê a “necessidade de preservar a região de medidas de militarização, a corrida armamentista, a presença de bases militares estrangeiras e, sobretudo, as armas nucleares” (UNITED NATIONS, 1986). Desde sua criação, foram realizadas sete Reuniões Ministeriais: Rio de Janeiro (1988), Abuja (1990), Brasília (1994), Somerset West (1996), Buenos Aires (1998), Luanda (2007) e Montevidéu (2013). Em todas, a liderança do Brasil se consolidou como “o marco mais nítido do esforço de definir um regime de coordenação política, que norteou a estratégia brasileira. Foi, em suma, a materialização da herança atlântico-africana e que resultou na sua afirmação como código operacional de todos os países-membro desta Zona” (PENHA, 2011. p. 219). A cooperação brasileira na ZOPACAS se dá em diversas frentes. No campo da Defesa tem como objetivo principal evitar a proliferação de armas nucleares e reduzir – ou eliminar completamente – a presença militar de forças alheias à região. Em um contexto amplo, os países que a compõem buscam formas de integração a partir da cooperação econômica, comercial e técnico-científica, destacando-se, no caso brasileiro, as políticas de cooperação técnica e de investimentos a partir de atividades de fomento à produção agrícola através da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária – Embrapa, de incentivo à C&T através da Petrobras, de financiamento à infraestrutura, através do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social – BNDES e da colaboração entre a Marinha do Brasil (MB) e os governos de Angola e Namíbia para o mapeamento e exploração do fundo marinho, para o levantamento de suas plataformas continentais. 2 Compõem a ZOPACAS: África do Sul, Angola, Argentina, Benim, Brasil, Cabo Verde, Camarões, República do Congo, Costa do Marfim, Gabão, Gâmbia, Gana, Guiné, Guiné-Bissau, Guiné Equatorial, Libéria, Namíbia, Nigéria, República Democrática do Congo, São Tomé e Príncipe, Senegal, Serra Leoa, Togo e Uruguai. 2 2. AMEAÇAS E DESAFIOS GEOPOLÍTICOS Em intervenção realizada durante a reunião plenária do último encontro de Montevideo, em 2013, o ministro da Defesa Celso Amorim assinalou a necessidade de consolidar e ampliar a cooperação em defesa entre os países-membros, afirmando que “Hoje vivemos uma realidade em que é muito difícil dizer exatamente onde, como e quais serão as intervenções externas dos conflitos que poderão surgir”. (MINISTÉRIO DA DEFESA, 2013). A vigilância no Atlântico Sul é frágil. O sucateamento das frotas navais facilita atividades ilegais de contrabando, pirataria (ainda não identificada na região) e pesca ilegal. São explícitas as limitações das marinhas de guerra dos países da zona. Mesmo a marinha brasileira, a maior entre os países-membros possui sérias limitações. Ainda que esteja em andamento o projeto do submarino nuclear brasileiro, a crescente cobiça internacional sobre as recentes descobertas de expressivas reservas de petróleo na camada de pré-sal brasileira e a ascensão de Nigéria e Angola (os dois maiores produtores de petróleo do lado africano), sendo que o último possui expressiva presença de empresas e trabalhadores brasileiros ligados aos setores de mineração, petróleo e construção civil (JORGE, 2011). O mar que liga as reservas brasileiras do petróleo do pré-sal à região do Golfo da Guiné torna-se, portanto, uma nova área de interesse geoestratégico de potências do Norte, passando a ser considerado um potencial fornecedor global do produto que advém, em sua maioria, do Golfo Pérsico. Percebendo tal cenário, a Estratégia Nacional de Defesa (END) relaciona o Atlântico Sul, junto com a Amazônia, as duas regiões mais importantes do ponto de vista estratégico, importando, sempre que necessário a cooperação com países vizinhos (BRASIL, 2008). A incapacidade dos países em prover a vigilância de seus mares territoriais incentiva a presença contínua de potência extrarregionais como a Inglaterra, que detêm considerável 3 número de territórios no Atlântico Sul, resquício de sua política colonial. As plataformas continentais dos países da região passam por águas territoriais britânicas. A Inglaterra detém domínio sobre ilhas e arquipélagos que perpassam por todo o Atlântico Sul. Dentre os territórios mais controversos estão as Ilhas Malvinas, palco de uma guerra em 1982, e de tensões diplomáticas entre os governos de Cristina Kirchner e David Cameron em 2015 sobre a pretensão britânica em explorar petróleo na região. As aspirações intervencionistas de instrumentos militares como o AFRICOM (US Africa Command), criado em 2007, lançam mão de estratégias de segurança para controlar os “espaços vazios”, como o Sahel, sob alegação de que locais ainda não utilizados pelas organizações terroristas globais sirvam como espaços de mobilização e treinamento.3 (BERNARDINO, 2015 p.180). A reativação da IV Frota Naval pelos EUA, criada um ano depois do AFRICOM, que adota como pretexto a cooperação em segurança e combate ao terrorismo, soma-se a outras incursões imperialistas na américa do Sul, como as instalações de bases militares em quase todos os países da região. Intervencionismos sob o disfarce de cooperação assimétrica suscitam desconfianças nos governos africanos e sul-americanos. Conforme manifestação do Ministro da Defesa do Brasil “A ausência de ameaças militares imediatas não justifica a imprevidência quanto à possibilidade de que venhamos a ser afetados por crises com reflexos na defesa e na segurança, mesmo que à nossa revelia” (AMORIM, 2012). Avalia o ministro que, “devido à fluidez das relações internacionais, temos de nos preparar para uma eventual ameaça externa e construir uma indústria de defesa forte como parte de uma estratégia de dissuasão que assegure a paz no Atlântico Sul” (AMORIM, 2012). 3 A Iniciativa Pan-Sahel, foi um programa militar criado e liderado pelos EUA em 2002, com o objetivo de ajudar Mali, Níger, Chade e Mauritânia para detectar e responder a “movimentos suspeitos de pessoas e bens” no entorno e dentro de suas fronteiras por meio de treinamento, equipamentos e cooperação militar. Em 2005, foi substituída por uma Iniciativa “Trans-Sahariana” de Contraterrorismo de maior alcance, sendo incorporada ao AFRICOM em 2008. 4 3. FRENTES DE COOPERAÇÃO A ampliação da presença do Brasil no Atlântico Sul ocorre sem tensões com países vizinhos e consiste na combinação coordenada entre dissuasão e cooperação. Laços de cooperação militar só serão capazes de surtir efeito se conjugados com uma política comum de desenvolvimento. Conforme Declaração de Montevideo: ...atenção especial deve ser dada à interdependência entre segurança e desenvolvimento, à medida em que se apoiam mutuamente e fundamentalmente para alcançar uma paz sustentável. Sublinhamos que muitos conflitos têm um forte componente socioeconômico, o que normalmente agrava os outros condutores de conflito. (ZOPACAS, 2013, p.6). O Itamaraty tem, com relativo êxito, aprofundando relações com o grupo de nações lusófonas da África abrigadas na Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP). A ofensiva diplomática tem se expandindo para outros países, como a África do Sul e Namíbia. (BRASIL, 2013). A projeção dos interesses nacionais são, em grande medida, o motivo da atuação brasileira na cooperação inter-regional, pois: ...a política externa brasileira usa a cooperação Sul-Sul de forma instrumental, com o propósito de projetar a influência do Brasil no exterior, criar novas oportunidades econômicas e parcerias políticas, e fortalecer a segurança nacional pela cooperação com países menos desenvolvidos, inclusive na área de defesa. (ABDENUR; NETO, 2014. p.217). O maior engajamento do Brasil na África foi fruto de atuante política externa do governo Lula, que viajou em 12 ocasiões para 29 países daquele continente. Durante a última década, o Brasil abriu 19 das 37 embaixadas que operam na África. Da mesma forma, 18 das 34 embaixadas africanas em Brasília foram inauguradas no mesmo período. Apesar de ter a presidente Dilma Rousseff reduzido significativamente alguns compromissos externos desde 2011 a cooperação no âmbito da ZOPACAS ainda permanece 5 prioritária. O Banco Nacional de Desenvolvimento, o BNDES e a Agência Brasileira de Cooperação (ABC) mantêm diversos projetos no Senegal e em Gana. Nos mesmos países, a Embrapa executa o Ações do PAA África (Programa de Aquisição de Alimentos da África), que abrange países como Senegal, Etiópia, Malaui, Moçambique e Níger. A criação de um escritório BNDES na África do Sul no final de 2013 também sublinha a importância que o país atribui à integração econômica, sobretudo com o grupo dos Países Africanos de Língua Portuguesa (PALOP). A cooperação brasileira no campo da defesa se destaca através da exportação de aviões Super Tucano para Angola, do intercâmbio em C&T com a África do Sul, através do desenvolvimento conjunto de um míssil ar-ar, denominado Projeto A-Darter, do apoio à reestruturação da Marinha da Namíbia e dos acordos de cooperação bilateral com Angola, Guiné Equatorial, Namíbia, Nigéria e Senegal (BRASIL, 2010) e a capacitação de militares em Cabo Verde, São Tomé e Príncipe, Guiné-Bissau, Senegal, Benim, Nigéria e Angola, promovida pela ABC (BRASIL, 2015a). 4. CONCLUSÃO O regionalismo supranacional tem sido uma das inovações de governança mais importantes dos últimos tempos. À medida que mais desafios transcendem as fronteiras nacionais, tornam-se necessários novos e mais sofisticados arranjos de cooperação regional. Recursos naturais, energia, degradação ambiental, controle de doenças, migrações e incursões militares são apenas alguns exemplos de fenômenos críticos que não respeitam as fronteiras nacionais. Modelos de governança e cooperação centrados em um único Estado hegemônico ou em um número reduzido de atividades são incapazes de responder a essa dinâmica de 6 forma eficaz. Não é, portanto, incompatível conjugação e a projeção dos interesses nacionais com os propósitos de integração regional. O Brasil consolida seu papel de protagonista na ZOPACAS em um cenário de incertezas no âmbito doméstico, sobretudo com a crise política institucional, e externo com a crescente ofensiva de potências hegemônicas no Atlântico Sul e nos continentes. Ao conduzir alianças com um leque heterogêneo de países da costa ocidental da África, o país enfrenta desafios importantes para realizar seus interesses e dissuadir as ameaças em potencial. A atuação brasileira na ZOPACAS assinala que é necessário garantir a não-intervenção de atores extrarregionais para garantir uma zona de paz, mas é preciso mais do que a simples cooperação militar. A criação de uma zona de paz sem das o devido peso à integração econômica, diplomática e à cooperação técnico-científica talvez cause o efeito contrário; torna-se um atrativo às potências extrarregionais. O papel que o Brasil desempenha na integração do Atlântico Sul leva em conta a complexidade que é inerente a esse tipo de iniciativa. REFERÊNCIAS ABDENUR, A. E.; NETO, D. M. de S. O Atlântico Sul e a cooperação em defesa entre o Brasil e a África. In: NASSER, R.M.; MORAES, R. F. de. (orgs). O Brasil e a segurança no seu entorno estratégico : América do Sul e Atlântico Sul. Brasília: Ipea, 2014. 284 p. AMORIM, C. Defesa: um diálogo nacional. Brasília: Câmara dos Deputados, 2012. 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Acesso em: fev. 2016. ______.Communique on the occasion of the official visit of H. E. Celso Amorim, Minister of Defence of the Federative Republic of Brazil, February 2013. Disponível em: <http://www.defesa.gov.br/arquivos/2013/pronunciamentos/comunicados_conjuntos/commun ique_on_the_occasion_of_the_offcial_visit_minister_of_defence_brazil.pdf>. Acesso em: fev. 2016. ______. Ministério das Relações Exteriores. Participação do Ministro Antônio de Aguiar Patriota na VII Reunião Ministerial da ZOPACAS. Brasília: MRE, 2013. Disponível em: <http://www.itamaraty.gov.br/index.php?option=com_content&view=article&id=4547:viireuniao-ministerial-da-zona-de-paz-e-cooperacao-do-atlantico-sul-zopacas-texto-base-dodiscurso-do-ministro-antonio-de-aguiar-patriota-montevideu-15-de-janeiro-de2013&catid=194:discursos&Itemid=454&lang=pt-BR>. Acesso em: fev. 2016. ______. Ministério das Relações Exteriores. Balanço da política externa, 2003-2010: relações com a África. Brasília: MRE, 2010a. ______. Seventh ministerial meeting of the Zone of Peace and Cooperation of the South Atlantic: Montevideo Declaration. Montevideo, 2013. Disponível em: <http://osf.org.za/wp-content/uploads/2015/08/Montevideo-Declaration-SeventhMinisterial-meeting-of-the-Zone-of-Peace-and-Cooperation-of-the-South-Atlantic.pdf>. Acesso em: 16 mar. 2016. COMUNIDADE dos Países de Língua Portuuesa. Declaração Final da XII Reunião dos Ministros de Defesa Nacional da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa. Brasília: 2010. Disponível em: <http://www.cplp.org/Files/Billeder/Temas/XIIdecministrosdefesa.pdf>. Acesso em: 16 mar. 2016. JORGE, N. O Brasil e a Comunidade Lusófona na África: Relações Atuais e Perspectivas de Aprofundamento. In: INSTITUTO de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA). Prospectiva, Estratégias e Cenários Globais: Visões do Atlântico Sul, África Lusófona, América do Sul e Amazônia. Rio de Janeiro: Ipea - Ciclo de Debates, 2011. PENHA, E. A. Relações Brasil-África e Geopolítica do Atlântico Sul. 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