http://dx.doi.org/10.18623/rvd.v17i37.1591
DIREITO INTERNACIONAL DO MEIO
AMBIENTE: PARTICULARIDADES
Paulo de Bessa Antunes1
Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (UNIRIO)
RESUMO
O artigo examina os instrumentos jurídicos disponíveis no âmbito do Direito Internacional para a proteção do meio ambiente, buscando demonstrar que existe, em formação, um Direito Internacional do Meio Ambiente,
o qual começa a ser afirmar. Ao longo do artigo são analisadas as principais
características capazes de marcar a posição peculiar deste ramo em construção da ordem jurídica internacional. Admite-se que o Direito Internacional do Meio Ambiente é um Direito jovem, que, no entanto, vem aportando
importantes novidades na ordem jurídica internacional. O artigo destaca
algumas de tais modificações, e.g., a modificação dos conceitos de responsabilidade e soberania, a ampla utilização de princípios e a transformação
gradativa dos sujeitos de Direito Internacional Público. O artigo ressalta,
também, as dificuldades políticas, sociais e econômicas para a efetivação e
implementação deste novo ramo do Direito Internacional.
Palavras-chave: ambientalismo; Direito Internacional do Meio Ambiente;
globalização; políticas públicas; sustentabilidade.
ENVIRONMENTAL INTERNATIONAL LAW: PARTICULARITIES
ABSTRACT
The article examines the legal tools available under international law for
the environmental protection, seeking to demonstrate that there is, in formation, an International Environmental Law, which begins to be affirmed.
Throughout the article the main characteristics capable of marking the
peculiar position of this branch under construction of the international
legal framework are analyzed. It is accepted that the International Law of
1 Doutor em Direito pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ). Mestre em Direito pela
Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio). Professor da UNIRIO. Procurador
Regional da República. ORCID: http://orcid.org/0000-0003-0375-0213 / e-mail: paulo.antunes@
unirio.br
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the Environment is a Young Law, which, however, has been contributing
with important innovations in the international legal framework. The article highlights some of these changes, for example, the modification of the
concepts of responsibility and sovereignty, the wide use of principles and
the gradual transformation of the subjects of Public International Law.
The article also highlights the political, social and economic difficulties
for the implementation and implementation of this new branch of international law.
Keywords: environmentalism; International Environmental Law; globalisation; public policies, sustainability.
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INTRODUÇÃO
Este artigo tem por objeto a análise de algumas das peculiaridades
que nos permitem afirmar que o Direito Internacional do Meio Ambiente
(DIMA) é, cada vez mais, reconhecido como um ramo autônomo do Direito Internacional Público (DIP). A proteção do meio ambiente é, atualmente,
parte da agenda global e, em tal condição, um dos principais temas discutidos nos diferentes fora internacionais, isso permitiu que, no âmbito do DIP,
um setor específico começasse a se especializar (REI, 2018). Com efeito,
desde 1992, a Organização das Nações Unidas (ONU) realizou diversas
conferências internacionais que tiveram como tema central a discussão e
deliberação sobre questões ambientais. O DIMA é uma das respostas dadas
pela comunidade internacional à a deterioração dos recursos ambientais
em escala planetária. É resposta jurídica, originada na compreensão comum dos sujeitos de Direito Internacional no sentido de que somente uma
ação uniforme e articulada entre os diversos atores internacionais é capaz
de solucionar problemas que ultrapassam a fronteira de um único estado.
O DIMA surgiu no século XX, assim como a questão ambiental. É fato
que, no passado, existiram alguns acordos internacionais sobre problemas
comuns que afetavam os seus recursos naturais. Entretanto, foi somente no
século passado que a preocupação se tornou mais eloquente e visível no
cenário internacional. Todavia deve ser observado que o interesse com a
proteção do meio ambiente surge, inicialmente, no âmbito interno de cada
país e, daí, se propaga para a arena internacional. Uma condição essencial
para que o DIMA se desenvolva é a existência de instituições internacionais estáveis que expressem, no mínimo, o desejo de cooperação entre os
Estados, pois, não é concebível o tratamento de problemas multilaterais,
sem instituições que os articulem, de forma pacífica e cooperativa. O tema
meio ambiente e o direito que sobre ele incide têm vocação universal (MORAND-DEVILLER, 2010) e como tal, precisam ser abordados de forma
que envolva a comunidade internacional e os diversos mecanismos por ela
criados.
O DIMA pode ser definido como o conjunto de regras (cogentes ou
não), princípios e práticas internacionais que criam obrigações e direitos
relativos à proteção do meio ambiente, da natureza e dos recursos naturais
no âmbito da comunidade internacional. Nele estão incluídas as matérias
que, simultaneamente, são de interesse de múltiplos Estados, tais como
as poluições transfronteiras, os recursos do mar, as mudanças climáticas
globais e a proteção da diversidade biológica, bem como matérias de
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DIREITO INTERNACIONAL DO MEIO AMBIENTE: PARTICULARIDADES
interesse regional, e. g., a proteção de um determinado rio internacional ou
de florestas que se espalham por mais de um país.
Geraldo Eulálio do Nascimento e Silva (2002) sustenta que a Assembleia Geral das Nações Unidas (AGNU), ao convocar a Conferência do
Rio de Janeiro utilizou a expressão “Direito Ambiental Internacional”, resolvendo o problema relativo à existência de um novo ramo do DIP, quanto
à designação, a prática tem preferido utilizar Direito Internacional do Meio
Ambiente, adotada neste artigo.
O DIMA é composto pelos tratados, convenções e declarações internacionais relativos à proteção da natureza, sendo muito difícil identificar
coerência entre as suas diferentes normas. A harmonização entre todo o
conjunto é tarefa dificílima, senão impossível. Dessa forma, é melhor utilizar a noção de setores próprios no interior do DIMA, ou seja, que se
busque a harmonização entre conjuntos específicos de tratados e convenções internacionais. Igualmente, não se deve desconsiderar as profundas
relações entre o DIMA e o Direito Internacional dos Direitos Humanos
e, também, com o Direito Internacional Econômico, haja vista a grande
interpenetração entre eles. Logo, o DIMA é abrangente e não pode ser
entendido fora dos contextos econômicos e sociais. A Declaração de Estocolmo, proclamada em 1972, é uma demonstração eloquente do que se
argumenta. Na proclamação1 a Conferência afirma que o meio ambiente
humano possui dois aspectos, a saber: (1) o natural; e o (2) artificial (ONU,
1972). Ambos são essenciais para que o Ser Humano desfrute de bem-estar
e dos direitos humanos fundamentais e até mesmo da própria vida. Assim,
protegê-lo e melhorá-lo é uma questão fundamental que afeta o desenvolvimento econômico de todo o mundo, sendo desejo dos povos e obrigação
dos governos.
Dentre as características mais marcantes do DIMA podem ser apontadas: (1) a sua juventude (MALJEAN-DUBOIS, 2008); (2) a sua setorização; (3) o seu caráter prospectivo; (4) a modificação do conceito de
soberania nacional; e (5) a transformação de seus elementos constitutivos,
tais como sistema de fontes e os seus sujeitos. Estes são os pontos que o
artigo pretende examinar de forma crítica.
1 A JUVENTUDE DO DIREITO INTERNACIONAL DO MEIO
AMBIENTE
Este tópico examinará a juventude do DIMA, isto é o seu caráter de
novidade no universo jurídico em comparação com o DIP que é direito
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cujas origens se perdem nas brumas do tempo. Francisco Rezek (2002)
afirma que o primeiro tratado bilateral comprovadamente existente foi o
firmado entre Hatusil III, rei Hitita, e Ramsés II, faraó egípcio. Acredita-se
que a paz entre as nações tenha sido firmada entre 1280 e 1272 a.C. Surgido na época das poluições globais, o DIMA, com a inquietação própria
dos jovens necessita romper as barreiras de um modelo jurídico milenar
para encontrar a sua afirmação plena. Como se verá, tal rompimento será
feito pela adoção de mecanismos próprios que serão tratados nos tópicos
subsequentes.
1.1 Importância do ambientalismo para a formação do DIMA
O DIMA é fruto do ambientalismo que é movimento social e político,
composto por diferentes e, até mesmo, antagônicos pensamentos sobre a
natureza, a sua proteção e o seu papel no mundo moderno. Conforme a arguta visão de David Pepper (2000), ele nos traz a sensação de que provém
de todos os lados, da esquerda, da direita, do centro, misturando-se com
conceitos oriundos da ecologia. Nele estão albergados o biocentrismo e o
antropocentrismo, sendo, portanto, difícil definir em concreto a política
verde. Esta “mélange” (PEPPER, 2000), todavia, é um fato que possui
grande impacto na produção do DIMA. O ambientalismo se baseia em um
discurso (HANNIGAN, 2014) que também é um grande contribuinte para
a formação do DIMA. Tal discurso é formado por um conjunto de afirmações, muitas delas com base em argumentos científicos, sobre como a natureza deveria ser, caso fossem evitadas determinadas práticas que a colocam
em risco, sendo consequência da urbanização e do crescimento industrial
acelerados no pós-guerra da Europa e dos Estados Unidos, chegando a se
falar em “revolução ambientalista” (McCORMICK, 1992). Em geral, o
discurso ambientalista tende ao alarmismo e ao espetacular, dramatizando
os problemas reais.
O discurso ambientalista moderno parte de duas obras seminais: Primavera silenciosa, de Rachel Carson (2010) e no relatório do Clube de
Roma, Os limites do crescimento (MEADOWS et al., 1977). O capítulo
inaugural de Silent Spring tem o sintomático título de Uma fábula para
amanhã no qual, à semelhança dos contos infantis, afirma-se que havia
uma cidade no coração dos Estados Unidos semelhante ao jardim do éden,
demonstrando desconforto com o mundo moderno e as suas mazelas. Silent Spring é, certamente, a obra mais influente no pensamento ecológico
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DIREITO INTERNACIONAL DO MEIO AMBIENTE: PARTICULARIDADES
até os dias presentes. Nela constam as preocupações com a guerra nuclear
e com a poluição do ambiente por produtos químicos, vinculando-os com
armas de guerra e com a sua utilização como veneno para suicidas etc. Não
há nenhuma questão presente na agenda ambiental atual que não tenha
estado presente em Silent Spring. O manifesto trata de questões que vão
desde a ameaça do holocausto atômico até a contaminação do leite materno
por produtos químicos. Ela fala das pequenas comunidades e da participação popular e dos riscos trazidos pela ciência moderna. Alarmista, em uma
época na qual a preocupação com a guerra fria e as explosões termonucleares eram reais; radical no banimento dos organoclorados, podemos dizer
que a Convenção de Estocolmo sobre Poluentes Orgânicos Persistentes é
um subproduto de Silent Spring. A influência de R. Carson também está
presente no discurso do Ex-Secretário-Geral da ONU, U Thant ao afirmar que não desejava parecer “excessivamente dramático”, mas que a sua
condição de Secretário-Geral permitia-lhe concluir que os integrantes das
Nações Unidas dispunham “talvez de dez anos” para controlar a corrida
armamentista, melhorar o ambiente humano e controlar a explosão demográfica. Para enfrentar os problemas ele propunha a criação urgente de um
órgão internacional, sob pena de que a humanidade perdesse o controle da
questão (MEADOWS et al., 1977).
1.2 Um Direito na encruzilhada
O tratamento jurídico do meio ambiente tem gerado perplexidade na
comunidade jurídica, pois dadas as suas características peculiares, não é
possível a sua inserção nos usuais escaninhos do Direito. Raphaël Romi
(2010) afirma que o Direito Ambiental se encontra na encruzilhada entre o
Direito Público e o Privado, entre o Direito Interno e o Internacional. Isto
se deve ao fato de que o próprio ambiente não respeita fronteiras, muito
menos os danos que sofre. Dessa forma, a proteção ambiental não se limita a um único caminho legal, nem a um único ramo do Direito. Todos os
recursos jurídicos são válidos para a defesa ambiental. Assim, a sua proteção, do ponto de vista jurídico, não se faz pela construção de uma torre
paralela aos vários ramos do Direito, mas antes pela perfuração transversal
do tema ambiente em todo e qualquer ramo do Direito, ainda que se reconheça e admita a existência de um setor jurídico especializado.
Em tal contexto, o DIMA desempenha papel fundamental, pois grande
parte dos problemas ambientais enfrentados pelos países são globais ou
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regionais, o que demanda solução jurídica que também o seja. É relevante
frisar que o DIMA, em relação aos direitos internos, exerce o papel de
locomotiva (MALJEAN-DUBOIS, 2008), puxando os ordenamentos nacionais em direção a um padrão mais elevado de proteção.
As encruzilhadas do Direito Ambiental não se limitam aos aspectos
internos da ordem jurídica, seja ela nacional ou internacional. Há que se
considerar os aspectos externos (metajurídicos em visão positivista) como
essenciais na construção e na aplicação da proteção jurídica do ambiente.
O formulador da norma e o seu aplicador, não podem deixar de considerar
os aspectos políticos, econômicos, científicos e sociais envolvidos em uma
situação concreta. Logo, o Direito age como um catalizador de diversos
conhecimentos e momentos que se materializarão em uma norma jurídica
que é pensada para regular uma situação presente, e principalmente para
moldar o futuro. Esses caminhos cruzados estão à base das dificuldades
concretas para a implementação do Direito Ambiental, em qualquer âmbito
que seja.
2 A SETORIALIZAÇÃO DO DIMA
O meio ambiente é entendido como uma totalidade que engloba todos
os chamados recursos naturais do planeta, assim como as obras da cultura humanas. Dada a amplitude do conceito, torna-se uma impossibilidade
tratá-lo de forma única. A Corte Internacional de Justiça (CIJ) na célebre
decisão do caso do Projeto Gabiciknovo-Nagyamaros (Hungria v. Eslováquia) estabeleceu que o meio ambiente não é uma abstração, mas o espaço
no qual vivem os seres humanos e do qual dependem as suas qualidades
de vida e saúde, inclusive quanto às gerações futuras. Entretanto, dos pontos de vista práticos e normativos, há dificuldade real de se chegar a um
acordo multilateral que trate de “meio ambiente”. Desta forma, os Estados
têm, nas suas práticas concretas, firmado acordos internacionais setoriais,
cujos principais dizem respeito à (1) proteção da diversidade biológica,
incluindo a proteção de flora, fauna e recursos genéticos; à (2) proteção
dos recursos hídricos marítimos e fluviais; à (3) proteção contra a poluição
transfronteira, incluindo produtos tóxicos e a poluição química; e à (4) proteção da atmosfera, inclusive no que tange às mudanças climáticas. Como
se verá no tópico seguinte, o DIMA tem se utilizado amplamente das chamadas convenções-quadro que são acordos abertos e gerais que demandam
a adoção de medidas posteriores para a sua efetiva concretização.
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DIREITO INTERNACIONAL DO MEIO AMBIENTE: PARTICULARIDADES
2.1 Tratados e convenções ambientais
Os tratados, conforme definido na Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados, artigo 1 (a), são acordos internacionais formais e escritos,
celebrados entre Estados e submetidos às regras do Direito Internacional,
podem ser celebrados em documento único ou em vários documentos conexos, independentemente do nomem iuris. Segundo a observação de Stéphane Doumbé-Billé et al. (2013), os tratados quantitativamente são as
normas mais importantes do DIMA. Para os autores, os primeiros tratados
ambientais remontam ao Século XIX, ainda que não fossem voltados para
a proteção ambiental em si mesma, mas a de outros bens jurídicos e econômicos, como é o caso da Convenção de Paris de 1902 sobre a proteção dos
pássaros úteis para a agricultura (VARELLA, 2009). Em geral, segundo o
Ministério das Relações Exteriores brasileiro, o termo tratado é utilizado
para os acordos aos quais se pretende atribuir importância política (BRASIL, 2020). O DIMA utiliza muito as convenções que são atos multilaterais
sobre temas de interesse geral, resultado de conferências, frequentemente
usados em questões comerciais, industriais, de direitos humanos e meio
ambiente.
Em matéria ambiental, as convenções-quadro, tais como a Convenção
sobre Diversidade Biológica, v.g., são documentos de grande relevância,
dada a sua condição de serem acordos amplos, permitindo a acomodação
das diferentes visões das Partes, de modo a ter vida longa (SANDS; PEEL,
2017). Normalmente, dada a complexidade do tema, os Estados estabelecem Protocolos que são documentos interpretativos dos tratados ou convenções. No caso da Convenção das Nações Unidas sobre Mudanças do
Clima, foi firmado o Protocolo de Kyoto (BRASIL, 2002), que, muito embora tenha entrado em vigor em 16 de fevereiro de 2005, fracassou devido
a dificuldades políticas. Ele foi substituído pelo Acordo de Paris que se
viabilizou pelo fato de expressar compromissos voluntários assumidos pelas Partes para a redução da emissão de gases de efeito estufa (GEE). Nesta
altura é relevante anotar que o Protocolo de Montreal sobre Substâncias
que destroem a Camada de Ozônio, originado da Convenção de Viena para
a Proteção da Camada de Ozônio, é amplamente exitoso, sendo “o único
acordo ambiental multilateral cuja adoção é universal: 197 estados assumiram o compromisso de proteger a camada de ozônio” (BRASIL, 2019).
Lavielle, Delzangles e Le Bris (2018) dividem os tratados ambientais
em dois grandes grupos: a (1) luta contra a poluição; e (2) a defesa dos
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recursos naturais. O primeiro grupo é formado por acordos protetores de
meios específicos, e.g., a água, o ar, o solo etc. Já o segundo grupo engloba
os chamados domínios de proteção, e.g., a diversidade biológica, ou espécies da flora e da fauna. A divisão é meramente didática, dada a interdependência dos temas. Se um acordo protege um dado ecossistema contra a poluição química, certamente protegerá a diversidade biológica nele contida.
Os tratados e convenções podem ter uma vocação (1) universal, ou
seja, buscam congregar todos os estados em torno de um único tema; ou (2)
regional, abrangendo apenas os estados geograficamente localizados em
uma região. Todavia, alguns acordos regionais também aceitam a adesão
de Estados fora da região original, como é o caso da Convenção de Aarhus,
artigo 19 (3), que admite a adesão de Estados com status consultivo junto
à Comissão Econômica da Europa. Quanto aos efeitos sobre o meio ambiente, Lavielle, Delzangles e Le Bris (2018) identificam quatro tipos de
convenções: (1) as inteiramente dedicadas ao meio ambiente; (2) àquelas
dedicadas à uma região específica com disposições ambientais, e.g., o Tratado da Antártida; (3) tratados que não tenham natureza ambiental, como
os de desarmamento que, indiretamente, protegem o meio ambiente; e (4)
tratados comerciais que, sem as devidas cláusulas ambientais, podem gerar
efeitos nocivos sobre o meio ambiente.
A produção de tratados e convenções em tema ambiental, nos últimos
40 anos, é impressionante. O Registro de Tratados Internacionais e outros
Acordos no campo do Meio Ambiente, edição de 2005 indica a existência
de 50 principais tratados internacionais sobre meio ambiente entre os anos
1920 e 1970; já de 1971 a 2005, o número total de tratados constantes
da publicação chega a 272, dividindo-se em diversas matérias (UNITED
NATIONS, 2005). Não se sabe exatamente qual o número total de acordos
existentes em nível regional e sub-regional, entretanto, estima-se que possam ultrapassar 2000 (SANDS; PEEL,2017). O grande número de acordos internacionais, se por um lado demonstra uma crescente preocupação
global com o assunto, por outro é um elemento complicador, pois torna o
DIMA extremamente fragmentado e de dificílima aplicação e, até mesmo,
meramente simbólico, caso não haja implementação concreta.
Como regra geral, a formação dos tratados e convenções ambientais, não é diferente do que ocorre em outros setores do DIP. Contudo,
há algumas peculiaridades nos acordos ambientais que merecem destaque. Em primeiro lugar, está a existência de uma agenda comum entre
dois ou mais Estados ou, ainda, organização internacional e que tais atores
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DIREITO INTERNACIONAL DO MEIO AMBIENTE: PARTICULARIDADES
estejam dispostos a discuti-la, com vistas a alcançar algum nível de entendimento compartilhado. Faz-se necessário, igualmente, que os Estados
tenham atingido algum nível de consenso interno em relação às políticas
a serem adotadas, pois do contrário, é praticamente impossível uma atuação coerente em nível internacional, sobretudo em função do fato de que,
nos dias atuais, a negociação e elaboração de tratados e convenções internacionais não é mais feita sob o exclusivo patrocínio dos ministérios
de relações exteriores ou dos negócios estrangeiros, havendo a crescente
intervenção de agências governamentais específicas em matéria ambiental na equipe negociadora. Além dos atores estatais que, sem dúvida, são
principais agentes nas negociações internacionais, é relevante ressaltar que
no campo ambiental, é crescente a intervenção da agentes não estatais, tais
como Organizações Não Governamentais (ONG), instituições financeiras,
sociedades científicas, corporações transnacionais, povos indígenas e populações tradicionais e, até mesmo indivíduos, ainda que, por fim, caiba
aos Estados e as Organizações Internacionais a assinatura dos acordos.
Todavia, do ponto de vista da realidade concreta, não se pode deixar de
reconhecer que, não com pouca frequência, as corporações internacionais
e ONGs possuem mais poder real do que os chamados países menos desenvolvidos (UNITTED NATIONS, 2019b). As disparidades econômicas
entre os Estados e as diferentes visões sobre o próprio conceito de meio
ambiente e de desenvolvimento, inclusive no que tange à concepção de
desenvolvimento sustentável, tem servido de freio para a implementação
de diversos acordos, sobretudo pela vocalização dos agentes não estatais,
muitas vezes, em função da falta de equidade entre os termos propostos
(CORNWALL; EADE, 2010).
As convenções-quadro, demandam a criação de novas estruturas para
a sua implementação e fiscalização, acarretando custos e criação de burocracias internacionais. Tais estruturas têm formas variadas que, em geral
são: os (1) secretariados; as (2) conferências das partes como estruturas
físicas. Em termos documentais acordados: os (1) anexos; e (2) outros instrumentos jurídicos.
A convenção-quadro define os instrumentos que serão constituídos,
quando da sua entrada em vigor. Exemplificativamente, a Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas, em seu artigo 2º estabelece que a Conferência das Partes poderá adotar instrumentos jurídicos
com a finalidade de atingir os objetivos da própria Convenção. Por sua vez,
os artigos 7, 8, 9, 10 e 11 estabelecem uma (1) Conferência das Partes; (2)
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um Secretariado; (3) um Órgão Subsidiário de Assessoramento Científico
e Tecnológico; (4) Órgão Subsidiário de Implementação; e (5) um mecanismo financeiro vinculado à Convenção. A Conferência das Partes, criada
pela própria convenção [artigo 7 (2)], é o órgão máximo da Convenção
competindo-lhe acompanhar a sua implementação e a de quaisquer outros
instrumentos jurídicos que a Conferência das Partes adote, bem como tomar decisões, conforme o seu mandato, para a efetiva implementação da
convenção. É certo que as convenções – quadro deram margem à criação
de estruturas complexas e caras que têm sido objeto de muitas críticas por
parte, sobretudo, de ONGs que questionam os gastos e a sua pouca efetividade, haja vista que a própria ONU admite que a qualidade ambiental
global vem se deteriorando (UNITED NATIONS, 2019a).
3 NATUREZA FINALÍSTICA E PROSPECTIVA DO DIMA
O DIMA, como se verá no presente tópico, é Direito finalístico,
voltado para a consecução de objetivos e modelagem de um futuro a
ser construído segundo o modelo da sustentabilidade ambiental, social e
econômica. Ele não acomoda situações passadas, antes busca organizar
o porvir. Estes dois elementos, em conjugação, denotam particularidades
inovadoras e, ao mesmo tempo, conservadoras. Inovadoras, na medida
em que os acordos internacionais objetivam, como já foi visto, a melhoria
das condições ambientais atuais e a modificação de padrões de produção
e consumo; conservadoras, na medida em que visam à manutenção dos
recursos ambientais ora existentes para as gerações do amanhã.
3.1 Natureza finalística
Para Alexandre Kiss (1989), assim como para Dupuy e Viñales (2015),
o objetivo do DIMA é a proteção da biosfera contra as grandes deteriorações e desequilíbrios que perturbem o seu funcionamento normal, o que
os autores reconhece ser tarefa complexa. Todavia, ao argumentar sobre
a natureza finalística do DIMA, Kiss relembra que a AGNU (Resolução
2749 (XXV) de 17 de dezembro de 1970), declarara solenemente serem os
fundos marinhos e oceânicos, bem como os seus subsolos, ainda que além
dos limites de jurisdição nacional, e os recursos neles existentes, “patrimônio comum da humanidade”, devendo a sua exploração e aproveitamento
serem feitos em benefício da humanidade, independentemente da situação
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DIREITO INTERNACIONAL DO MEIO AMBIENTE: PARTICULARIDADES
geográfica dos Estados. A proclamação foi incorporada à Convenção das
Nações Unidas sobre o Direito do Mar, artigo 137 (2).
É fato que, atualmente, o termo meio ambiente se banalizou (RÈMOND-GOUILLOUD, 1989) sendo utilizado de forma aleatória e quotidiana pela imprensa, políticos, ambientalistas e um sem número de pessoas
e entidades, muitas vezes sem uma concordância clara sobre o seu significado. Portanto, a definição do objeto do DIMA vai depender do que se
entenda por meio ambiente. No Direito interno brasileiro, por exemplo,
há duas definições de meio ambiente, a (1) constitucional no artigo 225
da Constituição da República que o define como um bem de uso comum
do povo, essencial à sadia qualidade de vida; e (2) a legal que o define
como o conjunto de condições, leis, influências e interações de ordem física, química e biológica, que permite, abriga e rege a vida em todas as suas
formas. A definição constitucional tem caráter antropocêntrico, enquanto a
legal ressalta os aspectos ecológicos.
Neste ponto, não se pode evitar a dicotomia entre antropocentrismo
e biocentrismo. O antropocentrismo tem a humanidade como o centro de
importância sobre todos os fenômenos, assumindo que os seres humanos
são completamente separados e independentes da natureza física (EBLEN;
EBLEN, 1994); por sua vez o biocentrismo admite que toda forma de vida
é dotada de igual valor. O DIMA tem oscilado entre posições antropocentrista e biocentrista, como decorre de alguns de seus documentos relevantes. A Convenção das Nações Unidas para a Proteção do Patrimônio
Mundial, Cultural e Natural firmada em Paris (16 de novembro de 1972)
afirma concomitantemente, ambas as concepções, conforme o disposto em
seu artigo 2º que protege tanto obras produzidas pelo gênio humano, como
belezas naturais, cênicas, formações físicas e biológicas que tenham valor
universal excepcional, seja dos pontos de vista estético, científico ou da
conservação.
A Declaração de Estocolmo, em seu Princípio 2, é antropocentrista
e utilitarista, ao dizer que os recursos naturais, em especial, as amostras
representativas dos ecossistemas naturais devem ser preservadas em benefício das gerações presentes e futuras. Já a Carta da Terra, em seu artigo 1,
adere ao biocentrismo, ao dizer que os seres vivos são interligados, ostentando valor independentemente de sua utilidade para os Humanos.
A Carta Mundial da Natureza (Resolução 37/7 de 28 de outubro de
1982 da AGNU) afirmou a importância da proteção dos ecossistemas e
da natureza para a sobrevivência da humanidade, proclamando que: a (1)
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Humanidade é parte da natureza, sendo a vida dependente do funcionamento
ininterrupto dos sistemas naturais, os quais garantem os suprimentos de
energia e de nutrientes; a (2) civilização precisa da natureza, a partir da
qual a cultura humana e todas as conquistas artísticas e científicas foram
construídas, portanto, a vida harmônica com a natureza oferece ao Homem
as oportunidades para desenvolver toda a sua criatividade, inclusive para o
descanso e o lazer. Os seus cinco princípios gerais são: (1) a natureza deve
ser respeitada e os seus processos essenciais não devem ser prejudicados;
(2) a viabilidade genética da Terra não deve ser comprometida; o nível
populacional diversas formas de vidas deve ser, no mínimo, o suficiente
para as suas sobrevivências e, para este fim, os habitats necessários devem
ser protegidos; (3) todas as áreas da terra, terrestres e marítimas, deverão
se submeter aos princípios de conservação e que proteção especial deverá
ser atribuída para áreas únicas, para as amostras representativas de todos
os diferentes tipos de ecossistemas e para os habitats de espécies raras
ou ameaçadas; (4) os ecossistemas e organismos, assim como os recursos
terrestres, marinhos e atmosféricos, utilizados pelo Homem, devem ser
manejados de forma a atingir e manter uma produtividade sustentável
ótima, mas não de forma a ameaçar a integridade de outros ecossistemas
ou espécies com os quais coexistem; e (5) a natureza deve ser protegida
contra a degradação causada por guerras ou outras atividades hostis.
Há que se mencionar também a Carta da Terra que é fruto de inciativa
da Comissão Mundial das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento (Comissão Brundtland) que, em 1987 lançou o conhecido relatório Nosso Futuro Comum, do qual consta o conceito de desenvolvimento
sustentável. Em 1994, iniciativas adotadas por Maurice Strong e Mikhail
Gorbachev, com o apoio do governo holandês, lançaram a ideia para o
desenvolvimento da Carta da Terra. Em 1997 foi formada a Comissão da
Carta da Terra. Somente no ano 2000, chegou-se a um consenso, no âmbito
da UNESCO, sobre a sua redação. A Carta da Terra, muito embora expresse uma visão internacional sobre as questões ambientais, é um direito in
fiere, sem qualquer força normativa.
3.2 Natureza prospectiva
O DIMA é um Direito que não se limita às situações presentes. É mais
do que um Direito meramente reativo, sua pretensão é mais ampla: busca dispor para o futuro. Isto não é, todavia, tarefa fácil. A vinculação do
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DIREITO INTERNACIONAL DO MEIO AMBIENTE: PARTICULARIDADES
DIMA ao futuro se faz em bases antropocêntricas, pois seu discurso é basicamente voltado para as “gerações futuras”, o que tem sido entendido
como gerações humanas. Aliás, não poucos autores (DUPUY; VIÑALES,
2015; CALVO, 2005) admitem a existência do princípio da equidade intergeracional que, em síntese, é a utilização dos recursos ambientais pelas
gerações presentes, sem exauri-los, permitindo a sua utilização futura. A
Declaração de Estocolmo (Princípio 1) afirma o Homem tem a solene obrigação de proteger e melhorar o meio ambiente para as atuais e para as próximas gerações. A Declaração do Rio (Princípio 3) é mais clara ao cuidar
da equidade intergeracional, dispondo que o direito ao desenvolvimento
deve ser exercido de forma a atender equitativamente às necessidades do
desenvolvimento, do ambiente e das gerações presentes e futuras. Releva
anotar que não é apenas no Soft Law que a preocupação com as gerações
do amanhã é encontrável, e.g., a Convenção sobre Diversidade Biológica
(CDB) também é volta da para o futuro.
4 ESTADOS NACIONAIS E SOBERANIA
O multilateralismo das questões ambientais faz com que, não raras
vezes, diversos Estados se queixem de perda de sua soberania em função de acordos ambientais, bem como se sintam prejudicados em razão da
existência crescente de organismos internacionais dedicados ao tema. Este
comportamento é bastante recorrente entre os países emergentes e os menos desenvolvidos que, seguidamente, mostram desconfiança em relação a
um novo padrão de governança internacional. Como se espera demonstrar
neste tópico, o multilateralismo é uma característica do DIMA e, certamente, não pode ser confundido com perda de soberania, mas é, isto sim, uma
nova forma de sua expressão. Também merece destaque o fato de que as
peculiaridades do tema ambiental acarretam o ingresso de novos atores no
cenário internacional, tais como associações civis das mais diversas naturezas, povos indígenas e tradicionais e até mesmo indivíduos.
4.1 Papel dos Estados nacionais
Os Estados nacionais são dotados de soberania, isto é, exercem
jurisdição o que implica no exercício de poder político e jurídico sobre os seus
territórios e domínio permanente sobre os seus recursos naturais (UNITED
NATIONS, 1962). A Resolução da AGNU foi adotada no auge do processo
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de descolonização quando especialmente as jovens nações africanas
buscavam assegurar que os seus recursos naturais permanecessem sob os
seus controles e, em tese, pudessem reverter em favor de suas populações,
afirmando as suas independências em face das antigas potências coloniais.
Tal concepção tem sido reafirmada no DIMA, conforme demonstram o
Princípio 21 da Declaração de Estocolmo, o Princípio 2 da Declaração do
Rio e o artigo 3 da CDB, dentre outros documentos. Contudo, em matéria
ambiental, o tradicional conceito de soberania tem sofrido mitigações que
merecem menção.
Os Estados, independentemente de suas dimensões territoriais, de suas
capacidades econômicas e de sua população são juridicamente iguais perante a comunidade internacional, conforme disposto no artigo 2 (1) da
Carta das Nações Unidas. A peculiaridade do conceito de soberania no
DIMA encontra suas origens no ano de 1935, quando uma fundição canadense situada próxima à fronteira dos Estados Unidos (Estado de Washington) emitia gases (dióxido de enxofre), causando danos a plantações e
florestas além-fronteiras. Os Estados Unidos acionaram o Canadá perante
a Corte Arbitral que julgou procedente a reclamação, condenando o Canadá ao pagamento de compensações e estabelecendo o princípio de que
nenhum Estado tem o direito de usar ou permitir que se use o seu território
de forma a causar danos a outros países ou a propriedades e/ou pessoas de
terceiros estados. Firmou-se assim, o conceito de responsabilidade internacional dos Estados.
A imposição de responsabilidade aos Estados é tema árduo, haja vista
a inexistência de um poder global capaz de executá-la, ao menos em relação às grandes potências. Acresce as evidentes diferenças econômicas, sociais e políticas existentes na comunidade internacional. Esta é uma das razões pelas quais há enorme pressão e mesmo desconfiança dos Estados em
vias de desenvolvimento e dos Países Menos Desenvolvidos em relação às
responsabilidades ambientais. A discussão sobre as mudanças climáticas
globais é um excelente exemplo do que se fala, pois os países emergentes
e recentemente industrializados afirmam que a maior parte dos GEE atualmente existentes na atmosfera tem sua origem nos países desenvolvidos,
estes por sua vez sustentam que, nos dias atuais, os maiores emissores são
os emergentes. A propósito, não se deve desconsiderar a terceirização das
emissões, dada a massiva transferência das atividades emissoras dos países
desenvolvidos para os emergentes.
Esse contexto serve de base para o conceito de responsabilidades
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DIREITO INTERNACIONAL DO MEIO AMBIENTE: PARTICULARIDADES
comuns, porém diferenciadas que está presente, e. g., no Princípio 7 da
Declaração do Rio, dentre outros acordos internacionais, tais como o
Acordo de Paris em seu artigo 2º (2).
4.2 Responsabilidades comuns, porém diferenciadas
A comunidade internacional reconhece que todos os seus membros
têm o dever de proteger o meio ambiente e de trabalhar para a sua melhoria. Há, portanto, uma responsabilidade comum a todos. As diferenças de
níveis de consumo, renda, utilização de recursos ambientais etc., impedem
concretamente que todos os Estados sejam igualmente responsáveis pela
recuperação dos danos ao meio ambiente, ou mesmo pela sua mitigação. É
indisputável que os maiores consumidores de recursos ambientais são os
países desenvolvidos, cabendo-lhe a maior responsabilidade com relação
às medidas de recuperação e prevenção e/ou mitigação que se façam necessárias.
As responsabilidades comuns, porém, diferenciadas buscam estabelecer um princípio de justiça distributiva que impute responsabilidade a cada
Estado, na medida de sua contribuição efetiva para os problemas globais e
que distribua a carga para a sua solução de forma proporcional à contribuição de cada Estado. E mais: o princípio reconhece as diferentes capacidades de recursos técnicos, financeiros e humanos para o enfrentamento das
questões globais, impondo aos Estados mais bem aquinhoados a obrigação
jurídica e moral de cooperação, no que se refere à transferência de recursos
para que se possa alcançar a almejada solução dos problemas ambientais
globais.
5 OS NOVOS ATORES NO CENÁRIO INTERNACIONAL
Os sujeitos do DIMA são os entes dotados de personalidade jurídica
de Direito Interacional, os quais tradicionalmente, são os Estados nacionais
que, pelo menos até os meados do Século XX, eram basicamente os Estados europeus e os do continente americano. Os Estados nacionais, tal como
os conhecemos na atualidade, são basicamente construções de origem europeia. Após o processo de descolonização, inúmeros Estados africanos
e asiáticos se incorporaram autonomamente à comunidade internacional,
reivindicando espeço próprio de atuação. A questão ambiental, surgida na
década de 70 do século passado em nível internacional, é, certamente, uma
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das que mais geram atritos entre as antigas potências coloniais e os Estados
Unidos com as ex-colônias.
Os Estados nacionais, juntamente com as Organizações Internacionais, ainda que sejam os principais sujeitos de DIMA, vem sendo coadjuvados por inúmeros atores, cujos papéis na construção e implementação
de acordos internacionais são cada vez mais relevantes. Algumas questões
podem explicar o fenômeno, dentre as quais podem ser destacadas as seguintes: (1) os Estados nacionais, como construção europeia, correspondiam às potências coloniais e, portanto, eram em pequeno número cabendo-lhes ditar a ordem interacional; (2) o processo de descolonização vivido
no século XX fez com que novos Estados nacionais fossem acrescidos ao
cenário internacional, em sua maioria sem qualquer capacidade militar,
econômica ou política relevante; (3) o processo de globalização acarretou
que, do ponto de vista concreto, grupos intermediários emergissem na arena internacional com capacidades econômicas, financeiras, políticas e técnicas não raras vezes superiores àquelas da imensa maioria dos Estados. O
consenso de Washington, conjunto de medidas econômicas2 a serem adotadas internacionalmente por inspiração do Fundo Monetário Internacional
e do Banco Mundial, contribuiu fortemente para a diminuição do papel e
do tamanho dos Estados, com reflexos no cenário internacional, acarretando o fortalecimento das instituições intermediárias. Assim, houve uma
relativização do papel desempenhado pelos Estados nacionais no contexto
internacional, com a diminuição de seus protagonismos.
No campo específico do DIMA, a relativização do papel dos Estados
se apresenta de forma dramática, pois grande parte das questões ambientais
são de natureza regional ou global, o que determina que os Estados devam
“abrir mão” de parte de sua soberania para que, em colaboração com as
outras partes dos acordos internacionais, possam enfrentar as poluições
transfronteiras ou proteger a diversidade biológica global. Isto acarreta,
como se tem percebido na prática internacional, o ingresso de novos atores
no cenário jurídico internacional o que, de certa forma, tem gerado perplexidades e incompreensões, as quais se expressam em reações ultranacionalistas contra uma suposta perda de soberania nacional.
2 (1) disciplina fiscal; (2) gastos públicos voltados prioritariamente para saúde e educação; (3) reforma
tributária; (4) elevação de juros; (5) valorização da moeda; (6) abertura do comércio internacional;
(7) facilitação para os investimentos estrangeiros; (8) desestatização das empresas públicas; (9)
desregulamentação da atividade econômica; e, por fim (10) respeito aos direitos de propriedade
privada.
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DIREITO INTERNACIONAL DO MEIO AMBIENTE: PARTICULARIDADES
5.1 Organizações não governamentais
A participação das Organizações Não Governamentais na sociedade
global e nos acordos internacionais é, como foi observado por Vernon I.
Tava (2015), parte do processo de globalização e consequência da diminuição do papel dos Estados, tanto na ordem interna, quanto na internacional.
Inúmeros poderes foram “devolvidos” à sociedade, acarretando o surgimento da ideia de governança em detrimento da de governo.
A segunda metade do século XX presenciou uma profunda mudança
nas relações internacionais e, em especial, no que se refere ao meio ambiente. Os grandes acidentes ambientais internacionais,3 o fim da guerra
fria, o chamado neoliberalismo internacional propiciado pela globalização,
fizeram com que houvesse um dramático aumento de troca de informações
entre os países e as pessoas e grupos, concomitante com aumento de fluxo
de capital entre os diversos países, o acelerado desenvolvimento da China
e demais países da Ásia, com necessidades crescentes de matérias primas,
implicaram em enorme pressão sobre os recursos naturais, propiciando o
surgimento do que ficou conhecido como sociedade civil global que é basicamente composta por ONGS, povos indígenas, militantes de base etc.
Tais circunstâncias impactaram profundamente a formação do DIMA e,
notadamente, a legitimação para participar dos diferentes processos decisórios internacionais no que tange à elaboração de acordos ambientais e
seus documentos anexos.
A Governança Global é a soma das diversas formas pelas quais indivíduos e instituições, públicas e privadas, gerenciam seus negócios comuns.
É processo contínuo pelo qual interesses diversos ou conflitantes podem ser
acomodados e tomadas ações cooperativas. Ela inclui instituições formais
e regimes fortalecidos para que os compromissos sejam observados, assim
como arranjos informais que pessoas e instituições tenham concordado ou
percebidos como de seu interesse, tal como definido pela Comissão de Governança Global em 1995. A Comissão também entendeu que, em nível
global, a governança, até então tinha sido entendida como atividade governamental, todavia, desde então, vem sendo encarada como integrada por
3 Como exemplo podem ser citados: a (1) poluição e envenenamento de pescadores por mercúrio
na baía de Minamata, Japão nas décadas de 50 e 60 do século XX, os (2) grandes vazamentos de
óleo causados pelos petroleiros Torey Canyon e Amoco – Cádiz nas costas europeias na década de
60, a (3) liberação de produtos químicos no ambiente em Seveso, década de 70, a (4) liberação de
radiação pela usina nuclear de Three Mile Island, Estados Unidos na década de 70, a (5) poluição
química em Love Canal, Estados Unidos, década de 80, a (6) liberação de produtos químicos no
ambiente em Bhopal, India com milhares de mortos, na década de 80, a (6) explosão do reator
nuclear em Chernobyl, ex-União Soviética, na década de 80, dentre outros tantos.
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organizações não governamentais, cidadãos, movimentos, empresas multinacionais e do mercado de capitais, com a interação da mídia internacional.
A principal crítica à governança global é que, certamente, são reconhecidos poderes a entidades que efetivamente não têm a legitimidade do voto
popular. Nos últimos anos, o conceito de governança vem sendo desafiada
por movimentos nacionalistas que contestam a “perda de soberania” e a
crescente burocratização da ordem internacional, como consequência do
multilateralismo. Todavia, parece ser evidente que é no multilateralismo
que os países em vias de desenvolvimento encontram a melhor forma de
expressão de seus anseios comuns perante a comunidade internacional,
pois é a única forma de equilibrar o poder diante das superpotências.
5.1.1 Legitimação das ONGs
Quando se observa a participação das ONGs no cenário internacional
há muita perplexidade. Contudo, há base jurídica para tal participação. A
Carta das Nações Unidas (artigo 71) dispõe que o Conselho Econômico
e Social (ECOSOC) poderá consultar ONGs dedicadas às questões que
estiverem na sua competência, mediante entendimentos com organizações
internacionais e, quando for o caso, com organizações nacionais, após consultar os Estados membros da ONU. A Resolução ECOSOC 1996/31 estabelece os requisitos para que uma ONG obtenha status consultivo, após
cumpridas determinadas exigências, destacando-se as seguintes: que (1) a
ONG tenha entre os seus objetivos a preocupação com os temas de competência do ECOSOC ou de seus órgãos subordinados, que (2) os objetivos e
propósitos da ONG devem ser conformes ao espírito, propósitos e princípios da Carta da ONU, que (3) a ONG apoie a ação da ONU e promova o
conhecimento de seus princípios e atividades, conforme os seus objetivos
e área de atuação. Atualmente existem mais de 5 mil ONGs devidamente
registradas no ECOSOC. Há que se observar que as ONGs não são exclusivamente associações civis formadas por militantes de uma causa pública,
pois também são admitidas as associações empresariais formadas para a
defesa de interesses empresariais legítimos, como é o caso, v.g., do World
Business Council for Sustainable Development. É também importante observar que as grandes ONGs internacionais são instituições globais que,
em certa medida, agem conforme os seus interesses institucionais e corporativos. De qualquer forma, a atuação das ONGs é relevante, pois muitas
vezes, atuam em países com baixo nível de desenvolvimento e, portanto,
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DIREITO INTERNACIONAL DO MEIO AMBIENTE: PARTICULARIDADES
carentes de recursos financeiros, humanos e tecnológicos, compensando
tais carências.
As ONGs, certamente, são controversas, pois em muitas ocasiões são
acusadas de agirem em benefício de potências estrangeiras em detrimento
dos interesses nacionais dos países nos quais atuam. Ainda que sob a designação de ONG se encontrem associações extremamente díspares entre
si, em muitos setores e países, a proteção ambiental depende inteiramente
delas. Entidades como WWF, IUCN e tantas outras têm prestado serviços
inestimáveis à causa da proteção internacional do meio ambiente, sendo
certo que, em muitas regiões do globo terrestre, a atuação delas é indispensável.
Há, em boa parte da crítica à atuação das ONGs, ranço nacionalista e
visão equivocada de desenvolvimento econômico, incapazes de compreender a urgência da proteção global do meio ambiente.
5.2 Indivíduos e Sociedade Civil
A chamada sociedade civil global, composta por diferentes atores,
cada vez mais desempenha papel de relevância no contexto internacional.
Sociedade civil é um conceito amplo que engloba inúmeras instituições
de natureza diversa, podendo variar desde ONGs (voltadas à defesa do
meio ambiente e empresariais) até associações informais, povos indígenas
e demais minorias, bem como empresas transnacionais. Aos indivíduos
também tem sido reconhecida a possibilidade de atuação internacional. O
princípio 1 da Declaração de Estocolmo expressamente reconhece o direito
(fundamental) individual ao desfrute de condições de vida adequadas em
um meio ambiente de qualidade tal que lhe permita levar uma vida digna. A
Declaração do Rio, em seu Princípio 10 afirma que o melhor meio de gerir
as questões ambientais é assegurando o direito de participação, de forma
apropriada, a todos os cidadãos interessados. No âmbito interamericano,
o Protocolo de São Salvador reconhece, em seu artigo 11 (1), o direito de
toda pessoa viver em meio ambiente sadio, dotado com os serviços públicos básicos.
Para o exercício dos direitos de participação foram estabelecidos vários
acordos internacionais. Em nível europeu a matéria é tratada na Convenção
da Comissão Econômica para a Europa das Nações Unidas (CEE/ONU)
sobre Acesso à Informação, Participação do Público no Processo de Tomada
de Decisão e Acesso à Justiça em Matéria de Ambiente (Convenção de
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Aarhus) que estabelece os mecanismos para (1) acesso à informação; (2)
participação do público em processos decisórios; e (3) acesso à justiça em
matéria ambiental. Na América Latina e no Caribe foi celebrado o Acordo
Regional sobre o Acesso à informação Participação Pública e Acesso à
Justiça em Assuntos Ambientais de 2018 (Escazú, Costa Rica).
As empresas privadas transnacionais também merecem atenção destacada do DIMA, sendo atores cada vez mais relevantes. Conforme anotam
Doumbé-Billé et al. (2013) as grandes corporações desempenham um papel dúplice em termos ambientais, seja devido ao seu potencial poluidor,
seja pela sua capacidade técnica e financeira para oferecer soluções para os
problemas ambientais. O papel das empresas foi expressamente reconhecido pela Declaração de Johanesburgo (item 29), tendo os chefes de Estado
concordado com a necessidade de que as corporações do setor privado
implementem as suas responsabilidades corporativas, em contexto regulatório transparente e estável.
5.3 Organizações Internacionais
Conforme as lições de Dupuy e Viñales (2015) existem quatro tipos
de OI, segundo o modelo de sua criação jurídica e suas competências. O
primeiro (1) é formado pelas entidades criadas por um tratado constitutivo,
com mandato e os seus principais órgãos de gestão definidos, v.g., a (a)
Organização Marítima Internacional, a (b) Organização Meteorológica
Mundial e (c) a Organização das Nações Unidas para a Alimentação
e Agricultura. Há organizações (2) criadas por tratados, todavia, tais
tratados não têm como objetivo primário a constituição de uma OI, mas a
normatização de um setor da atividade internacional, como por exemplo,
a diversidade biológica; em tais casos a instituição é criada para gerir
o tratado ou a convenção. Normalmente são criadas conferências das
partes ou secretariados. Um terceiro (3) modelo é “subproduto” dos dois
anteriores, levando à criação de órgãos subsidiários aos acordos, como é o
caso da AGNU ou do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente
(PNUMA). O quarto (4) modelo de Organização Internacional é mais
informal, haja vista que não são produtos de tratados ou convenções, direta
ou indiretamente. Como exemplo pode ser citado o G 204. As Organizações
Internacionais desempenham importante papel na articulação da proteção
internacional do maio ambiente, pois a formação de consensos no sentido
4 Grupo informal constituído pelos 19 países mais ricos do mundo e a União Europeia.
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DIREITO INTERNACIONAL DO MEIO AMBIENTE: PARTICULARIDADES
de que proteger o meio ambiente globalmente demanda coordenação entre
os diversos países e blocos econômicos.
6 OS PRINCÍPIOS JURÍDICO-AMBIENTAIS
Os princípios gerais de Direito são fontes de Direito. Guido Fernandes
da Silva SOARES (2001) identifica cinco fontes de Direito, a saber: O (1)
Jus Scriptum dividido em (a) tratados e convenções multilaterais sobre
meio ambiente e os (b) atos das organizações intergovernamentais; o (2)
costume internacional; os (3) os princípios gerais do Direito; a (4) Doutrina Internacional e a (5) jurisprudência internacional. Para os objetivos
deste artigo, apenas os princípios gerais de Direito serão examinados, na
exata medida em que contribuam para o estudo dos princípios de DIMA.
O Estatuto da Corte Internacional de Justiça (CIJ), em seu artigo 38
(a) estabelece que a CIJ decidirá os casos com base nas convenções internacionais, quer gerais, quer especiais, que estipulem regras que sejam
expressamente reconhecidas pelos Estados litigantes. Por sua vez, as letras
(b), (c) e (d) do mesmo artigo, autorizam a CIJ a decidir com base no (b)
costume internacional, como prova de uma prática geral aceita como sendo
direito e nos (c) princípios gerais de Direito, reconhecidos pelas nações
civilizadas e, ainda, (d) ressalvado o disposto no artigo 59 do Estatuto da
CIJ, as decisões judiciárias e a doutrina dos juristas mais qualificados das
diferentes nações como meio auxiliar para a determinação das regras de
Direito (ICJ, [s.d.]).
Todas as fontes acima apresentadas estão sujeitas à influência de fatores externos ao Direito tais como, o (1) conhecimento científico; (2) os
grandes acidentes ambientais; (3) o movimento ambientalista; e (4) o contexto econômico. Dentre as diferentes fontes do DIMA, os princípios são
das mais controvertidas, em função de sua enorme fluidez e tendência à
expansão constante. Agrava o fato que, em matéria de DIMA, o vocábulo
princípios é utilizado de forma diferente nos vários acordos internacionais
(DOUMBÉ-BILLÉ et al., 2013).
6.1 Princípios gerais do direito
De forma sintética, pode-se dizer que os princípios gerais do direito
têm por objetivo preencher a lacuna existente entre a regra jurídica e a
realidade concreta (GARCIA, 2015). Eles refletem a consolidação de
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práticas e entendimentos jurídicos que utilizados pela comunidade jurídica,
desde longa data, espelham os diferentes sistemas de direito existentes.
Em última instância, são os fundamentos últimos de uma determinada
ordem jurídica que são chamados a intervir para dar solução a um caso
concreto nas hipóteses em que a norma positivada não ofereça uma
solução evidente. Relembre-se que, entre as fontes de Direito Internacional
reconhecidas no Estatuto os princípios gerais do Direito são os “mais
vagos” (NASCIMENTO E SILVA, 2002).
Todavia, após o fim do ciclo colonial e o reconhecimento de direitos
locais que estavam subjugados à ordem colonial, cabe a pergunta: De que
Direito falamos e de quais princípios? Fato é que a ordem jurídica contemporânea, internacional ou interna, é caleidoscópica (HESPANHA, 2009).
A concepção de Direito que serve de base para a discussão princípios
gerais é fundamentalmente a ocidental e, no DIP, aquela que resultou das
estruturas coloniais e do período imediatamente após a 2ª Guerra Mundial.
Tal situação é claramente expressa no artigo 38 (1) (c ) do Estatuto da CIJ
ao reconhecer como princípios gerais de Direito somente os das “nações
civilizadas”. A norma, à toda evidência, parte do pressuposto de que os
povos submetidos ao regime colonial não possuíam estruturas de controle
social e organização da vida em sociedade que pudessem ser classificadas
como Direito (KELSEN, 1979), muito menos “Direito civilizado”. Neste
ponto vale relembrar a observação de Soares (2001) no sentido de que os
redatores do Estatuto da Corte Permanente de Justiça Internacional (CPJI),
antecessora da CIJ, no entre guerras, “se acreditavam de tal maneira representantes da civilização” que adjetivaram os princípios gerais do Direito.
Acrescente-se, com Kiss (1989), que o conceito de nação civilizada é contestado e controverso.
O Direito ocidental, o “Direito das nações civilizadas” não é mais soberano como fora na época da colonização, ou pretendeu ser. A atualidade
tem reconhecido, cada vez mais, os Direitos autóctones, como, v.g., ocorreu
nos chamados casos Mabo (1 e 2), julgados pela Suprema Corte Australiana, envolvendo terras do povo Merian, grupo aborígene que postulava direitos sobre as ilhas Murray, consideradas terra nullius (HCOURT, 2019).
Em Mabo (1) a Suprema Corte australiana declarou que as terras australianas, antes da chegada dos colonos ingleses, não eram terrae nullius, sendo
o povo Merian o seu legítimo proprietário. Em Mabo (2) a Corte adotou a
doutrina do título nativo de propriedade, reconhecendo que os aborígenes
foram legitimamente expropriados de suas terras tradicionais, admitindo
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DIREITO INTERNACIONAL DO MEIO AMBIENTE: PARTICULARIDADES
a existência de uma ordem jurídica plural (HESPANHA, 2013). Em nível
internacional, a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho
sobre Povos Indígenas e Tribais, reconhece os povos “cujas condições sociais, culturais e econômicas os distingam de outros setores da coletividade
nacional, e que estejam regidos, total ou parcialmente, por seus próprios
costumes ou tradições”(artigo 1º (1)(a).
O modelo exclusivo do Direito ocidental, não se sustenta mais, pois
a antropologia nos mostra que qualquer sociedade, por mais “bárbara” e
“primitiva” que seja traz em si um sentido de ordem, sem o qual “não há
humanidade possível” (ASSIER-ANDRIEU, 2000, p. 98), logo de Direito.
A multiplicidade dos Direitos é hoje um fato reconhecido e, portanto, a
definição de um conjunto de princípios gerais válidos para todo e qualquer
sistema jurídico é tarefa cada vez mais difícil, senão impossível. Decorre
daí que o simples reconhecimento dos princípios gerais de Direito “das
nações civilizadas” é anacronismo incompatível com a realidade moderna.
6.1.1 Princípios no DIMA
Como nos adverte Alexandre KISS, no que diz respeito ao DIMA, os
textos legislativos “pululam” (1989), sendo necessário para que se identifiquem os seus princípios que haja uma consolidação de tais documentos,
com pesquisa exaustiva com vistas à identificação das ideias que lhes são
subjacentes.
O termo princípio se disseminou de forma espantosa no Direito Internacional do Meio Ambientet, sendo utilizado indistintamente em documentos com variável força jurídica. Para os fins deste artigo, considera-se
como primeiro grande documento internacional a tratar de princípios de
DIMA, a Declaração de Estocolmo de 1972 que contém 26 princípios. Por
sua vez, a Declaração do Rio de 1992 contém 27, conforme anotado por
Handl (2012). Parece evidente que tal proliferação de princípios, ainda que
proclamados por meio de documentos não obrigatórios, indica que se cuida
mais de afirmação de diretrizes políticas do que de normas jurídicas. Vale
ressaltar que o Preâmbulo da versão inglesa da Declaração de Estocolmo
fala em “common principles to inspire and guide” (princípios comuns para
inspirar e guiar) os povos, o que indica sua inafastável natureza orientadora e não mais do que isto. A Declaração do Rio é ambígua, pois apesar de
proclamar 27 princípios, estabelece que os princípios 15 (precaução) e 16
(poluidor pagador) são na verdade, conforme a redação em língua inglesa,
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“approaches”5 que deverão ser levados em consideração pelas autoridades
nacionais. Parece claro que as grandes conferências ambientais, cientes de
suas limitações políticas e jurídicas, não se utilizaram do vocábulo princípio, como equivalente a “princípios gerais de direito” tal como especificado pelo artigo 38, (1) (c) do Estatuto da CIJ. Aliás, tal cuidado fica claro
na redação dos princípios 15 e 16 da Declaração do Rio, com a inclusão do
vocábulo approach, na versão original, o que ocorre igualmente na versão
francesa que se utiliza do termo “mesures” (medidas) (ANTUNES, 2016).
Os acordos ambientais também refletem a ambiguidade já mencionada. A Convenção de Estocolmo sobre Poluentes Orgânicos Persistentes
utiliza a palavra approach (artigo 1º), ainda que se refira ao Princípio 15
da Declaração do Rio ; por sua vez a CDB, ao seu utilizar do vocábulo
princípio (artigo 3º), o faz de forma tradicional, indicando princípios plenamente estabelecidos no DIP , tais como: (1) soberania, “ [o]s Estados,
em conformidade com a Carta das Nações Unidas e com os princípios
de Direito Internacional, têm o direito soberano de explorar seus próprios
recursos segundo suas políticas ambientais”, (2) responsabilidade internacional, “responsabilidade de assegurar que atividades sob sua jurisdição ou
controle não causem dano ao meio ambiente de outros Estados ou de áreas
além dos limites da jurisdição nacional.”
Logo, princípio em DIMA, é um vocábulo polissêmico cujo valor jurídico é correspondente ao do documento internacional no qual ele esteja
inserido. Entretanto, é importante ressaltar que não há consenso na doutrina jurídica internacional sobre (1) o número de princípios de Direito Internacional do Meio Ambiente; e (2) sobre quais são os princípios do DIMA.
Entretanto, as dificuldades políticas que usualmente estão presentes na
elaboração de acordos internacionais recomendam a adoção de fórmulas
abertas. Quanto mais difícil a negociação, mais aberto será o documento
que dela emergirá.
É possível, portanto, observar que, nos acordos ambientais com força
obrigatória (tratados e convenções) a utilização do termo princípio tende
a ser feita de forma conservadora e tradicional, limitando-se aos conceitos
consensuais. Por outro lado, quando se trata de declarações, texto político
e sem força jurídica, a expansão dos princípios parece ser a regra.
Assim, nos acordos cogentes são reconhecidos princípios tais como:
(1) princípio da soberania sobre os recursos naturais e de não causar danos
5 As versões em língua portuguesa adotadas pelo Brasil, inexplicavelmente traduzem approach por
princípio.
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a terceiros estados, bens ou pessoas; (2) princípio da cooperação; (3) princípio da responsabilidade comum, porém diferenciada; (4) princípio do
desenvolvimento sustentável Por sua vez, as declarações políticas acolhem
princípios mais amplos e controversos tais como (1) princípio da precaução; e (2) princípio do poluidor pagador. Em última instância, a existência
de uma relação de princípios no bojo dos acordos internacionais, conforme
definido pela Corte Permanente de Justiça no célebre Caso Lótus, depende
da vontade livremente manifestada pelos Estados. Nesta altura, é conveniente relembrar a ácida crítica formulada por Martine Rèmond-Gouilloud
(1989, p. 37) ao falar sobre uma “inflação de falsas fontes” e de “grandes
fórmulas” que, embora bem construídas, não têm qualquer força obrigatória. Assim, é importante evitar uma metástase principiológica que terá muita pouca utilidade, senão nenhuma, para uma efetiva aplicação do Direito
Internacional do Meio Ambiente.
CONCLUSÕES
O DIMA é um novo ramo do DIP que tem se afirmado nas últimas
décadas como um dos mais inovadores instrumentos de proteção do meio
ambiente em nível global. Ele vem se constituindo ao longo dos últimos
50 anos a partir de demandas concretas que têm origem no fenômeno da
poluição transfronteira, cujo primeiro reconhecimento é anterior à segunda
metade do Século XX, tendo resultado da disputa entre dois países desenvolvidos. A responsabilidade internacional dos Estados por danos causados a terceiros, em função de poluição advinda de seu território, é hoje
amplamente aceita. Todavia, a disparidade entre os diferentes membros da
comunidade internacional fizeram com que o conceito de responsabilidade
internacional fosse mitigado no sentido de se entender que há uma responsabilidade de todos os Estados com a proteção ambiental que, entretanto,
deve ser proporcional à poluição causada por cada Estado individualmente
considerado e, igualmente, às suas diferentes capacidades de enfrentá-la.
Aqui não se deve esquecer a questão relativa à soberania dos Estados sobre
os seus recursos naturais, reconhecida em acordos com força obrigatória.
A experiência internacional comprovou a impossibilidade prática de
que o tema ambiental seja tratado de forma unitária, gerando a setorialização dos acordos, seja por regiões geográficas, seja por área temática.
Todavia, a multiplicidade de acordos gera dificuldades concretas para sua
implementação, diante da ausência de harmonização entre eles, além dos
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fatores de ordem política, social e econômica. A construção de organismos específicos para a gestão e implementação dos acordos é outro ponto
saliente do DIMA. As mudanças estruturais nas economias globais sob a
égide do consenso de Washington, com o enfraquecimento das entidades
estatais, trouxeram novos atores para o cenário internacional (ONGs, povos indígenas etc.) que, em matéria ambiental, desempenham papel relevante, assim como as corporações multinacionais.
O DIMA é direito principiológico, isto é, tende a recorrer a princípios
abertos como forma de acomodar diferentes visões sobre o meio ambiente.
Os princípios, todavia, serão cogentes ou não, conforme a natureza do documento internacional nos quais estejam insertos. Não há, portanto, que se
falar em princípios com igual valor jurídico.
As diversas particularidades do DIMA, certamente, elevam-no à dignidade de um ramo autônomo do DIP que ganha importância no mundo
moderno. As novas concepções relativas ao desenvolvimento, à participação da sociedade e à soberania são relevantes, pois buscam a acomodação
entre Estados com grandes diferenças entre si que, efetivamente, precisam
ser minimizadas para que possa haver paz entre as nações e que, por meio
da cooperação, os graves problemas ambientais e sociais possam ser adequadamente manejados nos fora multilaterais.
O DIMA, entretanto, é um Direito ainda imaturo, pois as suas estruturas ainda carecem das necessárias consolidação e estabilidade que permitam ao Direito oferecer segurança às partes. Por fim, cuida-se de um Direito que é uma esperança de solução pacífica dos graves problemas ambientais que assolam o planeta, assim como é uma esperança de entendimento
igualitário entre as nações, com vista a solução de seus problemas comuns.
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Artigo recebido em: 11/07/2019.
Artigo aceito em: 11/02/2020.
Como citar este artigo (ABNT):
ANTUNES, P. B. Direito Internacional do Meio Ambiente: particularidades. Veredas do Direito, Belo Horizonte, v. 17, n. 37, p. 263-294, jan.-abr.
2020. Disponível em: http://revista.domhelder.edu.br/index.php/veredas/
article/view/1591. Acesso em: dia mês. ano.
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