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22 de Agosto de 2022
O direito à educação nas Constituições brasileiras
Publicado por Danielli Xavier Freitas há 8 anos 62,5K visualizações
O não reconhecimento explícito da educação como direito público
subjetivo nos textos constitucionais anteriores gerava extensos debates
jurídicos a esse respeito:
1. Introdução
A educação vem sendo cada vez mais pauta de debates e reivindicações
por parte da população. Nas manifestações populares ocorridas em
2013, embora não tenha sido o assunto principal ou propulsor dos
levantes, constituiu um dos temas mais presentes em cartazes e gritos
dos manifestantes. Tanto é que ganhou pauta no Congresso na disputa
pelo recebimento dos royalties do pré-sal.
Não é sem razão. A educação é apontada por estudiosos e
pesquisadores como uma forma eficaz de promover o desenvolvimento
do indivíduo e da sociedade. Na perspectiva individual, o indivíduo
com maior escolaridade se insere com mais facilidade no mercado de
trabalho, obtém salários e rendimentos melhores, tendo maiores
possibilidades de mobilidade social e rompimento do ciclo da pobreza.
Na perspectiva social, uma população com maior escolaridade se torna
mais produtiva no trabalho, gerando maior riqueza e utilizando melhor
os recursos que a sociedade dispõe. Não obstante a importância do
ponto de vista econômico, a maior escolaridade contribui para
cidadãos mais conscientes de seu dever cívico, interessados e engajados
em questões políticas, menos propensos a atividades ilícitas e mais
preparados para prevenir doenças e acidentes.
Nesse sentido, a legislação brasileira evoluiu na direção da garantia do
direito à educação, até sua consagração como direito público subjetivo,
na Constituição Federal de 1988 (CF/88). Inicialmente garantida
apenas para o ensino fundamental, a universalização do atendimento e
gratuidade tem sido aos poucos expandida para as outras etapas do
ensino básico. A Emenda Constitucional nº 59 de 2009 determinou a
universalização dos ensinos infantil e médio, garantindo acesso para
todos os jovens dos quatro aos dezessete anos de idade.
A positivação de um direito, porém, não significa sua imediata
concretização e efetivação para os cidadãos. O poder público deve
empreender ações e prover a infraestrutura e os serviços necessários a
tal fim. É de se esperar que a compreensão das bases legais e da
evolução da concretização do direito à educação seja de grande valia
aos formuladores e gestores de políticas públicas. Este artigo pretende
fornecer uma explanação sobre tal, almejando-se assim contribuir com
o trabalho daqueles que atuam nesse campo tão nobre.
2. O direito á educação na legislação
brasileira
2.1 Formação e evolução de Direitos Humanos
Bobbio (2004) distingue três fases ou gerações no processo de
formação das declarações de direito. A primeira fase compreende a
formação dos chamados direitos naturais. São os direitos que toda
pessoa possui, por natureza, e constituem-se inalienáveis, nem mesmo
o estado podendo retirá-los. São direitos que visam limitar o poder do
Estado sobre o indivíduo, e incluem a liberdade e a igualdade civis. O
autor ressalta ainda que embora universais esses direitos são limitados
em sua eficácia, pois aparecem nas primeiras declarações de direito
como propostas para um futuro legislador.
A segunda fase ou geração abarca a positivação dos direitos expressos
nas primeiras declarações, dando-os legitimação e reconhecimento.
São os direitos políticos, reconhecendo a liberdade como autonomia e
resultando em participação cada vez maior da população no poder
político. Tal positivação de direitos, entretanto, não conduz
necessariamente à universalização efetiva. Os direitos valem apenas no
âmbito do Estado que os reconhece e apenas para aqueles considerados
seus cidadãos. Reconhece-se aqui a necessidade de que a igualdade e
liberdade política ocorram em condições de bem-estar para a maioria.
As desigualdades sociais devem ser diminuídas e para tal é sugerida a
intervenção do Estado.
A terceira geração corresponde à proclamação dos direitos sociais,
como decorrência de exigências por bem-estar e igualdade não apenas
formal. Nessa fase reconhece-se que os direitos se dirigem a todos os
homens, não somente os pertencentes a determinado Estado. E ainda,
devem ser efetivamente protegidos, até mesmo contra o próprio Estado
se esse os violar. Tem-se assim direitos positivos universais.
Bobbio apresenta, para além dessas três fases de formação dos direitos
- conversão em direitos positivos, generalização e internacionalização -
uma outra tendência: a de especificação. Nessa fase busca-se
reconhecer a especificidade dentro da diversidade. “Essa especificação
ocorreu com relação seja ao gênero, seja às várias fases da vida, seja à
diferença entre estado normal e estados excepcionais na existência
humana” (BOBBIO, 2004, p.59). São as declarações de direitos da
criança e do adolescente, dos idosos, homossexuais, negros, portadores
de necessidades especiais e outras minorias.
Boto (2005) traça um paralelo entre as gerações descritas por Bobbio e
a evolução do direito à educação. Em sua leitura, as três gerações de
direitos são vistas da seguinte maneira:
“1. Direitos civis do indivíduo na sua condição de agente
político: a liberdade do voto, mas também a liberdade de
opinião – liberdades negativas;
2. A necessidade de ancorar os direitos dessa liberdade
primeira em condições de políticas públicas adequadas para
o bem-estar da maioria; daí a sugestão de o Estado intervir
em setores sociais diretamente – critério imprescindível para
materializar nas condições objetivas a igualdade de todos;
3. A percepção de que ser livre e ser igual não elimina o
desejo de marcar identidades variadas e distintas
especificidades humanas – o que solicita, como
contrapartida, a integração da diferença no veio da cultura
comum (...)” (BOTO, 2005, p.791)
De acordo com Boto (2005), as conquistas pelo direito à educação
iniciam-se com a universalização do direito à educação. Todas as
crianças e jovens tem a liberdade de ir à mesma escola, com igualdade
inclusive de uniformes. Corresponde à democratização da escola, e teve
como principal resultado a expansão das oportunidades mediante
abertura de novas escolas. “O ensino torna-se paulatinamente direito
público quando todos adquirem a possibilidade de acesso à escola
pública” (BOTO, 2005, p. 779). Os críticos à expansão das escolas
argumentavam que receber alunos que nunca antes haviam
frequentado salas de aula levaria à perda do padrão de qualidade até
então vigente. Azanha (1987 apud BOTO 2005, p. 787) desconstrói tal
argumento dizendo que “o erro é óbvio: não se podem aferir padrões de
qualidade sem indagar a quem se atribuem os mesmo padrões. Diante
de uma população que não tem escola, qualquer alargamento da
possibilidade de frequentar a escola é, em si mesmo, um avanço”.
Com a consolidação desse primeiro direito político, o de frequentar a
escola, a próxima preocupação é garantir uma boa qualidade que leve
todos os alunos ao êxito escolar. Tal preocupação se justifica pelo fato
de haver um processo de exclusão interno à escolarização, através do
qual as crianças tidas como menos talentosas e capacitadas são
sobrepujadas em relação às tidas como mais qualificadas. Nas palavras
de Bourdie (1982 apud BOTO, 2005, p. 788):
“a educação escolar exerce sobre as camadas populares níveis
sobrepostos de violência simbólica, dado que, além de
referendar o capital cultural dos alunos pertencentes às
camadas privilegiadas da população, convence aqueles que
não são “herdeiros” da mesma cultura erudita de que são eles
os responsáveis por seu próprio malogro na escola”.
Para Boto (2005) a segunda geração de direitos educacionais
compreenderia a revisão de padrões ideológicos que orientam as
normas educacionais. Os professores deveriam ser capacitados, as
diretrizes, conteúdos e métodos revistos, de forma que as escolas e seus
profissionais estejam preparados para lidar com a lógica excludente do
sistema escolar, revertam-na e incorporem alunos oriundos das mais
diversas classes, tradições e identidades. Todos com acesso à escola,
uma escola de boa qualidade, constitui para a autora um direito de
segunda geração, na medida em que confere a eficácia concreta aos
saberes escolares mediante métodos e conteúdos que minimizem as
diferenças.
Somente isso, porém, não seria suficiente ante o debate
contemporâneo sobre a diversidade. Para a autora, os saberes
pedagógicos de que se vale a escola moderna é pautado numa matriz
eurocêntrica, masculina, branca, capitalista e ocidental. Para romper
com tais atas, os trabalhos não deveriam mais se dirigir unicamente
para a igualdade, mesmo que com qualidade, mas sim na direção de
propostas que contemplem a diversidade em todas as suas
particularidades e matizes, suscitando a troca de conhecimentos com
respeito mútuo. As diretrizes devem contemplar um currículo que
“aberto quanto aos conteúdos, possa entretecer a diversidade” e
“descontruir uma falsa unidade” de um saber preponderante (BOTO,
2005, p. 790). Ainda de acordo com a autora, a terceira geração de
direitos educacionais pauta-se pela tolerância, encontro de culturas e
convivência harmoniosa entre pessoas diferentes em todos os aspectos
imagináveis.
2.2 O direito à educação nas
constituições brasileiras
O resgate histórico da evolução do direito à educação ao longo das
Constituições Brasileiras apresentado nesse artigo inicia-se nos tempos
do império.
Dentre o rol de direitos e prerrogativas individuais enunciadas na
primeira constituição brasileira, outorgada em 1824 pelo imperador D.
Pedro I, encontra-se o direito à educação primária gratuita a todos os
cidadãos:
Art. 179 A inviolabilidade dos direitos civis e políticos dos
cidadãos brasileiros, que tem por base a liberdade, a
segurança individual e a propriedade, é garantida pela
Constituição, pela maneira seguinte:
32) A instrução primária é gratuita a todos os cidadãos.
Importante ressaltar que a Carta Magna vigente não
garantia a todos os brasileiros o acesso à educação primária,
posto que negros e escravos alforriados não eram
considerados cidadãos[1].
Promulgada em fevereiro de 1891, a primeira constituição republicana
representou um retrocesso em relação ao direito à educação, pois não
mais garantia o livre e gratuito acesso ao ensino. Tal situação traria
ainda consequências no plano político, pois o art. 70 em seu § 1º inciso
II determinava que os analfabetos não tinham direito ao voto. As
poucas referências à educação nessa constituição se limitavam a dispor
sobre a competência não privativa do Congresso em “animar no País o
desenvolvimento das letras, artes e ciências” e “criar instituições de
ensino superior e secundário nos Estados”[2].
No ano de 1934, a Assembleia Nacional Constituinte, convocada pelo
Governo Provisório da Revolução de 1930, redigiu e promulgou a
segunda constituição republicana do Brasil. Reformando
profundamente a organização da República Velha, realizando
mudanças progressistas, a Carta de 1934 durou apenas até 1937. Foi
consequência direta da Revolução Constitucionalista de 1932, tendo
sido importante por institucionalizar a reforma da organização
político-social brasileira — não com a exclusão das oligarquias rurais,
mas com a inclusão dos militares, classe média urbana e industriais no
jogo de poder.
Para Raposo (2005, p. 1) a Constituição de 1934, “ao enunciar normas
que exorbitam a temática tipicamente constitucional”, representou um
novo marco nas constituições brasileiras. Teve-se pela primeira vez “a
constitucionalização de direitos econômicos, sociais e culturais”.
Sobre a educação, dispõe em seu capítulo II do título V:
Art. 149 A educação é direito de todos e deve ser ministrada,
pela família e pelos poderes públicos, cumprindo a estes
proporcioná-la a brasileiros e a estrangeiros domiciliados no
País, de modo que possibilite eficientes fatores da vida moral
e econômica da Nação, e desenvolva num espírito brasileiro a
consciência da solidariedade humana
Art. 150 Parágrafo único - O plano nacional de educação
constante de lei federal, nos termos dos arts. 5º, nº XIV, e 39,
nº 8, letras a e e, só se poderá renovar em prazos
determinados, e obedecerá às seguintes normas:
a) ensino primário integral gratuito e de frequência
obrigatória extensivo aos adultos;
b) tendência à gratuidade do ensino educativo ulterior ao
primário, a fim de o tornar mais acessível;
Assim, como uma das inovações tem-se a extensão do direito à
educação aos jovens e adultos e, pela primeira vez, a vinculação
obrigatória de recursos resultantes de impostos para manutenção do
sistema de educação[3]. As inovações, entretanto, não surtiram efeito
algum, posto que o golpe de Estado de 1937 pôs fim à vigência da
Constituição de 1934, antes mesmo da votação do Plano Nacional de
Educação.
A Constituição de 1937 implantou a ditadura do Estado Novo. Os
poderes Executivo e Legislativo encontravam-se concentrados no
Presidente da República, que legislava via decretos-lei e
posteriormente os aplicava. Isso fez com que grande parte da Carta de
1937 não tomasse eficácia (SILVA, 2004 apud MORAIS, 2007).
Sobre a educação, a Carta representou retrocesso em relação à sua
predecessora. A vinculação obrigatória de recursos para a pasta foi
extinta e, embora fosse obrigatório e gratuito o ensino primário, dos
menos necessitados era exigida uma contribuição módica e mensal
para a caixa escolar, como uma forma de solidariedade[4]. Ainda, foi
colocado como primeiro dever do Estado em matéria de educação o
ensino pré-vocacional e profissional voltado aos menos favorecidos[5].
As eleições de 1945 enviaram à Assembleia Nacional Constituinte
deputados e senadores de diversos partidos nacionais. O texto
promulgado em 18 de setembro de 1946 tinha como característica a
tendência restauradora das linhas de 1891 e buscava ainda restaurar
inovações da Carta de 1934 que haviam tido fim pelo golpe de 1937, em
especial em matérias de proteção aos trabalhadores, à ordem
econômica, à educação e à família (BALEEIRO e SOBRINHO, 2001).
Foi dedicado à educação o Capítulo II do Título VI – Da Família, Da
Educação e Da Cultura. Foi retomada a vinculação obrigatória de parte
do orçamento, conforme disposto no art. 169:
Art. 169 Anualmente, a união aplicará nunca menos de dez
por cento, e os Estados, o Distrito Federal e os municípios
nunca menos de vinte por cento da renda resultante dos
impostos na manutenção e desenvolvimento do ensino.
O golpe de Estado de 31 de março de 1964 instaurou no Brasil a
ditadura militar. A constituição de 1967 buscou então institucionalizar
e legalizar o regime militar, conferindo ao Poder Executivo a maior
parte do poder de decisão e aumentando sua influência sobre o
Legislativo e o Judiciário.
A Carta Constitucional daquele ano tratou da educação em seu Título
IV – Da Família, Da Educação e Da Cultura. Dispõe:
Art. 176 A educação, inspirada no princípio da unidade
nacional e nos ideais de liberdade e solidariedade humana, é
direito de todos e dever do Estado, e será dada no lar e na
escola.
§ 3º A legislação do ensino adotará os seguintes princípios e
normas:
II – o ensino primário é obrigatório para todos, dos sete aos
quatorze anos, e gratuito nos estabelecimentos oficiais;
III – o ensino público será igualmente gratuito para quantos,
no nível médio e no superior, demonstrarem efetivo
aproveitamento e provarem falta ou insuficiência de
recursos;
IV – o Poder Público substituirá, gradativamente, o regime de
gratuidade no ensino médio e no superior pelo sistema de
concessão de bolsas de estudos, mediante restituição, que a lei
regulará.
Dessa forma, percebe-se que a preocupação do legislador com o acesso
à educação abarcava apenas a restrita faixa etária dos sete aos quatorze
anos. O ensino médio e superior público seriam destinados aos mais
necessitados e, ainda assim, seriam gradualmente mais restritivos,
posto que a Constituição previa que a gratuidade daria lugar a bolsas
de estudos que deveriam ser restituídas. Poder-se-ia esperar que
estudantes de famílias com menos recursos e menos qualificados
abandonassem os estudos com receio de que não dispusessem de
condições de restituir as bolsas recebidas. A educação de jovens e
adultos não foi contemplada no texto.
Conforme explica Miranda (1974, apud MORAIS, 2007), a Carta
Magna daquele ano embora dispusesse sobre a obrigatoriedade e
gratuidade do ensino primário, não garantia a universalização do
direito à educação. Isso porque não trouxe ao Estado a obrigação e o
dever de levar escolas a todo o território nacional, estendendo o ensino
a regiões desprovidas de escolas. O autor escreve ainda:
“A educação somente pode ser direito de todos se há escolas
em número suficiente e se ninguém é excluído dela; portanto,
se há direito público subjetivo à educação e o Estado pode e
tem de entregar a prestação educacional. Fora daí, é iludir o
povo com artigos de Constituição ou de leis. Resolver o
problema da educação, não é fazer leis, ainda excelentes; é
abrir escolas, tendo professores e admitindo os alunos”.
(MIRANDA, 1974 apud MORAIS, 2007, p. 29)
Referente ao financiamento da educação, o texto constitucional previa
a aplicação mínima de recursos provenientes de impostos, sendo treze
por cento para a União, e vinte e cinco por cento para Estados, Distrito
Federal e municípios[6].
A Emenda Constitucional de 1969 pouco modificou os dispositivos
referentes à educação. Como destaque tem-se a alteração dos
percentuais mínimos a serem aplicados na pasta, estando apenas os
municípios obrigados a tal e com queda para vinte por cento da receita.
Há, porém, previsão de intervenção do Estado em caso de
descumprimento.
Percebe-se assim que, ao longo do período analisado, o direito à
educação recebeu diferentes tratamentos, tanto em abrangência quanto
em conteúdo, refletindo ideologias e valores da época. As principais
características dessas Constituições encontram-se resumidas no
Quadro 1:
Quadro 1: O Direito à educação nas Constituições Brasileiras
Constituição -> Principais Características
1824 ->Estabeleceu entre os direitos civis e políticos a gratuidade da
instrução primária para todos aqueles considerados cidadãos e previu a
criação de colégios e universidades
1891->Preocupou-se em discriminar a competência legislativa da
União e dos Estados em matéria educacional. Coube à União legislar
sobre o ensino superior enquanto aos Estados competia legislar sobre
ensino secundário e primário, embora ambos pudessem criar e manter
instituições de ensino superior e secundário. Determinou a laiscização
do ensino nos estabelecimentos públicos
1934-> Estabelece a competência legislativa da União para traçar
diretrizes da educação nacional. Apresenta dispositivos que organizam
a educação nacional, mediante previsão e especificação de linhas gerais
de um plano nacional de educação. Dispõe sobre a criação dos sistemas
educativos nos Estados e destinação de recursos para a manutenção e
desenvolvimento do ensino. Prevê imunidade de impostos para
estabelecimentos particulares, auxílio a alunos necessitados e
determinação de provimento de cargos do magistério oficial mediante
concurso
1937->Não registra preocupação com o ensino público, sendo o
primeiro dispositivo no trato da matéria dedicado a estabelecer a livre
iniciativa. Prevê competência material e legislativa privativa da União
em relação às diretrizes e bases da educação nacional, sem referência
aos sistemas de ensino dos Estados
1946->A educação volta a ser definida como direito de todos,
prevalecendo a ideia de educação pública. São definidos princípios
norteadores do ensino, entre eles ensino primário obrigatório e
gratuito e a previsão de criação de institutos de pesquisa. A vinculação
de recursos para a pasta é restabelecida. A competência legislativa da
União circunscreve-se às diretrizes e bases da educação nacional
1967->Mantém a estrutura organizacional da educação nacional,
preservando os sistemas de ensino dos Estados. Retrocessos
observados: fortalecimento do ensino particular, inclusive mediante
previsão de substituição do ensino oficial gratuito por bolsas de estudo;
necessidade de bom desempenho para garantia da gratuidade do
ensino médio e superior aos que comprovarem insuficiência de
recursos; limitação da liberdade acadêmica pela fobia subversiva;
diminuição do percentual de receitas vinculadas para a manutenção e
desenvolvimento do ensino (limitadas somente aos municípios após a
Constituição de 1969)
Fonte: Elaborado pelo autor a partir de Raposo (2005).
2.3 O direito à educação na legislação
atual
A Constituição Federal promulgada em 5 de outubro de 1988
estabeleceu o Estado Democrático de Direito. Chamada de
“Constituição Cidadã”, ampliou o rol dos direitos sociais, entre os quais
se insere o direito à educação, e as atribuições do poder público. Como
escrevem Jaccoud e Cardoso Jr:
“De fato, a Constituição de 1988 lançou as bases para uma expressiva
alteração da intervenção social do Estado, alargando o arco dos direitos
sociais e o campo da proteção social sob responsabilidade estatal, com
impactos relevantes no que diz respeito ao desenho das políticas, à
definição dos beneficiários e dos benefícios”. (JACCOUD e CARDOSO
JR, 2005, p. 182)
Assim, segundo os autores houve relevante expansão das
responsabilidades públicas em relação à vida social, de forma que o
enfrentamento de problemas que antes ocorria no espaço privado
passa a compor dever e objetivos do poder público.
Nesse cenário, à educação corresponde importante papel na promoção
da justiça social, mobilidade social e diminuição das desigualdades.
Mais do que isso, a educação constitui eficiente mecanismo de ação
política (RANIERI, 1994 apud RAPOSO, 2005). Para Raposo (2005), a
perspectiva política e a natureza pública da educação são destacadas na
Carta Magna de 1988, tanto pela expressa definição de seus objetivos,
como pela própria estruturação de todo o sistema educacional.
Foram dedicados à educação os artigos 202 a 214 da seção I do capítulo
III – Da Educação, Da Cultura e Do Desporto, do título VIII – Da
Ordem Social, além do artigo 60 das Disposições Constitucionais
Transitórias. Percebe-se portanto a relevância dada pelo legislador à
matéria. Para Oliveira (1999) a CF/88 traz um salto de qualidade em
relação às legislações anteriores, pois a declaração do direito à
educação encontra-se bem detalhada, com maior abrangência e
precisão da redação, prevendo inclusive os instrumentos jurídicos que
garantam tal direito.
O direito à educação aparece na Carta Magna já no art. 6º, onde se
elencam, pela primeira vez de forma explícita num texto constitucional
brasileiro, os direitos sociais:
Art. 6º São direitos sociais a educação, a saúde, o trabalho, o
lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à
maternidade e à infância, a assistência aos desamparados,
na forma desta Constituição.
O artigo 205 dispõe que a educação é direito de todos e um dever do
Estado. Sua promoção tem como fins o desenvolvimento tanto da
pessoa quanto da própria sociedade.
O ensino começa a ser especificado no artigo 206 que expõem como
seus princípios norteadores:
I - igualdade de condições para o acesso e permanência na
Escola;
IV - gratuidade do ensino público em estabelecimentos
oficiais;
Esse artigo já traz em si uma inovação frente aos textos anteriores, pois
passa a assegurar gratuidade de ensino em todas as redes, não somente
no ensino fundamental, e no ensino médio não mais como exceção. O
ensino superior é, pela primeira vez, também posto como gratuito
(OLIVEIRA, 1999).
O detalhamento do direito à educação se dá no artigo 208[7]:
Art. 208 O dever do Estado com a educação será efetivado
mediante a garantia de:
I - ensino fundamental, obrigatório e gratuito, inclusive para
os que a ele não tiveram acesso na idade própria;
II - progressiva extensão da obrigatoriedade e gratuidade ao
ensino médio;
III - atendimento educacional especializado aos portadores
de deficiência, preferencialmente na rede regular de ensino;
IV - atendimento em creche e pré-escola às crianças de zero a
seis anos de idade;
V - acesso aos níveis mais elevados do ensino, da pesquisa e
da criação artística, segundo a capacidade de cada um;
VI - oferta de ensino noturno regular, adequado às condições
do educando;
VII - atendimento ao educando, no ensino fundamental,
através de programas suplementares de material didático-
escolar, transporte, alimentação e assistência à saúde
O inciso I traz como inovação a extensão do acesso a todos os grupos
etários, mesmo àqueles fora da idade regular para o ensino
fundamental. Dessa forma, avança em relação ao texto de 1967, cujo
art. 176 § 3º criava a possibilidade de restringir o acesso a pessoas fora
da faixa etária dos sete aos quatorze anos (OLIVEIRA, 2005) e
representa uma garantia do direito a educação de jovens e adultos.
Esse inciso foi modificado pela Emenda Constitucional nº 14 de
1996[8]. A nova redação coloca que deverá ser assegura a oferta
gratuita para todos aqueles que não tiveram acesso ao ensino
fundamental em idade apropriada. Machado e Oliveira (2000 apud
MORAIS, 2007) esclarecem que a alteração elimina a ambiguidade
quanto à obrigatoriedade de frequentar a escola para os que não o
fizeram no período regular. O que se depreende da nova redação é o
caráter opcional ao aluno, mantendo-se porém o dever expresso do
Estado de ofertar o acesso aos que a ele recorram.
A respeito desse artigo, interessante também o comentário de Bastos
(1998, apud MORAIS, 2007, p. 32) que diz que o ensino “sendo
obrigatório, precisa ser gratuito, pois, dada a pobreza da população
seria impossível universalizá-lo de outra forma”.
O inciso II resgata ideia da Constituição de 1934 de ampliar o período
de gratuidade do ensino e, mais ainda, previu a extensão da
obrigatoriedade. A Emenda Constitucional nº 14 de 1996, porém, deu
nova redação ao inciso, suprimindo a obrigatoriedade e determinando
a “progressiva universalização do ensino médio gratuito”. Para Oliveira
(1999, p. 62) a CF/88 “reequacionou o debate acerca desse nível de
ensino para além da polaridade ensino propedêutico X ensino
profissionalizante”, bem como a preocupação do legislador com a
universalização do ensino médio segue as tendências mundiais de
desenvolver essa etapa do ensino face às exigências crescentes do
mercado por escolarização. Entretanto, a alteração enfraquece o
compromisso do Estado com a obrigatoriedade desse nível de ensino. A
regularização do fluxo do ensino fundamental e a consequente pressão
de demanda, porém, devem resultar na expansão da oferta pelo
governo.
Em 2009 a Emenda Constitucional nº 59 alterou a redação do inciso I,
passando a vigorar:
I – A educação básica obrigatória e gratuita dos 4 (quatro)
aos 17 (dezessete) anos de idade, assegurada inclusive sua
oferta gratuita para todos os que a ela não tiveram acesso na
idade própria;
E ainda determinou em seu artigo 6º o seguinte:
Art. 6º O disposto no inciso I do art. 208 da Constituição
Federal deverá ser implementado progressivamente, até
2016, nos termos do Plano Nacional de Educação, com apoio
técnico e financeiro da União.
Depreende-se dessas alterações que passa a incorporar à educação
obrigatória também o ensino médio e a educação infantil, e que fica
delimitado o prazo até 2016 para que as redes de ensino sejam capazes
de ofertar vagas em número suficiente à efetivação do direito prescrito.
Tais alterações representam passo significativo e relevante na direção
da garantia do acesso à educação básica. Se antes a norma levava a
interpretações que afastavam do Estado o dever do oferecimento do
ensino médio gratuito, não obstante a imposição de progressiva
universalização do ensino médio, não resta dúvida agora de que a
educação básica, abrangendo educação infantil, ensino fundamental e
médio, está assegurada.
A preocupação do legislador para com a efetivação do direito à
educação básica gratuita em todas suas etapas pode ainda ser analisada
a partir do inciso VII. Sua redação original determinava a instituição de
programas suplementares ao educando no ensino fundamental para
que esse dispusesse das condições materiais mínimas para o
desenvolvimento de sua vida escolar. A nova redação determina que
tais programas devem atender a todos os educandos da educação
básica. Oliveira (1999, p. 63) ressalta a teorização sobre a necessidade
de uma “efetiva concepção de gratuidade que comporte tais serviços”.
Ora, se tais serviços constituem esforço para a efetivação da gratuidade
da educação e se devem ser estendidos também ao ensino infantil e
médio, é certo que a oferta do serviço de ensino em si terá sua
gratuidade assegurada.
O inciso IV determina a oferta de vagas em creches e pré-escolas para
crianças de zero a seis anos. Esse dispositivo não só estende o direito à
educação à referida faixa etária como abre a possibilidade de
incorporação do ensino infantil ao nível básico de educação e também
no sistema de ensino regular. Isso demonstra uma mudança de
concepção em relação a creches e pré-escolas, de instituições
assistenciais para educacionais (OLIVEIRA, 2005). Esse inciso teve sua
redação alterada pela emenda Constitucional nº 53 de 2006 de forma a
prever a oferta de educação infantil, em creches e pré-escolas, para
crianças de zero a cinco anos de idade.
Os mecanismos para reforço e garantia do direito à educação são
apresentados nos §§ 1º, 2º e 3º do artigo 208:
§ 1º O acesso ao ensino obrigatório e gratuito é direito
público subjetivo.
§ 2º O não-oferecimento do ensino obrigatório pelo poder
público, ou sua oferta irregular, importa responsabilidade
pela autoridade competente.
§ 3º Compete ao poder público recensear os educandos no
ensino fundamental, fazer-lhes a chamada e zelar, junto aos
pais ou responsáveis, pela frequência à escola.
Assim, a CF/88 reconhece que o acesso ao ensino obrigatório gratuito é
direito público subjetivo e que em caso de descumprimento do dever de
ofertá-lo a autoridade competente será responsabilizada. Conforme
observa Cury (2002 apud VIEGAS, 2003, p. 57):
“Direito público subjetivo é aquele pelo qual o titular de um
direito pode exigir direta e imediatamente do Estado o
cumprimento de um dever e de uma obrigação. O titular deste
direito é qualquer pessoa, de qualquer idade, que não tenha
tido acesso à escolaridade obrigatória na idade apropriada
ou não. [...] O sujeito deste dever é o Estado sob cuja alçada
estiver situada essa etapa da escolaridade. O direito público
subjetivo explicita claramente a vinculação substantiva e
jurídica entre o objetivo (dever do Estado) e o subjetivo
(direito da pessoa). Na prática, isto significa que o titular de
um direito público subjetivo tem assegurado a defesa, a
proteção e a efetivação imediata de um direito, mesmo sendo
negado”.
Essa explicitação quanto à subjetividade do direito è educação constitui
importante inovação apresentada pela CF/88. O texto de 1967, alterado
pela Emenda Constitucional nº 1 de 1969, reconhecia o direito à
educação como mero direito objetivo, representando apenas
características de direito declarado (VIEGAS, 2003). O não
reconhecimento explícito da educação como direito público subjetivo
nos textos constitucionais anteriores gerava extensos debates jurídicos
a esse respeito (OLIVEIRA, 1999). Com a vigência da Lei Maior de
1988 não resta dúvida sobre o acesso ao ensino obrigatório e gratuito a
que qualquer pessoa que cumpra os requisitos legais tem o direito
público subjetivo, não existindo possibilidade alguma para que o
Estado lhe negue a solicitação, posto que o direito é protegido por
expressa norma jurídica constitucional (CRETELLA, 1993).
A respeito do § 3º do artigo 208, Oliveira (1999, p. 65) escreve que:
“a realização de um levantamento consciencioso que procure
localizar o conjunto da população em idade escolar, e não
apenas aquela que já se encontra nos sistemas de ensino,
permite avaliar, de fato, as necessidades de expansão da rede
física bem como dimensionar a exclusão e avaliar o perfil de
escolarização da população de uma maneira mais acurada”.
Cabe agora destacar alguns dispositivos vigentes referentes à
organização e financiamento da educação.
O art. 211[9]dispõe sobre a organização dos sistemas de ensino:
Art. 211
§ 1º - A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios
organizarão em regime de colaboração seus sistemas de
ensino.
§ 2º – Os Municípios atuarão prioritariamente no ensino
fundamental e na educação infantil.
§ 3º – Os Estados e o Distrito Federal atuarão
prioritariamente no ensino fundamental e médio.
Tem-se assim que a educação infantil e ensino fundamental serão
oferecidos principalmente pelos munícipios, através de suas redes de
ensino. A cargo do Estado estarão também o ensino fundamental, de
forma complementar, e o ensino médio. À União cabe a gestão da rede
federal de ensino, especialmente ensino superior, mas também o papel
redistributivo e suplementar visando diminuir ou equilibrar as
disparidades regionais através de cooperação técnica e financeira.
O art. 212[10]por sua vez dispõe sobre a destinação de recursos:
Art. 212 – A União aplicará, anualmente, nunca menos de
dezoito, e os Estados, o Distrito Federal e os Municípios vinte
e cinco por cento, no mínimo, da receita resultante de
impostos, compreendida a proveniente de transferências, na
manutenção e desenvolvimento do ensino.
§ 1º – A parcela da arrecadação de impostos transferida pela
União aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios, ou
pelos Estados aos respectivos Municípios, não é considerada,
para efeito do cálculo previsto neste artigo, receita do
governo que a transferir.
§ 3º – A distribuição dos recursos públicos assegurará
prioridade ao atendimento das necessidades do ensino
obrigatório, no que se refere a universalização, garantia de
padrão de qualidade e equidade, nos termos do plano
nacional de educação.
Diferentemente do definido pela Emenda Constitucional nº 1 de 1969,
na Carta de 1988 todas as esferas de governo estão sujeitas a aplicação
mínima de recursos. Há a determinação de priorização ao atendimento
do ensino obrigatório, tanto em termos de oferta (universalização)
quanto em qualidade.
A preocupação com a garantia de um padrão mínimo de qualidade
transparece também no art. 60 dos Atos das Disposições
Constitucionais Transitórias. Alterado pela Emenda Constitucional nº
53 de 2006, o dispositivo prevê a criação do Fundo de Manutenção e
Desenvolvimento da Educação Básica. Seus recursos serão distribuídos
entre Estados e Municípios de forma a buscar um investimento
mínimo por aluno matriculado bem como a consecução e manutenção
de um padrão mínimo de qualidade definido nacionalmente.
A preocupação com a oferta de vagas pelo poder público encontra-se
mais uma vez expressa no § 1º do artigo 213, que determina que,
embora o Estado deva conceder bolsas de estudo a alunos que não
conseguirem vagas em escolas públicas, os recursos devem
obrigatoriamente ser priorizados para a expansão da oferta nos
estabelecimentos oficiais.
O artigo 214, com redação do caput dada pela Emenda Constitucional
nº 59 de 2009, determina que:
Art. 214 – A lei estabelecerá o plano nacional de educação, de
duração decenal, com o objetivo de articular o sistema
nacional de educação em regime de colaboração e definir
diretrizes, objetivos, metas e estratégias de implementação
para assegurar a manutenção e desenvolvimento do ensino
em seus diversos níveis, etapas e modalidades [...]
Assim, foram expostos acima os dispositivos constitucionais vigentes,
bem como em que medida representaram avanços em relação às
constituições anteriores no que se refere à garantia do direito à
educação.
3. Considerações Finais
Garantido o direito público subjetivo à educação, cabe ao Poder
Público empreender ações e políticas públicas para sua concretização.
O objetivo desse artigo é contribuir com o trabalho dos especialistas e
gestores públicos que atuam na área, ao apresentar um quadro que
permita compreender a evolução do direito à educação nas
constituições brasileiras. Acredita-se que esse conhecimento constitua
parte da base fundamental para projetos nessa área, ainda tão carente
de ações eficazes.
Referências Bibliográficas
BALEEIRO, Aliomar.; SOBRINHO, Barbosa Lima. Constituições
Brasileiras: 1946. Brasília: Senado Federal e Ministério da Ciência e
Tecnologia, Centro de Estudos Estratégicos, 2001.