Antonio ROAZZI, Alexsandro Medeiros do Nascimento, & Estefania Elida da Silva Gusmão. O Significado do Apego e da Interação Social no Desenvolvimento do Self, Autoconsciência e Teoria da Mente. In: Ronald Taveira; Estefânea Élida da Silva...
moreAntonio ROAZZI, Alexsandro Medeiros do Nascimento, & Estefania Elida da Silva Gusmão. O Significado do Apego e da Interação Social no Desenvolvimento do Self, Autoconsciência e Teoria da Mente. In: Ronald Taveira; Estefânea Élida da Silva Gusmão (Orgs). (Org.). PSICOLOGIA: Conceitos, Técnicas e Pesquisas VOL I. 1ed. Curitiba, PR: CRV, 2013, pp. 109-144. ISBN 978-85-8042-646-5
Depois de mais de quatro décadas de sua formulação, a teoria do apego está se tornando um ponto de referência para aqueles que trabalham em psicologia do desenvolvimento, psicologia social, neuropsicologia, psicopatologia, neuropsiquiatria e por todos aqueles que encontram na mesma uma valiosa contribuição na prática da psicologia clínica e psicoterápica. A própria visão da Infância vem sendo revisada e revisitada. De fato, a partir da pesquisa atual na área psicossocial, emerge a imagem de uma criança que desempenha um papel ativo em seu desenvolvimento.
A criança desde o nascimento é capaz de estabelecer relações significativas, embora assimétricas, em relação ao cuidador adulto. Nas trocas interativas, demonstra a sua capacidade de auto-regular os seus comportamentos através de mecanismos de feedback com aqueles que interagem de forma estreita com ela.
Os recém-nascidos são dotados dos requisitos perceptuais e estruturas temporais (ritmos na alimentação, os padrões de sono, etc.) que lhe permitem o contato com a figura do adulto que toma conta dele.
Estudos realizados por Bowlby e seus colegas têm evidenciado como a relação inicial que cada criança estabelece com sua mãe depende de uma necessidade inata de entrar em contato com os membros de sua espécie, e o comportamento de apego é aquele comportamento que a criança manifesta em relação à figura do adulto cuidador, que a considera capaz de enfrentar o mundo de uma forma adequada. Este comportamento torna-se evidente cada vez que a criança fica com medo, está cansada, doente, e diminui quando é confortada e cuidada.
Se o objetivo externo do sistema de apego é garantir a proximidade com o cuidador, o interno é motivar a criança para a busca de uma segurança interna.
A tarefa biológica e psicossocial da figura adulta cuidadora é a de ser uma base segura para a criança, a partir da qual a criança pode olhar e explorar o mundo exterior tendo a certeza que sempre poderá voltar e sabendo que ela será bem-vinda, alimentada, tranquilizada e confortada.
Assim, o papel do cuidador é de estar disponível e receptivo quando for solicitado, e intervindo apenas quando for necessário. O apego originário com a figura cuidadora se consubstancia em um protótipo da segurança interior para a inteiro ciclo de vida da pessoa, persistindo ao longo do tempo e tornando-se uma base segura a partir da qual o individuo inicia sua existência de forma autônoma e com confiança na vida.
A bidirecionalidade desta primeira troca possibilita à criança o desenvolvimento de um sentimento de segurança e confiança em si mesma, além de reforçar sua relação com o adulto.
Se o adulto demonstra ser sensível e competente, a criança irá se sentir parte do circulo familiar, mesmo nos momentos mais críticos da vida. Instaura-se assim um círculo virtuoso no qual a criança tem a possibilidade de fortalecer sua auto-estima e a capacidade de gerir de forma adequada as situações da vida que usualmente confrontam o ser humano.
Se alguma coisa não funciona neste primeiro momento da vida da criança quando são instauradas as primeiras interações, a criança poderá estabelecer formas de comportamento que podem ajudá-lo a se defender, embora de maneira disfuncional para o seu crescimento e sua prosperidade futura. Nesse sentido, a indisponibilidade da figura de referência adulta, de quem a criança depende para sua proteção e sobrevivência, vai criar na criança uma vulnerabilidade em relação ao medo da perda do outro.
Esta primeira troca interativa e a consequente segurança (ou insegurança) interna que a criança desenvolve estão relacionadas com a futura capacidade de auto-realização.
A capacidade de enfrentar situações em momentos críticos ou de mudança irá depender da forma como construiu o seu self desenvolvido nesta fase da vida. O sentido do seu self e a auto-estima conseqüente são formados e desenvolvidos de acordo com esta relação primária estabelecida na primeira infância.
Além disso, o vínculo que a criança vivencia nessa relação com o cuidador irá modelar os laços subseqüentes, porque o indivíduo no momento do contato com o outro carrega consigo toda a bagagem das experiências anteriores.
A auto-imagem que desenvolve um indivíduo que teve um apego seguro é de uma pessoa amorosa, digna de ser amada, com boa auto-estima, que tem confiança nos outros (mas não de maneira indiscriminada). Será uma pessoa amável com as pessoas amigas, precavido com aquelas que percebe como hostis; irá cuidar de si mesmo e de seus entes queridos, não irá confiar em pessoas desconhecidas, será seletivo no estabelecimento de relações empáticas e em se abrir para os outros, vai saber como conseguir o apoio dos outros.
Uma vez que a dinâmica de apego marca indelevelmente a estrutura subjetiva dos indivíduos deixando vieses estruturais pervasivos para a vida adulta e ao longo de todo o ciclo vital, há que se conhecer melhor as relações entre os tipos de apego e o desenvolvimento do Self tomado em relação a sistemas cognitivos que lhes são tributários como a Teoria da Mente, e a Autoconsciência, campos que tiveram um robusto incremento de teorização nos últimos anos (MORIN, 2005; NASCIMENTO, 2008), à luz do significado das Interações Sociais com outros significativos, em especial, do contexto parental e familial, que sabe-se seguramente por acervo de pesquisa existente (ver AIKINS, HOWES & HAMILTON, 2009; AINSWORTH, BLEHAR, WATERS & WALL, 1978; BOWLBY, 1989; MORIN, 2005; NASCIMENTO, 2008; NASCIMENTO & ROAZZI, NO PRELO; WATERS, MERICK, TREBOUX, CROWELL & ALBERSHEIM, 2000) ser de fundamental importância para o desenvolvimento desses sistemas psicológicos.
Este trabalho visa lançar as bases de uma primeira sistematização de um olhar sobre os sistemas de apego humano em suas conexões estruturais e ontogenéticas com as capacidades humanas de construção de modelos mentais dos outros (teoria da mente) e de prestar atenção a si mesmos (autoconsciência), sistemas subsidiários ao sistema cognitivo responsável pelo comportamento autodirigido e autorreferencial – o Self. Com essa exploração teórica inicial, visa-se lançar uma agenda de pesquisa que capture organicamente o desenvolvimento em tempo real e suas conseqüências futuras dos sistemas de Apego, Teoria da Mente, Autoconsciência e Self, tomados conjuntamente em suas profundas e ainda pouco conhecidas conexões.