Esta comunicação tem por objetivo apresentar questionamentos em torno da ideia geral de que determinados gêneros de música popular representam realidades sociais. Como exemplo, tomarei aqui o caso do rap, gênero musical surgido na década...
moreEsta comunicação tem por objetivo apresentar questionamentos em torno da ideia geral de que determinados gêneros de música popular representam realidades sociais. Como exemplo, tomarei aqui o caso do rap, gênero musical surgido na década de 1970 no gueto nova-iorquino do South Bronx num contexto de grandes reconfigurações sociais, econômicas, políticas e culturais por que a cidade de Nova York então passou.
Tendo chegado ao Brasil na década seguinte ao seu surgimento, o rap incorporou elementos e temáticas locais, sem que deixasse de compartilhar com sua contraparte estadunidense uma característica comum, qual seja, a de ser um elemento importante da cultura negra, juvenil e das periferias urbanas contemporâneas, sobretudo em grandes cidades. Provavelmente por seu vínculo com contextos marcados por criminalização da juventude, por diversos problemas envolvidos nos processos de urbanização das grandes urbes e pela estrutura racista do Brasil e dos Estados Unidos (em que pesem suas diferenças), o rap tenha se constituído publicamente como uma forma artística que tem como característica a representação, narração ou construção de crônicas da realidade. Esta caracterização se institui ao menos de duas formas.
Em primeiro lugar, uma parcela da literatura especializada sobre o rap no Brasil (fazendo coro tanto ao imaginário forjado pela indústria da música e pelos meios de comunicação quanto à imagem do rap produzida no seio da própria cultura hip-hop) trata o rap como retrato ou documento da realidade, o que pode se verificar a partir de algumas premissas realistas em termos teóricos ou metodológicos. Em segundo lugar, alguns autores têm se empenhado em discutir o uso de certos recursos poéticos e vocais enquanto formas de introdução de elementos reais na estrutura poética, sonora e performática das canções de rap.
Pretendo questionar o estatuto ontológico de realidade implicado nestas duas vertentes de discussão do rap a partir da retomada do conceito de efeito de real/idade, empregado aqui para pensar aspectos do tratamento estético dispensado por MC’s e DJ’s aos materiais musicais e poéticos das canções que executam.
A partir deste conceito, tentarei recuperar para o rap uma dimensão sua eminentemente estética que visa contornar não só os problemas analíticos anteriormente levantados, mas, sobretudo, abrir um caminho de argumentação mais consistente para pensar o rap como recurso cultural utilizado em contextos de disputa política e produção de identidades.