Nada ortodoxa, série da Netflix lançada em 2020, traz ingredientes culturais e rituais praticamente desconhecidos do público em geral, e provoca a reflexão sobre o motivo pelo qual as particularidades da ortodoxia judaica caíram no gosto...
moreNada ortodoxa, série da Netflix lançada em 2020, traz ingredientes culturais e rituais praticamente desconhecidos do público em geral, e provoca a reflexão sobre o motivo pelo qual as particularidades da ortodoxia judaica caíram no gosto popular Em recente conversa com amigos a propósito das séries Shtisel (Netflix, 2018) e Nada ortodoxa (Netflix, 2020), que retratam "dilema normativos no interior de comunidades ortodoxas judaicas, fui surpreendida com a seguinte questão: por que cargas d'água as particularidades da ortodoxia judaica caíram no gosto popular? A série Nada ortodoxa é uma entre tantas que, recentemente, trazem o tema da religiosidade judaica em suas versões mais excêntricas, ou mesmo mais exóticas, para audiências mais amplas. Comparadas a outros gêneros fílmicos bastante populares-os bíblicos ou os sobre o Holocausto-tais séries revelam uma nova angular a respeito dos judeus e do judaísmo na contemporaneidade. Resta indagar por que a atmosfera ortodoxa e fechada de comunidades haredim vem atraindo a curiosidade de um público amplo, ou, em outra direção, será o modus vivendi da ortodoxia judaica e seus valores a real razão desse interesse? Vamos à série. Em quatro episódios e protagonizada pela excelente atriz Shira Hass (Esthy ou Esther), que também atuou na série Shtisel, baseia-se nas memórias de Deborah Feldman, autora do bestseller Unortodox: the schandalous rejection of my Hasidic roots (2012). A série relata a fuga de Esthy, grávida e frustrada com seu casamento, de um mundo fechado, auto-referido e temente a Deus, para uma Berlim cosmopolita, democrática e livre. Aparentemente uma narrativa linear da trajetória de um mundo fechado a um universo infinito. Só que não! Ao modo de um thriller, a série nos brinda com flashbacks dinâmicos, com sensíveis estranhamento culturais, perseguições, transformações físicas, dilemas morais, encantamentos e desencantamentos. Um turbilhão de emoções em um corpo pequeno, ao mesmo tempo frágil e potente, o corpo de Esthy. Glossário Haredi: temente ou temeroso, em hebraico. Refere-se ao judeu praticante do judaísmo ortodoxo. Satmar: grupo hassídico originário da cidade de Szatmárnémeti, na Hungria, e fundado pelo Rabino Joel Teitelbaum. Após a Segunda Guerra Mundial, foi reconstruído no Brooklyn, em Nova York, tornando-se um dos maiores movimentos hassídicos do mundo. Hallachá: é um conjunto de preceitos referidos aos hábitos, observâncias, costumes, modo de agir e práticas sociais do judaísmo. Asquenazim: judeus originários da Europa central e da Europa oriental. A série possui imensas qualidades. Enfatizo, em particular, o cuidado com as reconstituições da comunidade Satmar: cenários, vestimentas, o gestual do universo ortodoxo e o ídiche falado pelos personagens. Ingredientes culturais e rituais praticamente desconhecidos de judeus seculares e, mais ainda do público em geral. Essas já seriam razões para a boa acolhida. Há mais, contudo O foco em uma comunidade de judeus ortodoxos é o pretexto para despertar a curiosidade e o estranhamento. A comunidade Satma de judeus ortodoxos de Williamsburg, no Brooklyn, Nova York, é uma espécie de seita religiosa que cultiva a autoexclusão do mundo secular e moderno, com base em regras rígidas de comportamento (a Hallachá) que fundamentam o seu modus vivendi. Os