Coordenadores
Alexandre Agra Belmonte
Luciano Martinez
Ney Maranhão
DIREITO DO TRABALHO
NA CRISE DA
COVID-19
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Tel: (71) 3045.9051
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José Henrique Mouta, José Marcelo Vigliar, Marcos Ehrhardt Júnior, Nestor Távora, Robério Nunes Filho, Roberval Rocha
Ferreira Filho, Rodolfo Pamplona Filho, Rodrigo Reis Mazzei e Rogério Sanches Cunha.
Capa: Ana Caquetti
Diagramação: Ana Paula Lopes Corrêa (aninha_lopescorrea@hotmail.com)
D598
O Direito do Trabalho na crise da COVID-19 / coordenadores Alexandre Agra
Belmonte, Luciano Martinez, Ney Maranhão – Salvador: Editora JusPodivm, 2020.
Vários autores.
Inclui bibliografia.
ISBN 978-85-442-3487-7.
1. Direito do trabalho. 2. Crise econômica. I. Belmonte, Alexandre Agra. II. Martinez,
Luciano. III. Maranhão, Ney. IV. Título.
CDD 342.6
Todos os direitos desta edição reservados à Edições JusPODIVM.
É terminantemente proibida a reprodução total ou parcial desta obra, por qualquer meio ou processo, sem a expressa
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em vigor, sem prejuízo das sanções civis cabíveis.
SUMÁRIO
Seção I
OS PRESSUPOSTOS HISTÓRICOS, AXIOLÓGICOS,
SOCIOLÓGICOS E ECONÔMICOS
1
PANDEMIAS QUE ASSOLARAM A HUMANIDADE
Fernando Belfort ....................................................................................................................................................................
17
2
DEJÀ-VU HISTÓRICO, NORMATIVIDADE E SOCIEDADE EM MUTAÇÃO: O DIREITO
EM QUARENTENA NAS MEDIDAS DE PREVENÇÃO CONTRA O COVID-19
Aloysio Corrêa da Veiga / Roberta Ferme Sivolella ........................................................................................
49
3
INTERPRETAÇÃO JURÍDICA EM TEMPOS DE PANDEMIA
Luiz Carlos Amorim Robortella / Antonio Galvão Peres ..............................................................................
75
Seção II
OS VETORES CONSTITUCIONAIS
1
FRATERNIDADE ENQUANTO CATEGORIA CONSTITUCIONAL EM TEMPOS DE CORONAVÍRUS
Flávia Moreira Guimarães Pessoa .............................................................................................................................
91
O DIREITO DO TRABALHO NA CRISE DA COVID-19
2
O VETOR CONSTITUCIONAL DA SOLIDARIEDADE EM TEMPOS DE CORONAVÍRUS
Antonio Carlos Aguiar ......................................................................................................................................................... 101
3
O VETOR CONSTITUCIONAL DA SEGURANÇA JURÍDICA EM TEMPOS DE CORONAVÍRUS
Tereza Aparecida Asta Gemignani ............................................................................................................................ 113
4
DIREITO FUNDAMENTAL À INFORMAÇÃO EM TEMPOS DE CORONAVÍRUS
Luiz Eduardo Gunther / Marco Antônio César Villatore / André Jobim de Azevedo ................. 123
5
O VETOR CONSTITUCIONAL DA ISONOMIA EM TEMPOS DE CORONAVÍRUS
Eduardo Henrique Raymundo von Adamovich.................................................................................................. 139
6
DIREITO FUNDAMENTAL À PRECAUÇÃO EM TEMPOS DE CORONAVÍRUS
Marcelo Rodrigues Prata .................................................................................................................................................. 151
7
DIREITO FUNDAMENTAL À PREVENÇÃO EM TEMPOS DE CORONAVÍRUS
Rosita de Nazaré Sidrim Nassar ................................................................................................................................. 163
8
DEVER FUNDAMENTAL DE COOPERAÇÃO EM TEMPOS DE CORONAVÍRUS
Pedro Paulo Teixeira Manus / Suely Ester Gitelman ..................................................................................... 177
9
O VETOR CONSTITUCIONAL DA LIBERDADE ECONÔMICA EM TEMPOS DE CORONAVÍRUS
Renato Rua de Almeida..................................................................................................................................................... 185
10
A EDIÇÃO DE MEDIDAS PROVISÓRIAS EM TEMPOS DE CORONAVÍRUS
Manoel Jorge e Silva Neto ................................................................................................................................................ 199
8
SUMÁRIO
11
O PAPEL DO MINISTÉRIO PÚBLICO – EM ESPECIAL DO MINISTÉRIO PÚBLICO
DO TRABALHO – NO ENFRENTAMENTO DE PROBLEMÁTICAS ESTRUTURAIS DECORRENTES DO CONTEXTO PANDÊMICO
Gisele Santos Fernandes Góes / Ney Maranhão ............................................................................................. 209
Seção III
1
A TEORIA GERAL DO DIREITO
DO TRABALHO
UM NOVO NORMAL PARA O DIREITO DO TRABALHO
Carolina Tupinambá Faria / Marina Novellino Valverde.............................................................................. 221
2
NORMAS REGULAMENTADORAS E SAÚDE DO TRABALHADOR EM TEMPOS DE
CORONAVÍRUS
José Affonso Dallegrave Neto ....................................................................................................................................... 239
3
O DEVER DE ACOMODAÇÃO RAZOÁVEL EM FAVOR DOS EMPREGADOS IMUNODEFICIENTES NOS TEMPOS DO CORONAVÍRUS
Luciano Martinez / Aloísio Cristovam dos Santos Júnior............................................................................ 257
4
A COVID-19 E O ADOECIMENTO OCUPACIONAL
Cláudio Brandão ..................................................................................................................................................................... 279
5
AS RESPONSABILIDADES SECURITÁRIA SOCIAL E CIVIL-TRABALHISTA NOS CASOS DE ADOECIMENTO PELO CORONAVÍRUS
Luciano Martinez ................................................................................................................................................................... 295
6
A SUSPENSÃO DA PRESCRIÇÃO EM TEMPO DE CORONAVÍRUS
Ney José de Freitas ............................................................................................................................................................... 303
9
O DIREITO DO TRABALHO NA CRISE DA COVID-19
Seção IV
A RELAÇÃO INDIVIDUAL
DE TRABALHO
1
AUSÊNCIAS AO TRABALHO EM TEMPOS DE CORONAVÍRUS
Gustavo Filipe Barbosa Garcia ..................................................................................................................................... 317
2
INCIDÊNCIA DO ART. 62 DA CLT EM TEMPOS DE CORONAVÍRUS
Marcelo Rodrigues Prata / Eduardo Pragmácio Filho .................................................................................. 325
3
TELETRABALHO EM TEMPOS DE CALAMIDADE POR COVID19: IMPACTO DAS
MEDIDAS TRABALHISTAS DE URGÊNCIA
Gilberto Stürmer / Denise Fincato ............................................................................................................................. 341
4
FÉRIAS EM TEMPOS DE COVID-19: ANÁLISE DA MP N. 927/2020 À LUZ DOS
NOVOS PRINCÍPIOS CONTRATUAIS
Paulo Régis Machado Botelho...................................................................................................................................... 365
5
LIMITES DA NEGOCIAÇÃO INDIVIDUAL EM TEMPOS DE CORONAVÍRUS
Thereza C. Nahas / Yone Frediani ............................................................................................................................... 381
6
VALIDADE CONSTITUCIONAL DE ACORDO INDIVIDUAL E REDUÇÕES DE CARGA
HORÁRIA E DE SALÁRIOS
André Jobim de Azevedo / Luiz Eduardo Gunther / Marco Antônio César Villatore ................. 401
7
COVID-19 – REDUÇÃO DE SALÁRIO E JORNADA. CONSTITUCIONALIDADE
Sônia A. C. Mascaro Nascimento................................................................................................................................. 421
10
SUMÁRIO
8
GARANTIAS PROVISÓRIAS DE EMPREGO NO MARCO DAS MEDIDAS PROVISÓRIAS DA COVID-19
Jorge Cavalcanti Boucinhas Filho ................................................................................................................................ 425
9
IMPREVISÃO, FORÇA MAIOR, FATO DO PRÍNCIPE E AS NORMAS EXCEPCIONAIS
E TEMPORÁRIAS PARA ENFRENTAMENTO DOS IMPACTOS DA COVID-19 NAS
RELAÇÕES DE TRABALHO
Alexandre Agra Belmonte ................................................................................................................................................ 435
10
COVID-19: FORÇA MAIOR E FATO DO PRÍNCIPE
Georgenor de Sousa Franco Filho / Ney Maranhão ....................................................................................... 459
11
O FATO DO PRÍNCIPE E AS NORMAS ADMINISTRATIVAS DE SUSPENSÃO DE
FUNCIONAMENTO DE ESTABELECIMENTOS NA PANDEMIA DO COVID-19
Guilherme Guimarães Ludwig ....................................................................................................................................... 471
12
SAQUE DE FGTS EM TEMPOS DE CORONAVÍRUS
Carolina Tupinambá / Otavio Amaral Calvet ...................................................................................................... 487
Seção V
A RELAÇÃO COLETIVA
DE TRABALHO
1
SINDICALISMO E PANDEMIA: REFLEXÕES CRÍTICAS
Ney Maranhão / Felipe Prata Mendes .................................................................................................................... 507
2
ATUAÇÃO SINDICAL EM TEMPOS DE CORONAVÍRUS
Joselita Nepomuceno Borba........................................................................................................................................... 525
11
O DIREITO DO TRABALHO NA CRISE DA COVID-19
3
A LIMITAÇÃO DA ATUAÇÃO SINDICAL EM TEMPOS DE PANDEMIA
Ricardo Pereira de Freitas Guimarães ..................................................................................................................... 563
4
REDUÇÃO SALARIAL EM TEMPOS DE CORONAVÍRUS: ATUAÇÃO SINDICAL COMO
MEDIDA DE JUSTIÇA
José Claudio Monteiro de Brito Filho ........................................................................................................................ 575
5
PROCEDIMENTO NEGOCIAL COLETIVO EM TEMPOS DE CORONAVÍRUS
Bento Herculano Duarte Neto....................................................................................................................................... 583
6
GREVE AMBIENTAL EM TEMPOS DE CORONAVÍRUS
Raimundo Simão de Melo................................................................................................................................................ 605
Seção VI
OS CONTRATOS ESPECIAIS
1
TRABALHADOR DOMÉSTICO EM TEMPOS DE CORONAVÍRUS
André Jobim de Azevedo / Luiz Eduardo Gunther / Marco Antônio César Villatore ................. 623
2
TRABALHO PORTUÁRIO E ATIVIDADE AEROPORTUÁRIA: APONTAMENTOS SOBRE AS MPs n. 925 E 945/2020
Georgenor de Sousa Franco Filho ............................................................................................................................... 655
3
TRABALHADORES DE APLICATIVOS E DIREITO À SAÚDE EM TEMPO DE CORONAVÍRUS
Sandro Nahmias Melo........................................................................................................................................................ 663
4
IMPACTOS TRABALHISTAS DO CANCELAMENTO DE SERVIÇOS, RESERVAS E
EVENTOS DOS SETORES DE TURISMO E CULTURA EM TEMPOS DE PANDEMIA
(COVID-19). MEDIDA PROVISÓRIA Nº 948/2020
Vicente José Malheiros da Fonseca ........................................................................................................................... 673
12
SUMÁRIO
Seção VII
O PROCESSO DO TRABALHO
1
ALGUNS IMPACTOS DA PANDEMIA DO CORONAVÍRUS NO PROCESSO DO TRABALHO
Bruno Freire / Patrícia Brandão................................................................................................................................... 701
2
CONTAGEM DE PRAZOS PROCESSUAIS DURANTE A COVID-19
Vitor Salino de Moura Eça ............................................................................................................................................... 715
3
REPERCUSSÕES DO FATO DO PRÍNCIPE NO PROCESSO DO TRABALHO: PRIMEIRAS IMPRESSÕES CIENTÍFICAS
Sérgio Torres Teixeira / Ney Maranhão / Felipe Bernardes....................................................................... 721
4
AUDIÊNCIAS POR VIDEOCONFERÊNCIA EM DISSÍDIOS COLETIVOS
EM TEMPO DE CORONAVÍRUS – DE VOLTA AO COMEÇO
Tereza Aparecida Asta Gemignani.............................................................................................................................. 745
Seção VIII
A FISCALIZAÇÃO DO TRABALHO
1
FISCALIZAÇÃO DO TRABALHO EM TEMPOS DE CORONAVÍRUS
Nelson Mannrich .................................................................................................................................................................... 757
Seção IX
OS COMENTÁRIOS GERAIS ÀS NORMAS SOBRE
O TRABALHO NOS TEMPOS DO CORONAVÍRUS
1
PANORAMA DAS ALTERAÇÕES TRABALHISTAS DURANTE A PANDEMIA DA COVID-19
Rodolfo Pamplona Filho / Leandro Fernandez.................................................................................................. 773
13
O DIREITO DO TRABALHO NA CRISE DA COVID-19
2
COMENTÁRIOS À MEDIDA PROVISÓRIA 936/20
Vólia Bomfim Cassar ........................................................................................................................................................... 783
3
CONSIDERAÇÕES SOBRE AS MEDIDAS ADOTADAS PELO BRASIL PARA SOLUCIONAR OS IMPACTOS DA PANDEMIA DO COVID-19 SOBRE OS CONTRATOS DE TRABALHO E NO CAMPO DA SEGURIDADE SOCIAL E DA PREVENÇÃO DE RISCOS LABORAIS
Thereza C. Nahas / Luciano Martinez ...................................................................................................................... 803
14
2
DEJÀ-VU HISTÓRICO, NORMATIVIDADE
E SOCIEDADE EM MUTAÇÃO: O DIREITO
EM QUARENTENA NAS MEDIDAS DE
PREVENÇÃO CONTRA O COVID-19
Aloysio Corrêa da Veiga1
Roberta Ferme Sivolella2
“Para dizer simplesmente o que se
aprende no meio dos flagelos: que
há nos homens mais coisas a admirar do que a desprezar”.
Albert Camus
I. Considerações iniciais
Naquele tempo, “era extremamente rápida a velocidade de contágio, o período de
incubação era curto e o número de pessoas acometidas pela moléstia, muito elevado,
como também o grau de letalidade. Os sintomas eram variados” 3. O que também se via,
“era que os diferentes sintomas da moléstia levaram a opinião médica a dividir-se quanto
à forma de tratamento a adotar, fragmentando o discurso da comunidade médica” 4. A
1.
2.
3.
4.
Ministro do Tribunal Superior do Trabalho. Corregedor Geral da Justiça do Trabalho.
Juíza auxiliar da CGJT. Juíza do Trabalho da Justiça do Trabalho da 1ª Região (RJ).
GOULART, Adriana da Costa. Revisitando a espanhola: a gripe pandêmica de 1918 no Rio de Janeiro.
Hist. cienc. Saúde-Manguinhos, Rio de Janeiro, v. 12, n. 1, p. 101-142, Apr. 2005. Available
from <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0104-59702005000100006&lng=e
n&nrm=iso>. access on 15 Apr. 2020. https://doi.org/10.1590/S0104-59702005000100006.
Idem.
O DIREITO DO TRABALHO NA CRISE DA COVID-19
pandemia avançava, de modo que, “rapidamente, a cidade se viu vacilar à beira de um
colapso. O Correio da Manhã, na sexta feira do dia 17 de janeiro de 1919, trazia a notícia que consternara o povo brasileiro da morte do Presidente Eleito Rodrigues Alves,
vitimado pela endemia e o Jornal do Commercio, de 22 de janeiro, anunciava que em
Portugal a gripe pneumônica grassa violenta e as autoridades sanitárias tomaram enérgicas providências para impedir o desenvolvimento da epidemia5 Faltavam alimentos,
remédios, médicos, hospitais que recolhessem os doentes mais graves” 6. Sem dúvidas,
“era necessário emoldurar a doença para torná-la compreensível e emocionalmente mais
tolerável”.
A narrativa poderia muito bem se referir ao cenário mundial nos primeiros meses
de 2020. Ou mesmo a um artigo escrito no futuro, contando às gerações vindouras
sobre a pandemia do denominado corona vírus. Mas, na verdade, são trechos de um
texto sobre a gripe espanhola de 1918. E, neste entremeio de “dejà-vu” da humanidade
com uma mutação de velocidade ímpar, quase “viral”, de seus costumes sociais, o direito
segue como paciente ansioso por novos princípios e procedimentos capazes de lidar com
a ponderação de valores do imprevisível.
II. Competência e normatividade: o Direito se equilibra em meio ao novo cenário
Não há dúvidas de que a pandemia do COVID-19 mesclou ingredientes aptos a
ensejar um verdadeiro caos social e institucional: a necessidade repentina de mudança
de hábitos sociais arraigados de convivência, a ausência de elementos normativos pré-estabelecidos e a promessa de letalidade, chegaram sem avisar também à comunidade
jurídica, a qual assistiu, em poucas semanas, uma alteração completa de paradigmas concernentes à maneira com que os operadores do direito se relacionam com a sociedade, e
ao próprio modus operandi do Poder Judiciário.
O isolamento social, nunca experimentado por nós, trouxe com ele uma transformação profunda na forma de relacionamento, a desenvolver mecanismos capazes de superar a distância e proporcionar, na medida do possível, o atendimento de necessidades
essenciais, notadamente no que concerne o respeito aos princípios constitucionais da
cidadania e da dignidade da pessoa humana.
Numa velocidade paralela à disseminação do novo vírus, Atos Normativos, Resoluções, Portarias e Recomendações de todas as esferas do Poder Judiciário tentaram
coadunar a necessidade de medidas urgentes de prevenção destinadas aos usuários e
prestadores de serviços judiciários, com a premência inafastável da continuidade da prestação jurisdicional. Como exemplo, no âmbito da Justiça do Trabalho, as Recomendações oriundas de sua Corregedoria Geral, indicando, ao mesmo tempo, a instituição de
trabalho preferencialmente remoto, e o estabelecimento de metas de produtividade, com
a manutenção, inclusive, de sessões virtuais (Recomendação CGJT 3/2020); a indicação
5.
6.
50
In – hemeroteca digital brasileira.
Ibidem.
Cap. 2 • DEJÀ-VU HISTÓRICO, NORMATIVIDADE E SOCIEDADE EM MUTAÇÃO
de suspensão de prazos unicamente processuais, sem desconto nos prazos de magistrados
para prolação de decisões (Recomendação CGJT 4/2020 e Recomendação 6/2020); a
indicação de priorização de atos em execução, com prolação de atos decisórios (Recomendação CGJT 5/2020). Tais diretrizes seguiram o caminho que já vinha sido traçado
pelo Conselho Nacional de Justiça, ao conceituar o período pandêmico como plantão
extraordinário tão somente para fins de suspensão da atividade presencial, com plena
continuidade dos serviços em trabalho remoto nas atividades consideradas essenciais, e
pelo art. 3º, II dos Atos GDGSET. GP/TST de números 126 e 132 de 17 e 19 de março de 2020, respectivamente, quando enumeraram a elaboração de despachos e decisões
judiciais e administrativas como atividade essencial, suspendendo-se somente as atividades
presenciais (art. 1º dos referidos Atos).
Segundo ALVIM e DANTAS7, cobra-se do Juiz em sua atividade cotidiana uma
decisão justa e funcional, cuja solução não emerja com clareza do texto da lei, optando
por uma “concretização da ideia de justiça que esteja embutida no sistema jurídico”, de
modo que o direito passe a ser compreendido sob o ângulo do papel que exerce8.No cenário da pandemia, essa cobrança se torna mais contundente. Ao lado da produtividade
crescente e altamente divulgada9, atingida por meio dos noveis instrumentos de prestação jurisdicional como as audiências e sessões por videoconferência10, os magistrados
se confrontam com a angústia de proferir decisões rápidas, capazes de atender às novas
urgências demandadas, e, ao mesmo tempo, sem parâmetro normativo estanque ou claro a nortear as medidas a serem implementadas. A cada dia, junto às mudanças exponenciais nas estatísticas de contágio e letalidade, e à dinâmica do prognóstico crescente
da duração da quarentena e do isolamento social, surgem novos questionamentos, a
partir de premissas básicas, como, por exemplo, a discussão acerca da competência concorrente entre a União e os demais membros da federação para estabelecer o conceito de
atividades essenciais que irá nortear todo o arcabouço normativo consequente a regular
o funcionamento social durante o período da pandemia. Essa foi, aliás, a discussão que
permeou a primeira grande sessão Plenária do Supremo Tribunal federal por videoconferência ocorrida em 15/04/20, que tinha na pauta o julgamento das Ações Diretas de
Inconstitucionalidade nºs 6.341 e 6.343, debatendo a constitucionalidade das MPs 926
7.
8.
9.
10.
ALVIM, Teresa Arruda e DANTAS, Bruno. Recurso Especial, Recurso Extraordinário e a Nova Função
dos Tribunais Superiores no Direito Brasileiro. 4ª ed. rev, atualizada e ampliada. São Paulo: Thomson
Reuters Revista dos Tribunais, 2017. P 54 e 55.
Idem.
Como exemplo, na Justiça do Trabalho, além dos índices divulgados pelos Tribunais Regionais, no
âmbito do Tribunal Superior do Trabalho, http://www.tst.jus.br/web/guest/covid-19-atos-e-produtividade. Além disso, na Justiça Federal, os índices também têm tido divulgação ampla por meio de
plataforma digital diária. Disponível em https://app.powerbi.com/view?r=eyJrIjoiM2U3M2ZlNzItZWFkOC00ZDQyLTg4YzgtOTE5NTJlNGRkODI3IiwidCI6Ijk2MzgxOWY2LWUxYTMtNDkxYy1hMWNjLTUwOTZmOTE0Y2Y0YiJ9 .
Vide, nesse ponto, a Portaria Nº 61 de 31/03/2020 e a Resolução 105, de 06/04/20, ambas do Conselho Nacional de Justiça, o Ato Conjunto 159/TST.GP.GVP.CGJT, de 6 de abril de 2020, no Tribunal
Superior do Trabalho, e a Resolução 672/2020, de 26 de março de 2020, do Supremo Tribunal Federal.
51
O DIREITO DO TRABALHO NA CRISE DA COVID-19
e 927, além da Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão (ADO) 56, referente
à criação de programa de renda mínima emergencial, todas relacionadas ao evento pandêmico e suas enormes repercussões jurídicas.
Em verdade, o panorama atual da pandemia do COVID-19, por si só, já enseja
uma situação excepcional e sem precedentes a ser lidada. E, nesse contexto, os atos normativos que regem as fórmulas legais do processo, assim como as medidas de urgência
a serem aplicadas e determinadas pelo intérprete do direito, se revestem de contornos
não usuais. Por se tratar de estado de calamidade decorrente de mazela ligada à saúde,
sobressaem as orientações do Ministério da Saúde para respaldar as medidas de prevenção práticas, sob a competência delegada de “promover a saúde da população mediante a
integração e a construção de parcerias com os órgãos federais, as unidades da Federação, os
municípios, a iniciativa privada e a sociedade, contribuindo para a melhoria da qualidade
de vida e para o exercício da cidadania” (Decreto nº 9.203, de 22 de novembro de 2017;
Lei nº 8.080/1990 e Decreto nº 8.901, de 10 de outubro de 2016), e, no âmbito das
relações de trabalho também em relação às medidas práticas, do Ministério da Economia, mediante os contornos definidos por meio de leis, medidas provisórias e decretos
presidenciais, segundo sua área de competência. Como exemplos, a Lei 13.979/2020, o
Decreto 10.282/2020 e as Medidas Provisórias 926, 927 e 936/2020.
Por óbvio, no topo da pirâmide se encontra a Constituição Federal, razão pela
qual, desde o seu nascedouro, as constantes medidas governamentais editadas têm sido
objeto de questionamento imediato perante o Supremo Tribunal Federal, em seu mister
de Corte Constitucional. Como exemplo, além do já citado julgamento das ADIs6.341
e 6.343, a ADI 6363, na qual, debatendo a constitucionalidade da polêmica MP
936/2020, foi deferida liminar, com esclarecimento por parte do Ministro relator Ricardo Lewandowski, em sede de embargos declaratórios, no sentido de que são válidos
e legítimos os acordos individuais celebrados na forma da referida medida provisória,
produzindo efeitos imediatos, e subsistindo integralmente na inércia do sindicato.
No entanto, no julgamento pelo Plenário do Supremo Tribunal Federal, prevaleceu
o entendimento contrário ao do Ministro Lewandowski, o do voto divergente do Ministro Alexandre de Moraes, o que levou o Plenário, por maioria, cassar a liminar então
concedida.
A polêmica acerca do alcance das medidas emergenciais, e da necessidade de diálogo social e participação dos atores sociais afetos às relações de trabalho segundo sua
natureza dispare originalmente desigual- permeia com maior intensidade o cotidiano do
direito do trabalho. Isto porque as ditas relações, já sobremaneira flexibilizadas em suas
garantias por meio da denominada reforma trabalhista de 2017, recebe duplo impacto
da pandemia, já que, ao mesmo tempo em que envolvem, para a continuidade, a “quebra” do isolamento social, possibilitando ao empregado maior exposição à contaminação, também sofrem o primeiro impacto econômico visível e prenunciador da grave crise
instalada, com o corte de despesas não raro calcado em grandes dispensas anunciadas.
Em paralelo, a decisão acerca da continuidade das atividades laborais esbarra na sensível
questão de seu papel na coletividade, mormente quando se tratam de atividades consideradas essenciais. Aqui, uma obrigação desmesurada que obste a realização de determi-
52
Cap. 2 • DEJÀ-VU HISTÓRICO, NORMATIVIDADE E SOCIEDADE EM MUTAÇÃO
nada atividade, sob um suposto fundamento de medida preventiva, pode ter impactos
de grande vulto no meio social já desmesuradamente atingido pelas feridas do estado de
calamidade instaurado.
O complexo cenário delineado indica, com perfeição, os contornos sensíveis da
equação de difícil equilíbrio que envolve a atuação do Judiciário, quando da imposição
de medidas que escapam à sua análise usual. Voltando à situação de outrora, nos dizeres
de RANGER E SLACK11, o cenário jurídico de exceção gerada pela pandemia acaba se
tornando “uma construção intelectual que, uma vez realizada, tem sua própria história e
vitalidade”12. Em decorrência, a percepção da realidade de crise acaba sendo “modelada
por analogias nas quais a interação entre ideias não ocorre apenas em uma direção, quer
de mudanças biológicas, quer de respostas intelectuais ou políticas” 13. As negociações
em torno da definição das medidas a serem tomadas e das respostas jurídicas à crise
social são sempre “complexas, dependendo ao mesmo tempo de elementos cognitivos
e disciplinares; de mecanismos institucionais e políticos; bem como do ajustamento ou
não dos indivíduos aos modelos estabelecidos”14.
E é exatamente sob tal ótica reside a preocupação acerca de um elemento norteador a
aplanar a ansiedade social e a instabilidade jurídico-normativa que envolvem o peculiar cenário atual. Com efeito, um panorama jurídico de decisões diversas, com soluções díspares
e sem um mínimo de critério uniforme, eleva a já crescente insegurança e o temor advindo
da falta de isonomia generalizada. E, se em um panorama de condições sociais ditas “normais”, observa-se que o risco de prolação de decisões distintas para casos homogêneos “gera
incoerência ao sistema, retirando-lhe a coesão, a segurança e a previsibilidade, ofendendo o
direito à isonomia na prestação jurisdicional” 15, com muito mais razão tais efeitos devem
ser evitados na situação de crise extrema evidenciada. Cabe, aqui, uma pequena e inicial
reflexão acerca da situação de ponderação de valores sui generis envolvida.
III. Do hard case à reserva do possível: os caminhos tortuosos da ponderação
levam à necessidade de objetividade linear
Muito embora a situação jurídica trazida pelo COVID-19 não encontre precedentes similares na história recente- na medida em que a própria sociedade e sua dinâmica
também não são as mesmas-, é possível se encontrar certa base de raciocínio análoga nos
debates que envolvem as delicadas questões de saúde, a reserva do possível e os mecanismos hermenêutico-argumentativos que buscam solucionar as colisões de princípios
envolvidos.
11.
12.
13.
14.
15.
Ranger, Terence e Slack, Paul 1992 Epidemics and ideas: essays on the historical perception of pestilence.
Cambridge, Cambridge University Press. Apud GOULART, Adriana. Op. cit.
Idem.
Ibidem.
Ibidem.
MENDES, Aluísio Gonçalves de Castro. Incidente de Resolução de Demanda Repetitiva: sistematização, análise e interpretação do novo instituto processual. Rio de Janeiro: 2017, XXV,p 2.
53
O DIREITO DO TRABALHO NA CRISE DA COVID-19
Alguns pontos de interseção são perceptíveis na análise feita pelo Supremo Tribunal Federal em alguns casos envolvendo o direito ao fornecimento de medicamentos
gratuitos16. Em reflexão sobre o tema, o Ministro Luís Roberto Barroso assim descreveu
a questão, situada na ponderação de valores:
Aqui se chega ao ponto crucial do debate. Alguém poderia supor, a um primeiro lance
de vista, que se está diante de uma colisão de valores ou de interesses que contrapõe, de
um lado, o direito à vida e à saúde e, de outro, a separação de Poderes, os princípios
orçamentários e a reserva do possível. A realidade, contudo, é mais dramática. O que
está em jogo, na complexa ponderação aqui analisada, é o direito à vida e à saúde de
uns versus o direito à vida e à saúde de outros. Não há solução juridicamente fácil
nem moralmente simples nessa questão17.
Por outro lado, no topo da pirâmide normativa citada, a norma constitucional
que serve de base a toda a digressão jurídica acerca do direito à saúde envolvido remete
ao artigo 196 da Constituição Federal, norma tida por programática, e que indica que
tal garantia se dará por meio de políticas sociais e econômicas, a princípio concretizadas, portanto, por meio de mediação legislativa e dos órgãos executores de políticas
públicas18.
Ao mesmo tempo, outro artigo constitucional prevê a álea de responsabilidade do
empregador no âmbito do meio ambiente de trabalho e a preservação da segurança e higidez dos prestadores de serviço. As determinações do artigo 7º da Constituição Federal,
longe de colidirem com o artigo 196 já citado, reafirmam a necessidade de observância
da possibilidade de concretização efetiva das medidas a serem implementadas com o
viés da preservação da saúde, dentro da responsabilidade social e constitucional de cada
um dos atores envolvidos. Afinal, “a visão da doença como mal público atinge a todos
indistintamente, assim como a visão da saúde como um bem público cujas medidas de
preservação não podem ser excludentes”19.
O grande desafio, aqui, é pensar na judicialização da saúde como estratégia legítima, mas que deve ser orquestrada com outros mecanismos de garantia constitucional
de saúde para todos, de modo que as demandas judiciais não sejam consideradas como
principal instrumento deliberativo, mas em aplicação harmônica junto a um conjunto
de ações por meio das quais se busque a efetividade das diretrizes constitucionais20.
16.
17.
18.
19.
20.
54
Como exemplos, STF, DJU 14 fev. 2007, SS 3.073/RN, Rel.ª Min.ª Ellen Gracie ; STF, DJU 16 mar.
2007, ADI 3.652/RR, Rel. Min. Sepúlveda Pertence; STF, DJU 26 out. 2004, RE 411557/DF, Rel.
Min. Cezar Peluso.
BARROSO, Luís Roberto. Da falta de efetividade a judicialização excessiva: direito à saúde, fornecimento gratuito de medicamentos e parâmetros para a atuação judicial. Revista Jurídica UNIJUS,
Minas Gerais, v. 15, p. 13-38, 2008.
Idem.
Cf. GOULART, Adriana. Op. cit.
Nesse sentido, VENTURA, Miriam et al . Judicialização da saúde, acesso à justiça e a efetividade do
direito à saúde.Physis, Rio de Janeiro , v. 20, n. 1, p. 77-100, 2010. Availablefrom<http://www.
Cap. 2 • DEJÀ-VU HISTÓRICO, NORMATIVIDADE E SOCIEDADE EM MUTAÇÃO
Vale dizer, em um panorama onde todos os marcadores sociais envolvidos são importantes, é necessário se perquirir os impactos que a medida determinada judicialmente, sob a pecha de prevenção à saúde individual, irá gerar. Utilizando-se critérios
hermenêuticos e argumentativos clássicos, o afastamento de um marcador em detrimento do outro, portanto, é providência que enseja falácia consequencial e problema
jurídico-pragmático de difícil solução, gerando falseabilidade(assim entendida a ausência
de coesão entre os argumentos e o resultado pretendido, com o sistema jurídico e os
efeitos observados segundo a realidade social vigente)21 nos argumentos jurídicos eleitos,
e possíveis efeitos reversos aos pretendidos. Afinal,
as decisões jurídicas precisam ter sentido tanto em relação ao sistema jurídico de que
se trate quanto em relação ao mundo (o que significa em relação às consequências
das decisões).E embora a justificação de uma decisão jurídica seja sempre uma questão
aberta (no sentido de que os argumentos consequencialistas - como veremos - implicam
necessariamente elementos avaliativos e, portanto, subjetivos), contudo, também aqui,
é possível falar de certa objetividade na hora de preferir uma ou outra norma,
umas ou outras consequências (cf. MacCormick, 1987, págs. 103 e seguintes)22 “g.n.
Assim, considerando-se que os valores envolvidos possuem a mesma hierarquia
constitucional, conclui-se que não são excludentes entre si, mas devem ser utilizados
como mandados de otimização, com a opção de menor custo social possível para a obtenção do objetivo colimado, a partir do quadro fático envolvido.23Como exemplo, pode-se citar a hipótese em que, estabelecida mais de uma medida de prevenção pelo órgão
de saúde competente (e.g., como medida de higiene, há a recomendação alternativa
de “lavar as mãos frequentemente com água e sabão ou com um desinfetante para as
mãos à base de álcool 70% e evitar tocar os olhos, o nariz e a boca com as mãos não
lavadas”)24, seja imposta como medida de prevenção aquela que é mais custosa, e de
21.
22.
23.
24.
scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0103-73312010000100006&lng=en&nrm=iso>.Acesso
em 16 Abr. 2020.https://doi.org/10.1590/S0103-73312010000100006.
Ou, em outras palavras, entre a pretensão, e a razão, a garantia e o respaldo utilizados na argumentação.
Cf. ATIENZA, Manuel. As Razões do Direito: Teorias da Argumentação Jurídica. Tradução de Maria
Cristina Guimarães Cupertino. 3. ed. São Paulo: Landy, 2003.
ATIENZA, Manuel. Op. cit. p.128.
Na reflexão aprofundada no já citado artigo de autoria do Ministro Luis Roberto Barroso, “como todas
essas normas em rota de colisão têm a mesma hierarquia, não podem elas ser aplicadas na modalidade tudo
ou nada, mas sim de acordo com a dimensão de peso que assumem na situação específica. Cabe à autoridade
competente – que poderá ser o legislador ou o intérprete judicial – proceder à ponderação dos princípios
e fatos relevantes, e não a subsunção do fato a uma regra determinada. Por isso se diz que princípios são
mandados de otimização: devem ser realizados na maior intensidade possível, à vista dos demais elementos
jurídicos e fáticos presentes na hipótese. Daí decorre que os direitos neles fundados são direitos prima facie
– isto é, poderão ser exercidos em princípio e na medida do possível”. BARROSO, Luis Roberto. Op. cit.
Cf. publicação do MINISTÉRIO DA SAÚDE, “DIRETRIZES PARA DIAGNÓSTICO E TRATAMENTO DA COVID-19- 08/04/20” https://portalarquivos.saude.gov.br/images/pdf/2020/April/13/
Diretrizes-COVID-13-4.pdf.
55
O DIREITO DO TRABALHO NA CRISE DA COVID-19
sabida escassez no mercado, atuando nesse caso o órgão jurisdicional em imputação de
custo social desproporcional, onde o setor competente, detentor da expertise necessária
para tal fixação, não o fez.
Por óbvio, o regramento de exceção expedido pelas autoridades Ministeriais não
exclui as medidas preventivas já previamente estabelecidas em normativos inerentes à
própria natureza de cada atividade, como ocorre, por exemplo, com as Normas Regulamentadoras de Segurança e Saúde do Trabalho. Acaso existentes, as medidas preventivas
que já fazem parte do cotidiano de prevenção de acidentes e outras enfermidades em
cada função, se somará àquelas específicas ao COVID-19. As decisões judiciais, sob tal
prisma, devem ser calcadas nas peculiaridades de cada atividade, segundo tais normativos e em consideração aos contornos fáticos de cada caso concreto para estabelecer as
medidas necessárias.
Como já dito, a essencialidade da atividade é, certamente, fator a ser considerado
na avaliação da medida imposta, segundo a análise de sua repercussão social. Ainda que
esta definição seja a princípio estabelecida pelo governo federal, é importante lembrar,
mais uma vez, que o Supremo Tribunal Federal, ao julgar a ADI 6341, entendeu pela
competência de estados e municípios para dispor sobre medidas de isolamento social
relativamente aos serviços públicos e atividades essenciais. No referido julgamento de
15/04/20, foi referendada a medida cautelar deferida pelo relator, Ministro Marco Aurélio de Mello, “acrescido de interpretação conforme a Constituição ao parágrafo 9o do
artigo 3º da Lei nº 13.979/20, a fim de explicitar que, preservada a atribuição de cada
esfera de governo, nos termos do inciso I do artigo 198 da Constituição, o presidente
da República poderá dispor, mediante decreto, sobre os serviços públicos e atividades
essenciais”25. Acrescentou-se, ainda, importante ressalva acerca da necessidade dos entes
federativos em ouvir as agências reguladoras antes da tomada de decisões que possam ter
repercussões econômicas e sociais negativas, apontamento que ganha relevância em se
tratando de concessionárias de serviços públicos. Em consequência, o arcabouço normativo a ser levado em conta ganha amplo leque de abrangência, envolvendo o normativo
federal (incluídas as leis, Decretos presidenciais, medidas provisórias e atos expedidos
pelas autoridades do Ministério da Saúde e da Economia), o estadual e o municipal,
além das resoluções de agências reguladoras, conforme o caso.
De qualquer sorte, a conclusão atingida é similar ao que já se refletiu nos casos
difíceis envolvendo o direito à saúde: “a atividade judicial deve guardar parcimônia e,
sobretudo, deve procurar respeitar o conjunto de opções legislativas e administrativas
formuladas acerca da matéria pelos órgãos institucionais competentes”26. Desse modo,
25.
26.
56
Cf. o julgamento por videoconferência amplamente divulgado em 15/04/20, nos autos da ADI 6341.
Disponível em https://www.correiobraziliense.com.br/app/noticia/politica/2020/04/15/interna_politica,845004/stf-garante-que-estados-e-municipios-podem-decidir-sobre-isolamento-s.shtml. Acesso
em 16/04/20.
BARROSO, Luis Roberto. Op. cit.
Cap. 2 • DEJÀ-VU HISTÓRICO, NORMATIVIDADE E SOCIEDADE EM MUTAÇÃO
onde não haja lei ou ação administrativa implementando a Constituição, deve o
Judiciário agir. Havendo lei e atos administrativos, e não sendo devidamente cumpridos, devem os juízes e tribunais igualmente intervir. Porém, havendo lei e atos
administrativos implementando a Constituição e sendo regularmente aplicados,
eventual interferência judicial deve ter a marca da autocontenção27.
IV. Finalmente, o quadro normativo existente: panorama interno e global
Já se sabe que, uma vez que o evento pandêmico “se caracteriza como paradigma
de interdependência, torna-se imperativo criar mecanismos capazes de pelo menos administrar seus impactos”28. Então, quais são as medidas efetivamente previstas dentro
do arcabouço de regramento existente e objetivamente considerado, hábeis a pautar a
atuação jurisdicional nos casos difíceis gerados pela pandemia no ambiente de trabalho?
No plano nacional, estabelecendo as atividades consideradas essenciais, o Decreto
nº 10.282/2020, regulamenta a Lei nº 13.979/2020 em seu artigo 3º29. Não se pode
27.
28.
29.
Idem.
GOULART, Adriana. Op. cit.
“Art. 3º As medidas previstas na Lei nº 13.979, de 2020, deverão resguardar o exercício e o funcionamento dos serviços públicos e atividades essenciais a que se refere o § 1º. § 1º São serviços públicos e
atividades essenciais aqueles indispensáveis ao atendimento das necessidades inadiáveis da comunidade,
assim considerados aqueles que, se não atendidos, colocam em perigo a sobrevivência, a saúde ou a
segurança da população, tais como:
I - assistência à saúde, incluídos os serviços médicos e hospitalares;
II - assistência social e atendimento à população em estado de vulnerabilidade;
III - atividades de segurança pública e privada, incluídas a vigilância, a guarda e a custódia de presos;
IV - atividades de defesa nacional e de defesa civil;
V - transporte intermunicipal, interestadual e internacional de passageiros e o transporte de passageiros
por táxi ou aplicativo;
VI - telecomunicações e internet;
VII - serviço de call center;
VIII - captação, tratamento e distribuição de água;
IX - captação e tratamento de esgoto e lixo;
X - geração, transmissão e distribuição de energia elétrica, incluído o fornecimento de suprimentos para
o funcionamento e a manutenção das centrais geradoras e dos sistemas de transmissão e distribuição
de energia, além de produção, transporte e distribuição de gás natural;
(Redação dada pelo
Decreto nº 10.292, de 2020)
XI - iluminação pública;
XII - produção, distribuição, comercialização e entrega, realizadas presencialmente ou por meio do
comércio eletrônico, de produtos de saúde, higiene, alimentos e bebidas;
XIII - serviços funerários;
XIV - guarda, uso e controle de substâncias radioativas, de equipamentos e de materiais nucleares;
XV - vigilância e certificações sanitárias e fitossanitárias;
XVI - prevenção, controle e erradicação de pragas dos vegetais e de doença dos animais;
57
O DIREITO DO TRABALHO NA CRISE DA COVID-19
olvidar, contudo, que o mesmo artigo, em seus parágrafos 2º e 3º, estende a caracterização de essencialidade às “atividades acessórias, de suporte e a disponibilização dos insumos
necessários a cadeia produtiva relativas ao exercício e ao funcionamento dos serviços públicos e
XVII - inspeção de alimentos, produtos e derivados de origem animal e vegetal;
XVIII - vigilância agropecuária internacional;
XIX - controle de tráfego aéreo, aquático ou terrestre;
XX - serviços de pagamento, de crédito e de saque e aporte prestados pelas instituições supervisionadas
pelo Banco Central do Brasil; (Redação dada pelo Decreto nº 10.292, de 2020)
XXI - serviços postais;
XXII - transporte e entrega de cargas em geral;
XXIII - serviço relacionados à tecnologia da informação e de processamento de dados (data center)
para suporte de outras atividades previstas neste Decreto;
XXIV - fiscalização tributária e aduaneira;
XXV - produção e distribuição de numerário à população e manutenção da infraestrutura tecnológica
do Sistema Financeiro Nacional e do Sistema de Pagamentos Brasileiro; (Redação dada pelo Decreto
nº 10.292, de 2020)
XXVI - fiscalização ambiental;
XXVII - produção de petróleo e produção, distribuição e comercialização de combustíveis, gás liquefeito
de petróleo e demais derivados de petróleo; (Redação dada pelo Decreto nº 10.292, de 2020)
XXVIII - monitoramento de construções e barragens que possam acarretar risco à segurança;
XXIX - levantamento e análise de dados geológicos com vistas à garantia da segurança coletiva, notadamente por meio de alerta de riscos naturais e de cheias e inundações;
XXX - mercado de capitais e seguros;
XXXI - cuidados com animais em cativeiro;
XXXII - atividade de assessoramento em resposta às demandas que continuem em andamento e às
urgentes;
XXXIII - atividades médico-periciais relacionadas com a seguridade social, compreendidas no art. 194
da Constituição; (Redação dada pelo Decreto nº 10.292, de 2020)
XXXIV - atividades médico-periciais relacionadas com a caracterização do impedimento físico, mental,
intelectual ou sensorial da pessoa com deficiência, por meio da integração de equipes multiprofissionais
e interdisciplinares, para fins de reconhecimento de direitos previstos em lei, em especial na Lei nº
13.146, de 6 de julho de 2015 - Estatuto da Pessoa com Deficiência; (Redação dada pelo Decreto nº
10.292, de 2020)
XXXV - outras prestações médico-periciais da carreira de Perito Médico Federal indispensáveis ao
atendimento das necessidades inadiáveis da comunidade; (Redação dada pelo Decreto nº 10.292, de
2020)
XXXVI - fiscalização do trabalho; (Incluído pelo Decreto nº 10.292, de 2020)
XXXVII - atividades de pesquisa, científicas, laboratoriais ou similares relacionadas com a pandemia
de que trata este Decreto; (Incluído pelo Decreto nº 10.292, de 2020)
XXXVIII - atividades de representação judicial e extrajudicial, assessoria e consultoria jurídicas exercidas pelas advocacias públicas, relacionadas à prestação regular e tempestiva dos serviços públicos;
(Incluído pelo Decreto nº 10.292, de 2020)
XXXIX - atividades religiosas de qualquer natureza, obedecidas as determinações do Ministério da
Saúde; e (Incluído pelo Decreto nº 10.292, de 2020)
XL - unidades lotéricas. (Incluído pelo Decreto nº 10.292, de 2020)
58
Cap. 2 • DEJÀ-VU HISTÓRICO, NORMATIVIDADE E SOCIEDADE EM MUTAÇÃO
das atividades essenciais”, vedando “a restrição à circulação de trabalhadores que possa afetar
o funcionamento de serviços públicos e atividades essenciais, e de cargas de qualquer espécie
que possam acarretar desabastecimento de gêneros necessários à população”. Tal aspecto deve
ser observado pela medida judicial imposta, na medida em que a suspensão de atividade acessória ou de suporte poderá ter impacto direto naquelas atividades consideradas
essenciais à população.
No âmbito do Ministério da Saúde, foi publicado documento com as “Diretrizes
para o diagnóstico e tratamento da COVID-19”30, periodicamente atualizado, em que
constam como medidas de prevenção ao COVID-19, como forma de evitar a exposição
ao vírus: (i) lavar as mãos frequentemente com água e sabão ou com um desinfetante
para as mãos à base de álcool 70% e evitar tocar os olhos, o nariz e a boca com as mãos
não lavadas; (ii) evitar contato próximo com as pessoas (ou seja, manter uma distância
de pelo menos 1 metro [3 pés]), principalmente daqueles que têm febre, tosse ou espirros; (iii) praticar etiqueta respiratória (ou seja, cobrir a boca e o nariz com o antebraço
ao tossir ou espirrar com lenços descartáveis,desprezando-os imediatamente após o
uso em uma lixeira fechada e higienizar as mãos em seguida; (iv) procurar atendimento
médico precocemente se tiver febre, tosse e dificuldade em respirar e compartilhar histórico de viagens com o profissional médico; (v) evitar o consumo de produtos animais
crus ou mal cozidos e manusear carne crua ou leite com cuidado, de acordo com as boas
práticas usuais de segurança alimentar. O mesmo documento esclarece, em relação à
polêmica acerca da necessidade do uso de máscaras, que “o benefício do uso da máscara
pela população assintomática ainda não está bem definido e apresenta divergências
na literatura”, mas que “as máscaras podem ser usadas em alguns países de acordo com
orientações da administração da saúde pública nacional”. Prossegue informando que
“a OMS não recomenda que pessoas assintomáticas usem máscaras em ambientes
comunitários, pois essas medidas não são efetivas”, e alerta para o fato de que “o uso
indiscriminado de máscara pode resultar em custos adicionais e criar uma falsa sensação de segurança, levando a população em geral a negligenciar as medidas básicas de
prevenção, como a higiene das mãos”, ressaltando que “o uso de máscara cirúrgica está
recomendado para profissionais da área da saúde durante o atendimento a casos suspeitos de COVID-19 e pacientes sintomáticos”. Como alternativa à escassez de mascaras
cirúrgicas que devem ser priorizadas aos profissionais de saúde, o Ministério da Saúde
indicou o uso de máscaras de pano pela população, que poderia ser “um método de
barreira importante quando combinado aos demais cuidados de higiene”. Por fim, o
documento apresenta a necessidade de atendimento especial em virtude de possibilidade
complicações observadas e gestantes, pacientes com doenças cardiovasculares; imunossuprimidos, pacientes oncológicos, pacientes com tuberculose, além dos amplamente
divulgados pacientes com mais de 60 anos e portadores de doenças crônicas como diabetes ou hipertensão, por exemplo.
30.
Disponível em https://portalarquivos.saude.gov.br/images/pdf/2020/April/13/Diretrizes-COVID-13-4.pdf. Acesso em 15 de abril de 2020.
59
O DIREITO DO TRABALHO NA CRISE DA COVID-19
Por sua vez, o Ministério da Economia, por meio do Ofício Circular SEI nº
1088/2020/ME, de 27 de março de 2020, ressaltou a necessidade de observância de
orientações setoriais específicas de prevenção à cada atividade, indicando, como medidas
de prevenção de caráter geral no trabalho as seguintes:
1. criar e divulgar protocolos para identificação e encaminhamento de trabalhadores com suspeita de contaminação pelo novo corona vírus antes de ingressar
no ambiente de trabalho. O protocolo deve incluir o acompanhamento da
sintomatologia dos trabalhadores no acesso e durante as atividades nas
dependências das empresas;
2. orientar todos trabalhadores sobre prevenção de contágio pelo corona vírus
(COVID-19) e a forma correta de higienização das mãos e demais medidas
de prevenção;
3. instituir mecanismo e procedimentos para que os trabalhadores possam reportar aos empregadores se estiverem doentes ou experimentando sintomas;
4. Adotar procedimentos contínuos de higienização das mãos, com utilização de
água e sabão em intervalos regulares. Caso não seja possível a lavagem das mãos,
utilizar imediatamente sanitizante adequado para as mãos, como álcool 70%;
5. Evitar tocar a boca, o nariz e o rosto com as mãos;
6. Manter distância segura entre os trabalhadores, considerando as orientações
do Ministério da Saúde e as características do ambiente de trabalho;
7. Emitir comunicações sobre evitar contatos muito próximos, como abraços,
beijos e apertos de mão;
8. Adotar medidas para diminuir a intensidade e a duração do contato pessoal
entre trabalhadores e entre esses e o público externo;
9. Priorizar agendamentos de horários para evitar a aglomeração e para distribuir
o fluxo de pessoas;
10. Priorizar medidas para distribuir a força de trabalho ao longo do dia, evitando concentrá-la em um turno só;
11. Limpar e desinfetar os locais de trabalho e áreas comuns no intervalo entre
turnos ou sempre que houver a designação de um trabalhador para ocupar o
posto de trabalho de outro;
12. Reforçar a limpeza de sanitários e vestiários;
13. Adotar procedimentos para, na medida do possível, evitar tocar superfícies
com alta frequência de contato, como botões de elevador, maçanetas,
corrimãos etc.;
14. Reforçar a limpeza de pontos de grande contato como corrimões, banheiros,
maçanetas, terminais de pagamento, elevadores, mesas, cadeiras etc.;
15. Privilegiar a ventilação natural nos locais de trabalho. No caso de aparelho
de ar condicionado, evite recirculação de ar e verifique a adequação de suas
manutenções preventivas e corretivas;
60
Cap. 2 • DEJÀ-VU HISTÓRICO, NORMATIVIDADE E SOCIEDADE EM MUTAÇÃO
16. Promover teletrabalho ou trabalho remoto. Evitar deslocamentos de viagens
e reuniões presenciais, utilizando recurso de áudio e/ou videoconferência;
- g.n.
Como práticas setoriais específicas, elencou as seguintes:
PRATICAS QUANTO ÀS REFEIÇÕES
17. Os trabalhadores que preparam e servem as refeições devem utilizar máscara
cirúrgica e luvas, com rigorosa higiene das mãos;
18. Proibir o compartilhamento de copos, pratos e talheres não higienizados,
bem como qualquer outro utensílio de cozinha;
19. Limpar e desinfetar as superfícies das mesas após cada utilização;
20. Promover nos refeitórios maior espaçamento entre as pessoas na fila, orientando
para que sejam evitadas conversas;
21. Espaçar as cadeiras para aumentar as distâncias interpessoais. Considerar aumentar o número de turnos em que as refeições são servidas, de modo a diminuir
o número de pessoas no refeitório a cada momento;
PRÁTICAS REFERENTES AO SESMT E CIPA
22. As comissões internas de prevenção de acidentes - CIPA existentes poderão ser
mantidas até o fim do período de estado de calamidade pública, podendo ser suspensos
os processos eleitorais em curso;
23. Realizar as reuniões da CIPA por meio de videoconferência;
24. SESMT e CIPA, quando existentes, devem instituir e divulgar a todos os trabalhadores um plano de ação com políticas e procedimentos de orientação aos trabalhadores;
25. Os trabalhadores de atendimento de saúde do SESMT, como enfermeiros,
auxiliares e médicos, devém receber Equipamentos de Proteção Individual - EPI
de acordo com os riscos, em conformidade com as orientações do Ministério da Saúde;
PRÁTICAS REFERENTES AO TRANSPORTE DE TRABALHADORES
26. Manter a ventilação natural dentro dos veículos através da abertura das
janelas. Quando for necessária a utilização do sistema de ar condicionado, deve-se
evitar a recirculação do ar;
27. Desinfetar regularmente os assentos e demais superfícies do interior do veículo
que são mais frequentemente tocadas pelos trabalhadores;
28. Os motoristas devem observar:
a) a higienização do seu posto de trabalho, inclusive volantes e maçanetas do veículo;
b) a utilização de álcool gel ou água e sabão para higienizar as mãos.
PRÁTICAS REFERENTES ÀS MÁSCARAS
29. A máscara de proteção respiratória só deve ser utilizada quando indicado seu
uso. O uso indiscriminado de máscara, quando não indicado tecnicamente, pode
causar a escassez do material e criar uma falsa sensação de segurança, que pode levar
a negligenciar outras medidas de prevenção como a prática de higiene das mãos;
61
O DIREITO DO TRABALHO NA CRISE DA COVID-19
30. O uso incorreto da máscara pode prejudicar sua eficácia na redução de risco
de transmissão. Sua forma de uso, manipulação e armazenamento devem seguir as
recomendações do fabricante. Os trabalhadores devem ser orientados sobre o uso
correto da máscara;
31. A máscara nunca deve ser compartilhada entre trabalhadores;
32. Pode-se considerar o uso de respiradores ou máscaras PFF2 ou N95, quando indicado seu uso, além do prazo de validade designado pelo fabricante ou sua reutilização
para atendimento emergencial aos casos suspeitos ou confirmados da COVID-19,
conforme NOTA TÉCNICA GVIMS/GGTES/ANVISA Nº 04/2020;
33. As empresas devem fornecer máscaras cirúrgicas à disposição de seus trabalhadores, caso haja necessidade;
SUSPENSÃO DE EXIGÊNCIAS ADMINISTRATIVAS EM SST
34. Fica suspensa a obrigatoriedade de realização dos exames médicos ocupacionais,
clínicos e complementares, exceto dos exames demissionais durante o período de
calamidade, conforme Medida Provisória Nº 927, de 22 de março de 2020, devendo
ser realizados até o prazo de sessenta dias, contado da data de encerramento do estado
de calamidade pública;
35. O exame médico demissional poderá ser dispensado caso o exame médico
ocupacional mais recente tenha sido realizado há menos de 180 dias;
36. Na hipótese de o médico coordenador de programa de controle médico de saúde
ocupacional considerar que a prorrogação representa risco para a saúde do empregado,
o médico indicará ao empregador a necessidade de sua realização;
37. Durante o estado de calamidade pública, fica suspensa a obrigatoriedade de
realização de treinamentos periódicos e eventuais dos atuais empregados, previstos
em normas regulamentadoras de segurança e saúde no trabalho;
38. Os treinamentos periódicos e eventuais serão realizados no prazo de noventa dias,
contado da data de encerramento do estado de calamidade pública;
39. Durante o estado de calamidade pública, todos os treinamentos previstos nas
Normas Regulamentadoras (NR), de segurança e saúde do trabalho, incluindo os
admissionais, poderão ser realizados na modalidade de ensino a distância e caberá
ao empregador observar os conteúdos práticos, de modo a garantir que as atividades
sejam executadas com segurança;
PRÁTICAS REFERENTES AOS TRABALHADORES PERTENCENTES A
GRUPO DE RISCO
40. Os trabalhadores pertencentes a grupo de risco (com mais de 60 anos ou com
comorbidades de risco, de acordo com o Ministério da Saúde) devem ser objeto
de atenção especial, priorizando sua permanência na própria residência em teletrabalho ou trabalho remoto;
41. Caso seja indispensável a presença na empresa de trabalhadores pertencentes a
grupo de risco, deve ser priorizado trabalho interno, sem contato com clientes, em
local reservado, arejado e higienizado ao fim de cada turno de trabalho;
62
Cap. 2 • DEJÀ-VU HISTÓRICO, NORMATIVIDADE E SOCIEDADE EM MUTAÇÃO
DISPOSIÇÕES GERAIS
42. As Normas Regulamentadoras de segurança e saúde do trabalho apresentam
uma série de medidas de prevenção aos trabalhadores e podem ser consultadas
no sítio eletrônico enit. trabalho.gov.br/;
43. A Secretaria de Trabalho do Ministério da Economia disponibiliza ao cidadão
o serviço de informações pela Central de Atendimento Alô Trabalho, com ligação
gratuita pelo telefone 158. O horário de atendimento da Central é das 7 às 19 horas,
de segunda-feira a sexta-feira, exceto nos feriados nacionais.
Nota-se que, dentre as medidas determinadas, há aquelas relacionadas ao próprio
empregado, em sua conduta individual de protocolo de higiene, e ao empregador, ao
prover meios para que o meio de ambiente de trabalho possa se manter hígido e com a
minoração do risco de contágio. O próprio dever de amplamente divulgar o protocolo
de higiene individual utilizado durante a execução dos serviços, e mesmo fiscalizá-lo,
poderia ser considerado como inserido no plano constitucional da obrigação prevista
como direito social o artigo 7º, XXII da Constituição Federal.
No plano internacional, algumas normas merecem destaque, como a Resolução
1/2020 da CIDH- Comissão Interamericana de Direitos Humanos e as diretrizes
apontadas pela Organização Internacional do Trabalho. Em relação à primeira, trata-se de recomendação direcionada aos países membros para prevenção e combate
ao COVID-19, tendo por base normativa o conjunto de competências estabelecidas
pelo artigo 106 do Protocolo de Buenos Aires (“haverá uma Comissão Interamericana
de Direitos Humanos que terá por principal função promover o respeito e a defesa dos
direitos humanos e servir como órgão consultivo da Organização em tal matéria. Uma
convenção interamericana sobre direitos humanos estabelecerá a estrutura, a competência e as normas de funcionamento da referida Comissão, bem como as dos outros órgãos
encarregados de tal matéria”); o artigo 41.b da Convenção Americana sobre Direitos
Humanos (“Toda pessoa tem o direito de que se respeite sua vida. Esse direito deve ser
protegido pela lei e, em geral, desde o momento da concepção. Ninguém pode ser privado
da vida arbitrariamente”), e o artigo 18.b do Estatuto da CIDH (“A Comissão tem as
seguintes atribuições com relação aos Estados membros da Organização: (...) b. formular
recomendações aos Governos dos Estados no sentido de que adotem medidas progressivas
em prol dos direitos humanos, no âmbito de sua legislação, de seus preceitos constitucionais
e de seus compromissos internacionais, bem como disposições apropriadas para promover
o respeito a esses direitos”).
É importante ressaltar que, sendo o Brasil signatário dos referidos Pactos internacionais, a inobservância de suas diretrizes sujeita o país a controle de convencionalidade, com equiparação de tais normas a caráter supralegal, como já assentado
pelo STF em diversos julgados- (HC 87.585/TO, Pleno, Rel. Min. Marco Aurélio,
63
O DIREITO DO TRABALHO NA CRISE DA COVID-19
DJe 26/06/2009; RE 349.703/RS31, HC 87.585/TO32, e RHC nº 79.785-RJ33,
sem desconsiderar parte relevante da doutrina que concede status constitucional
aos normativos que consideram concernentes a direitos humanos fundamentais34.
31.
32.
33.
34.
64
“a controvérsia jurídica remeter-se-á ao exame do conflito entre as fontes internas e internacionais (ou,
mais adequadamente, ao diálogo entre essas mesmas fontes), de modo a se permitir que, tratando-se
de convenções internacionais de direitos humanos, estas guardem primazia hierárquica em face da
legislação comum do Estado brasileiro, sempre que se registre situação de antinomia entre o direito
interno nacional e as cláusulas decorrentes de referidos tratados internacionais.
Após longa reflexão sobre o tema em causa, Senhora Presidente - notadamente a partir da decisão
plenária desta Corte na ADI 1.480-MC/DF, Rel. Min. CELSO DE MELLO (RTJ 179/493-496)
-, julguei necessário reavaliar certas formulações e premissas teóricas que me conduziram, então,
naquela oportunidade, a conferir, aos tratados internacionais em geral (qualquer que fosse a matéria
neles veiculada), posição juridicamente equivalente à das leis ordinárias. (...)Reconheço, no entanto,
Senhora Presidente, que há expressivas lições doutrinárias - como aquelas ministradas por ANTÔNIO AUGUSTO CANÇADO TRINDADE (“Tratado de Direito Internacional dos Direitos
Humanos”, vol. 1/513, item n. 13, 2ª ed., 2003, Fabris), FLÁVIA PIOVESAN (“Direitos Humanos
e o Direito Constitucional Internacional”, p. 51/77, 7a ed., 2006, Saraiva), CELSO LAFER (“A
Internacionalização dos Direitos Humanos: Constituição, Racismo e Relações internacionais”, p.
16/18, 2005, Manole) e VALERIO DE OLIVEIRA MAZZUOLI (“Curso de Direito Internacional
Público”, p. 682/702, item n. 8, 2a ed. , 2007, RT), dentre outros eminentes autores - que sustentam,
com sólida fundamentação teórica, que os tratados internacionais de direitos humanos assumem, na
ordem positiva interna brasileira, qualificação constitucional, acentuando, ainda, que as convenções
internacionais em matéria de direitos humanos, celebradas pelo Brasil antes do advento da EC nº
45/2004, como ocorre com o Pacto de São José da Costa Rica revestem-se de caráter materialmente
constitucional, compondo, sob tal perspectiva, a noção conceitual de bloco de constitucionalidade.
(...)
Após muita reflexão sobre esse tema, e não obstante anteriores julgamentos desta Corte de que participei como Relator (RTJ 174/463-465 - RTJ 179/493-496), inclino-me a acolher essa orientação,
que atribui natureza constitucional às convenções internacionais de direitos humanos, reconhecendo,
para efeito de outorga dessa especial qualificação jurídica...”- grifos no original ( Voto do Ministro
Celso de Mello, proferido no julgamento do RE 349.703/RS, Pleno, DJe 05/09/2009)
Julgamento pelo Pleno, Rel. Min. Marco Aurélio, DJe 26/06/2009)
Certo, com o alinhar-me ao consenso em torno da estatura infraconstitucional, na ordem positiva brasileira, dos tratados a ela incorporados, não assumo compromisso de logo - como creio ter deixado expresso
no voto proferido na ADInMc 1.480 - com o entendimento, então majoritário - que, também em relação
às convenções internacionais de proteção de direitos fundamentais - preserva a jurisprudência que a todos
equipara hierarquicamente às leis.
Na ordem interna, direitos e garantias fundamentais o são, com grande frequência, precisamente porque alçados ao texto constitucional - se erigem em limitações positivas ou negativas ao conteúdo das leis futuras,
assim como à recepção das anteriores à Constituição (...).
Se assim é, à primeira vista, parificar às leis ordinárias os tratados a que alude o art. 5º, § 2º, da Constituição,
seria esvaziar de muito do seu sentido útil a inovação, que, malgrado os termos equívocos do seu enunciado,
traduziu uma abertura significativa ao movimento de internacionalização dos direitos humanos.” (RHC
nº 79.785-RJ, Pleno, por maioria, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, DJ 22.11.2002, vencidos os Ministros
Marco Aurélio e Carlos Velloso).
Conforme indicou o Ministro Celso de Mello em seu voto no RE 349.703, “a doutrina nacional
tem indicado que a harmonização deve ser feita pela hierarquização, atribuindo-se aos tratados o status
Cap. 2 • DEJÀ-VU HISTÓRICO, NORMATIVIDADE E SOCIEDADE EM MUTAÇÃO
Contudo, há que se destacar que a referida Recomendação traz diretrizes programáticas, de caráter geral, e destinadas aos Estados-membros como entes imbuídos de
munus público, destacando-se, dentre outras medidas, a responsabilidade dos Estados
em implementar todas as medidas adequadas para proteger os direitos à vida, à saúde e
às recomendações de integridade física emitidas pela OMS em observância, ainda, aos
direitos humanos; a determinação de que as pessoas que continuarem a exercer suas
atividades laborais devem estar protegidas dos riscos do contágio do vírus e, em geral,
deve ser dada proteção adequada ao trabalho, aos salários, à liberdade de associação e
à negociação coletiva, às pensões e aos outros direitos sociais interrelacionados com
as esferas trabalhista e sindical; a garantia da distribuição e o acesso equitativo aos
estabelecimentos de saúde, bens e serviços sem discriminação, sejam eles públicos ou
privados, garantindo o atendimento de pessoas com COVID-19 e grupos desproporcionalmente afetados pela pandemia, bem como pessoas com doenças pré-existentes
que as tornam especialmente vulneráveis ao vírus, não servindo a escassez de recursos
como justificativa a atos diretos ou de discriminação; obrigação do Estado em assegurar
o acesso a medicamentos e tecnologias de saúde necessários para lidar com contextos
pandêmicos, particularmente no que diz respeito ao uso de estratégias, como a aplicação
de cláusulas de flexibilidade ou exceção em regimes de propriedade intelectual, que evitem restrições a medicamentos genéricos, preços excessivos de medicamentos e vacinas,
abuso do uso de patentes ou proteção exclusiva de dados de testes, além de assegurar
a disponibilidade e o fornecimento oportuno de quantidades suficientes de material
de biossegurança, suprimentos médicos essenciais e suplementos para o uso de pessoal
de saúde, fortalecer sua formação técnica e profissional para a gestão de pandemias e
crises infecciosas, garantir a proteção de seus direitos, bem como a provisão de recursos
mínimos específicos para o atendimento de tais emergências em saúde. A referida Recomendação ainda reforça a impossibilidade de violação de Direitos humanos por ocasião
de Estado de exceção gerado pela pandemia, além de estabelecer medidas direcionadas
a grupos vulneráveis e minorias, como mulheres, afrodescendentes e indígenas, além de
estabelecer o compromisso de cooperação internacional e intercâmbio de boas práticas
entre os países membros.
Pela Organização Internacional do Trabalho, foi divulgado relatório denominado
“Observatório da OIT: COVID-19 e o mundo do trabalho”35, em que se estabelecem
diretrizes calcadas em 4 pilares gerais: 1) Estímulo à economia e ao emprego;2) Suporte
às empresas, empregos e insumos; 3) Proteção aos trabalhadores no local de trabalho;
4) Foco no diálogo social para buscar soluções.
No referido relatório, a OIT analisou os dados afetos ao panorama de impacto
mundial da pandemia no mercado de trabalho e na economia, no que denominou de “the
35.
normativo constitucional”, adotando esse entendimento, entre outros, os professores Antônio Augusto
Cançado Trindade, Flávia Piovesan, Celso Lafer, Valério Mazzuoli e André de Carvalho Ramos.
Disponível em https://www.ilo.org/brasilia/noticias/WCMS_741420/lang--pt/index.htm. Acesso em
12/04/20.
65
O DIREITO DO TRABALHO NA CRISE DA COVID-19
most severe crisis since the Second World War: Employment losses are rising rapidly around
the world”. Como projeção dos efeitos da pandemia, o mesmo diagnóstico aponta que
“o eventual aumento do desemprego global em 2020 dependerá substancialmente da
rapidez com que a economia se recuperará na segunda metade do ano, e da eficácia com
que as medidas políticas aumentarão a demanda de mão-de-obra. Tal como está, existe
um alto risco de que o aumento no número global de desempregados no final de 2020
seja significativamente maior do que a projeção inicial (25 milhões) no primeiro Monitor da OIT. Também é provável que as perdas de produção para muitas empresas sejam
devastadoras e duradouras, especialmente nos países em desenvolvimento, onde o espaço
fiscal para estímulo econômico é restrito”36.
Como exemplos de outros dados importantes trazidos, destacam-se os seguintes
apontamentos:
- O impacto da pandemia afeta 3,3 bilhões de trabalhadores;
- Existem 136 milhões de trabalhadores em atividades de assistência social e saúde
humana, incluindo enfermeiros, médicos e outros profissionais de saúde, trabalhadores
em instalações de assistência residencial e assistentes sociais, além de trabalhadores
de apoio, como funcionários de lavanderia e limpeza, que enfrentam sérios riscos de
contratar o COVID-19 no local de trabalho. Aproximadamente 70% dos empregos no
setor são ocupados por mulheres;
-O choque no mercado de trabalho não é uniforme, com setores específicos
sofrendo o maior impacto do colapso da atividade econômica com queda drástica
no produto. São eles: atividades imobiliárias, hospedagem, serviços de alimentação e
comércio varejista, que totaliizam1,25 bilhão de trabalhadores em todo o mundo,
representando quase 38% da força de trabalho global, e que sofrerá maior diminuição de jornada de trabalho, de salário e de demissões. O relatório ainda aponta que,
principalmente nos serviços de alimentação e comércio varejista, as atividades contam
já comumente com baixos salários e baixa qualificação, além de contarem com baixa
poucos direitos trabalhistas. O grupo do comércio varejista e atacadista totaliza 482
milhões de trabalhadores, dentre os quais balconistas, comerciantes, lojistas e trabalhadores em empregos relacionados. A OIT aponta, ainda, também que parte desses
trabalhadores poderá ter o emprego mantido por se referirem a atividades essenciais, mas
tal garantia representará também maior exposição ao risco de contrair o vírus.O setor
de hospedagens e serviços de alimentação, por sua vez, representa 144 milhões de
trabalhadores, e conta fechamento quase total em alguns países, ou declínio acentuado
na demanda nos casos em que as operações podem continuar. Mais da metade desses
trabalhadores são mulheres.
-O setor de indústria, que emprega 463 milhões de trabalhadores, foi duramente
atingido em alguns segmentos, já que os trabalhadores são orientados a ficar em casa,
36.
66
Idem.
Cap. 2 • DEJÀ-VU HISTÓRICO, NORMATIVIDADE E SOCIEDADE EM MUTAÇÃO
as fábricas fecham e as cadeias de suprimento globais param. Medidas de quarentena,
fechamento de lojas de varejo, pedidos cancelados e redução de salário estão suprimindo
a demanda em setores importantes, como automóveis e têxteis, roupas, couro e calçados.
- O setor de transporte, armazenamento e comunicação é responsável por 204
milhões de empregos em todo o mundo, incluindo pilotos de aeronaves e tripulantes, motoristas, correios e outros entregadores, bem como pessoas que trabalham em
armazéns que suportam transporte e cadeias de suprimentos globais. Enquanto alguns
desses trabalhadores são afetados negativamente (por exemplo, os do setor aéreo), outros
continuam a atender à crescente demanda por varejo online.
-Embora o impacto econômico ainda não tenha sido sentido na agricultura,
o maior setor da maioria dos países em desenvolvimento, os riscos de insegurança
alimentar estão surgindo devido a medidas de contenção, incluindo o fechamento
de fronteiras. Com o tempo, os trabalhadores desse setor podem ser cada vez mais
impactados, principalmente se o vírus se espalhar ainda mais pelas áreas rurais.
- A análise setorial mostra que nem todos os setores e nem todos os tipos de trabalhadores são igualmente afetados. Também mostra que muitos dos mais afetados
são aqueles que já são trabalhadores com baixos salários e têm menos acesso à
cobertura de proteção social. Como tal, isso pode ter um impacto negativo adicional
na desigualdade já existente.
- Em relação aos trabalhadores na economia informal (assim considerados pela OIT
aqueles trabalhadores assalariados sem proteção social ou outros acordos formais em
empresas do setor informal e formal, trabalhadores por conta própria, como vendedores ambulantes e trabalhadores domésticos), o relatório estima que sejam 2 bilhões de
pessoas ao redor do mundo. Ressalta que tais trabalhadores carecem da proteção básica
que os empregos formais geralmente fornecem, incluindo a cobertura da proteção social.
Eles também são prejudicados no acesso a serviços de saúde e não têm reposição de
renda se parar de trabalhar em caso de doença. Exemplifica com atividades de trabalhadores informais nas áreas urbanas, como recicladores de lixo, vendedores ambulantes e
servidores de alimentos, trabalhadores da construção civil, trabalhadores de transporte
e trabalhadores domésticos, que tendem a trabalhar em setores econômicos que não
apenas apresentam um alto risco de infecção por vírus, mas também são diretamente
afetados por medidas de bloqueio.
É importante salientar, ainda, que oBrasil é apontado no relatório como um dos
três países com destaque no número de trabalhadores na economia informal afetados
pelo bloqueio e outras medidas de contenção relacionadas ao COVID-19, ao lado da
Índia e da Nigéria. Ressalta-se, ainda, que as normas internacionais do trabalho fornecem
uma base sólida para as principais respostas políticas, as quais devem se concentrar em
dois objetivos imediatos: medidas de proteção à saúde e apoio econômico, tanto do
lado da demanda quanto da oferta.
Ainda segundo o diagnóstico do organismo internacional ligado ao mundo do
trabalho em tempos de pandemia, as medidas em grande escala e integradas em todas
as áreas de política são necessárias para causar impactos fortes e sustentados, e que se
67
O DIREITO DO TRABALHO NA CRISE DA COVID-19
deve criar confiança para que, junto ao diálogo social, se dê efetividade às medidas políticas. Isso inclui alavancar o diálogo social para ajustar os pacotes de políticas, a fim de
melhor atender os mais necessitados. Seria necessário, como conclusão da OIT, apoio
imediato aos setores e grupos populacionais mais afetados, particularmente às empresas
e trabalhadores que operam na economia informal, por meio de medidas necessárias
medidas específicas e direcionadas em países com altos níveis de informalidade, incluindo transferências monetárias para apoiar aqueles que são mais afetados pelo bloqueio e
redirecionamento da produção para fornecer emprego alternativo (por exemplo, para
kits de EPI). Tais medidas precisariam ser complementadas por esforços para garantir o
suprimento adequado de alimentos e outros itens essenciais.
É interessante ressaltar, ainda, que a OIT pontua com grande destaque a necessidade de inclusãode“organizações representativas das pessoas na economia informal” como
meio de se atingir ao quarto pilar do diálogo social. Essa diretriz geral se afina com as
medidas implementadas por vários países-membros.
Na França37, por exemplo, foram adotadas medidas excepcionais no mercado de
trabalho por meio da Portaria de 25 de março de 2020, em relação às regras usuais do
código do trabalho, tais como: (i) adaptação das regras relativas às horas de trabalho
(duração máxima aumentada para 60 horas por semana (48 horas por um período de
12 semanas consecutivas), descanso diário reduzido para 9 horas) em certos setores essenciais; (ii) pssibilidade de o empregador impor ou adiar a licença, sujeito à conclusão
de um acordo com os sindicatos no nível da filial ou da empresa; (iii) organização de
um sistema excepcional de assistência infantil para profissionais de saúde.O Decreto
francês nº 2020-419, de 10 de abril de 2020, por sua vez, especificou os procedimentos
para consultas e reuniões dos órgãos representativos dos funcionários durante o estado
de emergência sanitária. Isso poderá ocorrer excepcionalmente por teleconferência ou
mensagem instantânea, a fim de garantir a continuidade desses procedimentos durante
esse período38.
Na Espanha39, o governo criou medidas para facilitar o ERTE (procedimentos de
ajuste temporário de emprego), que consiste em suspensões ou reduções de contrato no
horário de trabalho e no acesso aos benefícios de desemprego que não prejudicam seus
37.
38.
39.
68
Disponível em https://www.ilo.org/global/topics/coronavirus/country-responses/lang--en/index.
htm#FR. Acesso em 10/04/2020.
Como exemplos dos resultados obtidos com o diálogo social, o relatório da OIT elenca os seguintes
casos: (i) caso Renault, em que três sindicatos concordaram com a assinatura de um “contrato de solidariedade e futuro” na França em 2 de abril de 2020. O fabricante, que fechou todas as suas fábricas lá
insta, em particular, a manter 100% da remuneração dos empregados parcialmente desempregados e
a negociar localmente a retomada da atividade; (ii) caso PSA: em que a gerência e quatro organizações
sindicais assinaram um acordo que prevê a retenção de 100% de remuneração para os funcionários
por meio de um fundo “solidariedade Covid-19”; e (iii) caso Danone, em que um acordo sobre gestão
de negócios e preservação de empregos foi assinado por três sindicatos majoritários
Disponível em https://www.ilo.org/global/topics/coronavirus/country-responses/lang--en/index.
htm#ES. Acesso em 11/04/2020.
Cap. 2 • DEJÀ-VU HISTÓRICO, NORMATIVIDADE E SOCIEDADE EM MUTAÇÃO
direitos no futuro (RDL 9/2020). Entretanto, o Ministério do Trabalho e Economia
Social indicou medidas hábeis a coibir possíveis abusos.São contempladas sanções para
empresas que abusam da ERTE, como nos casos em que enviam solicitações com ‘falsidades ou imprecisões nos dados fornecidos’. Há a previsão, ainda, especificamente para o
setor de saúde e atividades correlatas como “essenciais” com a intenção de evitar o ERTE
em empresas privadas nessas áreas (RLD 11/2020).
Além disso, foram implementadasas seguintes medidas40:
Empresas com menos de 50 trabalhadores não precisam pagar as contribuições sociais
e aquelas acima de 50 anos têm que pagar 25% delas com a contagem dos períodos
correspondentes como contribuições para os trabalhadores, sendo concedida moratória
de seis meses sobre as contribuições previdenciárias para os trabalhadores autônomos
a partir de maio, e no caso de empresas desde abril. (RLD 11/2020)
Para os trabalhadores autônomos, foi criado, ainda, um subsídio de desemprego especial (de no mínimo 661 euros por mês) para as pessoas afetadas pelo fechamento
de empresas, e para as pessoas cuja produtividade decorrente da oferta de postos
de trabalho e procura do mercado caiu 75% em comparação com a média mensal
do semestre anterior (RDL 8/2020 e RDL 11/2020). Houve, ainda, em relação ao
contrato de trabalho:
Proibição de demissão objetiva devido ao COVID19 a partir de sábado, 28 de março. A compensação pela demissão passa de 20 dias por ano trabalhado (demissões
objetivas) a 33 dias por ano trabalhado (demissões sem justa causa), nos termos da
RDL 10/2020;
• Criação de benefício de 430 euros inicialmente por um mês destinado a trabalhadores
temporários cujos contratos foram extintos durante o Estado de Alarme e não contribuíram o suficiente para receber o subsídio regular de desemprego (RLD 11/2020);
• Proteção temporária de contrato. As empresas não podem rescindir seus contratos
temporários devido à epidemia de coronavírus (RDL 10/2020);
• Ausência de interrupção do subsídio para pessoas desempregadas acima de 52 anos
(RDL 8/2020);
• Criação de benefício especial para os trabalhadores domésticos registrados na Previdência Social que perderam o emprego durante a crise de saúde ou cujos contratos
estão suspensos. O valor desse subsídio será de 70% de sua base de contribuição e
um máximo do salário mínimo interprofissional (RLD 11/2020).
Em relação ao diálogo social, a OIT indica que os “parceiros sociais” (assim consideradas as confederações sindicais CCOO e UGT e as organizações de empregadores
CEOE e CEPYME) deram contribuição decisiva para as medidas adotadas, por meio de
consulta para a elaboração dos dois pacotes iniciais de medidas econômicas para proteger famílias, trabalhadores, trabalhadores independentes e empresas, por meio da RDL
40.
Também em relação às medidas econômicas, vide http://www.mineco.gob.es/stfls/mineco/prensa/
ficheros/noticias/2020/20200319_medidas_economicas_COVID19.pdf . Acesso em 11/04/2020.
69
O DIREITO DO TRABALHO NA CRISE DA COVID-19
7/2020 e da RDL 8/2020. Esses parceiros sociais ativaram páginas da web específicas
para informar sobre o COVID19, fornecer lançamentos de posição, guias e ferramentas41.Além disso, há uma reunião semanal - segundas-feiras - do governo representada
pelo terceiro vice-presidente e ministro de Assuntos Econômicos e Transformação Digital, o Ministro do Trabalho e Economia Social, o Ministro da Inclusão, Seguridade
Social e Migração, o Ministro da Agricultura, Pesca e Alimentação, e o Ministro das
Finanças, com os parceiros sociais para informar e consultar sobre as medidas a serem
adotadas e o desenvolvimento das aprovadas.
Nos Estados Unidos, por fim, o CARES Act42 e o Families First Coronovirus Response Act43 incluem várias medidas destinadas a apoiar trabalhadores e empresas, incluindo o fornecimento de pagamentos isentos de impostos - tratados como um crédito
tributário reembolsável - a indivíduos. Casais que ganham até US $ 150.000 receberão
US $ 2.400, mais um adicional de US $ 500 para cada criança. Indivíduos que ganhem
até US $ 75.000 receberão US $ 1.200, mais um adicional de US $ 500 para cada
criança. Os pagamentos serão eliminados gradualmente para os que obtiverem maiores
rendimentos.
A legislação também incluiu várias medidas para expandir o seguro-desemprego,
como por exemplo: (i) criação de um novo programa de assistência ao desemprego pandêmico, para ajudar pessoas que não se qualificam para receber uma indenização regular
por desemprego e que não conseguem continuar trabalhando como resultado do COVID-19, como trabalhadores autônomos e informais; (ii) fornecimento, como parte da
Compensação Federal de Desemprego por Pandemia, um adicional de US $ 600 em
pagamentos semanais a certos indivíduos elegíveis que recebem outros benefícios; (iii)
incentivo aos estados a renunciar ao período de carênciaordinário de uma semana e fornecer 13 semanas adicionais de benefícios.
Também há a expansão temporariária a elegibilidade, a partir de 1º de abril, para
licença médica paga e licença médica e familiar ampliada por motivos especificados relacionados ao COVID-19, com a previsão do reembolso a empregadores do setor privado
dos EUA que possuam menos de 500 funcionários, com a concessão de créditos tributários pelo custo de fornecer licença remunerada a empregados por motivos especificados
relacionados ao COVID-19, como: (i) o funcionário ou alguém que ele cuida está sujeito a uma ordem de quarentena do governo ou foi aconselhado por um profissional de
saúde a se colocar em quarentena; (ii) o funcionário está com sintomas de COVID-19 e
está procurando atendimento médico; ou, (iii) o funcionário está cuidando de seu filho
ou filha cuja escola ou local de atendimento está fechado, ou cujo prestador de cuidados
infantis não está disponível por razões relacionadas ao COVID-19.
41.
42.
43.
70
Vide sobre o assunto https://www.ceoe.es/blog/informacion-sobre-el-covid-19/ . Acesso em 11/04/2020.
Disponível em https://www.whitehouse.gov/briefings-statements/president-donald-j-trump-providing-economic-relief-american-workers-families-businesses-impacted-coronavirus/. Acesso em 10 de
abril de 2020.
Idem.
Cap. 2 • DEJÀ-VU HISTÓRICO, NORMATIVIDADE E SOCIEDADE EM MUTAÇÃO
V. Considerações finais
Por tudo o que aqui já foi dito, há um sem numero de soluções possíveis, dentro
de um quadro de análise jurídica combinatória que é inédito e, ao fim e ao cabo, que
tem se apresentado positivo em seus resultados diários. As rápidas soluções buscadas para
suprir o vazio de fontes do direito específicas e preparadas para as situações geradas pela
pandemia.
Tais efeitos, que poderiam ser denominados de “distúrbios sociais e políticos” 44
geram uma desordem que pode resultar em uma “situação criadora, uma vez que torna
visível os problemas, tensões e insatisfações latentes no mundo social, podendo ser também fonte de mudanças”, estimulando o surgimento de “novos comportamentos tanto
políticos como sociais”45.
É necessário, contudo, certa dose de parcimônia, como aqui já se mencionou, e
embasamento normativo linear. Mais até do que nos casos difíceis afetos ao direito da
saúde que refogem à situação da pandemia do COVID-19, o prejuízo gerado pela falta
de previsibilidade e insegurança da população- já afetada por situação que gera de per
se temor e ansiedade pode chegar a níveis exponenciais equiparáveis à crise biológica já
existente. Erros de cálculo acerca da falseabilidade e dos resultados gerados por medidas impostas sem seguir parâmetros mínimos de linearidade e objetividade não podem
ocorrer.
Longe de propor uma solução definitiva a esses novos e super hard cases, recorre-se ao que a experiência de dejà-vu do início do século já demonstrou: a capacidade de
estabelecer negociações em torno da definição da doença,em situações que eram sempre
complexas, com “o acordo sobre a definição da doença pode prover bases para mediar
compromissos ou padrões de ações administrativas”46 deve ser sempre priorizado.
Não por acaso, os resultados positivos da criatividade jurídica consciente já forneceram respostas rápidas para a orientação da utilização de meios consensuais, nessas situações em que o direito posto não apresenta solução pronta. No âmbito Justiça do Trabalho, por exemplo, a Recomendação CSJT. GP 001/2020, já trouxe, desde no tocante à
tentativa de mediação e composição relativa às situações decorrentes da contingência de
pandemia, privilegiando soluções que não inviabilizem a continuidade das atividades essenciais, e atentem para a realidade concreta de cada jurisdição no segmento profissional
e econômico respectivo47. Recomenda-se, ainda, a atuação com o apoio direto das entidades sindicais das categorias profissionais e econômicas envolvidas, dos advogados e dos
membros do Ministério Público do Trabalho (MPT), também no âmbito regional dos
44.
45.
46.
47.
Utiliza tal expressão como efeito das endemias EVANS, Richard. Epidemics and revolution: cholera
in nineteenth century Europe. 1992 In Terence Ranger e Paul Slack (orgs.). Epidemics and ideas.
Cambridge, Cambridge University Press. Apud GOULART, Adriana. Op. cit.
GOULART, Adriana. Op. cit.
Idem.
Disponível em https://hdl.handle.net/20.500.12178/169693. Acesso em 16/04/2020.
71
O DIREITO DO TRABALHO NA CRISE DA COVID-19
Núcleos Permanentes de Métodos Consensuais de Solução de Disputas (Nupemec-JT) e
dos Centros Judiciários de Métodos Consensuais de Solução de Disputas (CejuscC-JT).
Por outro lado, a atividade jurisdicional, atualmente exercida sob a forma de smart
working, não pode se limitar, apenas e tão-somente, a decidir questões urgentes. A continuidade da prestação jurisdicional se impõe seja retomada e, conta com os meios disponibilizados pela tecnologia da informação, mediante a utilização das plataformas de
teleconferência com a retomada das audiências e dos julgamentos tele presenciais, como
estabeleceu o Tribunal Superior do Trabalho, nos atos conjuntos TST.GP.GVP.CGJT nº
170 e CSJT.GP.GVP.CGJT nº 5, ambos de 17 de abril de 2020.
E, se já tem sido constatado que o diálogo social é o remédio natural para lidar com
o paradoxo da coexistência do isolamento social, manutenção dos postos de trabalho,
e a continuidade das atividadeseconômicas48·, o remédio de pacificação social funciona
como antídoto eficaz para curar as nossas mazelas e angústias jurídicas atuais.
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Abr. 2020. https://doi.org/10.1590/S0104-59702005000100006.
48.
72
Extraído de assertiva de um advogado trabalhista francês, conforme matéria veiculada no Jornal Le
Monde de 08/04/2020. Trad. Livre do original: “ Les négociations sociales sont le liant naturel pour mettre
en œuvre l’injonction paradoxale qui nous est faite : rester chez soi, mais sans que l’activité économique
ne s’arrête”. DUBERTRAND, Miriam. Pendant l’épidémie due au coronavirus, le dialogue social
continue.https://www.lemonde.fr/emploi/article/2020/04/08/pendant-le-covid-19-le-dialogue-social-continue_6035933_1698637.html. Acesso em 10/04/20.
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73