ICONOGRAFIA DO RIO GUAMÁ: À MARGEM DE BELÉM
NASCIMENTO, CLAUDIA H. C.
Técnica em Gestão Cultural – Arquiteta – da Secretaria de Estado de Cultura do Estado do Pará, lotada no
Arquivo Público do Estado do Pará; Arquiteta e Urbanista, especialista em Semiótica e Artes Visuais,
licencianda em Artes Visuais e mestranda em Arquitetura e Urbanismo - Patrimônio, Restauro e
Tecnologia - do PPGAU/FAU/UFPA
Endereço Postal: Rua Barcarena, 97 – Conjunto Médici 1 – Marambaia – Belém/PA
E-mail: crodianascimento@yahoo.com.br
RESUMO
A cidade de Belém foi fundada num promontório no ponto onde o Rio Guamá desemboca no braço sul do
delta da foz amazônica. Esta localização visava à proteção do limite norte do inconstante traçado de
Tordesilhas, já bastante concorrido por vários interesses estranhos à Coroa Portuguesa e tão estratégico à
penetração aos sertões. Não se trata de uma construção simples, visto que o território amazônico esteve
subordinado a várias tensões, tanto de ordem política quanto simbólica, estabelecendo limites reais e míticos
entre as posses daqueles que aqui chegaram e se achavam senhores deste território, desde o século XV. A
Igreja também se apresentava como elemento destas tensões políticas, especialmente as missões jesuíticas,
tão fortes a serviço de Castela na América. Há uma relação intrínseca entre estas “margens míticas” (Ugarte,
2003) e os desejos dos colonizadores em determinar os limites, de forma documental, representando e
ocultando territórios, construindo os domínios em relatos e mapas.
Constatado o fato de que o Rio Guamá é ignorado na representação da cartografia dos séculos XVII e até
meados do século XVIII, buscou-se identificar o que e para quem estes mapas serviam. Desta forma, o artigo
busca apresentar a representação do espaço geográfico do Rio Guamá, região adjacente à Belém/PA,
através da iconografia, especialmente cartográfica, a fim de entender o porquê deste território só ter surgido
efetivamente como representação gráfica confiável a partir do século XVIII, com a chegada da Primeira
Comissão Demarcadora de Limites, a serviço do Marquês de Pombal. O atual Rio Guamá (que também
assumiu outras toponímias ao longo do tempo) era, como de fato ainda o é, e até os dias atuais, importante via
de acesso e integração com a região próxima à Belém. O estudo do crescimento do núcleo inicial de Belém,
fundado no século XVII por Caldeira Castelo Branco na foz do Rio Guamá com a instalação do Forte do
Presépio, sempre foi tratada pela historiografia a partir de sua expansão por terra firme, sem considerar a
importância das vias fluviais, fundamentais no período colonial na Amazônia.
Em princípio temos a análise da iconografia americana, onde mais que rios ou demarcações geográficas, o
que determinavam os territórios eram os seres e riquezas, as vontades humanas reais ou imaginadas. Os
territórios, pontuados por monstros ou riquezas também eram condicionados pelos desejos de portugueses,
espanhóis, franceses, holandeses em garanti-los. As hipérboles de algumas representações monstruosas, a
presença sutil de algum elemento gráfico como um pequeno anjo eram elementos que foram travando as
batalhas nos territórios amazônicos. As tensões históricas são visíveis na cartografia, da mesma forma que o
silêncio nas informações também, e vão consolidando formas gráficas através de relatos,não pouco
impregnados das tensões políticas e das descrições míticas.
A escolha do Rio Guamá com o objeto desta análise se deu por consequência de várias invisibilidades
históricas, que nada mais são que tentativas de construção de um discurso oficial da construção do espaço
amazônico. Em detrimento do fato da existência de igrejas e sítios arqueológicos que indicam com firmeza a
ocupação e contribuição efetiva da produção agrícola colonial desta região para o desenvolvimento de Belém,
o lugar-comum de sua história ignora os caminhos dos rios Guamá, Capim, Bujaru e demais próximos à
Belém. O fato documental, quando cruzado com o fato material da arquitetura é exigido e trazido à
necessidade de iluminação, revelando contextos políticos e estratégicos de ocupação ou preservação dos
territórios, que podem ser considerados, em certa medida, modelo da territorialização na Amazônia Colonial.
Palavras-chave: Cartografia Histórica. Belém/PA. História da Amazônia.
1. NORTES, PARALELOS E LIMITES
―Também o que não é falado significa.‖ (Eni Pulcinelli Orlandi)
A iconografia americana e amazônica antecede seu conhecimento. Sem buscar as gêneses,
passamos a analisar as representações do território da foz do rio Amazonas que se estende nas
proximidades da atual cidade de Belém/PA, a fim de identificar nestas representações cartográficas
de que forma se consolida o território de seu entorno, especialmente do rio Guamá e de um de seus
afluentes, o rio Bujaru. Este interesse se deve ao fato da pouca e desencontrada informação sobre
a formação desta região – e poderia afirmar sobre a formação do território colonial amazônico – que
foi palco de embates e reivindicação de várias nações e inclusive da Igrejai. Poderíamos sem dúvida
supor que o fato de possuirmos uma vasta referência documental produzida a partir do século XVIII,
em especial pela equipe que compôs a I Comissão Demarcadora de Limites, como uma
necessidade de afirmação da política pombalina, construindo um novo cenário para o território
amazônico, que se refletiria com a construção de um novo discurso econômico e nas demais
relações da região.
O limite do Tratado de Tordesilhas não defendia o
território amazônico para a colonização portuguesa.
As várias tentativas de definir os limites entre as
coroas lusa e hispânica eram construídas a partir de
indefinições muito propícias a uma ou outra. Sem um
maior aprofundamento desta questão, trataremos a
partir da cartografia da época como e com que critérios
estas imagens forjaram o território amazônico e, em
especial, as lutas e tensões fizeram da região de
entorno da cidade de Belém, desde a sua fundação,
um espaço neutro e, por isso, invisível.
Belém foi fundada na foz do rio Guamá com o braço
direito do estuário da foz do Amazonas com a
premissa de proteção e guarda. Sua localização é
estratégica se pensarmos que para sua barra
convergem vários riosii, sendo a água via de acesso.
Contudo há uma grande inexatidão na sua
representação cartográfica, isto quando ele é
representado. É um espaço de contiguidade da Cidade
do Pará, onde não houve tensões territoriais e, como
um recanto seguro, não houve embates nos seus
Figura 1: Mapa esquemático com os
primeiros tempos que trouxessem à necessidade de
principais traçados do limite do Tratado
rememoração heroica ou de luto: um território de
de Tordesilhas.
relações amenas que não sustentou um valor
Fonte: Wikipedia.
memorial. Poderíamos com certeza afirmar que o rio
Guamá e seu afluente, o rio Bujaru são ínfimos se comparados ao grande rio Amazonas, tanto em
sua função estratégica e política de quanto em suas dimensões. Contudo, mesmo esta afirmação
não justificaria o seu apagamento dos mapas.
Partiremos então neste caminho de compreensão desta região a partir das representações
cartográficas, a fim de buscarmos ver além das palavras, no silêncio dos vários acervos
iconográficos.
2.
NOVO MUNDO ADMIRÁVEL
As novas fronteiras ocupadas pelos colonizadores europeus trouxeram a necessidade do novo e do
fantástico. Antes mesmo da compreensão do território ocidental à Europa, a simples intenção de
alcançá-lo trazia em si o desafio do embate com seres míticos e tabus. Desta forma, não é de todo
estranho,
que
as
representações deste
Novo Mundo viessem
repletas de exotismo e
mistério.
Talvez
o
Planisfério de Cantino
(Figura 2) seja perfeito
para ilustrar este fato:
uma das mais belas
iconografias do século
XVI,
contudo
representa o território
lusitano na América, a
oeste do traço de
Tordesilhas, como a
Figura 2: Planisfério de Cantino, 1502.
“Terra dos Papagaios”,
Acervo: Biblioteca Estense, Módena, Itália
com
um
destaque
visual
por
sua
composição gráfica que
eclipsa o continente
europeu e as Índias
sem, contudo, buscar
sequer um traçado
fictício para o limite do
continente, como foi
suposto para o asiático.
Esta
imagem
é
extremamente
representativa do que
seria para a Europa
este novo continente,
que viria a encontrar
ressoo nos relatos de
viagens de Vicente
Yañes
Pinzón,
Francisco de Orellana,
Pedro de Úrsua, Lope
de Aguire, entre outros
que
auxiliaram
a
Figura 3: “The marine monster as
Figura 4: Planisfério anônimo ca.
construir uma ―margem
depicted in the Escorial”
1545, pormenor.
Fonte: MAGALHÃES DE
Fonte: Österreichische
mítica‖ iii para o mundo
GANDAVO, História da província
Nationalbibliotek, Viena, Áustria.
do século XVI.
de Santa Cruz, 1576
Quer fosse o Eldorado,
a terra de papagaios, um mar doce, o território das guerreiras amazonas ou de qualquer outro
cenário ou ser, o fato é que a natureza diferenciada do novo continente, especialmente a “terra de
ninguém” equatorial incitava a imaginação que por sua vez construiu territórios onde o contato com
o exótico delineou este Novo Mundo. Mesmo a primeira descrição textual que cita o território
amazônico, embora com certa precisão dos termos, não se isenta de também fazer o seu relato
sobre monstro marinho e sobre as mulheres amazonas:
―Algumas índias há também entre eles quem determinam de ser castas: as
quem não conhece homem algum de nenhuma qualidade, nem o
consentiram ainda quem por isso as matem. Estas deixam todo o exercício
de mulheres e imitiam os homens e seguem seus ofícios como se não
fossem fêmeas. Trazem os cabelos cortados da mesma maneira que os
machos, e vão à guerra com seus arcos e flechas e à caça perseverando
sempre na companhia dos homens, e cada uma tem mulher quem a serve
com quem diz que é casada, e ali se comunicam e conversam como marido
e mulher.‖ iv (Magalhães de Gandavo, 1576)
Temos firme convicção de que os
discursos sobre o fantástico território
amazônico e suas representações
gráficas foram, sem sombra de dúvida,
incorporados como instrumento de
preservação
dos
territórios
conquistados, para que as incursões
estrangeiras fossem menos intensas.
Contudo podemos encontrar várias
iconografias holandesas (Figura 5),
francesas (Figura 6), espanholas
(Figuras 7 e 8), além de portuguesas
nesse
século
que
apresentam
bestialidades e feras. A luta territorial,
antes de ser travada em confrontos
militares ou diplomáticos, foi feita em
documentos manuscritos, desenhos e
aquarelas que, num momento em que
apenas a pena sobre o suporte de um
documento poderia ser considerada
como informação confiável. Desta
forma as fronteiras traçadas a tinta
eram
protegidas
por
guardiões
armados e selvagens, desenhos de
fortificações e outros perigos.
Interessante notar que não apenas no
mapa que Theodoro de Bry v fez com
privilégio da majestade espanhola, mas
em vários mapas do acervo da I
Comissão Demarcadora de Limites,
podemos observar este tipo de
representação, onde a Província do
Peru domina a região amazônica,
inclusive com a mudança de nome de
localidades já estabelecidas, como
observada a cidade de Orellana (Figura
8), onde estaria fundada, a quarenta
anos da data da execução do mapa
pelo eminente cartógrafo, a cidade de
Belém. Por sua vez, é de um anônimo
holandês a representação mais antiga
da cidade de Belém (Figura 9).
Figura 5: “NIEUWE CAERTE” (Novo Mapa da
Maravilhosa, Grande e Rica Terra da Guiana), 1598.
FONTE: World Digital Library/UNESCO
Figura 6: “AMERIQUE”, século XVI.
Fonte: Acervo da I Comissão Demarcadora de Limites
Registro fotográfico: Estefany Miléo.
De acordo com Reis (2000), a próxima
iconografia conhecida da cidade de Belém só surgirá cento e dez anos depois. Para entendimento,
me utilizo mais uma vez de Magalhães de Gandavo:
Figura 7: “AMERICAE PARS MAGIS COGNITA”, Autor
Theodoro de Bry, 1652.
Fonte: Acervo da I Comissão Demarcadora de Limites
Registro: Estefany Miléo.
Figura 8: Detalhe do mapa anterior,
mostrando a foz do rio das Amazonas e
a cidade de Orellana, 1652.
Figura 9: “De stat ende fort van Grand para”, autor não identificado, século XVII.
Acervo: Algemeen Rijksarchief, Haia
Fonte: REIS, Imagens de Vilas e Cidades do Brasil Colonial.
―Porém já que os estrangeiros a tem noutra estima, e sabem suas
particularidades melhor e mais de raiz que nós (aos quais lançaram já os
Portugueses fora dela à força d’armas por muitas vezes) parece coisa
decente e necessária, terem também os nossos naturais a mesma notícia
(...)‖ vi (Magalhães de Gandavo, 1576)
Figura 10: “O Maranhão ou Rio Amazonas com a Missão da Companhia de Jesus”, 1707.
Autor: Pe. Samuel Fritz S.J.
Acervo: Biblioteca Nacional, Rio de Janeiro.
Com isto destaca o quão importante
era para as outras nações conhecer
bem a geografia de um território sobre
o qual nem mesmo os portugueses
dominavam.
A
política
colonial
portuguesa
carecia
de
um
posicionamento em relação à política
de suas coroas. A ocupação do
território, as relações econômicas e
sociais estavam sendo mediadas por
donatários, sesmeiros e ordens
religiosas. Os representantes da Coroa
na província pouco ou nada tinham de
autonomia, muitas vezes sendo
forçados ao contradito para atender às
determinações de Portugal.
Figura 11: Detalhe do mapa anterior.
AUTOR Pe. Samuel Fritz SJ. Detalhe.
ACERVO: Biblioteca Nacional, Rio de Janeiro.
É no mínimo curioso perceber que o
mapa do Pe. Samuel Fritz S.J. (Figuras
10 e 11), o qual dedica a D. Felipe V,
encerre
seu
desenho
aproximadamente onde seria a
fronteira mais consolidada do Tratado
de Tordesilhas vii e, coincidentemente
(ou não) mais favorável à coroa
hispânica. De forma tímida, o Rio
Guamá surge neste desenho, sem denominação, enquanto que no mapa de Theodoro de Bry
(Figuras 8 e 9) um grande rio, lindeiro à cidade de Orellana, é identificado com a toponímia de Rio
Aoripana. Deter-nos-emos neste momento à comparação destes dois mapas.
2.1.
A Igreja e a Coroa
―Por isso, faça festa, ó céu. Alegrem-se os que aí vivem, Mas ai da
terra e do mar, porque o Diabo desceu para o meio de vocês. Ele
está cheio de grande furor, sabendo que lhe resta pouco tempo.‖
(Apocalipse 12, 12)
Interessante notar que no século XVIII as representações míticas desaparecem, mas não as
alegorias. O território, sob a égide de uma representação fiel do território, se ampara de signos
católicos, citações em latim, para conceder status de consistência e verdade. Em ambas as
iconografias há a necessidade de determinação do território pela presença da Igreja, seja de forma
objetiva, evidentemente expressa no mapa do Pe. Samuel Fritz S.J., seja de forma sutil, como na
representação de Theodoro de Bry.
A presença jesuítica, justificada pela divisão territorial das nações indígenas, estabelece a leitura de
que a Companhia de Jesus possuía o domínio total do território do Maranhão, ignorando outras
formas de ocupação e territorialização, como as sesmarias concedidas desde o século XVII e a
presença de outras ordens no trabalho missionário ou não. Na representação do missionário da
Província de Quito, temos o selo da Ordem localizada ao centro, mas lançando suas luzes para as
missões sob a égide da coroa espanhola, como se as missões do território português não tivessem
a mesma bênção.
No mapa de Theodore de Bry temos esta presença sagrada estabelecendo os limites entre as
coroas espanhola e portuguesa, através de uma faixa carregada por um puto viii localizado no
mesmo limite consolidado citado anteriormente. Outros detalhes simbólicos, inseridos de forma
sutil, são colocados como para estabelecer diferenças qualitativas aos territórios das duas coroas,
como o monstro marinho nos mares lusitanos, próximo à insígnia da Coroa e a caravela ao sul,
também fortalecendo a marca meridional máxima do limite do tratado. Desta forma temos como
signos que estabelecem as fronteiras conflituosas à presença da empresa divina e humana, ao
norte e ao sul respectivamente.
Citando outro trecho do Apocalipse:
―Quando viu que tinha sido expulsa para a terra, o Dragão começou a
perseguir a Mulher, aquela que tinha dado à luz um menino homem. Mas a
Mulher recebeu as duas asas da grande águia, e voou para o deserto para
um lugar bem longe da Serpente. (...) A Serpente não desistiu: vomitou um
rio de água atrás da mulher para que ela se afogasse. Mas a terra socorreu
a Mulher: abriu a boca e engoliu o rio que o Dragão tinha vomitado. Cheio de
raiva por causa da Mulher, o Dragão começou então a atacar o resto dos
filhos dela, os que obedecem aos mandamentos de Deus e mantêm o
testemunho de Jesus.‖ ix (Apocalipse 12, 13-18)
Será que a verdade bíblica poderia ter sido trabalhada como retórica à perseguição dos jesuítas,
consolidada nas verdades dos documentos iconográficos? É muito importante entendermos de
onde surgem as falas para uma melhor análise do discurso. Não buscando o aprofundamento sobre
esta senda, poderemos contudo citar como fato histórico a expulsão dos jesuítas e, documental os
escritos do Pe. Gabriel Malagrida S.J., especialmente o capítulo intitulado ―Tractatus de vita et
império anticristi‖x, usado pela Coroa Portuguesa para subsidiar o processo inquisitório sobre o
jesuíta. Destaco deste texto, que descreve uma revelação sobre o castigo de Deus, alguns trechos:
―Da mesma forma, de que me foi feita, assim também, exporei
candidamente esta manifestação dos segredos de tanto peso. Muitas coisas
já manifestei no capítulo anterior acerca da indignação divina por causa da
Companhia exterminada, por pública sentença em todo o reino português e
também nas missões da Índia. Os divinos reveladores [Nossa Senhora e Pe.
Antônio Vieira] presentes pessoalmente afirmaram que a tal expulsão será
sentida de modo muito mais pesado que a destruição por Portugal pelo
prejuízo muito mais irreparável daquelas almas que os reis portugueses
deveriam em consciência ajudar. Ainda que tenha dito muito sobre o castigo
e flagelos que se hão de arremessar mais em breve do que pensava, sobre
os miseráveis réus, no entanto ainda calei muitas coisas das que me foram
declaradas e as dissimulei por uma particular dificuldade e aversão ao
anunciar coisas tão tristes, e sobretudo, acerca de algumas pessoas
determinadas.‖ (Malagrida, 1758)xi
Depois deste momento de digressão filosófica, voltemos aos mapas e ao tempo em que a coroa
portuguesa começa a construir também o seu discurso cartográfico, determinando o território de
suas províncias americanas.
2.2.
Capitanias, províncias e mapas
A iconografia lusitana, ou poderia agora
dizer a serviço da coroa portuguesa,
visou fortalecer a ocupação do território
americano através da determinação de
capitanias, datas, sesmarias, que foram
se consolidando como províncias ao
longo dos séculos. Se nem todos os
domínios portugueses foram exitosos,
econômica e politicamente, ao menos
configuraram mapas que, através
deles, foi-se forjando uma unidade
territorial que foi útil para a
argumentação sobre as questões de
fronteiras que iriam se consolidar nos
séculos XIX e XX. O projeto da unidade
da colônia portuguesa na América
trouxe em si o signo da unidade,
manifesta até o surgimento das
províncias, que levaram a dividir o
controle desse imenso território. Não se
tratava de um projeto de nação, como o
que seria forjado na Françaxii, mas de
unidade política centralizada na sede
da Coroa. As províncias deviam aval
constante das ordens reinóis, mesmo
para questões mais corriqueiras, muitas
vezes levada à revisão e retratação por
seus governantes.
FIGURA 12: “As capitanias do Brasil e o litoral da
América do Sul entre a foz do Amazonas e a Terra do
Fogo”, Luís Teixeira in Roteiro de todos os sinaes,
conhecimentos, fundos, baixos, alturas e derrotas, que
há na Costa do Brasil, desde o cabo de Santo Agostinho
até o estreito de Fernão de Magalhães, Ca. 1585-1590,
folio 34. Detalhe.
ACERVO: Biblioteca Nacional de Portugal, Lisboa
―Os lugares de memória nascem e vivem do sentimento que não há
memória espontânea, que é preciso criar arquivos, que é preciso manter
aniversários, organizar celebrações, pronunciar elogios fúnebres, notariar
atas, porque as operações não são naturais.‖ xiii (Pierre Nora)
Figura 13: “Brasil cuja Costa é de posse portuguesa
dividido em quatorze capitanias o centro do país é
habitado por muitos povos quase todos eles
desconhecidos”
Autor: Nicholas Sanson, 1656.
Fonte: Biblioteca Digital Mundial, UNESCO.
FIGURA 14: Detalhe do mapa anterior mostrando a
Capitania de Pará e Capitania de Maranhon.
2.3.
O projeto lusitano visava a colonização
com a partilha do território entre
patrícios, isto impunha a vinda das
mesmas referências culturais, uma
certa homogeneidade do território,
mesmo que partilhado; este domínio
não era capaz de dar conta dos
grandes territórios, vencer as serras e
por consequência os sertões eram
despoavoados. Temos explícito no
título do mapa de Sanson, de 1656
(Figuras 13 e 14). A presença das
ordens religiosas missionárias era útil
para mediar o choque cultural entre o
nativo e o colonizador e para marcar
ocupação das áreas inóspitas,
enquanto algumas ordens mantinham
suas funções associadas às cidades
ou com a instalação de conventos.
Retornando o foco ao tema central do
artigo, temos com o surgimento da
Província do Grão Pará e Maranhão,
uma tentativa de garantir o território
amazônico a partir de sua foz, esse
sertão de fácil acesso fluvial, do
crescente interesse de outras nações.
A confusão geográfica entre o que
seria a foz do rio Marañon e das
Amazonas foi resolvida com a
instalação das atuais cidades de São
Luiz e Belém, demarcando, como um
“lugar de memória”, o limite primitivo
do
Tratado
de
Tordesilhas,
reafirmarmado no século XVII e
dispensado com a União Ibérica.
Os limites
―A história, porque operação intelectual e laicizante, demanda análise e
discurso crítico.‖ (Pierre Nora)
A chegada da Comissão Demarcadora de Limites buscou consolidar não só as fronteiras
geográficas, mas a posse política do território luso na América Equatorial, principalmente. A
Província do Pará já havia se consolidado e tornaria-se a base para oo domínio do que hoje
chamamos de região norte do Brasil, especialmente a bacia amazônica. Contudo, já creio que ficou
exposto, havia um jogo de tensões políticas que haviam se amenizado com a consolidação de
alguns limites e a flexibilização de outros, especialmente os das coroas ibéricas. Esta ocupação
estratégica se fez também com o resguardo do território do interior. Pode-se afirmar que o Rio
Guamá era uma das principais entradas para esta retaguarda da cidade de Belém, através do qual
era possível a interligação por terra a pouco custo com, por exemplo, o Rio Caeté e, através dele, o
oceano e o Maranhão ou mesmo Lisboa, por consseqüencia. Porém o território não ser
desconhecido (Figuras 15 e 16), visto que muitas expedições de reconhecimento ou conquista se
aventuravam aos sertões.
Consolidada a posse e seguros de seus
domínios, a Comissão Demarcadora de
Limites veio traçar os documentos e dar as
regras. Os caminhos do Rio Guamá já não
eram segredo; fato temos que a sua
ocupação é contemporânea à fundação de
Belém, através de sesmeiros desde o
século XVII xiv , traçando novo vetor de
expansão da Cidade de Belém que nada
tem a ver com a propalada superação do
Piri. Enquanto o alagado era um estorvo, a
água em grande volume era, de fato, a via
de circulação do período colonial e foi, ao
longo dos rios, que foram consolidadndo as
ocupações. Não diferentemente das
aldeias missioneiras jesuíticas, que foram
paulatinamente sendo laicizadas, gerando
Figura 15: “Região compreendida entre o rio
as cidades que ostentam suas igrejas
Amazonas
e São Paulo”. Autor desconhecido, 1722
voltadas para os rios. Ao contrário das
Acervo: Biblioteca Nacional.
cidades onde as ocupações construíam as
Fonte: Biblioteca Digital Mundial.
vias através de suas fachadas, as vias
fluviais determinaram a ocupação de suas
orlas. A ordenação dos espaços, o reconhecimento e o fortalecimento das ocupações, o
estabelecimento de limites e normas, traços e estilos, tudo veio com a equipe de técnicos desta
Comissão. Não é de todo sem sentido o reconhecimento de uma história do Pará e da Amazônia a
partir de meados do século XVIII e tamanha dificuldade de se construir uma trajetória anterior.
Engenheiros Militares, cartógrafos, desenhistas e, concomitantemente, viajantes, estudiosos e seus
relatos foram construindo um corpo documental sobre a região. Não cabe mais construções
fantasiosas nem alegóricas, pois vários olhares estão descrevendo tudo, inclusive o olhar da Igreja.
3.
FIGURA 16: Carte du cours de Maragnon ou de la Grande Riviére des Amazones.
Autor Condamine, 1744
FONTE: Biblioteca Digital Mundial.
3. NOVOS CAMINHOS PARA O GUAMÁ
Muito mais do que entender como os mapas representam ou não uma região, é importante buscar
compreender o não-dito dos vários discursos dos documentos. Acredito que isso ficou claro através
da análise que foi apresentada até agora. O cruzamentode fontes nos permite consolidar leituras,
mas dentro de qualquer documento existem subtextos que pedem o seu decifrar. Não cabe aqui
nenhuma análise esotérica, no caso das cartografias de nossa região: mesmo os seres míticos
surgem de forma tão alegórica que, para nossos olhos atuais é incrível que alguém ainda possa ter
estes seres como determinantes. Mas o são. Até hoje, nossa região amazônica é determinada por
territórios de botos, cobras-grandes e chupa-cabras. A riqueza da cultura regional é tamanha, além
de suas distâncias e carências, que há a necessidade dos povos, tão influenciados por outros
povos, buscar em suas
crenças a construção
filosófica
e
cultural,
identidade entre si para
determinar seus próprios
territórios, mesmo que
simbólicos.
Os
mapinguaris ainda contém
a entrada em matas e a
ocupação das orlas ainda
exige a bênção de Iaras e
bispos sem cabeça.
Desta forma, também a
modernidade
construiu
seus mitos, sendo o maior
deles a velocidade que
possui no automóvel seu
arauto. A este deve-se o
grande
momento
da
FIGURA 16: Mappa do Bispado do Pará (detalhe)
economia
da
região.
Autor desconhecido, 1759
Desta sorte houve (como
Acervo: Biblioteca Nacional.
sempre há) a construção
Fonte: Biblioteca Digital Mundial
da retórica da substituição
e da criação de necessidades. Valores cartesianos induziram a redução do deslocamento a linhas
retas entre os vários pontos que foram surgindo, moldados pelas necessidades de dar ares
europeizantes e salubres às cidades. Fechar os olhos e janelas para o rio e abrir estradas, sejam
ferrovias ou rodovias, a fim de vencer distâncias com o menor tempo. Este mito foi em parte
superado, com a destruição da Estrada de Ferro Bragantina, que cedeu lugar às rodovias que, até
hoje, são o ovo-de-Colombo dos novos descobrimentos dos territórios americanos do sul. Nada há
de anormal, apenas consequência dos mitos que determinam os espaços.
A Comissão Demarcadora de Limites, no século XVIII tinha a preocupação de reconhecimento e
fortalecimento das conquistas no território amazônico. Fez do papel seus lugares de memória,
mesmo na utopia de padronização das paroquiaisxv ou na fortificação da cidade de Belém, porém
poucos de seus mitos sobreviveram ao fato documental. Apesar da construção utópica para a
Província, temos também o reconhecimento cartográfico preciso, função primeira desta Comissão,
o que nos permite referenciar e reafirmar sempre suas posições quase como se fossem em si o mito
de origem. Isso se consolida na carência de documentação a respeito dos períodos anteriores, fato
que possui várias justificativas, porém também poderia ter uma intencionalidade política.
Levantamos a hipótese de que a inexistência (ou a dificuldade de) informações históricas anteriores
à década de 1750 sobre os municípios da região17 nos faça crer na prática de Damnatio memoriae18
do período anterior à chegada da Comissão Demarcadora de Limites, que vem sendo resgatado a
partir de fontes como a arqueologia. As informações preliminares têm mostrado isto, contudo não
cabe neste momento demonstrar esta ocorrência, entretanto a atenção a esta possibilidade permite
uma pesquisa mais livre das predeterminações históricas, abrindo a possibilidade de vários
caminhos.
Figura 17: “Mappa dos Rios Guamá, Guajará e Cayté do Estado do Grão-Pará, aonde mostra-se o
Caminho novamente aberto por terra da Villa nova de Bragança para a de Ourem”. Desenho copiado
manualmente do original produzido em 1754 por Galluzzi, pelo Capitão Antonio Vilela de Castro
Tavares, em 1870.
Acervo: Arquivo Público do Estado do Pará.
Registro: Claudia Nascimento.
No século XVIII ainda acreditava-se na viabilidade fluvial. O Mappa dos Rios Guamá, Guajará e
Cayté do Estado do Grão-Pará, aonde mostra-se o Caminho novamente aberto por terra da Villa
nova de Bragança para a de Ouremxvi (Figura 17) nos apresenta claramente isto. Se compararmos
com o território da municipalidade de Belém no início do século XX (Figura 18), reconheceremos
que estes caminhos se consolidaram no que seria o núcleo primeiro da Capitania do Pará (Figura
14), o que nos leva a afirmar que a necessidade de resguardo deste território do Rio Guamá era, de
fato, importante para a estratégia de consolidação da presença portuguesa na Amazônia,
ampliando o entendimento do Centro Histórico de Belém para as suas outras margens, em vetores
muito além do Piri.
O que falamos do Guamá se estende a todos os seus afluentes. A bibliografia sobre os jesuítas xvii
não faz referência ao rio Bujaru ou ao rio Guajará, Guamá ou Capim, topônimos do rio Guamá. Por
sua vez, na bibliografia de referência sobre os carmelitasxviii indica que o território foi doado aos
carmelitas ainda no século XVII, muito embora a própria aceitação desta doação tenha sido
contestada pela ausência de documentos comprobatórios no século XVIII. Porém o mapa de
Galluzzi (Figura 17) confirma este território carmelitano no entorno do Rio Bujaru.
Partindo-se da data de 1847xix, podemos aferir que a existência da freguesia de Santana do Bujaru
é anterior. No Rol de Confessados de 1765 (Figura 19), temos o registro de Santana e no Mapa do
Bispado do Pará (Figura 16), a temos não só a delimitação do território da freguesia do Rio Bujaru
mas também a localização de sua igreja, correspondente ao nosso estudo, antecipando a sua
datação em, ao menos, um século.
O que temos de dados históricos, especificamente em relação aos carmelitas, é a sua instalação em
Belém a partir de 1627, para o cumprimento de sua ação pastoral na cidade, como era costume,
tendo recebido por doação de Balthazar de Fontes [ou “de Fonseca”] e esposa
―huá Legua de terra no Rio Bujarú, por carta de 14 de Junho de 1624, feita
por Bernardo Ribeiro Serrão, que a registrou no L° das Datas, em 5 de 9bro
do mesmo anno (...) Balthazar da Fonseca e sua M.er Maria de Mendonça
doarão esta Legoa de terras ao Convento (que neste tempo foi fundado)
para seu Patrimonio por Escriptura de 20 de Maio de 1627‖. (PRAT, Vol. 1 p.
53)
Figura 18: Carta do Município de Belém feita na administração de Antônio Lemos
Autor: Palma Muniz, 1905
Acervo: Arquivo Público do Estado do Pará.
Registro: Claudia Nascimento.
Do mesmo autor temos referências sobre as posses carmelitanas na região de Bujaru:
―Bom Intento — Antiga Fazenda dos Frades Carmelitas no Rio Guaná [sic]
(Guajará) município de São Domingos do Capim. Da antiga Capela nada
resta, nem do engenho de açúcar.
Bom Jardim — antiga Fazenda da Carmo de Belém, está situada logo
abaixo do Rio Bujarú, na margem esquerda do Rio Guamá (Guajará). Houve
capela em honra de Santa Teresa. Nada mais resta. (Viagens de um
Coadjutor Rural).
Bujarú — Vila de Sant’Ana — Está situada no município de São Domingos
de Capim. Há uma Igreja reconstruída. Do tempo dos Frades Carmelitas
restam as antigas imagens de N. S. da Conceição, de Santo Elias, do Santa
Teresa, de Sant’Ana (grifo nosso). Há uma tradição carmelitana entre o
povo, que guardou uma devoção especial à Nossa Senhora do Carmo.
(Lit. Dom Frei Caetano Brandão: Memórias, Braga 1867, 271, viagens de um
Coadjutor Rural).‖ (PRAT, Vol. 2, p 9 e 10.)
―Engenhoca, antiga Fazenda do Carmo de Belém, no Guamá (Rio Guajará).
Aconteceu com o Prior do Carmo de Belém do Pará, Frei João da
Encarnação, que sendo perguntado pelo Governador do Pará com que
licença erigira a Engenhoca de Santa Teresa de Monte Alegre, lhe
respondeu que com a de Santo Elias. Foi em 1682. Hoje nada mais resta da
antiga Capela, que era de estilo. Só guardam-se duas antigas imagens de
Santa Teresa e um antigo Cruzeiro. Houve antigamente uma água especial
em Engenhoca, que curou muitas doenças. (Compêndio 150, Viagem e
desobrigas de um Coadjutor Rural).‖ (PRAT, Vol. 2, p 13 e 14.)
―Valverde, fazenda dos Frades Carmelitas de Belém no Guamá, abaixo da
boca do Rio Bujarú. A Capela de Sant’Ana não existe mais.‖ (PRAT, Vol. 2, p
26)
Figura 19: Lista das Igrejas Parochiaes, Freguezias e Povoaçoens desta Capitania do Grão Pará e das
Pessoas Maiores e Menores, q respectivamente tem, segundo os Róes dos Confessados do prez.te anno
1765.
Acervo: Biblioteca Nacional de Lisboa.
Fonte: RODRIGUES, 2008.
Neste ponto da pesquisa temos então que a existência da igreja de Santana do Bujaru remete a
meados do século XVIII, conforme documentação encontrada. Por serem as sesmarias dações de
terra de uma légua por três léguas, temos que, possivelmente a doação de 1624 corresponda a todo
o território do atual município de Bujaru ou da antiga freguesia.
4.
IMAGENS FINAIS
Para ler é sempre necessário domínio, esforço e liberdade. Não somos capazes de nos satisfazer
um livro, por exemplo, se não conhecemos seu código linguístico, sem buscarmos a fonte que
alimente nosso desejo e se não tivermos a possibilidade de construir nossas próprias articulações.
Desta forma entendemos que a leitura cartográfica possui expressões típicas, e a cada tempo esses
elementos são reconstruídos. Este tipo de iconografia é rica mas cheia de meandros, como os
territórios e tempos que representa.
Ao propormos uma leitura da iconografia do rio Guamá, lançamos aqui a liberdade de buscarmos
estas referências visuais além dos mapas, documentos formais e cheios de mistério. Entendemos
que há muito o que se pesquisar sobre esta região, na mesma proporção de sua riqueza. Assim
sendo, apresentamos outros elementos, detalhes, que compõem a Iconografia do Rio Guamá,
tendo como foco o rio Bujaru, para que possamos alimentar nosso desejo pelo novo e desconhecido
em nossas futuras inquietações.
Aceitando o fato de que estas últimas imagens são um pinçar de uma única igreja, temos que nos
curvar ao fato de que a iconografia do rio Guamá, a despeito do esforço de todos os cartógrafos,
desenhistas e historiadores, ainda está
para ser pesquisada a fundo. Não seria
jamais a intenção deste texto
esgotá-la, mas certamente de levantar
questionamentos e dúvidas para que a
região possa receber a atenção devida
como monumento histórico que é. E
lançando os olhos atentos aos signos
que surgem nesta região, repleta de
monumentos históricos que também
são documentosxx.
Figura 20: Brasão do Império Português no arco cruzeiro
da Igreja de Santana do Bujaru – Bujaru/PA.
Registro: Claudia Nascimento, 20/07/2010.
Figuras 21 e 22: Fechadura e chave, e conjunto de sinos
da Igreja de Santana do Bujaru – Bujaru/PA.
Registro: Claudia Nascimento, 20/07/2010.
Figura 23: Imagem de Santana
Mestra, padroeira na Igreja de
Santana do Bujaru – Bujaru/PA.
Possivelmente herança carmelitana.
Fonte: Arquivo DPHAC
AGRADECIMENTOS
À coordenação do Programa de Pós Graduação em Arquitetura e Urbanismo da Universidade
Federal do Pará – PPGAU/UFPA – por ter, através do Prof. Dr. Fernando Luiz Tavares Marques,
considerado viável pesquisar uma igreja sobre a qual há tão pouca referência documental e
tamanha dificuldade de acesso.
À direção do Arquivo Público do Estado do Pará, que tem pacientemente aceito minhas digressões
filosóficas sobre o acervo icono-cartográfico desta instituição, tendo permitido fazer o registro
fotográfico do ―Mappa dos Rios Guamá, Guajará e Cayté do Estado do Grão-Pará, aonde mostra-se
o Caminho novamente aberto por terra da Villa nova de Bragança para a de Ourem‖ e construir este
artigo.
Ao Prof. Historiador Dr. Aldrin Moura Figueiredo, que através da disciplina História, Patrimônio e
Monumento provocou a produção deste artigo.
Aos colegas historiadores com quem tenho buscado aprender sobre os universo dos documentos,
em especial ao Éderson José Teixeira Pinho, colega do setor de iconografias da APEP, pela
paciência.
À arquiteta e colega de mestrado Estefany Miléo, que no impedimento de poder fazer as fotografias
na I Comissão Demarcadora de Limites, em Belém, foi meu olho digital.
À minha família, especialmente aqueles que sempre declararam acreditar em meu potencial: meu
pai, minha mãe e minha filha Catarina.
À Minas Gerais, onde nasceu minha paixão pela arquitetura, patrimônio e história.
A todos que ouviram meu discurso apaixonado (mesmo àqueles que não acreditaram ser viável).
REFERÊNCIAS
AZEVEDO, João Lúcio. Os Jesuítas no Grão-Pará. Belém: SECULT, 1999.
BAENA, Antônio Ladislau Monteiro. Compêndio das Eras da Província do Pará. Belém: Universidade
Federal do Pará, 1969
GOVONI, Ilário. Malagrida no Grão Pará. Belém: Gráfica Amazônia, 2009.
LE GOFF, Jacques. História e Memória. São Paulo: UNICAMP, 1990.
LUSTOSA, Antonio de Almeida. No estuário amazônico: à margem da visita pastoral. Belém : Conselho
Estadual de Cultura, 1976.
NORA, Pierre. Entre Memória e História: a problemática dos lugares. In: PROJETO HISTÓRIA: revista do
Programa de Estudos Pós-Graduados em História e do Departamento de História da PUC/SP - n° 10. São
Paulo: EDUC, 1993, p.7-28 (tradução Yara Aun Khoury).
ORLANDI, Eni Pulcinelli. Terra à vista! Discurso do confronto: velho e o novo mundo. São Paulo: Cortez /
Campinas: Editora da Universidade Estadual de Campinas, 1990.
PRAT, Fr. André . Notas históricas sobre as missões carmelitanas no extremo norte do Brasil (Séculos
XVII e XVIII). Recife, 1941.
REIS, Nestor Goulart. Imagens de vilas e cidades do Brasil Colonial. São Paulo: Editora da Universidade
de São Paulo: Imprensa Oficial do Estado: Fapesp, 2000.
RIEGL, Aloïs. O Culto dos monumentos: sua essência e sua gênese. Goiânia: Editora da UCG, 2006.
RODRIGUES, Paula Andréa Caluff. Traços de Antônio Landi (1713 / 1791) nas paroquiais da Amazônia:
estudo imagético, tipológico e estilístico de igrejas da Mesorregião do Nordeste Paraense. Belém: UFPA,
2008.
SANTOS, Afonso Carlos Marques dos. Nação e história: Jules Michelet e o paradigma nacional na
historiografia do século XIX. Revista de História nº144 . p.151-180. RHBN: Rio de Janeiro, 2001. (arquivo
digital)
TEIXEIRA, Dante Martins. A “América" de Jodocus Hondius (1563-1612): um estudo das fontes
iconográficas. Revista do IEB, nº 46, p. 81-122, fev. 2008. (documento digital)
UGARTE, Auxiliomar Silva. Margens míticas: a Amazônia no imaginário europeu do século XVI. In:
PRIORE, Mary del & GOMES, Flavio dos Santos (org.). Os senhores dos rios: Amazônia, margens e
histórias. Rio de Janeiro: Campus, 2003, pp. 3-31.
i
Segundo o pesquisador Pe. Ilário Govoni S.J., um dos principais argumentos para a expulsão das ordens
missionárias (especialmente os jesuítas) da Amazônia estaria nas cláusulas secretas do governadorado da
Província, conhecido por Relação Abreviada, do Marquês de Pombal, em 1755, onde expõe a intenção por
parte dos religiosos jesuítas na criação de colônias e territórios na América para a Igreja.
ii
―A esta coadunação de rios serão os naturais e próprios indígenas da terra o nome de Guajará, que ainda
persevera. Os primeiros portugueses transplantados a tinham denominado Rio de Belém, deduzindo este
nome da invocação da Virgem de Belém Patrona tutelar da cidade. Mas em rigor geográfico é o Guamá (grifos
nossos) quem devia manter o seu nome até a ilha de Tatuoca, onde o Tucantins associado com os rios Cupijó,
Araticu, Puruaná, Panaiva, Mucajá, Jacundá, Jacarajó, Acutiperera, Uanapu, Pacaiá, Iriuaná, dispanados da
costa do continente situado entre Camutá e Gurupá, se ajunte com ele, e ambos defluem no oceano correndo
por entre a costa do continente da capital e a costa oriental da Ilha Grande de Joanes; porque o dito continente
é uma pequena península principiada da Vila de Ourem, onde um trato florestal de 5 léguas discrimina o berço
do rio Caité das águas do Guamá, o qual e o mesmo Caité cingem às terras deste continente.‖ (BAENA,
p.182)
iii
Faço referência aqui ao texto de UGARTE que coloca a América como uma imensa margem do mundo onde
haveriam outras margens.
iv
MAGALHÃES DE GANDAVO. The Histories of Brazil, p.35 Transcrição própria do fac-símile em português,
publicado em conjunto com sua primeira tradução em inglês, de 1922.
v
Theodor de Bry (Liège, 1528 – Frankfurt, 1598) foi ourives e editor belga que se tornou especialista
em gravuras em cobre. Nascido na Bélgica, logo fugiu para a Alemanha fugindo de perseguições religiosas
de católicos espanhóis. Viveu também na Inglaterra, onde expôs seus trabalhos sobre as viagens de
exploração dos De Bry ao novo mundo, editada sob o nome de Grand Voyage (1606), referência que
subsidiou a cartografia dos séculos sequentes, como o Atlas Mercator, de Jodocus Hondius, 1606. Entre suas
iconografias, está uma muito conhecida no Brasil que retrata um ritual de canibalismo dos
índios tupinambás na então colônia portuguesa. O trabalho de Theodore de Bry foi continuada por sua viúva e
filhos, o que, faz com que surjam iconografias sob sua assinatura após a sua morte.
vi
MAGALHÃES DE GANDAVO. Op.Cit, prólogo.
vii
Onde praticamente coincidem os traçados de Ferber (1495), dos Peritos de Badajoz (1524) e Olivedo
(1545), pouco além de 45°. Veja Figura 1.
viii
Puto é uma representação visual, semelhante a um querubim em todos os atributos, porém que se
diferencia pela presença da genitália masculina.
ix
MAGALHÃES DE GANDAVO. Op.Cit, prólogo.
x
Original pertencente ao Arquivo Nacional da Torre do Tombo, Lisboa. Fundo da Inquisição, maço 8064.
Tradução para o português em GOVONI, Ilário. Malagrida no Grão Pará, p. 171-174
xi
MALAGRIDA, In GOVONI. Op.Cit, p. 171.
xii
Sobre o assunto, temos o artigo de SANTOS (2001), Nação e História: Jules Michelet e o Paradigma
Nacional Na Historiografia Do Século XIX que nos remete a como foi forjada a mudança do olhar sobre a
França após a Revolução, e como a construção simbólica e os valores de subjetividade sempre foram aliados
para a definição de um coletivo centralizado. No caso da França, uma Nação autônoma e democrática, no
caso dos territórios americanos, a guerrilha dos seres míticos até o século XVIII-XIX e, no momento sobre o
qual nos debruçamos no texto neste momento, o da transferência de unidade cultural.
xiii
Sobre NORA, temos seu célebre texto “Entre Memória e História: a problemática dos lugares” em VÁRIOS.
História e Cultura, 1999 (Série “Projeto História”, 10), de onde retiramos este trecho da página 13. Tradução
Yara Aun Khoury.
xiv
APEP, ITERPA . Projeto Resgate.
xv
RODRIGUES, Paula Andréa Caluff. Traços de Antônio Landi (1713 / 1791) nas paroquiais da Amazônia,
2010.
xvi
Sobre este mapa, temos a reprodução de dois detalhes do original de Enrico Antônio Galluzzi, pertencente
ao acervo do Arquivo Histórico do Exército no livro de REIS (2000) denominados “Planta da Villa de Ourém” e
“Planta da Villa Nova de Bragança”. Esclarecemos que o mapa apresentado é uma reprodução fotográfica do
documento copiado manualmente pelo Capitão Antonio Vilela de Castro Tavares em 1870 (desenho a
nanquim colorido sobre papel aderido a um segundo suporte em linho resinado), do original produzido em
1754 por Galluzzi. O documento pertencente ao Arquivo Público do Estado do Pará, pertenceu anteriormente
ao acervo do “Grande Estado Maior do Exército – 3ª Secção”, conforme carimbos no documento. Desta forma,
acreditamos que este artigo possui como mérito, senão pelas considerações da autoria, o ineditismo desta
documentação.
xvii
AZEVEDO, Os Jesuítas no Grão-Pará, 1999.
xviii
PRATT, Notas históricas sobre as missões carmelitanas no extremo norte do Brasil (Séculos XVII e XVIII),
1941.
xix
LUSTOSA, Antônio de Almeida. No estuário amazônico. p. 251.
xx
Aqui articulo os conceitos de Monumento Histórico de RIEGL e o de Monumento-Documento de LE GOFF
para que entendamos a profundidade destes registros da cultura material, que encontram-se sob risco real de
dissociação de seus sítios originários, quer pela invisibilidade ou excesso de visibilidade, que conduz a
saques e vandalismos. Nenhuma ação pública jamais será tão eficiente quanto a apropriação verdadeira que
estes elementos tem pela comunidade que os guarda.