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Copyright do texto © 2022 Os autores
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Dimensões estéticas, cognitivas e tecnológicas de comunicação
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Os autores
Marcelo Pereira da Silva
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)
D582
Dimensões estéticas, cognitivas e tecnológicas de
comunicação / Organizador Marcelo Pereira da Silva. –
Ponta Grossa - PR: Atena, 2022.
Formato: PDF
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Modo de acesso: World Wide Web
Inclui bibliografia
ISBN 978-65-258-0082-0
DOI: https://doi.org/10.22533/at.ed.820222005
1. Comunicação. I. Silva, Marcelo Pereira da
(Organizador). II. Título.
CDD 302.2
Elaborado por Bibliotecária Janaina Ramos – CRB-8/9166
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escopo da divulgação desta obra.
APRESENTAÇÃO
A contemporaneidade nos impulsiona a pensar a Comunicação para além dos
lugares-já-feitos, das definições clichês, das repetições teóricas, rompendo com o círculo
vicioso que pouco – ou nada – contribui com a construção de um campo consistente e
solidificado, equilibrando suas dimensões estéticas, éticas, teóricas, metodológicas,
tecnológicas, técnicas, epistemológicas e praxeológicas.
Temos que a Comunicação remete a um universo complexo que se investe e reveste
de idiossincrasias que envolvem sujeitos, nações, narratologias, mídias e redes virtuais
e de massa, jornalismo, comunicação governamental, publicidade, cinema, produção
audiovisual, relações públicas, marcas, consumo etc.
Neste sentido, a obra intitulada “Dimensões estéticas, cognitivas e tecnológicas de
comunicação”, reúne investigações teóricas e analíticas de pesquisadores que trafegam
pelos campos da comunicação em suas diversificadas áreas e especificidades, erigindo
debates sobre os estatutos tecnológicos, estéticos e cognitivos da Comunicação em
um contexto cada vez mais midiatizado e perpassado pelas práticas e experiências de
consumo.
O cenário dos estudos comunicacionais evidencia a carência da renovação das
condições teóricas, epistemológicas, profissionais e metodológicas da Comunicação e
do fundamental laço social, tão frágil nas sociedades expostas aos imprevisíveis ventos
do globalismo, da midiatização e do consumo. Desta perspectiva, podemos produzir
mecanismos analíticos, dados e informações que geram efeitos positivos para as
sociedades e comunidades.
(Re)conhecer a relevância da Comunicação para as organizações, as nações e
os sujeitos tornou-se sine qua non para a compreensão da natureza humana, já que a
Comunicação se entrama ao/pelo tecido social, o define, o significa, o ressignifica e o
constitui.
Necessitamos admitir os desafios, os desvios e as dificuldades da Comunicação,
abraçando as oportunidades de investigações calcadas em suas dimensões cognitivas,
estéticas, éticas e tecnológicas em um mundo mergulhado no tech, mas, também e mais,
necessitado do touch, dos afetos.
Marcelo Pereira da Silva
SUMÁRIO
CAPÍTULO 1 ................................................................................................................. 1
INVESTIGANDO O DISCURSO GOVERNAMENTAL EM CAMPANHA DE SAÚDE: UMA
PROPOSTA DE ANÁLISE DAS UNIDADES DO DISCURSO
Ramirio Costa Ribeiro
Luciana Saraiva de Oliveira Jerônimo
Marcelo Pereira da Silva
https://doi.org/10.22533/at.ed.8202220051
CAPÍTULO 2 ...............................................................................................................14
MÍDIAS SOCIAIS PARA A INDÚSTRIA CRIATIVA: REFLEXÕES SOBRE POSSÍVEIS
CONTRIBUIÇÕES DA DICIPA PARA A COMUNICAÇÃO CIENTÍFICA DA UNIPAMPA
Franceli Couto Jorge
https://doi.org/10.22533/at.ed.8202220052
CAPÍTULO 3 ...............................................................................................................27
A INTERFERÊNCIA DA PANDEMIA NO MERCADO DE SERVIÇOS AUTOMOTIVOS,
DESDE SEUS CONSUMIDORES ATÉ SEUS PRESTADORES DE SERVIÇOS
Isadora Gualda Macedo
Guilherme Boldrin Medeiros
Vitor Christofoletti Laudares
Gustavo Teixeira Dias Otero
Marco Antonio Martins Teixeira Filho
Vitor Aires Gozzi Nogueira
https://doi.org/10.22533/at.ed.8202220053
CAPÍTULO 4 ...............................................................................................................38
DESIGUALDADE SOCIAL E PANDEMIA: UMA ANÁLISE DAS FOTOGRAFIAS
COMPARTILHADAS PELOS PERFIS @covidphotobrazil e @everydaybrasil
Camila Leite de Araujo
Juliana Lira de Oliveira
https://doi.org/10.22533/at.ed.8202220054
CAPÍTULO 5 ...............................................................................................................47
A FOTOGRAFIA E O URBANO: REPRESENTAÇÃO, MÁQUINA E TEMPO
Camila Leite de Araujo
Raquel de Holanda Rufino
https://doi.org/10.22533/at.ed.8202220055
CAPÍTULO 6 ...............................................................................................................59
USOS DO ESPETÁCULO COMO ESTRATÉGIA NA IMPRENSA
Beatriz Dornelles
Fabíola Brites
https://doi.org/10.22533/at.ed.8202220056
SUMÁRIO
CAPÍTULO 7 ...............................................................................................................72
A CONSTRUÇÃO DA IMAGEM DOS TERRITÓRIOS NA IMPRENSA ONLINE: ESTUDO
DE CASO DA REGIÃO DA SERRA DA ESTRELA, PORTUGAL
Nelson Clemente Santos Dias Oliveira
https://doi.org/10.22533/at.ed.8202220057
CAPÍTULO 8 .............................................................................................................105
MTV BRASIL: COMO A LINGUAGEM DA MTV DOS ANOS 90 DIALOGA COM A GERAÇÃO
ATUAL
Thayse Kiel Truffa
Cristian Cipriani
https://doi.org/10.22533/at.ed.8202220058
CAPÍTULO 9 ............................................................................................................. 118
A TELEVISÃO TEM FUTURO? UMA ANÁLISE SEMIÓTICA DA ÚLTIMA VINHETA DA
MTV BRASIL
Darly Gonçalves de Souza Júnior
Victor Reis Mazzei
https://doi.org/10.22533/at.ed.8202220059
CAPÍTULO 10...........................................................................................................132
SUBSÍDIOS TEÓRICOS PARA ANÁLISE DOS DIÁLOGOS
INTERDISCURSIVOS E TRANSMIDIÁTICOS NA COMUNICAÇÃO
Denise Azevedo Duarte Guimarães
INTERTEXTUAIS,
https://doi.org/10.22533/at.ed.82022200510
CAPÍTULO 11 ...........................................................................................................143
COMPREENSÃO DA RETÓRICA COM CONCEITOS SEMIÓTICOS PEIRCEANOS
Gilmar Hermes
https://doi.org/10.22533/at.ed.82022200511
CAPÍTULO 12...........................................................................................................155
AUDIOVISUAL, TECNOLOGIA E INTERAÇÃO: OBSERVAÇÕES DA SÉRIE DIÁRIO DE
UM CONFINADO
Carolina Fernandes da Silva Mandaji
https://doi.org/10.22533/at.ed.82022200512
CAPÍTULO 13...........................................................................................................169
A PARTICIPAÇÃO DO ESPECTADOR NO CURTA IDEOLOGIA, DE JOSÉ MOJICA
MARINS: UMA COMPREENSÃO POR MEIO DA NARRATIVA CINEMATOGRÁFICA
Fernando de Barros Honda Xavier
https://doi.org/10.22533/at.ed.82022200513
CAPÍTULO 14...........................................................................................................182
COMUNICAÇÃO E ARTE CRÍTICA - DOIS ARTISTAS, DOIS TEMPOS: GOYA E BANKSY
Geraldo Magela Pieroni
SUMÁRIO
Alexandre Ribeiro Martins
https://doi.org/10.22533/at.ed.82022200514
CAPÍTULO 15...........................................................................................................198
OS DESAFIOS DA INCLUSÃO DA POPULAÇÃO LGBT NO MUNDO DO TRABALHO:
A COMUNICAÇÃO COMO INSTRUMENTO DE DISSEMINAÇÃO DAS POLITICAS DE
DIVERSIDADE
Israel Gomes de Oliveira
Maria de Lurdes Costa Domingos
https://doi.org/10.22533/at.ed.82022200515
CAPÍTULO 16...........................................................................................................216
PROJETO SAIBA MAIS UEPG: AÇÕES NA CONSCIENTIZAÇÃO SOBRE PREVENÇÃO
ÀS IST’s E A GRAVIDEZ PRECOCE
Kauane Chicora
Letícia Prestes
Marcelly Ingles
Cristina Lucia Sant’ Ana Costa Ayub
https://doi.org/10.22533/at.ed.82022200516
CAPÍTULO 17...........................................................................................................221
LIDERANÇA E COMUNICAÇÃO: HABILIDADES QUE TRANSFORMAM PESSOAS EM
EQUIPES
Raiane Feliciano da Silva
https://doi.org/10.22533/at.ed.82022200517
CAPÍTULO 18...........................................................................................................229
O EFEITO VINGADORES
Carolina Guerra Monteiro
Mirna Feitosa Pereira
https://doi.org/10.22533/at.ed.82022200518
SOBRE O ORGANIZADOR .....................................................................................235
ÍNDICE REMISSIVO .................................................................................................236
SUMÁRIO
CAPÍTULO 1
INVESTIGANDO O DISCURSO GOVERNAMENTAL
EM CAMPANHA DE SAÚDE: UMA PROPOSTA DE
ANÁLISE DAS UNIDADES DO DISCURSO
Data de aceite: 01/05/2022
Ramirio Costa Ribeiro
Universidade Federal do Maranhão (UFMA)
Curso de Relações Públicas
http://lattes.cnpq.br/3782968876467915
Luciana Saraiva de Oliveira Jerônimo
Universidade Federal do Maranhão (UFMA)
Curso de Relações Públicas
http://lattes.cnpq.br/8034140423474828
Marcelo Pereira da Silva
Pontifícia Universidade Católica de Campinas
(PUC-Campinas)
Mestrado em Linguagens, Mídia e Arte e curso
de Relações Públicas
http://lattes.cnpq.br/ 2011486771825354
RESUMO: O objetivo deste texto é expor
a proposta de investigação do discurso
governamental da campanha de saúde de
enfrentamento à hanseníase, em 2022, do
Ministério da Saúde, buscando identificar os
subtipos de discurso contidos na publicidade
de utilidade pública, em textos previamente
existentes, compreendendo as marcas do
contexto e do sujeito produtor do discurso. Por
meio do método de Análise de Discurso e à luz
da perspectiva teórica de Maingueneau (2015),
apresentamos a análise teórica sobre o discurso
e a estratégia metodológica desenhada para
esta investigação.
PALAVRAS-CHAVE: Discurso governamental.
Campanha de saúde. Hanseníase. Análise do
discurso. Ministério da Saúde.
Dimensões estéticas, cognitivas e tecnológicas de comunicação
ABSTRACT: The aim of this text is to expose
the proposed investigation of the existing
government discourse of the Ministry of
Health's health campaign to confront leprosy
in 2022, seeking to identify the subtypes of
discourse contained in public utility advertising,
in previously existing texts, understanding the
marks of the context and the subject producer of
the discourse. Through the method of Discourse
Analysis and in light of the theoretical perspective
of Dominique Maingueneau (2015), we present
the initial theoretical reflection on discourse and
the methodological strategy designed for this
investigation. At the end of the text, we present
the five moments of the investigation.
KEYWORDS: overnmental discourse. Health
campaign. Leprosy. Discourse analysis. Ministry
of Health.
INTRODUÇÃO
O Ministério da Saúde elaborou, nos
últimos quatro anos, três campanhas de
saúde sobre hanseníase (2019, 2021 e 2022).
No ano de 2020, o tema, entretanto, não
constou no portfólio de campanhas de saúde
desse
ministério,
talvez
pela
repercussão
e urgência que permeou o surgimento da
pandemia de Covid-19. O interesse desta
proposta investigativa direciona-se ao discurso
governamental sobre hanseníase.
Por
nome
científico
Mycobacterium
leprae, a hanseníase é uma doença infecciosa,
contagiosa, de evolução crônica, causada por
Capítulo 1
1
uma bactéria que atinge principalmente os nervos periféricos, as mucosas e a pele, com
capacidade ainda de originar lesões neurais, podendo inclusive causar danos irreversíveis,
como a exclusão social, caso o diagnóstico seja tardio ou o tratamento impróprio.
O reconhecimento antecipado, associado ao tratamento adequado, além das prescrições quanto à realização do autocuidado, constituem as principais formas de prevenção
das incapacidades físicas decorrentes da doença. A prevenção de incapacidades engloba
um conjunto de medidas que integram ações médicas e sociais que buscam erradicar ou
reduzir a ocorrência de danos de qualquer natureza às pessoas acometidas.
De acordo com dados divulgados pela Organização Mundial da Saúde (OMS, 2019),
no ano de 2018, o Brasil estava entre os 22 países com o maior número de casos no
mundo, ocupando, ainda, o segundo lugar em número de novos casos e com a marca
de aproximadamente 92% do total de casos das Américas. Diante deste cenário, o
enfrentamento desta endemia mostra-se urgente e necessário por configurar um grave
problema de saúde pública.
O Ministério da Saúde (MS), por sua vez, tem promovido, nos últimos anos, ações
que visam o aumento da detecção de novos e casos ativos, prevenção das incapacidades
e fortalecimento do sistema de vigilância para a hanseníase, realizando sua integração às
ações de atenção à saúde.
Mesmo apresentando uma alta carga no Brasil, a sua distribuição não se dá de
maneira homogênea, concentrando-se principalmente nas regiões Centro-Oeste, Norte e
Nordeste. O início do tratamento no país é datado de meados de 1991, com a determinação
da OMS para a utilização de três antimicrobianos, outrora denominado, poliquimioterapia
(PQT), impactando na redução da prevalência da doença e na reorganização do processo
de trabalho dos programas de controle do agravo.
Em face de tantos desafios que permeiam esse cenário e com base na Estratégia
Global para a Hanseníase 2016-2020, que trata da aceleração rumo a um mundo sem
hanseníase preconizado pela OMS (2016), o Ministério da Saúde elaborou a Estratégia
Nacional para Enfrentamento da Hanseníase 2019-2022 (BRASIL, 2021), que tem por
objetivo reduzir a carga da doença no país e o seu principal propósito é apresentar
metodologias diferenciadas frente aos distintos padrões de endemicidade existentes no
país, de forma a alcançar maior cobertura e melhor desempenho das ações para o controle
da doença (BRASIL, 2021).
Tal estratégia se ancora em três pilares, a saber: o fortalecimento da gestão do
programa, o enfrentamento a hanseníase e suas complicações e a promoção da inclusão
social por meio do combate ao estigma e discriminação, no que tange ao segundo pilar, vale
destacar o objetivo específico número 1, que busca “potencializar ações de informação,
comunicação e educação em hanseníase junto às pessoas acometidas, suas famílias
e comunidades e à sociedade geral” (BRASIL, 2021) e a elaboração de campanhas e
peças publicitárias sobre hanseníase no âmbito nacional e/ou regional, ações estas já
Dimensões estéticas, cognitivas e tecnológicas de comunicação
Capítulo 1
2
desenvolvidas pelo Ministério da Saúde e que podem ser encontradas em seu site (https://
www.gov.br/saude/pt-br) a partir do ano de 2019 a 2022.
A questão exposta insere a comunicação nessa problemática como campo e prática
partícipe do processo de construção social da realidade1. Este estudo considera, portanto,
imprescindível a reflexão sobre os modos de produção do discurso sobre a hanseníase
pelos agentes2 da saúde pública, observando se tais discursos consideram, de fato, a
orientação legal do inciso II do art. 2º do Decreto nº 6.555/2008:
Art. 2º No desenvolvimento e na execução das ações de comunicação
previstas neste Decreto, serão observadas as seguintes diretrizes, de acordo
com as características de cada ação:
I - afirmação dos valores e princípios da Constituição;
II - atenção ao caráter educativo, informativo e de orientação social;
III - preservação da identidade nacional;
IV - valorização da diversidade étnica e cultural e respeito à igualdade e às
questões raciais, geracionais, de gênero e de orientação sexual;
V - reforço das atitudes que promovam o desenvolvimento humano e o
respeito ao meio ambiente;
VI - valorização dos elementos simbólicos da cultura nacional e regional;
VII - vedação do uso de nomes, símbolos ou imagens que caracterizem
promoção pessoal de autoridades ou servidores públicos;
VIII - adequação das mensagens, linguagens e canais aos diferentes
segmentos de público
IX - uniformização do uso de marcas, conceitos e identidade visual utilizados
na comunicação de governo;
X - valorização de estratégias de comunicação regionalizada;
XI - observância da eficiência e racionalidade na aplicação dos recursos
públicos; e
XII - difusão de boas práticas na área de comunicação. (BRASIL, 2008, grifo
nosso).
Torna-se crucial elaborar uma análise do discurso à luz da perspectiva de Dominique
Maingueneau considerando o discurso como uma atividade verbal contextualizada,
assumida por um sujeito, regida por normas e composta por certos elementos enunciativos.
QUANDO FALAMOS DE DISCURSO E DE SUAS UNIDADES TÓPICAS
Antes de aprofundarmos a discussão sobre o significado do “discurso”, devemos
1 Realidade é a qualidade pertencente aos fenômenos que ocorrem independente da nossa volição (querer) e conhecimento é a certeza de que os fenômenos são reais e com características específicas (BERGER; LUCKMANN, 2004).
2 Designamos de agentes, o profissional/ instituição que orienta e fiscaliza as atividades e obras para prevenção/preservação da saúde, por meio de vistorias, inspeções e análises técnicas de locais, atividades, obras, projetos e processos,
visando o cumprimento da legislação sanitária; promove educação sanitária (CHAVES, 1982).
Dimensões estéticas, cognitivas e tecnológicas de comunicação
Capítulo 1
3
compreender algo que o antecede, que é a própria linguagem, que constitui uma atividade
especificamente humana, manifesta por meio de signos convencionais, gráficos, sonoros,
gestuais etc. Como aponta Bakhtin (2011), os diversos campos da atividade humana estão
ligados ao uso da linguagem. Assim são múltiplas as suas formas e manifestações. No
dia a dia, seu uso parece ser feito de forma automática, como em situações informais
(diálogos com familiares, amigos etc,) e em ambientes formais (entrevistas para
trabalhos, conferências). Operar este artifício não é uma atividade simples, pois exige o
desenvolvimento do conhecimento linguístico e extralinguístico.
No processo de produção da linguagem, não basta saber somente sobre a sua
usabilidade e normas (gramática), é necessário também entender o contexto em que ela
se manifesta, pois uma vez que a linguagem é operada, seus falantes produzem discursos
que atravessam e são atravessados socialmente (BRANDÃO, 2004).
Quando falamos em “discurso”, abrimos um leque de possibilidades para o
entendimento do conceito. Como não podemos refletir sobre todas as abordagens neste
estudo, optamos pela de Dominique Maingueneau (2015; CHARAUDEAU; MAINGUENEAU,
2012), sem desprezar a importância das demais abordagens. Maingueneau (2015)
apresenta o discurso com base em duas perspectivas: a) a linguística, em que discurso é
definido como “uso da língua” e b) fora da linguística, em que discurso pode ser definido
por ideias-força. Pertencendo à área de Relações Públicas olhamos em direção à segunda
perspectiva mencionada. A partir daqui, damos atenção ao campo discursivo no qual
foram produzidas as peças da campanha de saúde de enfrentamento à hanseníase: tratase do âmbito governamental institucionalizado. Nele produz-se um tipo de discurso – o
discurso governamental – constituído por gêneros de discurso previamente elaborados e
em conformidade com regras próprias.
Nesta proposta de investigação, atentamos para a perspectiva do discurso “fora
da linguística” observando, a priori, que ela se compõe das seguintes ideias-força: a)
o discurso é uma organização além da frase, b) o discurso é uma forma de ação, c) o
discurso é um processo interativo, d) o discurso é atividade verbal contextualizada, e) o
discurso é atividade verbal assumida por um sujeito, f) o discurso é uma atividade verbal
regida por normas, g) o discurso é atividade verbal assumida no bojo do interdiscurso
e h) o discurso é atividade verbal que constrói o sentido no interior de práticas sociais
determinadas (MAINGUENEAU, 2015).
Por uma questão de tempo estipulado à investigação, que delimita nossa pesquisa
empírica, destacamos três ideias-forças (MAINGUENEAU, 2015) que nos ajudam a
entender o funcionamento do discurso produzido no âmbito governamental específico onde
as campanhas de saúde foram produzidas:
1. O discurso como uma atividade verbal contextualizada – neste processo, vale
entender que, pelo viés discursivo, todo enunciado só tem sentido no contexto em
que é produzido, já que um mesmo enunciado pode assumir diferentes sentidos e
Dimensões estéticas, cognitivas e tecnológicas de comunicação
Capítulo 1
4
corresponder a diferentes discursos, dependendo do momento em que é produzido.
2. O discurso como uma atividade verbal assumida por um sujeito – conforme o
autor nos aponta, um discurso só é discurso se estiver relacionado a um sujeito, a
um “EU” (fonte de referências pessoais, temporais e espaciais) que se coloca como
o responsável pelo que se diz ao seu destinatário.
3. O discurso como uma atividade verbal regida por normas – a atividade verbal, assim como qualquer comportamento social é dirigido por normas, de maneira
elementar, cada ato de linguagem, apresenta normas particulares, por sua vez, os
gêneros do discurso são um conjunto de normas que suscitam expectativas nos
sujeitos engajados na atividade verbal.
Sobre a terceira ideia-força, que baliza esta proposta, logo observamos que o
Ministério da Saúde se orienta por regras constitucionais e por regras administrativas.
Entre elas, está o Decreto nº 6.555/2008, que dispõe sobre as ações de comunicação do
Poder Executivo Federal (BRASIL, 2008), a Instrução Normativa nº 2/2018 que disciplina
a publicidade dos órgãos e entidade do Poder Executivo federal em que traz, no art. 3º, as
espécies de publicidades governamentais, como a “publicidade de utilidade pública” que se
destina a divulgar temas de interesse social e apresenta comando de ação objetivo, claro
e de fácil entendimento, com o objetivo de informar, educar, orientar, mobilizar, prevenir ou
alertar a população para a adoção de comportamentos que gerem benefícios individuais e/
ou coletivos (BRASIL, 2018).
Ainda sobre o discurso orientado por regras, outro item que neste caso pode ser
considerado é o Manual de Comunicação
com a mídia durante emergências de saúde
pública, desenvolvido pela OMS, que orienta o seguinte: Para se comunicar de forma eficaz
com a mídia durante uma emergência de saúde pública, os responsáveis pela ação de
resposta têm que planejar suas estratégias de comunicação, integrar os comunicadores aos
mais altos níveis de decisão, oferecer mensagens transparentes e escutar as preocupações
do público (BRASIL, 2009). Temos inicialmente, o seguinte desenho teórico:
Dimensões estéticas, cognitivas e tecnológicas de comunicação
Capítulo 1
5
Figura 1 – Primeiro desenho teórico da investigação.
Fonte: Os autores (2022).
Com esse desenho, podemos aprofundar mais nossa pesquisa observando no
discurso governamental produzido suas unidades tópicas. Segundo Maingueneau (2015,
p. 66, grifo do autor),
Por natureza, as unidades “tópicas” se situam no prolongamento das
categorizações dos atores sociais, o que não significam que coincidam com
elas. Elas se articulam em torno das categorias gênero de discurso, entendido
como instituição de fala, dispositivo de comunicação sócio-historicamente
determinado: o jornal televisivo, a consulta médica, o roteiro turístico, a
reunião do conselho de administração [...].
Neste estudo, nos concentramos nas campanhas de saúde como discurso governamental, caracterizando o gênero e os tipos de discurso por meio de suas categorias.
AS UNIDADES TÓPICAS DO DISCURSO: GÊNERO, TIPOS DE DISCURSO E
SUAS CATEGORIAS
Os gêneros do discurso, como unidade tópica, podem ser agrupados de três modos:
a) como gêneros da esfera da atividade, que indica que um mesmo gênero pode
estar relacionado a diferentes esferas, em função dos imperativos da pesquisa
desenvolvida, onde o pesquisador é quem determina em que nível vai atuar. Essa
esfera, assim como a própria sociedade, não é um lugar homogêneo, e apresenta
um núcleo e uma periferia, sendo o primeiro constituído pelos gêneros de discurso
Dimensões estéticas, cognitivas e tecnológicas de comunicação
Capítulo 1
6
que se assemelham à finalidade associada;
b) como gêneros submetidos à lógica de campos discursivos, que apresentam a
noção de posicionamento, apontam que em um mesmo espaço, os enunciados se
relacionam com a construção e a preservação de diversas identidades enunciativas;
e
c) como gêneros que são produzidos/consumidos nos lugares da atividade, onde a
maioria dos gêneros são produzidos e/ou consumidos em lugares institucionais. Ao
observar este modo, o analista deve tomar decisões quanto ao limite dos lugares da
atividade discursiva (MAINGUENEAU, 2015).
Para Maingueneau (2015), os gêneros do discurso, além de serem os átomos da
atividade discursiva, só fazem sentido quando integrado aos tipos de discurso, explicando
que:
Na análise do discurso francófona, o uso dominante é o emprego do termo
“tipo de discurso” para designar práticas discursivas ligadas a um mesmo
setor de atividade, agrupamentos de gêneros estabilizados por uma mesma
atividade social: tipos de discurso administrativo, publicitário, religioso... Um
panfleto político, por exemplo, é um gênero de discurso a ser integrado em
uma unidade mais complexa, constituída pela rede dos gêneros decorrente
do mesmo tipo de discurso, no caso, o político. Da mesma forma, um
romance participa da unidade mais vasta que é o discurso literário, uma letra
do tesouro deriva do discurso administrativo. Tipos e gêneros do discurso
estão, assim, tomados por uma relação de reciprocidade: todo tipo é uma
rede de gêneros; todo gênero se reporta a um tipo. (MAINGUENEAU, 2015,
p. 66, grifo nosso).
Considerando essa lógica, o discurso governamental é o gênero e a publicidade
de utilidade pública é um tipo de discurso que se desdobra em subtipos por meio de regra
específica. Pode se desdobrar em discurso informativo, discurso educativo e discurso
orientador, no caso das campanhas de saúde do MS. A partir disso, perguntamos: Podemos
afirmar que, no caso da campanha de saúde (2022) de enfrentamento à hanseníase, o
gênero é o discurso governamental e o tipo de discurso é a publicidade de utilidade pública?
O tipo de discurso sofre subdivisões? É possível identificá-las nas peças publicitárias?
Levando em consideração as discussões feitas até aqui, buscamos analisar as
peças de comunicação da campanha de saúde 2022 sobre o enfrentamento à hanseníase,
identificando tipo e/ou subtipos de discurso que marcam o discurso governamental do
Ministério da Saúde, tentando responder a seguinte questão: que tipo e subtipos de
discurso sobre o enfrentamento da hanseníase podem ser identificados na campanha de
saúde em 2022 e que marcam o discurso governamental do Ministério da Saúde?
Para responder a esta pergunta norteadora, propomos o seguinte objetivo de
investigação: analisar as peças da campanha de saúde de enfrentamento à hanseníase do
Ministério da Saúde, buscando identificar os subtipos de discurso contidos na publicidade
de utilidade públicas, em textos previamente existentes, compreendendo as marcas do
Dimensões estéticas, cognitivas e tecnológicas de comunicação
Capítulo 1
7
contexto e do sujeito produtor do discurso.
ESTRATÉGIA METODOLÓGICA PROPOSTA
Considerando que nosso objetivo principal é analisar as peças da campanha de
saúde de enfrentamento à hanseníase do Ministério da Saúde e identificar os subtipos de
discurso contidos na publicidade de utilidade públicas, em textos previamente existentes,
compreendendo as marcas do contexto e do sujeito produtor do discurso, optamos pelo
método de Análise de Discurso segundo as contribuições de Maingueneau (2015). Para
o autor:
O interesse específico que rege a análise do discurso é relacionar a
estruturação dos textos aos lugares sociais que os tornam possíveis e que eles
tornam possíveis. Aqui, a noção de “lugar social” não deve ser apreendida de
maneira imediata: pode se tratar, por exemplo, de um posicionamento em um
campo discursivo (um partido político, uma doutrina religiosa ou filosófica...).
O objeto da análise do discurso não são, então, nem os funcionamentos
textuais, nem a situação da comunicação, mas o que os amarra por meio
de um dispositivo de enunciação simultaneamente resultante do verbal e do
institucional. (MAINGUENEAU, 2015, p. 47).
Apesar de essa ser uma perspectiva que ilumina os passos que vamos dar, como
método, precisa de obediência a certos princípios epistemológicos. Nesse sentido, nos
propomos, na utilização do método de Análise de Discurso, a: 1) traduzir empiricamente de
modo significativo e pertinente o conceito de discurso governamental por meio de categorias
retiradas de uma reflexão teórica eficientemente fundamentada; 2) adequar os propósitos
desta investigação aos instrumentos utilizados para identificar as categorias importantes
para a operacionalização da interpretação dos enunciados coletados; 3) formular regras
e critérios de codificação úteis ao objetivo da investigação; 4) verificar se as regras e os
critérios estão sendo aplicados de maneira correta por meio de pré-teste; e 5) verificar se a
estratégia metodológica pode ser replicada por outros pesquisadores da área de Relações
Públicas. (SAMPAIO; LYCARIÃO, 2021).
A análise do discurso, como estratégia metodológica, é proposta após uma
revisão de literatura fruto da pesquisa bibliográfica (LAKATOS; MARCONI, 2010). Como
desconhecemos as características do discurso estudado, esta pesquisa tem caráter
exploratório. Com base no primeiro desenho teórico (Figura 1), elaboramos o segundo
desenho com novas categorias originadas da fundamentação teórica inicial, o que traduz
a proposta 1 do parágrafo anterior. Entra no foco da pesquisa as unidades tópicas do
discurso de forma mais detalhada e em relação: o gênero e o tipo de discurso.
Dimensões estéticas, cognitivas e tecnológicas de comunicação
Capítulo 1
8
Figura 2 – Segundo desenho teórico.
Fonte: Os autores (2022).
Para extrair os dados da pesquisa das categorias desenhadas (Figura 2), definimos
o corpus, já que nossa matéria-prima são textos. Para Maingueneau (2015, p. 39), “um
corpus pode ser constituído por um conjunto mais ou menos vasto de textos ou de trechos
de textos, até mesmo por um único texto”. Em nossa pesquisa, o corpus é constituído
pelas peças de comunicação da campanha de saúde de 2022 para enfrentamento à
hanseníase. Na acepção de Maingueneau (2015), cada peça é um corpora; neste caso,
textos previamente existentes, ou seja, e-mail MKT, banner, camiseta, cartaz horizontal,
cartaz vertical e folheto (Figura 3).
Dimensões estéticas, cognitivas e tecnológicas de comunicação
Capítulo 1
9
Figura 3 – Peças da campanha 2022 de enfretamento da hanseníase do Ministério da Saúde.
Fonte: BRASIL (2022).
Será realizada uma pesquisa on-line, devido à natureza da pesquisa ser qualitativa,
coletando informações no site do Ministério da Saúde. Acessaremos o menu (canto superior
esquerdo, indicado por 3 barras) do site do Ministério da Saúde (https://www.gov.br/saude/
pt-br/pagina-inicial/#), posteriormente selecionando a aba “Campanhas de Saúde” e aba
seguinte “Campanhas de Saúde 2022” (Figura 4), para identificar e coletar as peças de
comunicação que farão parte do corpus desta proposta de investigação.
Figura 4 – Aba para retirada do corpus da investigação.
Fonte: BRASIL (2022).
O corpus formará um banco de dados com arquivos específicos, nomeados por
corpora. Assim, poderão ser localizados com facilidade no momento da codificação e
posterior interpretação. Após coleta do corpus do site do Ministério da Saúde, recortaremos
Dimensões estéticas, cognitivas e tecnológicas de comunicação
Capítulo 1
10
o corpora. Em cada um deles, identificaremos as unidades tópicas do discurso e suas
características, identificando também as marcas do contexto, do sujeito do discurso e das
regras produtoras do discurso.
Interpretação de dados
A interpretação de dados textuais dependerá de regras e critérios claros de
codificação das categorias que operacionalizarão a interpretação dos pesquisadores. A
codificação deverá estar em conformidade com o objetivo da investigação. Inicialmente,
tomamos como categorias iniciais: a) o contexto do discurso; b) o sujeito do discurso; c) as
regras de produção do discurso governamental; e d) as unidades tópicas do discurso. Tais
categorias se desdobram em subcategorias como apresentado na figura 2. Cada uma, com
seus desdobramentos, receberá códigos específicos característicos do método escolhido.
Para ampliarmos tais reflexões, abordaremos os modos de agrupamento dos
gêneros discursivos: pela esfera da atividade, pelos campos discursivos e pelos lugares
da atividade.
Buscamos, também, verificar o discurso em relação à fonte (governo). Em cada
peça da campanha, identificaremos se o governo informa (discurso informativo), educa
(discurso didático) e/ou orienta (discurso didático ou discurso científico ou discurso popular)
a população brasileira.
Conforme discutimos, Maingueneau nos apresenta também o conceito de locutor(es)
coletivo(s), basta pensarmos que esse lugar pode ser ocupado por instituições, neste caso
o Ministério da Saúde, que por meio de uma campanha, assume o caráter construtivo, de
reforço ou mesmo de legitimação da sua identidade em determinada conjuntura social.
É possível para o analista estudar então a relação entre a instituição e os textos
produzidos para sua campanha. E, por fim, identificar: o contexto que influencia a produção
dos textos das peças da campanha. Vale ressaltar que durante a análise trataremos não só
dos efeitos de sentido possíveis por meio da análise do enunciado das campanhas, mas
também dos possíveis mecanismos que “ativados”, levaram à produção/compreensão do
material analisado.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Neste texto, apresentamos uma proposta de investigação que pode iluminar
curiosidades e dúvidas sobre a produção de discurso governamental sobre saúde. Temos o
encontro de campos distintos de saber. Com as informações iniciais a respeito do trabalho
de enfrentamento à hanseníase no Brasil, e sabendo que o Estado do Maranhão tem um
dos índices mais preocupantes, e como os pesquisadores oriundos desse estado e da
área de Relações Públicas, as campanhas de saúde sobre o tema passou a ser objeto
de interesse. Unindo a experiência de comunicação em hospital de um, a experiência do
outro em pesquisas no âmbito governamental e a experiência do outro com estudos em
Dimensões estéticas, cognitivas e tecnológicas de comunicação
Capítulo 1
11
ecossistemas de comunicação, o desafio desta investigação foi aceito.
O objetivo principal desta proposta – analisar as peças da campanha de saúde de
enfrentamento à hanseníase do Ministério da Saúde, buscando identificar os subtipos de
discurso contidos na publicidade de utilidade públicas, em textos previamente existentes,
compreendendo as marcas do contexto e do sujeito produtor do discurso – passa a ser
pensado da seguinte forma:
1º momento: compreender as regras que orientam o discurso governamental (gênero
do discurso) e a publicidade de utilidade pública (tipo de discurso), estabelecendo a relação
entre essas unidades tópicas do discurso.
2º momento: com as categorias de análise apresentadas, testar e melhorar a
estratégia metodológica desenhada para dar conta do objetivo geral.
3º momento: delimitar o corpus da análise, escolhendo as peças publicitárias que
realmente são necessárias.
4º momento: identificar, nas peças publicitárias, os subtipos de discurso e as marcas
do contexto e do Ministério da Saúde como produtor de discurso.
5º momento: publicar a análise da investigação, observando se atende ao princípio
da replicabilidade.
Temos, no final deste esforço intelectual, após as discussões teórica, um desenho
de investigação que parece atender à prática da pesquisa em comunicação, aprimorando
as informações e a produção de conhecimento dos sujeitos dessa prática.
REFERÊNCIAS
BAKHTIN, Mikhail M. Estética da criação verbal. 6.ed. São Paulo: WMF Martins Fontes, 2011. [1979]
BERGER, Peter L.; LUCKMANN, Thomas. A construção social da realidade: tratado de sociologia do
conhecimento. 24.ed. Petrópolis: Vozes, 2004. [1965]
BRANDÃO, Helena H. N. 2004. Introdução à Análise do discurso. Campinas, SP: Ed. UNICAMP, 2a.
ed. Ver.
BRASIL. Decreto nº 6.555, de 8 de setembro de 2008. Ações de comunicação do Poder Executivo
Federal e dá outras providências. Diário Oficial da União, Brasília, 08 de setembro de 2008.
BRASIL. Ministério da Saúde. Site: Campanhas de Saúde. Brasília, DF: Ministério da Saúde, 2022.
Disponível em: <https://www.gov.br/saude/pt-br/campanhas-da-saude/2022/hanseniase>. Acesso em:
29 mar. 2022.
BRASIL. Ministério da Saúde. Comunicação eficaz com a mídia durante emergências de saúde
pública: um manual da OMS / Organização Mundial da Saúde. – Brasília: Ministério da Saúde, 2009
BRASIL. Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde. Departamento de Vigilância das Doenças Transmissíveis. Diretrizes para vigilância, atenção e eliminação da hanseníase como problema
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Dimensões estéticas, cognitivas e tecnológicas de comunicação
Capítulo 1
12
BRASIL. Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde. Departamento de Doenças de Condições Crônicas e Infecções Sexualmente Transmissíveis. Estratégia Nacional para Enfrentamento da
Hanseníase 2019-2022. Brasília: Ministério da Saúde, 2021.
CHARAUDEAU, P.; MAINGUENEAU, D. Dicionário de Análise do Discurso. São Paulo: Contexto,
2012.
CHAVES, Mario M. Saúde: Uma Estratégia de Mudança. Rio de Janeiro: Editora Guanabara, 1982.
MAINGUENEAU, Dominique. Discurso e análise do discurso. São Paulo: Parábola Editorial, 2015.
MARCONI. Marina de Andrade; LAKATOS, Eva Maria. Fundamentos da metodologia científica. 7ª Ed.
São Paulo: Atlas, 2010.
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2022.
OMS (ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DA SAÚDE). Global leprosy update, 2018: moving towards a leprosyfree world. In: Weekly epidemiological record, Nos. 35/36, 2019, 94, p. 389–412. Disponível em: <file:///C:/Users/l-jer/Downloads/WER9435-36-en-fr.pdf>. Acesso em: 1 abr. 2022.
SAMPAIO, Rafael Cardoso; LYCARIÃO, Diógenes. Análise de conteúdo categorial: manual de aplicação. Brasília: Enap, 2021.
Dimensões estéticas, cognitivas e tecnológicas de comunicação
Capítulo 1
13
CAPÍTULO 2
MÍDIAS SOCIAIS PARA A INDÚSTRIA CRIATIVA:
REFLEXÕES SOBRE POSSÍVEIS CONTRIBUIÇÕES
DA DICIPA PARA A COMUNICAÇÃO CIENTÍFICA DA
UNIPAMPA
Data de aceite: 01/05/2022
Franceli Couto Jorge
Mestra em Comunicação e Indústria Criativa
pela Universidade Federal do Pampa (2019)
RESUMO: O presente estudo tem como intenção
refletir sobre as possíveis contribuições das
multiplataformas de Divulgação Científica do
Pampa (Dicipa) – ação comunicacional de
nossa autoria, produzidas para a Universidade
Federal do Pampa (Unipampa). Entendendo as
multiplataformas de Dicipa como mídias sociais
para a indústria criativa, o artigo tem como objetivo
central apresentar as possíveis contribuições
de ordem científico-teórica, científico-prática e
social da mencionada ação comunicacional para
a comunicação científica da Unipampa.
PALAVRAS-CHAVE: Mídias sociais. Indústria
criativa. Comunicação Científica. Unipampa.
(Unipampa). Conceiving the Dicipa multi-platform
strategies as social media for creative industry,
the main goal of this article is to present the
possible contributions of the scientific-theoretical,
scientific-practical and social fields of the abovementioned communicational action to Unipampa’s
scientific communication.
KEYWORDS: Social media. Creative industry.
Scientific Communication. Unipampa.
1 | INTRODUÇÃO
A emergência da sociedade da informação e, posteriormente, da sociedade do conhe1
cimento2, aliada à transição da valoração para
bens simbólicos, promoveu mudanças nos processos produtivos impulsionando o surgimento e
fortalecimento das indústrias criativas, que têm
como insumo primário a criatividade e o capital
intelectual. O termo indústria criativa surgiu na
década de 1990, na Austrália. Apesar de recente, as indústrias criativas são tema de inúmeras
SOCIAL MEDIA FOR THE CREATIVE
INDUSTRY: REFLECTIONS ON
POSSIBLE CONTRIBUTIONS OF DICIPA
FOR THE SCIENTIFIC COMMUNICATION
OF UNIPAMPA
pesquisas que buscam compreender suas ca-
ABSTRACT: The present study intends to reflect
upon the possible contributions of the Scientific
Dissemination of Pampa (Dicipa) multi-platform
strategies – communicational action of our own
design, made for the Federal University of Pampa
ma expressividade no número de pesquisas que
racterísticas, o cenário em que estão inseridas,
os seus trabalhadores e os seus produtos e/ou
serviços. No entanto, não encontramos a messe voltam a investigar universidades e centros
de pesquisa como parte desse segmento criativo. Para tentarmos contribuir com esse cenário,
1 É aquela que agrega o valor a dados da realidade, sistematizando-os e disponibilizando-os, e aquela que produz conhecimento a
partir de processos de interação cujos lastros são informações novas reconstruídas (FRÓES, 2000, online).
2 O conceito de sociedade do conhecimento inclui uma dimensão de transformação social, cultural, econômica, política e institucional, assim como uma perspectiva mais pluralista e de desenvolvimento (FRÓES, 2000, online).
Dimensões estéticas, cognitivas e tecnológicas de comunicação
Capítulo 2
14
buscamos compreender uma universidade enquanto indústria criativa. Para melhor delimitarmos nossa reflexão, optamos por escolher uma instituição, no caso, a Universidade
Federal do Pampa (Unipampa), com unidades universitárias em dez municípios do Rio
Grande do Sul. Para darmos conta dessa reflexão, discutimos assuntos ligados à ciência, à
pesquisa e desenvolvimento (P&D), à criatividade e à propriedade intelectual.
Uma das abordagens das pesquisas sobre indústrias criativas é a respeito de setores
e profissionais ligados à comunicação: editora e mídia impressa, produção audiovisual,
mídias sociais, publicidade e propaganda, jornalismo e relações públicas (RELATÓRIO,
2012; MAPEAMENTO, 2016). Nesse caso, a comunicação pode ser entendida como uma
indústria criativa ou um segmento dela. No entanto, por vezes, também pode ser empregada
em auxílio a uma indústria criativa – recorte este que nos interessa –, porém, o conceito de
comunicação é polissêmico e, muitas vezes, confundido com os meios de comunicação.
Para Martino (2013, p. 15), a comunicação se refere à “capacidade ou processo de troca
de pensamentos, sentimentos, ideias ou informações através da fala, gestos, imagens,
seja de forma direta ou através de meios técnicos”; além disso, o autor diz que também
pode ser a “ação de utilizar meios tecnológicos”. No caso de nossa pesquisa, os meios
utilizados para essa comunicação são as mídias sociais, por isso, selecionamos uma ação
comunicacional para ser o objeto de nossa análise e reflexão, as multiplataformas de
Divulgação Científica do Pampa (Dicipa), que atuam em auxílio a uma indústria criativa,
a Unipampa. Dessa forma, nosso tema geral de pesquisa é comunicação/mídias sociais
(Dicipa) para a indústria criativa (Unipampa).
Essa possibilidade de auxílio surge devido à grande expansão das mídias sociais,
o que provoca mudanças no modo como nos comunicamos e como nos relacionamos. As
particularidades das mídias sociais – da produção à circulação do conteúdo – permitem que
hoje elas recebam diferentes significações e sejam incorporadas ao dia a dia dos profissionais,
das empresas, das instituições públicas e privadas. A comunicação descentralizada é uma
das vantagens das mídias sociais em relação às tradicionais. Diferente dos grandes meios
de comunicação de massa que utilizam o modelo de comunicação emissor-receptor, ou
seja, um para todos, as mídias sociais promovem a flexibilização desse modelo, já que não
há uma definição clara dos papeis de emissor-receptor, pois a comunicação pode ocorrer
de um para todos, todos para um, um para um e de todos para todos. Aliada a essas
características, acrescentamos o fato de o brasileiro dedicar mais de quatro horas diárias
para acesso à internet, sendo parte desse tempo empregado em sites de redes sociais
como o Facebook e o YouTube (WE ARE SOCIAL, 2018). A maioria desse acesso ocorre
por meio de dispositivos móveis, ou seja, as pessoas acessam os sites de redes sociais
a qualquer momento de onde estiverem por meio de seus smartphones. Considerando
esse cenário, percebemos o ingresso de muitas empresas e instituições no mundo virtual,
incluindo àquelas voltadas à produção e divulgação do conhecimento como fundações de
amparo à pesquisa, periódicos científicos, centros de pesquisa, institutos e universidades,
Dimensões estéticas, cognitivas e tecnológicas de comunicação
Capítulo 2
15
que buscam por meio dessas iniciativas democratizar o acesso ao conhecimento,
aproximando comunidade científica e sociedade.
Diante disso, o uso das mídias sociais suscita em nós a reflexão sobre as suas diversas
possibilidades de contribuição para a divulgação de temas ligados à CT&I produzidos nas
universidades. Dessa forma, para nortearmos tal reflexão, nossa problemática se centra na
seguinte questão: Quais as possíveis contribuições da Dicipa para a comunicação científica
da Unipampa nos âmbitos científico-teórico, científico-prático e social? Para responder
nosso problema de pesquisa e atingir nosso objetivo geral de identificar as contribuições
da Dicipa para comunicação científica da Unipampa nos âmbitos científico-teórico,
científico-prático e social, precisamos: discutir sobre o conceito de indústria criativa, a fim
de relacioná-lo com o de universidade para entendermos a Unipampa enquanto indústria
criativa; revisar os conceitos que fundamentam nossa reflexão; apresentar o planejamento
e a execução da Dicipa e, por fim, analisar e refletir sobre as contribuições dessa ação
comunicacional para a comunicação científica da Unipampa.
Nossa pesquisa não tem a intenção de apresentar indicadores ou uma pesquisa
de recepção que confirme essas contribuições, pois parte de uma reflexão, por meio da
qual, com base nos teóricos que investigam a temática, buscamos apontar as possíveis
contribuições da Dicipa para a comunicação científica da Unipampa. Ademais, nosso objeto
de análise é um projeto que, apesar de finalizado, ainda está em processo de implantação
na universidade, o que inviabiliza uma pesquisa de recepção no momento atual desta
investigação.
2 | INDÚSTRIA CRIATIVA
Criado no ano de 1994, na Austrália, a partir do lançamento do relatório Nação
Criativa, o termo indústria criativa é utilizado para nomear os setores nos quais a criatividade
é o insumo principal do negócio. No final da década de 1990, a expressão foi impulsionada
pelo Reino Unido que debateu o conceito junto às esferas política e econômica. Além
disso, os países realizaram um mapeamento das atividades criativas e criaram o Ministério
das Indústrias Criativas. A partir do pioneirismo do Reino Unido, o termo associou-se às
mudanças econômicas e sociais que alteraram a atenção das atividades industriais para as
atividades localizadas no setor de serviços e com foco no conhecimento e na criatividade
(BENDASSOLLI et al., 2009).
De acordo com o Relatório da Conferência das Nações Unidas sobre Comércio
e Desenvolvimento - Unctad (2012), os setores criativos variam entre aqueles mais
consolidados nos conhecimentos tradicionais como, por exemplo, o artesanato e patrimônio
cultural, a grupos mais tecnológicos e voltados à prestação de serviços, tais como as
novas mídias. A partir dessas características, a Unctad (RELATÓRIO, 2012) classifica as
indústrias criativas em quatro grandes grupos que, por sua vez, são subdivididos em nove,
Dimensões estéticas, cognitivas e tecnológicas de comunicação
Capítulo 2
16
conforme podemos observar no quadro a seguir.
Grupos
Patrimônio
Artes
Mídias
Criações
Funcionais
Subgrupos
Atividades
Expressões culturais
tradicionais
Artesanato, festivais, etc.
Locais culturais
Museu, biblioteca, sítio arqueológico, etc.
Artes visuais
Pinturas, esculturas, fotografias, etc.
Artes cênicas
Música ao vivo, teatro, dança, ópera, circo,
etc.
Editoras e mídias impressas
Livros, outras publicações e imprensa.
Audiovisuais
Filmes, televisão, rádio, etc.
Design
Interiores, gráfico, moda, joalheria,
brinquedos.
Novas mídias
Software, videogames, conteúdo digital
criativo.
Serviços Criativos
Arquitetônico, publicidade, P&D criativo,
cultural, recreativo.
Quadro1 – Classificação das indústrias criativas.
Fonte: Relatório (2012, p. 7-8).
Seguindo essa classificação, o grupo que nos interessa é o de Criações Funcionais,
por incluir as indústrias “impulsionadas pela demanda e voltadas à prestação de serviços”
(RELATÓRIO, 2012, p. 8); o subgrupo é o de Serviços Criativos e a atividade é a P&D.
Conforme o documento, há uma discussão contínua acerca de a ciência e P&D serem,
ou não, atividades criativas. No entanto, na abordagem da Unctad (RELATÓRIO, 2012,
p. 9), “a criatividade e conhecimento são intrínsecos às criações científicas da mesma
forma como o são às criações artísticas”. Além disso, antes mesmo do debate acerca da
economia/indústria criativa, no contexto da Conferência Mundial sobre Ciência em 1990, a
“cooperação entre ciência e indústria e setores público e privado na promoção da pesquisa
científica para objetivos de longo prazo” já havia sido abordada pela Organização das
Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura – Unesco (RELATÓRIO, 2012,
p. 9). O objetivo era que ambos os setores trabalhassem em colaboração e de forma
complementar, porém, o documento afirma que essa articulação entre cientistas dos
setores público e privado não ocorreu, “mesmo com o setor privado sendo um beneficiário
direto da inovação e educação científicas, e mesmo com uma crescente proporção de
fundos para pesquisa científica relacionada à indústria criativa sendo financiada pelo setor
privado” (p. 9).
Uma pesquisa mais recente, realizada pelo Sistema da Federação das Indústrias
Criativas do Estado do Rio de Janeiro – Firjan (2016), diagnosticou e mapeou os setores
das indústrias criativas no Brasil. O estudo apresenta a ótica da produção e do mercado de
trabalho da economia criativa, as áreas criativas e os 13 segmentos (classificação) e dados
Dimensões estéticas, cognitivas e tecnológicas de comunicação
Capítulo 2
17
sobre as indústrias criativas nos estados brasileiros (empregos criativos e remuneração
dos trabalhadores criativos).
No mapeamento (2016, p. 8), o Sistema Firjan divide as indústrias criativas em
quatro grandes áreas de acordo com suas afinidades setoriais: Consumo, Mídias,
Cultura e Tecnologia. Estas áreas são subdividas em 13 segmentos criativos: design,
arquitetura, moda, publicidade, editorial, audiovisual, patrimônio e artes, música, artes
cênicas, expressões culturais, P&D, Biotecnologia e TIC. De acordo com o documento,
“por possuírem características semelhantes, essa distribuição facilita tanto a leitura do
comportamento das áreas, como a identificação das vocações regionais e das tendências
ocupacionais em cada segmento” (p. 8). Sendo assim, as categorias que envolvem o setor
criativo são compreendidas do seguinte modo:
Indústria Criativa (núcleo): é formada por atividades profissionais e/ou
econômicas que utilizam as ideias como insumo principal para geração de valor.
Atividades Relacionadas: constituída por profissionais e estabelecimentos
que proveem bens e serviços à Indústria Criativa. Representadas, em grande
parte, por indústrias e empresas de serviços, fornecedoras de materiais e
demais elementos, considerados fundamentais para o funcionamento do
núcleo criativo. Apoio: constituída por ofertantes de bens e serviços, de forma
indireta, à Indústria Criativa (MAPEAMENTO, 2016, p. 9, grifo nosso).
Chamamos a atenção, primeiramente, para o núcleo das indústrias criativas, para a
área de Tecnologia, que envolve os segmentos de P&D, Biotecnologia e TIC. Como veremos
mais a diante em nossa pesquisa, esses segmentos integram atividades universitárias,
portanto, concluímos que estas formam o núcleo das indústrias criativas. Por outro lado,
observamos que nas atividades de apoio às indústrias criativas há Capacitação Técnica,
que inclui o ensino universitário e unidades de formação profissional, isto é, segundo a
Firjan, as universidades podem ser entendidas tanto como núcleo quanto como apoio às
indústrias criativas.
3 | A UNIVERSIDADE FEDERAL DO PAMPA ENQUANTO INDÚSTRIA CRIATIVA
Nas universidades, de um modo geral, a criatividade e o capital intelectual são seus
insumos básicos. Conforme o conceito da Unctad, as indústrias criativas:
São os ciclos de criação, produção e distribuição de produtos e serviços que
utilizam criatividade e capital intelectual como insumos primários; constituem
um conjunto de atividades baseadas em conhecimento, focadas, entre
outros, nas artes, que potencialmente gerem receitas de vendas e direitos de
propriedade intelectual; constituem produtos tangíveis e serviços intelectuais
ou artísticos intangíveis com conteúdo criativo (RELATÓRIO, 2012, p. 8, grifo
nosso).
A partir dessa citação, além da criatividade e do capital intelectual, o Relatório
aponta que as indústrias criativas “constituem um conjunto de atividades baseadas
em conhecimento”. Nas universidades, a maioria das atividades são baseadas em
Dimensões estéticas, cognitivas e tecnológicas de comunicação
Capítulo 2
18
conhecimento. No caso da Unipampa, há mais de cem cursos em diferentes níveis de
formação que desenvolvem atividades baseadas no conhecimento, portanto, temos
mais uma característica que confirma nossa argumentação. A citação prossegue:
“que potencialmente gerem receitas de vendas e direitos de propriedade intelectual”, o
resultado da produção intelectual (aulas, artigos, livros, softwares, etc.) desenvolvida nas
universidades gera direitos de propriedade intelectual, constituindo-se como “serviços
intelectuais ou artísticos intangíveis com conteúdo criativo”.
Dos grupos apresentados no Quadro 1 – Classificação das indústrias criativas, o que
nos interessa é o de Criações Funcionais, subgrupo de Serviços Criativos e a atividade é a
P&D (RELATÓRIO, 2012). Esse grupo chama nossa atenção, pois envolve uma atividade
que forma um dos pilares da Unipampa: a pesquisa. No ano de 2018, há cerca de 700
projetos de pesquisa cadastrados no Sippee, o que mostra o grande potencial de P&D da
universidade e, mais uma vez, a reforça como uma indústria criativa do grupo de Criações
Funcionais. No entanto, essa não é a única atividade encontrada na Unipampa, apesar
de ser a que merece destaque devido a sua expressividade. A Unipampa possui, em suas
dez unidades universitárias, bibliotecas, que são consideradas locais culturais no grupo de
Patrimônio apresentado pela Unctad; uma editora responsável pela publicação de livros,
e-books e outras obras, assim como, setores que envolvem as atividades audiovisuais,
enquadrando-se assim no grupo Mídias; desenvolve atividades musicais como concertos
e apresentações, mostras fotográficas e pinturas, ações que integram o grupo Artes;
design gráfico, softwares, conteúdo digital criativo e publicidade também são atividades
pertencentes ao grupo Criações Funcionais, assim como P&D, que encontramos na
Unipampa.
4 | MÍDIAS SOCIAIS
Para Telles (2011), redes sociais e mídias sociais não significam a mesma coisa.
Segundo o autor, as mídias sociais são “sites na internet construídos para permitir a criação
colaborativa de conteúdo, a interação social e o compartilhamento de informações em
diversos formatos” (2011, p. 19). O autor exemplifica:
Twitter (microblogging), YouTube (compartilhamento de vídeos),
SlideShare (compartilhamento de apresentações), Digg (agregador), Flickr
(compartilhamento de fotos), entre outros + redes sociais = mídias sociais ou,
como se chamava em 2005, novas mídias (TELLES, 2011, p. 18).
Já Corrêa (2010) define as mídias sociais como ferramentas comunitárias,
que permitem a participação de todos. Nesse sentido, Recuero (2008) destaca as
particularidades das mídias sociais, entre elas as características associadas ao buzz (boca
a boca das redes), à diversidade de fluxos de informações e à emergência das redes
sociais. Colnago (2015, p. 7), por sua vez, acredita que, com a evolução da web, a cada dia
Dimensões estéticas, cognitivas e tecnológicas de comunicação
Capítulo 2
19
surgem “novas e diferenciadas formas de relacionamento entre as pessoas e organizações
e, nesse sentido, as mídias e redes sociais vêm apoiando, de maneira crescente, as tarefas
de construir, manter e incrementar relacionamentos”.
Quanto às redes sociais, Telles (2011) afirma que se trata de uma categoria das
mídias. Conforme o autor, as redes sociais são sinônimo de sites de relacionamento, que
são ambientes com o objetivo de reunir pessoas (membros), que, após inscritas, podem
expor seu perfil com fotos e dados pessoais, textos, vídeos e permitem a interação com
outros membros, formando-se, assim, uma lista de amigos e comunidades. Santaella
(2013, p. 43) acredita que “ao criar um perfil nas redes sociais, as pessoas passam a
responder e a atuar como se esse perfil fosse uma extensão sua, uma presença extra
daquilo que constitui sua identidade”. Sendo assim, cada interagente cria uma maneira de
uso e de apropriação das redes que lhe é particular. Cada membro da rede decide o que
ver, consumir ou com quem quer conviver. Boyd e Elisson (2007 apud COLNAGO, 2015, p.
4) corroboram essas afirmações e definem as redes sociais na internet como:
Serviços baseados na web que permitem aos usuários construir um perfil
público ou semipúblico dentro de um sistema limitado, articular-se com outros
usuários com os quais se estabelece uma conexão voluntária, e percorrer não
só a sua lista de conexões, como também a relação de ligações estabelecidas
por outras pessoas dentro do sistema.
Da mesma forma, Spadaro (2013, p. 11) enfatiza que, além dos interesses comuns
de um grupo de pessoas, as redes sociais são abertas a compartilhar “os pensamentos,
conhecimentos, mas também trechos de suas vidas: dos links para os sites que consideram
interessantes até suas próprias fotos ou seus vídeos pessoais”. Sobre o início das redes
sociais, Viana (2010, p. 61 apud SANTAELLA, 2013, p. 42) afirma que elas começaram
a surgir em 2003 e aponta, como fator decisivo para o crescimento desmedido dessas
redes, o “fato de que são serviços on-line de acesso grátis por meio dos quais se pode criar
vínculos de contato para o intercâmbio de mensagens e conteúdos multimídia”. Conforme
Santaella (2013, p. 35), as inovações tecnológicas e os fatos que deram origem às redes
sociais são frutos da popularização da banda larga que:
(a) permitiu o armazenamento das informações de qualquer formato nas
próprias redes, o que é chamado de computação em nuvem; (b) fez decolar
o comércio eletrônico; (c) difundiu os espaços virtuais de sociabilidade, ou
seja, as plataformas para as redes sociais, incrementadas pela conexão
permanente viabilizada pelos dispositivos móveis.
Para a autora, as redes funcionam como plataformas sociais, devido à facilidade
de intercomunicação dos interagentes por meio dos recursos disponibilizados por esses
serviços. Nesse sentido, Viana (2010 apud SANTAELLA, 2013, p. 42) esclarece que “os
que participam dessas redes o fazem de forma voluntária, mas acabam por gerar conteúdos
que também têm valor histórico, etnográfico e sociológico porque retratam as vidas e o dia a
dia dos participantes”. Sendo assim, torna-se “difícil minimizar o papel que as redes digitais
Dimensões estéticas, cognitivas e tecnológicas de comunicação
Capítulo 2
20
hoje desempenham na vida psíquica, social, cultural, política e econômica” (SANTAELLA,
2013, p. 35).
A pesquisadora identifica as redes sociais como o quarto grande marco da evolução
dos computadores. O primeiro deles “encontra-se nos semicondutores nos anos 1960.
Nessa época, os computadores não passavam de monstrengos que mastigavam números”
(SANTAELLA, 2013, p. 35). O segundo marco corresponde ao surgimento do computador
pessoal; já o terceiro é marcado pelo advento da Internet Explorer e das interfaces gráficas
de usuário e o quarto marco da revolução digital é o atual, com as redes sociais. Para
Santaella (p. 35), o quarto marco “está na agenda de preocupações do governo, das
empresas, do mercado e, certamente, da educação”.
Dentre os diferentes usos para as redes sociais, está aquele feito pela área da
comunicação, em especial, pelo jornalismo. Zucolo (2012, p. 50) afirma que “Facebook,
Twitter, Youtube, telefones inteligentes e toda a variada disponibilidade de ferramentas e
recursos digitais estão reconfigurando completamente tanto a produção como o consumo de
notícias”. Nesse sentido, Santaella (2013) afirma que se a pessoa dispuser de um aparelho
móvel com câmera, ela passa a ter o potencial de emissora de TV individual, podendo
realizar o envio de fotos ou fazer a gravação e transmissão em tempo real de vídeos. “É
claro que nem todas as pessoas criam conteúdos, mas o simples fato de ter acesso já é em
si uma mudança importante rumo à democratização das comunicações” (p. 43). Quando
refletimos acerca da democratização das comunicações, logo nos voltamos a pensar sobre
o potencial de democratização das informações e, por conseguinte, do conhecimento.
Por isso, nas seções seguintes, abordamos as principais redes sociais utilizadas pelos
brasileiros e que integram a ação comunicacional, objeto de nossa reflexão nesta pesquisa,
que visa a democratização do acesso ao conhecimento produzido na Unipampa.
5 | A AÇÃO COMUNICACIONAL: PROJETO E EXECUÇÃO DA DICIPA
As multiplataforamas de Dicipa são mídias sociais voltadas à publicização das
pesquisas desenvolvidas na Universidade Federal do Pampa e compreendem as seguintes
plataformas: site institucional3, página no Facebook4, perfil no Twitter5 e canal no YouTube6.
A Dicipa, lançada em março de 2018, é resultado do planejamento e execução de um projeto
de Pesquisa, Desenvolvimento e Inovação (PD&I), desenvolvido por nós, no componente
obrigatório no curso de mestrado do Programa de Pós-Graduação em Comunicação e
Indústria Criativa (PPGCIC), da Unipampa.
Nossa proposta considerou o cenário científico e comunicacional da Instituição. O
primeiro com um grande número de pesquisas e publicações, porém, com divulgações
3 O site Dicipa pode ser acessado em <http://novoportal.unipampa.edu.br/dicipa/>.
4 O endereço eletrônico da página no Facebook é <https://www.facebook.com/DicipaUnipampa/>.
5 Para visitar o perfil de Dicipa Unipampa no Twitter, acesse <https://twitter.com/DicipaUnipampa/>.
6 O endereço eletrônico para acesso ao canal Dicipa Unipampa no YouTube é <https://www.youtube.com/channel/
UCTynOyebORuF1qnknOysI7A>.
Dimensões estéticas, cognitivas e tecnológicas de comunicação
Capítulo 2
21
limitadas aos seus pares. O segundo voltado unicamente à comunicação institucional,
sem abertura para notícias científicas e sem a possibilidade de interação com e entre os
usuários.
5.1 O projeto de PD&I e as multiplataformas de Divulgação Científica do
Pampa (Dicipa)
Nosso projeto de Pesquisa, Desenvolvimento e Inovação (PD&I) traz, antes de tudo,
algumas questões norteadoras para a problematização de um processo/produto (ação
comunicacional); em outras palavras, apresenta as questões que acabam por motivar a
idealização do processo/produto aqui em tema:
• Como é realizada a divulgação científica na Universidade Federal do Pampa
(Unipampa)?
• As ferramentas existentes são suficientes para socializar o conhecimento produzido
na Instituição?
• Os sistemas atuais permitem a interação entre a Universidade (pesquisadores) e a
sociedade (usuários)? E entre os próprios pesquisadores?
Tais questões levam o projeto a entender que há a necessidade de explorar
modos de divulgar as pesquisas desenvolvidas na Unipampa. Até a execução de nosso
trabalho, a Universidade não possuía um local para socialização dessas pesquisas, que
ficam registradas no Sistema de Informação de Projetos de Pesquisa, Ensino e Extensão
(Sippee).
A proposta compreende as multiplataformas entendidas, nesse cenário, como
mídias sociais, já que tem como foco a interação entre os usuários e a Unipampa; esta,
por sua vez, é aqui compreendida como uma indústria criativa, já que gera processos/
produtos que possuem como insumo básico a intelectualidade. Em suma, nosso projeto
propôs mídias sociais (ações comunicacionais) – entendidas como processo/produto de
Pesquisa, Desenvolvimento e Inovação – para auxiliar uma indústria criativa (Unipampa),
concretizando assim a ideia de Comunicação para a indústria criativa.
No que se refere à execução, as multiplataformas de Divulgação Científica do
Pampa (Dicipa) foram lançadas, oficialmente, em 20 de março de 2018. Elas compreendem
um site, uma página no Facebook, um canal no YouTube e um perfil no Twitter.
Dimensões estéticas, cognitivas e tecnológicas de comunicação
Capítulo 2
22
Figura 1 – Canal Dicipa Unipampa no YouTube.
Fonte: Dicipa Unipampa (YOUTUBE, 2020).
6 | DISCUSSÃO: POSSÍVEIS CONTRIBUIÇÕES DA DICIPA
Conforme Feil (2017, p. 281), “quem diz que tal atividade traz contribuições deste
ou daquele caráter é quem a propõe ou dela se apropria”. Somado a isso, Santaella (2010)
sugere três tipos de contribuições de uma pesquisa que aqui são por nós adaptados às
contribuições de uma ação comunicacional. Ademais, destacamos que essas contribuições,
apesar de serem utilizadas para justificar também a nossa pesquisa, aqui se referem,
exclusivamente, à ação comunicacional.
6.1 Contribuições científico-teóricas
Em se tratando da indústria criativa Unipampa, as contribuições científico-teóricas
podem se referir à divulgação de eventos científicos e do trabalho desenvolvido pelos
grupos de pesquisa e pelos programas de pós-graduação, à publicação de artigos
científicos, assim como à visibilidade e ao acesso ao repositório institucional, que reúne a
produção acadêmico-científica da universidade em formato digital, e às páginas individuais
dos professores, que também visam divulgar a produção pessoal dos pesquisadores.
Essas contribuições estão diretamente relacionadas à comunicação científica da Unipampa
por ser, inicialmente, mais restritiva à comunidade acadêmica. No entanto, a partir da
apropriação dessas funções pela Dicipa, a divulgação científica busca ampliar a discussão
a respeito desses assuntos também para o público não-especializado.
6.2 Contribuições científico-práticas
A divulgação científica é um recurso utilizado pelas instituições para dar visibilidade
ao que se está produzindo de conhecimento e às consequências dessas pesquisas para
a sociedade. Ao divulgar seus estudos, o pesquisador vai além do seu contexto individual,
pois garante visibilidade ao grupo de pesquisa (GP) e ao programa de pós-graduação (PPG)
Dimensões estéticas, cognitivas e tecnológicas de comunicação
Capítulo 2
23
do qual faz parte, como um ciclo de geração de conhecimento. Sendo assim, entendemos
a visibilidade aos GPs e aos PPGs como a primeira contribuição de ordem científicoprática que a Dicipa traz para comunicação científica da Unipampa. Essa visibilidade vai ao
encontro da afirmação de Anjos (2015, p. 5), que acredita que “a distância entre cientistas,
instituições de pesquisa, universidades e cidadãos” vem diminuindo. A iniciativa de muitos
jornalistas e pesquisadores contribui para esse cenário. Essa aproximação, oriunda da
visibilidade que o trabalho das instituições e de seus cientistas recebe, é facilitada pelas
redes sociais como, por exemplo, o Twitter.
6.3 Contribuições sociais
Acreditamos que as mídias sociais desempenham um importante papel na
democratização do acesso ao conhecimento científico, já que, conforme Lévy (2007), a
informação que está no ciberespaço torna-se pública, portanto, à disposição daqueles
que têm acesso à rede. Dessa forma, entendemos que as multiplataformas de Divulgação
Científica do Pampa têm muito a contribuir no processo de veiculação das informações
sobre ciência, tecnologia e inovação desenvolvidas na Unipampa. O ciberespaço tem
como característica uma cultura heterogênea, que não apresenta restrições geográficas;
esses dados são recuperáveis a qualquer momento, o que auxilia a disseminação do saber
(SANTAELLA, s.d.). Ribeiro (2004) corrobora esse pensamento, pois, para o autor, surgem
novos modos de socialização a partir dos processos de comunicação, o que Giddens
(1991, p. 29 apud RIBEIRO, 2004, p. 140) denomina de desencaixe dos sistemas sociais,
ou seja, no caso da Unipampa, as relações deixam de ocorrer, apenas, em suas unidades
de origem como, por exemplo, pesquisas entre acadêmicos e professores de um mesmo
campus para se estender para outros campi e outras instituições.
7 | CONSIDERAÇÕES FINAIS
A partir das discussões proporcionadas por esta pesquisa, percebemos que há
inúmeras formas de divulgar ciência por meio das mídias sociais. As universidades como
um todo – e aqui, em especial, a Unipampa – têm um importante papel na produção
do conhecimento e, da mesma forma, devem ser responsáveis por sua disseminação.
Por isso, cabe às universidades – preferencialmente aos pesquisadores e profissionais
da Comunicação – elaborar estratégias voltadas à comunicação científica (eventos e
periódicos científicos voltados ao público especializado), à divulgação científica (vídeos,
textos e imagens voltados aos públicos especializado e não-especializado) e ao jornalismo
científico (notícias, reportagens e entrevistas voltadas, preferencialmente, para o público
não-especializado).
Quando as informações científicas alcançam diferentes públicos, estes se tornam
capazes de opinar em assuntos cotidianos e, por vezes, polêmicos como ciência, tecnologia,
Dimensões estéticas, cognitivas e tecnológicas de comunicação
Capítulo 2
24
política, economia e muitos outros, promovendo, assim, um debate público acerca dos
rumos de uma cidade, estado ou país. Apesar de identificarmos e compreendermos as
contribuições que as mídias sociais trazem para a comunicação científica, no caso da nossa
investigação envolvendo as multiplataformas de Dicipa para a Unipampa, salientamos
que ainda há muito o que fazer, pois apenas a divulgação e, portanto, a visibilidade das
pesquisas não é suficiente para alcançar a significação desejada desses assuntos pelo
público em geral. Para que a sociedade alcance a almejada alfabetização científica, são
necessárias ações mais efetivas, ainda no processo de aprendizagem infantil. A divulgação
científica realizada pela universidade é apenas uma das fases de um ciclo complexo e que
ainda deve ser explorado tanto empiricamente quanto cientificamente.
Por fim, afirmamos que a comunicação tem muito a contribuir para a divulgação
da indústria criativa. Quando esta é voltada à P&D, como a Unipampa, o papel das
mídias sociais é ainda mais relevante. A Dicipa possibilitará à comunicação científica da
Unipampa contribuições científico-teóricas, científico-práticas e sociais, porém, é preciso
que a comunidade universitária esteja disposta a colaborar, assim como é necessário que
a comunicação da universidade também seja repensada. A partir de uma postura mais ativa
enquanto divulgadora do conhecimento e de ações estratégicas para esse fim, a Unipampa
tenderá a contribuir por meio de suas pesquisas para a melhoria da qualidade de vida da
população, assim promovendo ainda mais benefícios para a sociedade e cumprindo sua
missão de atuação em prol do desenvolvimento regional, nacional e internacional.
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Fausto (org.). Midiatização da Ciência: cenários, desafios, possibilidades. Campina Grande: EDUEPB,
2012.
Dimensões estéticas, cognitivas e tecnológicas de comunicação
Capítulo 2
26
CAPÍTULO 3
A INTERFERÊNCIA DA PANDEMIA NO MERCADO
DE SERVIÇOS AUTOMOTIVOS, DESDE SEUS
CONSUMIDORES ATÉ SEUS PRESTADORES DE
SERVIÇOS
Data de aceite: 01/05/2022
Data de submissão: 20/04/2022
Isadora Gualda Macedo
Pontifícia Universidade Católica de Campinas
Mogi Mirim – São Paulo
Guilherme Boldrin Medeiros
Pontifícia Universidade Católica de Campinas
Campinas – São Paulo
de veículos, em sua maioria, residentes da
região de Mogi-Mirim e Mogi Guaçu, pretende-se
analisar e estudar, no presente artigo, o mercado
de veículos no Brasil e sua relação com os serviços
que são prestados aos consumidores, bem como
a relação de serviços das concessionárias e suas
particularidades, quando postos em comparação
com oficinas comuns e qual o melhor custobenefício para o consumidor.
PALAVRAS-CHAVE: Mecânica; Concessionária;
Veículo; Pandemia; Serviços.
Vitor Christofoletti Laudares
Pontifícia Universidade Católica de Campinas
Mogi Mirim – São Paulo
Gustavo Teixeira Dias Otero
Pontifícia Universidade Católica de Campinas
Campinas – São Paulo
THE INTERFERENCE OF THE PANDEMIC
IN THE AUTOMOTIVE SERVICE MARKET,
FROM ITS CONSUMERS TO ITS
SERVICE PROVIDERS
RESUMO: O setor automotivo foi um dos mais
impactados com a pandemia. Devido ao baixo
fluxo de veículos nas ruas, cada vez mais as
manutenções de rotina e revisões pararam de
ser realizadas. Contudo, denominados como
serviços essenciais durante a pandemia, as auto
mecânicas e concessionárias retornaram suas
atividades. Através de uma pesquisa quantitativa
exploratória com homens e mulheres possuidores
ABSTRACT: The automotive sector was one
of the most impacted by the pandemic. Due to
the low flow of vehicles on the streets, routine
maintenance and overhauls have increasingly
stopped being performed. However, since
they were designated as essential services
during the pandemic, auto mechanics and
dealerships returned to their activities. Through
an exploratory quantitative research with men
and women who own vehicles, mostly residents
of the region of Mogi Mirim and Mogi Guaçu, it is
intended to analyze and study, in this article, the
vehicle market in Brazil and its relationship with
the services that are provided to consumers, as
well as the service list of the concessionaires and
their particularities, when compared to common
workshops and which is the best cost-benefit for
the consumer.
KEYWORDS: Mechanics; Dealership; Vehicle;
Pandemic; Services.
Dimensões estéticas, cognitivas e tecnológicas de comunicação
Capítulo 3
Marco Antonio Martins Teixeira Filho
Pontifícia Universidade Católica de Campinas
Campinas – São Paulo
Vitor Aires Gozzi Nogueira
Pontifícia Universidade Católica de Campinas
Campinas – São Paulo
27
1 | INTRODUÇÃO
Com a chegada da pandemia de Covid-19, um dos segmentos mais afetados foi o do
setor automotivo. O agravante no setor deu-se em vista de que as pessoas - no início dos
lockdowns - utilizavam menos os seus veículos e, consequentemente, não os levavam-nos
para realizar uma revisão, fator que atingiu diretamente as lojas de oficinas mecânicas e as
concessionárias. Entretanto, com a volta gradual dos trabalhos, o segmento foi considerado
de emergência, possibilitando assim a reabertura das oficinas. A falta de matéria-prima e o
aumento do dólar foram alguns dos fatores que prejudicaram o segmento, posto que a falta
de peças para compor os reparos dos veículos, além de mais caras, se tornava constante.
Esses acontecimentos foram tão significativos que até hoje - completado um ano de
pandemia - as montadoras estão fechando suas fábricas, entrando em regime de lay-off
com seus funcionários e paralisando a produção de veículos como o Onix (Chevrolet), carro
mais vendido do país. Contudo, o segmento de fato vem buscando alternativas, como é o
caso das locadoras de veículos, que aumentaram significativamente suas frotas, uma vez
que as pessoas passaram a preferir alugar carros e ter a segurança do veículo em viagens
de trabalho, por exemplo, ao invés de enfrentar o transporte público ou aviões. Além disso,
as locadoras vêm lucrando não apenas com os aluguéis, mas com a comercialização de
veículos seminovos, e consequentemente, esse giro de veículos leva à necessidade de
oficinas e mecânicas para a manutenção dos mesmos.
Com isso, pretendemos compreender neste artigo como é a relação dos serviços
prestados pelas concessionárias, suas demandas e particularidades como por exemplo:
manutenções regulares; troca de pneus; limpadores de para-brisas; películas de vidro;
entre outros; quando postos em comparação com oficinas comuns de uma cidade. Qual
o melhor custo-benefício para o consumidor? Esses são alguns questionamentos que
permeiam a problemática abordada neste artigo e das quais buscamos responder através
de uma pesquisa quantitativa exploratória e para compreender melhor o mercado de
serviços, analisaremos também o setor automotivo industrial.
2 | O SETOR AUTOMOTIVO
Para entendermos os serviços do segmento, precisamos primeiramente entender o
setor automotivo industrial atual pois, sem a produção de veículos, não há a necessidade de
prestação de serviços, assim conseguindo compreender melhor e segmento e os impactos
gerados pela pandemia de COVID-19.
O setor automotivo no Brasil contava com uma frota de 65 milhões de carros no ano
de 2017, o que representava um carro ativo na frota para cada três pessoas. Já o setor de
serviços de reparos está sob influência de uma sazonalidade previsível, havendo aumento
na demanda pelo serviço nos inícios e finais de ano, assim como no mês de julho. Isso se
Dimensões estéticas, cognitivas e tecnológicas de comunicação
Capítulo 3
28
deve pelo crescimento do número de viagens, consequência de serem épocas em que a
maioria dos trabalhadores tiram suas férias.
O mercado brasileiro de automóveis, durante a pandemia, sofreu uma queda
em todos os seus setores. Comparando o período de junho a outubro de 2019 com o
mesmo período do ano seguinte, nota-se a queda de 38,9% em veículos leves, 30,1%
para caminhões e 35,8% para ônibus. Isso se dá pelo fato de grande parte dos empregos
terem passado por uma transição para o home office. Por outro lado, o segundo meio de
transporte considerado mais seguro para ser escolhido durante a pandemia, de acordo com
o Datafolha, são os aplicativos de transporte e de carona.
Figura 1: Gráfico comparativo da produção de automóveis nos anos de 2019, 2020 e 2021. Fonte:
ANFAVEA.
O gráfico acima mostra que a produção automotiva teve uma pequena melhoria do
primeiro ano de pandemia para o segundo, mas mesmo com tal melhoria os números não
batem o ano anterior à pandemia. Dessa forma, surge a hipótese de que se menos carros
estão sendo vendidos, muitas pessoas estão mantendo seus carros antigos, que tendem a
precisar de reparos e manutenção, geralmente a partir do terceiro ano de vida útil.
3 | OS SERVIÇOS AUTOMOTIVOS
O segmento automotivo é dividido em diversos setores. Quando se trata de cuidar
de um carro, é preciso observar a mecânica, funilaria, elétrica, pintura, acessórios, entre
muitos outros. Cada tipo de peça, sendo ela um pneu ou um motor, são produzidas
por diferentes fabricantes e juntar compõe o veículo em si, portanto, cada empresa se
especializa em alguns desses setores e presta os serviços derivados do mesmo, o que
gera uma complexidade para o setor automotivo.
Dimensões estéticas, cognitivas e tecnológicas de comunicação
Capítulo 3
29
Quando comparamos concessionárias e oficinas comuns, deve-se levar em conta
que nas concessionárias existem profissionais mais qualificados, que respeitam os padrões
do fabricante e que estão equipados com as melhores ferramentas para seu carro, além de
usarem peças de reposição do próprio fabricante e modelo do veículo. Nesse caso, o custo
tende a ser mais caro ao revisar o veículo, pois além da mão de obra com valor mais elevado,
quando há a necessidade de troca de peças, essas geralmente são originais, e esse é um
dos principais motivos que levam os brasileiros a não procurarem a concessionária como
sua primeira opção.
Já em uma oficina mecânica particular, existe em igual possibilidade as chances de
gastar muito e não ter seu problema resolvido, ou da oficina apresentar um ótimo trabalho,
com boa mão de obra e serviço, além de custos menores na busca para melhor satisfazer
o cliente, com produtos similares e de qualidade. Essa escolha de peças similares é um dos
motivos que barateiam o custo da manutenção, enquanto na concessionária é obrigatório
o uso de peças originais, homologadas pelo fabricante do carro.
4 | O MARKETING DE SERVIÇOS
Os serviços são essenciais para ter uma vida tranquila na sociedade atual, pois
é praticamente impossível se manter sem energia em casa ou sem cuidados médicos,
por exemplo. Porém, apesar de sua importância, é muito comum que os clientes se
sintam insatisfeitos com os serviços que eles contratam, sendo um problema com o valor
ou mesmo com a qualidade dele. O que muitos não enxergam é que existem diversas
preocupações por parte dos fornecedores desses serviços, afinal além de enfrentar uma
complexa concorrência, eles dependem de encontrar trabalhadores eficientes para que seu
serviço seja realizado de maneira adequada, além do lucro que é complicado de ser obtido.
Atualmente, com o avanço crescente da tecnologia, os serviços dominam a
economia moderna através, principalmente, da internet e do fato de que ela permite
diversas possibilidades como hospedagem, locomoção, compras e até mesmo serviços
bancários, sem falar na comunicação rápida e direta.
Segundo Lovelock (2006), o setor de serviços enfrenta desafios muito diferentes do
setor de produtos, e pode-se entender melhor esses desafios através de uma análise dos 8
Ps. Alguns exemplos dos desafios são: a intangibilidade, a heterogeneidade, a perecibilidade
e a geração e o consumo simultâneos. Como um serviço não pode ser visto ou sentido
da mesma maneira que um produto físico, isso pode gerar problemas na hora de avaliar
resultados. Por serem ações na maioria das vezes executadas por pessoas diferentes, um
serviço não pode ser garantidamente idêntico a outro, e existe uma margem de erro onde
até mesmo os melhores trabalhadores de seu setor podem falhar dependendo de fatores
externos. Um serviço também não pode ser armazenado ou devolvido, e costumam ser
vendidos antes de ser gerado, como por exemplo cursos de graduação em que professores
Dimensões estéticas, cognitivas e tecnológicas de comunicação
Capítulo 3
30
e alunos realizam uma aula conjunta.
Figura 2: Ilustração digital retratando os 8Ps do Marketing de Digital.
Fonte: IdealMarketing.
Analisando os 8 Ps, podemos perceber que além dos 4 Ps clássicos do produto
(preço, praça, promoção e produto, que no caso seria o serviço), o marketing de serviços
também conta com mais quatro Ps adicionais, sendo eles o processo, a “palpabilidade”, as
pessoas e a produtividade. O processo representa os procedimentos necessários para a
prestação de um serviço, a palpabilidade corresponde à percepção do ambiente no qual o
serviço é prestado, as pessoas são os envolvidos no serviço, afinal a força de trabalho é a
matéria prima, e a produtividade são as premissas básicas para organizações nesse setor.
Levando em consideração a principal diferença entre um serviço e um produto, é
preciso se atentar ao fato de que um serviço é prestado por um ser humano, portanto, exige
uma relação social. É por isso que marcas de serviços precisam de uma atenção redobrada
quando o assunto se trata de fidelizar o cliente.
Portanto, fazendo uma análise do setor automotivo em si com os moldes dos 8 Ps do
marketing digital, podemos categorizar alguns fatores. O processo, por exemplo, refere-se
ao ato em si de levar seu veículo em uma oficina ou concessionária e realizar quaisquer
que sejam os serviços necessários desejados. A “palpabilidade”, também chamada de
tangibilidade, diz respeito a como um serviço automotivo possui evidências físicas, afinal, o
contato do cliente com o carro é muito próximo e esse serviço requer segurança e confiança.
Sobre as pessoas citadas nos 8 Ps, trata-se de todos os envolvidos no serviço, desde os
atendentes até os próprios mecânicos. E, por fim, a produtividade trata do alcance das
melhores práticas para executar o serviço, ou seja, um maquinário adequado que maximize
os recursos e diminua o tempo e as despesas dos trabalhadores.
Dimensões estéticas, cognitivas e tecnológicas de comunicação
Capítulo 3
31
5 | ANÁLISE DO PERFIL DO CONSUMIDOR
Para analisar o setor automotivo, é preciso entender como seu consumidor se
comporta. Como já explicitado no artigo, o reparo dos veículos é um serviço, e o mercado de
serviços leva em consideração o atendimento de maneira muito mais profunda. É evidente
que o relacionamento que as oficinas e concessionárias moldam com seus clientes é de
extrema importância no momento de analisar o valor percebido da compra, assim como nas
intenções de recompra.
De acordo com Cabral et al. (2020), os consumidores de serviços de manutenção
automotiva são predominantemente influenciados por três fatores chaves, sendo eles: a
imagem da oficina (sendo ideal estar limpa, organizada e propiciar um ambiente confortável
para aguardar os serviços), a confiança na empresa (mais especificamente na qualidade
das peças e mão de obra, sendo condizentes com o preço) e a garantia de peças e serviços
(tanto de uso como de troca). Dessa forma, é possível focar as bases teóricas do marketing
para esses três aspectos do consumidor, garantindo maior clareza nas análises.
Vale ressaltar que de acordo com um artigo publicado por Shewhart (citado por Ieda
Pedógia Martins Damian, 2010), a percepção sobre a qualidade de uma marca pode ser
dividida em qualidades objetivas e subjetivas. Dessa forma, pode-se afirmar que diferentes
consumidores terão diferentes percepções sobre a marca, atrelando assim parte do conceito
de qualidade a uma percepção pessoal ligada a cada consumidor. Cabe a marca, por sua
vez, garantir da melhor forma possível a qualidade objetiva, ou seja, técnica, dos produtos.
6 | DURANTE A PANDEMIA
Com o passar dos anos, é possível notar que há cada vez menos reparos com a
temática de “faça você mesmo” pelo fato dos veículos estarem se tornando gradualmente
mais complexos. Entretanto, as vendas de autopeças e acessórios para o consumidor
aumentaram durante a pandemia, pelo fato de algumas pessoas terem mais tempo de
sobra em casa, combinando com a praticidade das compras online. Isso fez com que
eles conseguissem fazer os reparos sozinhos com suporte de vídeos, o que possibilitou a
economia de dinheiro.
Durante a pandemia, o segmento de veículos comerciais não passou por muitas
mudanças como alguns outros. Ainda há muitas pessoas que continuam trabalhando para
manter os serviços essenciais fluindo e os trabalhadores essenciais em movimento, e
também os consumidores têm a preferência para serviços em domicílio. Por esse motivo, é
possível notar o crescimento no financiamento de motocicletas e vans.
Além da recuperação do mercado automotivo, novas modalidades de negócios e
oportunidades devem surgir no período após a pandemia. Com isso, o serviço de aluguel de
veículos ganhou destaque, chamado de “carro por assinatura”, criando uma oportunidade
Dimensões estéticas, cognitivas e tecnológicas de comunicação
Capítulo 3
32
para locadoras, concessionárias e até mesmo montadoras.
Muitas empresas já entraram nesse segmento, oferecendo aluguel anual de veículos
com um valor fixo mensal. Como por exemplo a CAOA Locadora, que já possui mais de
1.000 carros locados, sendo a maior parte deles para terceirização de frotas. A empresa
conta com planos de 12 e 24 meses para pessoa física e o pacote pode ser feito totalmente
online.
Como consequência do COVID-19, a área de tecnologia e inovação no setor de
automóveis aumentou, resultando na criação de mais carros elétricos, carros integrados à
nuvem, fábricas inteligentes e componentes impressos em 3D, tecnologias já presentes no
setor industrial.
A área digital também sofreu mudanças, pois o comportamento dos clientes mudou
e a internet tem sido o principal motor de vendas. É preciso que as empresas se posicionem
bem nas mais variadas plataformas digitais, pois segundo algumas pesquisas o e-commerce
continuará crescendo e poderá fechar até 50% das lojas físicas nos próximos 20 anos.
Veículos antigos, capacitação online, eletrificação, produtos e serviços ecológicos,
veículos de entrega, “faça você mesmo”. “É o momento certo para buscar oportunidades em
nichos específicos que vem ganhando relevância, a fim de catalisar esforços de marketing
e demais investimentos”, diz Flávio Maia.
7 | ANÁLISE DE DADOS QUANTITATIVOS EXPLORATÓRIOS
Uma pesquisa quantitativa exploratória foi aplicada de forma remota, contando com
287 (duzentos e oitenta e sete) respondentes, sendo divididos em 57,8% mulheres, 41,8%
homens e 0,3% outros, em maioria das cidades de Mogi Mirim, Mogi Guaçu, durante o mês
de maio de 2021, no intuito de levantar informações sobre o mercado, tais como frequência
de manutenção, frequência de uso do veículo, dados de compra e venda e impacto da
pandemia de COVID-19 no segmento.
Como resultado, podemos notar que embora 47% dos respondentes tenham dito
que diminuíram o uso de veículos devido à pandemia, 70% deles ainda dizem usá-los
diariamente. Cerca de 27% dizem que no começo tiveram uma redução no uso do veículo,
mas que com o tempo ela foi caindo até que voltaram ao seu uso cotidiano. Ou seja,
podemos notar que, hoje em dia, mesmo com toda a crise de saúde do país, os carros
continuam ativos quase que em sua totalidade.
Dimensões estéticas, cognitivas e tecnológicas de comunicação
Capítulo 3
33
Figura 2: Gráfico retratando a diminuição do uso de veículos após o início da pandemia. Fonte:
Pesquisa realizada para o artigo.
Porém cerca de 17% dos respondentes alegaram estarem utilizando menos os
serviços automotivos por motivos variados, como receio de ter contato com pessoas
contaminadas em mecânicas ou concessionárias ou não acharem necessário por dizerem
estar utilizando menos o veículo.
Ao analisarmos os dados obtidos quando os respondentes foram questionados sobre
suas preferências em relação à mecânicas e a concessionárias pode-se notar que 60%
alega que os preços são mais acessíveis em mecânicas. Quanto à agilidade, qualidade
de atendimento e de produtos/serviços, as respostas são bem divididas, mostrando que
não há uma preferência de grande destaque quando o assunto é levar o seu veículo para
manutenção em concessionárias ou mecânicas.
É importante notarmos que 78% dos respondentes tratam o seu veículo como
essencial para a vida que levam e 13% se consideram entusiastas por carros. Com estes
dados pode-se notar que o “movimento verde” ainda não afeta tão fortemente o segmento
em questão.
Figura 3: Gráfico retratando a visão que os respondentes possuem sobre seus veículos. Fonte:
Pesquisa realizada para o artigo.
Dimensões estéticas, cognitivas e tecnológicas de comunicação
Capítulo 3
34
Figura 4: Gráfico retratando a maneira com que os respondentes se enxergam sentimentalmente
perante aos seus veículos.
Fonte: Pesquisa realizada para o artigo.
Cerca de 42% dos respondentes dizem terem trocado de carro em meio a pandemia.
E desses 42%, 60% alega ter trocado seu veículo por um seminovo, o que nos mostra que
o mercado pode ter sofrido menos impacto do que o esperado pelos pesquisadores.
Não houve respondentes que alegam achar que o uso de veículos é desnecessário,
mostrando que esse meio de locomoção está enraizado na mente da população, o que
é de se esperar, já que o país ainda é extremamente precário em transporte público de
qualidade e mesmo as pessoas que não possuem veículo próprio tendem a utilizar táxis e
motoristas de aplicativos.
8 | CONCLUSÃO
O presente artigo, como forma de análise de mercado, conclui que, apesar da
pandemia, o mercado automotivo continua fomentado na região onde a pesquisa foi
aplicada, seja ele de seminovos ou de zero-quilômetro e, apesar de uma diminuição do uso
de veículos no início de 2020, conforme os meses foram passando, a população regional
alega ter voltado ao ritmo normal.
O retorno gradual dos trabalhos exigiu um movimento da população que permanecia
reclusa em suas casas, o que demandou a volta do olhar da população aos meios de
transporte para seus empregos. Com isso, muitas pessoas retornaram às manutenções
preventivas de seus carros, ou passaram a alugar em locadoras, evitando o transporte
público, bem como passaram a locar os veículos para complementar renda, trabalhando de
motoristas de aplicativo.
Todo esse processo de retorno foi essencial para a retomada dos trabalhos de oficinas
mecânicas e concessionárias, que voltaram a prestar seus serviços e dar assistências aos
veículos. Essa volta aos trabalhos como serviços essenciais, fora de extrema importância
para que o setor tivesse números tão otimistas ao final de 2020.
Dimensões estéticas, cognitivas e tecnológicas de comunicação
Capítulo 3
35
Analisando as preferências da população regional entre utilizar os serviços e as
peças fornecidas por concessionárias ou mecânicas, nota-se que, com relação a qualidade,
profissionalismo, limpeza e agilidade, não há preferências, porém, ao analisarmos as
respostas quando questionados a respeito de preço, a preferência tende a favorecer as
mecânicas, mostrando que, apesar do preço mais elevado das concessionárias, não há
uma preferência tão expressiva em relação à onde os respondentes preferem realizar suas
manutenções.
Apesar da popularização do “movimento verde”, onde as pessoas tendem a se
preocupar mais com o meio ambiente e, consequentemente, passar a evitar o uso de
veículos particulares, a maior parte dos respondentes acredita que possuir um veículo
continua sendo essencial ou útil, mostrando que esse novo estilo de vida ainda não afeta a
população da região onde a pesquisa foi aplicada.
Também não foram identificadas mudanças muito significativas que impactem nas
preferências do consumidor desse segmento em função da pandemia.
REFERÊNCIAS
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Estratégias De Retenção E Comportamento Do Consumidor. 13º Congresso Latino-Americano de
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GIMENES, Diego. O negócio das locadoras cada vez mais está na comercialização de veículos: Venda
de veículos usados caiu 12,8%, mas locadoras registraram crescimento de 24% no segmento; todavia,
fusão entre gigantes pode concentrar o mercado. Revista Veja. 2021. Disponível em: https://veja.abril.
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HOPPE, Alexia; DUTRA DE BARCELLOS, Marcia, MARQUES VIEIRA, Luciana, DE MATOS, Celso
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IDEAL MARKETING. Conheça o Marketing de Serviços e saiba como melhorar os resultados da sua
empresa. 2019. Disponível em: https://www.idealmarketing.com.br/blog/marketing-de-servicos/. Acesso
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Dimensões estéticas, cognitivas e tecnológicas de comunicação
Capítulo 3
36
LOVELOCK, Christopher. Marketing De Serviços: Pessoas, Tecnologias e Resultados. 5ª edição.
São Paulo: Pearson Prentice Hall, 2006.
MARKETING de serviços: uma visão baseada nos 8 Ps: aprenda a estruturar os serviços oferecidos
pela sua empresa em 8 partes, com base na satisfação do cliente, e garanta diferencial para seu
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PANDEMIA aponta novas tendências no mercado automotivo. Estadão. 8-FEV-2021. Economia.
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PANDEMIA no setor automotivo: o que mudou no mercado. 2020. Garagem 360. Disponível em:
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PASSOS, Flávio. A transformação do setor automotivo com a pandemia: as vendas de carros novos
caíram quase 30% no último ano, ao mesmo tempo em que mudanças no comportamento dos
consumidores podem impactar os negócios. 2021. Revista Exame Disponível em: https://exame.com/
blog/opiniao/a-transformacao-do-setor-automotivo-com-a-pandemia/. Acesso em: 27 maio 2021.
PEDOGIA MARTINS DAMIAN, Ieda. O papel da qualidade do serviço e da imagem da loja na
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SAMPAIO, Danilo de O. VISCARDI, Adriana W.; ORNELAS, Rubens; NASCIMENTO, Adilson
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T. Um estudo comparativo sobre o comportamento do consumidor de automóveis novos. Portal
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Dimensões estéticas, cognitivas e tecnológicas de comunicação
Capítulo 3
37
CAPÍTULO 4
DESIGUALDADE SOCIAL E PANDEMIA: UMA
ANÁLISE DAS FOTOGRAFIAS COMPARTILHADAS
PELOS PERFIS @COVIDPHOTOBRAZIL E @
EVERYDAYBRASIL
Data de aceite: 01/05/2022
Camila Leite de Araujo
Professora Adjunta da Universidade Federal
do Amazonas, do curso de Jornalismo da
Faculdade de Informação e Comunicação.
Doutora em Comunicação pela Universidade
Federal de Pernambuco, Mestre em
Comunicação pela Universidade Federal de
Pernambuco
http://lattes.cnpq.br/2757475124759540
Juliana Lira de Oliveira
Graduando em Jornalismo pela Universidade
Federal do Amazonas. Bolsista Pibic. Pesquisa
agraciada com bolsa CNPQ
http://lattes.cnpq.br/5190195195727430
RESUMO: Objetiva-se nesta pesquisa analisar a
função social da investigação fotográfica durante
pandemia da Covid-19 no Brasil pela plataforma do
Instagram e discutir a relação entre desigualdade
social e pandemia. Para a seleção das imagens,
escolhemos os perfis @covidphotobrazil e @
everydaybrasil, que catalogam e compartilham
imagens sobre a pandemia, feitas por diferentes
autores e em diferentes regiões. A análise será
feita à luz de discussões sobre as dimensões
da iconologia e da iconografia de Panofsky
(2012) e adaptadas à fotografia por Kossoy
(1999). Como resultados esperamos verificar
que as fotografias são convites à reflexão sobre
a realidade da desigualdade social e seu papel
na pandemia de Covid-19 no Brasil. Considera-
Dimensões estéticas, cognitivas e tecnológicas de comunicação
se de extrema importância o papel da ciência
social que investiga os dados e as informações
que contextualizam as imagens em um lugar na
história contemporânea.
PALAVRAS-CHAVE: Fotografia digital; Covid-19;
Brasil; Desigualdade Social.
SOCIAL INEQUALITY AND PANDEMIC:
AN ANALYSIS OF THE PHOTOGRAPHS
SHARED BY THE PROFILES @
COVIDPHOTOBRAZIL AND @
EVERYDAYBRASIL
ABSTRACT: The objective of this research is
to analyze the social function of photographic
investigation during the Covid-19 pandemic in
Brazil through the Instagram platform and to
discuss the relationship between social inequality
and pandemic. For the selection of images, we
chose the profiles @covidphotobrazil and @
everydaybrasil, which catalog and share images
about the pandemic, made by different authors
and in different regions. The analysis will be made
in the light of discussions on the dimensions of
iconology and iconography by Panofsky (2012)
and adapted to photography by Kossoy (1999).
As a result, we hope to verify that the photographs
are invitations to reflect on the reality of social
inequality and its role in the Covid-19 pandemic in
Brazil. It is considered of extreme importance the
role of social science that investigates the data
and information that contextualize the images in
a place in contemporary history.
KEYWORDS: Digital Photography; Covid-19;
Brazil; Social Inequality.
Capítulo 4
38
1 | INTRODUÇÃO
Compreender a relação entre fotografia, memória, cidadania e respeito por vidas de
populações periféricas exige uma literatura visual e debates sociais sobre esses problemas
históricos da desigualdade social e sua documentação. Assim, acreditamos ser primordial
a análise das leituras dessas imagens, que estas sejam amplamente compartilhadas e o
entendimento dos seus simbolismos.
A pandemia tem sido um momento de maior sofrimento para aqueles que estão sem
teto, desempregados, em atividades informais e sub-remunerados. Pesquisas apontam que
a pandemia reforça as desigualdades dos mais vulneráveis, as mortes são mais numerosas
nas periferias com infraestruturas precárias e sem serviços básicos.
Nesse contexto, o presente estudo se propõe a analisar algumas imagens
fotográficas feitas durante a pandemia da Covid-19 no Brasil, com base em conceitos
da iconografia e da iconologia propostos por Panofsky (2012) em 1932 e posteriormente
adaptados à linguagem fotográfica por Kossoy (1999). O trabalho nos conduz à discussão
sobre as possibilidades do digital na produção e circulação de imagens e seu impacto na
criação da memória sobre a representação das vítimas do novo coronavírus e sobre o
poder transformador da fotografia em registrar e alterar a história, se amplamente vista.
Trata-se de uma pesquisa bibliográfica e de um estudo de caso. O estudo articula
métodos qualitativos de observação direta, por meio da descrição e avaliação qualitativa
das imagens fotográficas postadas nos perfis @covidphotobrazil e @everydaybrasil, e
alguns comentários de espectadores atrelados a elas. A seleção das imagens se dão a
partir da temática da desigualdade social e ocorre de forma aleatória e subjetiva.
Para a análise das fotografias publicadas, partimos das discussões das dimensões
iconológicas e iconográficas, propostas e descritas por Panofsky (2012), em 1932, depois
adaptadas por Kossoy (1999), que acrescentou especificidades da linguagem fotográfica.
Acredita-se que esses métodos podem contribuir para a análise fotográfica e compreensão
da representação da memória da Covid-19 no Brasil.
A análise iconográfica refere-se à leitura plástica da imagem, criada a partir de
um ponto de vista do autor da imagem e eternizado pelo instante em que o obturador
foi acionado. O instante fotográfico documentado na fotografia permite recuperar dados
preciosos para a reconstituição da memória e da história. A análise iconológica procura
informações e contextos por meio de documentos ou do relato do autor da imagem de forma
a “desvendar a trama histórica e social da imagem, bem como avaliar sua dimensão cultural
e ideológica” (UNFRIED, 2014, p.05). Nesse sentido, é necessário uma base teórica que
articule a problemática da desigualdade social no Brasil e o seu papel no agravamento da
pandemia da Covid-19.Para aprofundamento da interpretação iconológica das imagens,
conforme Kossoy (1999), podemos procurar a fala dos fotógrafos cujas imagens forem
escolhidas, seja por meio de entrevistas em jornais ou por contato direto pelas redes sociais.
Dimensões estéticas, cognitivas e tecnológicas de comunicação
Capítulo 4
39
2 | RESULTADOS PARCIAIS
Os resultados parciais dessa pesquisa contam com seis análises de fotografias
produzidas no norte do país, no contexto da desigualdade social durante a pandemia da
Covid-19, compartilhadas nas páginas @covidphotobrazil e @everydaybrazil.
Para que seja possível compreender como a linguagem fotográfica é capaz de
significar, Santaella (2012) ressalta a importância de levar-se em consideração como ela é
produzida, enfatizando seu produtor e os meios disponíveis para tal.
Assim, a primeiro passo para essa análise é procurar saber quem é o fotógrafo que
a produziu, para quais veículos trabalha, sua origem, sua relação com o norte do país, seu
perfil na plataforma e as informações sobre a imagem que possa ter compartilhado nesta
página pessoal.
O segundo passo para a compreensão da imagem é analisar de que modo a
linguagem em questão é capaz de representar algo que está fora dela, isto é, seu objeto ou
referente, comumente chamado de ‘conteúdo’ ” (SANTAELLA, 2012,p.74).
Isto implica a exploração da linguagem fotográfica que implica o exame de suas
características iconográfica e iconológica descritas na metodologia desta pesquisa. Ou
seja, o estudo de suas características internas que indicam ou representam uma realidade
que lhe é externa. Acrescentamos a isso o estudo das características de interação da
plataforma do Instagram que acrescentam ícones e comentários que influenciam na
construção de sentido da imagem como numero de curtidas, marcações, hastags e análises
de comentários.
Só então podemos passar para a questão da interpretação. Que tipos de de
efeitos interpretativos aquela linguagem está apta a produzir no receptor? Os
significados de uma linguagem dependem desse triônimo: suas características
internas, suas referencias e as interpretações que enseja (SANTAELLA, 2012,
p.74).
Dentre as formas de como ler uma fotografia estão: a percepção de sentimentos os
quais a fotografia produz em nós, a identificação daquilo que foi fotografado. Explorar os
detalhes da foto nos remete e nos permite conhecer a realidade que nela foi constituído,
“contemplar a atmosfera que ela oferta ao olhar, pois a significação imanente dos motivos e
temas fotografados é inseparável do arranjo singular que o fotógrafo escolheu apresentar”
(SANTAELLA, 2012, p.30).
Dimensões estéticas, cognitivas e tecnológicas de comunicação
Capítulo 4
40
Fonte: Instagram/covidphotobrazil, 2021.
https://www.instagram.com/p/CM2kCQgldZ8/.
As fotografias aqui escolhidas foram produzidas pelo fotojornalista baiano Felipe
Iruatã durante a crise sanitária causada pela Covid-19 em Salvador no segundo dia de
toque de recolher em março de 2021. A primeira fotografia foi tirada do lado de fora de
um ônibus do transporte coletivo. A partir de um ângulo de plano médio, mostra alguns
passageiros do ônibus aglomerados, o que chama atenção é que apesar de não ser uma
foto posada, ao perceber que estava sendo fotografado um dos passageiros faz sinal de
negativo com a mão.
A segunda mostra o interior de um transporte coletivo também em Salvador. A
imagem tirada a partir de um enquadramento de cima para baixo, ou ângulo plongée. Nela
podemos ver o interior do ônibus lotado com várias pessoas uma ao lado da outra sem a
possibilidade de cumprir com o distanciamento físico indicado pelo Ministério da Saúde.
No Brasil durante a pandemia, o trabalho remoto foi uma realidade para apenas
uma pequena parcela da população. Grande parte dos trabalhadores, para não perder
seus empregos, necessitou sair de casa e se expor ao vírus no transporte coletivo, assim
como a imagem indica. Segundo um estudo do Instituto Brasileiro de Economia (Ibre) da
Fundação Getúlio Vargas (Ibre/FGV), a modalidade a distância foi adotada por apenas
cerca de 10% dos trabalhadores do país mesmo no auge da pandemia e do isolamento
social. A pesquisa apontou que o trabalho à distância durante a pandemia foi um privilégio
concentrado nas regiões mais ricas e urbanizadas do país. “A infraestrutura deficiente dos
domicílios em outras regiões, tanto do ponto de vista de equipamentos quanto do acesso à
internet, limitou bastante o home office no Norte e no Nordeste”. (AUTOR, ANO).
As imagens fazem parte de um álbum com mais outras 5 fotografias e foram curtidas
por 731 usuários. A publicação está atrelada à legenda: “Segundo dia de toque de recolher
as 18h em Salvador.
Enquanto as estações de ônibus estão cheias, a cidade fica vazia. Mesma contradição
e mesmo abismo social”. Assim podemos ver na terceira imagem aqui escolhida feita pelo
fotojornalista, tirada a partir de um plano aberto mostra uma rua quase deserta, onde
podemos ver apenas algumas pessoas em ultimo plano.
Dimensões estéticas, cognitivas e tecnológicas de comunicação
Capítulo 4
41
O álbum foi compartilhado pela @covidphotobrazil traz a marcação do Instagram do seu autor @felipe.
iruata a postagem recebeu comentários dentre eles estão: “Enquanto o governo não liberar um auxílio
descente para que o trabalhador possa se resguardar neste momento, cenas assim serão comuns”.
Fonte: Instagram/covidphotobrazil, 2021.
https://www.instagram.com/p/COIjglsnpNt/.
A imagem e sua respectiva legenda foram produzidas pelo fotojornalista freelancer
André Coelho durante a crise sanitária causada pela covid-19 no mês de abril de 2021 no
Rio de Janeiro. Em abril o Estado do Rio de Janeiro passava dos 700 mil casos confirmados
de Covid, e batia recorde de média móvel de mortes com 270 óbitos por dia, segundo a
Secretaria Estadual de Saúde.
A fotografia tirada a partir de um enquadramento aberto, O ângulo aberto, é
usada para retratar pessoas e ao mesmo tempo contextualizar situações e ambientes. A
imagem retrata em seu primeiro plano um homem que acaba de receber uma marmita,
Dimensões estéticas, cognitivas e tecnológicas de comunicação
Capítulo 4
42
com a máscara em seu queixo o homem aparenta chorar enquanto conversa com um dos
voluntários da ONG Covid Sem Fome. Em segundo planos vemos uma fila de pessoas
esperando para também receberem marmitas
A fotografia foi compartilhada pelo Instagram @covidphotobrazil e traz a marcação
do perfil do fotojornalista @a_coelho. A publicação foi curtida por mais de 786 pessoas
e acompanha a legenda “Rio de Janeiro, abril de 2021 - Voluntários de ONGs como @
covidsemfome e @acaodacidadania doam alimentos a moradores de rua no Rio de Janeiro.
Centenas de pessoas que moram nas ruas do Rio, ou que terminaram nelas por causa da
pandemia, recebem pelo menos um prato de comida por dia no centro da cidade, número
bem menor do que há um ano devido à queda do número de doações’’.
Entre as hashtags estão: #fome #ong #pandemia. A imagem faz parte de um álbum
com mais outras 9 fotografias. O álbum recebeu comentários dentre eles estão: “Meu Deus,
a fome e a dor já eram absolutamente presentes nesta região antes da pandemia... agora,
tá de cortar o coração”
Fonte: Instagram/covidphotobrazil, 2021.
https://www.instagram.com/p/COIBmoTHNN3/.
A imagem foi produzida em abril de 2021 pelo fotojornalista Victor Moriyama durante
a pandemia da covid-19 na cidade de São Paulo. Victor é um colaborador regular do The
New York Times, cobrindo a Amazonia e a América Latina e está atualmente trabalhando
em um projeto de longo prazo que investiga a desigualdade social no Brasil e os impactos
do capitalismo nas relações sociais.
Na fotografia tirada em plano aberto, vemos uma fila vista por tras com pessoas
algumas delas em situações de rua esperando pela distribuição de cestas básicas. O
Inquérito Nacional sobre Insegurança Alimentar no Contexto da Pandemia da Covid-19 no
Dimensões estéticas, cognitivas e tecnológicas de comunicação
Capítulo 4
43
Brasil, realizado pela Rede Brasileira de Pesquisa em Soberania e Segurança Alimentar e
Nutricional (Rede Penssan), indica que nos últimos meses do ano passado 19 milhões de
brasileiros passaram fome e mais da metade dos domicílios no país enfrentou algum grau
de insegurança alimentar. De acordo com os pesquisadores, o número encontrado de 19
milhões de brasileiros que passaram fome na pandemia do novo coronavírus é o dobro do
que foi registrado em 2009, com o retorno ao nível observado em 2004.
A fotografia foi compartilhada pelo Instagram @covidphotobrazil e traz a marcação
do perfil de seu autor @victormoriyama, foi curtida por mais de 366 usuário: “São Paulo,
abril de 2021 - Nos últimos dias venho acompanhando o avanço da pobreza e o aumento da
insegurança alimentar na pandemia de Covid-19 em São Paulo para o @nytimes. Passei
muitos dias ao lado da guerreira incansável que eu tanto admiro @sophiabisilliat e sua
associação @treinonalaje que faz um trabalho fundamental de distribuição de alimentos e
cestas básicas nos quatro cantos da cidade e no centro”.
A publicação faz parte de um álbum com outras fotografias e está atrelada as
hashtags: #covidbrasil #fome #pandemia #brazil. O álbum recebeu comentários como:”
Tem que marcar o idiota que disse pra fazer o senso pela Internet pra ele aprender que o
Brasil não é só o universo de privilégios que ele vive”.
Fonte: Instagram/@everydaybrasil, 2021.
https://www.instagram.com/p/CTw3Zy0FaCU/.
A imagem e sua legenda foram produzidas pela fotojornalista Marcia Foletto em
setembro de 2021 na cidade do Rio de Janeiro. Marcia Foletto trabalha a 24 anos no jornal
O Globo e é vista como uma das principais fotojornalistas do Brasil, independentemente. A
foto foi feita a partir de um enquadramento de plongée em plano médio retrata uma mulher
sentada em sua cama com as mãos e os cabelos tapando o seu rosto, em sua frente um
prato apenas com bolachas tipo água e sal. A foto foi posada a mulher identificada como
Dimensões estéticas, cognitivas e tecnológicas de comunicação
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“C” relata que durante a pandemia da covid-19 perdeu o seu emprego e chegou a morar
nas ruas.
A fotografia compartilhada pelo @everydaybrasil traz a marcação do Instagram de
sua autora @marciafoletto, foi curtida por mais de 380 usuarios e acompanha a legenda:
“ C. perdeu o emprego na pandemia. Teve que entregar a casa onde morava e deixar as
filhas com o ex-marido. Chegou a viver na rua e hoje está em um pequeno apartamento
pago por um amigo, na Zona Oeste do Rio de Janeiro. Sem trabalho e com o pouco que
ganha do auxílio emergencial, tinha apenas um pacote de biscoito para passar a semana.
Com medo de prejudicar o processo da guarda dos filhos, C. contou sua história, mas não
quis se identificar”.
A foto recebeu comentário dentre eles: “A triste situação de muitos brasileiros neste
momento desnorteado”.
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Dimensões estéticas, cognitivas e tecnológicas de comunicação
Capítulo 4
46
CAPÍTULO 5
A FOTOGRAFIA E O URBANO: REPRESENTAÇÃO,
MÁQUINA E TEMPO
Data de aceite: 01/05/2022
Camila Leite de Araujo
Professora Adjunta da Universidade Federal
do Amazonas, do curso de Jornalismo da
Faculdade de Informação e Comunicação.
Doutora em Comunicação pela Universidade
Federal de Pernambuco, Mestre em
Comunicação pela Universidade Federal de
Pernambuco
http://lattes.cnpq.br/2757475124759540
Raquel de Holanda Rufino
Doutora em Comunicação pelo Programa de
Pós-Graduação da Universidade de Brasília.
Mestra em Comunicação pelo Programa de
Pós-Graduação da Universidade Federal do
Pernambuco. Pesquisadora com interesse nos
temas como espaço cinematográfico, cidade,
estética e imaginário a partir de investigações e
análises de obras audiovisuais
http://lattes.cnpq.br/4316025552210987
RESUMO: Este artigo se propõe a discutir
a relação entre fotografia e a representação
da cidade com o intuito de traçar um paralelo
entre o desenvolvimento de um pensamento,
fotográfico, sua técnica e indústria na forma de
retratar o espaço urbano. Parte-se dos ideais
modernos, dos ideais fotográficos, da relação
entre fotografia, urbanização, máquina e razão.
A racionalidade, a superficialidade e brevidade
das relações, a lógica do consumo e o senso de
identidade do homem moderno são pensados
a partir da relação entre fotografo, câmera, e o
outro fotografado a partir da análise da prática
Dimensões estéticas, cognitivas e tecnológicas de comunicação
dos fotógrafos franceses: Eugène Atget e HerniCartie Bresson.
PALAVRAS-CHAVE: Fotografia; Cidade; Modernidade; Representação; Expressão.
PHOTOGRAPHY AND THE URBAN:
REPRESENTATION, MACHINE AND TIME
ABSTRACT: This article proposes to discuss
the relationship between photography and the
representation of the city to draw a parallel
between the development of a photographic
thought, its technique and industry in the way of
portraying the urban space. It starts with modern
ideals, photographic ideals, the relationship
between photography, urbanization, machine, and
reason. The rationality, superficiality and brevity
of relationships, the logic of consumption and the
sense of identity of modern man are thought from
the relationship between photographer, camera,
and the other photographed from the analysis of
the practice of French photographers: Eugène
Atget and Herni-Cartie Bresson.
KEYWORDS: Photography; City; Modernity;
Representation; Expression
1 | INTRODUÇÃO
Na sociedade Ocidental o conceito
“realista” parece um lugar comum desde a
Grécia, e se refere a obras que tem como objeto
a retratação do real. Entretanto, foi através do
Renascimento que se acentuou cada vez mais
o ideal e a necessidade de retratar a realidade
e atingir o perfeccionismo técnico da imagem do
mundo. Nesse período surgem várias escolas e
Capítulo 5
47
diversas formas de representar o real que perpetuaram alguns métodos como a perspectiva
linear. Realismo, nesse sentido acaba se perpetuando como um conceito com referência a
variadas obras em muitos contextos históricos (ROSARIO, 20016, p.06).
A pintura realista deu origem a versões tradicionais do real e também a práticas
contemporâneas, onde o realismo é um elemento base na construção da imagem. Esta
acabou por ser utilizada ao longo de séculos até mesmo por práticas e tendências que
se desviam ao modernismo e em muitos destes casos ao realismo académico, como o
Cubismo ou o Surrealismo, que apesar de utilizarem a realidade e a figuração como base
no seu trabalho opõem-se às suas regras atitudes e expectativas realistas.
O movimento realista já apontava no discurso e na estética dos pintores um desejo
por representar mais do que os detalhes de nitidez e de cores da luz que atingia os corpos
de pessoas reais, a realidade como ela se apresentava em suas condições e estilos de vida
e suas cidades. Nesse sentido, o objeto de apreciação estética e de observação empírica
se despia do idealismo dos amores e das personificações românticas e do estilo de vida e
do rosto da nobreza para se voltar a reprodução do mundo como ele o é, ao cotidiano e ao
rosto do homem comum.
Conceitualmente o objetivo era retirar o gênio criador da representação, diminuindo
os filtros entre espectador e mundo retratado; esteticamente caracterizou-se pela exatidão e
perfeccionismo de uma “imagem real” e por despir a realidade dos idealismos de quem a vê.
Na França o movimento ganhou forças com nomes como Camille Corot, Honoré Daumier,
e Gustave Coubert, que retratavam a dura vida dos camponeses e dos trabalhadores. Pelo
realismo questionavam-se sobre o estilo de vida urbano, sobre o pensamento funcionalista
do trabalho e sobre a postura do homem no mundo representando a realidade em sensível.
Nesse sentido, a produção fotográfica do início da história do média abrangia
especialmente os mesmos assuntos: o rosto do homem moderno e as paisagens urbanas
e dos campos. O daguerreotipo1, sua imagem metálica, perfeita e nítida foi eleita para
representar o retrato fixo do retratado sobre a qual se espelhava a imagem transitória
do observador. O daguerreotipo representava a imagem feita em estúdio por fotógrafos
profissionais e comerciais. As paisagens urbanas e da natureza eram, muitas vezes,
objetos de predileção dos calotipistas2, adeptos do vago e da suavidade de fotografias
que mais se pareciam desenhos à traço. O calótipo era usado em especial para imagens
feitas ao ar livre, por fotógrafos artistas e representava uma imagem que fugia da lógica da
praticidade e do lucro comercial (ROUILLÉ, 2009).
A relação entre fotografia e pintura tem sido um terreno de fértil reflexão sobre a origem
da fotografia, sua originalidade e suas continuações. Deavid Hockney, no documentário
1 Câmera fotográfica criada por Daguerre e foi eleito pela Academia de Ciências da França para ser o considerado o
inventor da fotografia. O daguerreotipo tratava-se de uma imagem negativo – positiva, feita na própria chapa de cobre
revestido de mercúrio que não permitia cópias e era conhecida por ser uma imagem de grande nitidez que permitia
inúmeras tonalidades de cinza.
2 O calótipo foi criado por Fox Talbot no mesmo período da invenção de Daguerre. Seu processo permitia a criação de
uma imagem negativa que permitia inúmeras cópias negativas.
Dimensões estéticas, cognitivas e tecnológicas de comunicação
Capítulo 5
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“The Secret Knowledge - Rediscovering the lost Tecniques of the Old Masters” demonstra
os métodos óticos que eram comumente usados como base de desenho. Propõe que
desde o século XV inúmeras tecnologias e métodos óticos são utilizados na busca do
realismo pelos pintores e que a fotografia permitiu uma nova forma de se pensar a pintura
em detrimento da pintura feita a partir do modelo de observação real. Configurando, assim,
uma busca por inúmeros aparatos (câmeras escuras, câmeras claras, lupas, fisionotraços
e espelhos curvos3) que permitissem ver e representar e alterar a percepção do real.
Foucault (1993) ao investigar a emergência de diversos conceitos e mecanismos
sociais chega à definição de aparato como um instrumento, que em determinado momento
histórico foi criado para responder a uma necessidade urgente, um instrumento com uma
função estratégica dominante. Os aparatos estariam sempre conectados a determinadas
coordenadas do conhecimento que emergiram a partir deles e que os condicionam,
consistindo em estratégias de relações de força, dando suporte e sendo suportados por
determinados tipos de conhecimento.
A fotografia não foi pioneira no uso da câmera escura para a produção de suas
imagens, mas nunca a mão havia sido retirada do processo de produção. A fotografia nasce
da junção de dois conhecimentos e de dispositivos seculares: um ótico, a câmera escura; e
outro químico, a sensibilidade à luz por certos compostos. Nesse sentido, a fotografia inicia
um novo limiar de imagens técnicas a partir das quais se distingui das imagens anteriores
e anuncia uma nova série na qual se incluem o cinema, o vídeo e a televisão.
Ao colocar uma máquina óptica e química no lugar das mãos, dos olhos e das
ferramentas de desenhistas, gravadores e pintores, a fotografia redistribuiu a relação que,
havia vários séculos, existia entre imagem, o real e o corpo do artista. Os lápis, os buris
ou pinceis são ferramentas tão rudimentares, e tão tributárias da mão, que mão passam
de simples prolongamentos dela. O artista adere à sias ferramentas e às suas imagens,
e é precisamente essa unidade entre corpo-ferramenta e imagem manual que a fotografia
vem quebrar, para selar um novo ela: entre as coisas do mundo e as imagens. (ROUILLÉ,
2009, p.34).
Assim, colocamos a fotografia como uma urgência histórica; aparato constituído a
partir de um conceito multilinear (combinando campos do saber das artes, da química e da
física; relações de poder e subjetivação; contingências sociais, culturais e econômicas); e
que está apoiado e apoia outros dispositivos que lhe são contemporâneos. Uma imagem
que nos associa ao real, ao mundo circundante e longe para longe do artista, evidenciando
o mundo de uma forma diferente da qual havia sido evidenciado até então ao fazer surgir
outras evidências e propor novos instrumentos de investigação.
Essa nova forma de visualizar o sujeito e as cidades fez com que artistas e poetas
tivessem que conceber um ‘um vidro de visualização autoconsciente’. Ou seja, a câmera
3 Para Crary (1992), o desenvolvimento e o evento fotográfico anteriores a 1850 se deram meio a uma profunda transformação da natureza da visualidade. Período marcado por intensas mudanças na forma de se viver em sociedade.
Dimensões estéticas, cognitivas e tecnológicas de comunicação
Capítulo 5
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escura por si só não seria mais suficiente para representar uma determinada visão de
mundo, o que levaria ao surgimento da necessidade da invenção de um aparato o qual
permitisse tanto a reflexão quanto a projeção, que fosse simultaneamente ativo e passivo
na forma de representar as coisas, incorporando tanto o modo de o sujeito ver, quanto da
essência do objeto visto.
O dispositivo fotográfico é proporcionado e proporciona uma experiência (e sua
necessidade) de representar aquilo que o homem moderno vê. É a partir desse momento,
também, que se caracteriza o conceito de sujeito moderno. A fotografia, desta forma, faz
parte de uma série de mecanismos que marcam uma forma específica de ver e experimentar
o real, materializando um exercício de poder que penetra nas estruturas dos corpos.
O ideal moderno parece permeado pela concepção de que o conhecimento é
impossível fora da experiência, despertando um desejo específico e datado por imagens
que representam um sujeito, o qual se coloca ao mesmo tempo como possuidor do
conhecimento e objeto deste, observando e sendo observado pelo ato fotográfico. Surge,
assim, a necessidade de uma reflexão sobre o próprio processo de experiência subjetiva
na fotografia.
A tese de Giambattista Vico (1988) de que a origem da humanidade está
necessariamente ligada ao nascimento da poética, parece interessante ao permitir
pensarmos a fotografia dentro de um contexto seriado de criações que se associam a um
estado primordial do homem, o qual se estende por todos os tempos da nossa história,
em uma teoria de que o conhecimento humano se dá privilegiadamente a partir daquilo
que criamos. Assim, a possibilidade de conhecimento depende da relação de proximidade
que existe entre o nosso espírito e aquilo que investigamos, o encontro entre sujeito e
objeto, daquele que vê e de quem é visto. Representações que, em parte, também são
auto representativas, projeções entre agente e narrador que se identificam, se coincidem,
se encontram ou se projetam.
A fotografia, assim, surge como a primeira imagem Moderna e a imagem matriz a
partir da qual consumiríamos e criaríamos inúmeras outras imagens. A fotografia representa
em parte os anseios por uma representação desenvolvida a partir do progresso da máquina
e das ciências (anseios relacionados a Revolução Industrial) e de uma nova representação
do homem a partir das transformações culturais, sociais e econômica do início da Era
Moderna.
No intuito de compreender esse momento da origem da fotografia e sua motivação
original, vários historiadores tentaram fornecer uma explicação satisfatória ao relacionarem
o seu surgimento com os desenvolvimentos da cultura europeia da época, como a
perspectiva, o realismo e o modernismo da arte; a física, a química e a mecanização na
ciência; a revolução industrial, a dominância da ideologia burguesa e sua demanda pelo
retrato.
Apesar de todos esses fatores terem contribuído para esse momento de desejo
Dimensões estéticas, cognitivas e tecnológicas de comunicação
Capítulo 5
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e consolidação fotográfica, já que a máquina fotográfica parece personificar os anseios
funcionalistas e de uma visão de mundo técnica em que a ciência, a objetividade e
a máquina poderiam sugerir uma vida melhor para o futuro da humanidade, Batchen
(2002), entretanto, nos alerta para o fato que tais explicações proporcionam apenas parte
do entendimento, já que, sem o pensar e o desejar fotográfico de pouco adiantaria o
conhecimento científico necessário para se alcançar, com sucesso, o objetivo da invenção
fotográfica. Além disso, contesta-se que não há episódios que evidenciem que a ideia de
fotografia surgiu diretamente a partir da experiência científica4.
Vale ressaltar que a fotografia não é absolutamente ou intrinsecamente moderna,
mas sempre plural. A heterogeneidade da prática fotográfica marca seu surgimento por
meio dos diferentes polos de interesses, usos, discursos: como pela dualidade de Daguerre
e Hippolyte Bayard; pelo antagonismo do uso da academia de Ciências e de Belas Artes;
pelo contraste das imagens espelhadas e nítidas do daguerróripo e as imagens vagas do
calótipo; da fotografia comercial e da fotografia artística; prática e artesã. Rouillé (2009)
ressalta a coexistência e a oposição de práticas por todo o período da história da fotografia.
O autor conclui que a fotografia configura-se como uma representação que desde
quando era só desejo, já reconhecia suas falhas, incertezas, espaços em aberto e a
subjetividade e individualidade do autor, assim como do espectador. Imagens heterogêneas
e repletas de performances, as quais, mais que interpretadas como conexões e
representações de uma realidade indexada, interpelam e agem sobre essa realidade, e
devem ser aceitas como “idéias loucas”5.
A fotografia não se configuraria como uma simples janela que permite a visualização
do real, mas representa um complexo palimpsesto de expressão artística e de registro
realista que leva em consideração a constante presença da natureza, fotógrafo, câmera e a
imagem do outro representado, mesmo quando estes estão ausentes o autor, a máquina6.
Rouillé (2009) propõe que mais do que o real ter criado a urgência fotográfica, que a
fotografia cria o real. Nesse sentido, além de documentar, a fotografia expressa e constrói
imaginários e discursos sobre o real.
A fotografia que apareceu com a sociedade industrial relacionada com a
industrialização, a expansão da metrópole, da economia monetária, durante as modificações
na forma de perceber o tempo, o espaço e as comunicações; imagem que representava um
4 Da mesma forma, o retrato, defendido por tantos historiadores como a motivação primeira para a invenção fotográfica,
só teria sido incorporado mais tarde ao discurso da prática como um possível uso do fazer fotográfico, tendo se dado
mais por um acaso do que de forma premeditada.
5 Batchen dá nome a seu livro em referência ao termo “each wild Idea” usado em 1794 no texto do pintor Thomas
Watling, Letters form na Exile at Botany-Bay, para descrever aos espectadores de seus quadros o que deveriam esperar
de suas imagens, reconhecendo e declarando a dificuldade de representar, por palavras ou imagens, as características
das desconhecidas paisagens onde havia sido exilado.
6 Como resultado, temos uma radical transformação de todos esses conceitos, os quais colocam em discussão algumas
certezas baseadas em reflexões sobre o Iluminismo (BATCHEN, 2002), ou seja, do dilema e da pressão de duas formas
de pensar a representação, como um instrumento positivista e de objetividade científica e, ao mesmo tempo, como um
sistema de representação de subjetividade expressionista, nascendo do desejo de um tipo de representação que viria
a ser chamada “fotografia”.
Dimensões estéticas, cognitivas e tecnológicas de comunicação
Capítulo 5
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olhar mecânico transformou a fotografia na imagem ideal documentar, servir e atualizar os
valores dessa sociedade.
Ora, a fotografia, mesmo documental, não representa automaticamente o real;
e não toma lugar de algo externo. Como o discurso e as outras imagens, o
dogma de ‘ser rastro’ máscara o que a fotografia, com seus próprios meios,
faz ser: construída do início ao fim, ela fabrica e produz mundos. Enquanto
o rastro vai da coisa (preexistente) à imagem, o importante é explorar como
a imagem produz o real. O que equivale a defender a relativa autonomia das
imagens e de suas formas perante os referentes, e reavaliar o papel da escrita
em face do registro. (ROUILLÉ, 2009, p18).
Nesse sentido, o autor ressalta que pensar a fotografia como expressão e como
construtora do real significa atentar-se justamente a alguns elementos rejeitados pela
abordagem documental: a imagem, com suas formas e escritas; o autor e sua subjetividade;
e o outro retratado pelo objeto fotográfico.
2 | A FOTOGRAFIA E A CIDADE LUZ
O ideal moderno e a fotografia dividem um fenômeno inseparável deles: a
urbanização e a ideia de expansionismo. A cidade como visto anteriormente já era a
preocupação e objeto de representação no período pré-fotográfico, mas com a fotografia a
cidade era fotografada de maneira moderna. A fotografia desde seus primeiros clichês já se
mostrava essencialmente urbana, seja pela sua origem; pelo cenário urbano; pelo conteúdo
de descrição de paisagens e materiais e pelo mapeamento do espaço e da vida urbana
feitos pela sua precisão imagética; e também porque as lógicas da cidade motivaram suas
escolhas técnicas7.
As fotografias de Eugène Atget8 da moderna Paris causam um estranhamento
sobre o esvaziamento das pessoas, das massas, tão características dos centros urbanos.
Imagens associadas por Benjamin (1994) a uma cena de um crime, esvaziada de sua
vida que usa a ausência como elemento de suspense. Andanças fotográfica em na busca
desesperada de se registrar tudo aquilo que vai desaparecer. “Se há algum assassinato, é
o do velho pelo novo” (Rouillé, 2009, p.46). Fotografias da rua e da cidade sem nenhuma
pessoa desafiam o gênero ainda hoje faziam com que o próprio autor se considerasse mais
‘coletor de documentos’ do que um fotografo artista.
Em suas imagens de vitrines, habitadas pelos corpos artificiais dos manequins de
sorrisos cadavéricos, rodeados por mercadorias e seus valores, vê-se o reflexo da rua com
signo das contradições modernas de forma que o espaço público e a mercadoria privada se
encontram e que consumidor e objeto de consumo se confundem. Nas imagens urbanas de
7 Aqui faz-se referencia à oposição entre a técnica do negativo –vidro (colódio) r o negativo-papel (calótipo) que unem
duas posturas fotográficas que se distinguem pela preferencia por uma imagem nítida versus uma imagem desfocada;
da temática do retrato à da paisagem; do espaço de um estúdio ou de exterior ou espacial (cidade ou interior).
8 Foi descoberto por Man Ray, que o publicou na revista La Revolution Surréaliste, teve seu valor também reconhecido
pela fotógrafa norte-americana Berenice Abbot. Assistente de Man Ray à época, se aproximou de Atget, recolhendo e
divulgando sua obra de mais de quatro mil imagens e dez mil negativos.
Dimensões estéticas, cognitivas e tecnológicas de comunicação
Capítulo 5
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Atget, o homem moderno nessas imagens parece desprovido de seu corpo, seus sentidos,
suas vísceras. “A urbanização e a modernidade provocou mudanças antropológica
essenciais: o desenvolvimento do intelecto em detrimento da sensibilidade”(ROUILLÉ,
2009, p.44).Só resta uma casca, um corpo que sofreu taxidermia, oco de essência. Suas
imagens destacam, portanto, o contraste entre a cidade como permanente, ou algo que se
deva lutar para que permaneça e o transitório (o homem). A sua vasta obra “documental”
de mais de oito mil imagens em grande formato um trabalho de feito em mais de vinte
anos procurou eternizar a beleza da arquitetura histórica da cidade e dos seus pequenos
detalhes comuns e corriqueiros como portas, maçanetas, padrões de pedras.
Para Benjamin (1985), as fotografias de Atget representam a revitalização da
fotografia ao reconectá-la com a realidade na documentação de um mundo esvaziado
da presença humana. Imagens percursoras das fotografias surrealistas, pelos espaços
solitários e alienados do indivíduo moderno. A fotografia se apresenta como um devir, uma
possibilidade, dissolução da forma e instauração de novas possibilidade e novas relação
de produção do real.
O surgimento das cidades como centros urbanos marcam a transição de uma vida
nas pequenas cidades que eram marcadas pelos laços afetivos e pela sensibilidade. A lógica
do racionalismo, do utilitarismo e do individualismo marcam a epistemologia moderna. O
corpo moderno adapta-se a uma nova experiência com uma compreensão do tempo como
um fenômeno mais intenso e nervoso e passa a ser regido pelo relógio da produção e do
obturador e pelos encontros instantâneos das vidas urbanas. A fotografia quando surge
depende de longas exposições para a formação da imagem, ainda assim, representava um
processo de produção maquínica, objetivo, quantitativo e rápido em relação às produções
imagéticas pré-moderna. Essa produção é exemplificada pelas fotografias de Atget.
Com efeito: as fotos parisienses de Atget são as precursoras da fotografia surrealista,
a vanguarda do único destacamento verdadeiramente expressivo que o surrealismo
Dimensões estéticas, cognitivas e tecnológicas de comunicação
Capítulo 5
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conseguiu por em marcha. Foi o primeiro a desinfetar a atmosfera sufocante difundida pela
fotografia convencional, especializada em retratos, durante a época da decadência. Ele
saneia essa atmosfera, purifica-a: começa a libertar o objeto de sua aura, nisso consistindo
o mérito mais incontestável da moderna escola fotográfica. [...] Ele buscava as coisas
perdidas e transviadas, e, por isso, tais imagens se voltam contra a ressonância exótica,
majestosa, romântica, dos nomes das cidades; elas sugam a aura da realidade como uma
bomba suga a água de um navio que afunda. (BENJAMIN, 1994, p.100- 101).
Com o tempo, viu-se aquilo que Benjamin (1994) chamou de declínio da fotografia,
com o desenvolvimento da indústria fotográfica, as exposições foram diminuindo de tempo,
as lentes se tornaram mais claras, a fotografia se tornara instantânea. O material fotográfico,
agora leve barato, incentivava a mobilidade do corpo do fotógrafo pelo espaço massificado
do urbano. O ritmo alucinado das vidas e dos centros urbanos passou a exigir uma imagem
pontual, precisa, exata que poderia guardar a brevidade dos encontros mais efêmeros.
Presencia-se a crise dos valores auráticos da obra de arte, nada mais é original ou único.
O fotografo que, talvez, melhor incorporou o valor do instante urgente do mundo
moderno foi Cartie-Bresson, o pai do “instante decisivo”. “Viver o instante presente,
somente isso é válido. A vida é imediata e lancinante. A notícia pertence ao passado. Esse
é o ensinamento de sua Leica”. (AUSSOLINE, 1953, p.12).
Para o autor, Cartie-Bresson adquiriu o vírus e a obsessão da geometria. Somente por
meio da estrutura elegante dos princípios da harmonia, o gosto pelas regras de composição
( dos ritmos, das escalas, do poder da linha, das regras dos terços e da proporção áurea)
poderia estruturar e encontrar ordem no caos urbano e universal. A disciplina do olhar,
o cálculo perfeito da entrada de luz, a máquina pequena e portátil portava o negativo
fotográfico. Sem disciplina não há liberdade.
Ao mesmo tempo, tenta se esquecer de tudo que aprendeu com os metres da pintura
e se desvencilhar de suas amarras lógicas. O estudo da paisagem, sempre representou
um desafio instigante e central em todo o desenvolvimento do conhecimento imagético. Só
assim, pode-se fotografar com a alma. No esquecimento de todo o conhecimento racional
encontra a espontaneidade, a consciência de se viver um momento excepcional. A câmera
se torna a extensão do seu olhar, uma forma de acesso ao real.
“[…] a técnica mais exata pode dar às suas criações um valor mágico que um
quadro nunca mais terá para nós. Apesar de toda a perícia do fotógrafo e de
tudo o que existe de planejado em seu comportamento, o observador sente
a necessidade irresistível de procurar nessa imagem a pequena centelha
do acaso, do aqui e agora, com a qual a realidade chamuscou a imagem,
de procurar o lugar imperceptível em que o future se aninha ainda hoje em
minutos únicos, há muito extintos, e com tanta eloquência que podemos
descobri-lo, olhando para trás. A natureza que fala à câmera não é a mesma
que fala ao olhar. (BENJAMIN, 1994, p.94).
Na obra de Bresson encontra-se fortemente a presença o caráter mágico em
Dimensões estéticas, cognitivas e tecnológicas de comunicação
Capítulo 5
54
contraste com a racionalidade técnica da fotografia ressaltados por Benjamin (1994) como
um elemento vivo nas fotografias. Esse caráter mágico na obra de Bresson talvez seja
visível pela própria mágica da matemática, a mágica da confluência e do encontro de
determinados elementos em único instante, em um único recorte traduzidos na expressão:
o instante decisivo.
Ao se olhar uma fotografia de Bresson, como as imagens anteriores é impossível
não se maravilhar com a mágica do instante em que determinados elementos se encontram
no enquadramento fotográfico. Na primeira imagem, o encontro da beleza das linhas e
formas arquitetônica com a suavidade do corpo feminino e a leveza do voo das pombas.
Na segunda imagem somos impressionados pela mágica do encontro de dois elementos
improváveis o pulo da bailarina no pôster, que se apresenta com uma janela de luz na
paisagem escura, e o pulo de um senhor, atrasado para o trabalho, com seu possível
terno pesado e sapatos desconfortáveis. Encontramos em ambas as imagens a leveza e a
poética do cotidiano na estruturada prosa urbana.
Dimensões estéticas, cognitivas e tecnológicas de comunicação
Capítulo 5
55
Stuart Hall (1997) ao estudar a representação da fotografia humanista francesa e
seu papel na reconstrução do pós-guerra, 1944 à 1950, ressalta o poder de construção
de um conceito de “francesidade” por essas imagens. Nesse sentido, ressalta que a
representação desse espaço urbano, nesse período, de determinados eventos, de seus
habitantes e estilos de vida foi uma decisão consciente de alguns fotógrafos e da própria
imprensa. Ou seja, a representação é uma construção.
A fotografia é um corpo de prática e valores estéticos e ao encontrar uma
estrutura de paradigma torna-se mais fácil compreender suas regras de representação
características do paradigma humanístico. Categorizou assim a abordagem do corpo
imagético da prática em seis elementos centrais: universalidade das emoções humanas;
um enquadramento histórico; o foco na cotidianidade da classe popular; a empatia e o
sentimento de cumplicidade com os sujeitos retratados; o comum que unem estilos de
vida entre espectadores e fotografados e, por último, o fator monocromático das imagens
retratadas.
Os principais assuntos foram: a rua; as crianças; a família; o amor e os amantes;
Paris e seus pontos belos; personagens marginais; festas e celebrações; bistrôs; casas e
condições de moradia e trabalhos. Por meio desses da observação e da exploração desses
elementos Bresson ajudou a ressaltar a beleza e a força do povo francês cuja moral e
autoestima haviam sido massacrados pela Segunda Guerra e seus ideais.
Parece óbvio que Bresson, parte desse corpo de fotógrafos, não poderia fotografar
tudo. Na seleção dos objetos e dos temas encontramos os motivos pessoais e os valores do
fotógrafo. Esse princípio e o resultado da análise de Stuart (1997) entram em contraste com
a crença de Bresson de ser um observador invisível. Bresson não acreditava no tratamento
de pós-edição das imagens, nem mesmo no uso do flash que invade e artificializa o
instante, descarta até mesmo a possibilidade de pose. Para Bresson a magia da imagem
era possível no alinhamento, na presença íntegra do coração, da cabeça e do olho no
Dimensões estéticas, cognitivas e tecnológicas de comunicação
Capítulo 5
56
momento presente.
3 | CONCLUSÃO
A fotografia não foi a primeira forma de representação ao tentar abarcar com o olhar
o espaço urbano, ou a representar o rosto do homem comum e seu estilo de vida. Mas
certamente a fotografia criou uma realidade a partir das suas representações do espaço
urbano, dos eventos vivenciados por seus habitantes, da arquitetura, do amor, da lógica
de consumo e do senso de pertencimento a um lugar. A fotografia também transformou a
nossa forma de pensar a arte, o real, o sagrado e tempo na modernidade.
A fotografia mesmo quando sem intuito da criação artística como a fotografia de
Atget em que o objetivo parecia ser uma análise sistemática de documentação do espaço
urbano por meio do olhar guarda também em si uma característica cultural e por isso
representacional. Atget esvazia Paris, o documentarista que recusou o título de artista
transcreveu um conceito para imagem, o de esvaziamento humano, de forma que a
construção e a expressão imagética está implícita e não a reprodução da realidade.
Assim, a imagem fotográfica além de documentar apresenta um recorte do real,
uma seleção consciente de temas e abordagens que permitem a possibilidade de uma
acesso a esse real único. Assim a subjetividade apresenta-se como uma característica da
experiência que integra corpo do fotógrafo, espaço urbano e imagem.
A representação fotográfica da cidade evidencia ao mesmo tempo os condicionamentos sociais, o espaço geográfico e o contexto do cotidiano das representações e dos
seus significados. A fotografia introduz em suas imagens valores análogos aos valores
sociais e urbanos que transformam a vida, a sensibilidade dos habitantes das cidades
modernas e os gostos artísticos. Evidenciados nas fotografias de Bresson pela beleza da
harmonia em meio ao caos, a instantaneidade e brevidade dos encontros e o desejo único
pelo presente. A concepção de uma fotografia como documento do real permitiu o seu domínio pelos ideais
A representação do urbano é uma marca, porque exprime uma civilização, mas é
também percepção, concepção e ação – isto é, da cultura – que canalizam certo sentido
a relação de uma sociedade com o espaço e com a natureza. Essa imagem é resultado
material de ideias e concepções de mundo, de relação com o tempo caótico do urbano.
REFERÊNCIAS
AUSSOLINE, Piere. Henri Cartie-Bresson: o olhar do século. Tradução: Julia da Rosa Simões.
Editions Plon: Porto Alegre, 1953.
BATCHEN, Each Wild Idea: wrting photography history. Massachusetts: MIT Press, 2002
Dimensões estéticas, cognitivas e tecnológicas de comunicação
Capítulo 5
57
BENJAMIN, Walter. Magia e técnica, arte e política: Ensaios sobre literatura e história da cultura.
Obras Escolhidas, volume 1. Tradução: Sérgio Paulo Rouanet, 1987.
CRARY, Jonathen. Techniques of the Observer: on vision and modernity in the nineteenth century.
Massachusetts, London, 2005.
FOUCAULT, Michell. As palavras e as coisas: uma arqueologia das ciências humanas. Tradução
de Salma Tannus Muchail. Ed. 9ª. Editora Martins Fontes: São Paulo, 1993.
HALL, Stuart. Representation: cultural representations ans signifying practices. SAGE
Publications: London, 1997.
ROUILLÉ, André. A fotografia entre documento e arte contemporânea: entre documento e a arte
contemporânea. Tradução Constancia Egrejas. São Paulo: Editora Senac, 2009.
ROSÁRIO, Lúcio. A pintura, o realismo e a sua relação com a fotografia, 2016. Disponível
em:https://iconline.ipleiria.pt/bitstream/10400.8/1669/1/Lúcio_Francisco_Viralhadas_do_Rosário_
Parte_I.pdf
VICO, Giambattista. Princípios de uma ciência nova: acerca da natureza comum Volume II. Editora
Globo, SA. Rio de Janeiro,1972.
Dimensões estéticas, cognitivas e tecnológicas de comunicação
Capítulo 5
58
CAPÍTULO 6
USOS DO ESPETÁCULO COMO ESTRATÉGIA NA
IMPRENSA
Data de aceite: 01/05/2022
Beatriz Dornelles
Pós-doutora em Comunicação pela
Universidade Fernando Pessoa/PT (2009),
Mestrado e Doutorado em Comunicação pela
Universidade de São Paulo (1991/1999),
graduação em Jornalismo pela Pontifícia
Universidade Católica do Rio Grande do Sul
(1982). Professora titular do PPGCom da
Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande
do Sul e editora executiva da Revista Famecos
Fabíola Brites
Mestre em Comunicação Social pelo PPGCom
da Pontifícia Universidade Católica do Rio
Grande do Sul
Este trabalho foi apresentado no GP História do
Jornalismo, XVIII Encontro dos Grupos de Pesquisas
em Comunicação, evento componente do 41º
Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação.
RESUMO: Este artigo analisa qualitativamente
o interesse da mídia que investe na estratégia
espetacular como forma de atrativo. Trata da
relação que a imprensa escrita tem com o
espetáculo de uma forma em geral, os usos que
faz dele e em que medida tira proveito ou é traída
por ele. A reflexão tem como bases teóricas
as ideias de Mario Vargas Llosa, expressas na
obra “A civilização do espetáculo”, e de autores
que se dedicaram à problemática. Como objeto
para a análise são utilizadas notícias publicadas
pelo jornal O Sul, nos anos de 2011 e 2018,
Dimensões estéticas, cognitivas e tecnológicas de comunicação
selecionadas de forma não-probabilística, para
atender ao objetivo desta pesquisa. Concluise que o jornalismo contemporâneo deve ser
atrativo, sem apelar para o sensacionalismo.
PALAVRAS-CHAVE: espetáculo; história do
jornalismo; jornalismo impresso; jornalismo;
comunicação.
ABSTRACT: This article qualitatively analyzes
the interest of the media that invests in the
spectacular strategy as a form of attraction. It
deals with the relationship that the written press
has with the spectacle in general, the uses
it makes of it and the extent to which it takes
advantage or is betrayed by it. The reflection is
theoretically based on the ideas of Mario Vargas
Llosa, expressed in the work “The civilization
of the spectacle”, and of authors who have
dedicated themselves to the problem. As an
object for the analysis, news published by the
newspaper O Sul, in the years 2011 and 2018,
selected in a non-probabilistic way, are used to
meet the objective of this research. It is concluded
that contemporary journalism must be attractive,
without resorting to sensationalism.
KEYWORDS: Show; history of journalism; printed
journalism; journalism; Communication.
INTRODUÇÃO
No período em que este artigo foi
redigido, acontecia a Copa do Mundo na Rússia.
No Brasil, aulas em escolas e universidades
são suspensas, empresas dão folgas a seus
funcionários ou negociam trocas de turnos,
repartições públicas alteram seus horários
de funcionamento. Tudo para que as pessoas
Capítulo 6
59
possam torcer pelas equipes. Um fenômeno que ocorre também em outras partes do
mundo e reflete o interesse pelo futebol, considerado sinônimo de diversão, alegria, paixão,
entretenimento. Um exemplo perfeito da era em que vivemos: a do espetáculo. Muito já
foi dito sobre ela e com muita propriedade. O que interessa a este artigo é a relação que a
imprensa escrita tem com o espetáculo de uma forma em geral, os usos que faz dele e em
que medida tira proveito ou é traída por ele. Para a reflexão, o artigo analisa, à luz das
ideias de Mario
Vargas Llosa, expressas na obra “A civilização do espetáculo” (2013), e de autores
que se dedicaram à problemática, o jornal O Sul, editado em Porto Alegre. Entender a
relação da imprensa com o espetáculo se justifica na medida em que cada vez mais meios
de comunicação fazem uso desta estratégia para atrair audiência.
Antes de partir para a análise, faz-se necessária uma breve apresentação do objeto
desta reflexão. O jornal O Sul pertence ao grupo Rede Pampa de Comunicação (O SUL),
proprietário de emissoras de rádio e TV no Rio Grande do Sul, na região sul do Brasil. O
jornal circulou na forma impressa de julho de 2001 a abril de 2015, e, desde então, mantém
sua página na internet com acesso livre aos internautas. Na plataforma on-line disponibiliza
a edição diária completa em PDF e também edições anteriores, período em que circulou
em papel. As notícias e reportagens, tanto as publicadas on-line como as que constam
no PDF, incluindo as do período em que circulou impresso, são uma coletânea de textos
divulgados na imprensa brasileira com fotos de reprodução. O público-alvo são as classes
A e B, tanto no período em que era vendido em banca e por meio de assinaturas, tendo que
custear a impressão no papel, quanto na fase atual, após ter migrado para a internet, com
acesso gratuito aos internautas.
O que é espetáculo
Espetáculo, conforme Debord, “nada mais seria que o exagero da mídia, cuja
natureza, indiscutivelmente boa, visto que serve para comunicar, pode às vezes chegar a
excessos” (DEBORD, 1997, p. 171). E é sobre esses que este texto trata. Como explica
Llosa (2013), em sua definição sobre civilização do espetáculo, esta é a era em que o
entretenimento reina soberano. A era da página de variedades, como nos faz perceber
Maffesoli (2015), que critica o fato de a imprensa buscar teses simples, apresentadas
de forma resumida para divulgar. Um período em que tudo na sociedade tem um viés
de divertimento. Um ideal legítimo, sustenta Llosa, que problematiza a questão: “Mas
transformar em valor supremo essa propensão natural a divertir-se tem consequências
inesperadas” (LLOSA, 2013, p. 30). Além da banalização de temas caros à sociedade,
como a cultura e a proliferação do que o autor classifica como jornalismo irresponsável da
bisbilhotice e do escândalo, este artigo especula se transformar tudo em espetáculo pode
vir a ser um remédio amargo demais para a própria mídia que faz uso dele.
Dimensões estéticas, cognitivas e tecnológicas de comunicação
Capítulo 6
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Ainda, tomando o futebol como exemplo, voltemos à Copa do Mundo. Quatro dias
antes de a competição se iniciar, O Sul estampou em sua capa/PDF (10 de junho de 2018) o
maior craque da Seleção Brasileira de Futebol no momento, Neymar, ao lado da não menos
famosa e, por que não dizer, midiática ou espetacular – as duas palavras se equivalem
como sinônimos nesta situação –, a atriz Bruna Marquezine, namorada do jogador. O título:
“Neymar e Bruna Marquezine são o casal mais popular do país na internet” (O SUL, 10
jun. 2018). A notícia (ver figura 1) segue na página 60 da publicação (ver figura 2), com
o mesmo título e a mesma foto em que o atleta exibe visual de astro de cinema ao lado
da atriz. Um leitor mais atento pode argumentar que se trata de uma edição de domingo,
em que os jornais, tradicionalmente, abordam temas mais amenos. A questão é que tudo
virou edição dominical, como constata Habermas: “[...] fazem com que surja uma ainda
mais difundida imprensa-de-fim-de-semana, com a tal da ‘acessibilidade psicológica’, que,
desde então, configura as feições da imprensa comercial de massas” (HABERMAS, 1984,
p. 199).
Figura 1: Neymar e Bruna Marquezine são capa de O Sul.
Fonte: Jornal O Sul, 10 jun. 2018.
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Capítulo 6
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Figura 2: Notícia sobre jogador e atriz aparece em abertura de página.
Fonte: Jornal O Sul, 10 jun. 2018
A estratégia, como se percebe, não é nova. Nem a tática de escalar o futebol para
driblar o noticiário áspero e contrabalançar notícias como “A presidente do Supremo,
Cármen Lúcia, cancelou palestra em hotel em que se reunia a cúpula do PT” (O SUL, 10
jun. 2018), a principal manchete da capa no dia em que o casal 20 da internet brasileira é
destaque. Já na Grécia antiga, como relembra Llosa, o cultivo do corpo e, pode-se deduzir,
dos esportes, “era simultâneo e complementar ao cultivo do espírito” (LLOSA, 2013). Hoje,
no entanto, sobressai-se à questão intelectual. Dentre os esportes, nenhum goza de tanto
prestígio quanto o futebol. Rivais dos atletas na preferência da mídia para ilustrar suas
páginas e intercalar com as notícias que dão conta da agudeza da vida estão atores,
cantores e modelos transformados em celebridades. Desses, até políticos querem tirar
partido, posando ao lado deles quando estão em campanha, em busca de aumentar sua
popularidade.
Dimensões estéticas, cognitivas e tecnológicas de comunicação
Capítulo 6
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A banalização da estratégia
Na civilização do espetáculo, como explica Llosa, “a política passou por uma
banalização talvez tão pronunciada quanto a literatura, o cinema e as artes plásticas”
(LLOSA, 2013, p. 44). O que significa que aquele mandatário que quiser, literalmente,
aparecer bem na foto do jornal ou no noticiário da televisão tem que retocar a tintura do
cabelo, escolher um terno bem cortado e posar ao lado de celebridades do entretenimento.
Se casar com uma modelo e cantora, e for frequentemente fotografado na companhia dela
como o ex-presidente francês Nicolas Sarkozy, o lugar em fotos legenda com potencial
para se destacar como manchete está garantido. Nesse caso, O Sul serve de exemplo. No
período em que esteve sob os holofotes como primeira-dama francesa, Carla Bruni foi figura
constante nas páginas do jornal local porto-alegrense. Durante a fase de sua gestação, a
cantora foi fotografada de biquíni na praia ao lado do marido. A notícia foi publicada em
capa do caderno principal e contracapa de caderno secundário, em matéria de página
inteira, na edição de 12 de julho de 2011 (ver figuras 3 e 4), quando o jornal ainda circulava
na forma impressa. Junto ao título do texto- legenda que ostentou na capa “Presidente
da França e primeira-dama flagrados em banho de mar” (O SUL, 2011), imagem e notícia
ressaltam a gravidez da celebridade:
A primeira-dama da França, Carla Bruni, que até bem pouco tempo não assumia
estar grávida do presidente Nicolas Sarkozy, agora desfila seu protuberante
barrigão de aproximadamente seis meses. O casal foi fotografado no Forte
de Brégancon, no Sul da França. Página 8 - Caderno Reportagem (O SUL, 12
jul. 2011, capa).
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Figura 3: Nicolas Sarkozy e Carla Bruni em capa de O Sul.
Fonte: Jornal O Sul, 12 jul. 2011.
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Figura 4: Presidente francês e primeira-dama em notícia de página inteira.
Fonte: Jornal O Sul, 12 jul. 2011.
Neste quesito, o jornal gaúcho demonstra sintonia com a imprensa francesa que,
conforme Llosa, criou uma “pirotecnia midiática” (2013, p. 44) em torno de madame
Sarkozy. Se até a França, como destaca o autor, que se orgulhava de manter a política no
âmbito das ideias e do desenvolvimento intelectual, descambou para a frivolidade, o que
esperar das empresas de mídia do campo periférico? “A fronteira que tradicionalmente
separava o jornalismo sério do sensacionalista e marrom foi perdendo nitidez, enchendo-se
Dimensões estéticas, cognitivas e tecnológicas de comunicação
Capítulo 6
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de buracos, até se evaporar em muitos casos”, diz Llosa (2013, p. 47).
Cada vez mais ocupando o lugar da palavra no protagonismo cultural e literário,
a imagem é a soberana da civilização do espetáculo (LLOSA, 2013), a sustentação de
tudo, segundo argumentou Debord (1997). Mas, ao contrário desse que nos sugere que
só se anunciam tolices na imprensa, este artigo compartilha das ideias de Llosa (2013)
na medida em que o autor reconhece que “nenhum jornal, revista e noticiário hoje poderá
sobreviver – conservar um público fiel – se desobedecer cabalmente às características
distintivas da cultura predominante da sociedade e do tempo em que atua” (LLOSA, 2013,
p. 51). Desde que não leve o culto ao espetáculo às últimas consequências, saturando suas
páginas com celebridades fora de contexto, usando-as como chamariz. Como bem lembra
Llosa, o jornalismo também tem como função “orientar, assessorar, educar e esclarecer
o que é verdadeiro ou falso, justo e injusto, bonito e execrável no vertiginoso vórtice da
atualidade, em que o público se sente perdido” (LLOSA, 2013, p. 51).
Quando se apela para a barriga de uma primeira-dama grávida durante suas férias
na praia, ao lado do marido, para vender jornal, o leitor pode não comprar a ideia.
Ou, quando muito, pode comprar durante um certo período, mas com o passar
do tempo acaba percebendo o engodo. Carla Bruni grávida de biquíni nas páginas de
“Caras” ou de qualquer outra revista de celebridades, em que o contrato parece muito bem
estabelecido com o leitor, sugere uma oferta justa para o que o acordo entre público e
veículo se propõe. Já como capa de um jornal local, há quilômetros de distância do Forte
de Brégancon, que tem como público-alvo camadas mais elevadas em termos econômicos,
culturais, sociais e intelectuais da população na qual está inserido, não parece ter outro
sentido senão a comercialização de exemplares. Vender notícia é, por certo, o negócio do
qual vivem empresários e jornalistas, trabalhadores da indústria da mídia. Tem sido assim
há tempos. “A história dos grandes jornais na segunda metade do século XIX demonstra que
a própria imprensa se torna manipulável à medida que ela se comercializa” (HABERMAS,
1984, p. 217). Manipulável da própria ganância, pode-se afirmar, visto o exagero com que
recorre ao espetáculo para vender seu produto.
O direito à liberdade de informação
O “sacrossanto” direito à bisbilhotice, sobre o qual fala Llosa (2013) e ao qual parte
da mídia recorre para justificar sua sanha em retratar celebridades, transforma uma ida ao
supermercado em algo espetacular. Para o leitor que até aqui pode ter ficado tentado a
relevar as escolhas de Neymar/Bruna Marquezine e Carla Bruni/Sarkozy para a capa de
um jornal local, convém destacar mais um exemplo que trata do exagero da relação que a
imprensa tem com o espetáculo e os usos que faz dele. Ainda no período de sua versão
impressa, quando, é bom frisar, além de se manter rentável, precisava custear os gastos
com a impressão em papel, tendo que, consequentemente, tornar-se atrativo aos olhos
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Capítulo 6
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do público, O Sul reservou capa mais página interna para mostrar Kate Middleton, que há
poucos dias havia casado com o Príncipe William, em uma ida às compras (O Sul, 7 maio
2011). Sobreposto à foto, o título “Nova princesa já vai ao supermercado como se fosse
uma pessoa comum” (O SUL, 7 maio 2011) é repetido em duas linhas de cinco colunas
em página interna do jornal (ver figuras 5 e 6). A notícia repete também a foto da princesa
empurrando um carrinho de compras.
Figuras 5 e 6: Ida de princesa às compras é notícia de capa em O Sul.
Fonte: Jornal O Sul, 7 maio 2011.
A revelação da intimidade de famosos, sobretudo se forem figuras públicas, é
amparada no direito à liberdade de informação, como lembra Llosa (2013). Revelar a
privacidade de todos, principalmente de pessoas públicas, é algo a qual os órgãos de
imprensa “são obrigados a levar em conta se quiserem sobreviver e não ser alijados do
mercado” (LLOSA, 2013, p. 49), contribuindo para a consolidação de uma sociedade
voltada para a frivolidade. À crítica do autor, este artigo faz uma ressalva. Defende que
essa “obrigação” talvez não seja de fato tão imposta assim. Parece, em determinados
momentos, muito mais algo do qual a mídia, aqui representada por O Sul, lança mão em
seu proveito próprio. Estar sintonizado com as características da cultura e da época na
qual está inserido, como foi destacado em parágrafos anteriores, é diferente de forçar uma
situação, banalizar o próprio espetáculo do qual se alimenta, colocando o culto à celebridade
e à diversão como regra. Do contrário, como justificar que a cunhada do Príncipe William,
que nem à família real pertence, mereça meia página no jornal porto-alegrense, logo abaixo
Dimensões estéticas, cognitivas e tecnológicas de comunicação
Capítulo 6
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da notícia da irmã princesa (ver figura 6)? O fato de aparecer de sutiã em uma das imagens
pode ajudar na resposta. A proximidade com a realeza faz com que a tia dos bisnetos
da Rainha da Inglaterra mantenha-se no interesse de O Sul ainda em 2018, quando vira
abertura de página com o título “Pippa Middleton confirmou que está grávida do primeiro
filho” (O SUL, 10 jun. 2018), deixando o ator George Clooney como notícia secundária (ver
figura 7).
Figura 7: Gestação de cunhada de príncipe repercute em jornal porto-alegrense.
Fonte: Jornal O Sul, 10 jun. 2018.
Mas, afinal, por que este espetáculo exagerado? De fato precisamos de esporte,
cinema, magia, lazer, diversão. Do contrário, a vida fica muito chata, enfadonha. Ninguém
sobrevive se pensar 24 horas por dia, 365 dias por ano, somente em economia ou política ou
qualquer outro tema que for. Somos complexos, como bem identificou Morin em sua teoria da
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Capítulo 6
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complexidade. Nosso conhecimento é ao mesmo tempo físico, biológico, cerebral, mental,
cultural, social (MORIN, 2008). Talvez por isso mesmo nos interessemos pela atuação de
Neymar dentro de campo e tenhamos curiosidade em saber quem ele está namorando,
tenhamos a necessidade em ficar a par dos rumos da União Europeia e queiramos saber
quem é a cantora que tira o sono de um dos líderes mundiais em determinado momento. E
aí se explica em parte o interesse da mídia que investe no espetáculo como atrativo. Mas
isso não significa que não tenhamos poder de discernimento. E quando este artigo fala
sobre “nós”, claro que há de se fazer uma constatação, óbvia, por sinal, mas necessária.
Nem todos estão no mesmo patamar de entendimento. Assim como nem toda a mídia
apela para o espetáculo em demasia, nem todo leitor rechaça o apelo a celebridades e ao
entretenimento para vender notícia de jornal. Interessa a este artigo, no entanto, contribuir
para a reflexão sobre os motivos que levam ao exagero e suas prováveis consequências.
O PODER DA RECEPÇÃO
Um dos resultados do excesso do uso do espetáculo como estratégia para vender
notícia pode ser a repulsa de leitores. O Sul durou pouco mais de uma década como
jornal impresso. Não convém a este artigo investigar os motivos pelos quais encerrou a
publicação em papel. Especular, no entanto, o desinteresse dos leitores em um jornal
que faz uso demasiado de celebridades e do espetáculo como notícia de primeira página
pode ser uma linha de raciocínio que mereça certo aprofundamento. Já se constatou o
poder da recepção, também amplamente estudado por teóricos. A contra-estratégia das
próprias massas contra o poder, abordada por Baudrillard (1991), pode muito bem ter o
seu equivalente na contra-estratégia das próprias massas contra a própria mídia. “São os
media que induzem as massas ao fascínio, ou são as massas que desviam os media para
o espectacular?” (BAUDRILLARD, 1991, p. 110), pergunta o autor. Se a resposta indicar
as massas como agentes, então é lógico crer que são elas que dão a medida exata deste
espetacular, não perdoando desvios nem exageros por parte da mídia. Quem comanda o
espetáculo é o leitor. A mídia que, gananciosa, quiser valer-se deste espetáculo para atraílo, poderá até usufruir de certo ganho, mas corre sérios riscos de perder público.
O poder da audiência também é objeto de reflexão de Wolton (2011), que afirma
que esse cresceu. “Os receptores negociam, filtram, hierarquizam, recusam ou aceitam
as incontáveis mensagens recebidas, como todos nós, diariamente” (WOLTON, 2011, p.
18). Se fazem isso com temas da mais ampla variedade relacionados ao seu cotidiano, por
que não haveriam de fazer com a própria mídia? Se, em relação à opinião pública, a mídia
“não pode tudo, não tem todos os poderes” (LIPOVETSKY, 2004, p. 68), não pode também
impor um espetáculo generalizado, pressupondo que, por gostar, querer e até precisar
de um certo alívio no seu dia a dia, consumindo notícias consideradas mais amenas, o
receptor vá aceitar tudo, vá preferir ver estampada na capa de um jornal local a barriga
Dimensões estéticas, cognitivas e tecnológicas de comunicação
Capítulo 6
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de uma primeira-dama europeia e não questões relacionadas ao seu dia a dia. E, já que
a mídia não é tão manipuladora assim, como também nos faz entender Eco (1984), “[...] o
problema que deve propor-se o cientista das comunicações é este: é idêntica a composição
química de cada ato comunicativo?” (ECO, 1984, p. 167). Publicar a foto de uma princesa
empurrando um carrinho de supermercado em uma página da seção de variedades é o
mesmo que publicá-la na capa, como notícia de primeira grandeza?
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Se não depende do jornalismo modificar os rumos desta civilização do espetáculo que
ele contribuiu para construir, cabe, no entanto, refletir sobre o uso que faz desse espetáculo,
identificar a fronteira do aceitável, pertinente, e a do descabido, desproporcional. Entender
que, embora uma parcela do público consuma esse gênero de notícia espetacular, isso
não significa que esse consumo se dê o tempo todo, em todo local, aplicado a todos os
temas da vida cotidiana. O desafio que se impõe aos profissionais e à mídia é encontrar a
dosimetria a ser aplicada. Manter-se atrativo, cumprindo suas funções sem apelar para o
sensacionalismo, é o estímulo a ser perseguido pelo jornalismo contemporâneo.
Desde que, ainda no século XIX, passou de um modelo propagandista, com objetivos
políticos, para o paradigma da informação, o jornalismo encara o desafio de captação
de público por meio da venda de notícias. Como um produto, elas devem ser atraentes,
convidativas à leitura e sobressaírem-se no emaranhado cenário informativo dos nossos
dias, em que o público cada vez mais tem acesso a todo tipo de conteúdo por diferentes
plataformas midiáticas. Mas as notícias não precisam nem devem ser espetacularizadas em
seções tradicionalmente reservadas ao debate de assuntos caros, considerados relevantes
para a sociedade. Do contrário, o público percebe. A história do jornalismo mostra que,
além de identificar o exagero com o qual a imprensa tenta se valer do espetáculo para
comercializar seu produto, a sociedade e os próprios profissionais rotulam essas práticas.
Um exemplo é o que no Brasil se convencionou chamar de imprensa marrom, ainda
presente em alguns meios de comunicação.
A reflexão sobre os motivos que levam ao exagero por parte da imprensa na
espetacularização da notícia passa, sem dúvida alguma, pela necessidade justa de
se destacar aos olhos do leitor. Porém, erra-se na medida. Um equívoco antigo, como
este artigo procurou demonstrar, mas que é penalizado por esse mesmo leitor quando
detecta a estratégia. E o espetáculo, que em certo momento é aliado da mídia e de seus
profissionais, torna-se, então, protagonista de um caso de traição, revelando as intenções
de atores despreparados para lidar com um público bem mais exigente do que se imagina.
A partir da prática jornalística efetuada no jornal O Sul, podemos inferir que o
impresso foi criado prioritariamente para atender fins comerciais. Sendo esse o objetivo
principal, verificamos a necessária presença de jornalistas formados nas universidades,
Dimensões estéticas, cognitivas e tecnológicas de comunicação
Capítulo 6
70
no comando das políticas editoriais, uma vez que esses são preparados para assumirem
seu papel na sociedade como “mediadores sociais”. É claro que as empresas precisam
comercializar a notícia, mas não à custa do extermínio das funções jornalísticas. E também
é de conhecimento público que o maior interesse dos leitores está nas reportagens que
retratam os acontecimentos locais.
REFERÊNCIAS
A PRESIDENTE do Supremo, Cármen Lúcia, cancelou palestra em hotel em que se reunia a cúpula do
PT. O Sul, Porto Alegre, 10 jun. 2018. Disponível em: <http://online.osul.com.br/inicial/sistema_interno.
php?DATA_EDICAO=10/06/2018>. Acesso em: 23 jun. 2018.
BAUDRILLARD, Jean. Simulacros e simulação. Lisboa: Relógio d’água, 1991.
DEBORD, Guy. A sociedade do espetáculo: comentários sobre a sociedade do espetáculo. Rio de
Janeiro: Contraponto, 1997.
ECO, Umberto. Viagem na irrealidade cotidiana. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1984.
HABERMAS, Jürgen. Mudança estrutural da esfera pública: investigações quanto a uma categoria da
sociedade burguesa. Rio de Janeiro: 1984.
LIPOVETSKY, Gilles. Metamorfoses da cultura liberal: ética, mídia e empresa. Porto Alegre: Sulina,
2004.
LLOSA, Mario Vargas. A civilização do espetáculo: uma radiografia do nosso tempo e da nossa
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MAFFESOLI, Michel; STROHL, Hélene. O conformismo dos intelectuais. 2015.
MORIN, Edgar. O Método 3. Conhecimento do conhecimento. Porto Alegre: Sulina, 2008.
NEYMAR e Bruna Marquezine são o casal mais popular do país na internet. O Sul, Porto
Alegre, 10 jun. 2018. Disponível em: <http://online.osul.com.br/inicial/sistema_interno.php?DATA_
EDICAO=10/06/2018>. Acesso em: 23 jun. 2018.
NOVA princesa já vai ao supermercado como se fosse uma pessoa comum. O Sul, Porto Alegre, 7 maio
2011. Disponível em: <http://online.osul.com.br/inicial/sistema_interno.php?DATA_EDICAO=07/05/2011>.
Acesso em: 23 jun. 2018
O SUL. Porto Alegre. Disponível em: <http://www.osul.com.br/>. Acesso em 24 jun. 2018.
O SUL. Sobre O Sul. Porto Alegre. Disponível em: <http://www.osul.com.br/sobre-o- sul/>. Acesso em:
23 jun. 2018.
PRESIDENTE da França e primeira-dama flagrados em banho de mar. O Sul, Porto Alegre, 12 jul.
2011. Disponível em: <http://online.osul.com.br/inicial/sistema_interno.php?DATA_EDICAO=12/07/2011>.
Acesso em: 23 jun. 2018
PIPPA Middleton confirmou que está grávida do primeiro filho. O Sul, Porto Alegre, 10 jun. 2018.
Disponível em: <http://online.osul.com.br/inicial/sistema_interno.php?DATA_EDICAO=10/06/2018>.
Acesso em: 23 jun. 2018. p. 61.
WOLTON, Dominique. Informar não é comunicar. Porto Alegre: Sulina, 2011.
Dimensões estéticas, cognitivas e tecnológicas de comunicação
Capítulo 6
71
CAPÍTULO 7
A CONSTRUÇÃO DA IMAGEM DOS TERRITÓRIOS
NA IMPRENSA ONLINE: ESTUDO DE CASO DA
REGIÃO DA SERRA DA ESTRELA, PORTUGAL
Data de aceite: 01/05/2022
Nelson Clemente Santos Dias Oliveira
Instituto Politécnico da Guarda, Escola Superior
de Educação Comunicação e Desporto, Guarda
Portugal.
ORCID ID: 0000-0003-3545-0813
RESUMO: Uma das linhas de investigação
mais profícuas no âmbito das ciências da
comunicação, em particular dos estudos
sobre os media e sociedade, é a que procurou
refletir, ao longo dos tempos, a forma como
os media influenciam os seus públicos. Com
efeito muitos estudos dedicaram-se a analisar
as mais frequentes histórias, as problemáticas
mais comuns, os retratos mais representativos
(por vezes estereotipados) de personagens,
acontecimentos e lugares, para além das
situações que os indivíduos enfrentam no seu
quotidiano, plasmadas nos media tradicionais,
para, por essa via, aferir o contributo dos mesmos
na perceção dos indivíduos. Neste trabalho, num
intento de aplicar as teorias dos efeitos dos media
à perceção dos lugares ou regiões, equacionouse o papel que as representações emanadas
da imprensa generalista portuguesa, veiculadas
online, desempenham no processo de construção
social da imagem simbólica da Serra da Estrela
que, para além de ser a mais alta montanha de
Portugal Continental é simultaneamente um dos
seus mais tradicionais destinos turísticos. Para
atingir esse fim, implementou-se uma estratégia
de investigação, suportada numa técnica de
Dimensões estéticas, cognitivas e tecnológicas de comunicação
análise de conteúdo, às peças publicadas
online por quatro dos mais importantes jornais
diários portugueses (Correio da Manhã, Diário
de Notícias, Jornal de Notícias e Público) com o
fim último de identificar as histórias, temáticas,
problemáticas e imagens mais frequentes. Esta
estratégia de investigação permitiu concluir que as
imagens reproduzidas pela imprensa generalista
são similares às imagens percecionadas pelos
portugueses, obtidas por outros estudos, pelo
que parecem indiciar que estes media jogam um
papel determinante na construção simbólica da
imagem da Serra da Estrela.
PALAVRAS-CHAVE: Estudos sobre os media;
Jornalismo, Teorias da Comunicação, Serra da
Estrela.
THE CONSTRUCTION OF THE IMAGE
OF THE TERRITORIES IN THE ONLINE
PRESS: A CASE STUDY OF THE SERRA
DA ESTRELA REGION, PORTUGAL
ABSTRACT: One of the most successful research
lines within the scope of communication sciences,
particularly of studies on media and society, is
the one that has tried to reflect, throughout time,
the way the media influence their publics. In fact,
many studies were dedicated to analyse the most
frequent stories, the most common problems,
the most representative portraits (sometimes
stereotyped) of characters, events and places,
besides the situations that individuals face in their
daily life, shown in the traditional media, in order
to assess their contribution in the perception of
individuals. In this work, it is intended to apply
the theories of media effects to the perception of
Capítulo 7
72
places or regions, the role that the representations emanating from the Portuguese generalist
press, conveyed on-line, play in the process of social construction of the symbolic image of
Serra da Estrela was analysed. This mountain, besides being the highest mountain in mainland
Portugal, is simultaneously one of its most traditional tourist destinations. To achieve this
goal, we implemented an investigation strategy, supported by a content analysis technique,
to the pieces published online by four of the most important Portuguese daily newspapers
(Correio da Manhã, Diário de Notícias, Jornal de Notícias and Público) with the ultimate goal
of identifying the most frequent stories, themes, issues and images. This research strategy
allowed us to conclude that the images reproduced by the generalist press are similar to the
images perceived by the Portuguese, obtained in other studies, so it seems to indicate that
these media play a determinant role in the symbolic construction of the image of Serra da
Estrela.
KEYWORDS: Media Studies; Journalism, Communication Theories, Serra da Estrela.
1 | INTRODUÇÃO
Porventura uma das linhas de investigação mais profícuas no âmbito das ciências
da comunicação, em particular dos estudos sobre os media e sociedade, é a que procurou
refletir, ao longo dos tempos, a forma como os media influenciam os seus públicos. Estamos
no campo das teorias da comunicação e dos intentos de explicar os efeitos da comunicação
social a diferentes níveis, individual, social, cultural, civilizacional e as instâncias que
medeiam os efeitos da comunicação social.
Importa referir que, da mesma forma que os meios de comunicação registaram uma
evolução vertiginosa ao longo do século XX, inícios do século XXI, também as sucessivas
investigações realizadas no seu âmbito, no mesmo período, proporcionaram um número
significativo de diferentes interpretações dos seus efeitos (Marín, Galera & Román, 2003;
Espinar et al., 2006). Para superar os obstáculos epistemológicos gerados pela proliferação
de teorias da comunicação, é comum recorrer-se à tipologia das três etapas forjada por
Mauro Wolf (1994) ou, em alternativa, às suas derivações propostas por autores mais
recentes. Segundo o sociólogo italiano, a primeira fase, que se estendeu entre os anos vinte
e finais dos anos trinta, do século XX, pode ser caracterizada pelo predomínio dos teóricos
que suportaram a ideia generalizada de que os meios de comunicação tinham uma forte
repercussão e poder sobre as audiências (efeitos fortes). A segunda fase, balizada entre
inícios dos anos quarenta e finais da década de sessenta, coincidiu com os tempos em que
os estudiosos dos media se preocuparam em colocar em causa os efeitos omnipotentes
preconizados pela etapa precedente (efeitos limitados). Por último, a fase que se iniciou
na década de setenta do século passado e que, de certa maneira, tem perdurado até aos
nossos dias, contempla um olhar renovado a partir de várias perspetivas (comportamental,
afetiva e cognitiva), colocando o enfoque nos efeitos cognitivos, até cerca dos anos oitenta
e recuperando, mais recentemente, as teorias dos efeitos poderosos dos mass media,
ainda que a longo prazo (Silvestre, 2011).
Dimensões estéticas, cognitivas e tecnológicas de comunicação
Capítulo 7
73
As teorias do Agendamento (Agenda Setting), da Tematização, da Espiral do Silêncio,
dos Usos e Gratificações (Knowlwdge Gap), da Dependência e do Cultivo (entre outras),
que acabam por entroncar nas Teorias da Socialização pelos Media e da Construção Social
da Realidade, ilustram, convenientemente, o paradigma de investigação em comunicação
mais recente (Wolf, 2006; Marín, Galera & Román, 2003; Sousa, 2006; Silvestre 2011).
O estudo que aqui se apresenta foi suportado, teoricamente, pelas teorias da
comunicação mais recentes, em particular pela Teoria da Construção Social da Realidade.
Isto, porque refletir a forma como os mass media constroem a realidade implica focalizar
a atenção analítica no impacto que as representações simbólicas veiculadas pelos meios
de comunicação de massas fruem na perceção subjetiva que os indivíduos reúnem da
realidade (Wolf, 1994).
Neste campo, a linha de investigação mais trilhada foi a que procurou refletir as mais
frequentes histórias, as problemáticas mais comuns, os retratos mais representativos (por
vezes estereotipados) de personagens, acontecimentos e lugares, para além das situações
que os indivíduos enfrentam no seu quotidiano, plasmadas nos media tradicionais, para,
por essa via, aferir o contributo dos mesmos na perceção dos indivíduos sobre qualquer
assunto (Oliveira, 2018; Oliveira, 2019).
Não obstante, a Sociedade em Rede (Castells, 2002) que se tem vindo a construir,
veio consagrar uma organização social em que a rede e, consequentemente, a informação
está à distância de um clique, mediada por dispositivos fixos ou móveis (Canavilhas,
2011). Na verdade, nunca como hoje os indivíduos tiveram à sua disposição um manancial
de informação tão relevante, de forma tão imediata e de tão fácil acesso, acerca dos
acontecimentos que sucedem em qualquer parte do mundo.
Em tese, esta inusitada quantidade e riqueza da informação permitiria, aos nativos
das tecnologias, a construção de conhecimentos sólidos sobre a realidade, pelo menos
àqueles que tivessem as competências e a motivação para o fazerem (Cardoso, 2002).
Numa conjuntura de omnipresença da informação, como a que se vive na era digital, seria
de esperar que a pluralidade de visões e opiniões acerca do mundo tivessem vindo a
possibilitar escolhas individuais informadas, inimagináveis noutros momentos históricos.
No entanto, tal como outrora, os media, agora com novos suportes, apesar de serem cada
vez mais céleres no processo de difusão das decisões que afetam a maioria das pessoas,
não deixaram de continuar a amplificar as ideias, os paradigmas e os modelos de referência
dos líderes dos mais diversos campos, que vão da política, à economia passando pelas
ciências, educação, trabalho, legislação, arte, sociedade, culturas, pessoas, lugares, entre
outros (Castells, 2005).
A partir desta base teórica, neste texto, num intento de aplicar as teorias dos efeitos
dos media à perceção dos lugares ou regiões, equacionou-se o papel que as representações
emanadas da imprensa generalista portuguesa, veiculadas online, desempenham no
processo de construção social da imagem simbólica da Serra da Estrela que para além de
Dimensões estéticas, cognitivas e tecnológicas de comunicação
Capítulo 7
74
ser a mais alta montanha de Portugal Continental é simultaneamente um dos seus mais
tradicionais destinos turísticos. Para atingir esse fim, implementou-se uma estratégia de
investigação, suportada numa técnica de análise de conteúdo aplicada às peças publicadas
online por quatro dos mais importantes jornais diários portugueses (Correio da Manhã,
Diário de Notícias, Jornal de Notícias e Público) com o fim último de identificar as histórias,
temáticas, problemáticas e imagens mais frequentes.
2 | METODOLOGIA E CORPUS DE ANÁLISE
Para a realização deste estudo, partiu-se da hipótese que a informação difundida
pela imprensa no formato digital contribui indelevelmente, se não para a construção social
em termos absolutos, pelo menos para o enquadramento da construção social gerada
pelos indivíduos. Com esse propósito e assumindo que a Serra da Estrela gera duas
representações que se contrapõem, uma mais disseminada que associa a maior cordilheira
portuguesa ao inverno, ao clima e à neve e outra, mais frágil, que a associa ao lazer
na natureza, no resto do ano1, optou-se por tomar como objeto de estudo a imprensa
escrita diária, ainda que em formato virtual, em detrimento de outros media, porventura
mais abrangentes como a televisão, o mais democrático de todos, como a apelidou Pierre
Sorlin (1995).
Realizou-se uma análise de conteúdo (quantitativa e qualitativa) às peças publicadas
nas edições gratuitas, online, de quatro jornais diários generalistas portugueses: Correio
da Manhã (CM), Diário de Notícias (DN) Jornal de Notícias (JN) e Público, ao longo dos
três anos civis, que decorrerem entre 1 de janeiro de 2012 e 31 de dezembro de 2014.
Nesse processo consideraram-se os títulos e os textos que acompanham as notícias
e que constituem o essencial do material de pesquisa. Escolheram-se estes órgãos de
comunicação por serem jornais de referência do panorama jornalístico nacional; por
abrangerem diferentes públicos, Publico e DN mais orientados para as classes mais
privilegiadas, JN e CM dirigidos às classes mais baixas (Nery, 2004, p.7), por estarem
entre os jornais com maiores tiragens (tabela 1) e disporem de edições online acessíveis
gratuitamente.
1 São comuns as vozes que se insurgem contra a excessiva associação da Serra da Estrela ao clima e ao inverno e que
estão na base de documentários, reportagens, roteiros turísticos, intervenções publicas e estudos, como por exemplo
o da Brandia Central (2009).
Dimensões estéticas, cognitivas e tecnológicas de comunicação
Capítulo 7
75
Diário
Sede
Proprietário
1ª Edição
Vendas
em banca
(médias
diárias)
CM
Lisboa
Cofina
19/03/1979
116.214
52,23
JN
Porto
Global Media
2/6/1888
64.725
29,09
P
Lisboa
Sonae
4/3/1990
21.950
9,87
DN
Lisboa
Global Media
30/12/1864
17.834
6,83
Quota de
Mercado
Tabela 1 - Vendas e Quotas de Mercados dos 4 principais jornais diários generalistas portugueses.
Fonte: APCT2 referida no Jornal Publico3
A opção pelas edições online em detrimento do formato papel para a reunião do
corpus de análise deste trabalho ficou-se a dever ao facto de permitirem reunir, em pouco
tempo e de uma forma pouco onerosa, uma base de dados passível de ser analisada com
recurso a programas informáticos.
Na prática, a recolha das peças que foram objeto de análise, processou-se com
recurso aos motores de busca dos referidos jornais, onde foi pesquisada a expressão
“Serra da Estrela”, sem qualquer preocupação no que se refere a géneros jornalísticos,
ideologias ou cultura organizacional dos referidos órgãos de comunicação social. Por se
tratar de uma recolha sistemática de todas as peças jornalísticas, a amostra coincide com
a totalidade das peças publicadas nas páginas online destes quatro diários nacionais, no
período em análise.
Recolhidas as peças procedeu-se, num primeiro momento, a uma análise de
conteúdo de cariz quantitativo com o propósito de contabilizar as peças jornalísticas, a
sua disposição pelos 36 meses do período de análise, assim como a sua distribuição por
categorias temáticas. Num segundo momento, encetou-se uma análise qualitativa, na
espectativa de apreender a dimensão simbólica das peças que continham referências à
expressão “Serra da Estrela”.
A partir destas quatro fontes de informação reuniram-se as 1007 peças jornalísticas,
selecionadas pelos motores de busca, distribuídas da seguinte forma, 316 no Correio
da Manhã, 232 no Diário de Notícias, 153 no Jornal de Notícias e 306 no Público, cujos
conteúdos foram posteriormente enquadrados numa grelha de análise onde constavam,
para além do nome do jornal, os títulos, datas de publicação e excertos das próprias peças.
Depois de reunido o corpus recorreu-se à bateria de categorias e atributos já
validadas à escala nacional, nos principais destinos turísticos portugueses, num estudo
encomendado pelo Turismo de Portugal a uma Empresa de estudos de mercado, a Brandia
2 Associação Portuguesa para o Controlo de Tiragem e Circulação.
3 Estes dados foram disponibilizados numa peça publicada no Jornal Público em 3 de setembro de 2012 onde se
discutia a queda do numero de leitores dos principais jornais generalistas nacionais disponível em http://www.publico.
pt/media/noticia/menos-29500-jornais-vendidos-entre-janeiro-e-junho-1561486
Dimensões estéticas, cognitivas e tecnológicas de comunicação
Capítulo 7
76
Central4, publicado em 2009, e que encerra um conjunto de conclusões interessantes,
para o presente trabalho, nomeadamente que: apenas 7% dos entrevistados associaram
a marca Serra da Estrela ao verão; que a variável mais valorizada é, indubitavelmente, o
Clima seguida da Paisagem Natural, para os inquiridos, fortemente marcada pelo inverno
e pela neve; que a Paisagem Urbana e o Património histórico foram avaliadas abaixo
da média das outras marcas região do país. Concluindo, os autores do estudo, por um
desconhecimento generalizado da região e dos seus patrimónios paisagísticos, históricos
e urbanos.
As variáveis utilizadas no estudo da Brandia Central (2009), foram adaptadas às
categorias de análise, que se passam a expor, para servirem aos propósitos do presente
estudo: Clima atmosférico, que determina o tipo de atividades associadas à região (C);
Paisagem Natural, porque os territórios não existem simbolicamente sem as paisagens
que encerram, onde se inclui a flora e a fauna (PN); Paisagem Urbana, que remete para
particularidades arquitetónicas dos lugares e localidades (PU); Gastronomia, referente
aos produtos gastronómicos endógenos, pratos típicos e vinhos (G); Património Histórico,
referente a elementos arquitetónicos, mas também a artefactos ou elementos intangíveis
como acontecimentos históricos (PH); População Local, que remete para as atividades
socioeconómicas em particular as que se referem ao nível de desenvolvimento da região
(PL); Oferta Hoteleira, que, nesta análise, surge imbricada com as notícias referentes
ao turismo, numa perspetiva mais ampla e reconfigurada em Turismo e Oferta Hoteleira
(TOH); Oferta Cultural e Social, à qual foi adicionado também a categoria desporto, numa
perspetiva não só da prática como, acima de tudo, da assistência a modalidades (OCS); e
uma Residual, onde caíram as notícias que não se enquadram em nenhuma das categorias
anteriores (O).
Este quadro categorial foi, posteriormente, aplicado à base de dados composta
pelas peças recolhidas nos jornais em estudo com recurso ao programa informático NVivo
versão 10.
3 | DISTRIBUIÇÃO DAS PEÇAS COM REFERÊNCIAS À SERRA DA ESTRELA
NOS JORNAIS CORREIO DA MANHÃ, DIÁRIO DE NOTÍCIAS, JORNAL DE
NOTÍCIAS E PÚBLICO
Por se tratar de uma análise trianual, na aproximação inicial aos dados procurou-se
aferir se a distribuição de peças jornalísticas com referências à Serra da Estrela é mais
ou menos homogénea durante todo o ano, ou se, pelo contrário, é possível descortinar
algum padrão na publicação de notícias nos quatro jornais analisados. Começando pelo
matutino, Correio da Manhã, as 316 peças reunidas a uma média de 8,8 notícias por mês,
4 Brandia Central (2009) Estudo de avaliação da atratividade dos Destinos Turísticos de Portugal Continental para o
mercado interno, disponivel no sitio: http://www.turismodeportugal.pt/Portugu%C3%AAs/ProTurismo/destinos/destinostur%C3%ADsticos/Anexos/Serra%20da%20Estrela.pdf
Dimensões estéticas, cognitivas e tecnológicas de comunicação
Capítulo 7
77
distribuíram-se da forma que o gráfico 1 ilustra.
Gráfico 1- Frequência absoluta mensal das peças jornalísticas onde é referida a Serra da Estrela nas
edições on-line do Correio da Manhã, ao longo dos três anos em análise.
Uma análise mais atenta ao gráfico 1, permite concluir que se destacam os meses
que se distribuem entre novembro a abril, como aqueles em que as referências à Serra da
Estrela são superiores à média no CM5 (nov 10; dez 13; jan 11,3; fev 16,7; mar 13,7 e abr
11). Em polos diametralmente opostos surgem os restantes meses (mai 4,3; jun 6,3; jul 3,3;
ago 7,7; set 4,7 e out 3,3), de onde se destaca o mês de agosto por ser aquele, que de
entre este segundo grupo, mais se aproxima da média.
A explicação para esta distribuição assimétrica, poderá ser procurada na análise da
distribuição das peças jornalísticas por categorias temáticas (Gráfico 2).
5 Com efeito, estatisticamente, foi possível inferir que existem diferenças significativas entre os diferentes meses do
ano (ANOVA ONE WAY, p-value =0,002), sendo o mês de fevereiro aquele que apresenta um maior número de notícias
e os meses de outubro, julho, setembro e maio os que apresentam um menor número de notícias (Tukey post hoc test,
p<0.05).
Dimensões estéticas, cognitivas e tecnológicas de comunicação
Capítulo 7
78
Gráfico 2 Distribuição das peças jornalísticas por categorias temáticas, no Correio da Manhã.
Da análise do gráfico 2, emerge a ideia de que as referências mais frequentes à Serra
da Estrela no jornal CM, caíram na categoria temática Clima (146 referências 46,20%). Para
além disso, a observação do gráfico permite ainda concluir que, no período de análise, o
grosso das restantes referências à Serra da Estrela, surgiram imbricadas à Oferta Cultural
e Social (44 referências 13,26%), Paisagem Natural (41 referências, 12,97%), ao Turismo
e Oferta Hoteleira (32 referências 10,23%) e à População Local (29 referências 9,18%).
Verifica-se, ainda, que não é fácil descortinar, nas peças publicadas no CM, referências à
Paisagem Urbana (1 referência 0, 32%) ou ao Património Histórico (sem referências).
A explicação para o número significativo de referências à Serra da Estrela, no mês
de agosto, pode ser encontrada precisamente neste ponto. Em particular, o ano 2013 foi um
ano dramático, no que diz respeito a incêndios florestais na Serra da Estrela, daí o número
significativo de peças jornalísticas que por estarem relacionadas com a destruição dos
ecossistemas foram codificadas como referentes à categoria Paisagem Natural. Por outro
lado, é também nos finais de julho, princípios do mês de agosto que se realiza a Volta a
Portugal em Bicicleta, cujo principal palco de disputa dos primeiros lugares é precisamente
a Serra da Estrela. Da conjugação desses dois fatores resulta o elevado número de peças
jornalísticas que contêm referências à Serra da Estrela.
De resto, subsiste a ideia de que a maioria das referências à Serra da Estrela
isoladas no CM, remetem para a categoria Clima, o que se confirma na análise às palavras
utilizadas com mais frequência nas peças jornalísticas que constituíram o corpus de análise
deste trabalho, plasmadas na figura 1.
Dimensões estéticas, cognitivas e tecnológicas de comunicação
Capítulo 7
79
Figura 1 - Nuvem de palavras com as 100 palavras mais frequentes nas peças onde é referida a Serra
da Estrela no Correio da Manhã.
De facto, o grupo de palavras mais referidas ao longo das 316 peças retiradas do
CM, é encabeçado pelas palavras neve (338 referências), graus (200 referências) chuva
(189 referências). Uma análise mais aprofundada permite ainda concluir que no grupo
das dez palavras mais frequentes, apenas duas, Guarda (172 referências) e Estradas
(157 referências), não estão diretamente relacionadas com a categoria Clima. Ainda que
estas palavras sejam passíveis de serem combinadas entre elas para reforçarem essa
mesma ideia. Por exemplo, até as palavras que consideramos não relacionadas com a
categoria Clima: Guarda e Estradas, surgem, muitas vezes, indiretamente associadas à
meteorologia, uma vez que as notícias que referem estradas fechadas devido à queda de
neve têm origem na Direção de Estradas da Guarda - IEP.
No que diz respeito ao DN, apesar de, como vimos atrás, se tratar de um jornal cujo
público-alvo é substancialmente diferente do CM, a distribuição mensal das 236 peças
pelos três anos do período de análise, a uma média mensal de 6,6, não difere muito da do
CM, como é visível no gráfico 3.
Dimensões estéticas, cognitivas e tecnológicas de comunicação
Capítulo 7
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Gráfico 3 - Frequência absoluta mensal das peças jornalísticas onde é referida a Serra da Estrela nas
edições on-line do Diário de Notícias, ao longo dos três anos em análise.
A análise do gráfico 3 permite concluir que também neste caso se verifica uma
distribuição desigual das peças jornalísticas com referências à Serra da Estrela6. De facto,
ainda que de forma menos evidente do que no CM, também as referências à Serra da
Estrela, neste diário, são superiores à média nos meses de inverno e primavera (nov, 7; jan
8,3; fev 12,7; mar 12,3), enquanto os meses em que as referências à Serra da Estrela são
inferiores à média se concentram nos meses mais estivais (abr 6,3; mai 5,7; jun 3,7; jul 3,3,
set 3; e out 3,3). A particularidade da distribuição do DN, em relação ao CM, prende-se com
o facto de o mês de dezembro se contar entre os meses com uma frequência de notícias
inferior à média (4,3) e principalmente com o facto de o mês de agosto estar entre os meses
onde o número de peças recolhidas é superior à média (7,7).
Relativamente à distribuição das notícias por categorias temáticas, as peças
jornalísticas recolhidas no site do DN (Gráfico 4) também não diferem muito do que
aconteceu no CM, se excluirmos, um maior destaque dado à População Local (24
referências, 10,32%) e referências, ainda que residuais à Paisagem Urbana (2 referências
0,86%) e ao Património Histórico (3 referências 1,29 %). De resto a categoria temática mais
recorrente foi Clima (95 referências, 40,95 %) seguida de Paisagem Natural (43 referências,
6 De facto, estatisticamente, foi possível inferir que existem diferenças significativas entre os diferentes meses do ano
(ANOVA ONE WAY, p-value =0,004), sendo que os meses de fevereiro e março os que apresentam um maior número
de notícias e os meses de setembro, julho, outubro e junho os que apresentam um menor número de notícias (Tukey
post hoc test, p<0.05).
Dimensões estéticas, cognitivas e tecnológicas de comunicação
Capítulo 7
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18,53%), Oferta Cultural e Social (31 referências, 13,36%) e Turismo e Oferta Hoteleira (10
referências, 4,31 %).
Gráfico 4- Distribuição das peças jornalísticas por categorias temáticas, no Diário de Notícias.
Da mesma forma, também no que diz respeito à frequência de palavras associadas
à Serra da Estrela, isoladas nas peças publicadas pelo Diário de Notícias, não se verificam
diferenças significativas entre os dois diários.
Também no DN a palavra mais associada à Serra da Estrela é a palavra Neve (270
referências), seguida por Forte (177 referências) e por Aviso (165 referências). Da mesma
forma, também de entre as dez palavras referidas mais frequentemente apenas as palavras
Guarda (146 referências) e Centro (141 referências), respetivamente a nona e a décima
mais referidas, não podem ser associadas imediatamente à categoria Clima (Figura 8).
Dimensões estéticas, cognitivas e tecnológicas de comunicação
Capítulo 7
82
Figura 2 - Nuvem de palavras com as 100 palavras mais frequentes nas peças onde é referida a Serra
da Estrela no Diário de Notícias.
Relativamente ao JN que foi, de entre os jornais analisados, o mais parco em notícias
com referências à Serra da Estrela, pois ao longo desta pesquisa apenas se conseguiram
descortinar 153 peças, a uma média de 4,2 notícias por mês, estas distribuíram-se de
uma forma algo similar à distribuição dos outros jornais já aqui analisados. Aparentemente,
também no JN os meses de clima mais rigoroso permitiram reunir um conjunto de peças
jornalísticas com um número de referências à Serra da Estrela superiores à média, como
reflete o gráfico 5. De facto, este gráfico parece demonstrar uma distribuição desigual entre
os meses que se distribuem entre meados de verão e meados de outono7 (abr 3,7; jun 1,3;
jul 2,3; set 2 e out 1) e os restantes seis meses que vão de meados de outono/inverno e
meados da primavera (nov 6; dez 5; jan 4,3; fev 9,7 e mar 6).
De resto, destacam-se os meses de maio (5,3) e agosto (4,3) porque, apesar de
não se contarem entre os meses de clima mais rigoroso, acabaram por integrar o conjunto
dos meses com referências superiores à média. Ainda que uma análise mais atenta aos
dados permita verificar que o mês de maio de 2013 coincidiu com um evento meteorológico
anormal para a época, a queda de neve a cerca de um mês de verão. Circunstância que
7 Ainda que estatisticamente (ANOVA ONE WAY) se tenha verificado que essa diferença não é significativa (p-value
=0,052).
Dimensões estéticas, cognitivas e tecnológicas de comunicação
Capítulo 7
83
significou, por si só, um conjunto de 5 peças jornalísticas que acabaram por catapultar o
mês de maio para conjunto de meses com referências superiores à média.
Gráfico 5 - Frequência absoluta mensal das peças jornalísticas onde é referida a serra da Estrela nas
edições on-line do Jornal de Notícias, ao longo dos três anos em análise.
A ideia avançada anteriormente de que o JN, em algumas regiões do país, concorre
diretamente com o CM como jornal preferido pelas classes média-baixa e baixa, parece
ficar aqui demonstrada pelo facto da distribuição das peças por categorias temáticas não
diferir muito entre ambos os diários (Gráfico 5).
Para além disso, no JN fica ainda mais evidente que o grosso das referências à Serra
da Estrela estão relacionadas com o Clima (86 referências, 56,21%) seguido da Paisagem
Natural (33 referências, 21,27 %), pela Oferta Cultural e Social (12 referências, 7,48%) e
Turismo e Oferta Hoteleira (7 referências, 4,58%). De salientar, ainda, a escassa atenção
conferida pelo JN aos produtos gastronómicos da Serra da Estrela (5 referências, 3,27%),
bem como a ausência de referências ao Património Histórico e às Paisagens Urbanas da
região (Gráfico 6).
Dimensões estéticas, cognitivas e tecnológicas de comunicação
Capítulo 7
84
Gráfico 6 - Distribuição das peças jornalísticas por categorias temáticas, Jornal de Notícias.
No que diz respeito à frequência de palavras, nas peças jornalísticas com referências
à Serra da Estrela, a nuvem de palavras geradas pelo Jornal de Notícias, segue o padrão
visível na figura 3.
Figura 3 - Nuvem de palavras com as 100 palavras mais frequentes nas peças onde é referida a Serra
da Estrela no Jornal de Notícias.
Dimensões estéticas, cognitivas e tecnológicas de comunicação
Capítulo 7
85
Também neste caso se destaca a palavra Neve (268 referências), a larga distância
da segunda palavra mais referida, Forte (128 referências) e da terceira Queda (125
referências). Também no caso do JN, entre as dez palavras mais frequentes, apenas surgem
duas que, como vimos atrás, só de forma indireta se podem associar à categoria Clima:
Guarda que neste caso surge em 4º lugar (120 referências), e Estradas (105 referências).
A ideia, já referida neste trabalho e que vai ao encontro de muitos estudos, de que o
diário Público se destaca dos outros jornais aqui analisados, nomeadamente, no que se diz
respeito à linha editorial e ao público-alvo a que se destina, também nesta análise parece
confirmar-se. Isto porque o Público é, de entre os jornais aqui analisados, aquele em que
se verifica uma distribuição mais homogénea das 307 notícias com referências à Serra da
Estrela (a uma média mensal de 8,5), como se pode verificar no Gráfico 7.
Gráfico 7 - Frequência absoluta mensal das peças jornalísticas onde é referida a Serra da Estrela nas
edições on-line do Público, ao longo dos três anos em análise.
De facto, ao invés do que acontece com outros jornais aqui referidos não é fácil
estabelecer um padrão na distribuição das referências à Serra da Estrela neste diário8, isto
porque a maioria dos meses com um número absoluto de notícias com referências à Serra
8 Efetivamente quando analisada estatisticamente a distribuição das peças pelos diferentes meses do
ano, durante o período em análise, verificou-se que não existem diferenças significativas entre os vários
meses do ano (ANOVA ONE WAY) para o Público (p-value = 0,137).
Dimensões estéticas, cognitivas e tecnológicas de comunicação
Capítulo 7
86
da Estrela superiores à média (nov, 10,3; jan 10,7; fev 13; abr 9,3; mai 9,3 e ago 9,7) não
se distinguiam significativamente do conjunto daqueles cujas referências são inferiores à
média (mar 8; jun 6,7; jul 4,3; set 7,3; out 5,6; e dez 7,6). Por outro lado, também neste caso
o mês de agosto emerge como um dos meses com referências superiores à média. Aliás
é mesmo o terceiro mês com mais peças jornalísticas com referências à Serra da Estrela.
Depois destas considerações seria de esperar que a mais homogénea distribuição
de notícias, pelos diferentes meses do período de análise, pudesse significar também uma
mais homogénea distribuição das notícias por categorias temáticas, o que efetivamente veio
a acontecer e que faz com que o Público evidencie uma distribuição de peças jornalísticas,
por categoria temática, díspar das dos outros jornais que constituíram o corpus de análise,
como se pode ver no gráfico 8.
Gráfico 8 - Distribuição das peças jornalísticas por categorias temáticas, no Público.
A análise do gráfico 8 demonstra, antes de tudo, que a categoria Clima (79 referências,
25,82%), ao contrário do que acontece com os outros diários até agora analisados, é
superada no diário Público pela categoria Paisagem Natural (80 referências 26,14%), mas
também uma maior frequência das outras categorias temáticas que se seguem por ordem
de importância decrescente, nomeadamente a categoria Gastronomia (37 referências,
12,9%) e População Local (36 referências, 11, 76%). Quanto à Oferta Cultural e Social (30
referências, 9,80%) e Turismo e Oferta Hoteleira (28 referências, 9,15%) estas seguem
uma distribuição semelhante aos outros jornais. De destacar ainda, que mesmo no jornal
Público as categorias Património Histórico (2 referências, 0,65%) e Paisagem Urbana (5
referências, 1,63%) evidenciam valores quase residuais.
Dimensões estéticas, cognitivas e tecnológicas de comunicação
Capítulo 7
87
Como as categorias de análise mais referidas se espelham, diretamente, na
frequência de palavras, torna-se também neste caso pertinente refletir a nuvem de palavras
gerada pelas peças jornalísticas recolhidas no Público (Figura 4).
Figura 4 - Nuvem de palavras com as 100 palavras mais frequentes nas peças onde é referida a Serra
da Estrela no Público.
Também da análise da nuvem de palavras gerada pelas peças jornalísticas publicadas
no Público emerge a singularidade deste diário no panorama dos jornais analisados no
âmbito deste trabalho. Pela primeira vez, nesta análise, a palavra mais referida não remete
para a categoria Clima, mas para a Gastronomia (vinho(s) 493 referências), seguida pela
palavra Tempo (337 referências) e Neve (326 referências). De resto, a singularidade do
jornal o Público sai ainda reforçada pelo facto de nas 10 palavras referidas com mais
frequência, seis não remeterem diretamente para a categoria Clima (vinhos, centro, região,
quinta e terra).
4 | NARRATIVAS ACERCA DA SERRA DA ESTRELA NOS MASS MEDIA
GENERALISTAS NACIONAIS
Para dar sentido às análises fragmentadas apresentadas até agora, e porque o móbil
Dimensões estéticas, cognitivas e tecnológicas de comunicação
Capítulo 7
88
do presente trabalho foi a imagem da Serra da Estrela na imprensa generalista nacional,
o que se procurará fazer doravante é realizar uma análise conjunta à totalidade das peças
jornalísticas que constituíram este corpus de análise.
Assim, pondo de lado a linha editorial, o posicionamento ideológico-político e
o público-alvo dos diferentes diários que aqui foram objeto de análise, as 1007 peças
relativas à Serra da Estrela publicadas a uma média de 6,9 peças mensais, durante o
período condensado entre o início do estudo, a 1 de janeiro de 2012 e o seu término, a 31
de dezembro de 2014, distribuíram-se da forma que o gráfico 9 apresenta.
Gráfico 9- Frequência mensal média das peças jornalísticas onde é referida a serra da Estrela no
conjunto dos jornais on-line analisados.
A análise conjunta dos diários evidencia que a produção informativa acerca da Serra
da Estrela é indubitavelmente mais frequente no semestre que vai de novembro a abril9
(jan 8,6; fev 13, mar 10; abr 7,5; nov 8,3 e dez 7,5) do que no semestre que se estende de
maio a outubro (mai 6,1; jun 4,5; jul 3,3; set 4,2; out 3,3), isto, se excetuarmos o mês de
agosto (7,3) que comporta um número absoluto de peças jornalísticas ligeiramente superior
à média. Desta análise sobressaem o mês de fevereiro por ser aquele em que são mais
9 Estatisticamente, no que diz respeito à quantidade de notícias sobre a Serra da Estrela no período que
decorreu entre janeiro de 2012 e dezembro de 2014, considerando todos os jornais pode afirmar-se que
existem diferenças significativas (ANOVA ONE WAY, p <0,001). Genericamente podemos inferir que os
meses de novembro, dezembro, janeiro, fevereiro e março apresentam um maior número de notícias,
comparativamente aos restantes meses do ano (Tukey post hoc test, p<0.05).
Dimensões estéticas, cognitivas e tecnológicas de comunicação
Capítulo 7
89
frequentes as notícias com referências à Serra da Estrela, com uma média de 13 e os
meses de julho e outubro, como aqueles em que são mais escassas (com uma média de
3,3). Para tentar entender esta distribuição assimétrica nada como começar exatamente
pelos extremos na tentativa de averiguar quais os assuntos que suportam estas assimetrias.
Uma análise mais atenta às notícias publicadas nos órgãos de comunicação social
nos meses de fevereiro, dos três anos de duração deste estudo mais não faz do que confirmar
a ideia, já avançada neste trabalho, de que a maioria das peças jornalísticas associadas
à Serra da Estrela nos meses de inverno estão direta ou indiretamente relacionadas com
fatores meteorológicos.
Paradoxalmente, para o número de peças jornalísticas significativamente superiores
à média concorreram fatores meteorológicos distintos. Isto porque, fevereiro de 2012 foi
um mês anormalmente seco, o que contribuiu para que esse mês tivesse sido dramático
para os ecossistemas da Serra da Estrela fustigados por violentos incêndios florestais que
chegaram a ameaçar populações. De facto, muitas das notícias publicadas em moldes
mais ou menos alarmistas, estavam diretamente relacionadas com esse tema: “A Serra
sangra chamas: «É cíclico e vai continuar»”, publicada no DN em 20 de fevereiro de 2012.
Nos anos seguintes (2013 e 2014), foi o clima invernal que alavancou a maioria
das notícias com referências à Serra da Estrela: “Neve fecha escolas e corta estradas”,
publicada no CM 28 de fevereiro de 2013.
No que diz respeito aos meses com referências abaixo da média, paradoxalmente
a explicação é semelhante à dos meses com referências superiores à média. Isto é,
as notícias ou melhor, a ausência delas, relacionadas com o clima e meteorologia, que
nestes meses tendem a ser escassas. Isto porque quando o assunto não é mau tempo
ou estradas cortadas, as referências à Serra da Estrela nas peças dos diários analisados
caiem drasticamente. Ainda que estas evidências possam ser atenuadas pelo facto de o
ano 2013 ter sido um ano atípico, no que se refere às questões climatéricas, uma vez que
os maiores nevões ocorreram na primavera (o que pode justificar o número significativo de
notícias patente nos meses de março, abril e maio).
Relativamente ao facto de as notícias com referências à Serra da Estrela serem
superiores à média no mês de agosto, época em que os rigores do clima não justificam a
atenção dos jornalistas para aqueles azimutes, a explicação pode ser procurada num fator já
referenciado anteriormente, as catástrofes naturais em forma de incêndio, particularmente
no ano de 2013. Para além desse, outro tema, concorre para que as estradas que rasgam
a Serra da Estrela assumam o protagonismo que rivaliza com aquele que lhes é atribuído
quando no auge dos rigores do inverno são referidas pelo encerramento ou reabertura:
a Volta a Portugal em Bicicleta. Com efeito, as 74ª, 75ª e 76ª Voltas, respetivamente em
2012, 2013 e 2014, fizeram correr muita tinta, quando em finais de julho princípios de
agosto, reencontraram nas íngremes estradas que cortam o maciço central da Serra da
Estrela o tradicional cenário de luta pelos primeiros lugares, até porque estes territórios
Dimensões estéticas, cognitivas e tecnológicas de comunicação
Capítulo 7
90
constituem as únicas passagens de “alta montanha” à disposição do pelotão ciclista em
Portugal. Por outro lado, e por ser o mês por excelência para as férias da maioria dos
portugueses, há também um conjunto significativo de notícias que remetem para a Oferta
Cultural e Social que esta região tem para oferecer.
Ou seja, parece que são o mau tempo e a neve, nos meses mais frios do ano e
a Volta a Portugal em Bicicleta no mês de agosto, que colocam a Serra da Estrela na
“agenda” dos jornalistas portugueses e por defeito dos portugueses. Parece que são estes
dois fatores aliados ao turismo que desencadeiam a maioria das referências à Serra da
Estrela. Mas, para trazer um pouco mais de luz a essa relação, nada como analisar a
distribuição das peças jornalísticas por categoria temáticas (Gráfico 10).
Gráfico 10 - Distribuição das peças jornalísticas por categorias temáticas, no conjunto de jornais on-line
analisados.
Da análise do gráfico 10 destaca-se o Clima como a categoria mais significativa
onde é referenciada a Serra da Estrela, representando 40,32 % do total de referências, com
uma frequência absoluta de 406 casos. Constatação que, por si só, não se pode considerar
significativa uma vez que qualquer previsão do Instituto do Mar e da Atmosfera, por norma,
refere as previsões para todas as regiões do país (onde se atribui um especial destaque à
Serra da Estrela), mas que ganhou importância quando articulada com outro dado, com a
referência à palavra neve, que como se pode ver na figura 5 é o vocábulo mais frequente
no conjunto das peças jornalísticas reunidas nesta pesquisa, seguida das palavras chuva
e queda, entre outras. Estes números são ainda mais significativos se atentarmos no facto
de que em muitas das peças integradas na categoria Clima, a palavra Neve apesar de
Dimensões estéticas, cognitivas e tecnológicas de comunicação
Capítulo 7
91
não estar explícita, estar implícita, como por exemplo na peça publicada no CM, em 25 de
março de 2013, “Serra da Estrela: Estradas de novo abertas”.
Ainda que a uma distância significativa, a segunda categoria mais frequente é a
categoria Paisagem Natural, com 197 referências absolutas, representando 19,56% do
total de referências. De facto, a segunda imagem mais frequente que resulta do processo
de codificação executado neste trabalho prende-se com representações relacionadas
com a fauna, a flora e as características geográficas destes territórios. Exemplo disso são
referências à fauna que contribuem para o imaginário coletivo da região, como é o caso
da notícia publicada no JN, no dia 27 de outubro de 2013: “Cães da Serra da Estrela num
campeonato nacional de beleza”, que dava conta da 23ª Exposição Canina Monográfica de
cães da Serra da Estrela, que decorreu em Gaia e onde foram a concurso, em diferentes
classes, 64 exemplares daquela raça de proteção de gado, oriundos de todo o país. Ou
no caso da notícia com o título “O regresso do velho inimigo” publicada no CM, em 31
de março de 2013, onde se refletiam os efeitos da reintrodução do Lobo Ibérico na Serra
da Estrela também ele um dos principais representantes dos mais tradicionais ícones da
Serra da Estrela. Ou, ainda, referente às ovelhas, também elas indissociáveis desta região,
embora em muitos casos surjam imbricadas com títulos que remetem diretamente para
outras categorias como é o caso da notícia publicada no DN, em 17 de janeiro de 2012,
com o título “O queijo da serra é o melhor queijo do mundo” produzido pelo leite de ovelhas
das raças bordaleira-serra-da-estrela e/ou churra-mondegueira.
Para além das notícias que enfatizam os animais tradicionalmente associados à
Serra da Estrela, outro conjunto de notícias remetia para o carácter único da região que dá
nome a um dos mais antigos Parques Naturais do país, como é o caso da notícia publicada
no Público, em 23 de novembro de 2013, que dava conta do reavistamento da Aguia-deBonelli na Serra da Estrela, com o título “As águias-de-bonelli voltaram à serra da Estrela:
Como é que sabemos isso?”.
Relativamente à flora, o grosso das notícias integradas na categoria Paisagem
Natural, paradoxalmente, decorre da sua destruição por via de incêndios. Como já vimos,
no ponto em que tratámos a distribuição das peças anualmente.
A terceira categoria mais frequentemente referenciada, Oferta Cultural e Social (117
referências absolutas 11,62%), que se constitui como fator determinante na atratividade
dos territórios, por ser simultaneamente diferenciador, para ser analisada, tem de ser
desagrupada nos diferentes indicadores. Posto isso, os diários analisados não parecem
prestar especial atenção à Oferta Cultural e Social da região, ou pelo menos não a associam
à Serra da Estrela10, apenas 28 das 117 peças reuniam as condições de ser integradas
nesta categoria. Ainda assim, é possível descortinar algumas referências, nomeadamente
a eventos de animação sazonal de Carnaval ou de Natal, como é o caso da peça publicada
10 Provavelmente, se a pesquisa tivesse tido como palavras chave não “Serra da Estrela”, mas os municipios que a
enquadram por exemplo Guarda ou Covilhã, de certo que a oferta cultural seria muito mais frequente.
Dimensões estéticas, cognitivas e tecnológicas de comunicação
Capítulo 7
92
pelo CM, em 28 de novembro de 2014, com o título “Aldeia Natal de Seia mantém tradição
do presépio e exclusão do Pai Natal”, onde se contava de que uma aldeia no concelho
de Seia, se realizava um evento de animação comunitária, “Cabeça a Aldeia Natal”, com
envolvimento de maioria das cerca de 190 pessoas que a habitam. No que se refere a
práticas culturais contemporâneas de cariz mais erudito, podem elencar-se referências,
embora pouco significativas, dado o número e a variedade de museus instalados naqueles
territórios11, à oferta cultural estruturada pelos museus da região, como é o caso da notícia
publicada no DN, em 8 de abril de 2014, com o título “Exposição de rádios no Museu
da Eletricidade”. Isto para além de referências anuais ao Cine’Eco (festival de cinema) e
respetivos vencedores do certame, assim como a outros eventos culturais como é o caso
do festival de Jazz que se realizou na mesma cidade, em 2013, patente na peça com o
título “Cristina Branco e Frankie Chavez no festival de Seia” publicado a 11 de março de
2013.
Para além disso, o grosso das referências nesta categoria caiu, indubitavelmente,
no indicador desporto, ainda que também neste caso seja importante fazer uma distinção
entre oferta de desportos de inverno, ofertas de desporto de verão e assistência a eventos
desportivos. Já vimos neste trabalho que a maioria das notícias associadas à Serra da
Estrela, estão imbricadas ao Clima, particularmente ao inverno, por isso, seria de esperar
que a maioria das referências desportivas entroncasse, precisamente, nos desportos de
inverno. No entanto, por Portugal não ter grandes tradições nos desportos de inverno,
para além das referências sazonais à abertura das pistas da torre, como a notícia “Serra
da Estrela prepara-se para esquiar”, publicada no Público, em 06 de dezembro de 2014,
podem, apenas, encontrar-se referências a campeonatos ou torneios, quando a neve os
permite.
Não obstante, se os desportos de neve não se poderão constituir como a principal
oferta desportiva da Serra da Estrela, em consequência do diminuto número de dias em que
as pistas estão abertas anualmente, a verdade é que também não são muito frequentes as
referências a outras atividades desportivas no inverno.
A verdade é que as imagens mais recorrentemente associadas a estes territórios
nesta categoria estão relacionadas com o ciclismo, uma vez que 64 das 117 peças que
caíram na categoria OSC são referentes ao Ciclismo, em particular à luta pelos primeiros
lugares nas 74ª, 75ª e 76ª Voltas a Portugal em Bicicleta.
Pontualmente, esta dicotomia verão/inverno serve também para enquadrar o
debate acerca da excessiva associação destes territórios ao inverno como é o caso da
peça publicada no Público, em em 13 de agosto de 2012, sob o título “Serra da Estrela em
11 Nas pesquisas que integraram este trabalho foi possivel identificar um conjunto significativo de museus, nomeadamente: Museu do Agricultor e do Queijo, Casa do Mundo Rural de Prados, no concelho de Celorico da Beira; Museu
dos Lanifícios, Museu de Arte Sacra, Museu do Queijo, Patrimonius-Museu de Arte e Cultura, no concelho da Covilhã;
Museu Abel Manta, Espaço Arte e Memória e Museu da Miniatura Automóvel, no concelho de Gouveia; Museu Municipal, no concelho da Guarda; Museu do Brinquedo, Museu da Eletricidade, Casa Museu dos Samarreiros e Acervo da
Misericórdia de Seia, no concelho de Seia.
Dimensões estéticas, cognitivas e tecnológicas de comunicação
Capítulo 7
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esplendor Verão” onde se podia ler:
A Serra da Estrela não é apenas um destino de Inverno ou neve. Para muitos,
é também um grande destino de Verão, reunindo uma série de atracções que
a tornam única, entre a beleza e imponência da Natureza, as piscinas naturais
para refrescar à séria, os passeios quase solitários por campos e caminhos ou
as festas populares, genuínas e animadas.
Para terminar é ainda possível encontrar referências ao desporto motorizado como é
o caso de uma peça publicada, em 29 de maio de 2013, no JN com o título: “Automobilismo
regressa à Serra da Estrela com a Rampa Cidade da Covilhã”, ao futebol por via de notícias
referentes ao Sporting da Covilhã assim como a desportos de carácter mais radical como
é o caso da escalada, do BTT e até do Parapente, patente na notícia publicada no CM,
em 5 de junho de 2014: “Aldeia histórica de Linhares da Beira recebe Taça do Mundo de
Parapente”.
A categoria População Local resultou na quarta categoria mais frequente na
distribuição que tem vindo a ser apresentada, mencionada em 95 peças constituindo 9,43%
do total, revelando-se como uma das categorias mais ambíguas. Efetivamente, como seria
de esperar, praticamente não há notícias que se dediquem a descrever as idiossincrasias
dos serranos, embora, por entre notícias do foro económico e político, se possa isolar um
conjunto de pistas que podem influenciar a construção da imagem simbólica das audiências.
Desde logo, uma associação a atividades profissionais desde há muito agregadas a estes
territórios de montanha como a pastorícia, que na notícia publicada no DN, em 1 de março
de 2012 com o título “Pastores da Serra da Estrela Admitem reduzir rebanhos por não terem
dinheiro para fenos e rações”, vem imbricada com outra das imagens mais frequentemente
associadas a estes territórios, a pobreza.
De facto, algumas das imagens mais reminiscentes associadas a estes territórios
acabam por entroncar direta ou indiretamente em indicadores socioeconómicos abaixo da
média nacional e em representações ligadas à pobreza e similares. É assim na notícia
publicada no Público, no dia 20 de dezembro de 2012: “PIB per capita coloca Grande
Lisboa e Serra da Estrela nos extremos opostos”, tal como na notícia publicada no Diário
de Notícias, no dia 15 de julho de 2013, com o título “Serra da Estrela tem nível de vida
inferior ao país mais pobre da UE”.
Também no que diz respeito à educação se verifica que as poucas referências à
Serra da Estrela mais não fazem do que reforçar o quadro que tem vindo a ser descrito.
Uma notícia publicada no CM, em 22 de fevereiro de 2013, com o título “Testes intermédios
revelam dificuldades «recorrentes»”, era referido que a Serra da Estrela tinha sido a região
do país a obter os piores resultados nos testes intermédios de Geologia e Biologia do 10º e
11º anos. No âmbito da educação, um aspeto que despertou alguma curiosidade, durante
a análise dos dados que agora se apresentam, foi o facto de não obstante a existência
de duas instituições do Ensino Superior nestes territórios, com polos em três cidades, a
Dimensões estéticas, cognitivas e tecnológicas de comunicação
Capítulo 7
94
Universidade da Beira Interior e o Instituto Politécnico da Guarda, nas peças analisadas
elas são quase invisíveis, se excetuarmos uma notícia, referente a um festival de tunas:
“Serão de tunas aquece noite fria de Seia”, e uma outra que também vai ao encontro das
imagens construídas até agora, publicada no Público, em 6 de Setembro de 2014 com o
título “MEC avança com bolsas de 1500 euros anuais para levar mil alunos para o interior
do país”.
As peças até agora referidas podem ser entendidas como contributos para a
aproximação simbólica destes territórios às Sociedades Tradicionais e/ou Primitivas
entendidas na literatura sociológica como sociedades menos diferenciadas, assentes em
economias mais frágeis e fomentadoras de mentalidades fechadas e conservadoras por
oposição às Sociedades Modernas, Industriais ou Tecnológicas (consoante os autores, as
escolas ou as teorias), que assentam na consolidação e aceitação de conceitos como:
direito, estado, racionalismo, burocracia, modernidade e universalismo, entre outros
(Rocher, 1999). Esta linha de pensamento fica bem patente nas peças que relatam as
histórias de vida de pessoas que procuram nos territórios montanhosos da Serra da Estrela
a antítese da vida moderna.
Decorrente deste cenário socioeconómico não surpreende, o título do artigo publicado no Público, em 24 de novembro de 2014: “Mais de metade dos residentes na região
Centro está «satisfeita com a vida»”, desse conta que, num estudo da responsabilidade
da CCDR do Centro (Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional do Centro),
os habitantes da Serra da Estrela destacarem-se, precisamente, por se contarem entre
os menos satisfeitos com o local de residência. Da mesma forma que, pelas mesmas razões não se estranhe que estes territórios surjam associados a migrações quer internas
quer internacionais como fica patente numa peça publicada também no Público, em 21 de
Setembro de 2014, com o título “A vida dos emigrantes portugueses na Argentina deu um
livro”, onde se contava a história da comunidade portuguesa naquele país sul-americano
integrada também por indivíduos oriundos da região da Serra da Estrela.
Por último, como prova da ambiguidade com que é retratada a população local
fica um artigo publicado no Público, em 10 de março de 2013, com o título, “Os playboys
do Tortosendo”, onde são reforçadas as relações ancestrais da região com a indústria
dos lanifícios, mas que patenteia, acima de tudo, as assimetrias socioeconómicas de um
passado não muito distante na Vila do Tortosendo:
No meio da serra da Estrela, num mundo de pastores, agricultores e operários
mal pagos, um mundo de analfabetismo e isolamento, a elite industrial dançava
pela noite dentro no Clube Avenida, ia às compras a Paris ou a Salamanca,
às boîtes do Parque Mayer, tomar café a Espinho de alfa romeo desportivo
ou comprar sardinhas frescas para o almoço à Figueira da Foz, de avioneta.
Em suma, as representações associadas à População Local veiculadas pelos
órgãos de comunicação analisados refletiram um contexto socioeconómico da região e
Dimensões estéticas, cognitivas e tecnológicas de comunicação
Capítulo 7
95
acabaram por traduzir o facto de esta ser uma das regiões com dinâmicas mais regressivas
de Portugal. Isto porque as generalidades das peças agrupadas nesta categoria acabaram
por remeter, grosso modo, para imagens destes territórios agregadas a indicadores
socioeconómicos que evidenciam atraso socioeconómicos que se traduzem em assimetrias,
pobreza, emigração e desertificação.
Quanto à quarta categoria mais frequente, Turismo e Oferta Hoteleira (TOH), outra
das categorias de difícil circunscrição porque algumas das atividades enquadradas na
categoria OCS, poderiam ter sido definidas como “Turismo Desportivo” só para dar um
exemplo, é sustentada por um conjunto de peças que remetem explicitamente para a oferta
hoteleira sem esquecer o turismo que ela suporta. Estavam nesta situação 77 peças que
constituíam 7,65% do total das peças reunidas na fase de pesquisa.
Antes de avançar, importa dizer que a distribuição das peças da categoria TOH,
revela um comportamento algo semelhante ao da categoria Clima, isto é, as referências
também tendem a seguir uma distribuição sazonal, por norma associada à neve e/ou aos
períodos de férias, em particular nos períodos de Natal, Carnaval e, de modo geral, sempre
que fosse previsível que períodos de férias coincidissem com precipitação de neve.
Aliás, a associação das palavras “turismo” e “hotéis” à palavra “neve” é recorrente
como o demonstram de forma explícita a peça publicada no CM, em 14 de janeiro de
2013, com o título: “Neve fecha estradas mas anima turistas” e de forma implícita a notícia
publicada no JN, em 25 de fevereiro de 2014, com o título “Hotéis da Serra da Estrela com
lotação esgotada no Carnaval”. Esta notícia é particularmente interessante na medida em
que enquadra um conjunto de notícias, bastante frequentes que associam a imagem de
férias na neve à Serra da Estrela em períodos específicos do ano, como vimos no Carnaval,
mas também na quadra natalícia.
Para lá das notícias que associam a oferta hoteleira da região à neve, é possível
identificar, desde logo, outro conjunto de peças jornalísticas que apresentavam os
equipamentos hoteleiros da região e as suas vantagens competitivas, como é o caso da
notícia publicada no Público, a 20 de março de 2014, com o título “A Pousada da Serra da
Estrela já brilha” onde se dava conta de que depois de meio século de abandono o antigo
Sanatório dos Ferroviários havia sido convertido numa Pousada de Portugal, que já estava
em funcionamento, desde o dia 1 de abril; ou da notícia publicada também no Público, em
17 de janeiro de 2014, com o título “Quer pernoitar num país europeu? Faça-o em Portugal”
onde se dava conta que segundo uma análise do site de reservas de hotéis “Trivago”, os
preços praticados em Portugal são significativamente inferiores aos praticados nos seus
congéneres da União Europeia, dando como exemplo hotéis da região.
Ou seja, peças que tendem a descrever com um certo glamour a oferta hoteleira da
região, única em Portugal quando combinada com a neve.
Contudo, apesar da imagem da neve ser indissociável Serra da Estrela, as narrativas
do Turismo e Oferta Hoteleira destes territórios, nos media, não se esgotam na neve nem
Dimensões estéticas, cognitivas e tecnológicas de comunicação
Capítulo 7
96
nos equipamentos hoteleiros. Ainda que referências a outros tipos de turismo para além do
turismo de inverno associado à neve tenham surgido em número muito inferior, a verdade
é que elas surgiram pontualmente ligadas entre si por um discurso de cariz alternativo às
imagens mais tradicionais do turismo português.
Por fim, um outro conjunto de peças que foram também enquadradas nesta
categoria, remetiam para questões político-administrativas relacionadas com o cada vez
mais importante sector do turismo de Portugal. Estavam nessas condições as notícias
publicadas no dia 26 de fevereiro de 2012, no CM com o título “Turismo é «âncora» para
o desenvolvimento do Douro” onde o então secretário de estado do Partido Socialista,
António José Seguro, defendia ser um «erro colossal» o Governo acabar com as entidades
regionais de turismo, como é o caso do Douro ou da Serra Estrela.
A categoria Gastronomia (G), que na pesquisa que agora se apresenta teve uma
distribuição de 68 casos, representando 6,75% de frequência relativa, também merece
uma análise mais atenta. Isto porque, apesar de há uns tempos a esta parte a culinária
estar cada vez mais na moda em Portugal e se assistir a um crescente fascínio pelos
profissionais do sector (para o qual terão contribuído os recentes e recorrentes programas
que as televisões generalistas têm vindo a colocar no ar em horário nobre), aliado ao facto
de a “Gastronomia de Vinhos” ser um produto consagrado no PENT 2015-2020 (Plano
Estratégico de Turismo) a maioria das peças enquadradas nesta categoria, não remetem
diretamente para a Gastronomia, mas antes para o icónico Queijo da Serra da Estrela. Isto
se excetuarmos o Jornal Público, como veremos adiante.
De facto, a esmagadora maioria das peças enquadradas nesta categoria, mais
do que dedicarem-se a temas relacionados com os pratos, tradicionais e restaurantes,
contemplaram, antes de tudo, um dos principais ícones tradicionais da Serra da Estrela,
em particular, o Queijo da Serra da Estrela, nomeadamente no que se refere ao valor
socioeconómico deste produto na região, ao seu valor gastronómico, a processos de
certificação, a feiras ou outros eventos de promoção. No entanto, para além de referências
explícitas no título, podem vislumbrar-se ainda referências ao Queijo da Serra da Estrela,
mesmo em títulos que apresentam eventos inesperados e inusitados, como na peça
intitulada “Salão Erótico abre com espetáculos de sexo ao vivo”, publicado no DN, em 7 de
março de 2013, onde se dava conta de que no Salão Erótico do Porto se podia degustar
queijo da Serra da Estrela, presunto ou paio serrano em pão do Sabugueiro, ou nas notícias
referentes aos produtos que a Seleção Nacional de Futebol levou, para o Campeonato do
Mundo de Futebol do Brasil, para confecionar as refeições, como fica patente na notícia
publicada no DN, em 10 de junho de 2014, com o título “Mil camisolas, 200 kg de bacalhau
e vinho do Porto”, onde se dava conta de que na bagagem da seleção haviam embarcado
também 12 queijos da Serra da Estrela.
Outro conjunto de títulos, mais envolvidos com a Gastronomia, acaba por alimentar
a discussão sobre a qualidade e a genuinidade deste produto. Na edição de 10 de outubro
Dimensões estéticas, cognitivas e tecnológicas de comunicação
Capítulo 7
97
do DN, sob o título “Do serpão às maçãs sem gosto”, onde se refletia uma lista dos produtos
gastronómicos em extinção ou que sejam difíceis de encontrar em Portugal, concluía-se
que “até o banalíssimo queijo da Serra da Estrela”, já tinha estado pelas ruas da amargura.
Num outro registo, surge uma peça publicada também no Público, em 11 de outubro
de 2014, com o título “Quem mexeu nos nossos queijos?”, onde se discutia um pouco de
tudo o acima referido, nomeadamente a forma como o queijo da Serra da Estrela deve ser
servido e consumido:
O Serra da Estrela nunca foi comido mole, à colherada, diz a autora de
Queijos Portugueses, com Maria de Lourdes Modesto, e de O ABC dos
Queijos Portugueses (ed. Feitoria dos Livros), prémio Best Cheese Book do
Gourmand World Cookbook. “Não sei de onde vem a moda de mudar as
características dos queijos. O que aconteceu com o serra da Estrela foi um
abuso, foi incompetência. O serra come-se à fatia. Passou a ser fino ter o
queijo aberto por cima, o que é uma atrocidade. Antigamente, um queijo a
escorrer era um queijo que tinha defeito, e isso acontecia em anos que tinham
sido muito húmidos.
Para além das peças que remetem direta ou indiretamente para o Queijo da Serra
da Estrela, pode-se encontrar, principalmente nos cadernos que acompanham o Público
um número significativo de referências à região associadas a outro produto gastronómico,
ainda que emergente, o vinho, em particular o cada vez mais bem-sucedido Vinho do Dão,
como o comprovam os títulos se dedicam a apresentar adegas, discutir as castas, solos e
clima mais adequados, os novos produtores, entre outras.
Nesta ordem de ideias, a análise das peças jornalísticas enquadradas na categoria
Gastronomia, permite concluir que, grosso modo, a esmagadora maioria das referências
gastronómicas à Serra da Estrela, nos diários JN, CM e DN desemboca direta ou
indiretamente no Queijo da Serra da Estrela e as do Público imbricam, acima de tudo,
referências a vinho, mormente Vinho do Dão. Isto para não referir as que abarcam estes
dois produtos. Como é o caso da peça “As harmonizações: Com comida, vinho”, publicada
no Público, em 11 de outubro de 2014, onde se dava conta de que o vinho é um alimento
demasiado sério para ser consumido de qualquer maneira, pelo que o Queijo da Serra da
Estrela é excelente para o harmonizar.
De resto, as outras referências a produtos gastronómicos da região podem
considerar-se residuais.
No que diz respeito à categoria, Paisagem Urbana (PU), verificou-se que as peças
que contêm referências explícitas, não abundam no corpus de análise. De facto, para além
de raras (apenas foram descortinadas 8 referências o que corresponde à frequência relativa
de 0,79%), seguem uma distribuição assimétrica nos diferentes órgãos de comunicação
social (Gráfico 10) e, além disso, em alguns casos, ainda tendem a surgir no limiar da
divisão necessariamente artificial entre outras categorias, como é o caso da Paisagem
Urbana e Paisagem Natural. Está nestas condições uma peça publicada no diário Público,
Dimensões estéticas, cognitivas e tecnológicas de comunicação
Capítulo 7
98
em 20 de fevereiro de 2012, com o título “O frescor de Loriga”, onde as paisagens urbanas
da vila nos são descritas imbricadas com a paisagem natural da Serra da Estrela: “Loriga,
no coração da Serra da Estrela, é sinónimo de frescura e tranquilidade, onde a natureza e
a ação humana convivem em perfeita harmonia. Uma vila repleta de história, e cujo valioso
património de socalcos, esculpidos na montanha, tornam a paisagem que envolve Loriga
única e inesquecível”.
Por outro lado, as referências explícitas às paisagens urbanas da região, prendemse com a inauguração de equipamentos, museus ou centros de investigação. Está nessas
condições uma peça publicada no DN, a 8 de abril de 2014, com o título “Exposição de rádios
no Museu da Eletricidade”, onde sob o mote da exposição se descrevia o equipamento que,
desde abril de 2011, veio enriquecer o já de si rico património museológico da região.
Ainda no âmbito das referências à Paisagem Urbana da região que surgem diluídas
em peças com outros propósitos, pode elencar-se: “Dois lugares para a memória de
Ferreira de Castro”, publicada em 7 de julho de 2013, onde por entre a bibliografia do autor
era invocado o romance-reportagem A Lã e a Neve (1947), cujo tema são os pastores na
Serra da Estrela e proletariado têxtil da Covilhã.
Se a explicação para as raras referências à Paisagem Urbana destes territórios
montanhosos pode ser procurada na excessiva associação às suas soberbas Paisagens
Naturais, algo de semelhante poderá acontecer com as referências ao Património Histórico.
Não obstante, o rico Património Histórico da região, os mass media analisados neste
trabalho parecem não espelhar essa realidade, isto porque apenas foram identificadas 5
peças que estavam em condição de ser integradas inequivocamente nesta categoria, o que
representa uma frequência relativa de 0,5%. Sintomática desta espécie de “invisibilidade
do Património Histórico” destes territórios é a notícia publicada no CM, em 05 de junho
de 2014, com o título “Aldeia histórica de Linhares da Beira recebe Taça do Mundo de
parapente”, isto porque o epíteto “Aldeia Histórica” parece só servir para embelezar o título,
uma vez que todo o teor da notícia remete para o desporto radical.
As outras peças que remetem para o Património Histórico da região tendem a fazêlo de forma indireta, sem perderem muito tempo a aprofundar as temáticas, como é o caso
da notícia publicada no DN, em 3 de março de 2012, com o título “Rede de Judiarias cresce
de 9 para 23 municípios”, onde se dava conta de que a Rede de Judiarias de Portugal tinha
aumentado de 9 para 23 municípios, onde se contavam os da Serra da Estrela.
Na categoria Outras, caíram naturalmente as peças que não se enquadravam
em nenhuma das categorias classificatórias definidas. Foram integradas nesta categoria
principalmente notícias do foro político como é o caso das referentes a resultados eleitorais
ou alusivas ao processo movido contra o Ex. Primeiro-ministro José Sócrates, para além
das quezílias entre os bombeiros de Manteigas, só para dar alguns exemplos.
Finda a reflexão caso a caso das categorias temáticas, tal como foi feito aquando da
análise efetuada jornal a jornal, também é pertinente analisar a nuvem de palavras gerada
Dimensões estéticas, cognitivas e tecnológicas de comunicação
Capítulo 7
99
pelo conjunto dos diários (Figura 11).
Figura 11 - Nuvem de palavras com as 100 palavras mais frequentes nas peças onde é referida a SE
no conjunto de jornais analisados.
A primeira ilação que se pode retirar da nuvem de palavras parece apontar no sentido
de que a principal representação gerada pelos jornais diários generalistas remete para a
mais tradicional associação da Serra da Estrela à neve (1178 referências), à chuva (621
referências), ao vento (600 referências) e ao tempo (573 referências), em última análise,
ao Clima.
No que este trabalho interessa, outra constatação pertinente remete, desde logo,
para o elevado grau de abstração com que os mass media analisados circunscreveram
os territórios habitualmente designados por “Serra da Estrela”. Como temos vindo a ver
na reflexão dos documentos que constituem o corpus de análise desta investigação, esta
designação foi utilizada de forma ambígua, umas vezes como sinónimo da NUT III12 Serra
da Estrela (principalmente nas peças do foro económico e estatístico); noutros casos
associada à cidade da Covilhã, à cidade de Gouveia, à cidade da Guarda, à cidade de
Seia ou à vila de Manteigas (entre outros), ou aos respetivos concelhos; noutras situações
confundida com o Maciço Central e noutras ainda, como se da Região de Turismo se
12 NUTS, Numenclatura das Unidades Territoriais para Fins Estatisticos. Neste caso, a NUT III Serra da Estrela era
integrada pelos concelhos de Fornos de Algodres, Gouveia e Seia. http://www.igfse.pt/st_glossario.asp?startAt=2&categoryID=309
Dimensões estéticas, cognitivas e tecnológicas de comunicação
Capítulo 7
100
tratasse. Por exemplo, a partir da nuvem de palavras gerada pelas 1007 peças reunidas
nesta pesquisa, se tomarmos como objeto as cidades e vilas sedes de municípios que
enquadram estes territórios montanhosos, que surgem nas 100 palavras mais frequentes,
percebemos que não é fácil e imediato mapear esta região, a partir da distribuição por
ordem decrescente: Guarda (620 referências, 7ª posição); Seia (293 referências, 29ª
posição); Covilhã (244 referências, 39ª posição); Gouveia (204 referências, 62ª posição) e
Manteigas (181 referências, 74ª posição). Da mesma forma se se procurarem topónimos
ou localidades da Serra da Estrela na mesma nuvem de palavras a distribuição a que se
chega também não é muito conclusiva: Torre (430 referências, 16ª posição), Piornos 257
referências, 35ª posição); Lagoa(s) (229 referências, 50ª posição); Vale (181, referências,
76ª posição); rio (155 referências, 93ª posição), maciço (153 referências, 94ª posição).
5 | CONSIDERAÇÕES FINAIS
Neste trabalho pretendeu-se analisar o contributo dos media generalistas para a
construção social da imagem percecionada da Serra da Estrela, sabendo, de antemão, que
a maior cordilheira portuguesa gera duas imagens simbólicas assimétricas (Oliveira, 2019).
Uma, sobejamente conhecida, que associa estes emblemáticos territórios ao clima, à neve
e, naturalmente, ao inverno e a outra, mais frágil e, significativamente, menos disseminada
ligada à época estival e às atividades culturais e na natureza. A partir do quadro categorial
e dos resultados obtidos por um estudo realizado à escala nacional que apreciou a imagem
dos principais destinos turísticos portugueses (Brandia Central, 2009), equacionou-se o
papel da imprensa generalista enquanto fornecedora da informação mobilizada para a
construção social dos lugares e regiões.
A primeira abordagem às peças, referentes à Serra da Estrela, publicadas nas
plataformas digitais dos quatro diários generalistas nacionais que constituíram o corpus de
análise deste estudo, permitiu constatar, desde logo, que a Serra da Estrela é uma temática
frequente, pois, no período em análise, gerou 1007 peças jornalísticas. Não obstante, uma
apreciação conjunta dos diários demonstrou que a produção informativa acerca da Serra
da Estrela não se distribui de uma forma homogénea ao longo do ano, pelo contrário,
é indubitavelmente mais frequente no semestre que vai de novembro a abril do que no
semestre que se estende de maio a outubro. Isto, se se excetuar o mês de agosto que
comporta um número absoluto de peças jornalísticas ligeiramente superior à média. Ou
seja, aparentam ser o tempo invernal e a neve, nos meses mais frios do ano e a Volta a
Portugal em Bicicleta e os incêndios, no mês de agosto, que colocam a Serra da Estrela na
“agenda” dos jornalistas portugueses e, por defeito, das suas audiências.
Ainda acerca da distribuição das peças, importa referir que não se verificaram
diferenças significativas entre o Correio da Manhã o Jornal de Notícias e o Diário de
Notícias, mas que o Público apresentou uma distribuição díspar, tanto no que concerne às
Dimensões estéticas, cognitivas e tecnológicas de comunicação
Capítulo 7
101
categorias temáticas, como à distribuição das peças ao longo do ano. Essa dissemelhança,
pareceu ir ao encontro da ideia, avançada por Nery (2004), de que o jornal Público difere
dos outros jornais no que concerne quer à linha editorial, quer ao público-alvo.
Transversal à generalidade das investigações que tomam como objeto a Serra da
Estrela, é a ambiguidade na sua delimitação espacial, também patente nesta investigação,
por via do elevado grau de abstração com que os mass media analisados circunscreveram
os territórios habitualmente designados por “Serra da Estrela”.
Para além disso confirmou-se que a maioria das representações associadas à
principal cadeia montanhosa portuguesa remetem, antes de tudo, para o Clima e para a
meteorologia, onde a palavra neve joga um papel importante. Concluiu-se, ainda, que a
outra imagem, também amplamente associada aos territórios em estudo e que deriva da
primeira constatação, remete para a Paisagem Natural, única nestes territórios montanhosos
de Portugal Continental, por emergir de características geográficas e flora ímpares. Estas
duas imagens refletem-se na apropriação de lazer destes territórios associada ao turismo/
excursionismo de montanha e a férias na neve que rivalizam no verão com uma propensão
natural para o ciclismo de competição.
Relativamente à categoria População Local, pese embora as escassas referências,
a ideia que subsiste é a de produto de uma região pobre, associada a atividades
tradicionais ancoradas no passado, em consequência dos maus acessos da região, a par
de imagens românticas de pastores, queijeiros e tecelões, de tal forma prevalecentes que
são raríssimas, por exemplo, as referências às instituições de ensino superior sediadas
nesta região.
A sobrevalorização das deslumbrantes Paisagens Naturais acaba por ensombrar as
Paisagens Urbanas que, em última análise, nas narrativas dos media analisados, não se
distinguem muito das do resto do interior montanhoso de Portugal Continental. A mesma
explicação poderá também contribuir para justificar as pouco frequentes referências ao rico
Património Histórico que sobeja na região. Parece que falar em Serra da Estrela continua a
ser falar em hotéis glamoroso, pastores, pastoreio e ovelhas, pelo que é sinónimo do queijo
que praticamente e com um certo grau de injustiça, assume quase o monopólio no que diz
respeito à Gastronomia, vinculada pelos diários analisados a esta região.
Chegados a este ponto parece evidente que a hipótese de trabalho que deu o mote
à investigação que aqui se conclui é pertinente, uma vez que os resultados do presente
estudo, indiciam uma sintonia entre as temáticas mais “agendadas” pelos media generalistas
analisados e a perceção dos indivíduos inquiridos no estudo da Brandia Central (2009).
Importa, por isso, enquadrar esses os resultados aqui obtidos nas teorias da comunicação.
A Teoria da Construção Social da Realidade (Berger & Luckmann, 2004). perfila-se
para sustentar teoricamente a confirmação da hipótese de investigação que desencadeou
este estudo. Os teóricos desta corrente entendem que os media desempenham um papel
determinante no processo de construção social da realidade, em grande medida, porque
Dimensões estéticas, cognitivas e tecnológicas de comunicação
Capítulo 7
102
são eles que veiculam os valores e as normas, isto é, o habitus, que sustentam as interações
que reproduzem a sociedade (Bourdieu, 2010). As conclusões deste estudo parecem
refletir esse processo social, isto porque ao escreverem sobre lugares, os jornalistas são
permeáveis às representações preexistentes.
Não obstante, prevalece a sensação de que algumas das conclusões deste trabalho
perderiam força, se a metodologia escolhida não tivesse sido consultar a expressão “Serra
da Estrela” nas plataformas digitais destes diários generalistas, através dos seus motores
de busca. Isto é, subsiste a perceção que estes resultados são enviesados por esta
estratégia de investigação. Se a pesquisa tivesse consistido em consultar as peças que
remetem para os municípios que enquadram a mais alta cadeia montanhosa portuguesa
(Celorico da Beira, Fornos de Algodres, Covilhã, Manteigas, Gouveia, Guarda e Seia), os
resultados poderiam ter sido algo distintos. Mas tal metodologia iria colocar em causa o
móbil deste trabalho que, como foi referido atempadamente, passou por encontrar o lugar
da “Serra da Estrela” nas peças publicadas online nos jornais generalistas portugueses.
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NERY, I. Política & Jornais: Encontros Mediáticos. Oeiras: Celta, 2004.
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Dimensões estéticas, cognitivas e tecnológicas de comunicação
Capítulo 7
104
CAPÍTULO 8
MTV BRASIL: COMO A LINGUAGEM DA MTV DOS
ANOS 90 DIALOGA COM A GERAÇÃO ATUAL
Data de aceite: 01/05/2022
Thayse Kiel Truffa
http://lattes.cnpq.br/8608699860777799
Cristian Cipriani
http://lattes.cnpq.br/1806020171726304
RESUMO: A MTV (Music Television) foi um
grande fenômeno televisivo nos anos 80 e 90. O
canal apresentava clipes musicais e programas
voltados para os jovens, com a apresentação
dos VJ’s (vídeos jockeys). Foi a partir da MTV
que os clipes musicais ganharam notoriedade,
em uma época em que a internet ainda não
era popular e acessível para todos. No presente
artigo fazemos a análise do contexto histórico e
social dos anos 80 e 90, focando nos jovens de
cada época e suas diferenças de pensamento
e ação e como cada época influencia nessa
vivência. Trabalho realizado com análise
teórico-bibliográfica analisando artigos sobre as
décadas e algumas matérias de revistas sobre
as diferenças entre gerações. Essa diferença
também pode ser vista na moda, analisando o
artigo de ASSIS e GONÇALVES, A moda como
fator de construção da sociedade. Também foi
analisado o trabalho do sociólogo BAUMAN,
além do cinema por MASCARELLO.
PALAVRAS-CHAVE: MTV. Diferentes gerações.
Linguagem audiovisual.
ABSTRACT: This article qualitatively analyzes
the interest of the media that invests in the
spectacular strategy as a form of attraction. It
Dimensões estéticas, cognitivas e tecnológicas de comunicação
deals with the relationship that the written press
has with the spectacle in general, the uses
it makes of it and the extent to which it takes
advantage or is betrayed by it. The reflection is
theoretically based on the ideas of Mario Vargas
Llosa, expressed in the work “The civilization
of the spectacle”, and of authors who have
dedicated themselves to the problem. As an
object for the analysis, news published by the
newspaper O Sul, in the years 2011 and 2018,
selected in a non-probabilistic way, are used to
meet the objective of this research. It is concluded
that contemporary journalism must be attractive,
without resorting to sensationalism.
KEYWORDS: Show; history of journalism;
printed journalism; journalism; Communication.
1 | INTRODUÇÃO
Com o final da Guerra Fria e a dissolução
da União Soviética em 1991, os
jovens se
viram perdidos em relação aos ideais políticos,
sempre tão marcantes desde o início do novo
mundo. Os conflitos políticos e bélicos foram os
grandes responsáveis pela formação do mundo
atual, direta ou indiretamente. Podemos utilizar
como exemplo a criação da Internet que surgiu
inicialmente como uma
ferramenta militar,
expandindo-se para universidades apenas na
década de 80.
A ideia de que os anos 90 foram “tempos
prósperos” é muito comum, pois houve uma
mudança mundial significativa, o crescimento
do capitalismo no mundo e a popularização dos
Capítulo 8
105
computadores pessoais e da internet, além da queda do muro de Berlin. Foi o início de uma
nova era, mas mesmo essas inovações tecnológicas e políticas não fizeram o jovem dos
anos 90 ter um ar menos apático e de tédio.
Não havia mais ideais para serem alcançados, o contexto sociocultural da época
deixava no jovem adulto um misto de angústia e depressão. O jovem dos anos 90 se
tornou acomodado e repudiava as pressões sociais. Podemos ver um pouco dessas
características no movimento grunge.
Dentro da música, o grunge é um subgênero do rock alternativo inspirado no hardcore
punk, heavy metal e indie rock e traduziam bastante o que se passava pela cabeça dos
jovens adultos da época. Suas letras são cheias de melancolia, negligência, traição, desejo
de liberdade, sarcasmo e autodúvida. O visual grunge também é ponto importante para a
presente análise. Bastante desleixada, a moda dos anos 90 se mostra muito diferente da
moda dos anos 80. As calças eram mais largas e caídas, tênis sujos e sem muito cuidado
em sua amarração, camisas de bandas e uma flanela por cima, deixaram a teatralidade
dos anos 80 totalmente de lado, visando apenas o conforto e bem-estar do momento.
De acordo com Seeling (2000) o fim do século XX foi marcado pela globalização, o que
influencia a sociedade em diferentes aspectos. Os jovens tinham acesso ao que ocorria
em outros lugares do globo, não apenas o que era divulgado regionalmente, tendo como
principal característica o minimalismo, uso de cores mais sóbrias e menos chamativas.
Pela moda ao decorrer das décadas, podemos analisar também a sociedade em
geral. Nos anos 80, ainda vivíamos o medo de uma guerra nuclear, Estados Unidos e União
Soviética buscando crescimento tecnológico a todo custo. A moda era baseada em cores
chamativas, ombreiras grandes e bem desenhadas, estampas em xadrez de diferentes
cores e outras. A moda dessa década também está bastante ligada às mulheres que
começaram a conquistar mais espaço no mercado de trabalho. Os blazers de corte reto
tiveram seu auge nessa década e eram muito utilizados pelas mulheres que trabalhavam
fora, executivas e outras e logo foi levado também para os guarda-roupas como uma peça
estilosa que poderia ser usada com shorts, por exemplo.
A moda fitness também ganhou destaque nessa época, saindo das aulas de ginástica
para ganhar nas ruas. Calças de moletom, legging e tênis mais despojados davam tanto
para mulheres quanto para homens um ar de maior conforto mesmo no dia a dia.
Já nos anos 90, o que importava era estar confortável o tempo todo. A blusa de
flanela amarrada na cintura pode ser considerada um símbolo dessa época e era muito
utilizada principalmente pelos jovens.
A MTV Brasil (Music Television Brasil) chegou às telas no início dos anos 90 e
encerrou suas atividades na TV aberta em 2013. O principal foco da emissora era o público
jovem (de 12 a 29 anos) e ao longo do tempo foi diversificando sua grade, antes constituída
principalmente por videoclipes, sempre mantendo o foco em seu público alvo. Isso pode
ser notado pela linguagem utilizada na emissora. Mesmo com a mudança na grade e a
Dimensões estéticas, cognitivas e tecnológicas de comunicação
Capítulo 8
106
inclusão de programas diversificados como talk shows, reality shows e outros, quando
falamos sobre MTV a principal lembrança é a dos videoclipes.
O presente artigo busca expor, por meio de análise bibliográfica, como era a
sociedade nos anos 1980 e 1990 e porque a estética utilizada pela MTV (Music Television)
foi tão marcante para essa e futuras gerações, além de seu impacto na cultura jovem.
2 | DESENVOLVIMENTO
2.1 Estética dos anos 80, polarização política e risco nuclear
A década de 80 foi um misto de emoções na política mundial. Enquanto o mundo
enfrentava a Guerra Fria entre Estados Unidos e União Soviética, o Brasil ainda passava
pelos últimos atos da Ditadura Militar, que terminou em 1985.
Com a constante evolução tecnológica gerada pela Guerra Fria, construção de
foguetes e satélites, o medo de uma ameaça nuclear aterrorizava o mundo, afinal, se com
um avião e uma bomba, os Estados Unidos puseram fim à Segunda Guerra Mundial, o que
não poderia acontecer com satélites orbitando o planeta?
Foi durante a Guerra Fria que os Estados Unidos, que já vinham investindo nos
estudos tecnológicos desde a década de 20, se estabeleceram como uma das grandes
potências tecnológicas também. Esses estudos permitiram a
“miniaturização” dos
computadores, o que levou a popularização dos computadores pessoais na década de 80.
Foi ainda durante a Guerra Fria que a Internet teve seu esboço criado.
A proposta era manter a comunicação entre o governo norte americano e as
bases de comunicação, sem perder as informações sigilosas do Pentágono,
em caso de ataque. Assim desenvolveram uma rede de transmissão de
dados, a ARPANET (Advanced Research Projects Agency Network).(COSTA,
2013, p. 220).
Castells (2007, p. 44) diz que a ARPANET não era controlada por nenhum centro e
composta por milhares de redes de computadores autônomos com inúmeras maneiras de
conexão. Caso uma das bases fosse atacada, as outras manteriam a comunicação sem
perdas.
Foi só com o fim da Guerra Fria que essa tecnologia começou a ser disponibilizada
para universidades e era usada principalmente para pesquisas e envio de e-mails.
Os anos 40 foram um grande passo para a independência feminina, mas foi nos
anos 80 que isso ficou claro. Elas não precisavam trabalhar, elas queriam trabalhar. Essa
vontade de poder se apresentou também na moda, com as ombreiras e blazers de corte
reto, que traziam para as mulheres uma postura mais impositiva, sem perder o charme e
a feminilidade.
Ainda nos anos 80, foi criada a MTV (Music Television), um dos grandes marcos
da cultura pop da década. O canal era sediado na cidade de Nova Iorque e originalmente
Dimensões estéticas, cognitivas e tecnológicas de comunicação
Capítulo 8
107
focava em programas de videoclipes apresentados por personalidades da televisão que
eram conhecidos como “video jockeys”, os famosos VJs.
Foi também nos anos 80 que começaram a nomear o cinema como “pós moderno”,
que era tudo o que ia contra as vanguardas e cinema já estabelecido. De acordo com
Mascarello (2006, p. 361), “pós-modernidade diz respeito a um período histórico e pósmodernismo se refere a um campo cultural”. Para entender melhor estes conceitos, vamos
pensar no período histórico da “modernidade”, que começou após a revolução industrial e
o “modernismo” que começou aproximadamente 100 anos depois, com Picasso, Stravinsky
e outros.
Ou seja, nem tudo que surge no período pós-moderno (histórico) é pós modernista.
É no cinema que vemos uma das mudanças nos ícones da época, como por
exemplo a mudança na figura feminina retratada nos filmes. Em 1960, o ideal feminino era
uma jovem mais rebelde, politizada e alheia à sociedade de consumo. Nos anos 80 essa
jovem foi substituída por uma garota igualmente jovem, mas usando um shorts curto e
passeando pela cidade de patins. Essa mudança do perfil da personagem mostra como a
sociedade estava mudando (MASCARELLO, 2006).
Ao analisarmos o filme Blade Runner, de 1982, vemos retratados os temores reais
da época. O filme é ambientado em uma Los Angeles decrépita no ano de 2019, com
uma mixagem étnica muito grande, sendo a maioria da população formada por povos
chineses, ruas destruídas e cheias de lixo, carros voadores (podemos ver isso retratado
em De Volta Para o Futuro, de 1985, mas em uma visão mais fantástica), armazéns vazios
e outros signos, que retratavam a fragmentação e as incertezas para o futuro dessa época
(MASCARELLO, 2006).
2.2 Estética dos anos 90, aspectos da sociedade e superexposição de
celebridades na televisão
Muitos dizem que os anos 90 não deixaram uma marca na história tão forte quanto
os anos 70 ou 80, mas inúmeras coisas ocorreram nesta década e que hoje estão sendo
revisitadas. Foi nos anos 90 que surgiu o movimento Grunge, marcado por bandas como
Nirvana, Pearl Jam e Alice In Chains, com seu estilo despojado (até bastante melancólico),
calças largas, camisas de flanela e tênis All Star. Foi nesta década também que a União
Soviética foi dissolvida oficialmente e teve início a Guerra do Golfo entre Estados Unidos
(liderando um bloco mundial) e Iraque, que ficou muito marcada pela transmissão em
tempo real pelas redes de televisão americanas.
A Guerra do Golfo começou com a invasão do Kuwait pelo Iraque, que estava
insatisfeito com algumas ações do governo do Kuwait, como os acontecimentos da década
de 1980 relacionados com a Guerra Irã-Iraque. Durante essa guerra, o Iraque contou com
o apoio dos EUA que estavam interessados em enfraquecer o Irã e também da Arábia
Saudita e do Kuwait (que emprestou dinheiro para o Iraque). A guerra foi encerrada como
Dimensões estéticas, cognitivas e tecnológicas de comunicação
Capítulo 8
108
empate, mas o apoio recebido pelo Iraque impediu que o resultado fosse negativo para o
país.
Após a guerra, a economia do Iraque entrou em crise, foi necessário aumentar a
arrecadação no país e a maior fonte de renda no momento era o petróleo, mas o valor do
barril era considerado baixo. O governo Iraquiano acusava o Kuwait de ser o culpado pela
alta do valor do petróleo, por extrair mais do que o limite definido pela Organização dos
Países Exportadores de Petróleo, além de extraírem de fontes muito próximas às fronteiras
com o país. O Kuwait começou também a cobrar os valores emprestados durante a guerra.
Todos esses fatores fizeram com que o Iraque começasse uma investida armada
contra o Kuwait, dando início a guerra que durou menos de um ano, mas deixou uma
marca na história dos dois países. Assim que as tropas iraquianas invadiram o país, foi
instaurada a Resolução 660 pelo Conselho de Segurança da ONU (Organização das
Nações Unidas), que determinava a saída imediata deles. O Iraque não cumpriu com a
medida, o que resultou no desembarque de tropas americanas e inglesas no território
saudita. Isso marcava o início das diferentes investidas americanas no oriente médio, que
duram até os dias de hoje.
Essa foi a primeira guerra com cobertura televisiva, que mostrava os horrores do
conflito, estilo “videogame”. As pessoas viram a destruição causada pela guerra da sala
de casa.
Foi também nos anos 90 que Nelson Mandela foi libertado, após 27 anos na cadeia,
marcando uma grande vitória sobre o Apartheid e eleito presidente da África do Sul em
1994.
Os computadores pessoais se tornavam cada vez mais populares e a internet, ainda
que discada, já começava a chegar aos lares das pessoas. A televisão brasileira passou
por um momento bastante obscuro nos anos 90. Com o fim da Ditadura Militar em 1985 e
as leis de repressão e censura, a TV aberta teve um rápido crescimento e o importante era
a audiência. Por isso, valia tudo para manter as pessoas na frente das telas abauladas o
maior tempo possível. Os grandes astros desse período foram os programas de auditório
apresentados por Gugu Liberato, Faustão e Luciano Huck, que foram os protagonistas de
inúmeros episódios lembrados até hoje. Um deles foi o Sushi Erótico, apresentado por
Faustão em 1997, onde artistas que estavam em evidencia no momento eram convidados
ao palco para comer sushi servido diretamente nos corpos quase nus de modelos. Outro
famoso momento foi a Banheira do Gugu, jogo onde dois participantes (geralmente do
gênero oposto) tentavam pegar sabonetes em uma banheira cheia de água, apenas com
roupas de banho (pequenas e cavadas, como era a moda na época).
Foi também nos anos 90 que o pagode e o axé ganharam ainda mais fãs pelo país,
com figuras como Exaltasamba, Raça Negra e É o Tchan!. Assim como a Xuxa tinha suas
paquitas, É o Tchan! tinha sua loira e sua morena do Tchan, realizando inclusive concursos
na TV aberta quando uma das dançarinas iria sair do grupo, para escolher a nova loira e
Dimensões estéticas, cognitivas e tecnológicas de comunicação
Capítulo 8
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a nova morena do Tchan.
Foi no programa do Luciano Hulk que surgiram duas personagens da mídia brasileira dessa época, Tiazinha e Feiticeira, que desfilavam em plena tarde, com roupas sensuais, máscaras e chicotes. Tiazinha se tornou um ícone, lançando inclusive um modelo de
tamanco que acompanhava uma máscara como a que a moça usava.
2.3 Anos 2000: aspectos sociais, globalização e início das redes sociais
Logo no início dos anos 2000, o mundo foi atingido pela notícia do atentado às
Torres Gêmeas do complexo empresarial World Trade Center em 11 de setembro de 2001
quando 19 terroristas sequestraram aviões comerciais e iniciaram os ataques suicidas,
jogando os aviões contra os prédios. Um terceiro avião ainda foi direcionado contra o
prédio do Pentágono, a sede do Departamento de Defesa dos Estados Unidos e um quarto
avião caiu em um campo perto de Shanksville, após os passageiros e tripulantes tentarem
retomar o controle da aeronave. Ao todo, quase 3 mil pessoas foram mortas no atentado,
incluindo todos os passageiros dos aviões e pessoas que moravam em prédios próximos
atingidos pela destruição das Torres Gêmeas. A era do medo recomeçava e agora os olhos
do mundo se voltariam para os países islâmicos.
Como retaliação, os EUA invadiram o Afeganistão, buscando pelos terroristas da
al-Qaeda, que assumiram a culpa pelo atentado. Começava assim a Guerra ao Terror,
com diferentes países reforçando suas leis antiterroristas e aumentando as medidas de
segurança em aviões, além de medidas antes consideradas invasivas. Algumas nações
também começaram a sofrer com o preconceito por associação, como muçulmanos de
diferentes partes do mundo sofrendo retaliações e desconfiança.
Os anos 2000 foram marcados também pela popularização das redes sociais,
principalmente entre os jovens. O termo redes sociais é mais utilizado para social
networkings sites ou sites de relacionamento, como o Facebook ou o Instagram. Nessas
plataformas as pessoas não se relacionam apenas com seus amigos ou seguidores, elas
conseguem expandir o relacionamento para outras pessoas.
Autores como Martino descrevem as redes sociais como “um tipo de relação entre
seres humanos pautada pela flexibilidade de sua estrutura e pela dinâmica entre seus
participantes” que embora muito utilizadas para falarmos de agrupamentos sociais online,
a ideia de redes sociais é um conceito mais antigo, desenvolvido pelas Ciências Sociais
para explicar também alguns tipos de relacionamento entre as pessoas.
Elas são definidas por elementos como seu caráter horizontal, sem uma hierarquia
rígida, diferente dos relacionamentos em instituições sociais que encontramos em nosso
dia-a-dia.
Com as redes sociais as pessoas não só compartilham conteúdos, ideias e
informações, mas debatem sobre. O conjunto de sites que formam as redes sociais tem
como objetivo formar um ambiente favorável à interação social, mesmo que fluída.
Dimensões estéticas, cognitivas e tecnológicas de comunicação
Capítulo 8
110
O autor Luís Mauro Sá Martino faz uma comparação no livro “Teoria das Mídias
Digitais” sobre as instituições nas quais estamos inseridos, como a familiar e a religiosa
com a forma como funcionam os relacionamentos nas redes sociais.
[...] Instituições como a família, o trabalho ou a religião, tendem a ser mais
rígidas para com seus membros do que as redes sociais - não se casa todos
os dias, por exemplo, nem se muda de religião a toda hora. Nas redes, por
seu turno, conexões são criadas, mantidas e/ou abandonadas a qualquer
instante, sem maiores problemas. (MARTINO, 2014. P. 56 e 57).
Com o passar do tempo a internet ganhou um novo formato e uma nova função.
Sites como a Wikipédia, criado em 2001, substituíram as enciclopédias (muitas vezes
desatualizadas), as listas telefônicas também foram substituídas por uma rápida pesquisa
no Google e novos aparelhos e formas de acessar a internet foram desenvolvidas.
O e-mail expandiu-se até sair de moda, substituído por plataformas
de conversação em tempo real, como o Messenger. Ficou fácil publicar
e ter uma presença online, graças às redes sociais. Vieram o Facebook
(2004), o YouTube (2005), o Twitter (2006), o streaming via Netflix (2007), o
Instagram (2010). Todo mundo ficou conectado. O comércio, os serviços, o
entretenimento e a informação tornaram-se online, à distância de uns cliques
(MELO, 2017).
2.4 MTV e seus anos dourados
A MTV (Music Television) nasceu nos anos 80 trazendo uma roupagem jovem que
combinava com a geração da época. O canal focava na apresentação de clipes musicais
e ajudou na divulgação de diferentes artistas. A produção de clipes ainda não era muito
difundida, pois não havia uma plataforma ou meio de divulgação para o trabalho, mas com
o tempo se tornou um dos grandes atrativos para divulgação de novas músicas e álbuns
dos artistas.
Inicialmente a emissora focava no estilo rock ‘n’ roll, mas foi com os clipes de
Michael Jackson que a emissora teve seus primeiros lucros. Em 10 de março de 1983, o
clipe da música Billie Jean foi transmitido pelo canal, se tornando o primeiro clipe de um
artista negro na programação. O especialista Rob Tannenbaum, co-autor do livro “I want
my MTV: The Story Uncensored of The Music Revolution” (Quero minha MTV: A história
se censura da revolução da música, em tradução livre) afirma que “não basta dizer que os
vídeos de Thriller forçaram a MTV a se integrar: Michael Jackson ajudou a salvar a rede
de TV do fechamento”.
A estética do canal começou a se formar a partir disso. A linguagem era jovem,
os apresentadores (VJ’s) usavam gírias, a parte visual e a linguagem do canal eram
voltadas para esse público, que já não se via representado no formato padrão de novelas
e telejornais. Historicamente, os canais de televisão não davam importância para a parte
estética, apenas focavam em questões ideológicas e culturais, como apontam Jacobs e
Peacock (2013).
Dimensões estéticas, cognitivas e tecnológicas de comunicação
Capítulo 8
111
A estética diferente em uma grade televisiva poderia ser vista como uma provocação
para muitos estúdios, principalmente aqueles que ainda se utilizavam do conforto das
tradições midiáticas e sociais. Neste ponto, havia uma grande parcela da sociedade, os
jovens, que estavam sendo ignorados, como afirmou o ator John Schneider ao Wall Street
Journal.
A MTV não só mostrava os videoclipes, toda a programação era voltada para a
música, para o público jovem e eles também apresentavam os artistas. A linguagem do
canal também era bastante interativa, o público participava da construção do canal, como
os programas de batalhas de clipes onde os espectadores escolhiam por meio de uma
votação qual seria o próximo clipe exibido no canal.
Em 1983 surgiu a campanha “I want my MTV”, que colocou o canal no mapa dos
investidores, a MTV vendeu mais anúncios no primeiro trimestre de 83 do que em todo o
ano anterior e a partir daquele momento “VJ’s não teriam mais que explicar sua profissão
para amigos e familiares. Eles estavam recebendo individualmente mais de 200 cartas de
fãs por semana” (DESINOFF, 1988).
2.5 Atualidade? A volta da estética dos anos 80/90
O ano é 2016, a geração Y, predominante nos anos 90 está se tornando adulta,
trabalhando e ganhando seu próprio dinheiro. O mundo evoluiu, carregamos computadores
melhores e mais potentes do que os que levaram o homem para a lua em nossos bolsos,
sem nem nos darmos conta de como tudo aconteceu. A turbulência da sociedade atual
acaba trazendo uma necessidade de nostalgia, de um sentimento de casa.
Há uma regra não escrita que diz que, a cada 20 anos, a sociedade passa
por uma onda de nostalgia. Ela nem sempre é experimentada da mesma
forma. Na década de 1940, o saudosismo pelos anos 1920 clamava pela
volta da era do jazz, um tempo de festa e prosperidade dizimado pela Grande
Depressão de 1929. A nostalgia da década de 1960 carregava consigo o
desgosto dos hippies e rebeldes que desejavam mudar o mundo, mas se
acomodaram. Na nossa era, não se faz mais nostalgia como antigamente.
O saudosismo não está relacionado ao mundo em que desejávamos viver
ou a quem aspirávamos ser, mas está focado em aparelhos, roupas,
entretenimento e outros objetos de consumo. (FINCO, 2016, s/p).
No meio dessa onda turbulenta, surge o famoso Pokémon Go, jogo de realidade
aumentada baseado na série animada japonesa e franquia de jogos Pokémon, famosa nos
anos 90. A nostalgia causada pelo jogo torna ele um fenômeno entre os mais velhos, além
de conquistar novos públicos a partir de sua roupagem mais moderna.
O mesmo ocorreu com a série Stranger Things, veiculada pela plataforma de
streaming Netflix desde 2016. Ambientada na década de 80, a série mistura ficção científica,
terror e suspense com uma boa dose de drama adolescente e conquistou públicos de
diferentes idades. Um diferencial é a volta da atriz Winona Ryder, muito famosa nos anos
90, que ficou afastada dos holofotes na década de 2000 após problemas pessoais. Ela é
Dimensões estéticas, cognitivas e tecnológicas de comunicação
Capítulo 8
112
a cara dos anos 90, sendo lembrada por Beetlejuice e Edward Mãos de Tesoura, ambos
de Tim Burton.
Na moda também vemos essa retomada da estética dos anos 80/90, com as
famosas mom jeans (calças jeans de cintura alta e normalmente mais largas), pochetes e
estampas que fizeram muito sucesso em 80, além do estilo Grunge dos anos 90 com uma
nova roupagem, mais alternativa e despreocupada.
Mas porque estamos apostando tanto no passado, como alternativa para o futuro?
Primeiro devemos considerar que tudo o que fazemos, usamos, assistimos ou
compramos, já existiu de alguma forma. Apostamos nessas tendências do passado pois
é mais fácil se encontrar e ficar confortável com algo que já é costumeiro do que arriscar
algo novo, sem a certeza de que aquilo dará certo. Esse é um dos pontos da Modernidade
Líquida, teoria do sociólogo Zygmunt Bauman. Ele surge com o tempo “líquido” ou “fluido”
para falar das relações entre as pessoas e das pessoas com as coisas. Sempre quando
queremos algo, abrimos mão de algo igualmente valioso.
Os homens e as mulheres pós-modernos trocam um quinhão de suas
possibilidades de segurança por um quinhão de liberdade. Os mal-estares
da modernidade provêm de uma espécie de segurança que tolerava uma
liberdade pequena demais na busca da felicidade individual. Os mal-estares
da pós-modernidade provêm de uma espécie de liberdade de procura do
prazer que tolera uma segurança individual pequena demais. (BAUMAN,
1997).
Ou seja, antigamente as pessoas trocavam um pouco de sua liberdade por
segurança, já hoje, trocam a segurança por um pouco mais de liberdade. Mas então,
porque investir em algo que pode mudar também rapidamente?
Pelo sentimento de nostalgia que já abordamos. É mais fácil aceitar, entender algo
que já aconteceu do que começar do zero, mesmo que a ideia de começar do zero já não
seja completamente verdade. Tudo o que fazemos já foi pensado ou imaginado em algum
momento, mas agora temos liberdade para fazer aquilo pois já sabemos qual é o início, o
meio e o fim.
2.6 Aspectos da sociedade atual que dialogam com os anos 90
2.6.1 Sexualização das celebridades (antes na televisão, agora nas
redes sociais)
A televisão brasileira passou por um período de liberdade exacerbada nos anos
1990. Como já citado, as emissoras abertas estavam em constante busca por audiência e
aproveitando o fim da ditadura e da censura, apostaram em quase tudo.
A sexualização das celebridades era explícita, era normal ver celebridades de biquíni
e sunga completamente molhados, no programa de domingo à tarde. Ocultar mensagens
em letras de música foi muito comum nos anos da ditadura, normalmente mensagens de
protesto como na música “Cálice” de Chico Buarque, mas isso continuou acontecendo nos
Dimensões estéticas, cognitivas e tecnológicas de comunicação
Capítulo 8
113
anos 90, agora com mensagens sexualizadas e muitas vezes sexistas.
Hoje em dia vivemos a era da internet, onde temos acesso ao mais diversos conteúdo
que podemos imaginar. Uma nova categoria de personalidades surgiu, os influencers.
Influencers são pessoas que compartilham seu estilo de vida com o público pelas
redes sociais, o que acaba “influenciando” muitas pessoas. Essas novas celebridades
podem receber patrocínio de algumas marcas, como uma influencer fitness que recebe
patrocínio de uma marca de suplementos esportivos e faz a divulgação daquela marca, a
chamada parceria.
Um estudo pelo NIMD (Núcleo de Inovação em Mídia Digital) da FAAP (Fundação
Armando Álvares Penteado) em parceria com a plataforma Socialbakers aponta que o
número de seguidores dos influencers subiu aproximadamente 17,3% (no Instagram) nos
primeiros 3 meses da pandemia do novo Coronavírus, em 2020. Para seguir as regras de
isolamento social, a tela do celular se consolidou como nossa janela para o mundo.
O ideal estético é variável e muda de acordo com o país e a época da qual estamos
falando. Se pensarmos nos anos 50, o ideal de beleza eram as Pin Ups, atualmente na
Ásia, quanto mais magra e com a pele mais clara, mais bonita a mulher é, já no Marrocos,
o ideal de beleza feminino é uma mulher misteriosa e curvilínea.
Mas e quando nos vemos longe desse padrão?
Grande parte da indústria da moda, que ainda mantém padrões corporais congelados,
com medidas quase impossíveis de serem alcançadas. Mas hoje as passarelas e revistas
foram substituídas pelas redes sociais, não é mais necessário abrir uma revista para ver
os corpos idealizados, eles saltam aos nossos olhos quando abrimos as redes sociais.
A sexualização das modelos e influencers pode ser comparada ao que ocorria na
televisão nos anos 90 e as meninas acabam sendo bastante influenciadas por isso. Um
exemplo é a cantora Melody, atualmente com 14 anos. O pai da cantora, Thiago Abreu,
conhecido como Mc Belinho foi investigado pelo Ministério Público de São Paulo sob
suspeita de violação ao direito ao respeito e à dignidade da criança/adolesce, pelo visual
sexualizado e adultizado da menina que usava salto alto, roupas curtas e maquiagem
carregada em seus clipes. As letras de suas músicas, produzidas pelo pai, também traziam
um teor sexual muito grande. Após o início do inquérito algumas letras foram reformuladas,
além do visual da cantora que ficou mais condizente com sua idade.
Infelizmente novas polêmicas surgiram em 2019, quando o Youtuber e Influencer
Felipe Neto se mostrou indignado, dizendo que já havia tentado ajudar, e que o pai da
menina prometeu melhorar, mas tudo estava pior. Na época, a menina tinha 11 anos.
A sensação de insuficiência e não pertencimento que não estar nesses padrões
pode causar, trazem consequências para a vida das pessoas, principalmente de meninas
mais novas que ainda não tem uma personalidade e mentalidade sociais completamente
formadas.
Muitas celebridades já conhecidas têm levantado bandeiras pela aceitação dos
Dimensões estéticas, cognitivas e tecnológicas de comunicação
Capítulo 8
114
corpos. Taís Araújo (42), atriz brasileira, brinca em uma publicação no Twitter sobre seus
filhos terem dito que sua perna tem consistência de amoeba e é cheia de furinhos.
Figura 1 – Comentário da atriz Taís Araujo.
Fonte: Twitter (2021).
2.6.2
Porque a estética de MTV dos anos 90 seria atrativa para a nova
geração
Ao analisarmos o contexto no qual a geração jovem dos anos 90 estava inclusa,
percebemos uma juventude perdida em relação aos ideias, melancólica e apática, que
se via pouco representada na mídia tradicional e se identificava com as tristes letras do
Nirvana.
With the lights out, it’s less dangerous (Com as luzes apagadas é menos
perigoso) Here we are now, entertain us (Estamos aqui agora, nos
entretenha)
I feel stupid and contagious (Me sinto estúpido e contagioso)
Here we are now, entertain us (Estamos aqui agora, nos entretenha)
A mulatto, an albino (Um mulato, um albino)
A mosquito, my libido (Um mosquito, minha libido)
Yeah, hey, yay
I’m worse at what I do best (Sou o pior no que faço de melhor)
And for this gift I feel blessed (E por essa dádiva me sinto abençoado)
Our little group has always been (Nosso pequeno grupo sempre foi assim)
And always will until the end (E sempre será até o fim)
Smells like teen spirit - Nirvana 1991
A música Smells Like Teens Spirit do Nirvana, gravada em 1991, fala muito sobre
a sociedade da época e mostra essa melancolia. Não existia mais uma razão real para
Dimensões estéticas, cognitivas e tecnológicas de comunicação
Capítulo 8
115
aquela geração, algo que desse um impulso para o crescimento dos jovens. Na televisão
apenas programas voltados para adultos, programas de auditório que não chamavam
atenção. Jornais com uma estética parada no tempo. Programas que duravam horas e
ocupavam toda a grade de domingo.
E em meio ao “quadrado”, o caos. A MTV trazia uma estética de cortes rápidos,
conteúdo feito de jovens para jovens. A grade interativa fazia o jovem da época se sentir
mais importante, “eles querem a minha opinião, mesmo que seja na próxima música que
vai tocar”. A geração 90 foi uma geração que precisava ser ouvida, mas não tinha para
quem gritar.
Nos anos 2000 e toda a guerra ao terrorismo, surgiu novamente um ideal pelo qual
lutar. A polarização política também começou a crescer nesse período, junto com as redes
sociais e a popularização do meio para mostrar sua voz e dar sua opinião.
3 | CONSIDERAÇÕES FINAIS
Chegamos então na atual geração, os famosos Millennials (ou geração do milênio),
nascida a partir dos anos 2000 e que cresceram junto com a internet. Essa geração traz
traços marcantes da modernidade líquida de Bauman, como o desapego e a segurança
sendo deixada de lado pela liberdade.
Como a linguagem da MTV dos anos 90 seria interessante para essa geração,
agora com seus 20 anos?
Se pensarmos pelo ponto de vista visual, a programação da MTV era cheia de
cortes rápidos, vinhetas que misturavam colagem, recorte, grafite e outras formas de arte,
troca rápida de câmera e outros elementos que também são encontrados nos filmes da
época, como os filmes de Guy Ritchie e Quentin Tarantino.
O cinema pós-moderno assume um caráter híbrido e opera com elementos do
cotidiano das massas como videoclipes, propagandas, trazendo um cinema muito mais
representativo e compreensivo, com uma linguagem rápida e acessível para todos. Essa
linguagem pode ser vista também no canal de televisão MTV (Music Television), que
mesmo com sua estética inovadora, não deixou de se comprometer com o capital e as
propagandas, como qualquer empresa multinacional. Por isso a linguagem dos videoclipes
foi muito utilizada no cinema, pois levava uma rápida compreensão, era algo rotineiro para
os mais jovens.
Atualmente passamos por mais uma crise geracional. Os mais novos, com seus
12/15 anos, já cresceram com a internet, com a exposição e as facilidades que ela trouxe
para nosso dia a dia. O que antes era uma janela para sairmos da nossa realidade, tornouse nossa realidade.
Atualmente o canal MTV Brasil não funciona na TV aberta, tendo sua programação
encerrada no dia 30 de setembro de 2013. Com a mudança de público, o canal também
Dimensões estéticas, cognitivas e tecnológicas de comunicação
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precisou passar por algumas atualizações e atualmente aposta em reality shows como “De
féria com o ex”, que fazem bastante sucesso. Grande parte da programação é uma versão
brasileira dos programas apresentados na matriz americana.
A programação da MTV Brasil é facilmente encontrada no site da própria emissora,
que serve apenas para apresentar os programas e a grade da programação. Diferente das
vinhetas bem trabalhas da antiga emissora, o site é bastante simples e básico, com uma
interface comum e com grande usabilidade, mas poucas funções. Diferentes temporadas
dos programas foram vendidas para plataforma de streaming mais famosas, além de
contarem com seu próprio canal de streaming, a MTV Play. Além disso, muitas redes de
televisão por assinatura transmitem o canal.
Acredito que a linguagem da MTV é interessante para conversarmos com as novas
gerações, abordando assuntos sérios de uma forma descontraída, utilizando plataformas
que já são familiares para eles (por que não dizer nós?), de fácil
compreensão e
principalmente, que chamem atenção. Ninguém vai parar na frente do computador ou do
smartphone por 10 minutos para ver um vídeo que é de seu interesse, por isso, acredito
que utilizar a linguagem proposta para dialogar verdadeiramente com os jovens sobre
assuntos relevantes e muitas vezes apresentados de forma maçante seja um bom caminho
para a comunicação.
Os jovens não são o futuro do país? Então vamos tornar o país ao menos um clique
melhor.
AGRADECIMENTOS
Deixo um agradecimento especial para os professores Anderson Costa e Cristian
Cipriani, que me auxiliaram muito na construção do presente trabalho. Além deles,
agradeço também ao professor Fábio Lúcio Zanella, meu guru na caminhada acadêmica e
Luiz Carlos Machado, quem plantou a sementinha há tantos anos.
Obrigada pessoal.
REFERÊNCIAS
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da sociedade. 2015. Disponível em: https://portalintercom.org.br/anais/nacional2015/resumos/R103357-2.pdf
BAUMAN, Zygmunt. O mal-estar da pós-modernidade. Polity Press, Cambridge, Inglaterra. 1997.
CASTELLS, Manuel. A sociedade em rede: A era da informação: economia, sociedade e cultura.
v. 1; 10 edição, São Paulo, Paz e Terra, 2007.
COSTA, Bárbara Regina Lopes. A Internet e a hibridização das mídias. 2013. Universidad de La
Empresa, Uruguai. Disponível em: <https://www.researchgate.net/profile/Barbara-Regina-Costa/
publication/306107242 _A_Internet_e_a_hibridizacao_das_midias/links/57b1efe508ae15c76cbb352b/A
Internet-e-a-hibridizacao-das-midias.pdf >. Acesso em: 20 mar. 2021.
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Capítulo 8
117
DESINOFF, Serge R. Inside MTV. Primeira publicação, Transaction Publishers, 1988.
FINCO, Nina. A nostalgia dos anos 90. In. Revista Época, 2016.
FUNDAÇÃO ARMANDO ALVARES PENTEADO. Dados do estudo #MS360FAAP mostram que
início da quarentena causada pela Covid-19 impulsionou os perfis de criadores de conteúdo
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Dimensões estéticas, cognitivas e tecnológicas de comunicação
Capítulo 8
118
CAPÍTULO 9
A TELEVISÃO TEM FUTURO? UMA ANÁLISE
SEMIÓTICA DA ÚLTIMA VINHETA DA MTV BRASIL
Peirceana; Televisão.
Data de aceite: 01/05/2022
Data de submissão: 07/04/2022
1 | INTRODUÇÃO
Darly Gonçalves de Souza Júnior
Centro Universitário Faesa
Vitória - Espírito Santo
Victor Reis Mazzei
Centro Universitário Faesa
Vitória - Espírito Santo
O ano de 2013 foi palco dos protestos
que aconteceram em todo o país e são
lembrados pela sua repercussão. Com início
em São Paulo, no mês de janeiro, por conta
do aumento de R$ 0,20 na tarifa de ônibus, as
manifestações ganharam força e, em junho, o
movimento reuniu milhões de pessoas em todo
o país. Conhecido como “Jornadas de junho”,
RESUMO: O ano de 2013 marcou o encerramento
das atividades da MTV Brasil na televisão aberta,
sob gestão da Abril Radiodifusão. Após 23 anos
de transmissão do canal, que abordou música,
comportamento, entre outros assuntos por meio
de uma linguagem direta com seu público jovem, a
marca foi devolvida para a Viacom, conglomerado
americano dono do formato. Entretanto, antes
do fim, o canal, conhecido por fazer do intervalo
comercial uma atração, produziu a vinheta “A
Televisão Tem Futuro?”, que questiona o destino
da TV como meio de comunicação de massa,
haja vista tantas inovações e concorrentes, como
o streaming. O objetivo deste artigo é analisar,
sob o ponto de vista da semiótica peirceana,
quais elementos serviram de base para criação
e como foram representados, fazendo com
que possamos entender melhor a mensagem
transmitida na produção. Como conclusão,
percebe-se a utilização de referências da história
da comunicação no Brasil que dialogam com a
própria história da MTV Brasil.
PALAVRAS-CHAVE: MTV Brasil; Semiótica
Dimensões estéticas, cognitivas e tecnológicas de comunicação
foi uma das maiores mobilizações coletivas da
história recente do país. Movidos pelo grito de
guerra “Vem pra rua”, era uma demonstração
da insatisfação da população com a política, a
educação, a saúde e tantas outras situações,
que questionava o fato do país ter investido
bilhões de reais em estádios para a Copa do
Mundo de 2014.
No
entretenimento,
o
YouTube
já
figurava como principal fonte de divulgação
de videoclipes, além de ser berço de diversos
canais de conteúdo. A Abril Radiodifusão
promoveu cortes na MTV Brasil, demitiu de VJs e
decidiu seguir com reprises na programação até
seu fim, em 30 de setembro de 2013. Alguns dos
canais de TV aberta convencionais praticavam o
arrendamento de horários de sua programação
para igrejas e grupos religiosos. Antes do seu
fim, em meio a tantos acontecimentos, o primeiro
canal de televisão segmentada no Brasil deixou
Capítulo 9
119
uma mensagem por meio de uma vinheta em que retratava o momento vivido no país.
Nela, dentre vários elementos, apresentava jovens protestando e igrejas tomando conta
da televisão.
Nesse sentido, este artigo tem como principal proposta fazer uma análise e
compreender como os acontecimentos daquele momento foram utilizados na elaboração
do material audiovisual, e de que forma foram apresentados no filme produzido pela então
MTV Brasil, em 2013. O objetivo principal é entender quais elementos foram representados
na vinheta “A Televisão Tem Futuro? ”.
Com base nos conceitos da semiótica peirceana, conforme descrito por Santaella
(1983), essa linguagem se utiliza de signos para produzir sentidos. Como base teórica, a
semiótica é utilizada, pois, segundo Perez (2004) a teoria possui as qualidades necessárias
para descrever tudo o que é comunicado em uma mensagem. A metodologia de pesquisa
utilizada para analisar materiais audiovisuais foi a de Coutinho (2014), em que é feita a
leitura, a interpretação do conteúdo e a sua conclusão. A autora sugere a transcrição dos
elementos visuais do filme, para que possam ser analisados por meio de uma forma textual.
Portanto, no processo de análise, as informações visuais foram transformadas em texto,
para compreender melhor o enredo e demais acontecimentos nas cenas. A partir disso, foi
possível entender e sequenciar as referências utilizadas por meio do signo índice.
2 | MTV
Segundo Pedroso et al(2006), a MTV Networks foi criada em 1981, pela Amex
Satellite Entertainment Company, uma empresa parte do grupo Warner Bros. A intenção
de criar um canal voltado para música veio da indústria fonográfica dos Estados Unidos,
que precisava se reinventar e encontrar novos mercados para superar a queda nas vendas
da década de 1970. Em 1º de agosto de 1981, nos Estados Unidos, entra no ar a Music
Television. A primeira cena transmitida pelo canal foi de um astronauta chegando à lua,
fincando uma bandeira com o logo do canal. A imagem transmitia um pouco da proposta
da emissora: conquistar um novo espaço, jamais alcançado anteriormente. Para completar
a mensagem do que era aquela novidade, o videoclipe inaugural foi “Video killed the radio
star”, dos Buggles. A proposta principal do canal era falar de música, comportamento e tudo
que era de interesse de seu público, com linguagem jovem e direta.
Segundo Muanis (2014), a sede da MTV fica localizada em Nova Iorque, na Times
Square. Atualmente, o canal pertence ao conglomerado de mídia Viacom, no qual fazem
parte o canal CBS, a Paramount Filmes, Nickelodeon, VH1, Comedy Central, dentre outros
veículos de comunicação. A marca MTV se tornou uma das ramificações mais rentáveis do
grupo, atingindo o número de 52 emissoras em todos os continentes.
Dimensões estéticas, cognitivas e tecnológicas de comunicação
Capítulo 9
120
2.1 MTV Brasil
Em 1990, a emissora musical desembarcou no Brasil, por meio de uma joint venture
formada pela Viacom e a Abril Radiodifusão. O canal chegou com a mesma proposta da
matriz americana e, acrescida de um desafio: colocar em prática o conceito de “glocal”, que
se baseava no incentivo à produção local e a identidade própria das MTVs de cada país. O
termo é um neologismo com a mistura das palavras “global” e “local”, buscando representar
a identidade local do canal, contemplando também as tendências mundiais às quais a MTV
está conectada. “Eles sempre incentivaram que todos tivessem sua própria identidade, de
acordo com a cultura local de cada um. Inventaram até uma palavrinha para denominar
isso: ‘glocal’ (global+local)” (GOES, 2014, p. 17).
A arte maior da MTV se expressava por meio de suas vinhetas, que
transformaram o break comercial – que é tradicionalmente encarado como
o momento para mudar de canal ou se levantar para ir ao banheiro – em um
produto interessante de assistir. Essa estratégia inteligentíssima veio da MTV
americana. Lá, a fórmula da emissora já era essa: videoclipes, VJs e vinhetas.
(GOES, 2014, p.54).
No dia 30 de setembro de 2013, a MTV Brasil fez sua última transmissão, um
programa transmitia ao vivo uma festa com ex-VJs que fizeram parte da história do canal.
Para fechar a programação, Astrid Fontenelle, que, por sinal, fez a primeira aparição
no canal, fez o discurso de encerramento, anunciando o último clipe exibido pelo canal,
“Maracatu Atômico” de Chico Science e Nação Zumbi (Imagem 1). Terminava ali uma parte
da história da televisão brasileira.
Imagem 1 - Videoclipe “Maracatu Atômico” de Chico Science e Nação Zumbi.
Fonte: YouTube1.
1 Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=_G63uF288T4>
Dimensões estéticas, cognitivas e tecnológicas de comunicação
Capítulo 9
121
3 | SEMIÓTICA PEIRCEANA
Como descreve Santaella (1983), a semiótica peirceana tem como pai o cientistalógico-filósofo Charles Sanders Peirce, que a concebeu, no início, como uma teoria geral
dos signos ou semiótica. A autora define a semiótica peirceana como uma espécie de
filosofia científica da linguagem, em que Peirce considera toda produção, realização e
expressão humana como uma questão semiótica. Na visão de Perez (2004), os signos
da semiótica são quaisquer elementos utilizados para representar algo; eles podem ser
palavras, sons, símbolos, fragrâncias, marcas etc. Os signos transmitem mensagens,
ideias, informações, pensamentos e até ordens, uma vez que eles sempre remetem a um
significado. Um exemplo: quando uma silhueta de um cão é desenhada, torna-se possível
relacionar ao animal, lembrando o nome da espécie e o som que emite, além de outras
informações.
3.1.1
Ícone
A autora Santaella (1983) define o ícone como um signo que demonstra semelhança
com um objeto real. Mazzei et al. (2018) ainda reforça que a representação feita pelo tipo
de signo não propicia dificuldade para que essa semelhança seja notada. Exemplos mais
comuns de ícones são fotografias, desenhos e estátuas.
3.1.2
3Índice
De acordo com Santaella (1983), o índice estabelece, por meio de experiências,
associação entre uma coisa e outra. Mazzei et al (2018) aponta que é necessário relembrar
e relacionar situações vivenciadas anteriormente para que se entenda a real função do
índice como um signo. Essa conexão estabelecida pode também variar de acordo com o
repertório de quem lida com ele. Desde a expressão das pessoas, que pode representar
um estado de humor, até associações, como o som de trovões ou céu se fechando que
podem indicar um temporal.
Como exemplo, a seguir temos as imagens 2 , 3 e 4, do Professor Xavier, da série
animada “X-Men Evolution”, uma das produções da saga dos heróis, que hoje pertence à
Marvel Studios. Por semelhança, nota-se uma proximidade com o personagem de Cazé
Peçanha no desenho “Megaliga MTV de VJs Paladinos”, produzido pela MTV Brasil. Há
a possibilidade de que o personagem norte-americano tenha sido uma referência para a
criação brasileira. Todas as evidências, por mais que inconclusivas, nos levam a especular
tal inspiração.
Dimensões estéticas, cognitivas e tecnológicas de comunicação
Capítulo 9
122
Imagem 2 - Série “X-Men Evolution” Warner Bros. Television Distribution.
Fonte: site Fandom.com.
Imagem 3 - O VJ Cazé Peçanha no Notícias MTV.
Divulgação MTV Brasil.
Dimensões estéticas, cognitivas e tecnológicas de comunicação
Capítulo 9
123
Imagem 4 - Cazé Peçanha em sua versão no desenho “Megaliga MTV de VJs Paladinos”.
Fonte: Minilua.com.
3.1.3
Símbolo
A última classificação dos signos é o símbolo. Para que haja a compreensão de
um signo é necessário, primeiro, aprender o que ele significa, pois são elementos que
não se baseiam em semelhanças, aparências etc. É o único das manifestações com
tal característica. Para exemplificar, para entender a função da placa de trânsito “Dê
a preferência” (Imagem 5), primeiro é preciso estudar e conhecer seu significado para
compreender sua utilidade.
Imagem 5 – Placa de trânsito “Dê a preferência”.
Fonte: profixdigital.com.br.
Dimensões estéticas, cognitivas e tecnológicas de comunicação
Capítulo 9
124
Peirce (2015) define o símbolo como um signo que produz uma conciliação de ideias
com a intenção de fazer com que algo seja interpretado como se referindo a determinado
objeto. Outro exemplo de símbolos são os de ordem religiosa. Para grande parte das
pessoas, é fácil relacionar a imagem da cruz com a religiosidade, a história de Jesus e
muitos outros rituais do cristianismo, uma vez que fomos habituados a entender todo o
significado que os símbolos da igreja cristã carregam por trás.
4 | ANÁLISE
A partir da análise é possível compreender melhor os significados e sentidos
produzidos na vinheta “A Televisão Tem Futuro?”. De uma forma geral, o signo que mais se
destaca na análise é o índice, já que a produção se utiliza de diversas referências, o que
demanda repertório e associação.
Imagem 6 - Cena da vinheta “A Televisão Tem Futuro?”.
Fonte: YouTube2.
A vinheta é ambientada em um cenário de manifestações. Jovens molham as mãos
em um líquido vindo de uma garrafa, o cenário é urbano e esfumaçado. Por meio do índice,
é possível sugerir que o cenário retrata o momento vivido no país na época: as Jornadas
de Junho. A audiência da MTV é formada basicamente por jovens, que, por sinal, também
era o principal público presente nos protestos. A garrafa que aparece na imagem 6 é
uma representação icônica do vinagre, amplamente utilizado para neutralizar os efeitos
das bombas de gás lacrimogêneo, lançadas para dispersar a multidão e enfraquecer o
movimento.
2 Disponível em: < https://www.youtube.com/watch?v=DkW_1WN_ZZE >. Acesso em 25 jul. 2021.
Dimensões estéticas, cognitivas e tecnológicas de comunicação
Capítulo 9
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Imagem 7 - Cena da vinheta “A Televisão Tem Futuro?”.
Fonte: YouTube3.
Aos 3 segundos do vídeo, os jovens aparecem com televisores iconicamente
substituindo suas cabeças. Estão posicionados como uma barreira. Vestem camisas
brancas e jeans. Os televisores exibem algumas imagens do canal e algumas falas de VJs,
em momentos que marcaram o canal. Do ponto de vista indicial, são críticas à situação que
envolve o fim da MTV Brasil.
Imagem 8 - Cena do comercial “Passeata”, Staroup Jeans.
Fonte: YouTube4.
Conhecida por dar voz ao jovem, a MTV Brasil possivelmente quis indicar a
importância do jovem, para isso, utilizou-se, por meio do índice, a forte referência de uma
premiada campanha brasileira que se baseou nos protestos contra a Ditadura Militar no
3 Disponível em: < https://www.youtube.com/watch?v=DkW_1WN_ZZE >. Acesso em 25 jul. 2021.
4 Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=6ZkVvJ7DyRU>. Acesso em 25 jul. 2021.
Dimensões estéticas, cognitivas e tecnológicas de comunicação
Capítulo 9
126
país, a “Passeata”, da Staroup Jeans.
Produzida na década de 80, quando a MTV ainda não havia chegado ao Brasil,
a peça “Passeata” levou o Leão de Ouro em Cannes, 1988. A criação foi de Washington
Olivetto e Nizan Guanaes, agência GGK. Protagonizada por jovens que se demonstram
ousados, com personalidade e destemidos, é uma possível personificação da própria MTV
Brasil, que sempre teve a filosofia de “colocar o dedo na ferida”.
Imagem 9 - Cena da vinheta “A Televisão Tem Futuro?”.
Fonte: YouTube5.
Em meio a cenas em que os policiais perseguem e agridem os jovens, uma frase
diferente das anteriores é ouvida: “Tudo o que acontece aqui é pecado e perdição. Isso é o
demo, é o demo (eco).” Pela entonação e conteúdo, isso nos indica a possível fala de um
pastor. Enquanto a expressão “é o demo” ecoa, a TV (que iconicamente substitui a cabeça
do jovem) é espancada e destruída.
A cena indica a invasão de pastores e igrejas que, ainda hoje, hoje afetam a televisão
aberta por meio dos horários arrendados e até o aluguel de concessões. De acordo com
a Lei Geral da Radiodifusão (Lei Federal 4.117/1962) e pelo Decreto 52.795/1963 a venda
(ou aluguel) de horários de emissoras não deve ultrapassar o limite de 25% do espaço da
programação, marca que não é respeitada por alguns canais.
5 Disponível em: < https://www.youtube.com/watch?v=DkW_1WN_ZZE >. Acesso em 25 jul. 2021
Dimensões estéticas, cognitivas e tecnológicas de comunicação
Capítulo 9
127
Imagem 10 - Cena da vinheta “A Televisão Tem Futuro?”
Fonte: YouTube6.
Aos 20 segundos do filme, as cenas de agressão aos jovens continuam, e outro
áudio, com você chorosa, em off é reproduzido: “Esse foi meu último Disk MTV.” O referido
áudio foi extraído do último dia da VJ Sabrina Parlatore na apresentação do programa Disk
MTV, clássica parada diária de clipe do canal, em 2000. O choro da VJ pelo fim de uma
era nos indica uma situação parecida, vivenciada no rádio com outro clássico, o Repórter
Esso. O formato da MTV sofreu um “duro golpe” com a chegada da internet. Com a era dos
clipes no YouTube, a audiência não precisava mais esperar que seu clipe favorito passasse
na TV.
Imagem 11 - Repórter Esso.
Fonte: Acervo O Globo.
6 Disponível em: < https://www.youtube.com/watch?v=DkW_1WN_ZZE >. Acesso em 25 jul. 2021.
Dimensões estéticas, cognitivas e tecnológicas de comunicação
Capítulo 9
128
O Repórter Esso encerrou sua versão radiofônica em 1968, após 27 anos no ar.
Assim como Sabrina, Roberto Figueiredo, aos prantos, fez sua última locução. O programa
havia migrado do rádio para a TV. A razão é que, na época, a televisão vinha ganhando
espaço no país e, até então, era vista como uma ameaça para o rádio como meio de
comunicação. De forma semelhante, com o fim da MTV Brasil também tem a ver com outro
meio que ganhou força, a internet. A adaptação às novas mídias se mostrou um desafio do
Grupo Abril, proprietário da MTV Brasil até 2013. Até então, focada em publicações como
Veja, Superinteressante, Capricho, Playboy, entre outras, o grupo entrou para o mercado de
televisão nos anos 1990. Porém, como editora, a Abril migrou do sucesso, dominando mais
de metade do mercado de revistas no país na era pré-internet, ao fracasso, acumulando
dívidas que chegaram a R$ 1,6 bilhão, sendo vendida pelo valor de R$ 100 mil, em 2018.
Segundo Goes (2014), a MTV não acompanhou devidamente o advento das novas mídias.
A tecnologia, em especial à internet, poderia inclusive estreitar a forma em que o canal se
relacionou com o jovem. O autor afirma que, apesar de, na sua origem a MTV transmitir
os ideais de ser um canal jovem e vanguardista, a partir da difusão e maior popularização
internet essas características foram abandonadas.
Imagem 12 - Cena da vinheta “A Televisão Tem Futuro?”.
Fonte: YouTube7.
Ao final do vídeo, a imagem 12 ilustra o momento em que a cena está em primeira
pessoa, como se estivéssemos no ponto de vista de um dos jovens. Um dos homens, que
representa iconicamente um suposto policial, pisa na tela, destruindo a televisão. Em off, é
7 Disponível em: < https://www.youtube.com/watch?v=DkW_1WN_ZZE >. Acesso em 25 jul. 2021.
Dimensões estéticas, cognitivas e tecnológicas de comunicação
Capítulo 9
129
possível ouvir a fala do cantor Lobão, que também foi apresentador do canal: “A gente tá
terminando e eu tô emocionado com esse papo.” A cena indica a questão da “destruição”
ou a depredação da televisão como meio de mídia. A frase do ex-VJ insinua a emoção do
fim de uma história de 23 anos de um canal jovem, ousado, destemido, à frente de seu
tempo. Por fim, a voz padrão do canal deixa a seguinte pergunta: “A televisão tem futuro?”
e o logo da MTV é exibido.
5 | CONSIDERAÇÕES FINAIS
Por meio da vinheta analisada por este artigo, a MTV Brasil questiona se a própria
televisão terá futuro, se saberá reinventar-se em meio à tantas mudanças e à invasão
de horários alugados. O canal sempre procurou estar à frente de seu tempo, tanto que,
quando o streaming não tinha a popularidade de hoje, lançaram sua própria plataforma, o
MTV Overdrive. Porém, em seus últimos anos, parece que faltou delinear uma estratégia
para produzir conteúdo onde seu público estava: na internet. A MTV Brasil pode não ter
se adaptado aos novos hábitos das mais novas gerações. Porém, apesar de ter partido, o
canal deixa um legado de fãs .
Do ponto de vista teórico, para se fazer a análise das imagens, a semiótica peirceana
se mostra relevante para que possamos examinar a produção de significados e, também,
buscar entender, de fato, a mensagem a ser passada, quais as referências utilizadas em
uma produção audiovisual. Ao permitir desvelar os significados de uma obra, a semiótica
permite compreender as intenções dos autores da obra na criação do filme, quanto para o
processo de se compreender seus significados.
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Dimensões estéticas, cognitivas e tecnológicas de comunicação
Capítulo 9
131
CAPÍTULO 10
SUBSÍDIOS TEÓRICOS PARA ANÁLISE DOS
DIÁLOGOS INTERTEXTUAIS, INTERDISCURSIVOS
E TRANSMIDIÁTICOS NA COMUNICAÇÃO
Data de aceite: 01/05/2022
Denise Azevedo Duarte Guimarães
Doutora em Estudos Literários pela UFPR
e Docente Aposentada da mesma IES. Atua
como Professora Programa de Mestrado e
Doutorado em Comunicação e Linguagens
da Universidade Tuiuti do Paraná. É
Coordenadora da Linha de Pesquisa Estudos
de Cinema e Audiovisual do PPGCom/UTP.
Integra o Grupo de Pesquisa Comunicação,
Imagem e Contemporaneidade- CIC- UTP/
CNPq (parceria CIAC, Portugal) e o GP
Representações simbólicas do espaço urbano
em narrativas audiovisuais – GRUDES/UTP/
CNPq. Tem inúmeros artigos e capítulos
publicados; e vários livros. Associada da ABEC.
É Editora Científica da Revista INTERIN.
http://orcid.org/0000-0002-8334-5463
semiose cultural, uma vez que todo processo de
produção sígnica sempre lança mão do já feito
anteriormente. A retomada, obviamente sintética
de conceitos seminais do pensamento de cada
um dos referidos teóricos, poderia configurar
molduras teóricas aplicáveis aos textos, discursos
e narrativas comunicacionais em diferentes
suportes. Este recorte teórico-epistemológico
privilegia a releitura da obra de alguns pensadores
europeus do final do século XX que ainda podem
ser considerados fundamentais para a apreensão
das sutilezas dos inter/trans/textos midiáticos
da atualidade. Tanto a intertextualidade quanto
a interdiscursividade são relações dialógicas e
existem materializadas em textos caracterizados
por formas ecléticas, disjuntivas e paródicas,
nas mídias contemporâneas. Acena-se, à guisa
de considerações finais, para o conceito das
transmidialidades na cultura digital. Nesse
sentido, reporta-se ainda à força da emergência
de configurações intersígnicas que se encontram
no cerne das práticas discursivas na cultura da
convergência das mídias , à luz de Henry Jenkis,
(2009) e Lucia Santaella, 2018).
PALAVRAS-CHAVE: Convergências midiáticas.
Intertextualidades. Interdiscursividades. Transmidialidades.
RESUMO: Este artigo efetua um recorte teórico
que possilibite a ressignificação das metáforas
escriturais do pós-estruturalismo europeu, sem
deixar de assinalar as abordagens da Análise
do Discurso, com Dominique Mainguenau,
entre outros autores. Inicia-se com uma reflexão
sobre conceitos seminais de Mikhail Bakhtin,
Julia Kristeva e Gérard Genette, em busca da
viabilidade de sua aplicação teórica e prática às
linguagens híbridas das mídias contemporâneas
e do cinema, considerando a prevalência do
conceito de intertextualidade. São autores que
partem de diferentes universos teóricos, mas
cujas reflexões giram em torno da ideia de que
todo texto é concebido no fluxo ininterrupto de
ABSTRACT: This article makes a theoretical
approach that allows the resignification of
the scriptural metaphors of European post-
Dimensões estéticas, cognitivas e tecnológicas de comunicação
Capítulo 10
THEORETICAL SUBSIDIES FOR
THE ANALYSIS OF INTERTEXTUAL,
INTERDISCURSIVE AND TRANSMEDIA
DIALOGUES IN COMMUNICATION
132
structuralism, without forgetting to point out the approaches of Discourse Analysis, with
Dominique Mainguenau, among other authors. It begins with a reflection on the seminal
concepts of Mikhail Bakhtin, Julia Kristeva and Gérard Genette, in search of the feasibility of
their theoretical and practical application to the hybrid languages of contemporary media and
cinema, considering the prevalence of the concept of intertextuality. They are authors who
come from different theoretical universes, but whose reflections revolve around the idea that
every text is conceived in the uninterrupted flow of cultural semiosis, since every sign production
process always makes use of what has already been done. the inter/trans/media texts of
the present time. Both intertextuality and interdiscursivity are dialogic relationships and exist
materialized in texts characterized by eclectic, disjunctive and parodic forms in contemporary
media. As final considerations, the concept of transmedialities in digital culture is mentioned.
In this sense, it also refers to the strength of the emergence of intersign configurations that are
at the heart of discursive practices in the culture of media convergence, in the light of Henry
Jenkis, (2009) and Lucia Santaella, 2018).
KEYWORDS: Media convergences. Intertextualities. Interdiscursivities. Transmidialities.
INTRODUÇÃO
O artigo almeja a atualidade temática, uma vez que contempla o problema,
relativamente novo, da inserção dos produtos das novas mídias nas narrativas e discursos,
ao mesmo tempo que estabelece interações contínuas e motivadas com obras anteriores.
As reflexões desenvolvidas norteiam-se nos princípios teórico-epistemológicos relativos
à abordagem dos jogos intertextuais, interdiscursivos e intermidiáticos no cinema e nas
mídias atuais.
Justifica-se esta proposta de investigação por força da incontestável riqueza dos
diálogos em desenvolvimento, há mais de três décadas, acerca dos procedimentos que
envolvem a expansão do conceito de texto em direção ao intertexto e ao conceito de
intermídia, no contexto da pós-modernidade. Mostram-se também atuais e relevantes as
investigações das convergências e das sinergias concernentes a questões teóricas que
colocam o conceito de transmídia no cerne do jogo dos textos de comunicação e das
linguagens, desde o início do século XXI.
O objetivo geral é examinar as implicações da cultura e da economia digitais sobre as
linguagens, com ênfase na produção cinematográfica e audiovisual da contemporaneidade.
Os objetivos específicos concentram-se na viabilidade da aplicação teórica e prática das
reflexões e investigações efetuadas às linguagens híbridas das mídias contemporâneas
e do cinema, considerando a prevalência do conceito de intertextualidade e seus
desdobramentos.
Metodologicamente, o desenvolvimento das investigações apoia-se na apresentação
da questão através de indicadores empíricos, além de lançar mãos da contribuição de
autores com que dialoga na perspectiva do objeto de possíveis trabalhos e do corpus
selecionado para análise, com ênfase na produção cinematográfica e audiovisual.
Dimensões estéticas, cognitivas e tecnológicas de comunicação
Capítulo 10
133
Procura-se articular as hipóteses e premissas levantadas com problemáticas de mercados
audiovisuais emergentes e que estão sob os efeitos da mutação digital.
Como resultados esperados, almeja-se se que a retomada dos pressupostos
teóricos sobre os pilares conceituais da intertextualidade e a releitura dos conceitos pósestruturalistas venham permitir a configuração de molduras teóricas aplicáveis aos textos,
discursos e narrativas comunicacionais contemporâneos, nos mais diferentes suportes.
1 | O TEXTO COMO INTERTEXTO: JOGOS INTERSÍGNICOS
Todo texto possui uma conexão com outros textos e é pensado na intenção de outros
textos possíveis, a serem produzidos. Com o surgimento da Análise do Discurso (AD) como
disciplina, no final do século XX, o termo “texto” passa a ser entendido como uma ocorrência
comunicacional, como registro verbal (ou mesmo não-verbal) de um ato de enunciação.
Segundo Dominique Maingueneau: “[...] Isto não quer dizer que todo discurso se manifeste
por sequência de palavras de dimensões obrigatoriamente superiores às da frase, mas sim
que ele mobiliza estruturas de uma outra ordem que as da frase”. (MAINGUENAU, 2000,
p. 52) Em obra mais recente, o autor vai atribuir um valor mais preciso ao vocábulo texto e
expandir seu conceito.
[...] este não se apresenta mais unicamente como um conjunto de signos
sobre uma página, mas pode ser um filme, uma gravação em fita cassete,
um programa em disquete, uma mistura de signos verbais, musicais e de
imagens em um CD-Rom (MAINGUENEAU, 2008, p. 57).
Como nosso objetivo é trazer para discussão as textualidades que emergem nos
cenários das mídias contemporâneas, julgamos mais pertinente entender o conceito como
entidade translinguística, tendo em conta o espectro da variabilidade conceitual do termo
em sua acepção mais abrangente. Segundo Mainguenau, todo discurso é pensado no bojo
de um interdiscurso.
Tal compreensão pode ser corroborada pela pesquisadora Linda Hutcheon, ao
afirmar que é sempre a partir de discursos anteriores que o sentido textual é compreendido
e estabelece sua importância dentro outros discursos.
Em muitos casos, o termo intertextualidade pode perfeitamente ser muito
limitado para descrever esse processo; talvez interdiscursividade seja um
termo mais preciso para as formas coletivas de discurso das quais o pósmoderno se alimenta parodicamente: a literatura, as artes visuais, a história,
a biografia, a teoria, a filosofia, a psicanálise, a sociologia - a lista poderia
continuar. (HUTCHEON, 1991, p. 169).
Acreditamos que as grandes linhas de trânsito envolvidas nos processos
comunicacionais hodiernos comportam, ainda, releituras que se mostrem aptas a
contemplarem a ressignificação dos conceitos associados às potencialidades intersígnicas
das diferentes linguagens, uma vez que as representações midiáticas são entendidas como
Dimensões estéticas, cognitivas e tecnológicas de comunicação
Capítulo 10
134
articulação, superposição e aglutinação de informações de diferentes tipos; procedimentos
esses responsáveis pela expansão da noção de texto em direção ao intertexto.
O conceito de dialogismo nasce com Mikhail Bakhtin (La Poétique de Dostoïevski,
1970, Barcelona: Barral Editores), que aponta para duas diferentes concepções do
princípio dialógico: a do diálogo entre interlocutores e a do diálogo entre discursos. Para o
autor russo, todos os textos são dialógicos porque são resultantes do embate, do confronto
entre muitas vozes sociais. Bakhtin reserva o termo dialogismo para o princípio dialógico
constitutivo da linguagem e de todo discurso; e vai empregar a palavra polifonia para
caracterizar um certo tipo de texto, aquele em que o dialogismo se deixa ver, aquele
em que são percebidas muitas vozes. Segundo o pensador, todo texto é atravessado por
um outro, ou outros anteriores. Isto é, o texto sempre “fala” o que já foi falado (escrito,
expresso); portanto, nenhum discurso tem total originalidade.
A partir dessa possibilidade de múltiplas vozes surge o conceito de polifonia, onde
vozes participam do diálogo estabelecido em relação de igualdade e autonomia. Aí reside
a essência do dialógico. Segundo o autor,
A orientação dialógica é naturalmente um fenômeno próprio a todo discurso.
Trata-se da orientação natural de qualquer discurso vivo. Em todos os seus
caminhos até o objeto, em todas as direções, o discurso se encontra com o
discurso de outrem e não pode deixar de participar, com ele, de uma interação
viva e tensa. (BAKHTIN, 1988, p. 88).
O pensador russo complementa que “Ser significa comunicar-se pelo diálogo.
Quando termina o diálogo, tudo termina. Daí o diálogo, em essência, não poder nem dever
terminar” (BAKHTIN, 2010, p. 259).
Mostra-se, portanto, indispensável apontar a relevância dos estudos sobre o
pensamento de Mikhail Bakhtin no chamado pós-estruturalismo francófono, bem como sua
retomada no universo acadêmico, a partir de 1980 até os dias atuais, o que demonstra sua
atualidade, amplitude e abrangência.
Julgamos possível identificar uma expressiva retomada dos estudos da
intertextualidade (em sua concepção ampliada aos outros sistemas sígnicos), entre outros
conceitos bakhtineanos, como assinalam os organizadores da coletânea de textos teóricos
sobre o pensador russo publicada no Brasil em 2010: “Se, durante o ‘descobrimento’
francês, Bakhtin foi colocado, sobretudo, como um teórico da linguagem, posteriormente,
ele também foi visto como teórico da cultura e da mídia. Mas essa não é a única diferença.”
(RIBEIRO; SACRAMENTO, 2010, p. 10) Os autores contextualizam tal apropriação
teórica como uma crítica à hegemonia do estruturalismo (1960-1970), a partir de um
novo entendimento de como várias vozes consubstancializam-se simultaneamente nas
produções discursivas contemporâneas.
Embora enraizada na teoria da literatura, a noção de intertextualidade, que nasce
das propostas dos teóricos da linguagem e de críticos do final dos anos 1960, leva em
Dimensões estéticas, cognitivas e tecnológicas de comunicação
Capítulo 10
135
conta todo e qualquer texto, verbal ou não. As atualizações de narrativas predecessoras
configuram-se também como processo intertextual tal como o caracteriza Marc Eigeldinger
“[...] elle [l’intertextualité] n’est pas uniquement unetransplantation d’un texte dans un autre,
mais elle sedéfinit par um travail d’appropriation et de réécriture qui s’applique à recréer le
sens, en invitant à une lecture nouvelle.”1 (EIGELDINGER, 1987, p.11) Amplia-se, pois, o
conceito de texto no horizonte da intertextualidade, que passa a contemplar inúmeros outros
domínios, como o mítico e o histórico, como esclarece o autor “Mon projet est de ne pas
limiter la notion d’intertextualité à la seule littérature, mais de l’étendre aux divers domaines
de la culture.”2 (EIGELDINGER, 1987, p. 15) Ou seja, um texto constitui-se precipuamente
de códigos culturais ou de referências, que são recursos (vozes) convocados para que o
mesmo se torne compreensível no momento da leitura.
Em termos dos processos comunicativos, podem ser consideradas intertextuais
quaisquer narrativas (ou enunciados) que retomem textos pré-existentes, tais como: filmes
que dialoguem com outros filmes, propagandas que se utilizem do universo pictórico,
programas da televisão de caráter parodístico, artigos de jornal com remissões a textos
filosóficos ou religiosos, histórias em quadrinhos ou games que incorporem relatos
mitológicos, entre muitos outros, sempre num jogo de intersecções cronotópicas. Cronotopo
é um conceito que fala da relação entre espaço tempo e o diálogo permitido entre eles. Para
formulá-lo Bakhtin empresta da matemática e da teoria da relatividade a indissolubilidade
da relação entre o espaço e o tempo.
A capacidade de ver o tempo, de ler o tempo no espaço e, simultaneamente,
de perceber o preenchimento do espaço sob a forma de um todo em formação,
de um acontecimento, e não sob a forma de uma tela de fundo imutável ou de
um dado pronto. (BAKHTIN, 2003, p. 217).
Robert Stam (1992) argumenta que o conceito de bakhtiniano de cronotopo nos
permite fundir os indicadores temporais e espaciais na unidade do filme, permitindo assim
historicizar a questão do espaço e do tempo no cinema. Nessa mídia, o diálogo envolvendo
discussões sobre obras anteriores é apresentado de forma visual, muito direta e, aponta
para diversos cronotopos anteriores e novos. Esse conceito, pode de certa forma buscar
um esclarecimento de alguns aspectos da cultura popular e das mídias em geral.
O conceito de obra estética também é contemplado por Bakhtin. Diz ele:
O objeto estético é uma criação que inclui em si o criador: nela o criador se
encontra e sente intensamente a sua atividade criativa, ou ao contrário: é a
criação tal qual aparece aos olhos do próprio criador, que a cria com amor e
liberdade (é verdade que não é uma criação a partir do nada, ela pressupõe a
realidade do conhecimento e do ato, que ele apenas transfigura e formaliza).
1 Tradução: [...] ela [a intertextualidade] não é apenas um transplante de um texto para outro, mas se define por um
trabalho de apropriação e reescrita que busca recriar o sentido, convidando a uma nova leitura.
2 Tradução: Meu projeto não é limitar a noção de intertextualidade apenas à literatura, mas estendê-la aos diversos
campos da cultura.
Dimensões estéticas, cognitivas e tecnológicas de comunicação
Capítulo 10
136
(BAKHTIN, 1988, p. 69).
Pensando em termos cinematográficos, de acordo com Robert Stam, temos que
[…] o dialogismo intertextual se refere às possibilidades infinitas e abertas
produzidas pelos conjuntos das práticas discursivas de uma cultura, a
matriz inteira de enunciados comunicativos no interior da qual se localiza o
texto artístico, e que alcançam o texto não apenas por meio de influências
identificáveis, mas também por um sutil processo de disseminação. O cinema,
nesse sentido, herda (e transforma) séculos de tradição artística. (STAM,
2003, p. 226).
Nesse sentido, o artista, em sua poética, tem a capacidade de organização desses
diálogos de forma única.
A teoria dialógica, com sua conceituação principal e suas
derivadas, nos permite o aprofundamento da análise fílmica, por exemplo, contemplando
todas as suas interfaces.
Em que pese a diversidade de pontos de partida das propostas teóricas selecionadas
como corpus de nosso estudo, um corte sincrônico permite encontrar nelas as mesmas
constantes temáticas que nos facultam considerá-las integrantes de um conjunto coerente
para a reflexão a que nos propomos, no que concerne ao contexto pós-estruturalista, bem
como ao seu questionamento mediante práticas textuais inovadoras e complexas, nas
múltiplas telas contemporâneas.
2 | A RETOMADA DE BAKHTIN: JÚLIA KRISTEVA E GÉRARD GENETTE
Em 1969, no livro Recherches pour une sémanalyse (edição brasileira de 1974),
a pesquisadora búlgara radicada na França, Júlia Kristeva define os fundamentos da
intertextualidade, ao explicar que o texto é um cruzamento de textos onde se lê ao menos
um outro texto. Segundo ela, o conceito de intertexto:
[...] é uma descoberta que Bakhtin é o primeiro a introduzir na teoria literária:
todo texto se constrói como mosaico de citações, todo texto é a absorção
e transformação de outro texto. Em lugar da noção da intersubjetividade,
instala-se a de intertextualidade e a linguagem poética lê-se pelo menos como
dupla. (KRISTEVA, 1974, p. 64).
Este se torna o conceito clássico de intertextualidade e Kristeva aparece como
referência obrigatória para se pensar a questão, pois foi a primeira a empregar o termo
“intertexto”, de raiz latina e que se refere ao ato de tecer, ao entrelaçamento dos fios. A
concepção do texto como “escritura-leitura” leva a autora a enfatizar que
[...] toda sequência está duplamente orientada: para o ato de reminiscência
(evocação de uma outra escrita) e para o ato de intimação (a transformação
dessa escritura). O livro remete a outros livros e pelos modos de intimar
(aplicação em termos matemáticos), confere a esses livros um novo modo
de ser, elaborando assim sua própria significação. (KRISTEVA, 1974, p. 98).
Segundo Kristeva, a produção textual não ocorre de forma gramatical, mas de
Dimensões estéticas, cognitivas e tecnológicas de comunicação
Capítulo 10
137
modo paragramático, ou seja, pela fricção dos “gramas” no interior do texto ou com outros
gramas situados em outros textos – o que efetiva a abertura do código e a pluralização dos
sentidos. Quando um texto estranho entra na rede de escritura, ela o absorve.
Ao tratar da intertextualidade, a autora provocou uma espécie de abalo na ideia
estabelecida sobre o autor ser a única fonte do texto, afirmando que, tanto uma mesa posta
para um jantar como um poema, sendo sistemas significantes, são constituídos de sistemas
significantes anteriores. A autora refere-se, pois, a uma polivalência manifesta, própria da
literatura moderna, com seus textos-diálogos, que ela descreve como uma estrutura de
“redes paragramáticas” – conceito que, a nosso ver, mereceria ser revisitado em pesquisas
sobre os processos discursivos nas mídias contemporâneas. De acordo com a autora,
[...] a ‘palavra literária’ não é um ponto, (um sentido fixo) mas um cruzamento
de superfícies textuais, um diálogo de diversas escrituras: do escritor, do
destinatário (ou da personagem), do contexto cultural atual ou anterior.
(KRISTEVA, 1974, p. 62).
Destarte, na releitura de Mikhail Bakhtin, efetuada por Julia Kristeva, na segunda
metade do século XX, está o cerne da teoria da intertextualidade, que levou a uma revisão
dos conceitos de imitação e dos próprios gêneros literários, uma vez que todas as formas
de referências, implícitas ou explícitas, constituem as possibilidades de significação do
texto entendido como produção de sentidos.
Na obra Palimpsestes. La littérature au second degré, de 1982, o teórico francês
Gérard Genette retoma Bakhtin e Kristeva; e, já no início, propõe um conceito mais amplo
que norteia seu livro: “[...] je dirais plutôt aujourd’hui, plus largement, que cet objet est la
‘transtextualité’, ou transcendence textuelle du texte, que je définissais déjà, grossièrement,
par ‘tout ce qui le met en relation, manifeste ou secrete, avec d’autres textes (GENETTE,
1982, p. 7). 3
Sendo numerosas e decisivas na produção textual, longe de atuarem como
compartimentos estanques, as várias formas de relações transtextuais são concebidas
pelo autor como complementares, podendo aparecer conjuntamente em dado texto. Em
síntese, são elas: 1. Intertextualidade, considerada como a presença efetiva de um texto
em outro texto (copresença). 2.
Paratextualidade. Etimologicamente, este campo de
relações abrangeria título e subtítulo, prefácio e/ou posfácio, notas de qualquer natureza,
epígrafes, ilustrações, entre muitos outros. 3. Metatextualidade é a relação de comentário
que une um texto a outro texto. 4. Arquitextualidade, que abrange todas as classificações
nas quais o texto se inclui, tal como os gêneros e tipos de discurso, modos de enunciação,
etc. 5. Hipertextualidade. Abrange toda relação que une um texto (B = hipertexto) a outro
texto anterior (A = hipotexto). Segundo o autor, trata-se de uma relação palimpséstica que
permite o encontro entre o texto e seus pré-textos.
3 Tradução: “[...] eu preferiria dizer hoje, de forma mais ampla, que esse objeto é a ‘transtextualidade’, ou transcendência textual do texto, que já defini, grosso modo, por ‘tudo o que o põe em relação, manifesta ou secreta , com outros
textos.”
Dimensões estéticas, cognitivas e tecnológicas de comunicação
Capítulo 10
138
Procurando a precisão terminológica, quanto às várias formas de emprego dos
termos que designam os tipos de hipertextualidade, o autor propõe duas classificações:
uma funcional e outra estrutural. A primeira delas contempla as funções satíricas - a
paródia, a fantasia burlesca e a charge -, enquanto a segunda seria a não-satírica, em que
se situa o pastiche. Já em termos da estrutura (forma) da relação hipertextual, existem a
transformação e a imitação.
Na esteira de Bakhtin, Genette inclui a paródia e os demais textos que mantém uma
relação de transformação do texto-matriz, no primeiro tipo; enquanto a charge e o pastiche
são considerados textos de imitação. Toda obra aberta e polissêmica seria hipertextual,
como afirma o teórico francês, sendo que a hipertextualidade “[...] a pour elle ce mérite
spécifique de relancer constamment les oeuvres anciennes dans un noveau circuit de
sens”4 (GENETTE, 1982, p. 158).
Acreditamos que, se forem entendidos como além de meras classificações, os
termos que designam os tipos de transtextualidade apontados por Genette mostrar-se-iam
adequados à forma e à função dos produtos analisados; sejam eles os textos literários ou
jornalísticos, os programas humorísticos na TV ou charges na mídia impressa, por exemplo,
entre inúmeros outros gêneros e subgêneros textuais e discursivos em diferentes suportes.
Nas palavras de Genette, cada linguagem carrega seus próprios palimpsestos, ou seja, sob
as camadas visíveis, as invisíveis continuam em ação.
3 | DA INTERTEXTUALIDADE À TRANSMIDIALIDADE
Para finalizar, trazemos para o cerne das investigações a ubiquidade das relações
sinérgicas e colaborativas concernentes às trocas interdiscursivas ligadas ao conceito
de transmídia, vocábulo que designa as técnicas e processos da reinserção de uma
informação em diversificadas plataformas e que efetua um movimento de expansão e
sucessivos desdobramentos intersignícos. No cenário atual, é imprescindível investigar
as convergências e ressignificações nos pilares conceituais da intertextualidade, que são
operadas por força da inter/trans/textualidades midiáticas e que enfrentam os desafios
metodológicos das práticas interdiscursivas, por força da convergência das linguagens e
das mídias na era digital. Henry Jenkins explica,
Por convergência, refiro-me ao fluxo de conteúdos através de múltiplas
plataformas de mídia, à cooperação entre múltiplos mercados midiáticos e ao
comportamento migratório dos públicos dos meios de comunicação, que vão
a quase qualquer parte em busca das experiências de entretenimento que
desejam. (JENKINS, 2009, p. 29).
Ao criarem um novo paradigma emergente que entende a cultura digital como
grande texto onde se inserem, labirinticamente, para além de outros discursos, nas
4 Tradução: “[...] tem para si esse mérito específico de relançar constantemente obras antigas em um novo circuito de
significação”.
Dimensões estéticas, cognitivas e tecnológicas de comunicação
Capítulo 10
139
várias linguagens das mídias e das artes, as práticas transmidiáticas permitem as
transformações de ordem discursiva nos processos comunicacionais. Sendo assim, para o
autor, a convergência ocorre dentro dos cérebros de consumidores individuais e em suas
interações sociais com outros. Cada um de nós constrói a própria mitologia pessoal, a partir
de pedaços e fragmentos de informações extraídos do fluxo multimidiático e transformados
em recursos através dos quais compreendemos nossa vida cotidiana. O consumo tornouse um processo coletivo. Jenkins acredita que “Nenhum de nós pode saber tudo, cada um
de nós sabe alguma coisa; e podemos juntar as peças, se associarmos nossos recursos e
unirmos nossas habilidades” (JENKINS, 2009, p. 30).
Tais reflexões implicam as trocas intersígnicas vinculadas ao conceito seminal
de intertextualidade; trocas essas que reconfiguram os diálogos interdiscursivos e
interculturais de uma cultura inclusiva e aglutinante. A metodologia sugere a incorporação
do pensamento dos teóricos selecionado às obras analisadas, buscando uma revisão dos
conceitos de imitação e de influência, pois o texto dobra-se sobre si mesmo e sobre outros
textos, de diferentes épocas, num jogo de espelhos e reverberações.
Dialogismo, polissemia, texto plural, escritura – estamos falando da mistura, da
adaptação, da fusão de tradições culturais; é dessa tecitura de uma trama textual ou
discursiva construída sobre referências anteriores. A partir do dialogismo bakhtineano às
possibilidades dos diálogos enciclopédicos da mídia digital, novas formas narrativas irão
surgindo, além de cada história original. Surgem narrativas mais complexas e fragmentadas,
mas são os fragmentos que permitem aos consumidores, leitores e espectadores fazerem
as próprias conexões, em seu ritmo particular e de acordo com o repertório de cada um. As
narrativas plurais e polissêmicas da atualidade podem fazer referências, alusões e citações
diretas ou implícitas a narrativas anteriores, a diferentes sistemas de crenças e podem
juntar várias peças culturais de maneira inovadora. Essas negociações entre textos das
mais diversas espécies e gêneros, recolocam elementos clássicos e tradicionais novamente
em circulação. Seu valor surge a partir do processo de busca de sentidos possíveis; esse
é o impulso transmídia que está no centro da cultura da convergência.
Nesse sentido, interessa-nos, particularmente o conceito de transmídia tratado
no livro intitulado Desafios da TRANSMÍDIA: processos e poéticas, publicado em 2018
e organizado por João Massarolo, Lúcia Santaella e Sérgio Nesteriuk. O livro aborda
inúmeras questões implicadas no tema da transmidia e seus desafios presentes.
Para Santaella (2018, p. 78-79) “os desdobramentos narrativos se constituem no DNA
da narrativa transmídia. Um DNA que não dispensa o fato de que se trata de narrativa e não
de outro tipo de discurso”. Esse é o ponto central da discussão, pois a pesquisadora afirma
que a linguagem da narrativa é o que se sobressai na própria definição de transmídia: na
passagem de um meio para outro, mantendo -se no eixo da temporalidade e na sucessão
dos fatos narrativos. Santaella salienta que outros discursos (jornalístico, científico,
técnico) poderiam até ser considerados “transmídia”, se seu conteúdo efetivamente
Dimensões estéticas, cognitivas e tecnológicas de comunicação
Capítulo 10
140
perpassar múltiplas mídias. Ou seja, a construção de narrativas transmídia supõe o uso e
o entrelaçamento de determinados elementos discursivos nos textos que as compõem –
sejam eles produzidos para uma mídia digital, ou não.
Todos os conceitos aqui explorados estão, explícita ou implicitamente, vinculados
à questão da intertextualidade; constatação que nos permite acreditar que qualquer
abordagem dos discursos midiáticos contemporâneos deve levar em conta que estamos
diante de um novo tipo de texto, de caráter híbrido, a exigir uma abordagem inter e
transdisciplinar.
4 | PONDERAÇÕES FINAIS
As argumentações aqui desenvolvidas, nos permitem retornar ao pensamento
bakhtiniano e afirmar que não há enunciado que, de uma forma ou de outra, não reatualize
outros enunciados. Os textos podem se conectar conforme o discurso implícito ou explícito
presente, facilitando ou não a compreensão do leitor/espectador. Tanto a intertextualidade
quanto a interdiscursividade e a transmidialidade são relações dialógicas e existem
materializadas em textos caracterizados por formas ecléticas, disjuntivas e paródicas,
na cultura da convergência. Esperamos que o desenvolvimento destas reflexões possa
contribuir para o entendimento das linguagens inter/trans/midiáticas contemporâneas, em
seu processo de criação, distribuição e recepção/leitura.
Cumpre assinalar que toda reflexão sobre os jogos intersígnicos concentra-se na
apresentação de cenário da questão através de indicadores empíricos definidos, além de
lançar mãos da contribuição de autores com que dialoga na perspectiva do seu possível
objeto de trabalho. Destaca-se finalmente, como uma das qualidades da nossa proposta,
o fato de algumas das suas hipóteses se articularem com problemáticas de mercados
audiovisuais emergentes e que estão sob os efeitos da mutação digital.
REFERÊNCIAS
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Rabelais. São Paulo: AnnaBlume, 2002.
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___________. Problemas da Poética de Dostoievski. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2010.
___________ . Questões da literatura e da estética: a teoria do romance. São Paulo: UNESP, 1988.
ECO, Umberto. Tratado Geral de Semiótica. São Paulo: Perspectiva, 1980.
EIGELDINGER, Marc. Mythologie et intertextualité. Genève: Editions Slatkine, 1987.
GENETTE , Gérard. Palimpsestes: la littérature au second degré. Paris: Éditions du Seuil, 1982.
Dimensões estéticas, cognitivas e tecnológicas de comunicação
Capítulo 10
141
__________. Paratexts. Thresholds of Interpretation. Cambridge: Cambridge University Press, 1997.
HUTCHEON, Linda. Poética do Pós-modernismo. Imago: Rio de Janeiro, 1991.
__________. Uma Teoria da Adaptação. Florianópolis: Editora UFSC, 2011.
JENKINS, Henry. A cultura da convergência. São Paulo: Aleph, 2009.
KRISTEVA, Julia. Introdução à Semanálise. São Paulo: Perspectiva, 1974.
MAINGUENEAU, Dominique. Análise de textos de comunicação. São Paulo: Cortez, 2008.
__________. Termos-chave da Análise do Discurso. Belo Horizonte: Ed.UFMG, 2000.
MANOVICH, Lev. The Language of New Media. Cambridge: The MIT Press, 2001.
RIBEIRO, Ana Paula Goulart; SACRAMENTO, Igor. Orgs. Mikahil Bakhtin: Linguagem, Cultura e Mídia.
São Carlos: Pedro e João Editores, 2010.
SANTAELLA, Lúcia e ali (org.) Desafios da transmídia: processos e poéticas. São Paulo: Estação das
Letras, 2018.
STAM, Robert. Bakhtin: Da Teoria à Cultura de Massa. São Paulo: Ática, 1992.
Dimensões estéticas, cognitivas e tecnológicas de comunicação
Capítulo 10
142
CAPÍTULO 11
COMPREENSÃO DA RETÓRICA COM CONCEITOS
SEMIÓTICOS PEIRCEANOS
Data de aceite: 01/05/2022
Gilmar Hermes
Professor do Curso de Bacharelado em
Jornalismo da UFPel
Universidade Federal de Pelotas (UFPel)
Pelotas, RS
Trabalho apresentado no GP Semiótica da
Comunicação, XXI Encontro dos Grupos de Pesquisas
em Comunicação, evento componente do 44º
Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação.
RESUMO: Este artigo parte de uma concepção
da retórica como um processo de “identificação”
e não à maneira em que é tradicionalmente
definida dando relevância à “persuasão”, levando
em conta os estudos semióticos de Charles
Sanders Peirce. O texto apresenta referências
históricas e características que dão atualidade à
ciência da retórica, existente desde a antiguidade
grega, como uma forma de combater a violência
através da argumentação de ideias. Traz algumas
contribuições de Peirce com sua semiótica e
filosofia de caráter pragmatista, apresentando os
caminhos vinculados à “gramática especulativa”,
pela qual os conceitos semióticos contribuem
para a reflexão das “retóricas comuns”, como é o
caso dos textos comunicativos.
PALAVRAS-CHAVE: Semiótica; retórica; história
da retórica; argumentação; retórica especulativa.
giving relevance to “persuasion” in the way it is
traditionally defined, considering the semiotic
studies of Charles Sanders Peirce. The text
presents historical references and characteristics
that give relevance to the science of rhetoric,
existing since Greek antiquity, as a way of
combating violence through the argumentation
of ideas. It brings some contributions from Peirce
with his semiotics and philosophy of pragmatist
character. It presents the concepts linked to the
“speculative grammar”, through which semiotic
explanations contribute to the reflection of
“common rhetoric”, as the case of communicative
texts.
KEYWORDS: Semiotics, rhetoric, rhetoric history, argumentation, speculative rhetoric.
INTRODUÇÃO
Um caminho para refletir sobre a produção
de textos jornalísticos é levando em conta a
longa tradição da retórica, que vem desde, pelo
menos, o que chegou até nós através da obra
de autores que viveram antes da era cristã. Na
Antiga Grécia, Aristóteles problematizou como
um orador pode fazer com que seus argumentos
sejam compreendidos de forma a convencer a
audiência, em um sentido probabilístico voltado
à persuasão. A semiótica peirceana – ciência
dos signos – tem um caráter lógico, voltado para
a compreensão do pensamento, mas se volta
para a retórica justamente por tratar de signos,
ABSTRACT: This article starts from a conception
of rhetoric as a process of “identification” and not
que são também o meio para a expressão
Dimensões estéticas, cognitivas e tecnológicas de comunicação
Capítulo 11
desse pensamento. É a partir das ações dos
143
signos que damos sentido para a nossa experiência e compreensão de mundo, de maneira
a poder compartilhá-la e desenvolvê-la em conjunto com os demais seres. A semiótica
de Charles Sanders Peirce (1839-1914) oferece instrumentos conceituais para renovar a
retórica, assim como tem uma perspectiva diferenciada em relação à retórica.
É sempre importante ressaltar que, para a semiótica de Peirce, na sua concepção
sinequista de continuidade, não há um caráter antropocêntrico quando se trata da produção
de sentidos. As ações dos signos ou semioses ocorrem entre todos os tipos de seres. Em
relação à retórica, no entanto, por envolver uma intencionalidade comunicativa, pode-se
falar de uma especificidade humana. Isto se configura como uma ação a ser avaliada na
ordem ética, levando em conta a predisposição em relação aos outros seres humanos.
O autor Vincent Colapietro (2007) reconheceu, em seu artigo Peirce’s Rhetorical Turn,
que houve uma guinada em direção à retórica nas reflexões semióticas de Charles Sanders
Peirce na sua produção intelectual mais recente. Em seus comentários, Alessandro Topa
(2019) qualificou essa análise da obra peirceana como inovadora. Apesar da preocupação
maior de Peirce seja o pensamento científico, este autor referencial reconheceu que há um
viés retórico mesmo na ciência, associado à melhor compreensão do ser humano como um
ser em comunicação, um ser em semiose, com propósitos, dentro de uma perspectiva em
que se visa o conhecimento em uma relação constante com todos os demais seres, como
é próprio da sua compreensão sinequista das ações sígnicas.
De acordo com a interpretação de Colapietro (2007), para Peirce, as questões
retóricas não se dão prioritariamente como um ato de persuasão, como geralmente se tende
a resumir objetivamente o propósito da retórica, e, sim, como um ato de identificação. Podese compreender neste posicionamento uma preocupação de ordem ética, que, ao mesmo
tempo, reflete indiretamente o “espírito do tempo” em emergência, em que a questão da
“cultura” ganha cada vez mais relevância em toda reflexão humanística.1 Além disso, isto
contribui para compreender como Peirce localiza a retórica em relação ao desenvolvimento
científico, sua maior preocupação.
Semioticamente, de acordo com a teoria peirceana, este ato de identificação se dá
através de semioses que se encontram quando duas mentes compreendem determinados
signos como capazes de produzir interpretantes semelhantes ou próximos. Pode ocorrer
também quando há um propósito em comum. Na busca pelo conhecimento, o cientista
deve ser capaz de encontrar os signos próprios para que um determinado fenômeno
seja compreendido por seus pares ou por uma comunidade mais ampla. Através do seu
pensamento, o cientista estabelece uma relação semiótica com o fenômeno em si, tendo aí
uma preocupação de ordem científica, mas que é processada retoricamente de forma a se
ajustar criticamente às suas experiências anteriores e da comunidade científica.
1 No texto “A retórica definida como um processo de identificação em uma abordagem semiótica” (HERMES, 2021), o
autor deste artigo desenvolve uma reflexão sobre questões semióticas relacionadas a aspectos históricos, sociológicos
e antropológicos.
Dimensões estéticas, cognitivas e tecnológicas de comunicação
Capítulo 11
144
O conceito semiótico de “experiência colateral” corresponde em como as mentes
produzem interpretantes a partir de sua própria trajetória semiótica. A diferença do cientista
é que ele busca ter consciência de como as semioses o afetam, e, ao mesmo tempo,
em como ele é capaz de produzir semioses através da experiência ou conhecimento
acumulado. Do mesmo modo, retoricamente, ele deve ter a preocupação em ajustar os
signos para difundir os resultados de sua pesquisa de forma a ser compreendido por seus
pares e uma comunidade mais ampla.
Levando em conta as categorias fenomenológicas identificadas por Peirce2, o
processo de identificação inerente à retórica está vinculado à Secundidade, que consiste
na produção de semioses nas relações de alteridade em um determinado contexto. Ocorre
nas relações entre um e outro, sendo que a existência de ambos ocorre de fato nesta
relação em um certo espaço e tempo. O reconhecimento do outro como parte de um
mesmo contexto de vida e de produção de sentido consiste na primeira etapa do processo
de identificação retórica que pode ser compreendido semioticamente.
ASPECTOS HISTÓRICOS DA RETÓRICA
De acordo com Nicola Abbagnano (2000), a retórica é considerada uma invenção
dos sofistas na Antiga Grécia (século V a.C), sendo Górgias de Leontinos um dos seus
fundadores. O autor sintetiza os principais aspectos históricos relativos ao desenvolvimento
da retórica. Segundo ele, no diálogo Górgias, o filósofo Platão enfatiza que os sofistas não
tinham um comprometimento com a comprovação de seus argumentos ou com convicções
racionais. Suas habilidades estariam na capacidade de falar sobre qualquer assunto
de forma persuasiva. Para Platão, quando pedagógica ou educativa, em conversações
guiadas por meio de raciocínios, a retórica estaria exercendo o papel da própria filosofia.
Desta forma, pode-se reconhecer a impossibilidade de uma retórica ética que não seja
ao modo filosófico, mas também pode-se compreender, de maneira questionadora, uma
dimensão retórica na própria filosofia e nas ciências, o que a semiótica peirceana nos
permite considerar.
Já Aristóteles, segundo Abbagnano (2000), estabeleceu para a compreensão da
retórica um vínculo com a dialética, o que está por detrás da sua obra que chegou até nós,
que é a referência mais antiga e citada sobre a retórica. Na perspectiva aristotélica, em uma
concepção própria da dialética, na contraposição de premissas de caráter probabilístico,
leva-se em conta os meios de persuasão para convencer sobre um ponto de vista. Há
modos de levar em conta os argumentos capazes de persuadir e regras para o seu uso
estratégico. Suas concepções, unidas ao exercício da filosofia, tiveram relevância pelo
2 “As categorias [fenomenológicas] universais de Peirce são três: primeiridade, secundidade e terceiridade. Primeiridade é aquilo que é independente de algo a mais. Secundidade é aquilo que é relativo a algo a mais. Terceiridade é o que é
mediado entre outros dois. Na opinião de Peirce, todas as concepções no nível mais fundamental podem ser reduzidas
a estas três” (HOUSER, 1992, p.XXX).
Dimensões estéticas, cognitivas e tecnológicas de comunicação
Capítulo 11
145
menos até o Renascimento, quando a perspectiva do racionalismo pouco a pouco a colocou
em crise. “O dogmatismo racionalista iniciado por Descartes e adotado maciçamente no
século XIX foi a maior causa da decadência da retórica” (ABBAGNANO, 2000, p.857).
Também vale ressaltar, para se ter uma ideia da sua importância histórica, que, conforme
Philippe Breton (2003), até o final do século XIX, a retórica foi o centro de todo o ensino.
Já com o abandono do dogmatismo racionalista e com o reconhecimento do aspecto
probabilístico do conhecimento humano, é que surge a nova retórica no século XX, tendo
como principal referência O Tratado da Argumentação, de Perelman e Olbrechts-Tyteca
(1996), cuja primeira edição é de 1958. Os autores introduzem sua obra afirmando que,
durante três séculos, “o estudo dos meios de prova utilizados para obter a adesão foi
completamente descurado pelos lógicos e teóricos do conhecimento”. Segundo eles, o
“campo da argumentação é o do verossímil, do plausível, do provável, na medida em que
este último escapa das certezas do cálculo” (PERELMAN e OLBRECHTS-TYTECA, 1996,
p.1).
A Nova Retórica se volta sobretudo para a argumentação. A palavra “argumentação”
leva em conta a relação com o outro, ou seja, o ouvinte. E, nesse sentido, podemos verificar
que a concepção de que a retórica se volta para processos de identificação é algo muito
presente nas abordagens de autores especializados em questões retóricas, como também
pode ser observado na obra de Kenneth Burke (1969).
O autor Philippe Breton (2003) registra que, ainda na Antiguidade Grega, no século
V a.C., houve uma passagem dos discursos retóricos do contexto judiciário para o domínio
político. Pode-se observar que, até hoje, confunde-se o papel do político com o do orador.
Também no âmbito da política, pode-se perceber que a manipulação é parte mais obscura
dos métodos retóricos. No processo de identificação, considerando uma determinada
audiência, nem sempre o que se diz, é o que se pensa realmente. Segundo Breton (2003),
na primeira retórica, a mais antiga, o orador é mais um homem de poder do que um homem
de ética e opinião.
Um ponto essencial da estratégia de argumentação – que está de acordo com ideia
da retórica como forma de identificação - é a busca de um acordo prévio com o auditório, de
forma a estabelecer também uma identificação com o ponto de vista defendido. Conforme
Breton (2003), vista como uma situação de comunicação, o bom uso da argumentação
implica, então, uma ruptura com a retórica clássica, caracterizada como a expressão do
poder.
Segundo Perelman e Olbrechts-Tyteca, a “ideia de adesão e de espíritos aos quais
se dirige o um discurso é essencial em todas as teorias antigas da retórica” É “em função
de um auditório que qualquer argumentação se desenvolve” (PERELMAN e OLBRECHTSTYTECA, 1996, p.6).
Termos frequentes que aparecem nos textos sobre retórica são “orador” e “auditório”
pressupondo uma relação presencial, face a face, que também considera um processo de
Dimensões estéticas, cognitivas e tecnológicas de comunicação
Capítulo 11
146
identificação e um contexto físico de recepção, próprio da oratória. Perelman e OlbrechtsTyteca (1996), no entanto, optam por destinar questões desse âmbito, como a elocução
e a mnemotécnica, para abordagens de ordem dramática. O principal aspecto que eles
conservam da retórica tradicional é a ideia de “auditório”. “Todo discurso se dirige a um
auditório, sendo muito frequente esquecer que se dá o mesmo com o texto escrito. [...] [A]
ausência material de leitores pode levar o escritor a crer que está sozinho no mundo...”
(PERELMAN e OLBRECHTS-TYTECA, 1996, p.7). Os autores ressaltam que o texto está
sempre condicionado a quem pretende dirigir-se.
Os autores da Nova Retórica entendem que cada orador cria uma imagem de si a
partir da concepção que fazem do auditório “que busca conquistar para suas opiniões”.
Cada “cultura, cada indivíduo tem sua própria concepção do auditório universal, e o
estudo dessas variações seria muito instrutivo, pois nos faria conhecer o que os homens
consideram, no decorrer da história, real, verdadeiro e objetivamente válido” (PERELMAN
e OLBRECHTS-TYTECA, 1996, p.37).
Breton (2003) explica que o texto argumentativo sempre envolve a defesa de uma
opinião, o que é uma característica essencial tanto da argumentação, como da retórica.
Esse aspecto remete às problematizações feitas em torno da objetividade, e das diferenças
entre informação e opinião no campo do jornalismo (TRAQUINA, 2004). Considera-se,
atualmente, que mesmo o texto informativo é permeado pela parcialidade, levando em conta
a atividade de seleção feita no processo da reportagem. A diferença do texto argumentativo
estaria na intenção explícita e intencional da defesa de um ponto de vista. No entanto, um
dos pontos mais importantes da ação retórica é o enquadramento ou o reenquadramento
inicial da argumentação, que consiste em compartilhar uma visão comum da realidade de
forma a convencer sobre um ponto de vista.
No âmbito das ciências, segundo Breton (2003), são exigidas demonstrações
e a retórica não corresponde à validade universal relativa às definições matemáticas,
por exemplo. Para esse autor, a argumentação nunca será universal – ao contrário da
demonstração de um teorema matemático. Conforme Breton, resultados científicos se
impõem e não envolvem opinião. E a argumentação não pode produzir conhecimentos
novos. O autor, no entanto, reconhece que uma contradição é o fato de as ciências serem
colocadas em discussão, e, com isso, abre uma brecha para a contribuição de Peirce através
das noções de falibilismo como uma característica de qualquer tipo de conhecimento e da
abdução como uma forma de raciocínio.
Breton (2003) reconhece que a história da retórica está atravessada por
procedimentos que visam “agradar” ou “emocionar”, que correspondem a formas de
identificação de ordem sentimental. Há situações em que a sedução é dominante e noutras
em que a argumentação predomina. O autor ressalta ainda que não há situações puras
com frequência, o que leva também a discursos híbridos entre o teor argumentativo e
emocional.
Dimensões estéticas, cognitivas e tecnológicas de comunicação
Capítulo 11
147
Ao contrário do que podemos observar em Peirce, Breton estabelece a diferenciação
de que a retórica visa produzir convencimento em torno de opiniões, enquanto as ciências
tratam de enunciados suscetíveis de serem demonstrados. A esta perspectiva positivista,
pode-se contrapor a compreensão falibilista de Peirce sobre a ciência, que também permite
outras aproximações à retórica.
O contexto de recepção pode ser problematizado pelas definições de “realidade
social” e “identidade social” feitas no âmbito da sociologia em uma perspectiva construtivista
(GIDDENS, 2012). Do ponto de vista da retórica, conforme Breton (2003), o que conta não
são as pessoas, mas que suas ideias sejam partilhadas, o que pode ser pressuposto em
um contexto amplo, compreendido na sociologia como “realidade social”. Mas, tendo em
vista a defesa de uma opinião, o que pode ter como alvo a mudança de um ponto de vista,
muitas vezes, o argumento é voltado para um auditório particular. De qualquer forma, está
sempre em conta a intersecção entre os universos mentais.
MEIO DE EVITAR A VIOLÊNCIA
Segundo Philippe Breton (2003), a “argumentação” corresponde a uma ação humana
que visa convencer, o que está muito presente na vida cotidiana. A obra desse autor é
voltada para a descrição dos meios de argumentação, que visam “acionar um raciocínio em
uma situação de comunicação” (BRETON, 2003, p.7). Essa maneira de agir corresponde a
uma renúncia à violência, ressaltando o vínculo social partilhado.
Há que se considerar que há formas de violência disfarçadas de argumentação, que
constituem retóricas questionáveis, como ocorre com a publicidade repetitiva ou a difusão
massiva de mensagens pelas redes sociais de forma a coagir muitas pessoas. Breton
(2003) enfatiza o aspecto argumentativo como o caráter mais ético da retórica, embora
esta ciência, segundo este autor, não se volte para raciocínios puramente lógicos, mas
que tenham a capacidade de convencer sujeitos capazes de estabelecer seus julgamentos
próprios e de forma independente.
É importante observar que a falta de retórica e, especialmente da argumentação,
é gritante no cotidiano social. Isso pode ser verificado diariamente nos relatos dos fatos
nos telejornais com as notícias sobre a ausência de diálogo e a violência assustadora, por
exemplo, com ações contra as comunidades indígenas, comunidades pobres, mulheres,
contra a comunidade LGBTQIA+, e, especialmente, a recusa de certas personalidades
políticas brasileiras a argumentar claramente sobre as suas ideias. O apelo à religião no
âmbito político também é uma estratégia questionável, já que os valores religiosos não
pressupõem a argumentação, mas apenas estabelecem identificação pela fé na ordem do
sagrado.
Breton (2003), assim como Peirce, busca uma definição da retórica mais voltada
para os seus aspectos éticos. Trata da argumentação como uma parte específica das
Dimensões estéticas, cognitivas e tecnológicas de comunicação
Capítulo 11
148
ações retóricas, para a qual dá mais relevância justamente pela sua qualificação ética. No
entanto, deve-se levar em conta que a ação de convencer o outro ou de persuadir pode
apelar exclusivamente para as emoções, o que não corresponde à ação argumentativa.
Segundo Breton (2003), a retórica envolve a defesa de uma opinião. Está voltada
para o ato de convencer, pode ser estabelecida através da manipulação, da propaganda,
de sedução e, de argumentação, aspecto teórico que de fato lhe interessa por entender
como um procedimento mais ético. A argumentação seria um meio para partilhar opiniões
que podem ter como consequência ações (BRETON, 2003, p.11), definição que vai em
direção ao pragmatismo de Peirce.
AO ENCONTRO DAS DEFINIÇÕES E REFLEXÕES DE PEIRCE
É importante destacar que as questões éticas e científicas vão para além das
retóricas. Nem todo ato de convencimento tem um caráter ético, e as consequências
de uma ausência de um caráter ético na ação retórica tem consequências que vão
para além dos processos de persuasão, identificação ou convencimento. Se a retórica
pode estar relacionada ao âmbito lógico e científico, como propõe Peirce, ao elucidá-los
semioticamente, ele não deixa de ter preocupações especiais tanto de ordem científica
como ética.
As definições da retórica apresentadas nos levam a perceber como o texto inaugural
do pragmatismo, “Como Tornar Claras as Nossas Ideias” (PEIRCE, 1993) está imbuído de
um sentido retórico, embora não haja a preocupação de explicitar a produção de sentidos
como uma ação intencional em relação à modificação do comportamento dos demais seres
humanos, como é próprio da retórica.
Dentro da sua concepção falibilista do conhecimento, Peirce define que a “essência
da crença é a criação de um hábito e diferentes tipos de crenças se distinguem pelos
diferentes tipos de ação a que dão lugar” (PEIRCE, 1993, p.56). O autor enfatiza a
importância das crenças em relação ao nosso comportamento, modo de agir ou modo
de viver, e reconhece que “a ação do pensamento é excitada pela incitação da dúvida e
cessa com o atingir a crença; e, assim, o chegar à crença é a função única do pensamento”
(PEIRCE, 1993, p.53). No entanto, todas as crenças estabelecidas – que envolvem o
surgimento de hábitos - estão sujeitas às dúvidas, que estimulam o desenvolvimento do
pensamento.
A semiótica e o pragmatismo, ao lado da problematização das questões linguísticas
ao longo do século XX, contribuíram para uma maior concientização de como ações
retóricas norteiam o nosso modo de pensar e de agir. Perelman e Olbrechts-Tyteca
reconhecem esse aspecto como um dos papéis dos estudos retóricos. “Estamos firmemente
convencidos de que as crenças mais sólidas são as que não só são admitidas sem prova,
mas também, muito amiúde, nem sequer são explicitadas” (PERELMAN e OLBRECHTSDimensões estéticas, cognitivas e tecnológicas de comunicação
Capítulo 11
149
TYTECA, 1996, p.8). Os autores também reconhecem, ao modo como é defendido por
Peirce, que há necessidade de os lógicos completarem a teoria da demonstração das
ciências matemáticas com uma teoria da argumentação.3
Tudo que conhecemos estabelece-se como mediações, ou seja, interpretantes
(resultantes da relação triádica também com os signos e os objetos), que podem ser
considerados crenças. No retorno aos objetos dinâmicos, aquilo que se quer conhecer
melhor ou sobre o que se quer ser estabelecer semioticamente ou retoricamente um outro
ponto de vista, pode-se produzir novos objetos imediatos (que são o aspecto do objeto
dinâmico que o signo traz para a produção de crenças). Uma nova perspectiva sobre o
objeto de conhecimento, de saber, ou de interesse pode produzir novas crenças em uma
determinada audiência. Isso pode ter tanto um sentido meramente persuasivo, que pode
dar lugar a concepções ilusórias interesseiras ou até mesmo fictícias, como também pode
estar imbuído do espírito científico. O rico leque de conceitos da semiótica de Peirce pode
nos ajudar a pensar uma diversidade de aspectos da retórica, seja nas suas práticas éticas,
ou naquelas questionáveis do ponto de vista ético.
O falibilismo ocupa um lugar central na obra de Peirce. No texto autobiográfico “A
Propósito do Autor”, ele reconhece que suas ideias estão reunidas nesta designação. Ele
escreve: “sempre senti que minha filosofia brotasse de um contrito falibilismo, combinado
com decidida fé na realidade do conhecimento, e de um intenso desejo de investigação”
(PEIRCE, 1993, p.47). Abbagnano (2020) ressalta que o termo foi criado por Peirce, “para
indicar a atitude do pesquisador que julga possível o erro a cada instante de sua pesquisa,
e, portanto, procura melhorar os seus instrumentos de investigação e de verificação”
(ABBAGNANO, 2000, p.426-427). O falibilismo explica o desenvolvimento do conhecimento
pela continua sequência de crenças, hábitos e dúvidas.
A retórica pode ser compreendida como o ingrediente comunicativo que se insere
no processo de desenvolvimento do saber, podendo contribuir tanto para o seu avanço
como para o seu atraso. Mas, para além disso, se levarmos em conta o raciocínio do tipo
abdutivo, definido por Peirce como o responsável pela geração de novas ideias, o caráter
probabilístico, característico da retórica, pode ser considerado como uma importante
contribuição ao desenvolvimento do conhecimento.
“RETÓRICA COMUM” E “RETÓRICA ESPECULATIVA”
No seu artigo “The general secret of rendering signs effective:” on the Aristotelian
roots of Peirce’s conception of rhetoric as dynamis, téchne and semeiotic form of the
summum bonum, o autor Alessandro Topa (2019) cita o breve artigo de Peirce (1998)
“Ideas, Stray or Stolen, about Scientific Writing”, escrito originalmente em 1904, mas que
3 Vale ressaltar que, entre as numerosas referências de Perelman e Olbrechts-Tyteca (1996), infelizmente falta o nome
de Charles Sanders Peirce.
Dimensões estéticas, cognitivas e tecnológicas de comunicação
Capítulo 11
150
vem sendo estudado e interpretado por vários pesquisadores. O autor estabelece um foco
nos diferentes usos de Peirce dos termos “arte universal da retórica”, “retórica comum”
e “retórica especulativa”. O primeiro, segundo Topa, corresponde à potencialidade da
retórica, o segundo, a como a retórica vem sendo definida e praticada ao longo da história,
e o terceiro, como uma definição de leis semióticas nas ciências normativas.
No texto referenciado, Peirce define a retórica especulativa ao modo pragmatista,
levando em conta que as ideias correspondem à compreensão do mundo em que vivemos
e nossas formas de ação sobre este contexto de vida: “a ciência das condições essenciais
sob as quais um signo pode determinar um signo interpretante de si mesmo e de tudo
o que ele significa, ou pode, como signo, produzir um resultado físico” (PEIRCE, 1998,
p.326). Embora com um teor pragmatista, a intenção é elevar a retórica ao seu caráter mais
abstrato e menos instrumental.
A “retórica comum”, de acordo com a interpretação de Topa (2019), levando em
conta referências de Gabriele Gava, corresponderia aos usos dos signos em diferentes
contextos, como ocorre, entre muitos outros, nos âmbitos jornalístico e cinematográfico.
Faz parte de uma concepção de uma semiose comunicativa, em que os eventos
correspondem a determinadas estruturas de relações semióticas, que são estudadas na
gramática especulativa definida por Peirce, como “uma subdisciplina da semiótica lógica
normativa” (TOPA, 2019, p. 414). Os “conceitos que refletem as relações necessárias desta
relação (signo, objeto, interpretante) devem ser considerados como aspectos necessários
especificáveis para cada desempenho de semiose comunicativa” (TOPA, 2019, p. 414).
Haveria necessariamente um meio de comunicação, um contexto midiático e um sistema
de signos interpretativo.
Dentro da arquitetura filosófica de Peirce, conforme Santaella (2003), há três partes
principais, a Fenomenologia, as Ciências Normativas e a Metafísica. As ciências normativas
são a Estética, a Ética e a Semiótica ou Lógica. A parte mais conhecida da filosofia peirceana
é a Semiótica ou Lógica, que se divide em Gramática Pura ou Especulativa, Lógica Crítica,
e Retórica Pura ou Especulativa.
Conforme Nathan Houser, editor da coletânea The Essential Peirce¸ a gramática
especulativa é um ramo da semiótica que investiga as representações (signos e semioses),
e procura elaborar as condições necessárias e suficientes para representar e classificar
os diferentes tipos de semioses possíveis. Houser nota que a gramática especulativa
frequentemente é apresentada como se fosse toda a semiótica peirceana, porque nela
são descritos os diferentes tipos de signos e de tricotomias. O segundo ramo da semiótica
é a “crítica”, que é a parte da lógica que estuda as partes constituintes dos argumentos e
produz uma classificação de argumentos, partindo de pressupostos de que toda afirmação é
verdadeira ou falsa. Neste ramo, conforme Houser, são importantes os tipos de raciocínios
ou lógicas estudados e redefinidos por Peirce: abdução, indução e dedução. O terceiro
ramo é a retórica especulativa. É “o estudo das condições necessárias de transmissão do
Dimensões estéticas, cognitivas e tecnológicas de comunicação
Capítulo 11
151
significado por signos de mente a mente, e de um estado mental para outro” (PEIRCE in
HOUSER, 1992, p. XXXVIII).
Desta forma, as frequentes análises semióticas de textos comunicativos
correspondem à gramática especulativa, tendo a ter proximidade com a análise do discurso
no âmbito da comunicação. Uma das diferenças semióticas em relação à análise do discurso,
que corresponde à retórica, seria também a possibilidade de propiciar a elaboração de
semioses com determinados propósitos ou textos com a intenção de convencer.
O autor Alessandro Topa (2019) enfatiza que a “retórica comum” corresponde às
formas especializadas de retórica, mas que não podem ser unificadas, correspondendo o
termo singular, somente, de maneira generalizada, às manifestações práticas da tradição
retórica. Segundo Topa, Peirce aborda a “retórica comum” como uma manifestação única,
pressupondo a falta da autorreflexão inerente a todas as suas manifestações. Desta forma,
a retórica especulativa, como de fato uma ciência única, vem a ser uma contribuição para
uma retórica refletida, para além dos instrumentais práticos.
Citando Gabriele Gava, Topa (2019) menciona que, para Peirce, a retórica está
relacionada à efetividade dos signos e sua capacidade de dar origem a processos de
interpretação e outros tipos de efeitos. No caso da retórica aristotélica, a retórica seria uma
ciência prática, resultado de uma investigação sobre como a argumentação pode ocorrer
ou deve ser feita da melhor forma. A medição de duas tendências opostas “alcança os
outros e, assim, visa uma inteligibilidade alicerçada na generalidade, ao mesmo tempo
que é radicalmente individual, vivendo na carne do orador” (TOPA, 2019, p.422). A ação
retórica constitui-se, primeiramente, da generalidade que temos em comum compartilhada
pela linguagem. Na sequência, essa generalidade é aplicada na sua relevância específica,
relativa a cada coisa em um contexto específico.
Apesar de Topa (2019) não mencionar os tipos de signos definidos por Peirce,
percebe-se claramente a relação estabelecida entre legi-signos, que corresponde a ideias
mais generalizadas, e a sin-signos, que podem ser compreendidos como a atualização
destas ideias em contextos específicos. Também pode-se mencionar os quali-signos,
relativos à potencialidade das novas ideias expressas em raciocínios abdutivos.
Os aspectos icônico e indicial, que a teoria semiótica permite analisar, também
podem abrir perspectivas para a compreensão de aspectos emocionais relativos às ações
retóricas, embora, segundo Breton (2003), esses aspectos possam fugir de processos
argumentativos e dar lugar às manifestações retóricas eticamente questionáveis. Na
perspectiva peirceana, não há como ignorar nas semioses de caráter científico também
esses aspectos relativos às categorias fenomenológicas da primeiridade e da secundidade,
embora sujeitos ao falibilismo.
Dimensões estéticas, cognitivas e tecnológicas de comunicação
Capítulo 11
152
CONSIDERAÇÕES
A retórica especulativa de Peirce tem um caráter essencialmente teórico e
permite uma aproximação da retórica às ciências, ao contrário do que define Breton. Já
a gramática especulativa, definida por Peirce, permite aproximações e contribuições às
reflexões retóricas que podem ser bastante significativas no âmbito da comunicação. No
jornalismo, as ações de enquadramento são as mais significativas e podem ser analisadas
semioticamente.
Deve-se levar em conta, no momento crítico em que vivemos hoje, que há uma
recusa deliberada em certas correntes estabelecidas nas redes sociais de exercer a
obrigação ética inerente ao discurso argumentativo como uma forma de exercer plenamente
a cidadania. A semiótica e a retórica são permeadas pelo caráter ético inerente à condição
humana, caracterizada pelo exercício da liberdade humana, mas de forma a garantir as
condições desta liberdade.
A importância de estudar a retórica está no fato de que a nossa concepção de
mundo está vinculada ao modo como compartilhamos significados e, numa perspectiva
peirceana, a como somos convencidos a manter ou modificar determinadas crenças, que
também nos levam a modos de pensar, e, consequentemente, maneiras de agir.
Por um lado, a semiótica obviamente tem uma significativa perspectiva retórica e
o caráter pragmatista da filosofia de Peirce não pode prescindir de reflexões sobre as
questões retóricas. De outro lado, a retórica também não pode ignorar as contribuições da
semiótica peirceana, e uma retórica renovada pode ser desenvolvida nesta perspectiva.
O objetivo da retórica é estabelecer a concordância em torno de determinadas
ideias de forma a propiciar uma ação ou agir coletivo. Apesar da proximidade com a lógica,
estabelecida sobretudo por seu aspecto argumentativo, como ressalta Breton (2003), a
retórica tem como intuito sobretudo o caráter político, que pode ser compreendido como
a predisposição de uma determinada comunidade de seres humanos a agir em uma
determinada direção, a partir de um conjunto de crenças definida e cultivada em comum
acordo, através de atos comunicativos.
Cada sujeito é afetado e afeta os demais por ações retóricas, convencido e
predisposto a convencer através de atos comunicativos, que podem ser compreendidos
semioticamente como ações sígnicas. A partir do ponto de vista do indivíduo em relação ao
seu auditório, seus prováveis leitores ou ouvintes, é que se pode abordar a “identificação”
em uma abordagem retórica.
A retórica só pode ter relevância científica se pensada em uma perspectiva ética.
E o reconhecimento do seu valor científico consiste em evidenciar o papel que as ações
retóricas têm em relação não só às ações cotidianas, como é próprio das “retóricas comuns”,
mas também em relação ao próprio conhecimento, como manifesta Peirce através da sua
concepção da retórica especulativa.
Dimensões estéticas, cognitivas e tecnológicas de comunicação
Capítulo 11
153
REFERÊNCIAS
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Dimensões estéticas, cognitivas e tecnológicas de comunicação
Capítulo 11
154
CAPÍTULO 12
AUDIOVISUAL, TECNOLOGIA E INTERAÇÃO:
OBSERVAÇÕES DA SÉRIE DIÁRIO DE UM
CONFINADO
Data de aceite: 01/05/2022
Carolina Fernandes da Silva Mandaji
Este trabalho foi apresentado na aula inaugural do
Mestrado em Média e Sociedade do Instituto de
Portalegre (Portugal) em setembro de 2020, com uma
versão publicada na Revista Aprender, número 42 em
novembro de 2021.
RESUMO: Neste trabalho pretendemos uma
reflexão sobre o audiovisual como uma prática
semiótica contemporânea com características
estéticas que promovem uma interação a partir
de experiências sensíveis propostas. Partimos,
assim, dos conceitos de tecnologia e da narrativa
audiovisual como manifestação. Ampliamos a
discussão buscando - historicamente – explicar
os momentos diferentes pelos quais passou
a linguagem audiovisual, desde o cinema às
novas tecnologias com uma atenção especial
aos conceitos de cinema interativo (PARENTE,
2007); de imersão de Janet Murray (2003) e de
práticas de interação de Eric Landowski (2014).
Por fim, observamos sob o olhar destes conceitos
o programa de televisão seriado Diário de um
confinado (Rede Globo, 2020) lançado durante a
pandemia do Covid-19.
PALAVRAS‐CHAVE: Audiovisual, cinema expandido, interativo, sociossemiótica.
AUDIOVISUAL, TECHNOLOGY AND
INTERACTION: OBSERVATIONS FROM
TV SHOW DIARIO DE UM CONFINADO
ABSTRACT: In this work, we intend to reflect on
audiovisual as a contemporary semiotic practice
with aesthetic characteristics that promote
interaction, based on sensitive experiences
proposed. For this, we started from the concepts
of technology and audiovisual narrative as a
manifestation. We expanded the discussion
seeking - historically - to explain the different
moments that cinema and audiovisual went
through, with special attention to the concepts of
interactive cinema (PARENTE, 2007); immersion
by Janet Murray (2003) and interaction practices
by Eric Landowski (2014). Finally, we observe,
under the eyes of these concepts the TV show
Diário de um Confinado (Rede Globo, 2020)
launched during the Covid-19 pandemic.
KEYWORDS: Audiovisual, expanded cinema,
interactive, sociosemiotics.
APONTAMENTOS INICIAIS
O
século
XX
foi
marcado
pelas
tecnologias do audiovisual ligadas ao cinema
e à televisão. Agora, já há autores que
demarcam o momento como o do pós-cinema,
como Manovich (2016). Para outros, o cinema
vem de muito apresentando transformações
e mudanças em suas características, como
o que
André Parente (2007) aponta como
cinema interativo. Neste sentido, este trabalho
foi pensado para abordar diversas teorias do
Dimensões estéticas, cognitivas e tecnológicas de comunicação
Capítulo 12
155
campo da Sociologia e Comunicação como uma resposta ao seguinte questionamento: no
atual cenário contemporâneo, como as produções audiovisuais - mediadas por tecnologias
- utilizam materialidades de linguagem para produzir efeitos de sentido e interação?
Comecemos, então, por refletir sobre os novos rumos tecnológicos. É de
conhecimento o seu impacto sobre as diferentes mídias, dentre elas, a que mais nos
interessa, àquelas ligadas ao audiovisual. Não se trata de novidade. Entretanto, mais que
entender, torna-se importante descrever como se dão os impactos na comunicação dados
por “uma multiplicação de produtos e serviços que incidem sob nossas formas de consumo
e de expressão culturais” (RUDIGER, 2013, p.33).
Pela ampliação da discussão desses impactos na comunicação, o presente texto
busca lançar luz em questões importantes: a) numa perspectiva técnico-tecnológica,
abordar o conceito de tecnologia; b) apontar características narrativas e de interação como
uma prática semiótica. Assim, o texto está estruturado em três partes.
Na primeira, trabalharemos neste contexto da contemporaneidade os conceitos
da linguagem audiovisual presentificadas em diferentes materialidades sincréticas numa
sociedade tecnológica e midiatizada, fundados na experiência estética humana; para
isso considerando as reflexões de Rudiger e de Denson e Leyda. Na segunda parte,
abordaremos como as narrativas presentificadas em linguagem audiovisual possibilitam
intervenções do espectador em seus usos e consumos, pela presença propondo diversos
efeitos de sentido, para isso recorremos às abordagens de narrativa, textos interacionais e
imersivos. Por fim, a terceira e última parte descreve - a partir dos conceitos apresentados
anteriormente - o programa de televisão Diário de um confinado (Rede Globo, 2020)
lançado durante a pandemia do Covid-19.
TECNOLOGIA E LINGUAGEM AUDIOVISUAL
Sobre o primeiro aspecto, ressaltamos o uso da linguagem audiovisual de ordem
dialética, conforme explica Rudiger, como àquela dada por atividade não só tecnológica,
mas política e cultural. O autor explica que a comunicação originária do uso do computador
nesse ambiente de cibercultura não se desenvolveu apenas em termos funcionais e
científicos, mas também outros, como de caráter simbólico, imaginários, entre outros.
O planejamento de seu uso e a construção dos seus respectivos sistemas;
para não talar da pesquisa que os originou, continham sem dúvida uma
base racional. O embasamento tecnológico da mesma não pode ser bem
entendido, contudo, sem levar em conta as projeções fantasiosas com que
os vários grupos sociais envolvidos na situação não apenas a cercaram, mas
destilaram suas ideias para dentro do próprio desenvolvimento tecnológico.
A comunicação por meio do computador e a cibercultura que ela enseja
pertencem ao campo da atividade tecnológica tanto quanto da ação política
e da criação cultural. (RUDIGER 2013, p.41-42).
Relacionamos, assim, ao que diz Teixeira e Ferrari (2016, p.245) sobre a diferença
Dimensões estéticas, cognitivas e tecnológicas de comunicação
Capítulo 12
156
entre entender a internet como “meio” ou “plataforma”. Segundo os autores, o que
“pode parecer trivial do ponto de vista semântico” pode trazer impactos estratégicos
e mercadológicos na comunicação, e por consequência nos produtos e serviços (não
esquecendo o horizonte que é o do audiovisual e a internet enquanto meio).
Os autores (TEIXEIRA; FERRARI, 2016, pp.245-246) explicam que “enquanto os
grupos de mídia brasileiros perceberem a internet como um ‘meio de comunicação’, o
contexto será competitivo e a rede assumirá o papel de uma concorrente perigosa”. O que
estaria em jogo seriam fatias do público e do investimento em propaganda. Já, se a internet
“for entendida como ‘plataforma’, a conjuntura se torna cooperativa e a internet passa a ser
uma aliada, ampliando o território da audiência” (Teixeira, Ferrari, p.246).
Reflexões sobre os efeitos benéficos ou maléficos da (s) tecnologias não é de todo
recente. Citado por Rudiger, Adriano Rodrigues lembra tanto do otimismo talvez exagerado
de alguns autores quanto de visões mais sombrias sobre as tecnologias do final do século
XX. Poderia por um lado ser “uma oportunidade acrescida para o desenvolvimento, para
o avanço da participação das populações nas decisões políticas, para o desabrochar da
economia e a promoção de seus valores culturais” (Rudiger, 2013, p. 52-53), como também
essas mutações tecnológicas do nosso tempo podem ser vistas “como a morte das culturas
tradicionais, da diversidade de seus modos de vida, com a perda da espontaneidade das
diversas experiências do mundo que fizeram a riqueza das civilizações (RODRIGUES apud
RUDIGER, pp.52-53).
O que nos faz voltar ao nosso objeto, relacionando-o aos aspectos tecnológicos da
produção audiovisual, às formas de saber técnico, por um lado como sinônimo de arte, mas
também como uma forma especial de técnica por meio do desenvolvimento da habilidade
humana imediata: a produção (cinema, tv) utilizada pelo homem “em condições históricas
e sociais determinadas” (RUDIGER, 2016, p.62).
Bem, Denson e Leyda (2016, p.2) consideram variadas as tentativas de identificar
as características definidoras das novas mídias decorrentes de novas tecnologias.
Existem as que enfatizam-nas como “essencialmente digitais, interativas, em rede, lúdico,
miniaturizado, móvel, social, processual, algorítmico, agregativo, ambiental ou convergente,
entre outras coisas”. Segundo as autoras, mais recentemente, alguns teóricos começaram
a dizer, simplesmente, que eles são pós-cinemáticos. O que isso, então, estaria dizendo?
Se para elas, o termo teria uma clara vantagem, por outro lado nos coloca a ponto de
reconhecer as características deste ambiente, como se fosse uma paisagem, como seus
novos formatos de mídia, dispositivos e redes.
Para empregar o termo, o pós-cinema é, antes de tudo, descrever esse
impacto em termos de uma ampla transformação histórica - emblemática pela
mudança do cinema para o pós-cinema. É a este respeito que encontramos
outra vantagem do termo; pois, em vez de postular uma ruptura com o passado,
o termo o pós-cinema nos pergunta com mais força do que a noção de “novas
mídias” (grifos dos autores), por exemplo, para pensar sobre a relação (ao
Dimensões estéticas, cognitivas e tecnológicas de comunicação
Capítulo 12
157
invés da mera distinção) entre regimes de mídia mais antigos e mais novos. O
pós-cinema não é só depois do cinema, e não é “novo” em todos os aspectos,
pelo menos não no sentido de que novas mídias às vezes são equiparadas
à mídia digital; em vez disso, é a coleção de mídia, e a mediação de formas
de vida, que “segue” o regime amplamente cinematográfico do século XX onde “seguir” pode significar ter sucesso em algo como alternativa ou “seguir
o exemplo” como um desenvolvimento ou uma resposta em espécie. Tratase de uma transição histórica contínua, desigual e indeterminada. (DENSON;
LEYDA, 2016, p.2).
O que as autoras colocam no centro da discussão decorre das transformações
tecnológicas que, por sua vez, desencadeiam mudanças narrativas, estéticas e
interacionais. Apesar do propósito de Denson e Leyda estar atrelado ao cinema, podemos
utilizar essa reflexão para as diferentes materialidades do audiovisual mediadas pela
televisão, computador, tablets, celulares, etc., promovendo experiências e práticas de
acordo com cada uma dessas possibilidades. Pensemos, assim, sobre os conceitos de
narrativa, dispositivo e produção de sentidos de interação, para depois considerarmos
como se dão as práticas de audiovisuais, atreladas à contemporaneidade.
O AUDIOVISUAL: RECONHECIMENTO E PROCESSO
Contar histórias está, desde sempre, presente em nossas vidas. Roland Barthes
(2013, p.19) afirma que inumeráveis são as narrativas do mundo. Para o autor, as narrativas
distribuídas em materialidades diferentes presentifica a confiança dos homens em contar
histórias, seja pela linguagem articulada, oral ou escrita, imagem, fixa ou móvel. Além
disso, a narrativa para Barthes (2013, p.19) está “[...] presente em todos os tempos, em
todos os lugares, em todas as sociedades”, também pode nos ajudar a compreender as
possibilidades de interação propostas com os espectadores do audiovisual.
Ainda seguindo o pensamento de Barthes, Milton José Pinto na introdução do
livro “A análise estrutural da narrativa” propõe que existem três formas de manifestação
da mensagem narrativa (que, segundo Pinto, tendem a se misturar, em combinações e
intensidades diversas). A primeira seria a narrativa-fábula cujo propósito nos leva a refletir
sobre o enunciado da narrativa e portanto aos seus elementos invariantes e ao código
utilizado; a segunda seria a mensagem figurativa ligada aos sistemas de figuras, imagens e
símbolos (e ainda por desenvolver); e a terceira se trata da mensagem estética, sendo esta
última a que mais no interessa nesta reflexão, à que organiza a enunciação, uma espécie
de narrativa da narração, estudos sobre os aspectos, os modos de dizer, das estruturas
temporais, espaciais e causais dos elementos discursivos da narrativa.
Cabe-nos, portanto, entender que: os desdobramentos estéticos e técnicos
identificados em audiovisuais nos colocam a discutir os processos de produção de sentido
a partir de cada uma dessas possibilidades narrativas; as representações de espaço e
tempo nas narrativas audiovisuais nos mostram os percursos propostos; e a incorporação
Dimensões estéticas, cognitivas e tecnológicas de comunicação
Capítulo 12
158
dessas técnicas e estéticas decorrentes nos impõem a transformação dos usos e consumos
dessa linguagem.
Fomos buscar para esta reflexão o conceito de dispositivos do audiovisual e seus
usos enquanto práticas semióticas. Para isso, recorremos aos conceitos de cinema
interativo de Parente (2007); de imersão de Janet Murray (2003) e de práticas de interação
de Eric Landowski (2014).
Advindo do universo das artes, seja como produtor ou como pesquisador e
professor, André Parente se propôs a discutir as transformações do cinema, bem como
suas características estéticas e de produção de sentido. Mesmo que o autor assuma estar
mais interessado em discutir as transformações pelas quais passa o cinema, sua definição
de cinema como um dispositivo nos serve para refletir sobre o atual momento, de forma
geral, do audiovisual. Parente (2007, p. 5) explica que
O cinema é, a exemplo do livro contemporâneo, um dispositivo complexo
que envolve aspectos arquitetônicos, técnicos e discursivos. Cada um destes
aspectos é, por si só, um conjunto de técnicas, todos eles voltados para a
realização de um espetáculo que gera no espectador a ilusão de que ele está
diante dos próprios fatos e acontecimentos representados.
Tais proposições sobre o cinema demonstram, para o autor, a multiplicidade que o
cinema sempre teve, entretanto “encoberta e/ou recalcada por sua forma dominante”, por
sua forma clássica de se presentificar como linguagem. Ainda assim, Parente identificou
que a história do cinema se dá por cinco momentos fortes quando as transformações e
experimentações do dispositivo cinematográfico. São eles: cinema do dispositivo, cinema
experimental, arte do vídeo, cinema expandido, cinema interativo.
Antes de falarmos sobre o que mais nos interessa, convém a partir de Parente
discutir a definição do termo dispositivo. O autor explica que o uso desse termo se dá
primeiro pautado por teóricos do estruturalismo, entre eles Jean-Louis Baudry, Christian
Metz e Thierry Kuntzel, que foi utilizado para definir a disposição particular que caracteriza
a condição do espectador de cinema (PARENTE, 2007, p.6). Seguindo Baudry, Parente
explica que
Como no dispositivo de representação conhecido como campo/contracampo,
o dispositivo cinematográfico é ao mesmo tempo, um conjunto de relações
onde cada elemento se define por oposição aos outros (presente/ausente), e
aonde o espaço do ausente (imaginário) se torna o lugar (vimos que é ele que
torna visível) onde uma não-presença se mistura, ou melhor, se sobrepõe a
uma presença. (PARENTE, 2007, p.8).
Essa noção de pensar sobre as oposições, sobre a ausência e presença nos
coloca a questão das características narrativas espaciais e temporais e como tais noções
ambientam o espectador na produção de efeitos de sentidos articulados em produções
audiovisuais que exploram a possibilidade de materializar a linguagem propondo diferentes
formas de interação em seus consumos.
Dimensões estéticas, cognitivas e tecnológicas de comunicação
Capítulo 12
159
Parente vai adiante em sua reflexão sobre o termo dispositivo e aborda ainda outros
três principais conceitos em termos filosóficos, contextualizados nas obras de Foucault,
Deleuze e Lyotard.
O conceito de dispositivo tem uma história filosófica forte na obra dos grandes
filósofos pós-estruturalistas, em particular Michel Foucault, Gilles Deleuze e
Jean-François Lyotard. Para eles, o efeito que o dispositivo produz no corpo
social se inscreve nas palavras, nas imagens, nos corpos, nos pensamentos,
nos afetos. É por essa razão que Foucault fala de dispositivos de poder e de
saber, Deleuze fala de dispositivo de produção de subjetividade e Lyotard de
dispositivos pulsionais”. (PARENTE, 2007, p.10).
O que queremos trazer com essa reflexão do dispositivo não foge à noção
de representação, linguagem e às cadeias significantes, mas ampliar tais questões
considerando para isso a experiência estética e sensível entre o sujeito e o dispositivo
audiovisual.
Dadas as devidas considerações sobre o conceito de dispositivo, voltemos aos
momentos fortes do cinema e suas diferentes formas (PARENTE, 2007). O cinema
tradicional “forma cinema”, é apenas uma forma particular de cinema que se tornou
hegemônica, um modelo estético determinado histórica, econômica e socialmente; um
modelo de representação. Trata-se de uma “forma narrativa-representativa-industrial”,
segundo Parente.
O cinema expandido apresenta um processo de transformação da teoria
cinematográfica. Não se trata de pensar a imagem apenas como um objeto, mas como
acontecimento. Implica, neste cinema, entendê-lo como campo de forças, sistemas de
relações diferentes, instâncias enunciativas, figurativas e perceptivas da imagem, tais
quais Denson e Leyda descrevem esse momento do pós cinema.
Santaella (2013, p. 217) explica a importância de entender a efervescência do
cinema expandido lá em meados da década de 70, que não se propunha necessariamente
a explorar formas narrativas, mas, das potencialidades do cinema e do audiovisual. A autora
explica que a obra Youngblood1 tratava o cinema expandido a partir de três aspectos: a)
amalgamar todas as formas de arte, o filme inclusive, em eventos multimídia e de ação
ao vivo; b) explorar as tecnologias eletrônicas antecipadoras do ciberespaço; c) romper
as barreiras entre o artista e a audiência por meio de diversas formas de participação. A
autora lembra que esse movimento do cinema foi responsável pela busca de formas novas
e alternativas de estruturas narrativas ou não, bem como temporais que “explorassem os
aspectos perceptivos e cognitivos da experiência do ver” (SANTAELLA, 2013, p.223).
Já o cinema interativo é aquele cinema experimentado, ambientado no universo
1 Considerado como um dos primeiros autores a trabalharem o conceito de cinema expandido, na obra Expanded Cinema, Gene Youngblood entende que o cinema experimental norte-americano, além do surgimento da televisão, vídeo
e computador ampliam o conceito tradicional de cinema, que para o autor, deveria passar a ser entendido como “escrita
do movimento”, da própria etimologia da palavra e o que incluiria “todas as formas de expressão baseadas na imagem
em movimento”, explica Arlindo Machado (2007, p. 66).
Dimensões estéticas, cognitivas e tecnológicas de comunicação
Capítulo 12
160
do digital e que conta com as potencialidades possíveis do uso dessas tecnologias, que,
portanto, fará do uso do cinema como aquele espaço a ser vivido, experimentado, explorado.
É como um escape à representação, a tecnologia e suas potencialidades estéticas, que
alteram – em parte – as condições do espectador, bem como suas formas de consumo.
Figura 1 – Momentos do cinema: tradicional, expandido, interativo.
Fonte: Autoria própria baseado em Parente (2007) e Santaella (2013).
São essas experiências e os demais momentos e transformações do audiovisual
e das tecnologias utilizadas que irão promover alterações significativas nas práticas do
audiovisual. Diante disso, cabe-nos refletir sobre os efeitos de sentido e características
estéticas que exploram as experiências por meio das narrativas dos audiovisuais a serem
analisados.
Já vimos que Parente intitula o cinema interativo como aquele experimentado, agora
mergulharemos nos conceitos de interação – imersão, agência, transformação - com as
narrativas nos ambientes digitais proposto por Murray e também discutido por Souza. Além
disso, observamos à luz da sociossemiótica, proposta pelo autor francês Eric Landowski,
uma produção audiovisual.
Quando falamos em imersão – no sentido proposto pela autora Janet Murray
– estamos abordando o sentido semântico da palavra: “mergulhar” em outros mundos,
mesmo que, porém, estejamos permanecendo no mesmo local. Souza (2017) explica que
a imersão é elaborada com diminuição de estímulos externos e ampliação dos sentidos
internos (olfativos, auditivos, degustativos e visuais) de modo que o meio se torna “invisível”
ao usuário.
Quando a interface não se faz perceptível, a diegese da narrativa ficcional se
faz ainda mais presente. No entanto, é importante ressaltar que não é o aparato
Dimensões estéticas, cognitivas e tecnológicas de comunicação
Capítulo 12
161
o fator preponderante da imersão (embora exerça poderosa influência), mas
sim o contrário: quanto mais significativa e envolvente for a diegese, maior
é a capacidade imersiva. O aparato é um artifício que amplia os sentidos
imersivos provocados pela diegese2 da narrativa. (SOUZA, 2017, p. 48).
O autor diferencia a imersão em mídias tradicionais e mídias digitais. A primeira
explora o deslocamento de realidade pautado no imaginário, no campo mental, já a segunda
oferece além da possibilidade de imaginar, como também de ver e em certos casos até
tocar, sentir, escutar ou cheirar a nova realidade apresentada. Assim, temos a experiência
imersiva, dada pela materialidade de linguagem na utilização de aparatos tecnológicos e
diegese narrativa que possibilitem.
Esta pode ocorrer através de duas formas: pelo deslocamento emocional através
da criação de uma narrativa imaginária; ou, pelo deslocamento cognitivo através de um
espaço simulado por alguma interface tecnológica. Em outras palavras, “a imersão pode ser
alcançada tanto na esfera do sensível, com o envolvimento, aprofundamento e mergulho em
determinada narrativa quanto em ambientes com múltiplos estímulos sensoriais derivados
da alta tecnologia”, afirma Souza (2017, p. 52).
A capacidade de, através de comandos, realizar e obter o retorno de ações
significativas em uma narrativa é mais conhecida como narrativa interativa, mas nos termos
de Murray e acompanhada de Souza é intitulada agência. O sentido na agência é dado em
nossa capacidade gratificante de realizar ações significativas e ver os resultados de nossas
decisões e escolhas (SOUZA, 2017, p. 127). O autor explica que:
A agência, então, vai além da participação e da atividade. Como prazer
estético, uma experiência a ser saboreada por si mesmo, ela é oferecida de
modo limitado nas formas de arte tradicionais, mas é comumente encontrada
nas atividades estruturadas a que chamamos de jogos. (SOUZA, 2017, p.129).
Na forma interacional proposta como agência, a estrutura de jogo independe, mas
o seu uso, a ação de navegar por, é o que define a construção do sentido e a experiência
do espectador.
Murray (2003) define ainda um terceiro tipo de experiência estética imersiva que
é a transformação. Segundo a autora, a transformação permite ao usuário a navegação
em ambiente digital por jornada própria, com possibilidades de alteração no conteúdo.
Embora, Souza repercute ainda o cinema imersivo3, iremos direcionar o olhar considerando
2 Para Christian Metz, “A palavra provém do grego diegesis, significando narração e designava particularmente
uma das partes obrigatórias do discurso judiciário, a exposição dos fatos. Tratando-se do cinema, o termo foi revalorizado por Étienne Souriau; designa a instância representada do filme – a que um Mikel Dufrenne oporia à instância
expressa, propriamente estética –, isto é, em suma, o conjunto da denotação fílmica: o enredo em si, mas
também o tempo e o espaço implicados no e pelo enredo, portanto, as personagens, paisagens, acontecimentos
e outros elementos narrativos, desde que tomados no seu estado denotado (Metz, Christian, 2004. A significação no
cinema. São Paulo: Perspectiva, p.118.).
3 Souza (2017, p. 250) explica que o cinema é dito imersivo, chamado também de imercine caracteriza-se por uma
categoria representativa de todo suporte que permite sua visualização, que por sua vez, “corresponde a toda narrativa
audiovisual que se manifesta em perspectiva espacial panorâmica e/ou tridimensional”. O autor continua sua definição
de imerfilmes relacionando-os aos próprios dispositivos tecnológicos através dos quais são assistidos, tais como óculos
de realidade virtual, celulares, tablets, computadores, caves, hologramas, etc. “O imerfilme apresenta narrativas em
Dimensões estéticas, cognitivas e tecnológicas de comunicação
Capítulo 12
162
a experiência imersiva a partir desses aspectos.
Entende-se, pois que esses três aspectos da experiência imersiva na relação com
o audiovisual – imersão, agência, transformação - ressaltados por Murray e Souza, nos
auxiliam a relacionar a proposta narrativa através das quais os audiovisuais são produzidos
e os usos que decorrem a partir da proposta.
E assim, podemos seguir com nossa reflexão a partir da observação de uma prática
audiovisual, nem tida como a mais inovadora, nem especial, mas que foi selecionada por
meio de buscas realizadas e que nos apresentam questões a serem pensadas e analisadas
conforme os conceitos trabalhados até aqui.
PRÁTICAS DE INTERAÇÃO NO AUDIOVISUAL
Convém dar conta em primeiro lugar, especificando que as observações dessa prática
semiótica estão longe de esgotar os sentidos propostos por ela. Além disso, é importante
frisar que a utilização do termo semiótica demarca o terreno metodológico através do qual
as observações se darão. Não em seu sentido strict sensu, nunca como apenas um texto,
mas dialogando com os pressupostos do fundador da Semiótica Discursiva A. J. Greimas
e o entendimento de que
o “texto” (grifos do autor) sempre foi um “modelo” para a construção e
a descrição de qualquer tipo de fenômeno, independentemente de sua
natureza expressiva e de seu tamanho” [...] Ou seja: o objeto da semiótica
nunca foi, não é, nem nunca será o “texto-objeto-fechado” (livro, foto, quadro,
filme, etc., que, aliás, muitas vezes fechado nem é), mas sim o “sentido” e sua
articulação sob forma de “significação”. (DEMURO, 2019, p.87-88).
Se falamos no sentido e em sua articulação para significar por meio das práticas,
é porque avançamos para a sociossemiótica4, cuja preocupação está centrada no social
construído, ou seja, “nos discursos que nele circulam e pelos atos dos sujeitos que nele
interagem” (DEMURO, 2019, p. 89). O autor segue:
[...] antes de ser um método – ou pior, uma caixa de ferramentas passíveis
de serem aplicadas a objetos de naturezas diversas – a semiótica e a
sociossemiótica são uma maneira de olhar e abordar o mundo e seus
fenômenos. Um olhar profundamente anti-essencialista, pelo qual nada –
mundo, fenômenos, objetos, sujeitos, o social, a cultura, etc. – tem uma forma
e uma identidade fixa, aprioristicamente definida e a-discursiva, nem nada
existe independentemente de alguém que com ele interage, re-construindo e
que a imagem em movimento se manifesta em 360 graus, o que modifica as concepções da linguagem cinematográfica
tradicional”, afirma (SOUZA, 2017, p. 250).
4 Trata-se de sustentar as reflexões por um olhar teórico-metodológico construído nos estudos sobre os regimes de
sentido e interação apresentados por Eric Landowski no livro Interações Arriscadas (2014b) e nas demais publicações
posteriores, “teórico que se propõe a dar conta tanto dos regimes de sentido e interação que caracterizavam a gramática
narrativa standard (grifos do autor) de Greimas”, pautadas pelo inteligível, “quanto de outros regimes que o semioticista
lituano tinha vislumbrado sem, contudo, elaborá-los de modo sólido, coerente e coeso” (DEMURO, 2019, p. 91), pautadas pelo sensível.
Dimensões estéticas, cognitivas e tecnológicas de comunicação
Capítulo 12
163
apreendendo, assim, seu sentido [...]. (DEMURO, 2019, p.90).
Junto dos demais conceitos apresentados e por esse olhar para o social e seus
fenômenos re-construindo sentidos é que iremos abordar uma prática audiovisual
contemporânea e as experiências promovidas por ela. Trata-se do programa de televisão
Diário de um confinado (Rede Globo, 2020) estrelado pelo ator Bruno Mazzeo, com direção
artística de Joana Jabace.5
Souza propõe como metodologia a observação de determinadas características
estéticas e narrativas. São elas: moldura que consiste nas dimensões físicas em que a
imagem é apresentada; visualidade que diz respeito à disposição imagética da obra (2d ou
3D); receptividade do público ou a forma como o espectador dialoga com a obra; narrativa
que consiste na forma como é conduzida a narratividade do conteúdo; experiência, se é
coletiva ou individualizada e segmento no qual o audiovisual circula (SOUZA, 2017, pp.
252-253).
Para abordar a prática semiótica audiovisual o programa de televisão “Diário de um
confinado”. O projeto criado pelo ator Bruno Mazzeo e a diretora artística Joana Jabace
durante a pandemia do Covid-19 aborda em seus episódios crônicas das situações vividas
pelo personagem principal Murilo durante o isolamento social.
O projeto lançado como multiplataforma foi veiculado entre junho e julho na
televisão aberta pela TV Globo, nos canais por assinaturas Multishow e GNT e também
disponibilizado no Globo Play. A diretora Joana Jabace explica que a produção contou com
uma equipe multidisciplinar que conceituou e pré-produziu a série à distância. “Assistente
de direção, produção de arte, montador, pós-produção, figurino, efeito especial. Todos
os departamentos foram participando cada um de sua casa. Entramos de cabeça nesse
desafio imbuídos de fazer dar certo e nos reinventarmos”, explica (COMUNICAÇÃO
GLOBO, 2020).
5 A série foi gravada na casa da diretora e do ator, que são casados na vida real. O projeto de dramaturgia multiplataforma gravado no apartamento do casal, Rio de Janeiro, teve produção e captação de participações especiais realizadas
de forma remota (GSHOW, 2020).
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Capítulo 12
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Figura 2 – Produção da série “Diário de um confinado”.
Fonte: Globo, GSHOW (2020).
Por se tratar de um projeto desenvolvido durante o isolamento social imposto pela
pandemia do Covid-19 e abordado como temática principal da série, as cenas foram
gravadas dentro do apartamento do casal, no elevador e corredores do prédio (com
interação com a atriz Débora Bloch, também moradora do prédio e que vive a personagem
Adelaide) e conta ainda com cenas captadas à distância com os atores. O ator Bruno
Mazzeo descreve como foi contracenar à distância:
Tinha uma coisa muito curiosa que era o contracenar à distância. A gente
foi percebendo também maneiras de achar um jeito na hora de contracenar,
para que ficasse uma coisa orgânica e, por sorte, nós temos amigos muito
talentosos (GSHOW, 2020).
Retomando os conceitos anteriores, é válido descrever que tal prática audiovisual
utilizou uma emissora de televisão, aplicativo, captação do show dos músicos, além
da materialidade final disponibilizada: pílulas da série6, materiais de divulgação7 e os
próprios episódios veiculados Podemos, assim, caracterizar essa prática como audiovisual
expandido como nos propõe Parente, que coloca a produção audiovisual dentro de um
sistema de relações com a promoção das diferentes instâncias enunciativas, figurativas e
perceptivas da imagem.
A série foi entendida como interativa seguindo Souza, quando apresenta-se por
única ou múltiplas telas retangulares, numa imagem bidimensional, cuja linguagem é
hipermidiática (extrapolando a linguagem audiovisual ao utilizar-se de outras mídias e
plataformas).
Do tipo imersão a partir de Murray, entretanto também agência quando entendemos
a opção dos telespectadores em acessarem o programa a partir do Globo Play e, assim,
assistir à sua escolha, não obedecendo a um arco narrativo ou à própria disponibilização
6 Episódios de menor duração foram inseridos no decorrer da programação do Canal GNT.
7 Foram incluídos trechos de making off no final dos episódios e bastidores e entrevistas foram apresentadas e disponibilizadas pelo Globo Play e por outros programas da Rede Globo.
Dimensões estéticas, cognitivas e tecnológicas de comunicação
Capítulo 12
165
dos episódios numa grade (como aconteceu com os telespectadores da TV Globo). Desta
maneira, essa escolha da ordem dos episódios pode ser realizada por uma certa interação.
Por fim, a série promove um fazer-sentir que explora as potencialidades sensíveis,
como define Landowski. Nesse caso, entendemos que a significação passa não só pelo
inteligível, como também pela captura do sensível. A série promove uma interação que
busca a identificação do espectador com cada uma das situações vividas pelo personagem.
Se por um lado, de certo que há uma interação da manipulação promovida pela
emissora enquanto organização institucional destinadora de um fazer-assistir; da
programação na exploração do hábito dos telespectadores (já que o programa ocupou
na grade de programação um horário destinado há anos aos programas cômicos e
humorísticos), mas também do ajustamento com a temática discursiva e narrativa
descrevendo as situações do isolamento social, no próprio contexto vivido por todos.
Sobre essa busca pela abordagem do tema, o ator Bruno Mazzeo afirma que a produção
tinha uma urgência e “porque falamos de coisas que não existirão mais [...] de repente, nos
vimos em uma nova realidade. A gente queria falar desse movimento específico mesmo”
(GSHOW, 2020).
Além disso, as interações promovidas pela série estão baseadas nas escolhas
estéticas da linguagem audiovisual, como por meio do cenário utilizado da casa do
personagem, da interação com personagens à distância, dos figurinos, entre outras. Assim
como, por meio da interação promovida com os telespectadores e suas próprias escolhas,
quer dizer, pelo material ter sido disponibilizado em multiplataformas, em especial numa
plataforma de streaming, que permite ao espectador outras formas de interação.
APONTAMENTOS FINAIS
A proposta aqui apresentada parte de uma reflexão sobre o audiovisual na
contemporaneidade. Para isso, buscamos dissertar sobre os conceitos de tecnologia e
manifestação da narrativa e como as experiências dadas a partir do audiovisual podem
estar promovendo outras interatividades com os espectadores.
Nesse sentido, trazemos novamente Janet Murray, que, ao definir o aspecto de
interação agência como resultado de uma decisão ou escolha do espectador, quer dizer,
como a partir de uma sensação experimental cuja ação decorrente é significante, nos
mostra o caminho. Essa experimentação pode ser realizada no caso de “Diário de um
confinado” quando é dada ao espectador a possibilidade de acesso a outros conteúdos
disponibilizados no Globo Play sobre o universo da série, como por exemplo: making off de
produções, bastidores e entrevistas, entre outros.
Assim como Parente e Souza, com o cinema interativo, pensamos que esse seja o
caminho a ser seguido nas análises de produções audiovisuais, que, atualmente, buscam
cada vez mais espectadores com “capacidade gratificante de realizar ações significativas
Dimensões estéticas, cognitivas e tecnológicas de comunicação
Capítulo 12
166
e ver os resultados de nossas decisões e escolhas” (MURRAY, 2003, p. 127).
É ainda, com Landowski, que entendemos que para aprofundar essas análises
é preciso observar os dois tipos de processos de significância da prática semiótica
audiovisual na contemporaneidade: a leitura e a captura. A leitura que está fundada sobre o
reconhecimento de formas figurativas, na “decifração das “significações” (grifos do autor);
e, a captura, que está pautada na “apreensão do “sentido” que emana das qualidades
sensíveis — plásticas, rítmicas, estésicas — imanentes aos objetos” (LANDOWSKI, 2014a,
p. 13). Tais processos continuarão a ser explorados quando um contexto (como foi o da
pandemia de Covid-19) alterou também as formas de produção da linguagem audiovisual
e seus produtos e, por consequência, a leitura e a captura dos efeitos de sentido. Imagens
das telas de computador e celular, embora tenham sido utilizadas há tempos nos produtos
audiovisuais, suas qualidades sensíveis promovem outros efeitos de sentidos adquiridos
junto à experiência vivida do isolamento social.
Com Souza (2017) podemos olhar para as realidades interativas propostas pelas
narrativas e para as possibilidades de experiência que podem ser produzidas. O autor
diz que é possível relacionar público e obra por meio da empatia, das memórias, da
expansão do conhecimento e das realidades “ao explorar universos que possam trazer
novas perspectivas de compreensão de um mundo cada vez mais plural, e que por sua vez
se amplia e se intensifica quando as histórias favorecem elevada sensação de imersão”
(SOUZA, 2017, p.44).
Por fim, entende-se que ainda hoje há um predomínio de produções cujas narrativas se
apoiam no audiovisual tradicional, clássico, entretanto se apontarmos para as questões das
produções e narrativas audiovisuais que estão por vir, veremos os desafios desconhecidos.
Um deles é a necessidade urgente de análises que possam promover formas de leitura das
experiências partilhadas pelos espectadores em obras experienciadas.
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Capítulo 12
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CAPÍTULO 13
A PARTICIPAÇÃO DO ESPECTADOR NO CURTA
IDEOLOGIA, DE JOSÉ MOJICA MARINS: UMA
COMPREENSÃO POR MEIO DA NARRATIVA
CINEMATOGRÁFICA
Data de aceite: 01/05/2022
Fernando de Barros Honda Xavier
Universidade Tuiuti do Paraná, Curitiba, PR
Graduado em fotografia pelo Instituto Superior
de Brasília – IESB e mestrando do PPGCom
da Universidade Tuiuti do Paraná - UTP na
LP de cinema e estudos audiovisuais, futura
dissertação sob orientação do Prof. Dr. Marcelo
Carvalho
INTRODUÇÃO
Enquanto parte do cinema marginal
brasileiro, considerado um de seus pioneiros,
José Mojica Marins, mais conhecido como o
seu álter ego Zé do Caixão, escreveu, dirigiu
e produziu diversas obras fílmicas voltadas
ao subgênero horror. Nesse contexto, o filme
Estranho Mundo de Zé do Caixão (1968)
contém três curtas-metragens que abordam os
seguintes temas: sexo, canibalismo, estupro,
RESUMO: A proposta do trabalho é compreender
de qual forma o espectador se envolve com o
curta metragem Ideologia (1968) de José Mojica
Marins por meio da narrativa cinematográfica.
Essa proposta tem como embasamento a noção
da atividade do espectador por meio da recepção
e cognição de David Bordwell (1985) no contexto
da narrativa e recursos fílmicos utilizados no
objeto elencado. Assim, dentro do curta, foi
apontada uma sequência que indicaria a relação
entre o realizador e o espectador, para a análise
dessa relação autores como Edgar Morin (2014)
e Hugo Münsterberg (2021) são utilizados. A
hipótese é de que a interação com a obra fílmica
se daria de maneira subjetivamente construída
a partir da vivência daquele que assiste e dos
recursos cinematográficos utilizados na obra,
assim, o eixo receptor-espectador se deslocaria
para observador-testemunha.
PALAVRAS-CHAVE: Narrativa; Epistemologia;
Espectatorialidade; Mojica; Horror.
voyeurismo e morte. Esses curtas podem
ser entendidos como episódios por estarem
inseridos no contexto da filosofia de Zé do
Caixão.
No último episódio, há a racionalização
dos temas desenvolvidos e apresentados por
meio dos acontecimentos da trama, a utilização
de diálogos expositivos unidos à imagem em
movimento para literal demonstração do que se
é dialogado. Ideologia aborda a superioridade
da carne sobre o espírito, desta forma, o ser
humano sempre penderá ao instinto. Para
mostrar essa abordagem, o episódio utiliza-se
das técnicas cinematográficas para iniciar uma
discussão entre “razão” e “instinto” a partir do
aprisionamento de um casal (figura 1), dando
início
a
observado
um
experimento
pelo
constantemente
espectador,
no
entanto
executado pelo Oãxiac Odéz. A hipótese é de
que os recursos cinematográficos utilizados,
em concordância com as falas de Oãxiac e a
Dimensões estéticas, cognitivas e tecnológicas de comunicação
Capítulo 13
169
vivência do espectador, comprovariam a teoria que ele apresenta no filme, deslocando a
posição de receptor-espectador.
A partir do diálogo e da trama existentes no objeto escolhido, a presente pesquisa
se baseia no contexto da narrativa cinematográfica, levados pelo diálogo e ações em cena
apontados e percebidos pelo espectador. Essa explicitação demonstrada é apontada por
Bordwell (1985) o encadeamento das imagens por meio da montagem e a construção da
narrativa a partir do espectador serão utilizados para a investigação, isto é, a teoria da
narrativa cinematográfica.
Apresentado esse contexto, o problema norteador pode ser apresentado: de qual
forma pode ser compreendida a participação do espectador no curta Ideologia? Para assim
compreender essa forma de participação, os objetivos específicos são: [a] compreender
o discurso da obra em uma cena específica; [b] investigar a localização do espectador
nesse contexto e [c] compreender a forma como o espectador se relacionaria com a obra.
A metodologia escolhida é a revisão de literatura e descrição.
Por fim, a justificativa da pesquisa se insere em uma possível investigação futura
no campo da teoria dos cineastas, a utilização da interpretação da narrativa fílmica, a
investigação de uma possível epistemologia norteadora para o cinema e, ainda, propiciar o
fomento da discussão sobre o cinema brasileiro de horror.
Figura 1.
Fonte: Frame do curta Ideologia (1968), de José Mojica Marins.
Dimensões estéticas, cognitivas e tecnológicas de comunicação
Capítulo 13
170
OÃXIAC ODÉZ ENTRE A CIÊNCIA E INSTINTO
O curta inicia mostrando o professor Oãxiac Odéz defendendo a sua tese em um
programa televisionado, o conteúdo central da sua fala se trata do instinto como a força
que há no ser humano, este repele ou atrai tudo o que o rodeia por meio da atração da
matéria, podem ser sentimentos ou mesmo outras pessoas. Ao final do programa, um
dos entrevistadores exprime interesse sobre o tema que o professor apresenta, o último
o convida para a casa dele pois, é o único local com possibilidades de comprovar a tese.
Na cena seguinte, o jornalista e a esposa chegam até a casa de Oãxiac, descem
até o porão da casa e avistam diversas pessoas em prática sexual. Estas pessoas estão
com ferimentos expostos e, inclusive, o sangue saindo dessas feridas serve de alimento
para os envolvidos (figura 2). Além disso, também há um ato de canibalismo, pessoas se
alimentam uma das outras ainda aparentemente despertas. Em geral, o que se percebe é
o contentamento e prazer afirmado pelo professor Oãxiac. O que todos presenciam se trata
do instinto operando acima da razão:
- Qual é o nome que você daria a essa reunião de seres racionais? Euforia
da carne? Liberdade do sexo? Bacanal do diabo? Depravação de débeismentais? Não há palavras para aquilo que se desconhece. Eu darei um nome
para o que sua mente não consegue entender: O triunfo do instinto sobre
a razão. O auge da suplantação da matéria sobre o espírito (ESTRANHO...,
1968, 56 min).
Nessa mesma cena, as auxiliares do professor vestem roupas com cruz1 estampada
em contraste com os vestidos escuros (figura 3), o que, alternando com o conteúdo do
diálogo do personagem principal, traz uma síntese crítica a duas questões importantes
historicamente para a Igreja católica: matéria (carne) e espírito; por desdobramento na
própria narrativa, instinto e razão. A razão de atrelar a Igreja católica e a cruz é possível
ao apontar a intenção da obra completa em que esse curta pertence, Estranho Mundo de
Zé do Caixão (1968) e o filme da introdução dessa personagem, À Meia-Noite Levarei Sua
Alma (1965). O primeiro, se constitui como a filosofia de Zé do Caixão, é uma síntese em
três curtas – podem ser considerados episódios - sobre a maneira como o personagem se
manifesta em situações da vida cotidiana as quais ele não necessariamente está presente
na cena, mas, a sua visão de mundo ocorre no desdobramento da narrativa por meio da
imagem. O segundo filme, é a sua introdução, ele, Zé do Caixão, desdenha da crença da
cidade que vive, zomba das carolas2 e da condição de não comer carne na Sexta-Feira
Santa (ANDRÉ BARCINSKI e IVAN FINOTTI, 2015). A posição do personagem sobre essa
tradição é demonstrada em seus atos e diálogos com outros moradores da cidade. Comer
carne em frente a procissão, gritar enfurecido olhando para o céu são alguns dos exemplos
1 Cf. Battaglia (2003) na tradição católica, a cruz é a sistematização da vida de Cristo, todas as escolhas de sua vida
culminariam nesse espaço. Também, a partir dessa ação de “ser” crucificado, permanecem sentimentos de confiança,
união, amor e a entrada na trindade – a espiritualidade cristã também se inicia a partir da união e o amor – isto é, todos
os “sentimentos” envolvidos por meio do Cristo crucificado devem servir à imagem e semelhança dos seguidores.
2 Termo em concordância com os autores.
Dimensões estéticas, cognitivas e tecnológicas de comunicação
Capítulo 13
171
que podem ser citados.
O que compreendemos, com base na relação dos dois filmes, é que não se trataria
de uma coincidência estética do realizador. Para a narrativa, com base na construção
do personagem, a Igreja católica é o centro de sua manifestação crítica, a única nesses
termos que mantém as tradições mencionadas e referenciadas nas duas obras fílmicas do
cineasta.
Figura 2.
Fonte: Frame do curta Ideologia (1968), de José Mojica Marins.
Esclarecida essa relação, a possibilidade de compreender o contexto das ações
que se mostram pelos planos é possível, portanto, o primeiro elemento seria a cruz, ela
indicaria o discurso do personagem sobre a matéria e o espírito, o segundo elemento seria
a relação entre esses elementos presentes no primeiro filme em que Zé do Caixão aparece.
A questão é que, ao estabelecer apenas o cenário cristão, o conteúdo da afronta do prof.
Oãxiac se esvaziaria, pois no contexto do curta Ideologia há uma convergência da teologia
cristã e da ciência moderna. Não é inteiramente a primeira nem a última, mas uma possível
síntese do próprio personagem, o humano possui tanto a matéria quanto o espírito em si,
no entanto, a matéria sempre prevalecerá de acordo com o personagem.
Dentro do conteúdo bíblico existem dois mitos3 acerca da criação do ser humano,
3 O sentido dessa palavra é de acordo com a organização de Pierre Gilbert (2014), o qual encaixa no contexto de um
gênero literário presente na bíblia, esse gênero abarca majoritariamente o Gênesis. Com base nisso, o mito é uma forma de explicar uma realidade, derivado dos gregos. Ver o período Helenístico em DAWNSON, Christopher. A formação
da Cristandade. Tradução de Márcia Xavier de Brito. 1. ed. São Paulo: É realizações, 2014. p. 191-206.
Dimensões estéticas, cognitivas e tecnológicas de comunicação
Capítulo 13
172
se atendo ao mito da formação dele a partir do barro é de se perceber que o humano é
constituído da matéria do próprio mundo, faz parte dele fisicamente, justamente na sua
composição há elementos que existem tanto na natureza4 do mundo quanto no corpo desse
ser feito de barro. Essa concepção é apontada por Rudolph Lanz (2007) o qual determina
uma possível antropologia filosófica expondo um conhecimento proveniente da chamada
“ciência espiritual” de seu fundador Rudolph Steiner. Essa ciência tem início na união da
explicação da natureza humana dentro do texto bíblico às ciências naturais.
A discussão avança embasada por esse conhecimento, a matéria pode ser
subdividida em inorgânica a qual emitiria uma energia composta pelos elementos (minerais,
por exemplo), quer dizer, as ciências duras se utilizam dos elementos para compreender o
mundo por meio da experiência e observação,
Podemos dizer que, de maneira geral, as causas de todos esses fenômenos
se encontram no mundo sensível ou físico. A relação entre causas e efeitos
é constante e permite estabelecer as chamadas “leis da natureza”. [...] Essa
atitude, seja dito em parênteses, é uma conquista da ciência moderna; um
observador grego ou medieval nunca teria ousado submeter os mundos
extratelúricos às mesmas leis que explicam os fenômenos terrestres (LANZ,
2007, p. 17).
O autor propõe o ser humano em uma constituição orgânica composto também
por elementos inorgânicos. As leis que regem esse ser não são as mesmas das leis do
reino inorgânico, esse conjunto contudo fornece o humano uma característica particular,
um segundo corpo chamado de corpo etérico5. Esse corpo nada mais seria do que a
possibilidade de vivenciar o mundo físico: os próprios sentidos. Parte dessa abordagem,
em específico na constituição humana não mística, é explorado pelo mundo físico
averiguado por Morin (2012), o qual verifica que o ser humano de fato é formado de uma
organização físico-química. O cerne desse pensamento está na interação do ser humano
com a natureza o qual gera uma evolução na ordem-desordem-interações-organização
e novamente a ordem e progressivamente, um ciclo infinito. Sobre essa evolução que o
autor explora, a percepção pode ser à luz da teoria da evolução de Darwin ao afirmar
que “o desenvolvimento da hominização não constitui uma interrupção das desordens e
dos acasos, mas uma aventura submetida a desafios ecológicos, acidentes, conflitos entre
espécies primas, que terminam pela liquidação física dos vencidos.” (MORIN, 2012. p. 28) o
ciclo da ordem e desordem culminam no que o autor nomeia como auto-organização. Sim,
há uma relação com a teoria da evolução, mas, avança de forma definitiva para desarfirmar
o determinismo do meio externo que aquela teoria possui.
Julio Almeida (2008) compreende dessa forma a teoria da evolução e acaba por
se diferenciar de Edgar Morin no que concerne a união do aspecto genético (biológico
4 Quer dizer o que origina, cf. Lanz (2007).
5 A completude de “corpo etério” é a partir do autor original, Rudolph Steiner. É repleta de meandros, com nomeações
que podem ser consideradas pseudociência ou parte do esoterismo; dentre elas o “corpo astral”, “alma da sensação”
e “alma sensível”.
Dimensões estéticas, cognitivas e tecnológicas de comunicação
Capítulo 13
173
e relação com a natureza) com o fenômeno (subjetivo), essa seria sim seria a autoorganização. Esse conceito garante o cérebro possuidor de uma função principal no corpo
do ser humano. Ele é o único portador de um cérebro sapiens-demens6 à luz da relação
cíclica biológica/subjetividade (genético e fenômeno). Existem tensões e aproximações
entre o pensamento de Rudolph Steiner (2004) e Morin, o primeiro, após discutir sobre os
sentidos e o corpo etério, amplia a natureza do ser humano para suprassensível, o segundo
mostra uma relação entre o biológico e fenomenológico à cognição. No que concerne a
natureza “sensível” do humano ambos os autores podem ser aproximados, enquanto a
natureza suprassensível é a reflexão da experiência iniciada nos sentidos. Isto é, o espírito
é a reflexão iniciada pelos sentidos e a matéria é a possibilidade de experimentação a partir
dela.
A relação do espírito e a matéria é mostrada na cena em que o casal é obrigado a
assistir, como em um teatro, sentados em cadeiras e voltados para um palco (figura 3) atos
de canibalismo contra uma pessoa presa de ponta-cabeça. Novamente, há presença da cruz
embaixo da vítima sendo devorada, esta crucificada numa engenhoca. Eles experimentam
o que está acontecendo diretamente com os sentidos, mais com a visão e audição. Onde
pode ser localizada a relação entre espírito e matéria nessa situação? Paradoxalmente nas
ações do próprio professor. Demonstrando prazer (figura 1) pela situação, Oãxiac Odéz
comprova repetidamente a sua hipótese de o instinto vencer a razão, agora, com o jornalista
e sua esposa: eles são o objeto, farão parte dos já testados que o instinto imperou.
Humanos como ele, portadores de um cérebro sapiens-demens, no entanto,
experiênciam o oposto do professor. Por estarem submetidos à força se tornam sujeitos da
intenção de Oãxiac, os seus sentidos utilizados trazem emoção para as suas ações, como
gritar, estupefação e recolhimento na cadeira (Figura 3).
OÃXIAC ODÉZ E A RAZÃO DO INSTINTO NO CINEMA
A relação do pesquisador e de seu objeto é, em suas ações, da ciência discriminativa.
Os critérios para consideração de ciência são em sua maioria a comprovação exaustiva pela
experiência, dedução, correção e sem possibilidade de contradição (EDVINO RABUSKE,
1987), é o que Oãxiac Odéz realiza, insiste na razão não vencer o instinto, possui uma tese
que pode ser comprovada de maneira empírica e diretamente7. Essa razão seria a reflexão
dos impulsos para evitar atos como os já vistos na obra fílmica, os objetos começam a perder
a capacidade de reflexão quando se recolhem na cadeira, seria a falta do suprassensível
apontado por Rudolph Steiner e a permanência da desordem em Edgar Morin.
6 Cf. Edgar Morin, o cérebro por ser um determinante desse conceito possui nele a razão, delírio, húbris e destrutividade. Todos esses aspectos estão unidos, são singulares e todos compõem o ser humano. Nessa pesquisa, o enfoque
estaria na razão e na húbris (impulsividade e violência).
7 Aqui está uma consideração do que é “ciência” e razão localizadas a partir de observações das ações dos personagens na trama.
Dimensões estéticas, cognitivas e tecnológicas de comunicação
Capítulo 13
174
Figura 3.
Fonte: Frame do curta Ideologia (1968), de José Mojica Marins.
A introdução do personagem Oãxiac Odéz localizado na narrativa nos capacita em
compreender as outras duas personagens: Wilma e o jornalista. Vinculado a estas, estão
as formas de contar a história por meio do tempo e do espaço, seriam as peculiaridades da
montagem e filmagem no cinema:
Aqui nos aproximamos do significado básico da montagem. O seu objeto é
mostrar o desenvolvimento da cena como se fosse em relevo, conduzindo
a atenção do espectador primeiro para este elemento, depois para aquele
outro, em separado. A lente da câmera substitui o olho do observador, e as
mudanças no ângulo da câmera – dirigida primeiro para uma pessoa, depois
para a outra, agora neste detalhe, depois neste outro – devem se sujeitar a
condições idênticas às dos olhos do observador (PUDOVKIN, 2021, p. 53).
A cena depende da montagem para conduzir a mente do espectador, a partir dela
a atenção é mantida para certos elementos que surgem dentro da imagem, ainda, o que
podemos adicionar nessa compreensão é o que vem antes da montagem, a própria filmagem.
Pudovkin apresenta uma diferença entre espectador e observador: o primeiro está a nível
da montagem, o segundo da atenção. Há um possível deslocamento de espectador para
observador quando a montagem e filmagem conduzem a mente do espectador. Finalizando
um ciclo no desenvolvimento do filme, a ordem roteiro-filmagem-montagem é utilizada para
a construção da ação da personagem8 com o intuito de manter esta atenção do espectador
8 Cf. Pudovkin (2021) um recurso em destaque na filmagem é o close-up. Este, atrai a atenção do espectador para um
detalhe que o realizador considera importante para o desdobramento das ações das personagens na cena.
Dimensões estéticas, cognitivas e tecnológicas de comunicação
Capítulo 13
175
na cena, ou seja, nos acontecimentos que são apresentados em sequência chegamos ao
entendimento inicial do que seria a montagem construtiva.
A noção de montagem construtiva é formulada por causa da capacidade de guiar a
atenção do espectador para as ações das personagens em cena, no entanto, a sequência
delas só pode ser entendida assim caso a atenção do espectador as interligue9 (PUDOVKIN,
2021). A construção da sequência não é deslocada da inerente participação afetiva10 do
espectador, logo, se trataria de uma construção utilizada para iniciar a condução da mente
dele ao longo do processo fílmico, utilizando-se do tempo:
A relação entre mente e as cenas filmadas adquire uma perspectiva
interessante à luz de um processo mental [...] Próximo no sentido de que a
ideia despertada na consciência pela sugestão é feita na mesma matéria que
as ideias da memória ou da imaginação. As sugestões [...] são controladas
pelo jogo de associações. Existe, porém, uma diferença fundamental: para
todas as outras ideias associativas, as impressões externas representam
apenas um ponto de partida (MÜNSTERBERG, 2021, p. 39).
A participação afetiva do espectador pode ser compreendida como um complemento
das impressões externas. Embora o espectador se relacione com o filme de maneira
subjetiva e passiva, a condução da mente dependeria de um aspecto de associação
ligada a memória. Essas duas noções que envolvem o espectador possuem diferenças
epistemológicas: 1) a participação afetiva é a identificação do espectador com o que
passa na tela por um processo de interiorização, resulta da experiência da vida cotidiana
e a capacidade do cinema de conduzir a mente a partir dos elementos em cena; 2) as
impressões externas vêm do que se assiste - pode ser algum elemento em cena que chame
a atenção do espectador, por exemplo - a memória traz a completude daquilo que chama a
atenção na cena (MÜNSTERBERG, 2021). Ou seja, o pressuposto do cinema ser capaz de
conduzir o espectador de maneira plena desconsidera os próprios processos de percepção
destes, pois, ao entender a memória se relacionando com a obra fílmica deslocaria o
espectador de passivo à participante do processo de recepção.
A noção de participação afetiva faz parte da projeção-identificação do ser humano,
de acordo com Edgar Morin (2014) a projeção é exercida por todos e para tudo, se trata
da transferência de sentimentos e emoções. A partir disso, o primeiro estágio chamado de
“automórfico” pode existir, é a construção no outro o que existe em si mesmo. O segundo
estágio é a atribuição de categorias humanas nas coisas inanimadas e nos próprios seres
vivos. Já o último estágio seria a “duplicação”, a capacidade perceber a si mesmo fora de
si. Chega-se então à possibilidade da participação cinematográfica:
Na medida em que identificamos as imagens da tela com a vida real, nossas
9 Nós propomos apresentar esse delineamento para elucidar o deslocamento do termo “espectador” para “observador”
no contexto do autor. É importante deixar claro que no próprio texto Pudovkin utiliza “espectador” para indicar aquele
que assiste ao filme.
10 Em concordância com a participação afetiva demonstrada por Edgar Morin (2014) o espectador por meio da estética
interage com uma obra cinematográfica de ficção a partir da subjetividade, há uma hierarquia a partir da obra para o
espectador. Este se torna diminuto pela de maneira subjetiva.
Dimensões estéticas, cognitivas e tecnológicas de comunicação
Capítulo 13
176
projeções-identificações da vida real se colocam em movimento. De fato,
em certa medida, vamos reencontrá-las ali, o que dissipa aparentemente
a originalidade da projeção-identificação cinematográfica, mas também
a revela. Então por que reencontrá-las? Na tela há apenas um jogo de luz
e sombra; apenas um processo de projeção pode identificar sombras com
coisas e seres reais e atribuir-lhes essa realidade que falta a eles de forma
tão clara à nossa reflexão, ainda que tão pouco clara à nossa visão (MORIN,
2014, p. 116).
O autor discorre sobre a subjetividade do ser e a interação com o dispositivo de
maneira passiva, contudo, dentro da noção de participação cinematográfica com a memória,
o espectador seria o elemento principal do processo de projeção.
OÃXIAC ODÉZ E A RAZÃO DO INSTINTO PARA ESPECTADOR
O que se passa na tela inicia-se com o roteiro, vai à filmagem, após montagem e por
último a revelação da obra no correr do tempo com o preenchimento da subjetividade do
espectador. O que há de participação afetiva na cena (figura 3) em que Wilma e o jornalista
assistem? Poderia ser elencado um momento de participação afetiva a princípio: a posição
do espectador presenciando o casal assistindo à cena “ao vivo”. A cena do casal assistindo
ao vivo a cena de canibalismo também pode ser considerada uma participação afetiva,
pois, mesmo que alguma atitude possa interferir no que acontece ali, isso não ocorre.
No filme, aquele palco é uma representação do palco do teatro, um processo inverso, da
realidade imitando a ficção dentro da ficção percebida pela realidade (espectador). Nem
as atitudes do espectador nem do casal podem interferir nos acontecimentos, ambos são
participantes afetivos guiados por Oãxiac Odéz.
Há no filme a utilização do plano geral sem cortes quando o casal é forçado a sentarse nas cadeiras, o apresentador Oãxiac Odéz apresenta o que eles vão assistir (60:10
mim). Primeiro há a localização espacial do casal em plano geral sem mostrar o que há no
palco, depois de um corte seco, a luz do palco é acendida, o enquadramento apenas do
que está posto ali é intercalado com o close-up do corpo preso na engenhoca. Por fim, a
voz de Wilma é ouvida sem ela estar no quadro, mas, na cena, um voice off.
Esses recursos aproximam o espectador do que o professor quer apresentar,
mais ainda, no contexto das ações das personagens o espectador vivencia junto delas
a revelação da “prova concreta” das pesquisas do professor. O conteúdo de sua fala ao
apresentar a situação no palco é a revelação do que ele espera que aconteça com todos,
uma mudança iniciada por meio da vivência, finalizada na transformação da moral:
- Irão presenciar agora um espetáculo burlesco, mas que provará o que digo.
– A humanidade sempre procurou menosprezar e ridicularizar aqueles que
procuram fugir às suas regras. Aqui, todos, depois de um pequeno tratamento,
são libertos dessas regras para se tornarem mais autênticos (ESTRANHO...,
1968, 60min).
Dimensões estéticas, cognitivas e tecnológicas de comunicação
Capítulo 13
177
O conteúdo da sua fala é anterior à revelação do que há no palco, o professor
Oãxiac norteia para todos os espectadores – aqueles que assistem ao filme e as duas
personagens – a partir da sua visão de humanidade o objetivo dos acontecimentos que são
presenciados. É jogado para os que observam os acontecimentos uma explicação “racional”
sobre a veracidade do seu discurso. Para melhor compreender essa noção, recorremos ao
que Jean-Louis Baudry (2021, p. 321) compreende como tela-espelho a partir da câmera:
O espectador identifica-se, pois, menos como o representado – o próprio
espetáculo – do que com aquilo que anima ou encena o espetáculo, do que
com aquilo que não é visível, mas faz ver, faz ver a partir do mo-ver que o
anima – obrigando-o a ver aquilo que ele, espectador, vê, sendo esta decerto
a função assegurada ao lugar (variável – de posições sucessivas) da câmera.
O autor demonstra que a partir do dispositivo o espectador é guiado – sem a sua
concessão inicial – para compreender a conexão entre as sequências11. A premissa dessa
maneira de guiar o espectador, como afirma Jacques Aumont (2012, p. 197) está “na fronteira
do subjetivo e do social, o dispositivo define-se por seus efeitos ideológicos”, isto é, a forma
como o dispositivo é utilizado para apresentar uma ideia própria do realizador conforme o
paradigma existente em torno da obra finalizada. O deslocamento do espectador para à
testemunha está na convergência entre esses dois autores pois, mesmo que o dispositivo
guie o espectador a partir da imagem, a vivência o faz interagir com o que está sendo
mostrado.
A interação com o filme por meio da vivência, nesse contexto, pode ser na utilização
da memória12 e imaginação. Como Münsterberg (2021) acrescenta, a imaginação pode
antever o desenrolar da trama, essa capacidade é possível com a memória. Portanto,
entendemos que o espectador construído em um determinado local, num tempo histórico,
enfim, construído culturalmente e historicamente têm a capacidade de anteceder os
acontecimentos da trama com base na sua vivência. Além do norteamento do realizador,
ele seria capaz de interpretar e julgar o que vê. Diferente de Münsterberg, a abordagem
de Baudry baseia-se no entendimento de coisa e objeto13 indicado por Edmund Husserl14,
assim, a capacidade do movimento pelo espaço a partir da câmera, tem a capacidade
de imergir o espectador no filme. De acordo com Baudry (2021) a conexão entre as
sequências apresentadas no filme é articulada a partir do próprio espectador, assim, a
narrativa proposta é concretizada e entendida por ele.
Contudo, a conexão e apreensão da narrativa ser guiada pela pretensão do
11 A câmera seria nesse pensamento a mediação entre o recorte selecionado na filmagem e posição intencional que o
realizador impõe ao sujeito. Ele, poderia ser a câmera manipulada pelo diretor, sendo direcionado conforme a narrativa.
12 Noção já abordada nesse trabalho. Ver: p. 8.
13 Cf. Husserl (2012) tudo é coisa, se torna objeto quando o ser humano se foca nele conscientemente. Importante
salientar que as coisas que não estão como objetos não deixam de existir “materialmente”, estariam em uma suspensão. A diferença entre coisa e objeto é o foco consciente naquilo, estar pensando sobre (de maneira simplificada). Ver:
HUSSERL, Edmund. Investigações lógicas: segundo volume: investigações para a fenomenologia e a teoria do
conhecimento. Tradução de Pedro Alves e Carlos Morujão. Rio de Janeiro: Forense, 2015. p. 89-101.
14 O objetivo desse trabalho não é se aprofundar nos conceitos desse autor e sim localizar o pensamento de Baudry.
Dimensões estéticas, cognitivas e tecnológicas de comunicação
Capítulo 13
178
realizador não seria mediada somente pela câmera (enquadramento e cortes), mas, em
conjunto com a mise-en-scène, os diálogos e a vivência do realizador. Por fim, a interação
do espectador com a obra inicia-se na: 1) possibilidade de escolher assistir aquele filme;
2) durante a exibição, o realizador utiliza os recursos cinematográficos para interagir com
o espectador; 3) na medida em que a narrativa avança o espectador interage com o que
vê por meio da sua percepção; 4) caso permaneça até o final da exibição, se tornaria
testemunha15 do que assistiu.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O filme Estranho mundo de Zé do Caixão (1968) propõe apresentar a filosofia do
personagem e alterego de José Mojica Marins. Ideologia se trata de um curta-metragem por
não necessitar das outras obras que compõe o filme, mas, se relaciona com os objetivos do
filme, tornando-se um episódio.
Considerando isso, a obra se relaciona com o filme de estreia de Zé do Caixão
À Meia-Noite Levarei Sua Alma (1965), assim, ambas possuem coerência quanto a
construção dos posicionamentos do personagem e não se vinculam a uma coincidência
estética. Embora as críticas sejam direcionadas a uma tradição específica, não há indícios
nas cenas citadas a negação do personagem quanto a origem do ser humano - a carne e o
espírito coexistem – a comprovação da tese é demonstrar a predominância da carne nessa
coexistência. O entendimento do que seria carne/espírito/instinto/razão está no próprio
personagem Oãxiac, não há discussão sobre a origem do ser humano e sim questionar
o paradigma vigente naquele contexto, a razão não imperar sobre a carne. As assistentes
vestem roupas estampadas com a cruz e auxiliam o professor quando necessário no
decorrer da sua comprovação utilizando-se do método científico.
Aquele que assiste o filme é convidado a entrar na obra por meio do discurso do
professor e dos planos em sincronia com o voice off, além dos elementos em cena. A
sincronização das personagens e o espectador se dá na sequência onde a luz do palco
se acende no enquadramento, nesse instante, apresenta a ambos o que estava ali no
escuro. De espectador-observador passa para testemunha do que está ocorrendo com as
personagens e andamento da pesquisa de Oãxiac, portanto, esse é o encaminhamento
do realizador para convencer o espectador-observador da veracidade do que está
presenciando.
O entendimento de espectador para testemunha decorre dele compreender a
posição “ideológica” do personagem e presenciar durante todo o curta um experimento feito
com outros seres humanos, tudo a partir da sincronicidade no plano que apresenta o que
está no palco tanto para as personagens quanto o observdor. A aproximação do observador
15 Esta noção está contextualizada na noção de cinema de José Mojica Marins e cf. Mauerhofer (2021) na sua noção
de situação cinema. Nessa noção, o espectador vai ao cinema de maneira consciente, ou seja, é ativo ao ir, mas, têm
a possibilidade de ser guiado pelo filme sabendo disso.
Dimensões estéticas, cognitivas e tecnológicas de comunicação
Capítulo 13
179
com a situação das personagens o faz interagir com a obra de maneira cognitiva e subjetiva
(considera-se a sua vivência e localização histórica). Entretanto, ele não pode ajudá-las
nem interromper os acontecimentos já gravados – aqui o espectador-observador se tornaria
testemunha do professor Oãxiac Odéz.
A hipótese foi que os recursos cinematográficos utilizados e o contexto das falas
do professor são utilizados para convencer o espectador, no entendo, há algo a mais, o
espectador se tornaria testemunha da tese e ações do professor contra as personagens
– o espectador- viu e observou o que acontecia com a Wilma e o Jornalista, se tornou
testemunha no enquadramento do palco, houve sincronicidade e afastamento, pois, ele
não poderia evitar os acontecimentos seguintes.
REFERÊNCIAS
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contemporânea. Revista Eletrônica do Mestrado em Educação Ambiental, Rio Grande, v.20, p.293309, jan-jun 2008. Disponível em https://WWW.periodicos.furg.br/remea/article/view/3851/2308. Acesso
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BARCINSKI, André; FINOTTI, Ivan. Zé do caixão: Maldito. 2. ed. Rio de Janeiro: DarkSide Books,
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ESTRANHO mundo de Zé do Caixão. Direção: José Mojica Marins. In: COLEÇÃO Zé do Caixão.
Produção: Novodisc Mídia Digital da Amazônia LTDA. São Paulo: Focus Filmes/Rio Negro Audiovisual
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GILBERT, Pierre. Gêneros literários na escritura. In Dicionário crítico de Teologia. Tradução de Paulo
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Dimensões estéticas, cognitivas e tecnológicas de comunicação
Capítulo 13
181
CAPÍTULO 14
COMUNICAÇÃO E ARTE CRÍTICA - DOIS ARTISTAS,
DOIS TEMPOS:
GOYA E BANKSY
Data de aceite: 01/05/2022
Geraldo Pieroni
Doutor em História pela Sorbonne (Paris IV).
Professor no Programa de Pós Graduação em
Comunicação e Linguagens (Mestrado e Doutorado) da Universidade Tuiuti do Paraná
Curitiba, Paraná
http://lattes.cnpq.br/5942523122018910
Alexandre Martins
Doutor em Filosofia pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná. Professor do Centro
Universitário Santa Cruz
Curitiba, Paraná
http://lattes.cnpq.br/4107941408820978
RESUMO: Há várias maneiras de refletir sobre o tempo e as relações sociais que nele se
materializam. A arte, por sua vez, embora seja
compreendida por muitos como uma mera manifestação estética, é igualmente um meio fulcral
de escancarar as relações de poder e de criticar
as instituições que detém dos mecanismos de
controle e coerção sociais. Imbricam-se, neste
caso, a arte e a crítica. Dois artistas dois séculos
distantes - Goya e Banksy - são exemplos claros
sobre o uso de uma mesma linguagem crítica, a
arte engajada. Cada artista refletiu profundamente o seu tempo, seu contexto e, por meio de suas
intervenções e vidas, mostraram que estética e
política são, em última instância, uma coisa só.
PALAVRAS-CHAVE: Temporalidade, Estética,
Política e Arte Engajada.
ABSTRACT: There are several ways to reflect
on time and the social relationships that materialize in it. Art, in turn, although it is understood by
many as a mere aesthetic manifestation, is also a
central means of opening up power relations and
criticizing the institutions that hold the mechanisms of social control and coercion. In this case,
art and criticism overlap. Two artists two centuries
apart - Goya and Banksy - are clear examples of
the use of the same critical language, engaged
art. Each artist deeply reflected their time, their
context and, through their interventions and lives,
they showed that aesthetics and politics are ultimately one and the same.
KEYWORDS: Temporality, Aesthetics, Politics
and Engaged Art.
A pluralidade de experiências da vida
social em todas as suas dimensões não necessariamente corresponde a recortes espaciais
e temporais pré-definidos, mas abraça uma
demanda de espacialidades e temporalidades
próprias. Impetra fluidez entre os perímetros do
conhecimento multidisciplinar, levando permanentemente em conta as tensões e relações de
poder entre passado, presente e futuro.
Esta relação das temporalidades desde
há séculos é componente especulativa de filósofos, historiadores e sociólogos. De Aristóteles
na Grécia Antiga1 a Santo Agostinho na Antiguidade tardia2, há uma profunda discussão sobre
o mistério do “tempo”, que posteriormente ser-
1 ARISTÓTELES. Poética, São Paulo. Ars Poética, 1993.
2 AGOSTINHO, Santo (398 d.C.). “Elevações sobre os Mistérios”, In Confissões, Livro XI. Petrópolis, Vozes, 2005.
Dimensões estéticas, cognitivas e tecnológicas de comunicação
Capítulo 14
182
viu de alicerce para estabelecer conversações entre pensadores contemporâneos, entre
outros Heidegger3, Paul Ricoeur4, Hannah Arendt5 e Norbert Elias6.
A percepção do tempo pela História, decididamente com as perspectivas da Escola
dos Annales7 constitui um marco fundamental para o entendimento dos tempos na História.
Propiciou uma amplitude secular denominada de história de longa, longuíssima duração,
ao invés de uma história associada apenas ao tempo curto, que constituiria “a mais caprichosa, a mais enganosa das durações” 8.
O Tempo e sua adequação à história humana têm sido primorosamente estudados
atualmente por Reinhart Koselleck9, assinalando com muita propriedade a obra Futuro Passado (1979), na qual expandiu uma especial perspectiva de que o presente não somente
restaura o passado, iluminado por problematizações construídas no presente, mas que
cada presente ressignifica o passado assim como o futuro10.
Excelente artigo escrito por José D’Assunção Barros analisa em profundidade as
reflexões acerca das sensações contemporâneas de ruptura entre Presente e Passado,
examinando, particularmente, o pensamento de dois autores – Reinhart Koselleck e Hannah Arendt – sobre as relações entre Presente, Passado e Futuro11.
Tomando como ponto de partida o tempo, Comunicação e arte crítica - dois artistas,
dois tempos: Goya e Banksy faz parte de uma discussão que visa examinar as considerações referentes às manifestações artísticas com significante teor de crítica social inseridas
em seus contextos. Obras que provocam e denunciam desigualdades econômicas, culturais, religiosas e sociais. Apontam preconceitos, tiranias e injustiças reinantes no cotidiano.
Elas assinalam o sofrimento, a penúria, a dor física e psicológica carregadas de múltiplos
aspectos simbólicos e morais.
A crítica social manifestada na arte provoca, por meio de suas observações, a pungente manifestação de mudança de padrões que apresentam indícios para questionamentos e possíveis resoluções para os problemas sociais e morais. São verdadeiras denúncias
estéticas, o que impulsiona Sylva Werneck a afirmar:
3 HEIDEGGER, Martim. O Ser e o Tempo. Petrópolis, Vozes, 1997.
4 RICOEUR, Paul. Tempo e Narrativa. São Paulo, Papirus, 1994.
5 ARENDT, “A Quebra entre o Passado e o Futuro”, In Entre o Passado e o Futuro, São Paulo, Perspectiva.
6 ELIAS, Norbert. Sobre o Tempo. Rio de Janeiro, Jorge Zahar, 1998.
7 Escola dos Annales, movimento historiográfico do século XX propunha, entre outros, ir além da história dos acontecimentos (histoire événementielle), substituindo o tempo breve da história dos eventos dos pelos processos de longa
duração. Fernand Braudel, notório expoente desta escola, escreveu em 1946 o livro O Mediterrâneo e o mundo mediterrânico na época de FelipeII - BRAUDEL, Fernand. La Méditerranée et le monde méditerranéen à l’époque de
Philippe II Paris: Armand Colin, 1949.
8 BRAUDEL, Fernand. A longa duração. Revista de História. São Paulo, v.XXX, n.62, p. 261-294, abr./jun. 1965,
p.272.
9 KOSELLECK, Reinhart. Futuro Passado: contribuição à semântica dos tempos históricos. Rio de Janeiro: Contraponto: Ed. PUC-Rio, 2006. Nesta obra, destacamos os capítulos 10, “A semântica histórico-política dos conceitos antitéticos
assimétricos” e 14, “Espaço de experiência e horizonte de expectativa: duas categorias históricas”. Neles, há uma profunda discussão sobre a questão da temporalidade e das interações sociais que nela decorrem.
10 KOSELLECK, Reinhart. “Modernidade”, In Futuro Passado – contribuição à semântica dos tempos históricos, Rio
de Janeiro, Contraponto, 2006, pp. 267-303.
11 BARROS, José D’Assunção. Rupturas entre o Presente e o Passado: leituras sobre as concepções de tempo
de Koselleck e Hannah Arendt Sociologia, Revista da Faculdade de Letras da Universidade do Porto, Vol. XXI, 2011.
Dimensões estéticas, cognitivas e tecnológicas de comunicação
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Exercitar verdadeiramente o seu potencial de fazer as pessoas pensarem e
até, com sorte, inspirá-las a agir, a mensagem da arte precisa ser compreendida. Não há como fazer isso acontecer sem mediação, especialmente em
países com um sistema educacional deficitário e, consequentemente, com
pouco pensamento crítico12.
No mundo da arte, a crítica social fortalece o seu alicerce na construção de contextos que comprovam a existência real da dor, do sofrimento, da crueldade que sussurram
por formas de tolerância e inclusão, de reconhecimento e respeito.
Dois artistas distanciados na temporalidade por duzentos anos. Ambos, embora vivendo em tempos e espaços muito diferentes, revelaram nas suas expressões estéticas,
categóricas obras de arte profundamente críticas do mundo cultural no qual eles estavam
inseridos: Goya (1746-1828), e Banksy (nascido 1974). Assim,
A partir desta proposta em perceber similitudes e diferenças entre tempos,
podemos “pensar melhor nas temporalidades: uma relação certamente mutável de acordo com as várias épocas, com as várias culturas, e com os vários
posicionamentos historiográficos”. Como bem disse Koselleck, há épocas em
que o “espaço de experiência” parece se fundir com o Presente, ou dele
se destacar; e há outras épocas que concebem o presente como uma linha
grossa ou como uma linha fina que precede o futuro, e há ainda outras cujo
“horizonte de expectativas” é tão agitado, e vivido com tanta intensidade, que
se chega a pensar que já se está vivendo o futuro13.
Do passado ao presente e da fusão entre o espaço de experiência e o horizonte
de expectativas possíveis entre artistas paradoxalmente próximos e distantes, nossa discussão começa por Francisco José de Goya y Lucientes (Fuendetodos, Saragoça, 30 de
março de 1746 – Bordéus, França, 15 de abril de 1828). Em sua época já era conhecido
como o artista irrequieto: “Goya, o Turbulento” como o chamavam. O acervo de arte de
Goya referente aos seus desenhos denominados Los caprichos é uma série de 80 gravuras
que satirizam a sociedade espanhola de finais do século XVIII, especialmente a nobreza
e o clero. Esta fase representa a expressão iconográfica máxima da revelação do poder
inquisitorial.14 Significa na sua época o contra ponto, isto é, uma iconografia forte que tem
como propósito desprezar os métodos arcaicos utilizados pela Inquisição no século XVIII.
É inconfundível perceber em algumas gravuras de Goya “o sentido agudo da ironia e
da sátira através das representações absurdas dos condenados pelo tribunal”: perseguidos
e penitenciados “por amar um burro”, “por não ter pernas”, “por ter nascido noutro lugar”,
“por falar”, por trazer informações do demônio15.
A época de Goya, como mencionou Bethencourt, está muito distanciada do início
12 SYLVIA WERNECK é doutora em Comunicação e Cultura pelo Prolam-USP, membro da Associação Brasileira de
Críticos de Arte (ABCA) e autora de De dentro para fora – A memória do local no mundo global (Zouk).https://jornal.usp.
br/revistausp/revista-usp-119-arte-9-e-possivel-uma-critica-socialmente-ativa/
13 BARROS, José D’Assunção. Rupturas entre o Presente e o Passado: leituras sobre as concepções de tempo de
Koselleck e Hannah Arendt. Sociologia, Revista da Faculdade de Letras da Universidade do Porto, Vol. XXI, 2011, p.
195.
14 BETHECOURT, Francisco. História das Inquisições. Lisboa: Editora Círculo do Livro, 1994, p. 334.
15 Id. Ibid., p. 334.
Dimensões estéticas, cognitivas e tecnológicas de comunicação
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das Inquisições Ibéricas (séculos XV/XVI), tempos em que as representações estavam
embebidas de poderosas e apaixonadas imagens que intencionavam legitimar a atuação
do Santo Ofício. Goya acusava a Inquisição que para ele era retrógrada, grotesca e inútil.
GOYA, Francisco. Linda Maestra. Gravura n°
68, 1799. Série Os Caprichos. Rijksmuseum,
Amsterdã.
GOYA, Francisco. Aquellos polbos. Gravura
n° 23, 1799. Série Os Caprichos. Rijksmuseum,
Amsterdã.
Carlos André Cavalcanti16 analisou a produção goyesca mostrando a fascinação
do pintor por temas místicos e, ao mesmo tempo, o seu desdém pela estupidez e atraso
que tais crendices teriam provocado na Espanha. De acordo com Cavalcanti, “são componentes da Pedagogia do Desprezo, que ele tão bem expressou e sistematizou”17. Goya
enxergava o mundo ao seu redor totalmente desprovido dos valores racionais, morais e
humanos, o que permitia a propagação de crenças místicas. Por isso denunciou, por meio
de sua arte, os abusos, desvios e imoralidades. Para ele a Igreja e a nobreza antiquada
teriam sido os causadores deste obscurantismo o qual ele se opusera.
Em “O Sabbath das Bruxas”, os diversos componentes do festim das feiticeiras estão determinantemente presentes. Na pintura encontram-se as mulheres que trazem crianças para serem sacrificadas ao demônio, o que se posiciona magistralmente em forma de
um bode altivo com o olhar enlouquecido. A escuridão da noite envolve os personagens: funestas criaturas demoníacas voam em formato de corujas, típico do simbolismo da época.
Além das mulheres, há seres humanos envelhecidos, mergulhados, ao fundo, na penumbra
macabra.
16 CAVALCANTI, Carlos André M. Goya e a Inquisição - Uma pedagogia do desprezo. Disponível em: <http://www.
revistacontinente.com.br/index.php?option=com_content&view=article&id=1795>. Acesso 25/03/2022.
17 Id. Ibid.
Dimensões estéticas, cognitivas e tecnológicas de comunicação
Capítulo 14
185
As nuanças possuem tons escuros azulados que criam a atmosfera misteriosa e
estranha, sob o brilho de uma lua minguante. Um detalhe impressionante, à esquerda,
representa uma bruxa que traz consigo uma vara com figuras de recém-nascidos que exterioriza a refinada ironia de Goya ao tratar da representação de crianças. Havia, então, a
crendice popular de que os neonatos ainda não batizados seriam demoníacos. A arte de
Goya mostra a antecipação do demoníaco que é revelado por ele, quase como uma alegoria profética. O “príncipe das trevas” representava para Goya uma estrutura da vida na qual
está embutida pela angustia, truculência, demência, impiedade e castigo.
GOYA, Francisco. O Sabah das bruxas. Óleo sobre tela, 44 x 31 cm, 1797-1798. Museu Lázaro Galdiano, Madri.
Em “Cena da Inquisição” e “Flagelados”, Goya se envolve diretamente com o tema
inquisitorial. Estas obras retratam a Espanha obscura, nas quais ele se utilizou do imaDimensões estéticas, cognitivas e tecnológicas de comunicação
Capítulo 14
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ginário medieval para representar os tipos devotos presentes nas pinturas. Além disso,
associou a Inquisição com o castigo, a penitência, a flagelação, apontando que as vítimas
do Tribunal também eram açoitadas. Em “Flagelados”, Goya satiriza a dimensão burlesca
dos rituais penitenciários. Purgatório e Inquisição possuem algo em comum: purificação da
alma pela punição do pecado.
GOYA, Francisco. Cenas da Inquisição. Óleo sobre tela, 46 x 73 cm, 1812-1819. Real Academia de
Bellas Artes de San Fernando, Madri.
GOYA, Francisco. Procissão dos flagelados. Óleo sobre tela, 46 x 73 cm, 1815-1819. Real Academia
de Bellas Artes de San Fernando, Madri.
Dimensões estéticas, cognitivas e tecnológicas de comunicação
Capítulo 14
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As gravuras de Goya, por seu conteúdo crítico geraram, na época, o furor dos inquisidores deixando a Igreja em alerta e muitas das suas gravuras foram retiradas do mercado. Goya descreveu estas ilustrações como “assuntos caprichosos que se prestavam a
colocar as coisas no ridículo, fustigar preconceitos, imposturas e hipocrisias consagradas
pelo tempo”18.
Dois séculos se passaram, entretanto, a crítica às instituições de poder continua, de
modo ácido e cirúrgico apontando para as incoerências e hipocrisias, agora, da sociedade
contemporânea. Um dos porta-vozes deste movimento é o artista britânico Banksy que,
antes de tudo, caracteriza-se como um ativista político. Valendo-se do grafite, o autor cria
uma série de intervenções nas cidades, nos espaços públicos, para manifestar sua crítica
social. Além disso, Banksy é também diretor de cinema. O seu primeiro filme, “Exit Through
the Gift Shop”, teve sua estreia no Festival de Filmes de Sundance, foi oficialmente lançado
no Reino Unido no dia 5 de março de 2010, e em janeiro de 2011 foi nomeado para o Oscar
de Melhor Documentário.
Como as gravuras de Goya, a arte de rua de Banksy é mordaz e perturbadora. As
suas críticas sociais são encontradas da noite para o dia, nas ruas, becos e muros das
cidades não só da Inglaterra, mas em várias cidades do mundo.
De acordo com o designer gráfico e autor Tristan Manco19, Banksy nasceu em 1974
em Bristol (Inglaterra), filho de um técnico de fotocopiadora, iniciou sua vida produtiva como
açougueiro, mas durante o auge da arte do aerossol na sua cidade nos fins de 1980, envolveu-se apaixonadamente com o grafite. Seu estilo foi marcado pela semelhança àqueles
realizados anteriormente pela banda Anarco-Punk Crass no sistema de metrô de Londres
no fim da década de 70.
Para tornar pública sua crítica que busca escancarar as relações de poder, Banksy
expõe sua arte em locais públicos, sem qualquer pretensão de comercialização dos seus
trabalhos. Suas obras são densamente repletas de intencionalidades divulgando antipatia
aos juízos das autoridades locais. Expressões que provocam afetos diversos por parte dos
observadores, quase sempre geram uma percepção de concordância e um efeito de compartilhamento de identidade. Uma eficaz crítica social.
Em pleno acordo com Sylvia Werneck20 é impraticável separar a arte da vida, há
um processo de retroalimentação entre o contexto e o surgimento das ideias e processos
criativos. Para ela, os acontecimentos da realidade impulsionam a criação artística, e é
justamente isto que Banksy faz por excelência, voltando sua reflexão crítica ao contexto
histórico-cultural.
Somos afetados pelas questões mais prementes de nosso entorno imediato.
18 CAVALCANTI, Carlos André M. Goya e a Inquisição - Uma pedagogia do desprezo. Disponível em: <http://www.
revistacontinente.com.br/index.php?option=com_content&view=article&id=1795>. Acesso 25/03/2022.
19 Tristan Manco é designer e diretor de arte. Para saber mais sobre ele, sugerimos https://www.tristanmanco.com/bio/.
20 Membro da Associação Brasileira de Críticos de Arte (ABCA). Autora de De dentro para fora – A memória do local
no mundo global. Editora Zouk, Porto Alegre, 2011.
Dimensões estéticas, cognitivas e tecnológicas de comunicação
Capítulo 14
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Para alguns, pode ser o meio ambiente, para outros, relações interpessoais,
direitos humanos, o papel da tecnologia, a política ou até muitas ou todas essas questões ao mesmo tempo. Quaisquer que sejam elas, os artistas, sendo
um tipo de “antena” do mundo real, tendem a estar naturalmente atentos às
mesmas. Uma dessas questões é o funcionamento da sociedade. Especialmente em países em desenvolvimento, existe um número significativo de artistas que são inspirados por e abordam questões sociais em seus trabalhos.
Afinal, só se pode criar um repertório em meio a seu próprio contexto21.
Love is in the Air (Soldier throwing flowers), 2005.
Assim, Love is in the Air (Soldier throwing flowers) foi criada em Londres (2005),
em um período marcado por uma série de protestos, incluindo um atentado classificado
como terrorista no dia 7 de julho em metrôs em plena hora do rush. Nesta intervenção, o
manifestante tem parte do rosto coberto. O seu gesto aparenta a ação de alguém prestes a
atirar um coquetel molotov. A grande surpresa e paradoxo na aparente violência é que ele
carrega um belo e delicado buquê de flores amarelas. Aqui, Banksy alivia uma ação forte,
mas que continua poderosa. A obra foi escolhida para ilustrar a capa do livro do artista Wall
and Piece (2005), traduzida como “Guerra e Spray”.
21 WERNECK, Sylvia. É possível uma crítica socialmente ativa?. Revistausp, 119, Disponível em: https://jornal.usp.br/
revistausp/revista-usp-119-arte-9-e-possivel-uma-critica-socialmente-ativa/. Acesso 25/03/2022.
Dimensões estéticas, cognitivas e tecnológicas de comunicação
Capítulo 14
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Shop Until You Drop é uma contextura pintada no ano de 2011 em um prédio londrino. Uma queda livre de uma mulher com um carrinho de compras. As compras se dispersam no ar, voam no tombo, nítida crítica ao consumismo o qual o capitalismo depende
e estimula. O sistema insustentável em que vivemos é expresso na vertiginosa queda da
consumidora.
Dimensões estéticas, cognitivas e tecnológicas de comunicação
Capítulo 14
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No mural Guantánamo Bay Prisioner, Banksy anuncia o seu protesto sobre a prisão
militar estadunidense, parte integrante da Base Naval da Baía de Guantánamo, localizada
na baía do mesmo nome, em Cuba. Banksy representou um desses detentos. A prisão ficou
conhecida por seus maus tratos aos prisioneiros, alvos de torturas e trabalho forçado. A
denúncia foi feita pela Cruz Vermelha Internacional.
Stop and Searc, criada em 2007 em Bethlehem, na Palestina, esta obra mostra um
soldado sendo vistoriado por uma menina. Há o propósito de uma inversão de desempenho. Forças Armadas são revistadas por uma garotinha trajando um vestido rosa que
simboliza a inocência.
Dimensões estéticas, cognitivas e tecnológicas de comunicação
Capítulo 14
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Girl with ballon foi realizada em 2002 em Londres, na Inglaterra. Menina com balão
é uma das obras mais importantes de Banksy. Um ícone no qual ele retrata uma garotinha
com o cabelo e o vestido ao vento. Ela está soltando um balão vermelho em forma de coração.
A mensagem poderosa do gesto e o balão vermelho, pode ser interpretada como um símbolo
arquetípico da infância e da perda da liberdade e da beleza dos afetos que se distanciam.
Existem apenas 150 impressões assinadas de Menina com Balão e outras 600 impressões não assinadas. Foi também reproduzido em uma tela e vendido em 2018 em um leilão
em Londres por mais de 1 milhão de libras. No momento em que foi batido o martelo da
venda, a obra se autodestruiu por meio de um dispositivo colocado na moldura, surpreendendo todos os presentes. Dessa forma, Banksy realizou mais uma ação artística que
questiona o mercado da arte.
Momento em que a obra Girl with ballon é destruída em leilão.
Em pleno período iluminista, Kant declarou que a arte era “inofensiva”, porque clamava para um caráter subjetivo do gosto e da percepção sobre o belo22. Contrapondo-se a
esta posição, o filósofo Jacques Rancière afirma que a arte e a política são equivalentes,
porque dialogam não só com a dimensão estética humana, mas também se apresentam
como categorias sociais.
Em suas obras, o filósofo francês desenvolve uma teoria em torno da “partilha do
sensível”, conceito que descreve a formação da comunidade política com base no encontro
22 Sobre esta questão, sugerimos a leitura de KANT, Immanuel. Crítica da Faculdade do juízo. 2. Ed. Rio de Janeira:
Editora Forense Universitária, 2005.
Dimensões estéticas, cognitivas e tecnológicas de comunicação
Capítulo 14
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discordante das percepções individuais. Partilhar o sensível, partilhar espaços, tempos e
imagens a eles relacionados é uma atitude, é uma experiência que possibilita analisar as
prováveis afinidades entre arte e política, entre o fenômeno artístico e político, uma vez
que a “partilha do sensível faz ver quem pode tomar parte do comum em função daquilo
que faz, do tempo e do espaço em que essa atividade se exerce”23. O que é legitimo de ser
mostrado?
Tanto Goya quanto Banksy sofreram estranhamento por parte de autoridades do Estado. Rancière enquadra suas análises na trajetória do tempo e indica regimes éticos das
artes, das poéticas, das representações e estéticas que não podem ser afrontados como
períodos históricos fechados nos quais apenas aqueles agenciamentos se efetivaram.
As gravuras de Goya e os grafites de Banky, por seu conteúdo crítico geraram, na
época respectiva, diferentes repercussões. Goya provocou o furor dos inquisidores deixando a Igreja em alerta e muitos de seus desenhos foram retirados do mercado. Um grande
mural de Banksy foi tratado como pichação e coberto de tinta por funcionários contratados
pela prefeitura da cidade britânica de Bristol24.
GOYA, Francisco. No hubo remedio. Gravura n° 24, 1799. Série Os Caprichos. Rijksmuseum, Amsterdã.
23 RANCIÈRE, Jacques. A partilha do sensível: estética e política. 2. ed. São Paulo: Editora 34, 2009, p.16.
24 Posteriormente o conselho municipal de Bristol reconheceu o erro e deliberou a preservação de todas as obras de
Banksy na cidade.
Dimensões estéticas, cognitivas e tecnológicas de comunicação
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Goya mostra uma mulher levada pela multidão, uma bruxa, uma herética. Trata-se da fase final da Inquisição representando situações de caráter grotesco. A mulher na
multidão aglomerada foi acusada de ter feito um pacto com o demônio. Evoca o medo e a
ansiedade que a acompanha ao cadafalso da fogueira. Goya expressa à perturbação da
realidade descortinada pelos costumes de seu tempo. Com relação à iconografia inquisitorial, embora sujeita ao austero controle do Santo Ofício observa-se que ela obedeceu aos
cânones estéticos e iconográficos ditados pelo Concilio de Trento e posteriormente a outros
preceitos eclesiásticos.
Napalm (Can’t Beat That Feeling).
Por sua vez, Banksy fez uma montagem relacionando os estragos da Guerra do
Vietnã com a cultura capitalista norte americana. A releitura da fotografia de Nick Ut, vencedora de prêmios na imprensa internacional configura-se como uma atualização da devastadora ação humana movida por interesses de uns que desumanizam e destroem outros.
Dimensões estéticas, cognitivas e tecnológicas de comunicação
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Fotografia de Nick Ut, 1972.
Goya descreveu as suas gravuras como “assuntos caprichosos que se prestavam a
colocar as coisas no ridículo, fustigar preconceitos, imposturas e hipocrisias consagradas
pelo tempo”25. Banksy, ao denunciar as mazelas do poder, desvincula-se radicalmente dos
parâmetros impostos pela Indústria Cultural. Nos dizeres do próprio artista, “as pessoas
que mandam nas cidades não entendem o grafite porque acham que nada tem o direito de
existir se não gerar lucro, o que torna a opinião delas desprezível”26.
Em ambos os casos, ao associar a arte à crítica, é imprescindível que reflitamos
sobre o que propôs Michel Foucault, ao apresentar o papel da arte associado ao intelectual
engajado, como aquele que se vale de diversos meios para apontar para os poderes e verdades que oprimem as pessoas. O artista e o intelectual assumem, portanto, uma função
específica. Atuam pontualmente buscando escancarar e explicitar os diversos mecanismos
de opressão, não só por meio de processos estéticos, mas com a vida em seu sentido mais
amplo. Nas palavras do filósofo,
O que me surpreende é que em nossa sociedade a arte esteja relacionada
apenas aos objetos e nunca aos indivíduos e à vida; e, também, que a arte
esteja num domínio especializado, o dos experts que são artistas. Mas a vida
de todo indivíduo não é uma obra de arte? Por que uma mesa ou uma casa
são objetos de arte, mas não as nossas vidas?27
Nos desenhos de Goya, a arte é compreendida como expressão e revelação, notadamente manifestada nas fisionomias angustiadas, desesperadas e agressivas. A crítica materializa-se não só em suas obras, mas na própria vida do artista, marcada pelo
25 CAVALCANTI, Carlos André M. Goya e a Inquisição - Uma pedagogia do desprezo. Disponível em: <http://www.
revistacontinente.com.br/index.php?option=com_content&view=article&id=1795>. Acesso 25/03/2022.
26 BANKSY. Guerra e spray. Tradução de Rogério Durst. Rio de Janeiro: Intrínseca, 2012, p.8
27 FOUCAULT, Michel. Apud. BRANCO, Guilherme Castelo, “Michel Foucault: a literatura, a arte de viver”. In: HADDOCK-LOBO, Rafael (Org.). Os filósofos e a arte, Rio de Janeiro, Rocco, 2010, p.324.
Dimensões estéticas, cognitivas e tecnológicas de comunicação
Capítulo 14
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engajamento político e comprometimento com seu contexto. Banksy, que sequer tem sua
identidade publicamente revelada, fez de sua própria existência um processo poético de
contestação entre ser conhecido e desconhecido ao mesmo tempo.
Se a temporalidade é o que sustenta as relações sociais, as vivências e as opressões, é em seu seio que emergem olhares críticos que se sensibilizam com as injustiças e
os injustiçados. Mais do que isso, buscam por meio da diversidade de linguagens sensibilizar os demais, desmascarando os poderosos e escancarando as hipocrisias ocultas das
instituições de poder. Goya e Banksy fazem parte destes que, pela linguagem artística, não
se furtaram de expor as feridas sociais, em uma fusão entre estética e política.
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HEIDEGGER, Martim. O Ser e o Tempo. Petrópolis, Vozes, 1997.
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jornal.usp.br/revistausp/revista-usp-119-arte-9-e-possivel-uma-critica-socialmente-ativa/. Acesso
25/03/2022.
Dimensões estéticas, cognitivas e tecnológicas de comunicação
Capítulo 14
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CAPÍTULO 15
OS DESAFIOS DA INCLUSÃO DA POPULAÇÃO
LGBT NO MUNDO DO TRABALHO: A
COMUNICAÇÃO COMO INSTRUMENTO DE
DISSEMINAÇÃO DAS POLITICAS DE DIVERSIDADE
Data de aceite: 01/05/2022
Israel Gomes de Oliveira
LATEC/UFF-Universidade Federal Fluminense,
mestrando
Maria de Lurdes Costa Domingos
LATEC/UFF-Universidade Federal Fluminense,
doutora
1 | INTRODUÇÃO
A violação de direitos humanos da
população LGBT tem levado a Organização
Internacional do Trabalho (OIT), Organização
das Nações Unidas (ONU) e diversas empresas
à promoção do trabalho decente para o referido
grupo. Neste sentido o presente estudo tem por
objetivo discutir o potencial da comunicação
como instrumento das políticas de diversidade
Trabalho apresentado à DTI – 9 – ESTUDOS DE
COMUNICAÇÃO ORGANIZACIONAL do XV
Congresso IBERCOM, Faculdade de Ciências
Humanas da Universidade Católica Portuguesa,
Lisboa, 16 a 18 de novembro de 2017.
na disseminação de valores como a diversidade,
a ética, o respeito às pessoas, atuando na
inclusão e no desenvolvimento profissional da
população LGBT no ambiente do trabalho. Tema
este aderente ao DTI – 9.
RESUMO: O estudo investiga os desafios acerca
da inclusão da população LGBT nas organizações
do trabalho, a importância da diversidade para os
negócios e as melhores práticas identificadas
no contexto nacional brasileiro. As iniciativas
organizacionais mapeadas, com destaque
para o Fórum de Empresas de Direitos LGBT,
representam um avanço organizacional e
estratégico para temática no contexto nacional
brasileiro. A comunicação das políticas e o apoio
das lideranças colocam-se como diferenciais
para o desenvolvimento profissional da
população LGBT no mercado de trabalho e na
transformação cultural de uma organização.
PALAVRAS-CHAVE : 1.Políticas de Diversidade
2. Comunicação organizacional 3.LGBT.
A ênfase na diversidade da força de
trabalho tem sido cada vez mais discutida
e exigida para atender a uma mudança de
cultura globalizada. Porém, neste contexto,
nem todos os grupos sociais têm a mesma
atenção. De acordo com Eccel e FloresPereira
(2008),
no
cenário
organizacional
brasileiro os estudos sobre diversidade são,
na maioria das vezes, centrados nas mulheres
e nas pessoas com deficiência, enquanto a
temática referente à população de Lésbicas,
Gays,
Bissexuais
e Transgêneros
(LGBT)
neste cenário é menos explorada. No que diz
respeito aos Direitos Humanos, organizações
alinhadas com princípios de Responsabilidade
Social são estimuladas a evitar a incidência de
comportamentos preconceituosos direcionados
Dimensões estéticas, cognitivas e tecnológicas de comunicação
Capítulo 15
198
a qualquer pessoa, incluindo aquelas deste grupo (FERREIRAE SIQUEIRA, 2007).
De modo a combater a violência contra a população LGBT e trazer visibilidade
às violações de direitos humanos cometidas contra este grupo, as Nações Unidas e a
Secretaria de Direitos Humanos do Brasil têm realizado um trabalho importante que
consiste na inclusão dos direitos homossexuais na esfera das instituições. As questões
da realidade da população LGBT vêm aos poucos sendo incorporadas em estruturas
discursivas, tanto institucionais como sociais, porém os desafios que devem ser superados
no desenvolvimento da cidadania deles ainda são grandes (LENZA, 2012).
Em 2011, o Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos
apresentou um relatório ao Conselho (Resolução 17/19) no qual descreve um padrão de
discriminação e violência dirigida contra as pessoas em diversas regiões do mundo, com
baseem sua orientação sexual e identidade de gênero (ONU HRC, 2011). Posteriormente em
março de 2012, em Genebra, Suíça, a ONU realizou uma reunião do Conselho de Direitos
Humanos sobre a violência e discriminação baseada na orientação sexual ou identidade
de gênero. Na ocasião foram discutidas as ações a serem tomadas visando à garantia dos
direitos humanos de indivíduos LGBT (ONU HRC, 2012). É importante ressaltar que foi a
primeira seção na história do Conselho de Direitos Humanos das Nações Unidas dedicado
ao debate dos direitos LGBT, no qual foram relatados casos de violência e discriminação
como uma infração do direito internacional (LENZA, 2012).
Para Kunsch (2014) as organizações, como parte integrante de um sistema global,
têm um papel importante nas transformações do mundo contemporâneo na medida em
que exercem forte influência no desenvolvimento econômico e social das nações.
Compreender as questões da atualidade é condição fundamental para proposição de
ações de intervenção tanto no meio social, político e econômico, quanto no mercado
da comunicação corporativa e governamental. É importante redimensionar a visão da
comunicação estratégica conservadora para uma visão mais holística. Isso perpassa por
uma mudança no fazer a comunicação corporativa e governamental, área de extrema
relevância para as organizações e também no meio sociopolítico econômico exigente de
mudanças.
A comunicação tem o papel de divulgar o tema da orientação sexual e identidade de
gênero no cotidiano das organizações (OIT, 2015) e de disseminar medidas para reverter
sistemas movidos por pensamentos preconceituosos e de dominação que estrangulam
oportunidades de crescimento profissional.
O presente estudo visa, através da revisão da literatura e de entrevistas com três
especialistas com larga experiência em gestão da diversidade, a compreender a relevância
da comunicação como instrumento das políticas de diversidade na garantia e promoção
dos direitos humanos da população LGBT no contexto brasileiro.
A pesquisa está alinhada com estudos de diversidade, diversidade cultural e
comunicação organizacional e espera contribuir com o debate sobre a diversidade com
Dimensões estéticas, cognitivas e tecnológicas de comunicação
Capítulo 15
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foco à orientação sexual para os negócios, incluindo os desafios, políticas e práticas que
têm se destacado no cenário brasileiro.
Nas seções a seguir é abordada a realidade da população LGBT no âmbito das
organizações e os entraves para o seu desenvolvimento, além da importância da
comunicação organizacional e das lideranças na mitigação destes obstáculos.
2 | OS HOMOSSEXUAIS NAS ORGANIZAÇÕES
A violência contra os homossexuais nas relações de trabalho é uma das formas
de violência que permeia as relações de trabalho (ANDRADE e SIQUEIRA, 2012). As
instâncias sócias institucionais (religião, ciência, educação) interferem diretamente na vida
do indivíduo e de seus corpos, sendo muitas vezes observadas como violências simbólicas
(VIEIRA, 2015). Pesquisas recentes relacionadas às violências simbólicas vivenciadas por
homossexuais no ambiente de trabalho mostram a importância desta questão.
De acordo com Irigaray et al. (2010), em pesquisa realizada entre 2005 e 2008,
tendo como amostra trabalhadores heterossexuais e homossexuais em empresas
localizadas nas regiões metropolitanas do Rio de Janeiro e São Paulo, o humor é muito
utilizado como forma de discriminação por orientação sexual. A pesquisa concluiu que o
humor dos heterossexuais sobre os homossexuais é explícito e aparentemente legitimado
socialmente, inclusive entre os próprios homossexuais, que acabam por utilizar o humor
contra si próprios. Bourdieu (2014) descreve esta dinâmica como violência simbólica, uma
forma de coação não física, mas causadora de danos morais e psicológicos. Exercício do
Poder Simbólico, ou seja, de um discurso dominante, a violência simbólica está impregnada
de crenças e valores construídos no processo de socialização que transformam processos
de humilhação num habitus, isto é, uma estrutura social que molda os sentimentos,
pensamentos e ações e é incorporada pelos membros do grupo.
Ao analisar os efeitos de ser gay no ambiente do trabalho, Ferreira (2007) afirma
que os homossexuais acabam, por vezes, se sentindo imersos em uma vida dupla, em que
revelar sua orientação sexual representa encarar o estigma e o preconceito, ao passo que
manter em segredo acarreta em custos psicossociais e sofrimento no ambiente de trabalho.
O processo de revelar ou não sua orientação sexual, também denominado como “sair do
armário”, é um período difícil na vida dos homossexuais, visto que o ambiente de trabalho,
no geral, ainda apresenta uma postura conservadora.
A chamada heteronormatividade influencia diretamente o preconceito direcionado
aos homossexuais e se impõe na sociedade como um componente cultural responsável
pela construção de subjetividades, alimentando e validando comportamentos homofóbicos.
De acordo com Souza e Pereira (2013) uma sociedade heteronormativa é aquela que os
padrões de comportamentos heterossexuais são os dominantes, em que todos aqueles que
se desviem desses padrões são estigmatizados.
Dimensões estéticas, cognitivas e tecnológicas de comunicação
Capítulo 15
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A partir de pesquisa com gays e lésbicas, no que se refere à percepção de situações
discriminatórias nas relações sociais no trabalho, Trau (2016) afirma que a percepção
de abertura e apoio à diversidade moldam a experiência profissional e as decisões dos
indivíduos. Um clima de não discriminação na organização torna o ambiente mais propenso
à revelação sexual da população homossexual. Além disso, o apoio psicossocial foi
encontrado positivamente relacionado com a satisfação profissional.
Pesquisa organizacional realizada nos EUA, Japão, Índia e Reino Unido concluiu
que indivíduos que têm sua orientação sexual assumida no ambiente de trabalho são
mais engajados e produtivos: 84% dos líderes de negócios entrevistados relatam que o
apoio ao empregado LGBT, o que inclui a revelação da orientação sexual no trabalho,
afeta positivamente no bem estar do trabalhador; 35% dos funcionários LGBT da amostra
do Reino Unido relataram que o “sair do armário” está relacionado a um aumento da
produtividade (HEWLETT, 2013).
No contexto das organizações do trabalho no Brasil, em 2016 foi elaborado um
estudo produzido pelas empresas brasileiras Eletrobrás, Cepel, Eletronuclear e Furnas.
A partir de pesquisa com pessoas pertencentes a grupos sociais tradicionalmente
discriminados em nossa sociedade, incluindo a população LGBT, foram identificadas as
barreiras mais frequentes enfrentadas na carreira, que incluem: qualificação, acesso e
ascensão/progressão nas instituições de trabalho (INSTITUTO PROMUNDO, 2016).
3 | A DIVERSIDADE NAS ORGANIZAÇÕES
A diversidade começa a ser abordada no contexto das organizações a partir da
década de 1960, num primeiro momento nos Estados Unidos e Canadá, onde os governos
estabelecem condições de não discriminação por parte das empresas, visando à mitigação
do preconceito racial observado nas empresas e nas instituições de ensino. No Brasil, a
trajetória se deu de modo diferente. Apenas com a chegada das multinacionais ao país, na
década de 1990, é que por meio das políticas de gestão com foco a diversidade começouse a implantar as ações já adotadas em suas matrizes. A diversidade logo passou a ser
utilizada como vantagem competitiva, para legitimação em face de seus clientes e ao
mercado (ECCEL; FLORES-PEREIRA, 2008; FLEURY, 2000). De acordo a Fleury (2000),
nos Estados Unidos as empresas que tinham contratos com o governo ou que recebiam
recursos deveriam apresentar um efetivo diverso. A autora define diversidade como uma
mistura de pessoas com identidades diferentes, no qual coexistem grupos de maioria
e de minoria, interagindo em um mesmo sistema social. Os grupos de maioria são assim
denominados, uma vez que obtiveram vantagens econômicas e poder em relação aos
outros, logo minorias.
Atualmente as políticas de diversidade no Brasil têm estado cada vez mais presentes
nos discursos organizacionais, contudo cabe ressaltar que grande parte dos direitos
Dimensões estéticas, cognitivas e tecnológicas de comunicação
Capítulo 15
201
conquistados pela população LGBT no ambiente de trabalho se deve em grande parte a
uma luta política social, que influenciando políticas públicas resultou em benefícios para
esta comunidade (ANDRADE e SIQUEIRA, 2012). Entre os exemplos de políticas públicas é
possível citar o programa O Brasil sem Homofobia – Programa de Combate à Violência e à
Discriminação contra LGBT e de Promoção da Cidadania Homossexual, implementado pelo
governo federal em 2004 (HORST, 2016).
O silêncio induzido pelas organizações sobre a identidade social dos funcionários
é fundamentalmente uma questão ética. As condições ou práticas organizacionais
que promovem o silêncio sobre tais dimensões humanas podem gerar discriminação,
desrespeito e um sentimento de injustiça, reais ou imaginados, entre os funcionários
(HARLOS, 2016). Contudo, organizações que percebem as vantagens que um ambiente
heterogêneo pode acarretar para seu negócio tendem a transformar este desafio em
uma oportunidade. Deacordo com Irigaray e Freitas (2013) uma empresa diversa incentiva
à criatividade, torna os processos mais flexíveis e ágeis, pois facilita e promove a troca de
informações acerca dos valores, atitudes e a apreensão de novas abordagens. Porém, os
autores reconhecem que ser identificado como gay ou bissexual no ambiente de trabalho,
devido ao que denominam de “incrustamento de valores heterocêntricos” na sociedade
brasileira, pode acarretar em barreiras para o crescimento profissional.
É importante ressaltar que o direito ao trabalho digno é um direito de todos. As
pessoas LGBT devem ter o direito de desenvolver seu potencial humano, sendo respeitadas
em suas singularidades, sem entraves à carreira. A discriminação sofrida pela população
LGBT no mundo do trabalho influencia nos níveis de eficiência e produção, no bem-estar
laboral e no próprio acesso ou permanência nos empregos, impactando assim na carreira
destes indivíduos. Inserir o tema da orientação sexual e identidade de gênero em censos
e pesquisas internas nas organizações, ao que inclui estratégias de comunicação para
disseminação e políticas de recrutamento, se coloca como um fato importante, com os
devidos cuidados para não ampliar a discriminação, garantindo que o segmento LGBT
seja considerado e os dados possam inspirar a criação de políticas e práticas específicas
(ORGANIZAÇÃO INTERNACIONAL DO TRABALHO, 2015; POMPEU E POMPEU, 2015).
Pesquisa realizada por Pompeu e Pompeu (2015) identificou práticas de políticas
inclusivas de recursos humanos, com foco na diversidade sexual. A pesquisa bibliográfica
foirealizada em periódicos internacionais da área de estudos organizacionais ou de recursos
humanos. Dentre os principais autores identificados estão Day e Greene (2008) e Mickens
(1994), e com base em seus estudos sobre Políticas de Treinamento e a criação de uma
Cultura de Inclusão, a educação pelo exemplo se coloca como figura central. Deste modo
a governança deve enfatizar publicamente o combate à discriminação no local de trabalho,
de tal modo que um funcionário homossexual se sinta confortável para expressar sua
orientação sexual. A comunicação da política de não-discriminação coloca-se como uma
expressão clara do comprometimento das organizações com a igualdade de tratamento em
Dimensões estéticas, cognitivas e tecnológicas de comunicação
Capítulo 15
202
relação a questões de orientação sexual (BELL et al, 2011). Segundo Mickens (1994) para
que as políticas de diversidade na organização se tornem efetivas a comunicação destas
deve ser uma prática habitual, do contrário incorre ao risco de ser esquecida.
O Instituto Ethos (2013) e a Txai Consultoria e Educação por meio do Fórum
LGBT para empresas, propõe em termos de práticas e políticas: a inserção do tema na
comunicação interna, realização de eventos, sensibilização para o tema, produção de
cartilhas ou outros meios de educação e desenvolvimento dos profissionais que falem
de valorização da diversidade e criação de grupos de afinidades. Ademais, recomenda o
desenvolvimento de um diálogo com lideranças governamentais e não governamentais
para tratar do tema, além de eventos com empresas especialistas, a fim de compreender
melhor as questões das pessoasLGBT, seus desafios na empresa e na sociedade em geral.
4 | COMUNICAÇÃO ORGANIZACIONAL
No atual e conturbado contexto socioeconômico mundial, a sociedade tem vivenciado
o crescimento da violência, guerras, o crescimento do terrorismo (principalmente na
Europa), as crises financeiras mundiais, as desigualdades sociais, as violações de direitos
humanos, a alfabetização digital, epidemias, multiculturalismo, entre outros fatores. O poder
da informação e da comunicação neste cenário se coloca como fato relevante à medida
que ela deve ser utilizada não apenas como um instrumento de divulgação de informações,
mas também como um elemento capaz de fomentar uma transformação social. A
comunicação deve ser tratada como um elemento de poder transversal perpassando todo
o sistema social global, incluindo as organizações (KUNSCH, 2014).
As organizações empresariais se tornaram entidades sociais poderosas na
reprodução da cultura, assim como o são as religiões e o Estado, exercendo um forte
poder sobre a sociedade, principalmente no século XX. Friedman (1982) em sua teoria dos
acionistas propunha que as empresas ao cumprirem seu papel econômico estariam dando
sua contribuição social, cabendo a elas gerar lucro para os seus acionistas. Todavia, o que
se constata nas últimas décadas é que o isolamento do mundo corporativo cedeu lugar
a umnovo pensar, onde as empresas passam a ter um papel social além dos propostos por
Friedman (ibdem).
Ainda segundo a autora algumas organizações possuem poder
econômico
comparáveis ao PIB (Produto Interno Bruto) de alguns países. Neste sentido as organizações
têm sido demandas pela sociedade a reverem o seu papel no sistema social global, em
função também dos impactos gerados na sociedade. Atualmente, o grande desafio delas
é justamente superar aquela visão meramente econômica. A autora afirma a necessidade
de sair do discurso da sustentabilidade e responsabilidade social para atitudes que de fato
traduzam um compromisso público. Na era digital na qual a sociedade está interconectada
através das redes e mídias sociais, as organizações tendem a perder o controle sobre os
Dimensões estéticas, cognitivas e tecnológicas de comunicação
Capítulo 15
203
públicos por ela afetados. Esse contexto exige coerência nos discursos institucionais, do
contrário determinada informação veiculada é passível de ser questionada e ir parar nas
redes sociais, afetando a imagem e reputação da organização.
Kunsch tem buscado novos olhares sobre o significado e a abrangência da
comunicação organizacional, a fim de compreender como essa comunicação está
configuradahoje e quais são suas dinâmicas nas práticas organizacionais. Neste sentido ela
propõe analisá-la em quatro dimensões: instrumental, humana, cultural e estratégica. Um
dos objetivos deste estudo é sensibilizar as organizações e a sociedade para os desafios
acerca da realidade da população LGBT no mercado de trabalho, e por esta razão será
dado foco na dimensão humana. Cabe ressaltar que a dimensão estratégica e instrumental,
tem também caráter relevante para o estudo.
A dimensão humana da comunicação, ainda que se coloque como a dimensão
mais importante é a mais esquecida, tanto nas práticas das organizações como na
literatura. A comunicação deve levar em conta o fator humano e suas subjetividades, e
constitui um pilar fundamental para qualquer ação que busque ser eficaz e duradoura. Nas
organizações contemporâneas, a subjetividade é um aspecto relevante a ser estudado por
profissionais e gestores de comunicação nas organizações. Trabalhar com ela significa
atuar sob a dimensão humana e ultrapassar a visão meramente instrumental. Neste sentido
vale destacar a importância da valorização da comunicação interpessoal. As organizações
infelizmente nem sempre promovem espaços informais e favoráveis para construção
de uma boa comunicação em seus ambientes internos. A comunicação organizacional,
em função de ambientes cada vez mais competitivos e conflitantes, cuja as incertezas
configuram a sociedade global nesta era digital, deve ser capaz de valorizar e melhorar
a qualidade de vida dos trabalhadores. A humanização das organizações nunca foi tão
necessária como no mundo globalizado e desigual de hoje (KUNSCH, 2014). Tal processo
constitui-se como uma das propostas deste estudo ao empregar a comunicação e demais
instrumentos organizacionais na inclusão e ascensão da população LGBT no mercado de
trabalho, em nível de igualdade aos demais indivíduos não homossexuais.
5 | METODOLOGIA
Visando a uma análise acerca dos desafios e as melhores práticas de gestão quanto
à promoção do desenvolvimento profissional de indivíduos LGBTs no contexto brasileiro,
adota-se a pesquisa qualitativa, com a realização de entrevistas semiestruturadas como
forma de coleta de dados. O objetivo foi coletar as vivências de consultores/especialistas
em diversidade com experiência (a partir de cinco anos) no universo corporativo, bem como
suas percepções acerca dos efeitos da orientação sexual no desenvolvimento profissional
desta população.
Com base no livro Pesquisa no Mundo Real, do Gray (2012), a presente
Dimensões estéticas, cognitivas e tecnológicas de comunicação
Capítulo 15
204
pesquisa pode ser considerada qualitativa, com abordagem indutiva. O estudo quanto
ao seu propósito é uma pesquisa exploratória e descritiva. Adotou-se como desenho da
pesquisa o método Análise de Conteúdo segundo procedimentos descritos por Bardin
(2004). A estratégia de amostragem utilizada é por conveniência, segundo os critérios:
especialistas em diversidade com experiência de no mínimo cinco anos atuando junto
a grandes corporações situadas no Brasil e que adotam, preferencialmente, políticas e
práticas de Responsabilidade Social.
O universo da amostra é composto de três profissionais que trabalham e/ou
trabalharam com/em empresas consideradas benchmarking na temática diversidade no
contexto nacional. Dois destes consultores atuam a mais de 14 anos no segmento e a
terceira há aproximadamente seis anos como líder de Diversidade em uma multinacional
com tradição para temática Diversidade. Os consultores não serão identificados. As
entrevistas foram previamente agendadas e ocorreram em 2017. Seguindo preceitos
éticos, elas foram gravadas (áudio) e posteriormente, transcritas, com a devida autorização
dos participantes do estudo por meio de um Termo de Consentimento Livre e Esclarecido
(TCLE).
6 | ANÁLISE DE DADOS
Para construção desta análise foram consideradas as entrevistas realizadas em
campo, com os consultores em diversidade. As entrevistas contaram com um questionário
semiestruturado composto por cinco perguntas abertas. A coleta gerou um amplo material
acerca das vivências e percepções dos entrevistados. Nesta seção, além da análise dos
resultados propriamente dita, será realizada a confrontação dos resultados com a revisão
de literatura, identificado às convergências e divergências.
No cenário empresarial atual, em que pese um mercado global altamente dinâmico
e em constantes mudanças, promover um ambiente de trabalho inclusivo e diverso tornase um fator de competitividade para os negócios. Valorizar a diversidade está associado a
diversos fatores, dentre eles: redução de conflitos, motivação, aumento do engajamento,
inovação, e, consequentemente, aumento dos lucros, contudo no Brasil ainda são poucas
as empresas que inserem a diversidade na pauta de sua agenda estratégica (BORIN;
FIENO; SAMPAIO, 2015).
A importância da Diversidade para o mundo dos negócios compõe-se de diversos
fatores como o bem-estar do trabalhador, retenção de talentos, reputação e imagem, valor
ao negócio e melhora nos indicadores de ambiência, conforme identificado nas entrevistas
C1, C2 e C3.
Então, além da história dos casais parceiros... isso transita pela ambiência.
Transita pela ambiência e vai ter impactos diferenciados dependendo – e a
gente pôde comprovar isso, se o ambiente onde a medida foi instituída era mais
masculino ou menos masculino – como a gente teve situações parecidas, teve
Dimensões estéticas, cognitivas e tecnológicas de comunicação
Capítulo 15
205
os bancos e depois teve as elétricas, as energéticas, Eletrobrás, Eletronorte,
Eletronuclear, Itaipu, Petrobras, a gente pôde dar esse comparativo que uma
medida pode ter mais reação negativa dependendo, não é da quantidade do
homem nela, é digamos assim, da macheza que envolve aquele segmento
(...). (C1).
Qual a importância da diversidade é uma boa pergunta, porque não tem
muito estudo no Brasil, não tem muita coisa, então a diversidade como tema
vem entrando muito pela onda dos valores, vamos dizer assim, por uma
convicção. Eu tenho um quadrinho que eu mostro ‘o fruto do diálogo com
os presidentes’, que eu pergunto pra eles – em vez de eles me perguntarem
só “por que eu tenho que investir em diversidade?”, como eles me chamam
como consultor ou no fórum LGBT, então eu devolvo e pergunto para eles
para aprender – e aí eu vi que é um consenso entre eles de um tripé: eles
dizem “a gente investe em valorização da diversidade porque é a coisa certa
a se fazer ou seja está ligada à normativa de Direitos Humanos, a valores, a
princípios. tem a ver com a escolha que a gente fez, os acionistas das nossas
empresas, os dirigentes ou donos das nossas empresas, aí eles fizeram
escolhas em relação à identidade da empresa que aí tem a missão, visão,
valores...” e então isso também pesa e é bem importante, eu coloco bastante
ênfase nisso porque isso é um eixo que se outras coisas mudarem – se você
tem uma normativa no país que mude a Constituição, por exemplo, ou deixa
de ser como ela é ou qualquer outro rolo que possa acontecer – é muito legal
saber que as empresas estão falando de...reconhecendo que tem um eixo na
identidade delas. E o terceiro motivo, todos esses são interligados, é assim:
“puxa, isso, por intuição ou por leitura de algumas pesquisas, ou pelo que as
pessoas falam, a gente reconhece que isso adiciona valor. Para o negócio,
entendido negócio (...) (C2).
Conforme pontuado na entrevista C2, são escassos os estudos no Brasil acerca
da importância da Diversidade, assim como colocado por Eccel e Flores-Pereira (2008). A
inclusão da população LGBT no mundo do trabalho ocorre também por consequência de
uma agenda produtiva de direitos no Brasil e no mundo, que teve seu início na década de
setenta através da Revolução de Stonewall. No Brasil, o reconhecimento do casamento
de pessoas do mesmo sexo ocorreu através de uma decisão do Superior Tribunal Federal
em 20111 e foi um marco para a população LGBT. Os movimentos sociais e políticos pródiversidade tiveram um papel fundamental na narrativa histórica das minorias, como da
população LGBT, o movimento das mulheres, negros e deficientes, e que vieram a resultar
em normativas legais, promovendo direitos iguais entre homossexuais e não homossexuais,
o que inclui o direito a adoção, conforme ressaltado na entrevista C1:
(...) eu acho que nós vimos crescer nessa última década, uma agenda muito
produtiva de direitos, uma agenda muito produtiva da demanda, uma luta por
direito que se constituiu numa agenda, ampla. Então você tem os segmentos
LGBT; você tem a população negra, os afrodescendentes; você tem uma
virada dos direitos das mulheres, com uma criticidade crescente contra a
discriminação, incluindo uma juventude que se incorpora ao pensamento
feminista (...) e o outro grupo que fez a diferença é a comunidade LGBT com
1 A aprovação do Superior Tribunal Federa ocorreu em 05/05/2011. Disponível em: http://www.stf.jus.br/portal/cms/
verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=178931. (Último acesso: 27/08/2017).
Dimensões estéticas, cognitivas e tecnológicas de comunicação
Capítulo 15
206
essa agenda, que é uma agenda de visibilidade (...) então eu vejo que é
nesse contexto que se insere a luta por direitos da comunidade LGBT. E tem,
na minha opinião, dois movimentos fortes da comunidade LGBT: um que é a
luta por reconhecimento das parcerias, ou seja, a forma de reconhecimento
da sociedade pelas uniões de casais parceiros do mesmo sexo. Eu acho que
isso muda o debate na sociedade sobre os indivíduos e a sua orientação
sexual, porque vai fazer um enfrentamento com a sociedade heteronormativa.
Cabe destacar a importância das normativas legais na promoção e garantia de
direitos da População LGBT no mundo do trabalho, tanto no contexto nacional como
internacional, conforme apontado nas entrevistas C1, C2 e C3.
(...) as pessoas gays começam a casar e ao casar elas começam a colocar
demandas específicas, por exemplo, plano de saúde para os casais do
mesmo sexo. Ainda hoje, mesmo com a lei, vamos chamar, com CNJ
(Conselho Nacional de Justiça), com a coisa toda, para mim é lei, porque há
controvérsias, tem empresa ainda, ainda hoje – grandes empresas, grandes
marcas – dizendo que voluntariamente oferecem plano de saúde para casais
do mesmo sexo. Já não deveria mais ser. Aí é o princípio da igualdade. (C2).
No Brasil, além dos movimentos sociais e do Estado, as empresas tiverem um
papel importante no reconhecimento de direitos iguais à população LGBT no mundo
trabalho, influenciando positivamente o mercado nacional. Este foi o caso das Estatais,
que adotaram a extensão de benefícios aos casais homossexuais antes de uma normativa
legal, conforme relatado na entrevista C1.
(...) o reconhecimento dos direitos das pessoas gays, lésbicas, trans, nas
empresas, não se deu por ascensão a determinados cargos ou combate à
discriminação (...) foi direto no assunto de reconhecimento como os casais
parceiros de sexo diferente ou hetero. Então é uma mudança cultural
extraordinária! Se num primeiro momento houve resistência, houve resistência
a esse reconhecimento dos casais parceiros. O que é fantástico é que, ao
contrário de uma legislação, primeiro houve “acolhimento dessa demanda”,
para depois você ter uma normativa legal, que lhe desse suporte. Eu acho
extraordinário, entende? (...) Aí tem uma coisa, lá nesse período (...) foi uma
ordem unida, de decisão de empresas públicas... A Caixa, a Petrobras, o
Banco do Brasil, a Itaipu e Eletronorte...fizemos uma frente unida pra fazer
passar essa medida (...) A reação foi muito parecida em várias empresas.
(C1).
Quanto às iniciativas adotadas pelas empresas para garantia e promoção dos
direitos humanos da população LGBT, destacam-se: extensão de benefícios, Grupos de
afinidade/diversidade, Instrumentos Normativos e Ações de comunicação, dentre outras
conforme listado na tabela 1.
Iniciativas Identificadas
Entrevistas
Extensão de Beneficios
C1, C2 e C3
Dimensões estéticas, cognitivas e tecnológicas de comunicação
Capítulo 15
207
Instrumentos normativos (Código
de conduta/ética)
C1 e C2
Grupos de afinidade/diversidade.
C2 e C3
Ações de conscientização
(Palestras, ações educativas,
treinamento virtual, etc.)
C3
Espaço de interlocução corporativo
- Fórum de empresas e Direitos
LGBT.
C2, C3
Comissão interna pró diversidade
C1
Adoção de compromissos e
indicadores
C2, C3
Comunicação como instrumento
de disseminação (informativos,
newsletter, campanhas, página
intranet, etc).
C1, C2 e C3
Adêrencia direta dos CEO´S
C2 e C3
Tabela 1: Iniciativas identificadas nas entrevistas.
Fonte: Elaborado pelo autor.
As práticas identificadas são aderentes às propostas sugeridas por Mickens (1994),
Day e Greene (2008), Bell et al (2011), Pompeu e Pompeu (2015). Para Mickens (1994) a
extensão de benefícios aos empregados homossexuais, a depender do contexto, não se
constitui como tal e sim apenas uma aplicação justa da lei. O casamento entre pessoas
do mesmo sexo no Brasil é um direito legal conquistado pela sociedade. Os grupos de
afinidade identificados visam a criar uma atmosfera de confiança e operam ainda como um
espaço de socialização e advocacy2 para a população LGBT.
A comunicação tem um papel estratégico e muito importante na gestão de pessoas e
na mudança de cultura de uma empresa, podendo dar capilaridade ao tema Diversidade
dentro da organização. A comunicação se empregada de forma criativa é capaz de produzir
materiais educativos e esclarecedores acerca da temática. Os instrumentos a serem
desenvolvidos tanto podem ser físicos, tal como cartilhas e jornais, ou digitais, através de
treinamentos EAD ou vídeos institucionais (INSTITUTO ETHOS, 2013). Atualmente muitas
empresas vêm adotando ações de publicidade e marketing retratando a população LGBT
em suas campanhas, mas ainda precisam melhorar suas práticas de RH, de modo que isto
se traduza como valor aos negócios. Tal qual propõe Mickens (1994), a comunicação das
políticas de uma empresa precisa ser disseminada reiteradamente, a fim de que não caia
no esquecimento. A fala dos presidentes, por sua vez, tem um valor simbólico na aderência
dos trabalhadores e de toda a cadeia de valor. Alguns destes aspectos são identificados
2 Advocacy é o ato de identificar, adotar e promover uma causa. Consiste em um esforço para moldar a percepção
pública ou conseguir alguma mudança (AVNER, 2002).
Dimensões estéticas, cognitivas e tecnológicas de comunicação
Capítulo 15
208
nas entrevistas C1, C2 e C3.
A comunicação teve um papel muito estratégico e muito bom porque foi muito
criativa (...) de bolar, a gente fez conversas juntos para bolarmos cartilhas,
vídeos. Isso chegou lá na loja. A prioridade do Carrefour foi chegar nas
pontas, na loja. Até se descuidou um pouco do ambiente interno, da matriz,
de alguns lugares que não tinham o cliente e foi lá para a ponta. Por que?
Porque ali estava morando o conflito. Tinha muito problema do colaborador
com o cliente, do cliente com o colaborador. Isso não é diferente porque eu
trabalho também com essas organizações, com Walmart, Pão de Açúcar, é
muito semelhante. Mas o Carrefour acreditou, acreditou e investiu nisso e deu
super certo! A Avon, falar do ambiente interno, não teria muito que dizer, mas
foi muito corajosa de colocar a questão queer na propaganda de um produto.
Não foi para a televisão, mas foi para a internet e ela quebrou o paradigma
e foi ótima aquela contribuição! ela tem mais desenvoltura no marketing, não
vê problema com isso e ela fez bem feito! Foi muito elogiada a propaganda
dela. (C2).
Olhando um pouco para o nosso trabalho com o fórum. À medida, e o meu
trabalho aqui em Diversidade sempre foi baseado no comunicar. Comunicálos por quê? Esclarecer as dúvidas. Dizer que é possível. E eu faço isso meio
que com tudo, que é do programa de diversidade. E antes eu penso: qual é
o público que eu tenho que comunicar e o que tem que ele tem que saber?
E o fórum fez isso muito bem com o nosso site. Faz isso em cada reunião do
fórum. Você vai ter oportunidade de ver. Que é comunicar essa importância.
Dizer dos indicadores. Ajudar as pessoas a saírem daquela fronteira entre
eu não posso, eu não devo. A gente tem esse espaço na newsletter que fala
sobre coming out. Se tiver gente interessada em falar naquele mês, ele vai
falar como foi esse processo, contar, colocar foto namorado, se quiser. Isso
acontece de forma muito fluida. Todo mês. A gente não força esta pauta, tá?
A gente vê o que tá acontecendo ( ) uma tática que a gente usou também
aqui em Diversidade na empresa, que é meu presidente sabe que isso é
importante, fala sobre comigo, discute as métricas, e desce para o primeiro
nível de gerência dele, abaixo dele, a importância do tema. Mas, se isso for
só top-down, como se costuma dizer, têm várias camadas aqui em cima, que
nunca vão chegar lá. (C3).
O Fórum de empresas e direitos LGBT constitui-se como um espaço de interlocução
empresarial, fundado e gerido por empresas, que através de um sistema de governança e
reuniões periódicas compartilham as melhores práticas do mercado nacional e internacional.
O propósito do Fórum é articular as empresas, organizações governamentais e não
governamentais que representam ou atuam com a questão LGBT, em torno do compromisso
com o respeito e a promoção aos direitos humanos LGBT. O Fórum conta ainda com dez
compromissos e com indicadores de profundidade, e as empresas ao aderirem não precisam
necessariamente cumprir os compromissos na sua totalidade (INSTITUTO ETHOS, 2013).
A criação do Fórum de Empresas de Direitos LGBT e suas iniciativas é algo recente
no contexto organizacional brasileiro. Constata-se que a abordagem da orientação sexual
na gestão de pessoas no Brasil vem ocorrendo principalmente em empresas multinacionais,
conforme relatado nas entrevistas C1, C2 e C3. O time de empresas nacionais ainda
Dimensões estéticas, cognitivas e tecnológicas de comunicação
Capítulo 15
209
é tímido e predominantemente composto por escritórios de advocacia e estatais. Acerca
dos desafios identificados no contexto nacional para o desenvolvimento profissional e a
carreira da população LGBT estão: 1) a cultura brasileira ao que pese um baixo senso de
cidadania, apontada nas entrevistas C2 e C3; 2) a necessidade de um maior compromisso
das lideranças e o devido apoio institucional, relatado nas entrevistas C1 e C2; 3) planos
de saúde mais plurais (incluir tratamento hormonal para pessoas transexuais, outras
demandas da população LGBT), nas entrevistas C2 e C3.
Essa explicação de diversidade genérica ainda é difícil a gente ter no Brasil.
Ainda é uma ‘turma de elite’. Eu chamo mesmo e assumo. É um grupo de elite
das empresas que está empurrando outras e o mercado e a cadeia de valor
toda para pensar no tema da diversidade (...) quando você olha as signatárias,
é gritante a presença de multinacionais (...) a gente tem que tomar cuidado
com isso, é um problema para as empresas brasileiras, que a gente não fique
muito atento à velocidade necessária para garantir aquelas coisas que as
empresas gostam, que elas precisam disso, competitividade, sintonia com
a sociedade... No tema que a National Geographic chamou de “Revolução
de Gênero”, que eu gostei, é preocupante que as empresas brasileiras não
ganhem a velocidade que o tema está exigindo, porque aí a sociedade toda
está numa velocidade de mudança muito maior que as nossas empresinhas.
que a gente como Fórum traz as empresas que estão atuando, que estão
fazendo coisas boas para elas virem. Das empresas que compõe o Fórum
LGBT de empresas a maior parte é tudo multinacional, tudo transnacional.
Você tem aqui um escritório de advocacia – agora tem mais um, acabou
de entrar, Matos Filho, então quatro empresas, a Trench Watanabi, que tem
parcerias internacionais, mas é uma empresa nacional; a Ambev, que é
multinacional, mas o capital nacional, aqui e só. Ah, e a Braskem. (C2).
Eu acho que o maior desafio é a liderança expressar isso como sendo um
compromisso da empresa e assegurar esse compromisso significa dizer:
“não aceito discriminação”. Então assim, isso é o código de conduta, legal,
vão todos os documentos e tal, mas nesse caso é preciso verrrrrbalizar! E
isso acho que está fazendo a completa diferença na vida e na história dos
direitos quando uma pessoa, na posição de decisão, chega à conclusão “isto
é importante para toda a companhia”. E, a pessoa, porque ela tem aquela
posição de decisão, mesmo o sujeito que é contra sabe que dentro dessa
perspectiva tem que pelo menos fazer uma reflexão diferente (...). Então
essa imparcialidade na questão de determinados grupos, mulheres, negros,
gays, não são imparciais, eles são movimentados por umacultura. Quem pode
mudar isso? Quem tem o poder de decisão. Então acho que o desafio é esse.
(C1).
Não só brasileiras, mas também asiáticas. E aí o desafio é o mesmo. A cultura
organizacional, às vezes, é uma visão muito familiar. Sem referências no Brasil
com estudos que você vê: então, não tem, não sei de onde eu venho. Então,
para as americanas e europeias é mais simples. Porque isso acontece, às
vezes, nos países por força da lei. (C3).
Além dos desafios citados, diversos são os aspectos que dificultam trabalhar o
tema da orientação sexual no universo corporativo. Um deles é a ausência de uma base
de dados sobre a população LGBT, em que constem dados censitários, étnicos, sociais
Dimensões estéticas, cognitivas e tecnológicas de comunicação
Capítulo 15
210
e econômicos (SECRETARIA ESPECIAL DE DIREITOS HUMANOS, 2016). No âmbito
das organizações conforme coloca o Instituo Ethos (2013) ainda não é comum o RH
aferir a orientação sexual dos trabalhadores, e nem é recomendável caso a empresa não
possua histórico na valorização, promoção e gestão da diversidade. Mas se as empresas
não sabem como é composto seu quadro de trabalhadores, que justificativa teriam para
trabalhar a temática? Seria ela pertinente ou não de ser trabalhada? Ademais, as empresas,
enquanto entidades representantes do discurso dominante (BOURDIEU, 2014) podem ser
classificadas como muito “masculinizadas” e “masculinizantes”, conforme relatado nas
entrevistas C1, C2 e C3.
Masculina no número, mesmo na base – quando a gente olha pesquisas entre
as maiores empresas, que eu ajudo no Instituto Ethos, que a gente faz desde
2001 – mesmo na base ainda dessas 500 maiores, que seriam as mais chiques,
as que têm acesso às melhores consultorias, os melhores entendimentos,
deveria ser assim, mas mesmo na base, agora na última, 35% de mulheres,
mesmo na base. Eu fico só olhando lá, a carreira, o topo da empresa, que
aí tem 13%, mas elas, as nossas empresas, ainda são muito masculinas.
São M, de masculinas. São M de masculinizadas. Os rituais, os processos,
os procedimentos, o jeitão de decidir, de fazer, ainda mostra resquícios de
um tempo em que as empresas foram feitas por homens, para homens, de
homens, então, é o tal do padrão dominante institucionalizando tudo isso
daí. E masculinizantes porque elas te impõem mesmo um jeito de ser homem
que às vezes, nem para um homem hetero interessa. Também, essas nossas
empresas são HHH, são Hetero – eu crio tudo (risos) – são heterossexuais no
número de coisas, são Heterossexualizantes num sentido de impor um jeito de
ser heterossexual e Heteronormativas ou Heterossexualizadas – que aí esse
termo existe – que é a imposição de um jeito, de uma vida heterossexual, de
um jeito de ser. (C2).
Nesse estudo foi observado que as diferenças identificadas em relação às
empresas públicas, de economia mista e empresas privadas, é que as primeiras ainda que
precursoras na extensão de benefícios aos homossexuais tendem a ter uma cultura mais
fechada em termos de iniciativas para inclusão, ascensão e desenvolvimento da população
LGBT. Contudo, para alguns autores como Ferreira (2007), as empresas públicas garantem
uma menor exposição a situações de discriminação para o trabalhador homossexual que
as empresas privadas, em virtude também do acesso por concurso público, sendo este
aspecto reforçado nas entrevistas C1 e C2.
Das empresas multinacionais atuantes no contexto nacional, destacam-se nas
entrevistas C2 e C3: Carrefour, Dow Química, Avon, 3M, Monsanto, AIG, e com maior
destaque a IBM conforme trecho da entrevista C3 “Existem as empresas que estão mais
maduras. Você deve ter ouvido referência de que a IBM Brasil é uma delas. Talvez a mais
citada e tudo mais”. Das nacionais foram citadas a BB Mapfre, JLL, Mattos Filho Advogados,
Trench, Rossi e Watanabe Advogados, Ambev. Das estatais precursoras foram citadas na
entrevista C1 a Caixa, a Petrobras e o Banco do Brasil.
A IBM conforme relatado na entrevista C3 tem diversas iniciativas com foco na
Dimensões estéticas, cognitivas e tecnológicas de comunicação
Capítulo 15
211
construção de um ambiente de inclusão e diversidade (tabela 2). Os apontamentos acerca
da organização colaboram aos apresentados por Thomas (2004), que destaca a IBM como
uma das precursoras para o tema.
Iniciativas mapeadas na IBM
Item
Descrição
1
Newsletter mensal com temas relevantes sobre o que a
empresafaz junto à comunidade de trabalhadores LGBT.
2
Programa de Executivos assumidos que já tem mais de 50
executivos VPs da companhia, que saíram do armário e estão
contando a sua história.
3
Programa de Talentos assumidos, lançado recentemente para
pessoas de posições mais baixas, como gerentes.
4
Programa de Mentoria reversa que consiste na oportunidade
dos executivos da companhia falarem diretamente com uma
pessoa LGBT e assim compreenderem os desafios pro estes
vivenciados
durante a trajetória profissional.
5
E-mail corporativo exclusivo para as pessoas que querem se
identificar e fazer parte do grupo de diversidade.
6
Sessões de benchmarking periódicas junto a outras empresas
comfoco no compartilhamento de práticas e aprendizado
mútuo.
Tabela 2: Iniciativas da IBM mapeadas na entrevista C3.
Fonte: Elaborado pelo autor.
7 | CONSIDERAÇÕES FINAIS
Na amostra deste estudo ficou evidente que é possível identificar boas práticas em
relação às políticas de diversidade, as quais apontam para a necessidade de um ambiente
aberto ao diálogo, através do aprendizado mútuo e de maneira pedagógica. Partes das
iniciativas identificadas são replicáveis a outros grupos vulneráveis, como mulheres,
negros e deficientes, é o caso dos grupos de afinidade. A criação do Fórum de Empresas
de Direitos LGBT representa um avanço organizacional e estratégico para temática no
contexto nacional brasileiro, e em específico para a população LGBT, na medida em
que alinha desafios e boas práticas comuns ao mercado. Verifica-se, contudo a modesta
atuação das organizações nacionais neste espaço.
A comunicação tem um papel estratégico e muito importante na gestão de pessoas
ena disseminação das iniciativas organizacionais. Verifica-se a relevância da comunicação
nas organizações como estratégica na divulgação da temática aqui discutida e na melhoria
do diálogo interpessoal. O compromisso do Presidente e dos gestores coloca-se como fator
crítico para avançar na mudança de cultura.
As organizações privadas, especialmente as multinacionais, têm avanços mais
significativos na valorização da diversidade. As estatais, ainda que precursoras na
Dimensões estéticas, cognitivas e tecnológicas de comunicação
Capítulo 15
212
extensão de benefícios aos homossexuais tendem a ter uma cultura mais fechada em
termos de iniciativas para inclusão, ascensão e desenvolvimento da população LGBT.
Não obstante os valorosos depoimentos obtidos neste estudo para a compreensão
dos desafios de inserção e ascensão da população LGBT no mercado formal de trabalho,
as limitações deste estudo sugerem a necessidade de pesquisas futuras e complementares.
Destaca-se a amostra reduzida e a importância da produção de estudos quantitativos sobre
os efeitos das iniciativas organizacionais no desenvolvimento profissional da população
LGBT e estudos junto a organizações que sejam Benchmarking para o tema.
REFERÊNCIAS
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Dimensões estéticas, cognitivas e tecnológicas de comunicação
Capítulo 15
215
CAPÍTULO 16
PROJETO SAIBA MAIS UEPG: AÇÕES NA
CONSCIENTIZAÇÃO SOBRE PREVENÇÃO ÀS IST’S
E A GRAVIDEZ PRECOCE
Data de aceite: 01/05/2022
Kauane Chicora
Letícia Prestes
Marcelly Ingles
Cristina Lucia Sant’ Ana Costa Ayub
materiais sobre Educação Sexual, que são preparados pelas integrantes do projeto. A página no
instagram possibilita aos alunos continuarem por
dentro do assunto e sanar dúvidas que possam
surgir depois da aplicação das oficinas.
PALAVRAS-CHAVE: Educação sexual. Adolescência. Ensino.
RESUMO: A precocidade da vida sexual durante a adolescência traz muitas consequências
que podem até prejudicar no projeto de vida das
pessoas, como adquirir alguma infecção sexualmente transmissível e/ou enfrentar uma gravidez
precoce. Por conta disso, é perceptível a importância da educação sexual durante a adolescência. O presente subprojeto, com participação de
acadêmicas do curso de Licenciatura em Ciências Biológicas e da professora orientadora, tem
como intuito trabalhar assuntos diversos dentro
do tema Educação Sexual, para conscientizar
os adolescentes do ensino médio na busca de
um entendimento melhor sobre o funcionamento do corpo humano, além de esclarecer mitos e
verdades sobre os assuntos relacionados a vida
sexual segura e sadia e sanar possíveis dúvidas
dos alunos. O projeto conta com a execução de
oficinas que abordam os seguintes assuntos: infecções sexualmente transmissíveis, ciclo menstrual e métodos contraceptivos, que são previstos para serem realizadas em três momentos de
atividades bastante dinâmicas; além disso, em
decorrência da pandemia, atualmente possui
uma página no instagram onde são divulgados
ABSTRACT: The precocity of sexual life during
adolescence has many consequences that
can even harm people's life projects, such as
acquiring a sexually transmitted infection and/or
facing an early pregnancy. Because of this, the
importance of sex education during adolescence
is noticeable. The present subproject, with the
participation of academics from the Degree in
Biological Sciences and the guiding teacher, aims
to work on various subjects within the theme of
Sexual Education, to raise the awareness of high
school adolescents in the search for a better
understanding of the functioning of the body.
human being, in addition to clarifying myths and
truths about issues related to safe and healthy
sex life and solving possible doubts of the
students. The project counts with the execution
of workshops that address the following subjects:
sexually transmitted infections, menstrual cycle
and contraceptive methods, which are planned to
be carried out in three moments of very dynamic
activities; in addition, as a result of the pandemic,
it currently has a page on instagram where
materials on Sexual Education are published,
which are prepared by the project's members.
The instagram page allows students to stay on
top of the subject and solve doubts that may arise
after the application of the workshops.
Dimensões estéticas, cognitivas e tecnológicas de comunicação
Capítulo 16
216
KEYWORDS: Sex education. Adolescence. Teaching.
NOME DO PROGRAMA OU PROJETO
Laboratório de Recursos Didáticos em Ciências Morfológicas, subprojeto Saiba
Mais UEPG.
PÚBLICO-ALVO
Adolescentes do Ensino Médio do ensino básico e público em geral.
MUNICÍPIOS ATINGIDOS
Ponta Grossa, Paraná, com abertura para o público em geral pela divulgação em
redes sociais.
LOCAL DE EXECUÇÃO
Ponta Grossa, Paraná, com divulgação nas redes sociais, ampliando grandemente
o alcance das informações e das interações com o público.
JUSTIFICATIVA
Segundo o Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos (MNDH), o
Brasil possui altos índices de gravidez na adolescência, estando 50% acima da média
mundial. Ou seja, a cada mil meninas, 46 se tornam mães adolescentes e 75% delas têm
uma gravidez indesejada e inesperada, e acabam abandonando a escola o que “aumenta
a mortalidade infantil, gera pobreza e se torna um ciclo vicioso que precisa, de alguma
maneira, ser abordado” (BRASIL, 2020.).
São considerados “Adolescentes”, pela Organização Mundial da Saúde (OMS), os
indivíduos com idades entre 15 e 18 anos. Este período, segundo Silva e Surita (2012), é
muito especial para a construção e inserção social do indivíduo que pode ser entendido
como um momento de vulnerabilidade. O Ministério da Saúde (2020) mostra que o Brasil,
além de possuir um índice alto de gravidez entre as jovens, possui comportamentos
considerados de risco que vem aumentando entre os jovens quando trata-se do combate
às IST ‘s.
Portanto, a educação sexual possui abordagem indispensável principalmente no
ambiente escolar, devido a diversos fatores que incluem a busca por uma vida saudável
e um futuro consciente dos indivíduos, além de ser um direito de todos, principalmente
dos jovens e adolescentes em idade escolar (MAMPRIN,2009). Ainda, segundo FURLANI
Dimensões estéticas, cognitivas e tecnológicas de comunicação
Capítulo 16
217
(2011) os assuntos relacionados à educação sexual são extremamente necessários para a
formação do/a jovem, mas não apenas deste, pois, a sexualidade é construída ao longo da
vida e durante todas as suas fases.
Como nem sempre a família e a escola suprem isoladamente toda a necessidade de
informações, torna-se necessária a criação de projetos como o Saiba Mais UEPG (Saiba
+), que prevê eventos/oficinas para aplicações em colégios e postagens, que possibilitam e
facilitam a conscientização da população focando nos temas relacionados à prevenção das
Infecções Sexualmente Transmissíveis (IST’s) e da Gravidez precoce.
OBJETIVOS
Descrever nosso subprojeto extensionista, produtor de eventos/oficinas remotos/
as para aplicação em Escolas e Colégios Estaduais, e postagens curtas e informativas,
disponibilizadas na rede social Instagram, responsável por auxiliar, informar e conscientizar
o público em geral, dentro do tema geral “Educação Sexual”.
METODOLOGIA
O subprojeto Saiba +, trabalha o tema Educação sexual e possui como público alvo
principal os adolescentes, mas tendo abrangência maior e disponibilidade para o público
geral. Inicialmente previsto para a aplicação nas escolas, para atingir seus objetivos, conta
com previsão de trabalho com três oficinas que abordam os seguintes temas: gravidez
na adolescência, prevenção da mesma e de IST ‘s como também, assuntos a respeito de
higiene pessoal.
Com a pandemia da Covid-19, esta previsão de aplicação presencial das atividades
foi modificada e atualmente o subprojeto também conta uma página educativa na rede
social Instagram, onde são postados materiais sobre o tema educação sexual; os “posts”
são montados pelos integrantes do projeto e corrigidos pela orientadora antes de serem
publicados. Há previsão de, ao retorno ao modo presencial de ensino, de mantermos as
postagens na rede social para que, após a aplicação das oficinas nas escolas, seus alunos
possam explorar, de forma continuada, os assuntos trabalhados.
RESULTADOS
1) Descrição das oficinas, elaboradas para a aplicação presencial nas escolas: A
primeira oficina é destinada à montagem de um personagem, baseado nas coisas que
eles querem para eles. O personagem precisa ter nome, curso que pretende fazer caso
queira fazer faculdade, trabalho dos sonhos e o que gosta de fazer para passar o tempo.
Além disso, neste mesmo momento ocorrerá a leitura de algumas histórias baseadas em
situações que podem acontecer na adolescência, envolvendo o tema sexualidade; cada
história possui as suas alternativas que correspondem aos “atos” que os adolescentes
Dimensões estéticas, cognitivas e tecnológicas de comunicação
Capítulo 16
218
podem ter diante de uma dada situação. A alternativa escolhida pelos/as alunos/as
corresponderá ao destino do personagem montado por eles/as. Em paralelo, será aplicada
a dinâmica “cuidando do seu ninho”, pela qual os/as alunos/as irão montar o seu “ovo
virtual” selecionando as características disponibilizadas no aplicativo google form. Este
“ovo virtual” corresponderá a um indivíduo dependente (como um bebê, por exemplo) e que
necessitará de cuidados todos os dias, durante uma semana; neste percurso, os/as alunos/
as precisam dar um “feedback” de como o seu “ovo virtual” está e o objetivo desta dinâmica
consistirá na vivência da vida adulta pelo/a aluno/a, simulando a responsabilidade de uma
gravidez nessa fase da vida.
Na segunda oficina, está prevista a realização da dinâmica do “mito ou verdade”; neste
momento apresenta-se algumas perguntas sobre as ISTs e sobre métodos contraceptivos
e os/as alunos/as são convidados a responderem com base no que sabem se aquela
afirmação é verdadeira ou é um mito; a cada rodada de perguntas e respostas, os/as
aplicadores/às irão esclarecer o tema constante na pergunta realizada. Na terceira oficina
serão respondidas as perguntas feitas na “caixa de perguntas” que terá sido disponibilizada
anteriormente na escola; além disso, será finalizada a dinâmica “cuidando do seu ninho”
feita na primeira oficina para explicar aos/as alunos/as o propósito da mesma. Também
será disponibilizado um formulário para possíveis críticas, elogios ou sugestões em relação
a atividade realizada, para que os/as acadêmicos/as recebam um retorno daquilo que foi
trabalhado.
2) Adaptação dos trabalhos em tempos de Pandemia da Covid-19: Devido a
pandemia, os trabalhos presenciais foram limitados em virtude da paralisação das escolas,
não sendo possível aplicar as temáticas no formato das oficinas acima descritas. Por
conta disso, os extensionistas buscaram adaptar a metodologia das oficinas para serem
aplicadas de forma remota. Porém, mesmo que adaptadas neste período, o projeto ainda
não foi aplicado em nenhuma escola; sabendo das dificuldades atuais que as escolas estão
passando, com um retorno gradual de alunos, tendo alguns alunos na escola e outros ainda
no ensino remoto, acaba dificultando ainda mais a aplicação das oficinas para as turmas
do ensino médio.
Considerando que atualmente muitas coisas acontecem de forma virtual, foi montado
uma página na rede social Instagram para a divulgação dos temas abordados pelo subprojeto,
envolvendo exposição de materiais sobre Educação Sexual, como informações sobre as
ISTs, diferenças entre IST e DST, além de apresentações sobre métodos contraceptivos e
sobre o ciclo menstrual. Considerando que nos dias de hoje, muitos adolescentes recorrem
às redes sociais em busca de informações, entendemos que este é um grande meio para
darmos continuidade ao nosso subprojeto e seguirmos informando e conscientizando os
alunos sobre temas tão importantes para a sua vida prática.
Dimensões estéticas, cognitivas e tecnológicas de comunicação
Capítulo 16
219
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O presente subprojeto permite aos acadêmicos uma experiência enriquecedora,
com uma transmissão dos seus conhecimentos para a comunidade e atendendo uma
importante demanda social que envolve a conscientização e discussão sobre a prevenção à
gravidez precoce e indesejada e as IST ‘s. Possibilita também o uso de novas metodologias
e tecnologias para o ensino, que contribuem com a busca e descoberta de formas mais
abrangentes de ensinar e transmitir informações corretas capazes de conscientizar os
indivíduos envolvidos.
Entende-se que a educação sexual possui grande relevância e necessita ser
tratada como necessária para a vida e a saúde não apenas dos adolescentes, mas de
todos. A necessidade da adaptação surgiu devido a pandemia causada pelo Covid-19,
que impossibilitou o trabalho e as atividades presenciais nas escolas; para adequar-se
a essa realidade, tornou-se necessário a construção de materiais online, para viabilizar
a conscientização e discussão acerca desse tema essencial. Neste momento há um
intenso movimento do grupo envolvido no subprojeto no sentido de divulgar nosso material,
sobretudo aos professores das escolas, de modo que os mesmos apreciem os materiais
postados e considerem indicar aos seus alunos como forma de consulta e interação com a
equipe da Universidade. Tal interação ainda é tímida, mas as postagens continuam sendo
realizadas de modo constante e estão disponíveis para a exploração de todos.
APOIO
Fundação Araucária.
REFERÊNCIAS
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em 12 set. 2021.
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Acesso em: 12 set. 2021.
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Obstet., Rio de Janeiro, v. 34, n. 8, p. 347-350, ago. 2012.
Dimensões estéticas, cognitivas e tecnológicas de comunicação
Capítulo 16
220
CAPÍTULO 17
LIDERANÇA E COMUNICAÇÃO:
HABILIDADES QUE TRANSFORMAM PESSOAS EM
EQUIPES
Data de aceite: 01/05/2022
Data de submissão: 07/03/2022
Raiane Feliciano da Silva
Bacharela em Ciências Contábeis pela
Unigranrio.
Especialista em Controladoria e Finanças pela
Mackenzie Rio.
Especialista em Departamento Fiscal pela
Trevisan.
Mestranda em Negócios Internacionais pela
Must University.
São João de Meriti, Rio de Janeiro.
http://lattes.cnpq.br/0424808977365834.
RESUMO: Este paper é um estudo sobre a
liderança e como essa relacionada com a
comunicação são habilidades indispensáveis na
gestão de equipes. Liderar é influenciar e integrar
pessoas com propósito comum, no âmbito
corporativo alcançar os objetivos da empresa
dentro das diretrizes dessa. E a comunicação
efetiva é basilar para que um líder possa
desempenhar o seu papel seja motivando sua
equipe, seja solucionando conflitos, ou apenas
conhecendo os seus liderados para melhor
engajá-los dentro dos seus planos de carreira
e seus papéis dentro da companhia. O papel
de um líder não difere muito quando se trata de
uma equipe virtual, pois equipes virtuais têm as
mesmas obrigações que uma equipe presencial.
Associado ao autoconhecimento, a comunicação
é também fundamental em networking e
inteligência emocional, que são peças-chaves
Dimensões estéticas, cognitivas e tecnológicas de comunicação
não somente para líderes, mas também no
desenvolvimento profissional de liderados e
até mesmo identificação de oportunidades de
negócios. A habilidade de comunicação feminina
vem mostrando resultados positivos em postos
de liderança.
PALAVRAS-CHAVE: Liderança. Equipe. Tecnologias. Comunicação. Liderança Feminina.
LEADERSHIP AND COMMUNICATION:
SKILLS THAT TURN PEOPLE INTO
TEAMS
ABSTRACT: This paper is a study of leadership
and how it is related to communication and
essential skills in managing teams. To lead is to
influence and integrate people with a common
purpose, in the corporate sphere, to achieve
the company’s objectives within its guidelines.
And effective communication is essential for a
leader to play his role, whether motivating his
team, resolving conflicts, or just getting to know
his followers to better engage them within their
career plans and their roles within the company.
The role of a leader is not much different when
it comes to a virtual team, as virtual teams have
the same obligations as a face-to-face team.
Associated with self-knowledge, communication
is also fundamental in networking and emotional
intelligence, which are key not only for leaders,
but also in the professional development of
those they lead and even in identifying business
opportunities. Women’s communication skills
have shown positive results in leadership
positions.
KEYWORDS: Leadership. Team. Technologies.
Communication. Female Leadership.
Capítulo 17
221
1 | INTRODUÇÃO
Entende-se que os cenários econômicos, políticos e tecnológicos influenciam a
liderança, bem como os objetivos da organização, e a personalidade das pessoas que
compõem as equipes de trabalho.
O desenvolvimento deste estudo apresenta inicialmente conceituação de liderança
e o papel do líder na gestão de pessoas. Na segunda seção é destacada a importância
da comunicação nas relações de trabalho e especialmente a comunicação líder-liderado.
Verifica-se na terceira seção a liderança de equipes virtuais e na quarta seção o destaque
é dado à liderança feminina.
Para a elaboração deste paper foi realizada uma pesquisa bibliográfica, com revisão
de conteúdo disponível em artigos e livros, numa abordagem qualitativa, com o objetivo
de descrever como liderança e comunicação são habilidades complementares na gestão
de equipes presenciais e virtuais, bem como o desempenho feminino em posições de
liderança.
2 | DESENVOLVIMENTO
2.1 Liderança: gestão de pessoas
A liderança é um termo presente em diversas áreas da vida humana. O papel de
líder existe em família, em sala de aula, em equipes de trabalho e até mesmo em algumas
atividades de entretenimento. Nesta seção apresenta-se alguns conceitos para o melhor
entendimento da liderança e do papel do líder.
Para Soares (2021), liderança é uma arte, na qual uma pessoa conduz outras
pessoas e influencia comportamentos e atitudes dessas. Semelhantemente, Escorsin e
Walger (2017), entendem que a liderança está relacionada com a habilidade de influenciar
pessoas em busca de propósitos comuns, sendo, portanto, um acontecimento grupal.
A liderança formal é aquela imposta pelo cargo ocupado, enquanto a liderança
informal é a reconhecida pelos liderados independentemente da posição hierárquica
do líder. Ao longo das décadas algumas teorias tiveram destaque no intuito de explicar
a liderança, em especial no âmbito corporativo, como a teoria dos traços e a teoria das
contingências.
De acordo Escorsin e Walger (2017), segundo a teoria dos traços, a liderança seria
uma habilidade nata que não poderia ser aprendida ou desenvolvida, relacionada inclusive
com traços físicos. Contudo, os autores afirmam que o entendimento de que um líder nasce
líder perdeu força e passou-se a acreditar que um líder poderia ser desenvolvido, isto é,
que a liderança é uma habilidade que pode ser aprendida por meio de treinamentos que
estimulem comportamentos específicos.
A teoria das contingências, segundo Escorsin e Walger (2017), nas últimas
Dimensões estéticas, cognitivas e tecnológicas de comunicação
Capítulo 17
222
décadas, tem ganhado espaço nos estudos sobre liderança e emergiu do reconhecimento
de que o sucesso da liderança vai muito além de características de personalidade e de
comportamentos. No universo corporativo, há diversos casos de líderes que teriam sido
eficazes até dada época, porém não se harmonizaram às mudanças ditadas pelo mundo
deixando de ser eficazes. Tal evidência levou a expansão da visão de que a liderança seria
relativa e a eficácia de um líder pode ser influenciada por diversas variáveis.
Essa última teoria citada permite introduzir tópicos que serão tratados em outras
seções deste estudo como mudanças impostas por avanços tecnológicos e liderança
feminina.
Para Soares (2021), o líder é capaz de conduzir pessoas, dando foco, direção e
metas. O líder de verdade atrai seguidores, sem precisar dar ordens, mas fazendo com que
seus liderados queiram colaborar com ele, permanecendo na equipe com comprometimento.
A liderança no lar, no âmbito religioso, no esporte ou no negócio, nada mais é
que gerenciar pessoas. Conforme explica Soares (2021), as empresas são formadas por
pessoas, com emoções e motivações particulares, expostas a influência do ambiente que
afeta a performance no trabalho, os relacionamentos e a cooperação com os líderes.
Para Soares (2015), a equipe é composta por um grupo de pessoas que se unem
para alcançar um propósito comum, isto é, esse grupo possui habilidades diferentes e
complementares e em conjunto conseguem atingir os propósitos da empresa. Toda
empresa é composta por departamentos, compostos por equipes, compostas por pessoas.
Não há negócio sem pessoas.
O sucesso de um negócio é diretamente vinculado às pessoas. Os resultados de
uma corporação estão ligados às competências dos líderes, dos liderados e das diversas
equipes que esses formam e integram. Todavia, a sinergia de estratégias empresariais
e a excelência do perfil de competências desses colaboradores não acontecem
espontaneamente; necessitam ser criadas, desenvolvidas e mantidas através de liderança
com ações efetivas de gestão de pessoas, de acordo com Escorsin e Walger (2017).
Para Escorsin e Walger (2017), a liderança é a ação que um indivíduo exerce
influenciando as demais pessoas de uma equipe, em situações específicas, para que
determinado objetivo seja atingido. Logo, existe o líder (influenciador), os liderados
(influenciados) e a ação (influenciar).
Segundo Soares (2015), o propósito de um líder no desenvolvimento de equipes
seria promover a integração, a adequada comunicação, entre as pessoas motivando-as e
incentivando comportamentos que as mantenha engajadas para que com transparência,
respeito e eficiência, atinjam um objetivo comum dentro das diretrizes do negócio.
Segundo Escorsin e Walger (2017), os líderes desempenham papel essencial nos
processos de desenvolvimento de equipes, além de impactarem diretamente a gestão de
pessoas.
Para isso, a comunicação efetiva é uma ferramenta basilar indispensável que está
Dimensões estéticas, cognitivas e tecnológicas de comunicação
Capítulo 17
223
apresentada neste estudo como o ponto central da próxima seção.
2.2 Comunicação como ferramenta para integrar pessoas
Compreender as pessoas, suas motivações e desejos fazem parte do desenvolvimento
da liderança. Os líderes se comunicam com suas equipes sob diversas perspectivas:
direcionando, avaliando, conhecendo, integrando, etc. Para Kyrillos e Sardenberg (2019),
à medida que as pessoas passam a notar o que a empresa busca, o que ela tem como
propósito, elas podem colaborar cada vez melhor.
Segundo Kyrillos e Sardenberg (2019), uma ampla pesquisa identificou as cinco
habilidades mais valorizadas entre líderes e liderados destacando a comunicação como a
mais citada, e as outras quatro eram relacionadas à comunicação, que foram: solução de
problemas, atenção a detalhes, conhecimento de tecnologias e flexibilidade.
Para Soares (2015), a confiança acontece conforme os membros de uma equipe
percebem transparência e honestidade na relação membro-membro e membro-líder.
Confiança é construída com comunicação efetiva pautada em honestidade, ética e respeito.
De acordo com Escorsin e Walger (2017), o líder deveria identificar os colaboradores
que precisam ter suas remunerações corrigidas por motivo de melhora na performance e
alcance de resultados. Entre muitos outros aspectos, o bom desempenho do líder nesse
papel auxilia na construção e manutenção da confiança líder-liderados.
A comunicação efetiva, quando há fala assertiva e escuta ativa, torna-se ainda mais
crucial em situações de conflito. Salienta-se que a solução de problemas, ou conflitos, foi
uma das cinco habilidades destacadas na pesquisa citada nesta seção.
O líder precisa remodelar a gestão de conflitos que possui, e a cultura empresarial
da corporação e priorizar as pessoas como colaboradores, com o objetivo de ampliar a
percepção de equipe. Enquanto a pessoa que age como chefe impõe e exige resultados,
geralmente pressionando, assediando e desencorajando os seus liderados a expor sua
capacidade, segundo Soares (2021).
Segundo Soares (2021), a escolha inadequada de um líder pode levar bons
colaboradores a deixarem seus empregos e a perda de talentos prejudica a lucratividade,
produtividade e o histórico da companhia. Por vezes, a pessoa escolhida para a posição
de liderança não tem vocação e/ou treinamentos essenciais para o desempenho esperado
em tal posto.
Para Kyrillos e Sardenberg (2019), facilitar que as pessoas interajam bem em
situação de conflito seria o papel de uma comunicação não violenta. O preparo para tais
situações é fundamental para que o líder possa se manter tranquilo e compassivo melhor
observando os envolvidos no conflito para assim comunicar-se de modo resolutivo.
Soares (2021), sugere que todas as organizações podem desenvolver a capacidade
de transformar conflitos em possibilidades através de sua integração, pois quando o
líder mantém a equipe unida, engajada, procura-se resolver suas diferenças havendo
Dimensões estéticas, cognitivas e tecnológicas de comunicação
Capítulo 17
224
transformações para que se atinja o objetivo comum.
De acordo com Kyrillos e Sardenberg (2019), pessoas felizes, sem conflitos ou
com conflitos bem solucionados, atingem melhores resultados. E manter colaboradores
engajados e felizes é atribuição dos líderes.
Segundo Kyrillos e Sardenberg (2019) uma pessoa muito transparente, dependendo
de como está se sentindo, qual tipo de emoção, poderá ter problemas no ambiente de
trabalho. E a importância da comunicação efetiva reaparece quando se estuda sobre
a inteligência emocional, pois manter a mente do momento presente com escuta ativa,
possibilitará a fala assertiva não conduzida pelas emoções.
Pesquisas mostram que de 10% a 30% do sucesso que as pessoas têm vem
da inteligência racional, que é a medida pelo QI [quociente de inteligência].
E o restante, cerca de 85%, depende da inteligência emocional. Não adianta
termos grandes ideias, lidarmos com descobertas interessantes, se tivermos
dificuldade de expressar essas coisas. (Kyrillos e Sardenberg, 2019, p. 80).
O autoconhecimento é essencial para saber identificar as emoções e entender a
melhor maneira de reagir, como comunicar de forma efetiva, nas mais diversas situações
possíveis.
Para Kyrillos e Sardenberg (2019) o maior objetivo da comunicação seria propiciar
uma ideal interação, um adequado contato entre as pessoas. Criar e manter uma boa rede
de contatos é importante nas diversas áreas da vida humana, e não é diferente na vida
profissional, seja no desenvolvimento de carreira ou no desenvolvimento de negócios.
Há mais oportunidades de negócios e de trabalho quando existe uma extensa
rede de contatos. O networking aprofunda conhecimento dos temas do cotidiano, gera
capacidade de inovação, de desenvolver mais rapidamente, atingir melhores status, com
autoridade, qualidade e satisfação, segundo Kyrillos e Sardenberg (2019).
Uma rede de contatos, network, deveria ser percebida como parte impulsionadora
do desenvolvimento de carreira, não como uma obrigação profissional.
A capacidade de adaptação, flexibilidade, também presente na comunicação, ou
no meio de comunicação trazido com o advento da tecnologia. O líder dever conhecer
as tecnologias que possibilitam por exemplo videoconferências e usá-las para otimizar
recursos e melhor desenvolver a comunicação com sua equipe.
A videoconferência é uma forma de comunicação que traz inúmeras vantagens. Por ser um processo encurtador de distâncias, favorece a comunicação
de pessoas em lugares distintos, minimizando custos de viagens e representando grande economia de tempo. Além de tudo, permite a comunicação em
tempo real! E olha só: uma pesquisa global realizada pela Redshift Research
mostra que para a maioria das pessoas (56%), o vídeo é o canal de comunicação preferido para os negócios, superando o e-mail (49%) e as conferências
por áudio (32%). Tomadores de decisão de 12 países reconhecem que a
videoconferência remove as barreiras da distância e melhora a produtividade
entre as equipes em diferentes cidades e países, para cerca de 98%! Ou seja:
com certeza vale à pena nos prepararmos para sairmos bem nessa modalidaDimensões estéticas, cognitivas e tecnológicas de comunicação
Capítulo 17
225
de tão promissora. (Kyrillos e Sardenberg, 2019, p. 157).
Embora o conhecimento de tecnologias e uso dessas esteja entre as habilidades
relacionadas à comunicação, a relação da liderança com tecnologias tem breve destaque
na seção seguinte.
2.3 Liderança de equipes virtuais
As inovações tecnológicas deveriam fazer parte de todas as áreas de uma
organização empresarial. Nesta seção, este estudo mostra o papel do líder em equipes
virtuais.
Segundo Leme (2020), no contexto do ambiente organizacional com constantes
mudanças e adaptações seria fundamental que as pessoas em cargos executivos sejam
líderes aptos para liderar suas equipes, exercendo influência e inspiração para que seus
liderados se percebam capazes de se adequar a quaisquer mudanças.
Cresce cada vez mais a quantidade de equipes virtuais com os avanços tecnológicos
e o papel do líder é fundamental assim como em modelos de negócios presenciais, também
conhecidos como tradicionais. Tal crescimento teve aumento exponencial com a pandemia
do novo coronavírus1 reconhecida pela Organização Mundial de Saúde em março de 2020.
Segundo Soares (2015), a equipe virtual não opera na presença dos membros, ela
é reunida com recursos de tecnologia. Os membros de equipes virtuais podem residir em
cidades, países ou até continentes diferentes, e estarem em contato com uso de ferramentas
de comunicação como videochamadas ou correio eletrônico, possibilitando o trabalho em
equipe de pessoas que, de outro modo, nunca poderiam colaborar umas com as outras.
As equipes virtuais fazem tudo o que as outras equipes fazem, como compartilhar
informações, tomar decisões e realizar tarefas, segundo Soares (2015). Tais equipes têm
como uma de suas vantagens a possibilidade de unir membros da empresa ou de empresas
diferentes, além de clientes e fornecedores sem gastos com logística.
Compete ao líder manter-se adequadamente instruído para melhor atender às
necessidades do negócio e de seus liderados, seja presencialmente ou virtualmente.
O líder enfrenta muitas barreiras em seu papel de integrar pessoas para alcançar
objetivos comuns e tais barreiras são mais altas, mais difíceis de ultrapassar, quando o
líder é do sexo feminino, como é apresentado na seção seguinte.
2.4 Liderança feminina
A longa luta feminina por equidade é reconhecida mundialmente e ainda há muito
a discutir e corrigir para que essa almejada equidade seja realidade, inclusive no âmbito
corporativo.
Para Soares (2015), as companhias funcionam buscando ter cada vez eficiência
1 Em 11 de março de 2020, a COVID-19 foi caracterizada pela OMS como uma pandemia. O termo “pandemia” se refere
à distribuição geográfica de uma doença e não à sua gravidade. A designação reconhece que, no momento, existem
surtos de COVID-19 em vários países e regiões do mundo.
Dimensões estéticas, cognitivas e tecnológicas de comunicação
Capítulo 17
226
e eficácia, e elegem as equipes para chegar ao patamar de excelência determinado e
desenvolver o talento e o desempenho dos colaboradores. Contudo, percebe-se a
diferenciação de gênero de maneira prejudicial às mulheres na avaliação de performance.
Segundo Kyrillos e Sardenberg (2019), uma pesquisa mostrou que quando há um
homem e uma mulher com as mesmas atitudes na mesma posição hierárquica o homem
é visto como assertivo e bom líder, enquanto a mulher é vista como exigente demais e
exagerada. Quando uma mulher está numa posição de liderança é mais cobrada do que
um homem seria. Os autores elucidam ainda sobre a diferença salarial entre homens e
mulheres que é ainda maior para mulheres com maiores graus de instrução.
Segundo Ferreira (2020), as mulheres tiveram, por longo tempo, imposto a elas o
papel de dona de casa e mãe, entretanto os homens também passaram a cuidar do lar
e dos filhos e as mulheres puderam avançar, afastando-se cada vez mais do papel de
submissas e lideradas.
Leme (2020) destaca a relevância do autoconhecimento e autodesenvolvimento para
o desenvolvimento da liderança feminina. Apresenta também entre as barreiras à liderança
da mulher a cultura corporativa de invadir a vida pessoal das mulheres entrevistadas em
sua pesquisa, estereótipo de valorização de características vistas como masculinas.
Segundo Kyrillos e Sardenberg (2019), em geral, as mulheres resolutas, convictas,
são percebidas de maneira negativa, qualificadas como autoritárias, arrogante ou pior.
Contudo, quando um homem age igualmente, ele é reconhecido de modo positivo como
seguro e sábio.
De acordo com Ferreira (2020), líderes, quando são mulheres, têm um método de
gerenciamento de conflitos mais colaborativo, são resolutas enquanto assumem aspectos
de autoridade, têm preferência pelo engajamento junto com o liderado, e não se acomodam
e esquivam.
Entende-se, portanto, que, embora ainda haja uma longa jornada na luta por
equidade de gênero, mulheres já conseguiram mostrar sua habilidade e bom desempenho
em posições de liderança.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Liderança é um tema extenso com diversas teorias, abordado neste paper de
maneira sucinta com objetivo de conceituar e destacar pontos como a gestão de pessoas,
a comunicação, a adequação aos avanços tecnológicos e a liderança feminina.
O estudo mostrou que o desenvolvimento de equipes é um dos grandes desafios
de um líder que deve fazer uso da comunicação efetiva para melhor conhecer sua equipe,
mantendo-a integrada, engajada e solucionando conflitos. A comunicação destaca-se
também no desenvolvimento e manutenção de networking e inteligência emocional.
Verificou-se, ainda, que o líder deve ser adaptável e fazer uso de tecnologias que
Dimensões estéticas, cognitivas e tecnológicas de comunicação
Capítulo 17
227
beneficiem sua equipe no processo de perseguir os objetivos dos negócios. Este paper
apresentou também que mulheres têm alcançado excelentes resultados em posições de
liderança apesar de todas as barreiras adicionais enfrentadas.
Um estudo mais aprofundado poderia mostrar traços da comunicação feminina na
liderança de equipes virtuais com diferentes culturas.
REFERÊNCIAS
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03 de outubro de 2021.
Ferreira, K. R. (2020). Liderança Feminina e Gestão de Equipes: Mulheres Líderes de Equipes e
seus Estilos de Gestão de Conflitos. Disponível em: http://www.ucs.br/etc/conferencias/index.php/
mostraucsppga/xxmostrappga/paper/viewFile/6810/2114 Acessado em: 26 de setembro de 2021.
Kyrillos, L.; Sardenberg, C. A. (2019). Liderança e Desenvolvimento de Equipes. [e-book] São Paulo:
Contexto. Disponível em: https://plataforma.bvirtual.com.br/Leitor/Publicacao/173126/pdf/0 Acessado
em 02 de outubro de 2021.
Leme, V. C. O. (2020). Liderança Feminina nas Organizações: Contribuições da Gestão de Projetos.
Disponível em: http://repositorio.uninove.br/xmlui/handle/123456789/1400 Acessado em: 26 de setembro
de 2021.
OPAS – Organização Pan-Americana de Saúde (n.d.). Histórico da pandemia de COVID-19. Disponível
em: https://www.paho.org/pt/covid19/historico-da-pandemia-covid-19 Acessado em 09 de outubro de
2021.
Soares, M. S. (2021). O Papel da Liderança Situacional e sua Influência na Gestão de Dilemas,
Estratégias e Possibilidades nas Organizações. São Paulo: RCMOS - Revista Científica Multidisciplinar
O Saber. Disponível em: https://revistacientificaosaber.com.br/ojs/envieseuartigo/index.php/rcmos/
article/view/142/ Acessado em 02 de outubro de 2021.
Soares, M. T. R. C. (2015). Liderança e Desenvolvimento de Equipes. [e-book] São Paulo: Pearson
Education do Brasil. Disponível em https://plataforma.bvirtual.com.br/Leitor/Publicacao/22161/pdf/0
Acessado em 08 de outubro de 2021.
Dimensões estéticas, cognitivas e tecnológicas de comunicação
Capítulo 17
228
CAPÍTULO 18
O EFEITO VINGADORES
Data de aceite: 01/05/2022
Carolina Guerra Monteiro
Universidade Federal do Amazonas, Ufam
AM
on their behalf. This material was based on the
book “The Culture of Convergence” author Henry
Jenkins.
KEYWORDS: Marvel Studios, Consumers, Cultural of Convergence.
Mirna Feitosa Pereira
Universidade Federal do Amazonas, Ufam
AM
INTRODUÇÃO
É possível que a indústria do cinema se
utilize de técnicas sofisticadas de comunicação
RESUMO: Este artigo analisa se há Cultura da
Convergência nas estratégias de consumo e
publicidade utilizadas pela Marvel Studios para
promover o seu mais recente filme, “Vingadores:
O Ultimato”. Como atualmente o bombardeio
diário e imediato de informações foi naturalizado,
quase não se nota as técnicas de propagação
de conteúdo utilizadas pelas marcas. Elas
convencem, envolvem, manipulam, inclusive,
instigam o consumidor a produzir conteúdo em
prol delas. Este material foi fundamentado a
partir do livro “A Cultura da convergência” do
autor Henry Jenkins.
PALAVRAS-CHAVE: Marvel Studios, Consumidores, Cultura da convergência.
ABSTRACT: This article looks at Convergence
Culture in the consumer and advertising
strategies used by Marvel Studios to promote
their latest movie, “Avengers: The Endgame.”
As today’s daily and immediate bombardment of
information has been naturalized, the techniques
of content propagation used by brands are barely
noticeable. They convince, engage, manipulate,
even instigate the consumer to produce content
Dimensões estéticas, cognitivas e tecnológicas de comunicação
para promover seus produtos. As grandes
corporações, como a Marvel Studios, fazem
lançamentos
mundiais,
numa
disputa
por
posições no “ranking da arrecadação”. Em
duas semanas de lançamento, o filme foco
deste artigo, “Vingadores: O ultimato”, atingiu a
segunda maior bilheteria da história do cinema.
Uma das hipóteses para este sucesso
pode ser o uso da cultura da convergência
conforme Henry Jenkins proclama em seu livro
“A Cultura da convergência”. O uso da economia
afetiva, do capital emocional, criação de
consumidores inspiradores, a construção de um
marketing viral e principalmente de narrativas
transmídias, todos conceitos apresentados pelo
autor e observados neste estudo comparativo.
A ideia de interligar universos no cinema
nunca havia sido explorada de forma tão intensa
quanto a utilizada pela Marvel Studios. Essa
nova logica de produção, em que os conteúdos
são independentes mas se complementam, tem
o potencial de proporcionar uma experiência
Capítulo 18
229
particular para quem consome a obra. Tal estratégia vem se mostrando como o novo
panorama da indústria cultural e mostra como esta pode se sofisticar, adequando-se as
regras do mercado.
Para fazer esta interligação, os produtores do estúdio apostam nas chamadas
cenas pós-créditos, que são cenas curtas exibidas após os crédito finais dos filmes e que
fazem referência a algo que está por vir no MCU, seja o próximo filme do estúdio ou um
4
personagem que vai aparecer futuramente. Essas cenas, juntamente com os easter eggs ,
que são as referências do conhecimento dos fãs que aparecem durante o filme, fazem a
conexão entre uma história e outra.
Para realizar o estudo, além da leitura do livro, verificou-se o comportamento dos
fãs nas redes sociais e das marcas antes e após a estreia do filme. Vale ressaltar que
as reações dos mesmos, no pré-lançamento e nos pós-lançamento de outros filmes da
franquia também foram levadas em conta, por se tratar de um filme que se correlaciona
com os outros do mesmo conglomerado.
NARRATIVA TRANSMÍDIA: A CONSTRUÇÃO DO UNIVERSO MARVEL
A cultura da convergência acontece quando as mídias atuais são participativas e
interativas. Elas coexistem e estão em rota de colisão (JENKINS, 2008). As histórias em
quadrinho e os filmes convergem entre si a fim de moldar o pacote total do entretenimento.
Neste caso, o pacote é chamado de Vingadores, da Marvel Studios. Desde quando a
franquia se chamava Tinely Comics, ela fazia com que histórias diferentes, criadas por
autores diferentes interagissem entre si em uma espécie de crossover.
Os produtos de entretenimento lançados pela Marvel Studios, uma iniciativa que
se autodenominou de transmídia, ou melhor, narrativas transmídias, histórias que se
desenrolam em múltiplas plataformas de mídia, cada uma delas contribuindo de forma
distinta para a compreensão do universo (JENKINS, 2008) são bem trabalhadas no
Universo Marvel até os dias de hoje em suas HQs, filmes e até séries, principalmente após
o surgimento das várias equipes de super-heróis, como o Quarteto-Fantástico e os próprios
Vingadores, possibilitaram uma melhor o desenvolvimento de uma nova mídia, além de
permitir que o universo contido nela seja expandido.
O último filme dos vingadores com a formação antiga, Homem de ferro, Thor, Hulk,
Viúva Negra e Gavião Arqueiro, chamado de “Vingadores: O ultimato”, é o desfecho final,
muito esperando pelos fãs, de uma sequência de várias histórias de heróis e o pontapé
inicial de outras. Essa forma de construção da narrativa envolveu um público extremamente
grande e diferenciado, não é atoa que o filme já é o mais visto do ano de 2019, segue na
liderança da bilheteria nacional e ultrapassou Titanic, sendo a segunda maior de todos os
tempos.
Um detalhe interessante é que a Marvel, no final da maioria de seus filmes, coloca
Dimensões estéticas, cognitivas e tecnológicas de comunicação
Capítulo 18
230
cenas pós-créditos para gerar expectativa para o próximo filme. Além disso, as histórias em
quadrinhos, que se comunicam com os filmes, fazem com que os seus fãs criem diversas
teorias e discutam entre si possibilidades sobre o desfecho do filme de continuação. O
envolvimento, conceito ilusório empregado pela indústria do entretenimento para falar sobre
um relacionamento desejado com os consumidores (JENKINS, 2008) que a Marvel construiu
através de suas narrativas transmídias criou milhares de consumidores inspiradores que
foram essenciais para o desenvolvimento da franquia e inclusive, da divulgação do filme.
Além dessa forma de envolvimento através de narrativas transmídias e cenas póscrédito, a Marvel faz com que os fãs criem expectativa através de teasers que possuem
possíveis cenas do filme. A dúvida, a ansiedade, a expectativa, a aflição e a surpresa são
sentimentos recorrentes que os fãs da Marvel lidam. A Marcel Comics Universe (MCU)
explora as emoções do público, para evolvê-los e fazer com que eles interajam entre si.
A sequência de cada filme traz seus enredos as consequências das histórias
anteriores dos personagens principais. No entanto, isso não impede que cada um de
funcione “por si só”. Por conta disso, o espectador pode ter uma imersão maior no universo
ao assistir os filmes anteriores. Essas possibilidades diferentes de aproveitamento do
conteúdo propiciam uma experiência particular para cada pessoa que assiste.
O PODER DAS EMOÇÕES, VINGADORES: O ULTIMATO
Imagem: divulgação.
“Partes de um todo se dividem em vários segmentos, cada um independente
dos demais, mas que juntos completam um universo único.”(Jenkins, 2009).
Dimensões estéticas, cognitivas e tecnológicas de comunicação
Capítulo 18
231
A partir do contexto de envolvimento, é notório que a Marvel usa e abusa da economia
afetiva, novo discurso em marketing e pesquisa de marcas que enfatiza o envolvimento
emocional dos consumidores com a marca como uma motivação fundamental em suas
decisões de consumo (JENKINS, 2008) para fortalecer sua franquia tanto no mercado
quanto no coração dos próprios consumidores.
A experiência proporcionada pelo conjunto cultural complexo da Marvel é única e os
fãs querem cada vez mais fazer com que outras pessoas a sintam. O capital emocional,
criado a partir da economia afetiva, é um termo cunhado pelo presidente da Coca-Cola,
Steven J. Heyer, para designar o modo como o investimento emocional dos consumidores
em marcas e conteúdos de mídia intensifica o valor da marca (JENKINS, 2008) cresce a
medida que a franquia explora o emocional do público, o que com o tempo está ocorrendo
com mais frequência, pois está proporcionando grandes resultados a franquia. MCU é uma
narrativa transmidiática por excelência.
Em “Vingadores: O ultimato” a Marvel usa o emocional dos seus fãs desde antes do
lançamento do filme, até seu último segundo. As cenas pós-crédito do filme que o antecede
e as imagens que os atores postam nas redes sociais da gravação geram ansiedade e os
teasers causam uma insaciável expectativa. E o filme, que começa de maneira visceral e
depois cai em uma melancolia fazendo com que o espectador sinta as emoções que os
personagens carregam; aos poucos a esperança vai sendo restaurada e depois retirada,
até a chegada do final seu final impactante. Em suma, as emoções geram envolvimento
que por sua vez gera consumo e interação, e tudo isso produz capital.
A Marvel cria uma espécie de consumidor dependente. O consumo é algo que faz
parte dos seres humanos desde os primórdios, pois, consumir é da natureza humana.
“O consumo ou o ato de consumir é inerente à condição humana e indispensável à sua
sobrevivência. Situa-se entre as necessidades mais remotas da vida humana” (BAUMAN,
2008). Mas principalmente quando se trata de narrativas complexas, a fidelidade do
consumidor é dura de conquistar e difícil de se manter.
Esta fidelidade é mantida de duas formas pela franquia, uma delas é o envolvimento,
a outra é a partir dos próprios consumidores. No que se refere a sequência Vingadores e,
principalmente, ao último filme lançado pela franquia, é indiscutível como os fãs foram
essenciais para o sucesso do filme, devido a abrangência de visibilidade que eles trouxeram
ao filme.
A CULTURA E A PARTICIPAÇÃO DOS FÃS
O sucesso de “Vingadores: O ultimato” está inteiramente ligado aos fãs. A Marvel, a
partir de suas estratégias de envolvimento criou consumidores inspiradores, que segundo
Kevin Roberts, são consumidores mais obstinados e comprometidos com a marca, os mais
ativos em demonstrar publicamente suas preferencias, mas que também exercem pressão
Dimensões estéticas, cognitivas e tecnológicas de comunicação
Capítulo 18
232
na empresa produtora a assegurar a fidelidade a certos valores da marca (JENKINS, 2008).
Eles fizeram e fazem uma espécie de marketing gratuito, ou nas palavras de Henry
Jenkins, marketing viral, que são formas de promoção que dependem de os consumidores
passarem adiante informações ou materiais para seus amigos e familiares (JENKINS,
2008). Estes criam páginas, contas, fã clubes, sites, canais no youtube, comentam,
compartilham, compram produtos e uma infinidade de itens relacionados ao filme,
aumentando consideravelmente a visibilidade dele e principalmente, da marca.
A importância dos fãs para o êxito do recente filme está no capital investido e na
expectativa que foi criada em torno do produto, fazendo com que até mesmo quem não
acompanha a trama, assista e vá a procura de meios para se inteirar sobre ela. A pessoa
se envolve, se torna fã e influencia outras pessoas a se tornarem fãs, gerando um ciclo.
Os admiradores da marca não influenciam apenas pessoas com a sua empolgação e
fidelidade, mas também lojas e marcas a criar produtos que o façam se sentir cada vez
mais inserido no universo, e dessa forma, gerar capital. Sem eles, nada disso é possível.
As vidas das pessoas envolvidas com o filme e a marca passam a girar em torno
do consumo, e elas nem se questionaram o porquê. Portanto, nesse momento, pode-se
observar como a indústria se apropriou da cultura, mais precisamente quando se trata
do assunto em questão, como a cultura se tornou indústria. A relação de dominante e
dominado é tão perspicaz, de maneira que o governado quer ser comandado.
O modo de produção capitalista é baseado, de maneira resumida, na mais valia,
acumulação de riquezas, e nas relações de produção. É o trabalho humano que produz todo
o valor, toda a riqueza (GUARESCHI, 1984). Logo, a Marvel cria em seus fãs e produtores
de conteúdo, a ideia de troca de valores, a partir de uma espécie de status que é imposta
de forma implícita sobre eles, o que na verdade é um valor intangível.
CONCLUSÃO
A Marvel Studios promoveu e promove cultura da convergência a partir de seus
filmes e quadrinhos. Logo, é possível afirmar que “Vingadores: O ultimato”, é um produto
que não se inicia e nem se encerra nele mesmo, o conjunto de filmes e manifestações
culturais inseridas nele atingem e agarram diversos tipos de pessoas para seu universo.
A franquia transforma de uma maneira incrível e inteligente o entretenimento
em cultura de massa, utilizando o capital emocional, e vende seus filmes em forma de
produto pelas indústrias culturais. A propagada, feita a partir das mídias sociais, em grande
parte pelos fãs fiéis da franquia, os consumidores inspiradores, massifica e aumenta as
possibilidades de os usuários acharem que estão, de alguma forma, inseridos no meio.
Transforma o produto em uma cultura padronizada, tudo só para lucrar.
Por fim, a Marvel desfruta da Economia afetiva para promover suas narrativas
transmídias, de modo que consegue aprisionar seu consumidor fiel, cria outros e
Dimensões estéticas, cognitivas e tecnológicas de comunicação
Capítulo 18
233
ainda desenvolve um universo paralelo de envolvimento e interatividade nos Meios de
Comunicação de Massa.
REFERÊNCIAS
ADORNO, T. W. & HORKHEIMER, M. Dialética do Esclarecimento. Rio de Janeiro: Zahar, 1997.
BRITO, Quise Gonçalves; GUSHIKEN, Yuji. Cultura Pop: Juventude, Consumo e Pós-Modernidade. In:
XXXIV Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação. 2011.
BAUMAN, Z. Vida para consumo: a transformação das pessoas em mercadorias. Rio de Janeiro:
Jorge Zahar, 2008.
COSTA, Sarah Moralejo da. Supernatural: uma análise do público como personagem na
construção da narrativa transmídia. In: XXXIV Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação.
2011.
GUARESCHI, Pedrinho. Sociologia crítica: alternativas de mudança. Porto Alegre: Mundo Jovem,
1984.
JENKINS, Henry. Cultura da convergência. São Paulo: Ed. Aleph, 2008.
KOTLER, Philip; KARTAJAYA, Hermawan; SETIAWAN, Iwan. Marketing 4.0: do tradicional ao digital.
Rio de Janeiro: Sextante, 2017.
MARTINO, Luís Mauro Sá. Escola de Frankfurt. In: Teorias da Comunicação: ideias, conceitos e
métodos. Petrópolis: Vozes, 2009. p. 46 - 62.
Dimensões estéticas, cognitivas e tecnológicas de comunicação
Capítulo 18
234
SOBRE O ORGANIZADOR
MARCELO PEREIRA DA SILVA - Pós-Doutor em Comunicação. Professor em regime de
dedicação integral à pesquisa do Mestrado Interdisciplinar em Linguagens, Mídia e Arte e do
curso de Relações Públicas da PUC-Campinas.
Dimensões estéticas, cognitivas e tecnológicas de comunicação
Sobre o organizador
235
ÍNDICE REMISSIVO
SÍMBOLOS
@covidphotobrazil 37, 38, 39, 41, 42, 43
@everydaybrasil 37, 38, 43, 44
A
Adolescência 215, 216, 217, 219
Argumentação 18, 142, 145, 146, 147, 148, 149, 151, 153
Arte engajada 181
B
Brasil 2, 3, 5, 10, 11, 12, 16, 24, 25, 26, 27, 35, 37, 38, 40, 42, 43, 44, 58, 59, 69, 96, 104,
105, 106, 115, 116, 118, 119, 120, 121, 122, 125, 126, 128, 129, 130, 134, 198, 200, 201,
204, 205, 206, 207, 208, 209, 210, 213, 216, 219, 227
C
Cidade 24, 27, 40, 42, 43, 46, 51, 52, 56, 92, 93, 99, 106, 107, 170, 187, 192
Cinema expandido 154, 158, 159
Comunicação 1, 2, 2, 3, 5, 6, 7, 8, 9, 10, 12, 13, 14, 15, 20, 21, 22, 23, 24, 25, 29, 37, 44,
46, 58, 59, 69, 71, 72, 73, 74, 75, 89, 94, 97, 101, 103, 106, 116, 118, 119, 128, 129, 130,
131, 132, 138, 141, 142, 143, 145, 147, 150, 151, 152, 153, 155, 156, 163, 166, 167, 181,
182, 183, 197, 198, 199, 201, 202, 203, 206, 207, 208, 211, 213, 220, 221, 222, 223, 224,
225, 226, 227, 228, 234
Comunicação científica 13, 15, 22, 23, 24
Concessionária 26, 29, 30
Convergências midiáticas 131
Covid-19 1, 27, 32, 35, 37, 38, 39, 40, 41, 42, 43, 44, 117, 154, 155, 163, 164, 166, 217,
218, 219, 225, 227
D
Desigualdade social 37, 38, 39, 42
Diário de um confinado 154, 155, 163, 164, 165
E
Educação sexual 215, 216, 217, 218, 219
Ensino 17, 21, 93, 101, 145, 200, 215, 216, 217, 218, 219
Epistemologia 52, 168, 169, 180
Dimensões estéticas, cognitivas e tecnológicas de comunicação
Capítulo 18
236
Equipe 163, 219, 220, 222, 223, 224, 225, 226, 227
Espectatorialidade 168
Estética 12, 46, 47, 106, 107, 110, 111, 112, 114, 115, 135, 140, 150, 155, 157, 159, 161,
171, 175, 178, 181, 191, 192, 195, 196
Expressão 15, 46, 50, 51, 54, 56, 75, 102, 121, 126, 142, 145, 155, 159, 183, 194, 201
F
Fotografia digital 37
G
Gerações 104, 106, 116, 129
H
Horror 168, 169
I
Indústria criativa 13, 14, 15, 16, 17, 18, 21, 22, 24, 25
Interação 13, 18, 19, 21, 39, 109, 134, 154, 155, 157, 158, 160, 162, 164, 165, 167, 168,
172, 176, 177, 178, 219, 224
Interdiscursividades 131
Intertextualidades 131
J
Jornalismo 2, 14, 20, 23, 37, 46, 58, 59, 64, 65, 69, 71, 142, 146, 152, 153
L
Liderança 209, 220, 221, 222, 223, 225, 226, 227
Liderança Feminina 220, 221, 222, 226, 227
Linguagem audiovisual 104, 154, 155, 164, 165, 166
M
Mecânica 26, 28, 29
Media 13, 36, 68, 71, 72, 73, 74, 75, 87, 95, 98, 99, 100, 101, 103, 132, 141
Mídias sociais 13, 14, 15, 18, 20, 21, 23, 24, 25, 202
Modernidade 46, 52, 56, 94, 107, 112, 115, 116, 132, 182, 196, 233
Mojica 168, 169, 171, 174, 178, 179
MTV 104, 105, 106, 110, 111, 114, 115, 116, 117, 118, 119, 120, 121, 122, 123, 124, 125,
126, 127, 128, 129, 130
Dimensões estéticas, cognitivas e tecnológicas de comunicação
Capítulo 18
237
N
Narrativa 139, 154, 155, 157, 159, 160, 161, 162, 163, 165, 166, 167, 168, 169, 170, 171,
174, 177, 178, 182, 196, 205, 229, 231, 233
P
Pandemia 1, 26, 27, 28, 31, 32, 33, 34, 35, 36, 37, 38, 39, 40, 42, 43, 44, 113, 154, 155,
163, 164, 166, 215, 217, 218, 219, 225, 227
Peirce 121, 124, 130, 142, 143, 144, 146, 147, 148, 149, 150, 151, 152, 153
Política 13, 15, 20, 24, 57, 62, 64, 67, 73, 103, 106, 115, 118, 145, 155, 181, 182, 188, 191,
192, 195, 196, 201, 213
R
Representação 38, 46, 47, 49, 50, 51, 55, 56, 99, 121, 124, 158, 159, 160, 176, 185
Retórica 142, 143, 144, 145, 146, 147, 148, 149, 150, 151, 152, 153
Retórica especulativa 142, 150, 151, 152
S
Semiótica 118, 119, 121, 129, 130, 140, 142, 143, 144, 148, 149, 150, 151, 152, 153, 154,
155, 162, 163, 166, 167
Serra da Estrela 71, 72, 73, 74, 75, 76, 77, 78, 79, 80, 81, 82, 83, 84, 85, 86, 87, 88, 89,
90, 91, 92, 93, 94, 95, 96, 97, 98, 99, 100, 101, 102, 103
Serviços 13, 15, 16, 17, 18, 19, 26, 27, 28, 29, 30, 31, 32, 33, 34, 35, 36, 38, 110, 155, 156
Sociossemiótica 154, 160, 162, 167
T
Tecnologias 32, 36, 48, 73, 154, 155, 156, 159, 160, 219, 220, 223, 224, 225, 226
Televisão 16, 48, 62, 74, 107, 108, 110, 112, 113, 115, 116, 118, 119, 120, 124, 125, 126,
127, 128, 129, 130, 135, 154, 155, 157, 159, 163, 164, 208
Temporalidade 139, 181, 182, 183, 195
Teorias da comunicação 25, 71, 72, 73, 101, 130
Transmidialidades 131
U
Unipampa 13, 14, 15, 18, 20, 21, 22, 23, 24, 25
V
Veículo 26, 27, 28, 29, 30, 32, 33, 34, 35, 65
Dimensões estéticas, cognitivas e tecnológicas de comunicação
Capítulo 18
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