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Dimensões estéticas, cognitivas e tecnológicas de comunicação (Atena Editora )

2022, Dimensões estéticas, cognitivas e tecnológicas de comunicação (Atena Editora )

A contemporaneidade nos impulsiona a pensar a Comunicação para além dos lugares-já-feitos, das definições clichês, das repetições teóricas, rompendo com o círculo vicioso que pouco – ou nada – contribui com a construção de um campo consistente e solidificado, equilibrando suas dimensões estéticas, éticas, teóricas, metodológicas, tecnológicas, técnicas, epistemológicas e praxeológicas. Temos que a Comunicação remete a um universo complexo que se investe e reveste de idiossincrasias que envolvem sujeitos, nações, narratologias, mídias e redes virtuais e de massa, jornalismo, comunicação governamental, publicidade, cinema, produção audiovisual, relações públicas, marcas, consumo etc. Neste sentido, a obra intitulada “Dimensões estéticas, cognitivas e tecnológicas de comunicação”, reúne investigações teóricas e analíticas de pesquisadores que trafegam pelos campos da comunicação em suas diversificadas áreas e especificidades, erigindo debates sobre os estatutos tecnológicos, estéticos e cognitivos da Comunicação em um contexto cada vez mais midiatizado e perpassado pelas práticas e experiências de consumo. O cenário dos estudos comunicacionais evidencia a carência da renovação das condições teóricas, epistemológicas, profissionais e metodológicas da Comunicação e do fundamental laço social, tão frágil nas sociedades expostas aos imprevisíveis ventos do globalismo, da midiatização e do consumo. Desta perspectiva, podemos produzir mecanismos analíticos, dados e informações que geram efeitos positivos para as sociedades e comunidades. (Re)conhecer a relevância da Comunicação para as organizações, as nações e os sujeitos tornou-se sine qua non para a compreensão da natureza humana, já que a Comunicação se entrama ao/pelo tecido social, o define, o significa, o ressignifica e o constitui. Necessitamos admitir os desafios, os desvios e as dificuldades da Comunicação, abraçando as oportunidades de investigações calcadas em suas dimensões cognitivas, estéticas, éticas e tecnológicas em um mundo mergulhado no tech, mas, também e mais, necessitado do touch, dos afetos. A contemporaneidade nos impulsiona a pensar a Comunicação para além dos lugares-já-feitos, das definições clichês, das repetições teóricas, rompendo com o círculo vicioso que pouco – ou nada – contribui com a construção de um campo consistente e solidificado, equilibrando suas dimensões estéticas, éticas, teóricas, metodológicas, tecnológicas, técnicas, epistemológicas e praxeológicas. Temos que a Comunicação remete a um universo complexo que se investe e reveste de idiossincrasias que envolvem sujeitos, nações, narratologias, mídias e redes virtuais e de massa, jornalismo, comunicação governamental, publicidade, cinema, produção audiovisual, relações públicas, marcas, consumo etc. Neste sentido, a obra intitulada “Dimensões estéticas, cognitivas e tecnológicas de comunicação”, reúne investigações teóricas e analíticas de pesquisadores que trafegam pelos campos da comunicação em suas diversificadas áreas e especificidades, erigindo debates sobre os estatutos tecnológicos, estéticos e cognitivos da Comunicação em um contexto cada vez mais midiatizado e perpassado pelas práticas e experiências de consumo. O cenário dos estudos comunicacionais evidencia a carência da renovação das condições teóricas, epistemológicas, profissionais e metodológicas da Comunicação e do fundamental laço social, tão frágil nas sociedades expostas aos imprevisíveis ventos do globalismo, da midiatização e do consumo. Desta perspectiva, podemos produzir mecanismos analíticos, dados e informações que geram efeitos positivos para as sociedades e comunidades. (Re)conhecer a relevância da Comunicação para as organizações, as nações e os sujeitos tornou-se sine qua non para a compreensão da natureza humana, já que a Comunicação se entrama ao/pelo tecido social, o define, o significa, o ressignifica e o constitui. Necessitamos admitir os desafios, os desvios e as dificuldades da Comunicação, abraçando as oportunidades de investigações calcadas em suas dimensões cognitivas, estéticas, éticas e tecnológicas em um mundo mergulhado no tech, mas, também e mais, necessitado do touch, dos afetos.

Editora chefe Profª Drª Antonella Carvalho de Oliveira Editora executiva Natalia Oliveira Assistente editorial Flávia Roberta Barão Bibliotecária Janaina Ramos Projeto gráfico Bruno Oliveira Camila Alves de Cremo Daphynny Pamplona Luiza Alves Batista Natália Sandrini de Azevedo Imagens da capa iStock Edição de arte Luiza Alves Batista 2022 by Atena Editora Copyright © Atena Editora Copyright do texto © 2022 Os autores Copyright da edição © 2022 Atena Editora Direitos para esta edição cedidos à Atena Editora pelos autores. Open access publication by Atena Editora Todo o conteúdo deste livro está licenciado sob uma Licença de Atribuição Creative Commons. Atribuição-Não-Comercial-NãoDerivativos 4.0 Internacional (CC BY-NC-ND 4.0). O conteúdo dos artigos e seus dados em sua forma, correção e confiabilidade são de responsabilidade exclusiva dos autores, inclusive não representam necessariamente a posição oficial da Atena Editora. Permitido o download da obra e o compartilhamento desde que sejam atribuídos créditos aos autores, mas sem a possibilidade de alterá-la de nenhuma forma ou utilizá-la para fins comerciais. Todos os manuscritos foram previamente submetidos à avaliação cega pelos pares, membros do Conselho Editorial desta Editora, tendo sido aprovados para a publicação com base em critérios de neutralidade e imparcialidade acadêmica. A Atena Editora é comprometida em garantir a integridade editorial em todas as etapas do processo de publicação, evitando plágio, dados ou resultados fraudulentos e impedindo que interesses financeiros comprometam os padrões éticos da publicação. Situações suspeitas de má conduta científica serão investigadas sob o mais alto padrão de rigor acadêmico e ético. Conselho Editorial Ciências Humanas e Sociais Aplicadas Prof. Dr. Adilson Tadeu Basquerote Silva – Universidade para o Desenvolvimento do Alto Vale do Itajaí Prof. Dr. Alexandre de Freitas Carneiro – Universidade Federal de Rondônia Prof. Dr. Alexandre Jose Schumacher – Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Paraná Prof. Dr. Américo Junior Nunes da Silva – Universidade do Estado da Bahia Profª Drª Ana Maria Aguiar Frias – Universidade de Évora Profª Drª Andréa Cristina Marques de Araújo – Universidade Fernando Pessoa Prof. Dr. Antonio Carlos da Silva – Universidade Católica do Salvador Prof. Dr. Antonio Carlos Frasson – Universidade Tecnológica Federal do Paraná Prof. Dr. Antonio Gasparetto Júnior – Instituto Federal do Sudeste de Minas Gerais Prof. Dr. Antonio Isidro-Filho – Universidade de Brasília Prof. Dr. Arnaldo Oliveira Souza Júnior – Universidade Federal do Piauí Prof. Dr. Carlos Antonio de Souza Moraes – Universidade Federal Fluminense Prof. Dr. Crisóstomo Lima do Nascimento – Universidade Federal Fluminense Profª Drª Cristina Gaio – Universidade de Lisboa Prof. Dr. Daniel Richard Sant’Ana – Universidade de Brasília Prof. Dr. Deyvison de Lima Oliveira – Universidade Federal de Rondônia Profª Drª Dilma Antunes Silva – Universidade Federal de São Paulo Prof. Dr. Edvaldo Antunes de Farias – Universidade Estácio de Sá Prof. Dr. Elson Ferreira Costa – Universidade do Estado do Pará Prof. Dr. Eloi Martins Senhora – Universidade Federal de Roraima Prof. Dr. Gustavo Henrique Cepolini Ferreira – Universidade Estadual de Montes Claros Prof. Dr. Humberto Costa – Universidade Federal do Paraná Profª Drª Ivone Goulart Lopes – Istituto Internazionele delle Figlie de Maria Ausiliatrice Prof. Dr. Jadilson Marinho da Silva – Secretaria de Educação de Pernambuco Prof. Dr. Jadson Correia de Oliveira – Universidade Católica do Salvador Prof. Dr. José Luis Montesillo-Cedillo – Universidad Autónoma del Estado de México Prof. Dr. Julio Candido de Meirelles Junior – Universidade Federal Fluminense Prof. Dr. Kárpio Márcio de Siqueira – Universidade do Estado da Bahia Profª Drª Keyla Christina Almeida Portela – Instituto Federal do Paraná Profª Drª Lina Maria Gonçalves – Universidade Federal do Tocantins Profª Drª Lucicleia Barreto Queiroz – Universidade Federal do Acre Prof. Dr. Luis Ricardo Fernandes da Costa – Universidade Estadual de Montes Claros Prof. Dr. Lucio Marques Vieira Souza – Universidade do Estado de Minas Gerais Profª Drª Natiéli Piovesan – Instituto Federal do Rio Grande do Norte Profª Drª Marianne Sousa Barbosa – Universidade Federal de Campina Grande Prof. Dr. Marcelo Pereira da Silva – Pontifícia Universidade Católica de Campinas Profª Drª Maria Luzia da Silva Santana – Universidade Federal de Mato Grosso do Sul Prof. Dr. Miguel Rodrigues Netto – Universidade do Estado de Mato Grosso Prof. Dr. Pedro Henrique Máximo Pereira – Universidade Estadual de Goiás Prof. Dr. Pablo Ricardo de Lima Falcão – Universidade de Pernambuco Profª Drª Paola Andressa Scortegagna – Universidade Estadual de Ponta Grossa Profª Drª Rita de Cássia da Silva Oliveira – Universidade Estadual de Ponta Grossa Prof. Dr. Rui Maia Diamantino – Universidade Salvador Prof. Dr. Saulo Cerqueira de Aguiar Soares – Universidade Federal do Piauí Prof. Dr. Urandi João Rodrigues Junior – Universidade Federal do Oeste do Pará Profª Drª Vanessa Bordin Viera – Universidade Federal de Campina Grande Profª Drª Vanessa Ribeiro Simon Cavalcanti – Universidade Católica do Salvador Prof. Dr. William Cleber Domingues Silva – Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro Prof. Dr. Willian Douglas Guilherme – Universidade Federal do Tocantins Dimensões estéticas, cognitivas e tecnológicas de comunicação Diagramação: Correção: Indexação: Revisão: Organizador: Daphynny Pamplona Mariane Aparecida Freitas Amanda Kelly da Costa Veiga Os autores Marcelo Pereira da Silva Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) D582 Dimensões estéticas, cognitivas e tecnológicas de comunicação / Organizador Marcelo Pereira da Silva. – Ponta Grossa - PR: Atena, 2022. Formato: PDF Requisitos de sistema: Adobe Acrobat Reader Modo de acesso: World Wide Web Inclui bibliografia ISBN 978-65-258-0082-0 DOI: https://doi.org/10.22533/at.ed.820222005 1. Comunicação. I. Silva, Marcelo Pereira da (Organizador). II. Título. CDD 302.2 Elaborado por Bibliotecária Janaina Ramos – CRB-8/9166 Atena Editora Ponta Grossa – Paraná – Brasil Telefone: +55 (42) 3323-5493 www.atenaeditora.com.br contato@atenaeditora.com.br DECLARAÇÃO DOS AUTORES Os autores desta obra: 1. Atestam não possuir qualquer interesse comercial que constitua um conflito de interesses em relação ao artigo científico publicado; 2. Declaram que participaram ativamente da construção dos respectivos manuscritos, preferencialmente na: a) Concepção do estudo, e/ou aquisição de dados, e/ou análise e interpretação de dados; b) Elaboração do artigo ou revisão com vistas a tornar o material intelectualmente relevante; c) Aprovação final do manuscrito para submissão.; 3. Certificam que os artigos científicos publicados estão completamente isentos de dados e/ou resultados fraudulentos; 4. Confirmam a citação e a referência correta de todos os dados e de interpretações de dados de outras pesquisas; 5. Reconhecem terem informado todas as fontes de financiamento recebidas para a consecução da pesquisa; 6. Autorizam a edição da obra, que incluem os registros de ficha catalográfica, ISBN, DOI e demais indexadores, projeto visual e criação de capa, diagramação de miolo, assim como lançamento e divulgação da mesma conforme critérios da Atena Editora. DECLARAÇÃO DA EDITORA A Atena Editora declara, para os devidos fins de direito, que: 1. A presente publicação constitui apenas transferência temporária dos direitos autorais, direito sobre a publicação, inclusive não constitui responsabilidade solidária na criação dos manuscritos publicados, nos termos previstos na Lei sobre direitos autorais (Lei 9610/98), no art. 184 do Código penal e no art. 927 do Código Civil; 2. Autoriza e incentiva os autores a assinarem contratos com repositórios institucionais, com fins exclusivos de divulgação da obra, desde que com o devido reconhecimento de autoria e edição e sem qualquer finalidade comercial; 3. Todos os e-book são open access, desta forma não os comercializa em seu site, sites parceiros, plataformas de e-commerce, ou qualquer outro meio virtual ou físico, portanto, está isenta de repasses de direitos autorais aos autores; 4. Todos os membros do conselho editorial são doutores e vinculados a instituições de ensino superior públicas, conforme recomendação da CAPES para obtenção do Qualis livro; 5. Não cede, comercializa ou autoriza a utilização dos nomes e e-mails dos autores, bem como nenhum outro dado dos mesmos, para qualquer finalidade que não o escopo da divulgação desta obra. APRESENTAÇÃO A contemporaneidade nos impulsiona a pensar a Comunicação para além dos lugares-já-feitos, das definições clichês, das repetições teóricas, rompendo com o círculo vicioso que pouco – ou nada – contribui com a construção de um campo consistente e solidificado, equilibrando suas dimensões estéticas, éticas, teóricas, metodológicas, tecnológicas, técnicas, epistemológicas e praxeológicas. Temos que a Comunicação remete a um universo complexo que se investe e reveste de idiossincrasias que envolvem sujeitos, nações, narratologias, mídias e redes virtuais e de massa, jornalismo, comunicação governamental, publicidade, cinema, produção audiovisual, relações públicas, marcas, consumo etc. Neste sentido, a obra intitulada “Dimensões estéticas, cognitivas e tecnológicas de comunicação”, reúne investigações teóricas e analíticas de pesquisadores que trafegam pelos campos da comunicação em suas diversificadas áreas e especificidades, erigindo debates sobre os estatutos tecnológicos, estéticos e cognitivos da Comunicação em um contexto cada vez mais midiatizado e perpassado pelas práticas e experiências de consumo. O cenário dos estudos comunicacionais evidencia a carência da renovação das condições teóricas, epistemológicas, profissionais e metodológicas da Comunicação e do fundamental laço social, tão frágil nas sociedades expostas aos imprevisíveis ventos do globalismo, da midiatização e do consumo. Desta perspectiva, podemos produzir mecanismos analíticos, dados e informações que geram efeitos positivos para as sociedades e comunidades. (Re)conhecer a relevância da Comunicação para as organizações, as nações e os sujeitos tornou-se sine qua non para a compreensão da natureza humana, já que a Comunicação se entrama ao/pelo tecido social, o define, o significa, o ressignifica e o constitui. Necessitamos admitir os desafios, os desvios e as dificuldades da Comunicação, abraçando as oportunidades de investigações calcadas em suas dimensões cognitivas, estéticas, éticas e tecnológicas em um mundo mergulhado no tech, mas, também e mais, necessitado do touch, dos afetos. Marcelo Pereira da Silva SUMÁRIO CAPÍTULO 1 ................................................................................................................. 1 INVESTIGANDO O DISCURSO GOVERNAMENTAL EM CAMPANHA DE SAÚDE: UMA PROPOSTA DE ANÁLISE DAS UNIDADES DO DISCURSO Ramirio Costa Ribeiro Luciana Saraiva de Oliveira Jerônimo Marcelo Pereira da Silva https://doi.org/10.22533/at.ed.8202220051 CAPÍTULO 2 ...............................................................................................................14 MÍDIAS SOCIAIS PARA A INDÚSTRIA CRIATIVA: REFLEXÕES SOBRE POSSÍVEIS CONTRIBUIÇÕES DA DICIPA PARA A COMUNICAÇÃO CIENTÍFICA DA UNIPAMPA Franceli Couto Jorge https://doi.org/10.22533/at.ed.8202220052 CAPÍTULO 3 ...............................................................................................................27 A INTERFERÊNCIA DA PANDEMIA NO MERCADO DE SERVIÇOS AUTOMOTIVOS, DESDE SEUS CONSUMIDORES ATÉ SEUS PRESTADORES DE SERVIÇOS Isadora Gualda Macedo Guilherme Boldrin Medeiros Vitor Christofoletti Laudares Gustavo Teixeira Dias Otero Marco Antonio Martins Teixeira Filho Vitor Aires Gozzi Nogueira https://doi.org/10.22533/at.ed.8202220053 CAPÍTULO 4 ...............................................................................................................38 DESIGUALDADE SOCIAL E PANDEMIA: UMA ANÁLISE DAS FOTOGRAFIAS COMPARTILHADAS PELOS PERFIS @covidphotobrazil e @everydaybrasil Camila Leite de Araujo Juliana Lira de Oliveira https://doi.org/10.22533/at.ed.8202220054 CAPÍTULO 5 ...............................................................................................................47 A FOTOGRAFIA E O URBANO: REPRESENTAÇÃO, MÁQUINA E TEMPO Camila Leite de Araujo Raquel de Holanda Rufino https://doi.org/10.22533/at.ed.8202220055 CAPÍTULO 6 ...............................................................................................................59 USOS DO ESPETÁCULO COMO ESTRATÉGIA NA IMPRENSA Beatriz Dornelles Fabíola Brites https://doi.org/10.22533/at.ed.8202220056 SUMÁRIO CAPÍTULO 7 ...............................................................................................................72 A CONSTRUÇÃO DA IMAGEM DOS TERRITÓRIOS NA IMPRENSA ONLINE: ESTUDO DE CASO DA REGIÃO DA SERRA DA ESTRELA, PORTUGAL Nelson Clemente Santos Dias Oliveira https://doi.org/10.22533/at.ed.8202220057 CAPÍTULO 8 .............................................................................................................105 MTV BRASIL: COMO A LINGUAGEM DA MTV DOS ANOS 90 DIALOGA COM A GERAÇÃO ATUAL Thayse Kiel Truffa Cristian Cipriani https://doi.org/10.22533/at.ed.8202220058 CAPÍTULO 9 ............................................................................................................. 118 A TELEVISÃO TEM FUTURO? UMA ANÁLISE SEMIÓTICA DA ÚLTIMA VINHETA DA MTV BRASIL Darly Gonçalves de Souza Júnior Victor Reis Mazzei https://doi.org/10.22533/at.ed.8202220059 CAPÍTULO 10...........................................................................................................132 SUBSÍDIOS TEÓRICOS PARA ANÁLISE DOS DIÁLOGOS INTERDISCURSIVOS E TRANSMIDIÁTICOS NA COMUNICAÇÃO Denise Azevedo Duarte Guimarães INTERTEXTUAIS, https://doi.org/10.22533/at.ed.82022200510 CAPÍTULO 11 ...........................................................................................................143 COMPREENSÃO DA RETÓRICA COM CONCEITOS SEMIÓTICOS PEIRCEANOS Gilmar Hermes https://doi.org/10.22533/at.ed.82022200511 CAPÍTULO 12...........................................................................................................155 AUDIOVISUAL, TECNOLOGIA E INTERAÇÃO: OBSERVAÇÕES DA SÉRIE DIÁRIO DE UM CONFINADO Carolina Fernandes da Silva Mandaji https://doi.org/10.22533/at.ed.82022200512 CAPÍTULO 13...........................................................................................................169 A PARTICIPAÇÃO DO ESPECTADOR NO CURTA IDEOLOGIA, DE JOSÉ MOJICA MARINS: UMA COMPREENSÃO POR MEIO DA NARRATIVA CINEMATOGRÁFICA Fernando de Barros Honda Xavier https://doi.org/10.22533/at.ed.82022200513 CAPÍTULO 14...........................................................................................................182 COMUNICAÇÃO E ARTE CRÍTICA - DOIS ARTISTAS, DOIS TEMPOS: GOYA E BANKSY Geraldo Magela Pieroni SUMÁRIO Alexandre Ribeiro Martins https://doi.org/10.22533/at.ed.82022200514 CAPÍTULO 15...........................................................................................................198 OS DESAFIOS DA INCLUSÃO DA POPULAÇÃO LGBT NO MUNDO DO TRABALHO: A COMUNICAÇÃO COMO INSTRUMENTO DE DISSEMINAÇÃO DAS POLITICAS DE DIVERSIDADE Israel Gomes de Oliveira Maria de Lurdes Costa Domingos https://doi.org/10.22533/at.ed.82022200515 CAPÍTULO 16...........................................................................................................216 PROJETO SAIBA MAIS UEPG: AÇÕES NA CONSCIENTIZAÇÃO SOBRE PREVENÇÃO ÀS IST’s E A GRAVIDEZ PRECOCE Kauane Chicora Letícia Prestes Marcelly Ingles Cristina Lucia Sant’ Ana Costa Ayub https://doi.org/10.22533/at.ed.82022200516 CAPÍTULO 17...........................................................................................................221 LIDERANÇA E COMUNICAÇÃO: HABILIDADES QUE TRANSFORMAM PESSOAS EM EQUIPES Raiane Feliciano da Silva https://doi.org/10.22533/at.ed.82022200517 CAPÍTULO 18...........................................................................................................229 O EFEITO VINGADORES Carolina Guerra Monteiro Mirna Feitosa Pereira https://doi.org/10.22533/at.ed.82022200518 SOBRE O ORGANIZADOR .....................................................................................235 ÍNDICE REMISSIVO .................................................................................................236 SUMÁRIO CAPÍTULO 1 INVESTIGANDO O DISCURSO GOVERNAMENTAL EM CAMPANHA DE SAÚDE: UMA PROPOSTA DE ANÁLISE DAS UNIDADES DO DISCURSO Data de aceite: 01/05/2022 Ramirio Costa Ribeiro Universidade Federal do Maranhão (UFMA) Curso de Relações Públicas http://lattes.cnpq.br/3782968876467915 Luciana Saraiva de Oliveira Jerônimo Universidade Federal do Maranhão (UFMA) Curso de Relações Públicas http://lattes.cnpq.br/8034140423474828 Marcelo Pereira da Silva Pontifícia Universidade Católica de Campinas (PUC-Campinas) Mestrado em Linguagens, Mídia e Arte e curso de Relações Públicas http://lattes.cnpq.br/ 2011486771825354 RESUMO: O objetivo deste texto é expor a proposta de investigação do discurso governamental da campanha de saúde de enfrentamento à hanseníase, em 2022, do Ministério da Saúde, buscando identificar os subtipos de discurso contidos na publicidade de utilidade pública, em textos previamente existentes, compreendendo as marcas do contexto e do sujeito produtor do discurso. Por meio do método de Análise de Discurso e à luz da perspectiva teórica de Maingueneau (2015), apresentamos a análise teórica sobre o discurso e a estratégia metodológica desenhada para esta investigação. PALAVRAS-CHAVE: Discurso governamental. Campanha de saúde. Hanseníase. Análise do discurso. Ministério da Saúde. Dimensões estéticas, cognitivas e tecnológicas de comunicação ABSTRACT: The aim of this text is to expose the proposed investigation of the existing government discourse of the Ministry of Health's health campaign to confront leprosy in 2022, seeking to identify the subtypes of discourse contained in public utility advertising, in previously existing texts, understanding the marks of the context and the subject producer of the discourse. Through the method of Discourse Analysis and in light of the theoretical perspective of Dominique Maingueneau (2015), we present the initial theoretical reflection on discourse and the methodological strategy designed for this investigation. At the end of the text, we present the five moments of the investigation. KEYWORDS: overnmental discourse. Health campaign. Leprosy. Discourse analysis. Ministry of Health. INTRODUÇÃO O Ministério da Saúde elaborou, nos últimos quatro anos, três campanhas de saúde sobre hanseníase (2019, 2021 e 2022). No ano de 2020, o tema, entretanto, não constou no portfólio de campanhas de saúde desse ministério, talvez pela repercussão e urgência que permeou o surgimento da pandemia de Covid-19. O interesse desta proposta investigativa direciona-se ao discurso governamental sobre hanseníase. Por nome científico Mycobacterium leprae, a hanseníase é uma doença infecciosa, contagiosa, de evolução crônica, causada por Capítulo 1 1 uma bactéria que atinge principalmente os nervos periféricos, as mucosas e a pele, com capacidade ainda de originar lesões neurais, podendo inclusive causar danos irreversíveis, como a exclusão social, caso o diagnóstico seja tardio ou o tratamento impróprio. O reconhecimento antecipado, associado ao tratamento adequado, além das prescrições quanto à realização do autocuidado, constituem as principais formas de prevenção das incapacidades físicas decorrentes da doença. A prevenção de incapacidades engloba um conjunto de medidas que integram ações médicas e sociais que buscam erradicar ou reduzir a ocorrência de danos de qualquer natureza às pessoas acometidas. De acordo com dados divulgados pela Organização Mundial da Saúde (OMS, 2019), no ano de 2018, o Brasil estava entre os 22 países com o maior número de casos no mundo, ocupando, ainda, o segundo lugar em número de novos casos e com a marca de aproximadamente 92% do total de casos das Américas. Diante deste cenário, o enfrentamento desta endemia mostra-se urgente e necessário por configurar um grave problema de saúde pública. O Ministério da Saúde (MS), por sua vez, tem promovido, nos últimos anos, ações que visam o aumento da detecção de novos e casos ativos, prevenção das incapacidades e fortalecimento do sistema de vigilância para a hanseníase, realizando sua integração às ações de atenção à saúde. Mesmo apresentando uma alta carga no Brasil, a sua distribuição não se dá de maneira homogênea, concentrando-se principalmente nas regiões Centro-Oeste, Norte e Nordeste. O início do tratamento no país é datado de meados de 1991, com a determinação da OMS para a utilização de três antimicrobianos, outrora denominado, poliquimioterapia (PQT), impactando na redução da prevalência da doença e na reorganização do processo de trabalho dos programas de controle do agravo. Em face de tantos desafios que permeiam esse cenário e com base na Estratégia Global para a Hanseníase 2016-2020, que trata da aceleração rumo a um mundo sem hanseníase preconizado pela OMS (2016), o Ministério da Saúde elaborou a Estratégia Nacional para Enfrentamento da Hanseníase 2019-2022 (BRASIL, 2021), que tem por objetivo reduzir a carga da doença no país e o seu principal propósito é apresentar metodologias diferenciadas frente aos distintos padrões de endemicidade existentes no país, de forma a alcançar maior cobertura e melhor desempenho das ações para o controle da doença (BRASIL, 2021). Tal estratégia se ancora em três pilares, a saber: o fortalecimento da gestão do programa, o enfrentamento a hanseníase e suas complicações e a promoção da inclusão social por meio do combate ao estigma e discriminação, no que tange ao segundo pilar, vale destacar o objetivo específico número 1, que busca “potencializar ações de informação, comunicação e educação em hanseníase junto às pessoas acometidas, suas famílias e comunidades e à sociedade geral” (BRASIL, 2021) e a elaboração de campanhas e peças publicitárias sobre hanseníase no âmbito nacional e/ou regional, ações estas já Dimensões estéticas, cognitivas e tecnológicas de comunicação Capítulo 1 2 desenvolvidas pelo Ministério da Saúde e que podem ser encontradas em seu site (https:// www.gov.br/saude/pt-br) a partir do ano de 2019 a 2022. A questão exposta insere a comunicação nessa problemática como campo e prática partícipe do processo de construção social da realidade1. Este estudo considera, portanto, imprescindível a reflexão sobre os modos de produção do discurso sobre a hanseníase pelos agentes2 da saúde pública, observando se tais discursos consideram, de fato, a orientação legal do inciso II do art. 2º do Decreto nº 6.555/2008: Art. 2º No desenvolvimento e na execução das ações de comunicação previstas neste Decreto, serão observadas as seguintes diretrizes, de acordo com as características de cada ação: I - afirmação dos valores e princípios da Constituição; II - atenção ao caráter educativo, informativo e de orientação social; III - preservação da identidade nacional; IV - valorização da diversidade étnica e cultural e respeito à igualdade e às questões raciais, geracionais, de gênero e de orientação sexual; V - reforço das atitudes que promovam o desenvolvimento humano e o respeito ao meio ambiente; VI - valorização dos elementos simbólicos da cultura nacional e regional; VII - vedação do uso de nomes, símbolos ou imagens que caracterizem promoção pessoal de autoridades ou servidores públicos; VIII - adequação das mensagens, linguagens e canais aos diferentes segmentos de público IX - uniformização do uso de marcas, conceitos e identidade visual utilizados na comunicação de governo; X - valorização de estratégias de comunicação regionalizada; XI - observância da eficiência e racionalidade na aplicação dos recursos públicos; e XII - difusão de boas práticas na área de comunicação. (BRASIL, 2008, grifo nosso). Torna-se crucial elaborar uma análise do discurso à luz da perspectiva de Dominique Maingueneau considerando o discurso como uma atividade verbal contextualizada, assumida por um sujeito, regida por normas e composta por certos elementos enunciativos. QUANDO FALAMOS DE DISCURSO E DE SUAS UNIDADES TÓPICAS Antes de aprofundarmos a discussão sobre o significado do “discurso”, devemos 1 Realidade é a qualidade pertencente aos fenômenos que ocorrem independente da nossa volição (querer) e conhecimento é a certeza de que os fenômenos são reais e com características específicas (BERGER; LUCKMANN, 2004). 2 Designamos de agentes, o profissional/ instituição que orienta e fiscaliza as atividades e obras para prevenção/preservação da saúde, por meio de vistorias, inspeções e análises técnicas de locais, atividades, obras, projetos e processos, visando o cumprimento da legislação sanitária; promove educação sanitária (CHAVES, 1982). Dimensões estéticas, cognitivas e tecnológicas de comunicação Capítulo 1 3 compreender algo que o antecede, que é a própria linguagem, que constitui uma atividade especificamente humana, manifesta por meio de signos convencionais, gráficos, sonoros, gestuais etc. Como aponta Bakhtin (2011), os diversos campos da atividade humana estão ligados ao uso da linguagem. Assim são múltiplas as suas formas e manifestações. No dia a dia, seu uso parece ser feito de forma automática, como em situações informais (diálogos com familiares, amigos etc,) e em ambientes formais (entrevistas para trabalhos, conferências). Operar este artifício não é uma atividade simples, pois exige o desenvolvimento do conhecimento linguístico e extralinguístico. No processo de produção da linguagem, não basta saber somente sobre a sua usabilidade e normas (gramática), é necessário também entender o contexto em que ela se manifesta, pois uma vez que a linguagem é operada, seus falantes produzem discursos que atravessam e são atravessados socialmente (BRANDÃO, 2004). Quando falamos em “discurso”, abrimos um leque de possibilidades para o entendimento do conceito. Como não podemos refletir sobre todas as abordagens neste estudo, optamos pela de Dominique Maingueneau (2015; CHARAUDEAU; MAINGUENEAU, 2012), sem desprezar a importância das demais abordagens. Maingueneau (2015) apresenta o discurso com base em duas perspectivas: a) a linguística, em que discurso é definido como “uso da língua” e b) fora da linguística, em que discurso pode ser definido por ideias-força. Pertencendo à área de Relações Públicas olhamos em direção à segunda perspectiva mencionada. A partir daqui, damos atenção ao campo discursivo no qual foram produzidas as peças da campanha de saúde de enfrentamento à hanseníase: tratase do âmbito governamental institucionalizado. Nele produz-se um tipo de discurso – o discurso governamental – constituído por gêneros de discurso previamente elaborados e em conformidade com regras próprias. Nesta proposta de investigação, atentamos para a perspectiva do discurso “fora da linguística” observando, a priori, que ela se compõe das seguintes ideias-força: a) o discurso é uma organização além da frase, b) o discurso é uma forma de ação, c) o discurso é um processo interativo, d) o discurso é atividade verbal contextualizada, e) o discurso é atividade verbal assumida por um sujeito, f) o discurso é uma atividade verbal regida por normas, g) o discurso é atividade verbal assumida no bojo do interdiscurso e h) o discurso é atividade verbal que constrói o sentido no interior de práticas sociais determinadas (MAINGUENEAU, 2015). Por uma questão de tempo estipulado à investigação, que delimita nossa pesquisa empírica, destacamos três ideias-forças (MAINGUENEAU, 2015) que nos ajudam a entender o funcionamento do discurso produzido no âmbito governamental específico onde as campanhas de saúde foram produzidas: 1. O discurso como uma atividade verbal contextualizada – neste processo, vale entender que, pelo viés discursivo, todo enunciado só tem sentido no contexto em que é produzido, já que um mesmo enunciado pode assumir diferentes sentidos e Dimensões estéticas, cognitivas e tecnológicas de comunicação Capítulo 1 4 corresponder a diferentes discursos, dependendo do momento em que é produzido. 2. O discurso como uma atividade verbal assumida por um sujeito – conforme o autor nos aponta, um discurso só é discurso se estiver relacionado a um sujeito, a um “EU” (fonte de referências pessoais, temporais e espaciais) que se coloca como o responsável pelo que se diz ao seu destinatário. 3. O discurso como uma atividade verbal regida por normas – a atividade verbal, assim como qualquer comportamento social é dirigido por normas, de maneira elementar, cada ato de linguagem, apresenta normas particulares, por sua vez, os gêneros do discurso são um conjunto de normas que suscitam expectativas nos sujeitos engajados na atividade verbal. Sobre a terceira ideia-força, que baliza esta proposta, logo observamos que o Ministério da Saúde se orienta por regras constitucionais e por regras administrativas. Entre elas, está o Decreto nº 6.555/2008, que dispõe sobre as ações de comunicação do Poder Executivo Federal (BRASIL, 2008), a Instrução Normativa nº 2/2018 que disciplina a publicidade dos órgãos e entidade do Poder Executivo federal em que traz, no art. 3º, as espécies de publicidades governamentais, como a “publicidade de utilidade pública” que se destina a divulgar temas de interesse social e apresenta comando de ação objetivo, claro e de fácil entendimento, com o objetivo de informar, educar, orientar, mobilizar, prevenir ou alertar a população para a adoção de comportamentos que gerem benefícios individuais e/ ou coletivos (BRASIL, 2018). Ainda sobre o discurso orientado por regras, outro item que neste caso pode ser considerado é o Manual de Comunicação com a mídia durante emergências de saúde pública, desenvolvido pela OMS, que orienta o seguinte: Para se comunicar de forma eficaz com a mídia durante uma emergência de saúde pública, os responsáveis pela ação de resposta têm que planejar suas estratégias de comunicação, integrar os comunicadores aos mais altos níveis de decisão, oferecer mensagens transparentes e escutar as preocupações do público (BRASIL, 2009). Temos inicialmente, o seguinte desenho teórico: Dimensões estéticas, cognitivas e tecnológicas de comunicação Capítulo 1 5 Figura 1 – Primeiro desenho teórico da investigação. Fonte: Os autores (2022). Com esse desenho, podemos aprofundar mais nossa pesquisa observando no discurso governamental produzido suas unidades tópicas. Segundo Maingueneau (2015, p. 66, grifo do autor), Por natureza, as unidades “tópicas” se situam no prolongamento das categorizações dos atores sociais, o que não significam que coincidam com elas. Elas se articulam em torno das categorias gênero de discurso, entendido como instituição de fala, dispositivo de comunicação sócio-historicamente determinado: o jornal televisivo, a consulta médica, o roteiro turístico, a reunião do conselho de administração [...]. Neste estudo, nos concentramos nas campanhas de saúde como discurso governamental, caracterizando o gênero e os tipos de discurso por meio de suas categorias. AS UNIDADES TÓPICAS DO DISCURSO: GÊNERO, TIPOS DE DISCURSO E SUAS CATEGORIAS Os gêneros do discurso, como unidade tópica, podem ser agrupados de três modos: a) como gêneros da esfera da atividade, que indica que um mesmo gênero pode estar relacionado a diferentes esferas, em função dos imperativos da pesquisa desenvolvida, onde o pesquisador é quem determina em que nível vai atuar. Essa esfera, assim como a própria sociedade, não é um lugar homogêneo, e apresenta um núcleo e uma periferia, sendo o primeiro constituído pelos gêneros de discurso Dimensões estéticas, cognitivas e tecnológicas de comunicação Capítulo 1 6 que se assemelham à finalidade associada; b) como gêneros submetidos à lógica de campos discursivos, que apresentam a noção de posicionamento, apontam que em um mesmo espaço, os enunciados se relacionam com a construção e a preservação de diversas identidades enunciativas; e c) como gêneros que são produzidos/consumidos nos lugares da atividade, onde a maioria dos gêneros são produzidos e/ou consumidos em lugares institucionais. Ao observar este modo, o analista deve tomar decisões quanto ao limite dos lugares da atividade discursiva (MAINGUENEAU, 2015). Para Maingueneau (2015), os gêneros do discurso, além de serem os átomos da atividade discursiva, só fazem sentido quando integrado aos tipos de discurso, explicando que: Na análise do discurso francófona, o uso dominante é o emprego do termo “tipo de discurso” para designar práticas discursivas ligadas a um mesmo setor de atividade, agrupamentos de gêneros estabilizados por uma mesma atividade social: tipos de discurso administrativo, publicitário, religioso... Um panfleto político, por exemplo, é um gênero de discurso a ser integrado em uma unidade mais complexa, constituída pela rede dos gêneros decorrente do mesmo tipo de discurso, no caso, o político. Da mesma forma, um romance participa da unidade mais vasta que é o discurso literário, uma letra do tesouro deriva do discurso administrativo. Tipos e gêneros do discurso estão, assim, tomados por uma relação de reciprocidade: todo tipo é uma rede de gêneros; todo gênero se reporta a um tipo. (MAINGUENEAU, 2015, p. 66, grifo nosso). Considerando essa lógica, o discurso governamental é o gênero e a publicidade de utilidade pública é um tipo de discurso que se desdobra em subtipos por meio de regra específica. Pode se desdobrar em discurso informativo, discurso educativo e discurso orientador, no caso das campanhas de saúde do MS. A partir disso, perguntamos: Podemos afirmar que, no caso da campanha de saúde (2022) de enfrentamento à hanseníase, o gênero é o discurso governamental e o tipo de discurso é a publicidade de utilidade pública? O tipo de discurso sofre subdivisões? É possível identificá-las nas peças publicitárias? Levando em consideração as discussões feitas até aqui, buscamos analisar as peças de comunicação da campanha de saúde 2022 sobre o enfrentamento à hanseníase, identificando tipo e/ou subtipos de discurso que marcam o discurso governamental do Ministério da Saúde, tentando responder a seguinte questão: que tipo e subtipos de discurso sobre o enfrentamento da hanseníase podem ser identificados na campanha de saúde em 2022 e que marcam o discurso governamental do Ministério da Saúde? Para responder a esta pergunta norteadora, propomos o seguinte objetivo de investigação: analisar as peças da campanha de saúde de enfrentamento à hanseníase do Ministério da Saúde, buscando identificar os subtipos de discurso contidos na publicidade de utilidade públicas, em textos previamente existentes, compreendendo as marcas do Dimensões estéticas, cognitivas e tecnológicas de comunicação Capítulo 1 7 contexto e do sujeito produtor do discurso. ESTRATÉGIA METODOLÓGICA PROPOSTA Considerando que nosso objetivo principal é analisar as peças da campanha de saúde de enfrentamento à hanseníase do Ministério da Saúde e identificar os subtipos de discurso contidos na publicidade de utilidade públicas, em textos previamente existentes, compreendendo as marcas do contexto e do sujeito produtor do discurso, optamos pelo método de Análise de Discurso segundo as contribuições de Maingueneau (2015). Para o autor: O interesse específico que rege a análise do discurso é relacionar a estruturação dos textos aos lugares sociais que os tornam possíveis e que eles tornam possíveis. Aqui, a noção de “lugar social” não deve ser apreendida de maneira imediata: pode se tratar, por exemplo, de um posicionamento em um campo discursivo (um partido político, uma doutrina religiosa ou filosófica...). O objeto da análise do discurso não são, então, nem os funcionamentos textuais, nem a situação da comunicação, mas o que os amarra por meio de um dispositivo de enunciação simultaneamente resultante do verbal e do institucional. (MAINGUENEAU, 2015, p. 47). Apesar de essa ser uma perspectiva que ilumina os passos que vamos dar, como método, precisa de obediência a certos princípios epistemológicos. Nesse sentido, nos propomos, na utilização do método de Análise de Discurso, a: 1) traduzir empiricamente de modo significativo e pertinente o conceito de discurso governamental por meio de categorias retiradas de uma reflexão teórica eficientemente fundamentada; 2) adequar os propósitos desta investigação aos instrumentos utilizados para identificar as categorias importantes para a operacionalização da interpretação dos enunciados coletados; 3) formular regras e critérios de codificação úteis ao objetivo da investigação; 4) verificar se as regras e os critérios estão sendo aplicados de maneira correta por meio de pré-teste; e 5) verificar se a estratégia metodológica pode ser replicada por outros pesquisadores da área de Relações Públicas. (SAMPAIO; LYCARIÃO, 2021). A análise do discurso, como estratégia metodológica, é proposta após uma revisão de literatura fruto da pesquisa bibliográfica (LAKATOS; MARCONI, 2010). Como desconhecemos as características do discurso estudado, esta pesquisa tem caráter exploratório. Com base no primeiro desenho teórico (Figura 1), elaboramos o segundo desenho com novas categorias originadas da fundamentação teórica inicial, o que traduz a proposta 1 do parágrafo anterior. Entra no foco da pesquisa as unidades tópicas do discurso de forma mais detalhada e em relação: o gênero e o tipo de discurso. Dimensões estéticas, cognitivas e tecnológicas de comunicação Capítulo 1 8 Figura 2 – Segundo desenho teórico. Fonte: Os autores (2022). Para extrair os dados da pesquisa das categorias desenhadas (Figura 2), definimos o corpus, já que nossa matéria-prima são textos. Para Maingueneau (2015, p. 39), “um corpus pode ser constituído por um conjunto mais ou menos vasto de textos ou de trechos de textos, até mesmo por um único texto”. Em nossa pesquisa, o corpus é constituído pelas peças de comunicação da campanha de saúde de 2022 para enfrentamento à hanseníase. Na acepção de Maingueneau (2015), cada peça é um corpora; neste caso, textos previamente existentes, ou seja, e-mail MKT, banner, camiseta, cartaz horizontal, cartaz vertical e folheto (Figura 3). Dimensões estéticas, cognitivas e tecnológicas de comunicação Capítulo 1 9 Figura 3 – Peças da campanha 2022 de enfretamento da hanseníase do Ministério da Saúde. Fonte: BRASIL (2022). Será realizada uma pesquisa on-line, devido à natureza da pesquisa ser qualitativa, coletando informações no site do Ministério da Saúde. Acessaremos o menu (canto superior esquerdo, indicado por 3 barras) do site do Ministério da Saúde (https://www.gov.br/saude/ pt-br/pagina-inicial/#), posteriormente selecionando a aba “Campanhas de Saúde” e aba seguinte “Campanhas de Saúde 2022” (Figura 4), para identificar e coletar as peças de comunicação que farão parte do corpus desta proposta de investigação. Figura 4 – Aba para retirada do corpus da investigação. Fonte: BRASIL (2022). O corpus formará um banco de dados com arquivos específicos, nomeados por corpora. Assim, poderão ser localizados com facilidade no momento da codificação e posterior interpretação. Após coleta do corpus do site do Ministério da Saúde, recortaremos Dimensões estéticas, cognitivas e tecnológicas de comunicação Capítulo 1 10 o corpora. Em cada um deles, identificaremos as unidades tópicas do discurso e suas características, identificando também as marcas do contexto, do sujeito do discurso e das regras produtoras do discurso. Interpretação de dados A interpretação de dados textuais dependerá de regras e critérios claros de codificação das categorias que operacionalizarão a interpretação dos pesquisadores. A codificação deverá estar em conformidade com o objetivo da investigação. Inicialmente, tomamos como categorias iniciais: a) o contexto do discurso; b) o sujeito do discurso; c) as regras de produção do discurso governamental; e d) as unidades tópicas do discurso. Tais categorias se desdobram em subcategorias como apresentado na figura 2. Cada uma, com seus desdobramentos, receberá códigos específicos característicos do método escolhido. Para ampliarmos tais reflexões, abordaremos os modos de agrupamento dos gêneros discursivos: pela esfera da atividade, pelos campos discursivos e pelos lugares da atividade. Buscamos, também, verificar o discurso em relação à fonte (governo). Em cada peça da campanha, identificaremos se o governo informa (discurso informativo), educa (discurso didático) e/ou orienta (discurso didático ou discurso científico ou discurso popular) a população brasileira. Conforme discutimos, Maingueneau nos apresenta também o conceito de locutor(es) coletivo(s), basta pensarmos que esse lugar pode ser ocupado por instituições, neste caso o Ministério da Saúde, que por meio de uma campanha, assume o caráter construtivo, de reforço ou mesmo de legitimação da sua identidade em determinada conjuntura social. É possível para o analista estudar então a relação entre a instituição e os textos produzidos para sua campanha. E, por fim, identificar: o contexto que influencia a produção dos textos das peças da campanha. Vale ressaltar que durante a análise trataremos não só dos efeitos de sentido possíveis por meio da análise do enunciado das campanhas, mas também dos possíveis mecanismos que “ativados”, levaram à produção/compreensão do material analisado. CONSIDERAÇÕES FINAIS Neste texto, apresentamos uma proposta de investigação que pode iluminar curiosidades e dúvidas sobre a produção de discurso governamental sobre saúde. Temos o encontro de campos distintos de saber. Com as informações iniciais a respeito do trabalho de enfrentamento à hanseníase no Brasil, e sabendo que o Estado do Maranhão tem um dos índices mais preocupantes, e como os pesquisadores oriundos desse estado e da área de Relações Públicas, as campanhas de saúde sobre o tema passou a ser objeto de interesse. Unindo a experiência de comunicação em hospital de um, a experiência do outro em pesquisas no âmbito governamental e a experiência do outro com estudos em Dimensões estéticas, cognitivas e tecnológicas de comunicação Capítulo 1 11 ecossistemas de comunicação, o desafio desta investigação foi aceito. O objetivo principal desta proposta – analisar as peças da campanha de saúde de enfrentamento à hanseníase do Ministério da Saúde, buscando identificar os subtipos de discurso contidos na publicidade de utilidade públicas, em textos previamente existentes, compreendendo as marcas do contexto e do sujeito produtor do discurso – passa a ser pensado da seguinte forma: 1º momento: compreender as regras que orientam o discurso governamental (gênero do discurso) e a publicidade de utilidade pública (tipo de discurso), estabelecendo a relação entre essas unidades tópicas do discurso. 2º momento: com as categorias de análise apresentadas, testar e melhorar a estratégia metodológica desenhada para dar conta do objetivo geral. 3º momento: delimitar o corpus da análise, escolhendo as peças publicitárias que realmente são necessárias. 4º momento: identificar, nas peças publicitárias, os subtipos de discurso e as marcas do contexto e do Ministério da Saúde como produtor de discurso. 5º momento: publicar a análise da investigação, observando se atende ao princípio da replicabilidade. Temos, no final deste esforço intelectual, após as discussões teórica, um desenho de investigação que parece atender à prática da pesquisa em comunicação, aprimorando as informações e a produção de conhecimento dos sujeitos dessa prática. REFERÊNCIAS BAKHTIN, Mikhail M. Estética da criação verbal. 6.ed. São Paulo: WMF Martins Fontes, 2011. [1979] BERGER, Peter L.; LUCKMANN, Thomas. A construção social da realidade: tratado de sociologia do conhecimento. 24.ed. Petrópolis: Vozes, 2004. [1965] BRANDÃO, Helena H. N. 2004. Introdução à Análise do discurso. Campinas, SP: Ed. UNICAMP, 2a. ed. Ver. BRASIL. Decreto nº 6.555, de 8 de setembro de 2008. Ações de comunicação do Poder Executivo Federal e dá outras providências. Diário Oficial da União, Brasília, 08 de setembro de 2008. BRASIL. Ministério da Saúde. Site: Campanhas de Saúde. Brasília, DF: Ministério da Saúde, 2022. Disponível em: <https://www.gov.br/saude/pt-br/campanhas-da-saude/2022/hanseniase>. Acesso em: 29 mar. 2022. BRASIL. Ministério da Saúde. Comunicação eficaz com a mídia durante emergências de saúde pública: um manual da OMS / Organização Mundial da Saúde. – Brasília: Ministério da Saúde, 2009 BRASIL. Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde. Departamento de Vigilância das Doenças Transmissíveis. Diretrizes para vigilância, atenção e eliminação da hanseníase como problema de saúde pública. Brasília: Ministério da Saúde, 2016. Dimensões estéticas, cognitivas e tecnológicas de comunicação Capítulo 1 12 BRASIL. Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde. Departamento de Doenças de Condições Crônicas e Infecções Sexualmente Transmissíveis. Estratégia Nacional para Enfrentamento da Hanseníase 2019-2022. Brasília: Ministério da Saúde, 2021. CHARAUDEAU, P.; MAINGUENEAU, D. Dicionário de Análise do Discurso. São Paulo: Contexto, 2012. CHAVES, Mario M. Saúde: Uma Estratégia de Mudança. Rio de Janeiro: Editora Guanabara, 1982. MAINGUENEAU, Dominique. Discurso e análise do discurso. São Paulo: Parábola Editorial, 2015. MARCONI. Marina de Andrade; LAKATOS, Eva Maria. Fundamentos da metodologia científica. 7ª Ed. São Paulo: Atlas, 2010. OMS (ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DA SAÚDE). Estratégia Global para a Hanseníase 2016-2020: Aceleração rumo a um mundo sem hanseníase. Nova Deli: OMS, 2016. Disponível em: < https://apps. who.int/iris/bitstream/handle/10665/254907/9789290225881-por.pdf?sequence=8>. Acesso em: 29 mar. 2022. OMS (ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DA SAÚDE). Global leprosy update, 2018: moving towards a leprosyfree world. In: Weekly epidemiological record, Nos. 35/36, 2019, 94, p. 389–412. Disponível em: <file:///C:/Users/l-jer/Downloads/WER9435-36-en-fr.pdf>. Acesso em: 1 abr. 2022. SAMPAIO, Rafael Cardoso; LYCARIÃO, Diógenes. Análise de conteúdo categorial: manual de aplicação. Brasília: Enap, 2021. Dimensões estéticas, cognitivas e tecnológicas de comunicação Capítulo 1 13 CAPÍTULO 2 MÍDIAS SOCIAIS PARA A INDÚSTRIA CRIATIVA: REFLEXÕES SOBRE POSSÍVEIS CONTRIBUIÇÕES DA DICIPA PARA A COMUNICAÇÃO CIENTÍFICA DA UNIPAMPA Data de aceite: 01/05/2022 Franceli Couto Jorge Mestra em Comunicação e Indústria Criativa pela Universidade Federal do Pampa (2019) RESUMO: O presente estudo tem como intenção refletir sobre as possíveis contribuições das multiplataformas de Divulgação Científica do Pampa (Dicipa) – ação comunicacional de nossa autoria, produzidas para a Universidade Federal do Pampa (Unipampa). Entendendo as multiplataformas de Dicipa como mídias sociais para a indústria criativa, o artigo tem como objetivo central apresentar as possíveis contribuições de ordem científico-teórica, científico-prática e social da mencionada ação comunicacional para a comunicação científica da Unipampa. PALAVRAS-CHAVE: Mídias sociais. Indústria criativa. Comunicação Científica. Unipampa. (Unipampa). Conceiving the Dicipa multi-platform strategies as social media for creative industry, the main goal of this article is to present the possible contributions of the scientific-theoretical, scientific-practical and social fields of the abovementioned communicational action to Unipampa’s scientific communication. KEYWORDS: Social media. Creative industry. Scientific Communication. Unipampa. 1 | INTRODUÇÃO A emergência da sociedade da informação e, posteriormente, da sociedade do conhe1 cimento2, aliada à transição da valoração para bens simbólicos, promoveu mudanças nos processos produtivos impulsionando o surgimento e fortalecimento das indústrias criativas, que têm como insumo primário a criatividade e o capital intelectual. O termo indústria criativa surgiu na década de 1990, na Austrália. Apesar de recente, as indústrias criativas são tema de inúmeras SOCIAL MEDIA FOR THE CREATIVE INDUSTRY: REFLECTIONS ON POSSIBLE CONTRIBUTIONS OF DICIPA FOR THE SCIENTIFIC COMMUNICATION OF UNIPAMPA pesquisas que buscam compreender suas ca- ABSTRACT: The present study intends to reflect upon the possible contributions of the Scientific Dissemination of Pampa (Dicipa) multi-platform strategies – communicational action of our own design, made for the Federal University of Pampa ma expressividade no número de pesquisas que racterísticas, o cenário em que estão inseridas, os seus trabalhadores e os seus produtos e/ou serviços. No entanto, não encontramos a messe voltam a investigar universidades e centros de pesquisa como parte desse segmento criativo. Para tentarmos contribuir com esse cenário, 1 É aquela que agrega o valor a dados da realidade, sistematizando-os e disponibilizando-os, e aquela que produz conhecimento a partir de processos de interação cujos lastros são informações novas reconstruídas (FRÓES, 2000, online). 2 O conceito de sociedade do conhecimento inclui uma dimensão de transformação social, cultural, econômica, política e institucional, assim como uma perspectiva mais pluralista e de desenvolvimento (FRÓES, 2000, online). Dimensões estéticas, cognitivas e tecnológicas de comunicação Capítulo 2 14 buscamos compreender uma universidade enquanto indústria criativa. Para melhor delimitarmos nossa reflexão, optamos por escolher uma instituição, no caso, a Universidade Federal do Pampa (Unipampa), com unidades universitárias em dez municípios do Rio Grande do Sul. Para darmos conta dessa reflexão, discutimos assuntos ligados à ciência, à pesquisa e desenvolvimento (P&D), à criatividade e à propriedade intelectual. Uma das abordagens das pesquisas sobre indústrias criativas é a respeito de setores e profissionais ligados à comunicação: editora e mídia impressa, produção audiovisual, mídias sociais, publicidade e propaganda, jornalismo e relações públicas (RELATÓRIO, 2012; MAPEAMENTO, 2016). Nesse caso, a comunicação pode ser entendida como uma indústria criativa ou um segmento dela. No entanto, por vezes, também pode ser empregada em auxílio a uma indústria criativa – recorte este que nos interessa –, porém, o conceito de comunicação é polissêmico e, muitas vezes, confundido com os meios de comunicação. Para Martino (2013, p. 15), a comunicação se refere à “capacidade ou processo de troca de pensamentos, sentimentos, ideias ou informações através da fala, gestos, imagens, seja de forma direta ou através de meios técnicos”; além disso, o autor diz que também pode ser a “ação de utilizar meios tecnológicos”. No caso de nossa pesquisa, os meios utilizados para essa comunicação são as mídias sociais, por isso, selecionamos uma ação comunicacional para ser o objeto de nossa análise e reflexão, as multiplataformas de Divulgação Científica do Pampa (Dicipa), que atuam em auxílio a uma indústria criativa, a Unipampa. Dessa forma, nosso tema geral de pesquisa é comunicação/mídias sociais (Dicipa) para a indústria criativa (Unipampa). Essa possibilidade de auxílio surge devido à grande expansão das mídias sociais, o que provoca mudanças no modo como nos comunicamos e como nos relacionamos. As particularidades das mídias sociais – da produção à circulação do conteúdo – permitem que hoje elas recebam diferentes significações e sejam incorporadas ao dia a dia dos profissionais, das empresas, das instituições públicas e privadas. A comunicação descentralizada é uma das vantagens das mídias sociais em relação às tradicionais. Diferente dos grandes meios de comunicação de massa que utilizam o modelo de comunicação emissor-receptor, ou seja, um para todos, as mídias sociais promovem a flexibilização desse modelo, já que não há uma definição clara dos papeis de emissor-receptor, pois a comunicação pode ocorrer de um para todos, todos para um, um para um e de todos para todos. Aliada a essas características, acrescentamos o fato de o brasileiro dedicar mais de quatro horas diárias para acesso à internet, sendo parte desse tempo empregado em sites de redes sociais como o Facebook e o YouTube (WE ARE SOCIAL, 2018). A maioria desse acesso ocorre por meio de dispositivos móveis, ou seja, as pessoas acessam os sites de redes sociais a qualquer momento de onde estiverem por meio de seus smartphones. Considerando esse cenário, percebemos o ingresso de muitas empresas e instituições no mundo virtual, incluindo àquelas voltadas à produção e divulgação do conhecimento como fundações de amparo à pesquisa, periódicos científicos, centros de pesquisa, institutos e universidades, Dimensões estéticas, cognitivas e tecnológicas de comunicação Capítulo 2 15 que buscam por meio dessas iniciativas democratizar o acesso ao conhecimento, aproximando comunidade científica e sociedade. Diante disso, o uso das mídias sociais suscita em nós a reflexão sobre as suas diversas possibilidades de contribuição para a divulgação de temas ligados à CT&I produzidos nas universidades. Dessa forma, para nortearmos tal reflexão, nossa problemática se centra na seguinte questão: Quais as possíveis contribuições da Dicipa para a comunicação científica da Unipampa nos âmbitos científico-teórico, científico-prático e social? Para responder nosso problema de pesquisa e atingir nosso objetivo geral de identificar as contribuições da Dicipa para comunicação científica da Unipampa nos âmbitos científico-teórico, científico-prático e social, precisamos: discutir sobre o conceito de indústria criativa, a fim de relacioná-lo com o de universidade para entendermos a Unipampa enquanto indústria criativa; revisar os conceitos que fundamentam nossa reflexão; apresentar o planejamento e a execução da Dicipa e, por fim, analisar e refletir sobre as contribuições dessa ação comunicacional para a comunicação científica da Unipampa. Nossa pesquisa não tem a intenção de apresentar indicadores ou uma pesquisa de recepção que confirme essas contribuições, pois parte de uma reflexão, por meio da qual, com base nos teóricos que investigam a temática, buscamos apontar as possíveis contribuições da Dicipa para a comunicação científica da Unipampa. Ademais, nosso objeto de análise é um projeto que, apesar de finalizado, ainda está em processo de implantação na universidade, o que inviabiliza uma pesquisa de recepção no momento atual desta investigação. 2 | INDÚSTRIA CRIATIVA Criado no ano de 1994, na Austrália, a partir do lançamento do relatório Nação Criativa, o termo indústria criativa é utilizado para nomear os setores nos quais a criatividade é o insumo principal do negócio. No final da década de 1990, a expressão foi impulsionada pelo Reino Unido que debateu o conceito junto às esferas política e econômica. Além disso, os países realizaram um mapeamento das atividades criativas e criaram o Ministério das Indústrias Criativas. A partir do pioneirismo do Reino Unido, o termo associou-se às mudanças econômicas e sociais que alteraram a atenção das atividades industriais para as atividades localizadas no setor de serviços e com foco no conhecimento e na criatividade (BENDASSOLLI et al., 2009). De acordo com o Relatório da Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento - Unctad (2012), os setores criativos variam entre aqueles mais consolidados nos conhecimentos tradicionais como, por exemplo, o artesanato e patrimônio cultural, a grupos mais tecnológicos e voltados à prestação de serviços, tais como as novas mídias. A partir dessas características, a Unctad (RELATÓRIO, 2012) classifica as indústrias criativas em quatro grandes grupos que, por sua vez, são subdivididos em nove, Dimensões estéticas, cognitivas e tecnológicas de comunicação Capítulo 2 16 conforme podemos observar no quadro a seguir. Grupos Patrimônio Artes Mídias Criações Funcionais Subgrupos Atividades Expressões culturais tradicionais Artesanato, festivais, etc. Locais culturais Museu, biblioteca, sítio arqueológico, etc. Artes visuais Pinturas, esculturas, fotografias, etc. Artes cênicas Música ao vivo, teatro, dança, ópera, circo, etc. Editoras e mídias impressas Livros, outras publicações e imprensa. Audiovisuais Filmes, televisão, rádio, etc. Design Interiores, gráfico, moda, joalheria, brinquedos. Novas mídias Software, videogames, conteúdo digital criativo. Serviços Criativos Arquitetônico, publicidade, P&D criativo, cultural, recreativo. Quadro1 – Classificação das indústrias criativas. Fonte: Relatório (2012, p. 7-8). Seguindo essa classificação, o grupo que nos interessa é o de Criações Funcionais, por incluir as indústrias “impulsionadas pela demanda e voltadas à prestação de serviços” (RELATÓRIO, 2012, p. 8); o subgrupo é o de Serviços Criativos e a atividade é a P&D. Conforme o documento, há uma discussão contínua acerca de a ciência e P&D serem, ou não, atividades criativas. No entanto, na abordagem da Unctad (RELATÓRIO, 2012, p. 9), “a criatividade e conhecimento são intrínsecos às criações científicas da mesma forma como o são às criações artísticas”. Além disso, antes mesmo do debate acerca da economia/indústria criativa, no contexto da Conferência Mundial sobre Ciência em 1990, a “cooperação entre ciência e indústria e setores público e privado na promoção da pesquisa científica para objetivos de longo prazo” já havia sido abordada pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura – Unesco (RELATÓRIO, 2012, p. 9). O objetivo era que ambos os setores trabalhassem em colaboração e de forma complementar, porém, o documento afirma que essa articulação entre cientistas dos setores público e privado não ocorreu, “mesmo com o setor privado sendo um beneficiário direto da inovação e educação científicas, e mesmo com uma crescente proporção de fundos para pesquisa científica relacionada à indústria criativa sendo financiada pelo setor privado” (p. 9). Uma pesquisa mais recente, realizada pelo Sistema da Federação das Indústrias Criativas do Estado do Rio de Janeiro – Firjan (2016), diagnosticou e mapeou os setores das indústrias criativas no Brasil. O estudo apresenta a ótica da produção e do mercado de trabalho da economia criativa, as áreas criativas e os 13 segmentos (classificação) e dados Dimensões estéticas, cognitivas e tecnológicas de comunicação Capítulo 2 17 sobre as indústrias criativas nos estados brasileiros (empregos criativos e remuneração dos trabalhadores criativos). No mapeamento (2016, p. 8), o Sistema Firjan divide as indústrias criativas em quatro grandes áreas de acordo com suas afinidades setoriais: Consumo, Mídias, Cultura e Tecnologia. Estas áreas são subdividas em 13 segmentos criativos: design, arquitetura, moda, publicidade, editorial, audiovisual, patrimônio e artes, música, artes cênicas, expressões culturais, P&D, Biotecnologia e TIC. De acordo com o documento, “por possuírem características semelhantes, essa distribuição facilita tanto a leitura do comportamento das áreas, como a identificação das vocações regionais e das tendências ocupacionais em cada segmento” (p. 8). Sendo assim, as categorias que envolvem o setor criativo são compreendidas do seguinte modo: Indústria Criativa (núcleo): é formada por atividades profissionais e/ou econômicas que utilizam as ideias como insumo principal para geração de valor. Atividades Relacionadas: constituída por profissionais e estabelecimentos que proveem bens e serviços à Indústria Criativa. Representadas, em grande parte, por indústrias e empresas de serviços, fornecedoras de materiais e demais elementos, considerados fundamentais para o funcionamento do núcleo criativo. Apoio: constituída por ofertantes de bens e serviços, de forma indireta, à Indústria Criativa (MAPEAMENTO, 2016, p. 9, grifo nosso). Chamamos a atenção, primeiramente, para o núcleo das indústrias criativas, para a área de Tecnologia, que envolve os segmentos de P&D, Biotecnologia e TIC. Como veremos mais a diante em nossa pesquisa, esses segmentos integram atividades universitárias, portanto, concluímos que estas formam o núcleo das indústrias criativas. Por outro lado, observamos que nas atividades de apoio às indústrias criativas há Capacitação Técnica, que inclui o ensino universitário e unidades de formação profissional, isto é, segundo a Firjan, as universidades podem ser entendidas tanto como núcleo quanto como apoio às indústrias criativas. 3 | A UNIVERSIDADE FEDERAL DO PAMPA ENQUANTO INDÚSTRIA CRIATIVA Nas universidades, de um modo geral, a criatividade e o capital intelectual são seus insumos básicos. Conforme o conceito da Unctad, as indústrias criativas: São os ciclos de criação, produção e distribuição de produtos e serviços que utilizam criatividade e capital intelectual como insumos primários; constituem um conjunto de atividades baseadas em conhecimento, focadas, entre outros, nas artes, que potencialmente gerem receitas de vendas e direitos de propriedade intelectual; constituem produtos tangíveis e serviços intelectuais ou artísticos intangíveis com conteúdo criativo (RELATÓRIO, 2012, p. 8, grifo nosso). A partir dessa citação, além da criatividade e do capital intelectual, o Relatório aponta que as indústrias criativas “constituem um conjunto de atividades baseadas em conhecimento”. Nas universidades, a maioria das atividades são baseadas em Dimensões estéticas, cognitivas e tecnológicas de comunicação Capítulo 2 18 conhecimento. No caso da Unipampa, há mais de cem cursos em diferentes níveis de formação que desenvolvem atividades baseadas no conhecimento, portanto, temos mais uma característica que confirma nossa argumentação. A citação prossegue: “que potencialmente gerem receitas de vendas e direitos de propriedade intelectual”, o resultado da produção intelectual (aulas, artigos, livros, softwares, etc.) desenvolvida nas universidades gera direitos de propriedade intelectual, constituindo-se como “serviços intelectuais ou artísticos intangíveis com conteúdo criativo”. Dos grupos apresentados no Quadro 1 – Classificação das indústrias criativas, o que nos interessa é o de Criações Funcionais, subgrupo de Serviços Criativos e a atividade é a P&D (RELATÓRIO, 2012). Esse grupo chama nossa atenção, pois envolve uma atividade que forma um dos pilares da Unipampa: a pesquisa. No ano de 2018, há cerca de 700 projetos de pesquisa cadastrados no Sippee, o que mostra o grande potencial de P&D da universidade e, mais uma vez, a reforça como uma indústria criativa do grupo de Criações Funcionais. No entanto, essa não é a única atividade encontrada na Unipampa, apesar de ser a que merece destaque devido a sua expressividade. A Unipampa possui, em suas dez unidades universitárias, bibliotecas, que são consideradas locais culturais no grupo de Patrimônio apresentado pela Unctad; uma editora responsável pela publicação de livros, e-books e outras obras, assim como, setores que envolvem as atividades audiovisuais, enquadrando-se assim no grupo Mídias; desenvolve atividades musicais como concertos e apresentações, mostras fotográficas e pinturas, ações que integram o grupo Artes; design gráfico, softwares, conteúdo digital criativo e publicidade também são atividades pertencentes ao grupo Criações Funcionais, assim como P&D, que encontramos na Unipampa. 4 | MÍDIAS SOCIAIS Para Telles (2011), redes sociais e mídias sociais não significam a mesma coisa. Segundo o autor, as mídias sociais são “sites na internet construídos para permitir a criação colaborativa de conteúdo, a interação social e o compartilhamento de informações em diversos formatos” (2011, p. 19). O autor exemplifica: Twitter (microblogging), YouTube (compartilhamento de vídeos), SlideShare (compartilhamento de apresentações), Digg (agregador), Flickr (compartilhamento de fotos), entre outros + redes sociais = mídias sociais ou, como se chamava em 2005, novas mídias (TELLES, 2011, p. 18). Já Corrêa (2010) define as mídias sociais como ferramentas comunitárias, que permitem a participação de todos. Nesse sentido, Recuero (2008) destaca as particularidades das mídias sociais, entre elas as características associadas ao buzz (boca a boca das redes), à diversidade de fluxos de informações e à emergência das redes sociais. Colnago (2015, p. 7), por sua vez, acredita que, com a evolução da web, a cada dia Dimensões estéticas, cognitivas e tecnológicas de comunicação Capítulo 2 19 surgem “novas e diferenciadas formas de relacionamento entre as pessoas e organizações e, nesse sentido, as mídias e redes sociais vêm apoiando, de maneira crescente, as tarefas de construir, manter e incrementar relacionamentos”. Quanto às redes sociais, Telles (2011) afirma que se trata de uma categoria das mídias. Conforme o autor, as redes sociais são sinônimo de sites de relacionamento, que são ambientes com o objetivo de reunir pessoas (membros), que, após inscritas, podem expor seu perfil com fotos e dados pessoais, textos, vídeos e permitem a interação com outros membros, formando-se, assim, uma lista de amigos e comunidades. Santaella (2013, p. 43) acredita que “ao criar um perfil nas redes sociais, as pessoas passam a responder e a atuar como se esse perfil fosse uma extensão sua, uma presença extra daquilo que constitui sua identidade”. Sendo assim, cada interagente cria uma maneira de uso e de apropriação das redes que lhe é particular. Cada membro da rede decide o que ver, consumir ou com quem quer conviver. Boyd e Elisson (2007 apud COLNAGO, 2015, p. 4) corroboram essas afirmações e definem as redes sociais na internet como: Serviços baseados na web que permitem aos usuários construir um perfil público ou semipúblico dentro de um sistema limitado, articular-se com outros usuários com os quais se estabelece uma conexão voluntária, e percorrer não só a sua lista de conexões, como também a relação de ligações estabelecidas por outras pessoas dentro do sistema. Da mesma forma, Spadaro (2013, p. 11) enfatiza que, além dos interesses comuns de um grupo de pessoas, as redes sociais são abertas a compartilhar “os pensamentos, conhecimentos, mas também trechos de suas vidas: dos links para os sites que consideram interessantes até suas próprias fotos ou seus vídeos pessoais”. Sobre o início das redes sociais, Viana (2010, p. 61 apud SANTAELLA, 2013, p. 42) afirma que elas começaram a surgir em 2003 e aponta, como fator decisivo para o crescimento desmedido dessas redes, o “fato de que são serviços on-line de acesso grátis por meio dos quais se pode criar vínculos de contato para o intercâmbio de mensagens e conteúdos multimídia”. Conforme Santaella (2013, p. 35), as inovações tecnológicas e os fatos que deram origem às redes sociais são frutos da popularização da banda larga que: (a) permitiu o armazenamento das informações de qualquer formato nas próprias redes, o que é chamado de computação em nuvem; (b) fez decolar o comércio eletrônico; (c) difundiu os espaços virtuais de sociabilidade, ou seja, as plataformas para as redes sociais, incrementadas pela conexão permanente viabilizada pelos dispositivos móveis. Para a autora, as redes funcionam como plataformas sociais, devido à facilidade de intercomunicação dos interagentes por meio dos recursos disponibilizados por esses serviços. Nesse sentido, Viana (2010 apud SANTAELLA, 2013, p. 42) esclarece que “os que participam dessas redes o fazem de forma voluntária, mas acabam por gerar conteúdos que também têm valor histórico, etnográfico e sociológico porque retratam as vidas e o dia a dia dos participantes”. Sendo assim, torna-se “difícil minimizar o papel que as redes digitais Dimensões estéticas, cognitivas e tecnológicas de comunicação Capítulo 2 20 hoje desempenham na vida psíquica, social, cultural, política e econômica” (SANTAELLA, 2013, p. 35). A pesquisadora identifica as redes sociais como o quarto grande marco da evolução dos computadores. O primeiro deles “encontra-se nos semicondutores nos anos 1960. Nessa época, os computadores não passavam de monstrengos que mastigavam números” (SANTAELLA, 2013, p. 35). O segundo marco corresponde ao surgimento do computador pessoal; já o terceiro é marcado pelo advento da Internet Explorer e das interfaces gráficas de usuário e o quarto marco da revolução digital é o atual, com as redes sociais. Para Santaella (p. 35), o quarto marco “está na agenda de preocupações do governo, das empresas, do mercado e, certamente, da educação”. Dentre os diferentes usos para as redes sociais, está aquele feito pela área da comunicação, em especial, pelo jornalismo. Zucolo (2012, p. 50) afirma que “Facebook, Twitter, Youtube, telefones inteligentes e toda a variada disponibilidade de ferramentas e recursos digitais estão reconfigurando completamente tanto a produção como o consumo de notícias”. Nesse sentido, Santaella (2013) afirma que se a pessoa dispuser de um aparelho móvel com câmera, ela passa a ter o potencial de emissora de TV individual, podendo realizar o envio de fotos ou fazer a gravação e transmissão em tempo real de vídeos. “É claro que nem todas as pessoas criam conteúdos, mas o simples fato de ter acesso já é em si uma mudança importante rumo à democratização das comunicações” (p. 43). Quando refletimos acerca da democratização das comunicações, logo nos voltamos a pensar sobre o potencial de democratização das informações e, por conseguinte, do conhecimento. Por isso, nas seções seguintes, abordamos as principais redes sociais utilizadas pelos brasileiros e que integram a ação comunicacional, objeto de nossa reflexão nesta pesquisa, que visa a democratização do acesso ao conhecimento produzido na Unipampa. 5 | A AÇÃO COMUNICACIONAL: PROJETO E EXECUÇÃO DA DICIPA As multiplataforamas de Dicipa são mídias sociais voltadas à publicização das pesquisas desenvolvidas na Universidade Federal do Pampa e compreendem as seguintes plataformas: site institucional3, página no Facebook4, perfil no Twitter5 e canal no YouTube6. A Dicipa, lançada em março de 2018, é resultado do planejamento e execução de um projeto de Pesquisa, Desenvolvimento e Inovação (PD&I), desenvolvido por nós, no componente obrigatório no curso de mestrado do Programa de Pós-Graduação em Comunicação e Indústria Criativa (PPGCIC), da Unipampa. Nossa proposta considerou o cenário científico e comunicacional da Instituição. O primeiro com um grande número de pesquisas e publicações, porém, com divulgações 3 O site Dicipa pode ser acessado em <http://novoportal.unipampa.edu.br/dicipa/>. 4 O endereço eletrônico da página no Facebook é <https://www.facebook.com/DicipaUnipampa/>. 5 Para visitar o perfil de Dicipa Unipampa no Twitter, acesse <https://twitter.com/DicipaUnipampa/>. 6 O endereço eletrônico para acesso ao canal Dicipa Unipampa no YouTube é <https://www.youtube.com/channel/ UCTynOyebORuF1qnknOysI7A>. Dimensões estéticas, cognitivas e tecnológicas de comunicação Capítulo 2 21 limitadas aos seus pares. O segundo voltado unicamente à comunicação institucional, sem abertura para notícias científicas e sem a possibilidade de interação com e entre os usuários. 5.1 O projeto de PD&I e as multiplataformas de Divulgação Científica do Pampa (Dicipa) Nosso projeto de Pesquisa, Desenvolvimento e Inovação (PD&I) traz, antes de tudo, algumas questões norteadoras para a problematização de um processo/produto (ação comunicacional); em outras palavras, apresenta as questões que acabam por motivar a idealização do processo/produto aqui em tema: • Como é realizada a divulgação científica na Universidade Federal do Pampa (Unipampa)? • As ferramentas existentes são suficientes para socializar o conhecimento produzido na Instituição? • Os sistemas atuais permitem a interação entre a Universidade (pesquisadores) e a sociedade (usuários)? E entre os próprios pesquisadores? Tais questões levam o projeto a entender que há a necessidade de explorar modos de divulgar as pesquisas desenvolvidas na Unipampa. Até a execução de nosso trabalho, a Universidade não possuía um local para socialização dessas pesquisas, que ficam registradas no Sistema de Informação de Projetos de Pesquisa, Ensino e Extensão (Sippee). A proposta compreende as multiplataformas entendidas, nesse cenário, como mídias sociais, já que tem como foco a interação entre os usuários e a Unipampa; esta, por sua vez, é aqui compreendida como uma indústria criativa, já que gera processos/ produtos que possuem como insumo básico a intelectualidade. Em suma, nosso projeto propôs mídias sociais (ações comunicacionais) – entendidas como processo/produto de Pesquisa, Desenvolvimento e Inovação – para auxiliar uma indústria criativa (Unipampa), concretizando assim a ideia de Comunicação para a indústria criativa. No que se refere à execução, as multiplataformas de Divulgação Científica do Pampa (Dicipa) foram lançadas, oficialmente, em 20 de março de 2018. Elas compreendem um site, uma página no Facebook, um canal no YouTube e um perfil no Twitter. Dimensões estéticas, cognitivas e tecnológicas de comunicação Capítulo 2 22 Figura 1 – Canal Dicipa Unipampa no YouTube. Fonte: Dicipa Unipampa (YOUTUBE, 2020). 6 | DISCUSSÃO: POSSÍVEIS CONTRIBUIÇÕES DA DICIPA Conforme Feil (2017, p. 281), “quem diz que tal atividade traz contribuições deste ou daquele caráter é quem a propõe ou dela se apropria”. Somado a isso, Santaella (2010) sugere três tipos de contribuições de uma pesquisa que aqui são por nós adaptados às contribuições de uma ação comunicacional. Ademais, destacamos que essas contribuições, apesar de serem utilizadas para justificar também a nossa pesquisa, aqui se referem, exclusivamente, à ação comunicacional. 6.1 Contribuições científico-teóricas Em se tratando da indústria criativa Unipampa, as contribuições científico-teóricas podem se referir à divulgação de eventos científicos e do trabalho desenvolvido pelos grupos de pesquisa e pelos programas de pós-graduação, à publicação de artigos científicos, assim como à visibilidade e ao acesso ao repositório institucional, que reúne a produção acadêmico-científica da universidade em formato digital, e às páginas individuais dos professores, que também visam divulgar a produção pessoal dos pesquisadores. Essas contribuições estão diretamente relacionadas à comunicação científica da Unipampa por ser, inicialmente, mais restritiva à comunidade acadêmica. No entanto, a partir da apropriação dessas funções pela Dicipa, a divulgação científica busca ampliar a discussão a respeito desses assuntos também para o público não-especializado. 6.2 Contribuições científico-práticas A divulgação científica é um recurso utilizado pelas instituições para dar visibilidade ao que se está produzindo de conhecimento e às consequências dessas pesquisas para a sociedade. Ao divulgar seus estudos, o pesquisador vai além do seu contexto individual, pois garante visibilidade ao grupo de pesquisa (GP) e ao programa de pós-graduação (PPG) Dimensões estéticas, cognitivas e tecnológicas de comunicação Capítulo 2 23 do qual faz parte, como um ciclo de geração de conhecimento. Sendo assim, entendemos a visibilidade aos GPs e aos PPGs como a primeira contribuição de ordem científicoprática que a Dicipa traz para comunicação científica da Unipampa. Essa visibilidade vai ao encontro da afirmação de Anjos (2015, p. 5), que acredita que “a distância entre cientistas, instituições de pesquisa, universidades e cidadãos” vem diminuindo. A iniciativa de muitos jornalistas e pesquisadores contribui para esse cenário. Essa aproximação, oriunda da visibilidade que o trabalho das instituições e de seus cientistas recebe, é facilitada pelas redes sociais como, por exemplo, o Twitter. 6.3 Contribuições sociais Acreditamos que as mídias sociais desempenham um importante papel na democratização do acesso ao conhecimento científico, já que, conforme Lévy (2007), a informação que está no ciberespaço torna-se pública, portanto, à disposição daqueles que têm acesso à rede. Dessa forma, entendemos que as multiplataformas de Divulgação Científica do Pampa têm muito a contribuir no processo de veiculação das informações sobre ciência, tecnologia e inovação desenvolvidas na Unipampa. O ciberespaço tem como característica uma cultura heterogênea, que não apresenta restrições geográficas; esses dados são recuperáveis a qualquer momento, o que auxilia a disseminação do saber (SANTAELLA, s.d.). Ribeiro (2004) corrobora esse pensamento, pois, para o autor, surgem novos modos de socialização a partir dos processos de comunicação, o que Giddens (1991, p. 29 apud RIBEIRO, 2004, p. 140) denomina de desencaixe dos sistemas sociais, ou seja, no caso da Unipampa, as relações deixam de ocorrer, apenas, em suas unidades de origem como, por exemplo, pesquisas entre acadêmicos e professores de um mesmo campus para se estender para outros campi e outras instituições. 7 | CONSIDERAÇÕES FINAIS A partir das discussões proporcionadas por esta pesquisa, percebemos que há inúmeras formas de divulgar ciência por meio das mídias sociais. As universidades como um todo – e aqui, em especial, a Unipampa – têm um importante papel na produção do conhecimento e, da mesma forma, devem ser responsáveis por sua disseminação. Por isso, cabe às universidades – preferencialmente aos pesquisadores e profissionais da Comunicação – elaborar estratégias voltadas à comunicação científica (eventos e periódicos científicos voltados ao público especializado), à divulgação científica (vídeos, textos e imagens voltados aos públicos especializado e não-especializado) e ao jornalismo científico (notícias, reportagens e entrevistas voltadas, preferencialmente, para o público não-especializado). Quando as informações científicas alcançam diferentes públicos, estes se tornam capazes de opinar em assuntos cotidianos e, por vezes, polêmicos como ciência, tecnologia, Dimensões estéticas, cognitivas e tecnológicas de comunicação Capítulo 2 24 política, economia e muitos outros, promovendo, assim, um debate público acerca dos rumos de uma cidade, estado ou país. Apesar de identificarmos e compreendermos as contribuições que as mídias sociais trazem para a comunicação científica, no caso da nossa investigação envolvendo as multiplataformas de Dicipa para a Unipampa, salientamos que ainda há muito o que fazer, pois apenas a divulgação e, portanto, a visibilidade das pesquisas não é suficiente para alcançar a significação desejada desses assuntos pelo público em geral. Para que a sociedade alcance a almejada alfabetização científica, são necessárias ações mais efetivas, ainda no processo de aprendizagem infantil. A divulgação científica realizada pela universidade é apenas uma das fases de um ciclo complexo e que ainda deve ser explorado tanto empiricamente quanto cientificamente. Por fim, afirmamos que a comunicação tem muito a contribuir para a divulgação da indústria criativa. Quando esta é voltada à P&D, como a Unipampa, o papel das mídias sociais é ainda mais relevante. A Dicipa possibilitará à comunicação científica da Unipampa contribuições científico-teóricas, científico-práticas e sociais, porém, é preciso que a comunidade universitária esteja disposta a colaborar, assim como é necessário que a comunicação da universidade também seja repensada. A partir de uma postura mais ativa enquanto divulgadora do conhecimento e de ações estratégicas para esse fim, a Unipampa tenderá a contribuir por meio de suas pesquisas para a melhoria da qualidade de vida da população, assim promovendo ainda mais benefícios para a sociedade e cumprindo sua missão de atuação em prol do desenvolvimento regional, nacional e internacional. REFERÊNCIAS ANJOS, Mayara Abadia Delfino dos. Comunicação Pública da Ciência na Universidade Federal de Uberlândia. Revista Gestão Tecnologia e Ciências (Getec), v. 4, n. 8, p. 01-21, 2015. Disponível em: <http://www.fucamp.edu.br/editora/index.php/getec/about>. Acesso em: 18 abr. 2018. BENDASSOLLI, Pedro et al. Indústrias Criativas: definições, limites e possibilidades. Revista de Administração de Empresas. São Paulo, v. 49, n. 1, p. 10-18, jan./mar. 2009. Disponível em: <http:// www.scielo.br/pdf/rae/v49n1/v49n1a03.pdf>. Acesso em: 18 abr. 2018. BRASIL. Decreto-Lei n. 2.848, de 7 de dezembro de 1940. 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Universidade: produção e divulgação do conhecimento. In: NETO, Antonio Fausto (org.). Midiatização da Ciência: cenários, desafios, possibilidades. Campina Grande: EDUEPB, 2012. Dimensões estéticas, cognitivas e tecnológicas de comunicação Capítulo 2 26 CAPÍTULO 3 A INTERFERÊNCIA DA PANDEMIA NO MERCADO DE SERVIÇOS AUTOMOTIVOS, DESDE SEUS CONSUMIDORES ATÉ SEUS PRESTADORES DE SERVIÇOS Data de aceite: 01/05/2022 Data de submissão: 20/04/2022 Isadora Gualda Macedo Pontifícia Universidade Católica de Campinas Mogi Mirim – São Paulo Guilherme Boldrin Medeiros Pontifícia Universidade Católica de Campinas Campinas – São Paulo de veículos, em sua maioria, residentes da região de Mogi-Mirim e Mogi Guaçu, pretende-se analisar e estudar, no presente artigo, o mercado de veículos no Brasil e sua relação com os serviços que são prestados aos consumidores, bem como a relação de serviços das concessionárias e suas particularidades, quando postos em comparação com oficinas comuns e qual o melhor custobenefício para o consumidor. PALAVRAS-CHAVE: Mecânica; Concessionária; Veículo; Pandemia; Serviços. Vitor Christofoletti Laudares Pontifícia Universidade Católica de Campinas Mogi Mirim – São Paulo Gustavo Teixeira Dias Otero Pontifícia Universidade Católica de Campinas Campinas – São Paulo THE INTERFERENCE OF THE PANDEMIC IN THE AUTOMOTIVE SERVICE MARKET, FROM ITS CONSUMERS TO ITS SERVICE PROVIDERS RESUMO: O setor automotivo foi um dos mais impactados com a pandemia. Devido ao baixo fluxo de veículos nas ruas, cada vez mais as manutenções de rotina e revisões pararam de ser realizadas. Contudo, denominados como serviços essenciais durante a pandemia, as auto mecânicas e concessionárias retornaram suas atividades. Através de uma pesquisa quantitativa exploratória com homens e mulheres possuidores ABSTRACT: The automotive sector was one of the most impacted by the pandemic. Due to the low flow of vehicles on the streets, routine maintenance and overhauls have increasingly stopped being performed. However, since they were designated as essential services during the pandemic, auto mechanics and dealerships returned to their activities. Through an exploratory quantitative research with men and women who own vehicles, mostly residents of the region of Mogi Mirim and Mogi Guaçu, it is intended to analyze and study, in this article, the vehicle market in Brazil and its relationship with the services that are provided to consumers, as well as the service list of the concessionaires and their particularities, when compared to common workshops and which is the best cost-benefit for the consumer. KEYWORDS: Mechanics; Dealership; Vehicle; Pandemic; Services. Dimensões estéticas, cognitivas e tecnológicas de comunicação Capítulo 3 Marco Antonio Martins Teixeira Filho Pontifícia Universidade Católica de Campinas Campinas – São Paulo Vitor Aires Gozzi Nogueira Pontifícia Universidade Católica de Campinas Campinas – São Paulo 27 1 | INTRODUÇÃO Com a chegada da pandemia de Covid-19, um dos segmentos mais afetados foi o do setor automotivo. O agravante no setor deu-se em vista de que as pessoas - no início dos lockdowns - utilizavam menos os seus veículos e, consequentemente, não os levavam-nos para realizar uma revisão, fator que atingiu diretamente as lojas de oficinas mecânicas e as concessionárias. Entretanto, com a volta gradual dos trabalhos, o segmento foi considerado de emergência, possibilitando assim a reabertura das oficinas. A falta de matéria-prima e o aumento do dólar foram alguns dos fatores que prejudicaram o segmento, posto que a falta de peças para compor os reparos dos veículos, além de mais caras, se tornava constante. Esses acontecimentos foram tão significativos que até hoje - completado um ano de pandemia - as montadoras estão fechando suas fábricas, entrando em regime de lay-off com seus funcionários e paralisando a produção de veículos como o Onix (Chevrolet), carro mais vendido do país. Contudo, o segmento de fato vem buscando alternativas, como é o caso das locadoras de veículos, que aumentaram significativamente suas frotas, uma vez que as pessoas passaram a preferir alugar carros e ter a segurança do veículo em viagens de trabalho, por exemplo, ao invés de enfrentar o transporte público ou aviões. Além disso, as locadoras vêm lucrando não apenas com os aluguéis, mas com a comercialização de veículos seminovos, e consequentemente, esse giro de veículos leva à necessidade de oficinas e mecânicas para a manutenção dos mesmos. Com isso, pretendemos compreender neste artigo como é a relação dos serviços prestados pelas concessionárias, suas demandas e particularidades como por exemplo: manutenções regulares; troca de pneus; limpadores de para-brisas; películas de vidro; entre outros; quando postos em comparação com oficinas comuns de uma cidade. Qual o melhor custo-benefício para o consumidor? Esses são alguns questionamentos que permeiam a problemática abordada neste artigo e das quais buscamos responder através de uma pesquisa quantitativa exploratória e para compreender melhor o mercado de serviços, analisaremos também o setor automotivo industrial. 2 | O SETOR AUTOMOTIVO Para entendermos os serviços do segmento, precisamos primeiramente entender o setor automotivo industrial atual pois, sem a produção de veículos, não há a necessidade de prestação de serviços, assim conseguindo compreender melhor e segmento e os impactos gerados pela pandemia de COVID-19. O setor automotivo no Brasil contava com uma frota de 65 milhões de carros no ano de 2017, o que representava um carro ativo na frota para cada três pessoas. Já o setor de serviços de reparos está sob influência de uma sazonalidade previsível, havendo aumento na demanda pelo serviço nos inícios e finais de ano, assim como no mês de julho. Isso se Dimensões estéticas, cognitivas e tecnológicas de comunicação Capítulo 3 28 deve pelo crescimento do número de viagens, consequência de serem épocas em que a maioria dos trabalhadores tiram suas férias. O mercado brasileiro de automóveis, durante a pandemia, sofreu uma queda em todos os seus setores. Comparando o período de junho a outubro de 2019 com o mesmo período do ano seguinte, nota-se a queda de 38,9% em veículos leves, 30,1% para caminhões e 35,8% para ônibus. Isso se dá pelo fato de grande parte dos empregos terem passado por uma transição para o home office. Por outro lado, o segundo meio de transporte considerado mais seguro para ser escolhido durante a pandemia, de acordo com o Datafolha, são os aplicativos de transporte e de carona. Figura 1: Gráfico comparativo da produção de automóveis nos anos de 2019, 2020 e 2021. Fonte: ANFAVEA. O gráfico acima mostra que a produção automotiva teve uma pequena melhoria do primeiro ano de pandemia para o segundo, mas mesmo com tal melhoria os números não batem o ano anterior à pandemia. Dessa forma, surge a hipótese de que se menos carros estão sendo vendidos, muitas pessoas estão mantendo seus carros antigos, que tendem a precisar de reparos e manutenção, geralmente a partir do terceiro ano de vida útil. 3 | OS SERVIÇOS AUTOMOTIVOS O segmento automotivo é dividido em diversos setores. Quando se trata de cuidar de um carro, é preciso observar a mecânica, funilaria, elétrica, pintura, acessórios, entre muitos outros. Cada tipo de peça, sendo ela um pneu ou um motor, são produzidas por diferentes fabricantes e juntar compõe o veículo em si, portanto, cada empresa se especializa em alguns desses setores e presta os serviços derivados do mesmo, o que gera uma complexidade para o setor automotivo. Dimensões estéticas, cognitivas e tecnológicas de comunicação Capítulo 3 29 Quando comparamos concessionárias e oficinas comuns, deve-se levar em conta que nas concessionárias existem profissionais mais qualificados, que respeitam os padrões do fabricante e que estão equipados com as melhores ferramentas para seu carro, além de usarem peças de reposição do próprio fabricante e modelo do veículo. Nesse caso, o custo tende a ser mais caro ao revisar o veículo, pois além da mão de obra com valor mais elevado, quando há a necessidade de troca de peças, essas geralmente são originais, e esse é um dos principais motivos que levam os brasileiros a não procurarem a concessionária como sua primeira opção. Já em uma oficina mecânica particular, existe em igual possibilidade as chances de gastar muito e não ter seu problema resolvido, ou da oficina apresentar um ótimo trabalho, com boa mão de obra e serviço, além de custos menores na busca para melhor satisfazer o cliente, com produtos similares e de qualidade. Essa escolha de peças similares é um dos motivos que barateiam o custo da manutenção, enquanto na concessionária é obrigatório o uso de peças originais, homologadas pelo fabricante do carro. 4 | O MARKETING DE SERVIÇOS Os serviços são essenciais para ter uma vida tranquila na sociedade atual, pois é praticamente impossível se manter sem energia em casa ou sem cuidados médicos, por exemplo. Porém, apesar de sua importância, é muito comum que os clientes se sintam insatisfeitos com os serviços que eles contratam, sendo um problema com o valor ou mesmo com a qualidade dele. O que muitos não enxergam é que existem diversas preocupações por parte dos fornecedores desses serviços, afinal além de enfrentar uma complexa concorrência, eles dependem de encontrar trabalhadores eficientes para que seu serviço seja realizado de maneira adequada, além do lucro que é complicado de ser obtido. Atualmente, com o avanço crescente da tecnologia, os serviços dominam a economia moderna através, principalmente, da internet e do fato de que ela permite diversas possibilidades como hospedagem, locomoção, compras e até mesmo serviços bancários, sem falar na comunicação rápida e direta. Segundo Lovelock (2006), o setor de serviços enfrenta desafios muito diferentes do setor de produtos, e pode-se entender melhor esses desafios através de uma análise dos 8 Ps. Alguns exemplos dos desafios são: a intangibilidade, a heterogeneidade, a perecibilidade e a geração e o consumo simultâneos. Como um serviço não pode ser visto ou sentido da mesma maneira que um produto físico, isso pode gerar problemas na hora de avaliar resultados. Por serem ações na maioria das vezes executadas por pessoas diferentes, um serviço não pode ser garantidamente idêntico a outro, e existe uma margem de erro onde até mesmo os melhores trabalhadores de seu setor podem falhar dependendo de fatores externos. Um serviço também não pode ser armazenado ou devolvido, e costumam ser vendidos antes de ser gerado, como por exemplo cursos de graduação em que professores Dimensões estéticas, cognitivas e tecnológicas de comunicação Capítulo 3 30 e alunos realizam uma aula conjunta. Figura 2: Ilustração digital retratando os 8Ps do Marketing de Digital. Fonte: IdealMarketing. Analisando os 8 Ps, podemos perceber que além dos 4 Ps clássicos do produto (preço, praça, promoção e produto, que no caso seria o serviço), o marketing de serviços também conta com mais quatro Ps adicionais, sendo eles o processo, a “palpabilidade”, as pessoas e a produtividade. O processo representa os procedimentos necessários para a prestação de um serviço, a palpabilidade corresponde à percepção do ambiente no qual o serviço é prestado, as pessoas são os envolvidos no serviço, afinal a força de trabalho é a matéria prima, e a produtividade são as premissas básicas para organizações nesse setor. Levando em consideração a principal diferença entre um serviço e um produto, é preciso se atentar ao fato de que um serviço é prestado por um ser humano, portanto, exige uma relação social. É por isso que marcas de serviços precisam de uma atenção redobrada quando o assunto se trata de fidelizar o cliente. Portanto, fazendo uma análise do setor automotivo em si com os moldes dos 8 Ps do marketing digital, podemos categorizar alguns fatores. O processo, por exemplo, refere-se ao ato em si de levar seu veículo em uma oficina ou concessionária e realizar quaisquer que sejam os serviços necessários desejados. A “palpabilidade”, também chamada de tangibilidade, diz respeito a como um serviço automotivo possui evidências físicas, afinal, o contato do cliente com o carro é muito próximo e esse serviço requer segurança e confiança. Sobre as pessoas citadas nos 8 Ps, trata-se de todos os envolvidos no serviço, desde os atendentes até os próprios mecânicos. E, por fim, a produtividade trata do alcance das melhores práticas para executar o serviço, ou seja, um maquinário adequado que maximize os recursos e diminua o tempo e as despesas dos trabalhadores. Dimensões estéticas, cognitivas e tecnológicas de comunicação Capítulo 3 31 5 | ANÁLISE DO PERFIL DO CONSUMIDOR Para analisar o setor automotivo, é preciso entender como seu consumidor se comporta. Como já explicitado no artigo, o reparo dos veículos é um serviço, e o mercado de serviços leva em consideração o atendimento de maneira muito mais profunda. É evidente que o relacionamento que as oficinas e concessionárias moldam com seus clientes é de extrema importância no momento de analisar o valor percebido da compra, assim como nas intenções de recompra. De acordo com Cabral et al. (2020), os consumidores de serviços de manutenção automotiva são predominantemente influenciados por três fatores chaves, sendo eles: a imagem da oficina (sendo ideal estar limpa, organizada e propiciar um ambiente confortável para aguardar os serviços), a confiança na empresa (mais especificamente na qualidade das peças e mão de obra, sendo condizentes com o preço) e a garantia de peças e serviços (tanto de uso como de troca). Dessa forma, é possível focar as bases teóricas do marketing para esses três aspectos do consumidor, garantindo maior clareza nas análises. Vale ressaltar que de acordo com um artigo publicado por Shewhart (citado por Ieda Pedógia Martins Damian, 2010), a percepção sobre a qualidade de uma marca pode ser dividida em qualidades objetivas e subjetivas. Dessa forma, pode-se afirmar que diferentes consumidores terão diferentes percepções sobre a marca, atrelando assim parte do conceito de qualidade a uma percepção pessoal ligada a cada consumidor. Cabe a marca, por sua vez, garantir da melhor forma possível a qualidade objetiva, ou seja, técnica, dos produtos. 6 | DURANTE A PANDEMIA Com o passar dos anos, é possível notar que há cada vez menos reparos com a temática de “faça você mesmo” pelo fato dos veículos estarem se tornando gradualmente mais complexos. Entretanto, as vendas de autopeças e acessórios para o consumidor aumentaram durante a pandemia, pelo fato de algumas pessoas terem mais tempo de sobra em casa, combinando com a praticidade das compras online. Isso fez com que eles conseguissem fazer os reparos sozinhos com suporte de vídeos, o que possibilitou a economia de dinheiro. Durante a pandemia, o segmento de veículos comerciais não passou por muitas mudanças como alguns outros. Ainda há muitas pessoas que continuam trabalhando para manter os serviços essenciais fluindo e os trabalhadores essenciais em movimento, e também os consumidores têm a preferência para serviços em domicílio. Por esse motivo, é possível notar o crescimento no financiamento de motocicletas e vans. Além da recuperação do mercado automotivo, novas modalidades de negócios e oportunidades devem surgir no período após a pandemia. Com isso, o serviço de aluguel de veículos ganhou destaque, chamado de “carro por assinatura”, criando uma oportunidade Dimensões estéticas, cognitivas e tecnológicas de comunicação Capítulo 3 32 para locadoras, concessionárias e até mesmo montadoras. Muitas empresas já entraram nesse segmento, oferecendo aluguel anual de veículos com um valor fixo mensal. Como por exemplo a CAOA Locadora, que já possui mais de 1.000 carros locados, sendo a maior parte deles para terceirização de frotas. A empresa conta com planos de 12 e 24 meses para pessoa física e o pacote pode ser feito totalmente online. Como consequência do COVID-19, a área de tecnologia e inovação no setor de automóveis aumentou, resultando na criação de mais carros elétricos, carros integrados à nuvem, fábricas inteligentes e componentes impressos em 3D, tecnologias já presentes no setor industrial. A área digital também sofreu mudanças, pois o comportamento dos clientes mudou e a internet tem sido o principal motor de vendas. É preciso que as empresas se posicionem bem nas mais variadas plataformas digitais, pois segundo algumas pesquisas o e-commerce continuará crescendo e poderá fechar até 50% das lojas físicas nos próximos 20 anos. Veículos antigos, capacitação online, eletrificação, produtos e serviços ecológicos, veículos de entrega, “faça você mesmo”. “É o momento certo para buscar oportunidades em nichos específicos que vem ganhando relevância, a fim de catalisar esforços de marketing e demais investimentos”, diz Flávio Maia. 7 | ANÁLISE DE DADOS QUANTITATIVOS EXPLORATÓRIOS Uma pesquisa quantitativa exploratória foi aplicada de forma remota, contando com 287 (duzentos e oitenta e sete) respondentes, sendo divididos em 57,8% mulheres, 41,8% homens e 0,3% outros, em maioria das cidades de Mogi Mirim, Mogi Guaçu, durante o mês de maio de 2021, no intuito de levantar informações sobre o mercado, tais como frequência de manutenção, frequência de uso do veículo, dados de compra e venda e impacto da pandemia de COVID-19 no segmento. Como resultado, podemos notar que embora 47% dos respondentes tenham dito que diminuíram o uso de veículos devido à pandemia, 70% deles ainda dizem usá-los diariamente. Cerca de 27% dizem que no começo tiveram uma redução no uso do veículo, mas que com o tempo ela foi caindo até que voltaram ao seu uso cotidiano. Ou seja, podemos notar que, hoje em dia, mesmo com toda a crise de saúde do país, os carros continuam ativos quase que em sua totalidade. Dimensões estéticas, cognitivas e tecnológicas de comunicação Capítulo 3 33 Figura 2: Gráfico retratando a diminuição do uso de veículos após o início da pandemia. Fonte: Pesquisa realizada para o artigo. Porém cerca de 17% dos respondentes alegaram estarem utilizando menos os serviços automotivos por motivos variados, como receio de ter contato com pessoas contaminadas em mecânicas ou concessionárias ou não acharem necessário por dizerem estar utilizando menos o veículo. Ao analisarmos os dados obtidos quando os respondentes foram questionados sobre suas preferências em relação à mecânicas e a concessionárias pode-se notar que 60% alega que os preços são mais acessíveis em mecânicas. Quanto à agilidade, qualidade de atendimento e de produtos/serviços, as respostas são bem divididas, mostrando que não há uma preferência de grande destaque quando o assunto é levar o seu veículo para manutenção em concessionárias ou mecânicas. É importante notarmos que 78% dos respondentes tratam o seu veículo como essencial para a vida que levam e 13% se consideram entusiastas por carros. Com estes dados pode-se notar que o “movimento verde” ainda não afeta tão fortemente o segmento em questão. Figura 3: Gráfico retratando a visão que os respondentes possuem sobre seus veículos. Fonte: Pesquisa realizada para o artigo. Dimensões estéticas, cognitivas e tecnológicas de comunicação Capítulo 3 34 Figura 4: Gráfico retratando a maneira com que os respondentes se enxergam sentimentalmente perante aos seus veículos. Fonte: Pesquisa realizada para o artigo. Cerca de 42% dos respondentes dizem terem trocado de carro em meio a pandemia. E desses 42%, 60% alega ter trocado seu veículo por um seminovo, o que nos mostra que o mercado pode ter sofrido menos impacto do que o esperado pelos pesquisadores. Não houve respondentes que alegam achar que o uso de veículos é desnecessário, mostrando que esse meio de locomoção está enraizado na mente da população, o que é de se esperar, já que o país ainda é extremamente precário em transporte público de qualidade e mesmo as pessoas que não possuem veículo próprio tendem a utilizar táxis e motoristas de aplicativos. 8 | CONCLUSÃO O presente artigo, como forma de análise de mercado, conclui que, apesar da pandemia, o mercado automotivo continua fomentado na região onde a pesquisa foi aplicada, seja ele de seminovos ou de zero-quilômetro e, apesar de uma diminuição do uso de veículos no início de 2020, conforme os meses foram passando, a população regional alega ter voltado ao ritmo normal. O retorno gradual dos trabalhos exigiu um movimento da população que permanecia reclusa em suas casas, o que demandou a volta do olhar da população aos meios de transporte para seus empregos. Com isso, muitas pessoas retornaram às manutenções preventivas de seus carros, ou passaram a alugar em locadoras, evitando o transporte público, bem como passaram a locar os veículos para complementar renda, trabalhando de motoristas de aplicativo. Todo esse processo de retorno foi essencial para a retomada dos trabalhos de oficinas mecânicas e concessionárias, que voltaram a prestar seus serviços e dar assistências aos veículos. Essa volta aos trabalhos como serviços essenciais, fora de extrema importância para que o setor tivesse números tão otimistas ao final de 2020. Dimensões estéticas, cognitivas e tecnológicas de comunicação Capítulo 3 35 Analisando as preferências da população regional entre utilizar os serviços e as peças fornecidas por concessionárias ou mecânicas, nota-se que, com relação a qualidade, profissionalismo, limpeza e agilidade, não há preferências, porém, ao analisarmos as respostas quando questionados a respeito de preço, a preferência tende a favorecer as mecânicas, mostrando que, apesar do preço mais elevado das concessionárias, não há uma preferência tão expressiva em relação à onde os respondentes preferem realizar suas manutenções. Apesar da popularização do “movimento verde”, onde as pessoas tendem a se preocupar mais com o meio ambiente e, consequentemente, passar a evitar o uso de veículos particulares, a maior parte dos respondentes acredita que possuir um veículo continua sendo essencial ou útil, mostrando que esse novo estilo de vida ainda não afeta a população da região onde a pesquisa foi aplicada. Também não foram identificadas mudanças muito significativas que impactem nas preferências do consumidor desse segmento em função da pandemia. REFERÊNCIAS ARAUJO, J.; AGUIAR, E.; POLICARPO, M.. Marketing De Relacionamento No Setor Automotivo: Estratégias De Retenção E Comportamento Do Consumidor. 13º Congresso Latino-Americano de Varejo e Consumo: “After COVID-19: Building Purpose through Stakeholders in Retailing”, Brasil, out. 2018. Disponível em: <http://bibliotecadigital.fgv.br/ocs/index.php/clav/clav2018/paper/ view/6852/1896>. Data de acesso: 08 Jun. 2021. BARBOSA CABRAL, Daniel; ANDRE CORREA MATTOS, Carlos; PEREIRA MONTEIRO, Mayara; ALVES SILVA, Rene. Decisão de compra e comportamento dos consumidores de serviços de reparos automotivos. Rev. Elet. Gestão e Serviços. DEZ-2020. Disponível em: https://www.metodista.br/ revistas/revistas-ims/index.php/REGS/article/view/10019/7615. Acesso em: 20-ABR-2021. GIMENES, Diego. Covid-19 e falta de componentes param fábricas de veículos pelo país. Volks, Mercedes, Volvo e Scania paralisaram produção por piora da pandemia; falta de peças também pesa, e GM interrompe fabricação do Onix por dois meses. Revista Veja 2021. Disponível em: https://veja.abril. com.br/economia/covid-e-falta-de-componentes-param-fabricas-de-veiculos-pelo-pais/. Acesso em: 09 jun. 2021. GIMENES, Diego. O negócio das locadoras cada vez mais está na comercialização de veículos: Venda de veículos usados caiu 12,8%, mas locadoras registraram crescimento de 24% no segmento; todavia, fusão entre gigantes pode concentrar o mercado. Revista Veja. 2021. Disponível em: https://veja.abril. com.br/economia/o-negocio-das-locadoras-tambem-esta-na-comercializacao-de-veiculos/https://veja. abril.com.br/economia/o-negocio-das-locadoras-tambem-esta-na-comercializacao-de-veiculos/. Acesso em: 09 jun. 2021. HOPPE, Alexia; DUTRA DE BARCELLOS, Marcia, MARQUES VIEIRA, Luciana, DE MATOS, Celso A. 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Disponível em: https://www.sebrae.com.br/sites/PortalSebrae/artigos/ marketing-de-servicos-uma-visao-baseada-nos-8-ps,a799a442d2e5a410VgnVCM1000003b74010aRC RD. Acesso em: 27 maio 2021. PANDEMIA aponta novas tendências no mercado automotivo. Estadão. 8-FEV-2021. Economia. Disponível em: https://economia.estadao.com.br/noticias/geral,pandemia-aponta-novas-tendencias-nomercado-automotivo,70003609209. Acesso em: 10-MAI-2021. PANDEMIA no setor automotivo: o que mudou no mercado. 2020. Garagem 360. Disponível em: https://garagem360.com.br/pandemia-no-setor-automotivo-o-que-mudou-no-mercado/. Acesso em: 27 maio 2021. PASSOS, Flávio. A transformação do setor automotivo com a pandemia: as vendas de carros novos caíram quase 30% no último ano, ao mesmo tempo em que mudanças no comportamento dos consumidores podem impactar os negócios. 2021. Revista Exame Disponível em: https://exame.com/ blog/opiniao/a-transformacao-do-setor-automotivo-com-a-pandemia/. Acesso em: 27 maio 2021. PEDOGIA MARTINS DAMIAN, Ieda. O papel da qualidade do serviço e da imagem da loja na experiência de consumo de serviços automotivos. Science Direct. 08-DEZ-2010. Disponível em: https://www.sciencedirect.com/science/article/pii/S180922761630176X. Acesso em 10-MAI-2021. REGIÃO NORDESTE. ETENE. (ed.). Setor automotivo nos primeiros dez meses de 2020. 2020. Disponível em: https://g20mais20.bnb.gov.br/s482-dspace/bitstream/123456789/461/3/2020_DEE_181. pdf. Acesso em: 17 maio 2021. SAMPAIO, Danilo de O. VISCARDI, Adriana W.; ORNELAS, Rubens; NASCIMENTO, Adilson F.; CASTRO, Cláudio V. L.; AFONSO, Daniel F.; BRAVO, Emílio C. de Freitas; SILVA, Roberto F. T. Um estudo comparativo sobre o comportamento do consumidor de automóveis novos. Portal Estácio. 2004. Disponível em: https://portal.estacio.br/media/4390/2-um-estudo-comparativo-sobrecomportamento-consumidor-automoveis-novos.pdf . Acesso em: 10/MAI. 2021. Dimensões estéticas, cognitivas e tecnológicas de comunicação Capítulo 3 37 CAPÍTULO 4 DESIGUALDADE SOCIAL E PANDEMIA: UMA ANÁLISE DAS FOTOGRAFIAS COMPARTILHADAS PELOS PERFIS @COVIDPHOTOBRAZIL E @ EVERYDAYBRASIL Data de aceite: 01/05/2022 Camila Leite de Araujo Professora Adjunta da Universidade Federal do Amazonas, do curso de Jornalismo da Faculdade de Informação e Comunicação. Doutora em Comunicação pela Universidade Federal de Pernambuco, Mestre em Comunicação pela Universidade Federal de Pernambuco http://lattes.cnpq.br/2757475124759540 Juliana Lira de Oliveira Graduando em Jornalismo pela Universidade Federal do Amazonas. Bolsista Pibic. Pesquisa agraciada com bolsa CNPQ http://lattes.cnpq.br/5190195195727430 RESUMO: Objetiva-se nesta pesquisa analisar a função social da investigação fotográfica durante pandemia da Covid-19 no Brasil pela plataforma do Instagram e discutir a relação entre desigualdade social e pandemia. Para a seleção das imagens, escolhemos os perfis @covidphotobrazil e @ everydaybrasil, que catalogam e compartilham imagens sobre a pandemia, feitas por diferentes autores e em diferentes regiões. A análise será feita à luz de discussões sobre as dimensões da iconologia e da iconografia de Panofsky (2012) e adaptadas à fotografia por Kossoy (1999). Como resultados esperamos verificar que as fotografias são convites à reflexão sobre a realidade da desigualdade social e seu papel na pandemia de Covid-19 no Brasil. Considera- Dimensões estéticas, cognitivas e tecnológicas de comunicação se de extrema importância o papel da ciência social que investiga os dados e as informações que contextualizam as imagens em um lugar na história contemporânea. PALAVRAS-CHAVE: Fotografia digital; Covid-19; Brasil; Desigualdade Social. SOCIAL INEQUALITY AND PANDEMIC: AN ANALYSIS OF THE PHOTOGRAPHS SHARED BY THE PROFILES @ COVIDPHOTOBRAZIL AND @ EVERYDAYBRASIL ABSTRACT: The objective of this research is to analyze the social function of photographic investigation during the Covid-19 pandemic in Brazil through the Instagram platform and to discuss the relationship between social inequality and pandemic. For the selection of images, we chose the profiles @covidphotobrazil and @ everydaybrasil, which catalog and share images about the pandemic, made by different authors and in different regions. The analysis will be made in the light of discussions on the dimensions of iconology and iconography by Panofsky (2012) and adapted to photography by Kossoy (1999). As a result, we hope to verify that the photographs are invitations to reflect on the reality of social inequality and its role in the Covid-19 pandemic in Brazil. It is considered of extreme importance the role of social science that investigates the data and information that contextualize the images in a place in contemporary history. KEYWORDS: Digital Photography; Covid-19; Brazil; Social Inequality. Capítulo 4 38 1 | INTRODUÇÃO Compreender a relação entre fotografia, memória, cidadania e respeito por vidas de populações periféricas exige uma literatura visual e debates sociais sobre esses problemas históricos da desigualdade social e sua documentação. Assim, acreditamos ser primordial a análise das leituras dessas imagens, que estas sejam amplamente compartilhadas e o entendimento dos seus simbolismos. A pandemia tem sido um momento de maior sofrimento para aqueles que estão sem teto, desempregados, em atividades informais e sub-remunerados. Pesquisas apontam que a pandemia reforça as desigualdades dos mais vulneráveis, as mortes são mais numerosas nas periferias com infraestruturas precárias e sem serviços básicos. Nesse contexto, o presente estudo se propõe a analisar algumas imagens fotográficas feitas durante a pandemia da Covid-19 no Brasil, com base em conceitos da iconografia e da iconologia propostos por Panofsky (2012) em 1932 e posteriormente adaptados à linguagem fotográfica por Kossoy (1999). O trabalho nos conduz à discussão sobre as possibilidades do digital na produção e circulação de imagens e seu impacto na criação da memória sobre a representação das vítimas do novo coronavírus e sobre o poder transformador da fotografia em registrar e alterar a história, se amplamente vista. Trata-se de uma pesquisa bibliográfica e de um estudo de caso. O estudo articula métodos qualitativos de observação direta, por meio da descrição e avaliação qualitativa das imagens fotográficas postadas nos perfis @covidphotobrazil e @everydaybrasil, e alguns comentários de espectadores atrelados a elas. A seleção das imagens se dão a partir da temática da desigualdade social e ocorre de forma aleatória e subjetiva. Para a análise das fotografias publicadas, partimos das discussões das dimensões iconológicas e iconográficas, propostas e descritas por Panofsky (2012), em 1932, depois adaptadas por Kossoy (1999), que acrescentou especificidades da linguagem fotográfica. Acredita-se que esses métodos podem contribuir para a análise fotográfica e compreensão da representação da memória da Covid-19 no Brasil. A análise iconográfica refere-se à leitura plástica da imagem, criada a partir de um ponto de vista do autor da imagem e eternizado pelo instante em que o obturador foi acionado. O instante fotográfico documentado na fotografia permite recuperar dados preciosos para a reconstituição da memória e da história. A análise iconológica procura informações e contextos por meio de documentos ou do relato do autor da imagem de forma a “desvendar a trama histórica e social da imagem, bem como avaliar sua dimensão cultural e ideológica” (UNFRIED, 2014, p.05). Nesse sentido, é necessário uma base teórica que articule a problemática da desigualdade social no Brasil e o seu papel no agravamento da pandemia da Covid-19.Para aprofundamento da interpretação iconológica das imagens, conforme Kossoy (1999), podemos procurar a fala dos fotógrafos cujas imagens forem escolhidas, seja por meio de entrevistas em jornais ou por contato direto pelas redes sociais. Dimensões estéticas, cognitivas e tecnológicas de comunicação Capítulo 4 39 2 | RESULTADOS PARCIAIS Os resultados parciais dessa pesquisa contam com seis análises de fotografias produzidas no norte do país, no contexto da desigualdade social durante a pandemia da Covid-19, compartilhadas nas páginas @covidphotobrazil e @everydaybrazil. Para que seja possível compreender como a linguagem fotográfica é capaz de significar, Santaella (2012) ressalta a importância de levar-se em consideração como ela é produzida, enfatizando seu produtor e os meios disponíveis para tal. Assim, a primeiro passo para essa análise é procurar saber quem é o fotógrafo que a produziu, para quais veículos trabalha, sua origem, sua relação com o norte do país, seu perfil na plataforma e as informações sobre a imagem que possa ter compartilhado nesta página pessoal. O segundo passo para a compreensão da imagem é analisar de que modo a linguagem em questão é capaz de representar algo que está fora dela, isto é, seu objeto ou referente, comumente chamado de ‘conteúdo’ ” (SANTAELLA, 2012,p.74). Isto implica a exploração da linguagem fotográfica que implica o exame de suas características iconográfica e iconológica descritas na metodologia desta pesquisa. Ou seja, o estudo de suas características internas que indicam ou representam uma realidade que lhe é externa. Acrescentamos a isso o estudo das características de interação da plataforma do Instagram que acrescentam ícones e comentários que influenciam na construção de sentido da imagem como numero de curtidas, marcações, hastags e análises de comentários. Só então podemos passar para a questão da interpretação. Que tipos de de efeitos interpretativos aquela linguagem está apta a produzir no receptor? Os significados de uma linguagem dependem desse triônimo: suas características internas, suas referencias e as interpretações que enseja (SANTAELLA, 2012, p.74). Dentre as formas de como ler uma fotografia estão: a percepção de sentimentos os quais a fotografia produz em nós, a identificação daquilo que foi fotografado. Explorar os detalhes da foto nos remete e nos permite conhecer a realidade que nela foi constituído, “contemplar a atmosfera que ela oferta ao olhar, pois a significação imanente dos motivos e temas fotografados é inseparável do arranjo singular que o fotógrafo escolheu apresentar” (SANTAELLA, 2012, p.30). Dimensões estéticas, cognitivas e tecnológicas de comunicação Capítulo 4 40 Fonte: Instagram/covidphotobrazil, 2021. https://www.instagram.com/p/CM2kCQgldZ8/. As fotografias aqui escolhidas foram produzidas pelo fotojornalista baiano Felipe Iruatã durante a crise sanitária causada pela Covid-19 em Salvador no segundo dia de toque de recolher em março de 2021. A primeira fotografia foi tirada do lado de fora de um ônibus do transporte coletivo. A partir de um ângulo de plano médio, mostra alguns passageiros do ônibus aglomerados, o que chama atenção é que apesar de não ser uma foto posada, ao perceber que estava sendo fotografado um dos passageiros faz sinal de negativo com a mão. A segunda mostra o interior de um transporte coletivo também em Salvador. A imagem tirada a partir de um enquadramento de cima para baixo, ou ângulo plongée. Nela podemos ver o interior do ônibus lotado com várias pessoas uma ao lado da outra sem a possibilidade de cumprir com o distanciamento físico indicado pelo Ministério da Saúde. No Brasil durante a pandemia, o trabalho remoto foi uma realidade para apenas uma pequena parcela da população. Grande parte dos trabalhadores, para não perder seus empregos, necessitou sair de casa e se expor ao vírus no transporte coletivo, assim como a imagem indica. Segundo um estudo do Instituto Brasileiro de Economia (Ibre) da Fundação Getúlio Vargas (Ibre/FGV), a modalidade a distância foi adotada por apenas cerca de 10% dos trabalhadores do país mesmo no auge da pandemia e do isolamento social. A pesquisa apontou que o trabalho à distância durante a pandemia foi um privilégio concentrado nas regiões mais ricas e urbanizadas do país. “A infraestrutura deficiente dos domicílios em outras regiões, tanto do ponto de vista de equipamentos quanto do acesso à internet, limitou bastante o home office no Norte e no Nordeste”. (AUTOR, ANO). As imagens fazem parte de um álbum com mais outras 5 fotografias e foram curtidas por 731 usuários. A publicação está atrelada à legenda: “Segundo dia de toque de recolher as 18h em Salvador. Enquanto as estações de ônibus estão cheias, a cidade fica vazia. Mesma contradição e mesmo abismo social”. Assim podemos ver na terceira imagem aqui escolhida feita pelo fotojornalista, tirada a partir de um plano aberto mostra uma rua quase deserta, onde podemos ver apenas algumas pessoas em ultimo plano. Dimensões estéticas, cognitivas e tecnológicas de comunicação Capítulo 4 41 O álbum foi compartilhado pela @covidphotobrazil traz a marcação do Instagram do seu autor @felipe. iruata a postagem recebeu comentários dentre eles estão: “Enquanto o governo não liberar um auxílio descente para que o trabalhador possa se resguardar neste momento, cenas assim serão comuns”. Fonte: Instagram/covidphotobrazil, 2021. https://www.instagram.com/p/COIjglsnpNt/. A imagem e sua respectiva legenda foram produzidas pelo fotojornalista freelancer André Coelho durante a crise sanitária causada pela covid-19 no mês de abril de 2021 no Rio de Janeiro. Em abril o Estado do Rio de Janeiro passava dos 700 mil casos confirmados de Covid, e batia recorde de média móvel de mortes com 270 óbitos por dia, segundo a Secretaria Estadual de Saúde. A fotografia tirada a partir de um enquadramento aberto, O ângulo aberto, é usada para retratar pessoas e ao mesmo tempo contextualizar situações e ambientes. A imagem retrata em seu primeiro plano um homem que acaba de receber uma marmita, Dimensões estéticas, cognitivas e tecnológicas de comunicação Capítulo 4 42 com a máscara em seu queixo o homem aparenta chorar enquanto conversa com um dos voluntários da ONG Covid Sem Fome. Em segundo planos vemos uma fila de pessoas esperando para também receberem marmitas A fotografia foi compartilhada pelo Instagram @covidphotobrazil e traz a marcação do perfil do fotojornalista @a_coelho. A publicação foi curtida por mais de 786 pessoas e acompanha a legenda “Rio de Janeiro, abril de 2021 - Voluntários de ONGs como @ covidsemfome e @acaodacidadania doam alimentos a moradores de rua no Rio de Janeiro. Centenas de pessoas que moram nas ruas do Rio, ou que terminaram nelas por causa da pandemia, recebem pelo menos um prato de comida por dia no centro da cidade, número bem menor do que há um ano devido à queda do número de doações’’. Entre as hashtags estão: #fome #ong #pandemia. A imagem faz parte de um álbum com mais outras 9 fotografias. O álbum recebeu comentários dentre eles estão: “Meu Deus, a fome e a dor já eram absolutamente presentes nesta região antes da pandemia... agora, tá de cortar o coração” Fonte: Instagram/covidphotobrazil, 2021. https://www.instagram.com/p/COIBmoTHNN3/. A imagem foi produzida em abril de 2021 pelo fotojornalista Victor Moriyama durante a pandemia da covid-19 na cidade de São Paulo. Victor é um colaborador regular do The New York Times, cobrindo a Amazonia e a América Latina e está atualmente trabalhando em um projeto de longo prazo que investiga a desigualdade social no Brasil e os impactos do capitalismo nas relações sociais. Na fotografia tirada em plano aberto, vemos uma fila vista por tras com pessoas algumas delas em situações de rua esperando pela distribuição de cestas básicas. O Inquérito Nacional sobre Insegurança Alimentar no Contexto da Pandemia da Covid-19 no Dimensões estéticas, cognitivas e tecnológicas de comunicação Capítulo 4 43 Brasil, realizado pela Rede Brasileira de Pesquisa em Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional (Rede Penssan), indica que nos últimos meses do ano passado 19 milhões de brasileiros passaram fome e mais da metade dos domicílios no país enfrentou algum grau de insegurança alimentar. De acordo com os pesquisadores, o número encontrado de 19 milhões de brasileiros que passaram fome na pandemia do novo coronavírus é o dobro do que foi registrado em 2009, com o retorno ao nível observado em 2004. A fotografia foi compartilhada pelo Instagram @covidphotobrazil e traz a marcação do perfil de seu autor @victormoriyama, foi curtida por mais de 366 usuário: “São Paulo, abril de 2021 - Nos últimos dias venho acompanhando o avanço da pobreza e o aumento da insegurança alimentar na pandemia de Covid-19 em São Paulo para o @nytimes. Passei muitos dias ao lado da guerreira incansável que eu tanto admiro @sophiabisilliat e sua associação @treinonalaje que faz um trabalho fundamental de distribuição de alimentos e cestas básicas nos quatro cantos da cidade e no centro”. A publicação faz parte de um álbum com outras fotografias e está atrelada as hashtags: #covidbrasil #fome #pandemia #brazil. O álbum recebeu comentários como:” Tem que marcar o idiota que disse pra fazer o senso pela Internet pra ele aprender que o Brasil não é só o universo de privilégios que ele vive”. Fonte: Instagram/@everydaybrasil, 2021. https://www.instagram.com/p/CTw3Zy0FaCU/. A imagem e sua legenda foram produzidas pela fotojornalista Marcia Foletto em setembro de 2021 na cidade do Rio de Janeiro. Marcia Foletto trabalha a 24 anos no jornal O Globo e é vista como uma das principais fotojornalistas do Brasil, independentemente. A foto foi feita a partir de um enquadramento de plongée em plano médio retrata uma mulher sentada em sua cama com as mãos e os cabelos tapando o seu rosto, em sua frente um prato apenas com bolachas tipo água e sal. A foto foi posada a mulher identificada como Dimensões estéticas, cognitivas e tecnológicas de comunicação Capítulo 4 44 “C” relata que durante a pandemia da covid-19 perdeu o seu emprego e chegou a morar nas ruas. A fotografia compartilhada pelo @everydaybrasil traz a marcação do Instagram de sua autora @marciafoletto, foi curtida por mais de 380 usuarios e acompanha a legenda: “ C. perdeu o emprego na pandemia. Teve que entregar a casa onde morava e deixar as filhas com o ex-marido. Chegou a viver na rua e hoje está em um pequeno apartamento pago por um amigo, na Zona Oeste do Rio de Janeiro. Sem trabalho e com o pouco que ganha do auxílio emergencial, tinha apenas um pacote de biscoito para passar a semana. Com medo de prejudicar o processo da guarda dos filhos, C. contou sua história, mas não quis se identificar”. A foto recebeu comentário dentre eles: “A triste situação de muitos brasileiros neste momento desnorteado”. REFERÊNCIAS Lewis, Sarah. Visão e justiça. (2016). The fifth internacional exposition of contemporary and moder arte. Chicago. Northern Trust Kossoy, Boris. Realidades e ficções na trama fotográfica. São Paulo: Ateliê^ Editorial, 1999. ONU. (2019, dezembro) Relatório de desenvolvimento humano do PNUD destaca altos índices de desigualdade no Brasil. Acessado em: https://douradosagora.com.br/noticias/brasil/pnud-destaca-altosindices-de-desigualdade-no-brasil Panofsky, E. Significado nas artes visuais. Tradução Maria Clara F. Kneese e J. Guinsburg. São Paulo: Perspectiva, 2012. Titulo original: Meaning in the visual artes. 5 reimpr. Da 3 ed. De 2001. Unfried, R. O uso da iconografia e da iconologia para a análise de fotografias e recuperação da história de Londrina. Trabalho apresentado no GT 7 – Fotografia, do Encontro Nacional de Pesquisa em Comunicação e Imagem – ENCOI, 24 e 25 de novembro de 2014, Londrina. Werneck, G.; Carvalho, M. A pandemia de Covid-19 no Brasil: Crônica de uma crise sanitária anunciada. In: Cadernos de Saúde Pública, 2020. BODNAR, J (1992). Remarking America: Public memory, commemoration, and patriotism in the twentieth century. Princeton: Princeton University Press. CANDAU, Joel. Memória e identidade. São Paulo: Contexto, 2011. GUEDES-PINTO, Ana Lúcia. Rememorando trajetórias da professora- alfabetizadora: a leitura como prática constitutiva de sua identidade e formação profissionais. Campinas, SP: Mercado de Letras, 2002. LOPEZ, Immaculada. Memória social: uma metodologia que conta histórias de vida e o desenvolvimento local/ . -- 1. ed. -- São Paulo: Museu da Pessoa: Senac São Paulo, 2008. LE VEM, Michel Marie et al. História oral de vida: o instante da entrevista. In: VON SIMSON, Olga Rodrigues de Moraes, (org.). Os Desafios contemporâneos de história oral – 1996. Campinas: Área de Publicações CMU/Unicamp, 1997. Dimensões estéticas, cognitivas e tecnológicas de comunicação Capítulo 4 45 MIZIARA, Rosana. Experenciar museus: um olhar sobre o museu da pessoa. Revista do centro de Pesquisa e formação, 2016. SANTAELLA, Lúcia . Leitura de Imagens. São Paulo: Editora Melhoramentos, 2012. Dimensões estéticas, cognitivas e tecnológicas de comunicação Capítulo 4 46 CAPÍTULO 5 A FOTOGRAFIA E O URBANO: REPRESENTAÇÃO, MÁQUINA E TEMPO Data de aceite: 01/05/2022 Camila Leite de Araujo Professora Adjunta da Universidade Federal do Amazonas, do curso de Jornalismo da Faculdade de Informação e Comunicação. Doutora em Comunicação pela Universidade Federal de Pernambuco, Mestre em Comunicação pela Universidade Federal de Pernambuco http://lattes.cnpq.br/2757475124759540 Raquel de Holanda Rufino Doutora em Comunicação pelo Programa de Pós-Graduação da Universidade de Brasília. Mestra em Comunicação pelo Programa de Pós-Graduação da Universidade Federal do Pernambuco. Pesquisadora com interesse nos temas como espaço cinematográfico, cidade, estética e imaginário a partir de investigações e análises de obras audiovisuais http://lattes.cnpq.br/4316025552210987 RESUMO: Este artigo se propõe a discutir a relação entre fotografia e a representação da cidade com o intuito de traçar um paralelo entre o desenvolvimento de um pensamento, fotográfico, sua técnica e indústria na forma de retratar o espaço urbano. Parte-se dos ideais modernos, dos ideais fotográficos, da relação entre fotografia, urbanização, máquina e razão. A racionalidade, a superficialidade e brevidade das relações, a lógica do consumo e o senso de identidade do homem moderno são pensados a partir da relação entre fotografo, câmera, e o outro fotografado a partir da análise da prática Dimensões estéticas, cognitivas e tecnológicas de comunicação dos fotógrafos franceses: Eugène Atget e HerniCartie Bresson. PALAVRAS-CHAVE: Fotografia; Cidade; Modernidade; Representação; Expressão. PHOTOGRAPHY AND THE URBAN: REPRESENTATION, MACHINE AND TIME ABSTRACT: This article proposes to discuss the relationship between photography and the representation of the city to draw a parallel between the development of a photographic thought, its technique and industry in the way of portraying the urban space. It starts with modern ideals, photographic ideals, the relationship between photography, urbanization, machine, and reason. The rationality, superficiality and brevity of relationships, the logic of consumption and the sense of identity of modern man are thought from the relationship between photographer, camera, and the other photographed from the analysis of the practice of French photographers: Eugène Atget and Herni-Cartie Bresson. KEYWORDS: Photography; City; Modernity; Representation; Expression 1 | INTRODUÇÃO Na sociedade Ocidental o conceito “realista” parece um lugar comum desde a Grécia, e se refere a obras que tem como objeto a retratação do real. Entretanto, foi através do Renascimento que se acentuou cada vez mais o ideal e a necessidade de retratar a realidade e atingir o perfeccionismo técnico da imagem do mundo. Nesse período surgem várias escolas e Capítulo 5 47 diversas formas de representar o real que perpetuaram alguns métodos como a perspectiva linear. Realismo, nesse sentido acaba se perpetuando como um conceito com referência a variadas obras em muitos contextos históricos (ROSARIO, 20016, p.06). A pintura realista deu origem a versões tradicionais do real e também a práticas contemporâneas, onde o realismo é um elemento base na construção da imagem. Esta acabou por ser utilizada ao longo de séculos até mesmo por práticas e tendências que se desviam ao modernismo e em muitos destes casos ao realismo académico, como o Cubismo ou o Surrealismo, que apesar de utilizarem a realidade e a figuração como base no seu trabalho opõem-se às suas regras atitudes e expectativas realistas. O movimento realista já apontava no discurso e na estética dos pintores um desejo por representar mais do que os detalhes de nitidez e de cores da luz que atingia os corpos de pessoas reais, a realidade como ela se apresentava em suas condições e estilos de vida e suas cidades. Nesse sentido, o objeto de apreciação estética e de observação empírica se despia do idealismo dos amores e das personificações românticas e do estilo de vida e do rosto da nobreza para se voltar a reprodução do mundo como ele o é, ao cotidiano e ao rosto do homem comum. Conceitualmente o objetivo era retirar o gênio criador da representação, diminuindo os filtros entre espectador e mundo retratado; esteticamente caracterizou-se pela exatidão e perfeccionismo de uma “imagem real” e por despir a realidade dos idealismos de quem a vê. Na França o movimento ganhou forças com nomes como Camille Corot, Honoré Daumier, e Gustave Coubert, que retratavam a dura vida dos camponeses e dos trabalhadores. Pelo realismo questionavam-se sobre o estilo de vida urbano, sobre o pensamento funcionalista do trabalho e sobre a postura do homem no mundo representando a realidade em sensível. Nesse sentido, a produção fotográfica do início da história do média abrangia especialmente os mesmos assuntos: o rosto do homem moderno e as paisagens urbanas e dos campos. O daguerreotipo1, sua imagem metálica, perfeita e nítida foi eleita para representar o retrato fixo do retratado sobre a qual se espelhava a imagem transitória do observador. O daguerreotipo representava a imagem feita em estúdio por fotógrafos profissionais e comerciais. As paisagens urbanas e da natureza eram, muitas vezes, objetos de predileção dos calotipistas2, adeptos do vago e da suavidade de fotografias que mais se pareciam desenhos à traço. O calótipo era usado em especial para imagens feitas ao ar livre, por fotógrafos artistas e representava uma imagem que fugia da lógica da praticidade e do lucro comercial (ROUILLÉ, 2009). A relação entre fotografia e pintura tem sido um terreno de fértil reflexão sobre a origem da fotografia, sua originalidade e suas continuações. Deavid Hockney, no documentário 1 Câmera fotográfica criada por Daguerre e foi eleito pela Academia de Ciências da França para ser o considerado o inventor da fotografia. O daguerreotipo tratava-se de uma imagem negativo – positiva, feita na própria chapa de cobre revestido de mercúrio que não permitia cópias e era conhecida por ser uma imagem de grande nitidez que permitia inúmeras tonalidades de cinza. 2 O calótipo foi criado por Fox Talbot no mesmo período da invenção de Daguerre. Seu processo permitia a criação de uma imagem negativa que permitia inúmeras cópias negativas. Dimensões estéticas, cognitivas e tecnológicas de comunicação Capítulo 5 48 “The Secret Knowledge - Rediscovering the lost Tecniques of the Old Masters” demonstra os métodos óticos que eram comumente usados como base de desenho. Propõe que desde o século XV inúmeras tecnologias e métodos óticos são utilizados na busca do realismo pelos pintores e que a fotografia permitiu uma nova forma de se pensar a pintura em detrimento da pintura feita a partir do modelo de observação real. Configurando, assim, uma busca por inúmeros aparatos (câmeras escuras, câmeras claras, lupas, fisionotraços e espelhos curvos3) que permitissem ver e representar e alterar a percepção do real. Foucault (1993) ao investigar a emergência de diversos conceitos e mecanismos sociais chega à definição de aparato como um instrumento, que em determinado momento histórico foi criado para responder a uma necessidade urgente, um instrumento com uma função estratégica dominante. Os aparatos estariam sempre conectados a determinadas coordenadas do conhecimento que emergiram a partir deles e que os condicionam, consistindo em estratégias de relações de força, dando suporte e sendo suportados por determinados tipos de conhecimento. A fotografia não foi pioneira no uso da câmera escura para a produção de suas imagens, mas nunca a mão havia sido retirada do processo de produção. A fotografia nasce da junção de dois conhecimentos e de dispositivos seculares: um ótico, a câmera escura; e outro químico, a sensibilidade à luz por certos compostos. Nesse sentido, a fotografia inicia um novo limiar de imagens técnicas a partir das quais se distingui das imagens anteriores e anuncia uma nova série na qual se incluem o cinema, o vídeo e a televisão. Ao colocar uma máquina óptica e química no lugar das mãos, dos olhos e das ferramentas de desenhistas, gravadores e pintores, a fotografia redistribuiu a relação que, havia vários séculos, existia entre imagem, o real e o corpo do artista. Os lápis, os buris ou pinceis são ferramentas tão rudimentares, e tão tributárias da mão, que mão passam de simples prolongamentos dela. O artista adere à sias ferramentas e às suas imagens, e é precisamente essa unidade entre corpo-ferramenta e imagem manual que a fotografia vem quebrar, para selar um novo ela: entre as coisas do mundo e as imagens. (ROUILLÉ, 2009, p.34). Assim, colocamos a fotografia como uma urgência histórica; aparato constituído a partir de um conceito multilinear (combinando campos do saber das artes, da química e da física; relações de poder e subjetivação; contingências sociais, culturais e econômicas); e que está apoiado e apoia outros dispositivos que lhe são contemporâneos. Uma imagem que nos associa ao real, ao mundo circundante e longe para longe do artista, evidenciando o mundo de uma forma diferente da qual havia sido evidenciado até então ao fazer surgir outras evidências e propor novos instrumentos de investigação. Essa nova forma de visualizar o sujeito e as cidades fez com que artistas e poetas tivessem que conceber um ‘um vidro de visualização autoconsciente’. Ou seja, a câmera 3 Para Crary (1992), o desenvolvimento e o evento fotográfico anteriores a 1850 se deram meio a uma profunda transformação da natureza da visualidade. Período marcado por intensas mudanças na forma de se viver em sociedade. Dimensões estéticas, cognitivas e tecnológicas de comunicação Capítulo 5 49 escura por si só não seria mais suficiente para representar uma determinada visão de mundo, o que levaria ao surgimento da necessidade da invenção de um aparato o qual permitisse tanto a reflexão quanto a projeção, que fosse simultaneamente ativo e passivo na forma de representar as coisas, incorporando tanto o modo de o sujeito ver, quanto da essência do objeto visto. O dispositivo fotográfico é proporcionado e proporciona uma experiência (e sua necessidade) de representar aquilo que o homem moderno vê. É a partir desse momento, também, que se caracteriza o conceito de sujeito moderno. A fotografia, desta forma, faz parte de uma série de mecanismos que marcam uma forma específica de ver e experimentar o real, materializando um exercício de poder que penetra nas estruturas dos corpos. O ideal moderno parece permeado pela concepção de que o conhecimento é impossível fora da experiência, despertando um desejo específico e datado por imagens que representam um sujeito, o qual se coloca ao mesmo tempo como possuidor do conhecimento e objeto deste, observando e sendo observado pelo ato fotográfico. Surge, assim, a necessidade de uma reflexão sobre o próprio processo de experiência subjetiva na fotografia. A tese de Giambattista Vico (1988) de que a origem da humanidade está necessariamente ligada ao nascimento da poética, parece interessante ao permitir pensarmos a fotografia dentro de um contexto seriado de criações que se associam a um estado primordial do homem, o qual se estende por todos os tempos da nossa história, em uma teoria de que o conhecimento humano se dá privilegiadamente a partir daquilo que criamos. Assim, a possibilidade de conhecimento depende da relação de proximidade que existe entre o nosso espírito e aquilo que investigamos, o encontro entre sujeito e objeto, daquele que vê e de quem é visto. Representações que, em parte, também são auto representativas, projeções entre agente e narrador que se identificam, se coincidem, se encontram ou se projetam. A fotografia, assim, surge como a primeira imagem Moderna e a imagem matriz a partir da qual consumiríamos e criaríamos inúmeras outras imagens. A fotografia representa em parte os anseios por uma representação desenvolvida a partir do progresso da máquina e das ciências (anseios relacionados a Revolução Industrial) e de uma nova representação do homem a partir das transformações culturais, sociais e econômica do início da Era Moderna. No intuito de compreender esse momento da origem da fotografia e sua motivação original, vários historiadores tentaram fornecer uma explicação satisfatória ao relacionarem o seu surgimento com os desenvolvimentos da cultura europeia da época, como a perspectiva, o realismo e o modernismo da arte; a física, a química e a mecanização na ciência; a revolução industrial, a dominância da ideologia burguesa e sua demanda pelo retrato. Apesar de todos esses fatores terem contribuído para esse momento de desejo Dimensões estéticas, cognitivas e tecnológicas de comunicação Capítulo 5 50 e consolidação fotográfica, já que a máquina fotográfica parece personificar os anseios funcionalistas e de uma visão de mundo técnica em que a ciência, a objetividade e a máquina poderiam sugerir uma vida melhor para o futuro da humanidade, Batchen (2002), entretanto, nos alerta para o fato que tais explicações proporcionam apenas parte do entendimento, já que, sem o pensar e o desejar fotográfico de pouco adiantaria o conhecimento científico necessário para se alcançar, com sucesso, o objetivo da invenção fotográfica. Além disso, contesta-se que não há episódios que evidenciem que a ideia de fotografia surgiu diretamente a partir da experiência científica4. Vale ressaltar que a fotografia não é absolutamente ou intrinsecamente moderna, mas sempre plural. A heterogeneidade da prática fotográfica marca seu surgimento por meio dos diferentes polos de interesses, usos, discursos: como pela dualidade de Daguerre e Hippolyte Bayard; pelo antagonismo do uso da academia de Ciências e de Belas Artes; pelo contraste das imagens espelhadas e nítidas do daguerróripo e as imagens vagas do calótipo; da fotografia comercial e da fotografia artística; prática e artesã. Rouillé (2009) ressalta a coexistência e a oposição de práticas por todo o período da história da fotografia. O autor conclui que a fotografia configura-se como uma representação que desde quando era só desejo, já reconhecia suas falhas, incertezas, espaços em aberto e a subjetividade e individualidade do autor, assim como do espectador. Imagens heterogêneas e repletas de performances, as quais, mais que interpretadas como conexões e representações de uma realidade indexada, interpelam e agem sobre essa realidade, e devem ser aceitas como “idéias loucas”5. A fotografia não se configuraria como uma simples janela que permite a visualização do real, mas representa um complexo palimpsesto de expressão artística e de registro realista que leva em consideração a constante presença da natureza, fotógrafo, câmera e a imagem do outro representado, mesmo quando estes estão ausentes o autor, a máquina6. Rouillé (2009) propõe que mais do que o real ter criado a urgência fotográfica, que a fotografia cria o real. Nesse sentido, além de documentar, a fotografia expressa e constrói imaginários e discursos sobre o real. A fotografia que apareceu com a sociedade industrial relacionada com a industrialização, a expansão da metrópole, da economia monetária, durante as modificações na forma de perceber o tempo, o espaço e as comunicações; imagem que representava um 4 Da mesma forma, o retrato, defendido por tantos historiadores como a motivação primeira para a invenção fotográfica, só teria sido incorporado mais tarde ao discurso da prática como um possível uso do fazer fotográfico, tendo se dado mais por um acaso do que de forma premeditada. 5 Batchen dá nome a seu livro em referência ao termo “each wild Idea” usado em 1794 no texto do pintor Thomas Watling, Letters form na Exile at Botany-Bay, para descrever aos espectadores de seus quadros o que deveriam esperar de suas imagens, reconhecendo e declarando a dificuldade de representar, por palavras ou imagens, as características das desconhecidas paisagens onde havia sido exilado. 6 Como resultado, temos uma radical transformação de todos esses conceitos, os quais colocam em discussão algumas certezas baseadas em reflexões sobre o Iluminismo (BATCHEN, 2002), ou seja, do dilema e da pressão de duas formas de pensar a representação, como um instrumento positivista e de objetividade científica e, ao mesmo tempo, como um sistema de representação de subjetividade expressionista, nascendo do desejo de um tipo de representação que viria a ser chamada “fotografia”. Dimensões estéticas, cognitivas e tecnológicas de comunicação Capítulo 5 51 olhar mecânico transformou a fotografia na imagem ideal documentar, servir e atualizar os valores dessa sociedade. Ora, a fotografia, mesmo documental, não representa automaticamente o real; e não toma lugar de algo externo. Como o discurso e as outras imagens, o dogma de ‘ser rastro’ máscara o que a fotografia, com seus próprios meios, faz ser: construída do início ao fim, ela fabrica e produz mundos. Enquanto o rastro vai da coisa (preexistente) à imagem, o importante é explorar como a imagem produz o real. O que equivale a defender a relativa autonomia das imagens e de suas formas perante os referentes, e reavaliar o papel da escrita em face do registro. (ROUILLÉ, 2009, p18). Nesse sentido, o autor ressalta que pensar a fotografia como expressão e como construtora do real significa atentar-se justamente a alguns elementos rejeitados pela abordagem documental: a imagem, com suas formas e escritas; o autor e sua subjetividade; e o outro retratado pelo objeto fotográfico. 2 | A FOTOGRAFIA E A CIDADE LUZ O ideal moderno e a fotografia dividem um fenômeno inseparável deles: a urbanização e a ideia de expansionismo. A cidade como visto anteriormente já era a preocupação e objeto de representação no período pré-fotográfico, mas com a fotografia a cidade era fotografada de maneira moderna. A fotografia desde seus primeiros clichês já se mostrava essencialmente urbana, seja pela sua origem; pelo cenário urbano; pelo conteúdo de descrição de paisagens e materiais e pelo mapeamento do espaço e da vida urbana feitos pela sua precisão imagética; e também porque as lógicas da cidade motivaram suas escolhas técnicas7. As fotografias de Eugène Atget8 da moderna Paris causam um estranhamento sobre o esvaziamento das pessoas, das massas, tão características dos centros urbanos. Imagens associadas por Benjamin (1994) a uma cena de um crime, esvaziada de sua vida que usa a ausência como elemento de suspense. Andanças fotográfica em na busca desesperada de se registrar tudo aquilo que vai desaparecer. “Se há algum assassinato, é o do velho pelo novo” (Rouillé, 2009, p.46). Fotografias da rua e da cidade sem nenhuma pessoa desafiam o gênero ainda hoje faziam com que o próprio autor se considerasse mais ‘coletor de documentos’ do que um fotografo artista. Em suas imagens de vitrines, habitadas pelos corpos artificiais dos manequins de sorrisos cadavéricos, rodeados por mercadorias e seus valores, vê-se o reflexo da rua com signo das contradições modernas de forma que o espaço público e a mercadoria privada se encontram e que consumidor e objeto de consumo se confundem. Nas imagens urbanas de 7 Aqui faz-se referencia à oposição entre a técnica do negativo –vidro (colódio) r o negativo-papel (calótipo) que unem duas posturas fotográficas que se distinguem pela preferencia por uma imagem nítida versus uma imagem desfocada; da temática do retrato à da paisagem; do espaço de um estúdio ou de exterior ou espacial (cidade ou interior). 8 Foi descoberto por Man Ray, que o publicou na revista La Revolution Surréaliste, teve seu valor também reconhecido pela fotógrafa norte-americana Berenice Abbot. Assistente de Man Ray à época, se aproximou de Atget, recolhendo e divulgando sua obra de mais de quatro mil imagens e dez mil negativos. Dimensões estéticas, cognitivas e tecnológicas de comunicação Capítulo 5 52 Atget, o homem moderno nessas imagens parece desprovido de seu corpo, seus sentidos, suas vísceras. “A urbanização e a modernidade provocou mudanças antropológica essenciais: o desenvolvimento do intelecto em detrimento da sensibilidade”(ROUILLÉ, 2009, p.44).Só resta uma casca, um corpo que sofreu taxidermia, oco de essência. Suas imagens destacam, portanto, o contraste entre a cidade como permanente, ou algo que se deva lutar para que permaneça e o transitório (o homem). A sua vasta obra “documental” de mais de oito mil imagens em grande formato um trabalho de feito em mais de vinte anos procurou eternizar a beleza da arquitetura histórica da cidade e dos seus pequenos detalhes comuns e corriqueiros como portas, maçanetas, padrões de pedras. Para Benjamin (1985), as fotografias de Atget representam a revitalização da fotografia ao reconectá-la com a realidade na documentação de um mundo esvaziado da presença humana. Imagens percursoras das fotografias surrealistas, pelos espaços solitários e alienados do indivíduo moderno. A fotografia se apresenta como um devir, uma possibilidade, dissolução da forma e instauração de novas possibilidade e novas relação de produção do real. O surgimento das cidades como centros urbanos marcam a transição de uma vida nas pequenas cidades que eram marcadas pelos laços afetivos e pela sensibilidade. A lógica do racionalismo, do utilitarismo e do individualismo marcam a epistemologia moderna. O corpo moderno adapta-se a uma nova experiência com uma compreensão do tempo como um fenômeno mais intenso e nervoso e passa a ser regido pelo relógio da produção e do obturador e pelos encontros instantâneos das vidas urbanas. A fotografia quando surge depende de longas exposições para a formação da imagem, ainda assim, representava um processo de produção maquínica, objetivo, quantitativo e rápido em relação às produções imagéticas pré-moderna. Essa produção é exemplificada pelas fotografias de Atget. Com efeito: as fotos parisienses de Atget são as precursoras da fotografia surrealista, a vanguarda do único destacamento verdadeiramente expressivo que o surrealismo Dimensões estéticas, cognitivas e tecnológicas de comunicação Capítulo 5 53 conseguiu por em marcha. Foi o primeiro a desinfetar a atmosfera sufocante difundida pela fotografia convencional, especializada em retratos, durante a época da decadência. Ele saneia essa atmosfera, purifica-a: começa a libertar o objeto de sua aura, nisso consistindo o mérito mais incontestável da moderna escola fotográfica. [...] Ele buscava as coisas perdidas e transviadas, e, por isso, tais imagens se voltam contra a ressonância exótica, majestosa, romântica, dos nomes das cidades; elas sugam a aura da realidade como uma bomba suga a água de um navio que afunda. (BENJAMIN, 1994, p.100- 101). Com o tempo, viu-se aquilo que Benjamin (1994) chamou de declínio da fotografia, com o desenvolvimento da indústria fotográfica, as exposições foram diminuindo de tempo, as lentes se tornaram mais claras, a fotografia se tornara instantânea. O material fotográfico, agora leve barato, incentivava a mobilidade do corpo do fotógrafo pelo espaço massificado do urbano. O ritmo alucinado das vidas e dos centros urbanos passou a exigir uma imagem pontual, precisa, exata que poderia guardar a brevidade dos encontros mais efêmeros. Presencia-se a crise dos valores auráticos da obra de arte, nada mais é original ou único. O fotografo que, talvez, melhor incorporou o valor do instante urgente do mundo moderno foi Cartie-Bresson, o pai do “instante decisivo”. “Viver o instante presente, somente isso é válido. A vida é imediata e lancinante. A notícia pertence ao passado. Esse é o ensinamento de sua Leica”. (AUSSOLINE, 1953, p.12). Para o autor, Cartie-Bresson adquiriu o vírus e a obsessão da geometria. Somente por meio da estrutura elegante dos princípios da harmonia, o gosto pelas regras de composição ( dos ritmos, das escalas, do poder da linha, das regras dos terços e da proporção áurea) poderia estruturar e encontrar ordem no caos urbano e universal. A disciplina do olhar, o cálculo perfeito da entrada de luz, a máquina pequena e portátil portava o negativo fotográfico. Sem disciplina não há liberdade. Ao mesmo tempo, tenta se esquecer de tudo que aprendeu com os metres da pintura e se desvencilhar de suas amarras lógicas. O estudo da paisagem, sempre representou um desafio instigante e central em todo o desenvolvimento do conhecimento imagético. Só assim, pode-se fotografar com a alma. No esquecimento de todo o conhecimento racional encontra a espontaneidade, a consciência de se viver um momento excepcional. A câmera se torna a extensão do seu olhar, uma forma de acesso ao real. “[…] a técnica mais exata pode dar às suas criações um valor mágico que um quadro nunca mais terá para nós. Apesar de toda a perícia do fotógrafo e de tudo o que existe de planejado em seu comportamento, o observador sente a necessidade irresistível de procurar nessa imagem a pequena centelha do acaso, do aqui e agora, com a qual a realidade chamuscou a imagem, de procurar o lugar imperceptível em que o future se aninha ainda hoje em minutos únicos, há muito extintos, e com tanta eloquência que podemos descobri-lo, olhando para trás. A natureza que fala à câmera não é a mesma que fala ao olhar. (BENJAMIN, 1994, p.94). Na obra de Bresson encontra-se fortemente a presença o caráter mágico em Dimensões estéticas, cognitivas e tecnológicas de comunicação Capítulo 5 54 contraste com a racionalidade técnica da fotografia ressaltados por Benjamin (1994) como um elemento vivo nas fotografias. Esse caráter mágico na obra de Bresson talvez seja visível pela própria mágica da matemática, a mágica da confluência e do encontro de determinados elementos em único instante, em um único recorte traduzidos na expressão: o instante decisivo. Ao se olhar uma fotografia de Bresson, como as imagens anteriores é impossível não se maravilhar com a mágica do instante em que determinados elementos se encontram no enquadramento fotográfico. Na primeira imagem, o encontro da beleza das linhas e formas arquitetônica com a suavidade do corpo feminino e a leveza do voo das pombas. Na segunda imagem somos impressionados pela mágica do encontro de dois elementos improváveis o pulo da bailarina no pôster, que se apresenta com uma janela de luz na paisagem escura, e o pulo de um senhor, atrasado para o trabalho, com seu possível terno pesado e sapatos desconfortáveis. Encontramos em ambas as imagens a leveza e a poética do cotidiano na estruturada prosa urbana. Dimensões estéticas, cognitivas e tecnológicas de comunicação Capítulo 5 55 Stuart Hall (1997) ao estudar a representação da fotografia humanista francesa e seu papel na reconstrução do pós-guerra, 1944 à 1950, ressalta o poder de construção de um conceito de “francesidade” por essas imagens. Nesse sentido, ressalta que a representação desse espaço urbano, nesse período, de determinados eventos, de seus habitantes e estilos de vida foi uma decisão consciente de alguns fotógrafos e da própria imprensa. Ou seja, a representação é uma construção. A fotografia é um corpo de prática e valores estéticos e ao encontrar uma estrutura de paradigma torna-se mais fácil compreender suas regras de representação características do paradigma humanístico. Categorizou assim a abordagem do corpo imagético da prática em seis elementos centrais: universalidade das emoções humanas; um enquadramento histórico; o foco na cotidianidade da classe popular; a empatia e o sentimento de cumplicidade com os sujeitos retratados; o comum que unem estilos de vida entre espectadores e fotografados e, por último, o fator monocromático das imagens retratadas. Os principais assuntos foram: a rua; as crianças; a família; o amor e os amantes; Paris e seus pontos belos; personagens marginais; festas e celebrações; bistrôs; casas e condições de moradia e trabalhos. Por meio desses da observação e da exploração desses elementos Bresson ajudou a ressaltar a beleza e a força do povo francês cuja moral e autoestima haviam sido massacrados pela Segunda Guerra e seus ideais. Parece óbvio que Bresson, parte desse corpo de fotógrafos, não poderia fotografar tudo. Na seleção dos objetos e dos temas encontramos os motivos pessoais e os valores do fotógrafo. Esse princípio e o resultado da análise de Stuart (1997) entram em contraste com a crença de Bresson de ser um observador invisível. Bresson não acreditava no tratamento de pós-edição das imagens, nem mesmo no uso do flash que invade e artificializa o instante, descarta até mesmo a possibilidade de pose. Para Bresson a magia da imagem era possível no alinhamento, na presença íntegra do coração, da cabeça e do olho no Dimensões estéticas, cognitivas e tecnológicas de comunicação Capítulo 5 56 momento presente. 3 | CONCLUSÃO A fotografia não foi a primeira forma de representação ao tentar abarcar com o olhar o espaço urbano, ou a representar o rosto do homem comum e seu estilo de vida. Mas certamente a fotografia criou uma realidade a partir das suas representações do espaço urbano, dos eventos vivenciados por seus habitantes, da arquitetura, do amor, da lógica de consumo e do senso de pertencimento a um lugar. A fotografia também transformou a nossa forma de pensar a arte, o real, o sagrado e tempo na modernidade. A fotografia mesmo quando sem intuito da criação artística como a fotografia de Atget em que o objetivo parecia ser uma análise sistemática de documentação do espaço urbano por meio do olhar guarda também em si uma característica cultural e por isso representacional. Atget esvazia Paris, o documentarista que recusou o título de artista transcreveu um conceito para imagem, o de esvaziamento humano, de forma que a construção e a expressão imagética está implícita e não a reprodução da realidade. Assim, a imagem fotográfica além de documentar apresenta um recorte do real, uma seleção consciente de temas e abordagens que permitem a possibilidade de uma acesso a esse real único. Assim a subjetividade apresenta-se como uma característica da experiência que integra corpo do fotógrafo, espaço urbano e imagem. A representação fotográfica da cidade evidencia ao mesmo tempo os condicionamentos sociais, o espaço geográfico e o contexto do cotidiano das representações e dos seus significados. A fotografia introduz em suas imagens valores análogos aos valores sociais e urbanos que transformam a vida, a sensibilidade dos habitantes das cidades modernas e os gostos artísticos. Evidenciados nas fotografias de Bresson pela beleza da harmonia em meio ao caos, a instantaneidade e brevidade dos encontros e o desejo único pelo presente. A concepção de uma fotografia como documento do real permitiu o seu domínio pelos ideais A representação do urbano é uma marca, porque exprime uma civilização, mas é também percepção, concepção e ação – isto é, da cultura – que canalizam certo sentido a relação de uma sociedade com o espaço e com a natureza. Essa imagem é resultado material de ideias e concepções de mundo, de relação com o tempo caótico do urbano. REFERÊNCIAS AUSSOLINE, Piere. Henri Cartie-Bresson: o olhar do século. Tradução: Julia da Rosa Simões. Editions Plon: Porto Alegre, 1953. BATCHEN, Each Wild Idea: wrting photography history. Massachusetts: MIT Press, 2002 Dimensões estéticas, cognitivas e tecnológicas de comunicação Capítulo 5 57 BENJAMIN, Walter. Magia e técnica, arte e política: Ensaios sobre literatura e história da cultura. Obras Escolhidas, volume 1. Tradução: Sérgio Paulo Rouanet, 1987. CRARY, Jonathen. Techniques of the Observer: on vision and modernity in the nineteenth century. Massachusetts, London, 2005. FOUCAULT, Michell. As palavras e as coisas: uma arqueologia das ciências humanas. Tradução de Salma Tannus Muchail. Ed. 9ª. Editora Martins Fontes: São Paulo, 1993. HALL, Stuart. Representation: cultural representations ans signifying practices. SAGE Publications: London, 1997. ROUILLÉ, André. A fotografia entre documento e arte contemporânea: entre documento e a arte contemporânea. Tradução Constancia Egrejas. São Paulo: Editora Senac, 2009. ROSÁRIO, Lúcio. A pintura, o realismo e a sua relação com a fotografia, 2016. Disponível em:https://iconline.ipleiria.pt/bitstream/10400.8/1669/1/Lúcio_Francisco_Viralhadas_do_Rosário_ Parte_I.pdf VICO, Giambattista. Princípios de uma ciência nova: acerca da natureza comum Volume II. Editora Globo, SA. Rio de Janeiro,1972. Dimensões estéticas, cognitivas e tecnológicas de comunicação Capítulo 5 58 CAPÍTULO 6 USOS DO ESPETÁCULO COMO ESTRATÉGIA NA IMPRENSA Data de aceite: 01/05/2022 Beatriz Dornelles Pós-doutora em Comunicação pela Universidade Fernando Pessoa/PT (2009), Mestrado e Doutorado em Comunicação pela Universidade de São Paulo (1991/1999), graduação em Jornalismo pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (1982). Professora titular do PPGCom da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul e editora executiva da Revista Famecos Fabíola Brites Mestre em Comunicação Social pelo PPGCom da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul Este trabalho foi apresentado no GP História do Jornalismo, XVIII Encontro dos Grupos de Pesquisas em Comunicação, evento componente do 41º Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação. RESUMO: Este artigo analisa qualitativamente o interesse da mídia que investe na estratégia espetacular como forma de atrativo. Trata da relação que a imprensa escrita tem com o espetáculo de uma forma em geral, os usos que faz dele e em que medida tira proveito ou é traída por ele. A reflexão tem como bases teóricas as ideias de Mario Vargas Llosa, expressas na obra “A civilização do espetáculo”, e de autores que se dedicaram à problemática. Como objeto para a análise são utilizadas notícias publicadas pelo jornal O Sul, nos anos de 2011 e 2018, Dimensões estéticas, cognitivas e tecnológicas de comunicação selecionadas de forma não-probabilística, para atender ao objetivo desta pesquisa. Concluise que o jornalismo contemporâneo deve ser atrativo, sem apelar para o sensacionalismo. PALAVRAS-CHAVE: espetáculo; história do jornalismo; jornalismo impresso; jornalismo; comunicação. ABSTRACT: This article qualitatively analyzes the interest of the media that invests in the spectacular strategy as a form of attraction. It deals with the relationship that the written press has with the spectacle in general, the uses it makes of it and the extent to which it takes advantage or is betrayed by it. The reflection is theoretically based on the ideas of Mario Vargas Llosa, expressed in the work “The civilization of the spectacle”, and of authors who have dedicated themselves to the problem. As an object for the analysis, news published by the newspaper O Sul, in the years 2011 and 2018, selected in a non-probabilistic way, are used to meet the objective of this research. It is concluded that contemporary journalism must be attractive, without resorting to sensationalism. KEYWORDS: Show; history of journalism; printed journalism; journalism; Communication. INTRODUÇÃO No período em que este artigo foi redigido, acontecia a Copa do Mundo na Rússia. No Brasil, aulas em escolas e universidades são suspensas, empresas dão folgas a seus funcionários ou negociam trocas de turnos, repartições públicas alteram seus horários de funcionamento. Tudo para que as pessoas Capítulo 6 59 possam torcer pelas equipes. Um fenômeno que ocorre também em outras partes do mundo e reflete o interesse pelo futebol, considerado sinônimo de diversão, alegria, paixão, entretenimento. Um exemplo perfeito da era em que vivemos: a do espetáculo. Muito já foi dito sobre ela e com muita propriedade. O que interessa a este artigo é a relação que a imprensa escrita tem com o espetáculo de uma forma em geral, os usos que faz dele e em que medida tira proveito ou é traída por ele. Para a reflexão, o artigo analisa, à luz das ideias de Mario Vargas Llosa, expressas na obra “A civilização do espetáculo” (2013), e de autores que se dedicaram à problemática, o jornal O Sul, editado em Porto Alegre. Entender a relação da imprensa com o espetáculo se justifica na medida em que cada vez mais meios de comunicação fazem uso desta estratégia para atrair audiência. Antes de partir para a análise, faz-se necessária uma breve apresentação do objeto desta reflexão. O jornal O Sul pertence ao grupo Rede Pampa de Comunicação (O SUL), proprietário de emissoras de rádio e TV no Rio Grande do Sul, na região sul do Brasil. O jornal circulou na forma impressa de julho de 2001 a abril de 2015, e, desde então, mantém sua página na internet com acesso livre aos internautas. Na plataforma on-line disponibiliza a edição diária completa em PDF e também edições anteriores, período em que circulou em papel. As notícias e reportagens, tanto as publicadas on-line como as que constam no PDF, incluindo as do período em que circulou impresso, são uma coletânea de textos divulgados na imprensa brasileira com fotos de reprodução. O público-alvo são as classes A e B, tanto no período em que era vendido em banca e por meio de assinaturas, tendo que custear a impressão no papel, quanto na fase atual, após ter migrado para a internet, com acesso gratuito aos internautas. O que é espetáculo Espetáculo, conforme Debord, “nada mais seria que o exagero da mídia, cuja natureza, indiscutivelmente boa, visto que serve para comunicar, pode às vezes chegar a excessos” (DEBORD, 1997, p. 171). E é sobre esses que este texto trata. Como explica Llosa (2013), em sua definição sobre civilização do espetáculo, esta é a era em que o entretenimento reina soberano. A era da página de variedades, como nos faz perceber Maffesoli (2015), que critica o fato de a imprensa buscar teses simples, apresentadas de forma resumida para divulgar. Um período em que tudo na sociedade tem um viés de divertimento. Um ideal legítimo, sustenta Llosa, que problematiza a questão: “Mas transformar em valor supremo essa propensão natural a divertir-se tem consequências inesperadas” (LLOSA, 2013, p. 30). Além da banalização de temas caros à sociedade, como a cultura e a proliferação do que o autor classifica como jornalismo irresponsável da bisbilhotice e do escândalo, este artigo especula se transformar tudo em espetáculo pode vir a ser um remédio amargo demais para a própria mídia que faz uso dele. Dimensões estéticas, cognitivas e tecnológicas de comunicação Capítulo 6 60 Ainda, tomando o futebol como exemplo, voltemos à Copa do Mundo. Quatro dias antes de a competição se iniciar, O Sul estampou em sua capa/PDF (10 de junho de 2018) o maior craque da Seleção Brasileira de Futebol no momento, Neymar, ao lado da não menos famosa e, por que não dizer, midiática ou espetacular – as duas palavras se equivalem como sinônimos nesta situação –, a atriz Bruna Marquezine, namorada do jogador. O título: “Neymar e Bruna Marquezine são o casal mais popular do país na internet” (O SUL, 10 jun. 2018). A notícia (ver figura 1) segue na página 60 da publicação (ver figura 2), com o mesmo título e a mesma foto em que o atleta exibe visual de astro de cinema ao lado da atriz. Um leitor mais atento pode argumentar que se trata de uma edição de domingo, em que os jornais, tradicionalmente, abordam temas mais amenos. A questão é que tudo virou edição dominical, como constata Habermas: “[...] fazem com que surja uma ainda mais difundida imprensa-de-fim-de-semana, com a tal da ‘acessibilidade psicológica’, que, desde então, configura as feições da imprensa comercial de massas” (HABERMAS, 1984, p. 199). Figura 1: Neymar e Bruna Marquezine são capa de O Sul. Fonte: Jornal O Sul, 10 jun. 2018. Dimensões estéticas, cognitivas e tecnológicas de comunicação Capítulo 6 61 Figura 2: Notícia sobre jogador e atriz aparece em abertura de página. Fonte: Jornal O Sul, 10 jun. 2018 A estratégia, como se percebe, não é nova. Nem a tática de escalar o futebol para driblar o noticiário áspero e contrabalançar notícias como “A presidente do Supremo, Cármen Lúcia, cancelou palestra em hotel em que se reunia a cúpula do PT” (O SUL, 10 jun. 2018), a principal manchete da capa no dia em que o casal 20 da internet brasileira é destaque. Já na Grécia antiga, como relembra Llosa, o cultivo do corpo e, pode-se deduzir, dos esportes, “era simultâneo e complementar ao cultivo do espírito” (LLOSA, 2013). Hoje, no entanto, sobressai-se à questão intelectual. Dentre os esportes, nenhum goza de tanto prestígio quanto o futebol. Rivais dos atletas na preferência da mídia para ilustrar suas páginas e intercalar com as notícias que dão conta da agudeza da vida estão atores, cantores e modelos transformados em celebridades. Desses, até políticos querem tirar partido, posando ao lado deles quando estão em campanha, em busca de aumentar sua popularidade. Dimensões estéticas, cognitivas e tecnológicas de comunicação Capítulo 6 62 A banalização da estratégia Na civilização do espetáculo, como explica Llosa, “a política passou por uma banalização talvez tão pronunciada quanto a literatura, o cinema e as artes plásticas” (LLOSA, 2013, p. 44). O que significa que aquele mandatário que quiser, literalmente, aparecer bem na foto do jornal ou no noticiário da televisão tem que retocar a tintura do cabelo, escolher um terno bem cortado e posar ao lado de celebridades do entretenimento. Se casar com uma modelo e cantora, e for frequentemente fotografado na companhia dela como o ex-presidente francês Nicolas Sarkozy, o lugar em fotos legenda com potencial para se destacar como manchete está garantido. Nesse caso, O Sul serve de exemplo. No período em que esteve sob os holofotes como primeira-dama francesa, Carla Bruni foi figura constante nas páginas do jornal local porto-alegrense. Durante a fase de sua gestação, a cantora foi fotografada de biquíni na praia ao lado do marido. A notícia foi publicada em capa do caderno principal e contracapa de caderno secundário, em matéria de página inteira, na edição de 12 de julho de 2011 (ver figuras 3 e 4), quando o jornal ainda circulava na forma impressa. Junto ao título do texto- legenda que ostentou na capa “Presidente da França e primeira-dama flagrados em banho de mar” (O SUL, 2011), imagem e notícia ressaltam a gravidez da celebridade: A primeira-dama da França, Carla Bruni, que até bem pouco tempo não assumia estar grávida do presidente Nicolas Sarkozy, agora desfila seu protuberante barrigão de aproximadamente seis meses. O casal foi fotografado no Forte de Brégancon, no Sul da França. Página 8 - Caderno Reportagem (O SUL, 12 jul. 2011, capa). Dimensões estéticas, cognitivas e tecnológicas de comunicação Capítulo 6 63 Figura 3: Nicolas Sarkozy e Carla Bruni em capa de O Sul. Fonte: Jornal O Sul, 12 jul. 2011. Dimensões estéticas, cognitivas e tecnológicas de comunicação Capítulo 6 64 Figura 4: Presidente francês e primeira-dama em notícia de página inteira. Fonte: Jornal O Sul, 12 jul. 2011. Neste quesito, o jornal gaúcho demonstra sintonia com a imprensa francesa que, conforme Llosa, criou uma “pirotecnia midiática” (2013, p. 44) em torno de madame Sarkozy. Se até a França, como destaca o autor, que se orgulhava de manter a política no âmbito das ideias e do desenvolvimento intelectual, descambou para a frivolidade, o que esperar das empresas de mídia do campo periférico? “A fronteira que tradicionalmente separava o jornalismo sério do sensacionalista e marrom foi perdendo nitidez, enchendo-se Dimensões estéticas, cognitivas e tecnológicas de comunicação Capítulo 6 65 de buracos, até se evaporar em muitos casos”, diz Llosa (2013, p. 47). Cada vez mais ocupando o lugar da palavra no protagonismo cultural e literário, a imagem é a soberana da civilização do espetáculo (LLOSA, 2013), a sustentação de tudo, segundo argumentou Debord (1997). Mas, ao contrário desse que nos sugere que só se anunciam tolices na imprensa, este artigo compartilha das ideias de Llosa (2013) na medida em que o autor reconhece que “nenhum jornal, revista e noticiário hoje poderá sobreviver – conservar um público fiel – se desobedecer cabalmente às características distintivas da cultura predominante da sociedade e do tempo em que atua” (LLOSA, 2013, p. 51). Desde que não leve o culto ao espetáculo às últimas consequências, saturando suas páginas com celebridades fora de contexto, usando-as como chamariz. Como bem lembra Llosa, o jornalismo também tem como função “orientar, assessorar, educar e esclarecer o que é verdadeiro ou falso, justo e injusto, bonito e execrável no vertiginoso vórtice da atualidade, em que o público se sente perdido” (LLOSA, 2013, p. 51). Quando se apela para a barriga de uma primeira-dama grávida durante suas férias na praia, ao lado do marido, para vender jornal, o leitor pode não comprar a ideia. Ou, quando muito, pode comprar durante um certo período, mas com o passar do tempo acaba percebendo o engodo. Carla Bruni grávida de biquíni nas páginas de “Caras” ou de qualquer outra revista de celebridades, em que o contrato parece muito bem estabelecido com o leitor, sugere uma oferta justa para o que o acordo entre público e veículo se propõe. Já como capa de um jornal local, há quilômetros de distância do Forte de Brégancon, que tem como público-alvo camadas mais elevadas em termos econômicos, culturais, sociais e intelectuais da população na qual está inserido, não parece ter outro sentido senão a comercialização de exemplares. Vender notícia é, por certo, o negócio do qual vivem empresários e jornalistas, trabalhadores da indústria da mídia. Tem sido assim há tempos. “A história dos grandes jornais na segunda metade do século XIX demonstra que a própria imprensa se torna manipulável à medida que ela se comercializa” (HABERMAS, 1984, p. 217). Manipulável da própria ganância, pode-se afirmar, visto o exagero com que recorre ao espetáculo para vender seu produto. O direito à liberdade de informação O “sacrossanto” direito à bisbilhotice, sobre o qual fala Llosa (2013) e ao qual parte da mídia recorre para justificar sua sanha em retratar celebridades, transforma uma ida ao supermercado em algo espetacular. Para o leitor que até aqui pode ter ficado tentado a relevar as escolhas de Neymar/Bruna Marquezine e Carla Bruni/Sarkozy para a capa de um jornal local, convém destacar mais um exemplo que trata do exagero da relação que a imprensa tem com o espetáculo e os usos que faz dele. Ainda no período de sua versão impressa, quando, é bom frisar, além de se manter rentável, precisava custear os gastos com a impressão em papel, tendo que, consequentemente, tornar-se atrativo aos olhos Dimensões estéticas, cognitivas e tecnológicas de comunicação Capítulo 6 66 do público, O Sul reservou capa mais página interna para mostrar Kate Middleton, que há poucos dias havia casado com o Príncipe William, em uma ida às compras (O Sul, 7 maio 2011). Sobreposto à foto, o título “Nova princesa já vai ao supermercado como se fosse uma pessoa comum” (O SUL, 7 maio 2011) é repetido em duas linhas de cinco colunas em página interna do jornal (ver figuras 5 e 6). A notícia repete também a foto da princesa empurrando um carrinho de compras. Figuras 5 e 6: Ida de princesa às compras é notícia de capa em O Sul. Fonte: Jornal O Sul, 7 maio 2011. A revelação da intimidade de famosos, sobretudo se forem figuras públicas, é amparada no direito à liberdade de informação, como lembra Llosa (2013). Revelar a privacidade de todos, principalmente de pessoas públicas, é algo a qual os órgãos de imprensa “são obrigados a levar em conta se quiserem sobreviver e não ser alijados do mercado” (LLOSA, 2013, p. 49), contribuindo para a consolidação de uma sociedade voltada para a frivolidade. À crítica do autor, este artigo faz uma ressalva. Defende que essa “obrigação” talvez não seja de fato tão imposta assim. Parece, em determinados momentos, muito mais algo do qual a mídia, aqui representada por O Sul, lança mão em seu proveito próprio. Estar sintonizado com as características da cultura e da época na qual está inserido, como foi destacado em parágrafos anteriores, é diferente de forçar uma situação, banalizar o próprio espetáculo do qual se alimenta, colocando o culto à celebridade e à diversão como regra. Do contrário, como justificar que a cunhada do Príncipe William, que nem à família real pertence, mereça meia página no jornal porto-alegrense, logo abaixo Dimensões estéticas, cognitivas e tecnológicas de comunicação Capítulo 6 67 da notícia da irmã princesa (ver figura 6)? O fato de aparecer de sutiã em uma das imagens pode ajudar na resposta. A proximidade com a realeza faz com que a tia dos bisnetos da Rainha da Inglaterra mantenha-se no interesse de O Sul ainda em 2018, quando vira abertura de página com o título “Pippa Middleton confirmou que está grávida do primeiro filho” (O SUL, 10 jun. 2018), deixando o ator George Clooney como notícia secundária (ver figura 7). Figura 7: Gestação de cunhada de príncipe repercute em jornal porto-alegrense. Fonte: Jornal O Sul, 10 jun. 2018. Mas, afinal, por que este espetáculo exagerado? De fato precisamos de esporte, cinema, magia, lazer, diversão. Do contrário, a vida fica muito chata, enfadonha. Ninguém sobrevive se pensar 24 horas por dia, 365 dias por ano, somente em economia ou política ou qualquer outro tema que for. Somos complexos, como bem identificou Morin em sua teoria da Dimensões estéticas, cognitivas e tecnológicas de comunicação Capítulo 6 68 complexidade. Nosso conhecimento é ao mesmo tempo físico, biológico, cerebral, mental, cultural, social (MORIN, 2008). Talvez por isso mesmo nos interessemos pela atuação de Neymar dentro de campo e tenhamos curiosidade em saber quem ele está namorando, tenhamos a necessidade em ficar a par dos rumos da União Europeia e queiramos saber quem é a cantora que tira o sono de um dos líderes mundiais em determinado momento. E aí se explica em parte o interesse da mídia que investe no espetáculo como atrativo. Mas isso não significa que não tenhamos poder de discernimento. E quando este artigo fala sobre “nós”, claro que há de se fazer uma constatação, óbvia, por sinal, mas necessária. Nem todos estão no mesmo patamar de entendimento. Assim como nem toda a mídia apela para o espetáculo em demasia, nem todo leitor rechaça o apelo a celebridades e ao entretenimento para vender notícia de jornal. Interessa a este artigo, no entanto, contribuir para a reflexão sobre os motivos que levam ao exagero e suas prováveis consequências. O PODER DA RECEPÇÃO Um dos resultados do excesso do uso do espetáculo como estratégia para vender notícia pode ser a repulsa de leitores. O Sul durou pouco mais de uma década como jornal impresso. Não convém a este artigo investigar os motivos pelos quais encerrou a publicação em papel. Especular, no entanto, o desinteresse dos leitores em um jornal que faz uso demasiado de celebridades e do espetáculo como notícia de primeira página pode ser uma linha de raciocínio que mereça certo aprofundamento. Já se constatou o poder da recepção, também amplamente estudado por teóricos. A contra-estratégia das próprias massas contra o poder, abordada por Baudrillard (1991), pode muito bem ter o seu equivalente na contra-estratégia das próprias massas contra a própria mídia. “São os media que induzem as massas ao fascínio, ou são as massas que desviam os media para o espectacular?” (BAUDRILLARD, 1991, p. 110), pergunta o autor. Se a resposta indicar as massas como agentes, então é lógico crer que são elas que dão a medida exata deste espetacular, não perdoando desvios nem exageros por parte da mídia. Quem comanda o espetáculo é o leitor. A mídia que, gananciosa, quiser valer-se deste espetáculo para atraílo, poderá até usufruir de certo ganho, mas corre sérios riscos de perder público. O poder da audiência também é objeto de reflexão de Wolton (2011), que afirma que esse cresceu. “Os receptores negociam, filtram, hierarquizam, recusam ou aceitam as incontáveis mensagens recebidas, como todos nós, diariamente” (WOLTON, 2011, p. 18). Se fazem isso com temas da mais ampla variedade relacionados ao seu cotidiano, por que não haveriam de fazer com a própria mídia? Se, em relação à opinião pública, a mídia “não pode tudo, não tem todos os poderes” (LIPOVETSKY, 2004, p. 68), não pode também impor um espetáculo generalizado, pressupondo que, por gostar, querer e até precisar de um certo alívio no seu dia a dia, consumindo notícias consideradas mais amenas, o receptor vá aceitar tudo, vá preferir ver estampada na capa de um jornal local a barriga Dimensões estéticas, cognitivas e tecnológicas de comunicação Capítulo 6 69 de uma primeira-dama europeia e não questões relacionadas ao seu dia a dia. E, já que a mídia não é tão manipuladora assim, como também nos faz entender Eco (1984), “[...] o problema que deve propor-se o cientista das comunicações é este: é idêntica a composição química de cada ato comunicativo?” (ECO, 1984, p. 167). Publicar a foto de uma princesa empurrando um carrinho de supermercado em uma página da seção de variedades é o mesmo que publicá-la na capa, como notícia de primeira grandeza? CONSIDERAÇÕES FINAIS Se não depende do jornalismo modificar os rumos desta civilização do espetáculo que ele contribuiu para construir, cabe, no entanto, refletir sobre o uso que faz desse espetáculo, identificar a fronteira do aceitável, pertinente, e a do descabido, desproporcional. Entender que, embora uma parcela do público consuma esse gênero de notícia espetacular, isso não significa que esse consumo se dê o tempo todo, em todo local, aplicado a todos os temas da vida cotidiana. O desafio que se impõe aos profissionais e à mídia é encontrar a dosimetria a ser aplicada. Manter-se atrativo, cumprindo suas funções sem apelar para o sensacionalismo, é o estímulo a ser perseguido pelo jornalismo contemporâneo. Desde que, ainda no século XIX, passou de um modelo propagandista, com objetivos políticos, para o paradigma da informação, o jornalismo encara o desafio de captação de público por meio da venda de notícias. Como um produto, elas devem ser atraentes, convidativas à leitura e sobressaírem-se no emaranhado cenário informativo dos nossos dias, em que o público cada vez mais tem acesso a todo tipo de conteúdo por diferentes plataformas midiáticas. Mas as notícias não precisam nem devem ser espetacularizadas em seções tradicionalmente reservadas ao debate de assuntos caros, considerados relevantes para a sociedade. Do contrário, o público percebe. A história do jornalismo mostra que, além de identificar o exagero com o qual a imprensa tenta se valer do espetáculo para comercializar seu produto, a sociedade e os próprios profissionais rotulam essas práticas. Um exemplo é o que no Brasil se convencionou chamar de imprensa marrom, ainda presente em alguns meios de comunicação. A reflexão sobre os motivos que levam ao exagero por parte da imprensa na espetacularização da notícia passa, sem dúvida alguma, pela necessidade justa de se destacar aos olhos do leitor. Porém, erra-se na medida. Um equívoco antigo, como este artigo procurou demonstrar, mas que é penalizado por esse mesmo leitor quando detecta a estratégia. E o espetáculo, que em certo momento é aliado da mídia e de seus profissionais, torna-se, então, protagonista de um caso de traição, revelando as intenções de atores despreparados para lidar com um público bem mais exigente do que se imagina. A partir da prática jornalística efetuada no jornal O Sul, podemos inferir que o impresso foi criado prioritariamente para atender fins comerciais. Sendo esse o objetivo principal, verificamos a necessária presença de jornalistas formados nas universidades, Dimensões estéticas, cognitivas e tecnológicas de comunicação Capítulo 6 70 no comando das políticas editoriais, uma vez que esses são preparados para assumirem seu papel na sociedade como “mediadores sociais”. É claro que as empresas precisam comercializar a notícia, mas não à custa do extermínio das funções jornalísticas. E também é de conhecimento público que o maior interesse dos leitores está nas reportagens que retratam os acontecimentos locais. REFERÊNCIAS A PRESIDENTE do Supremo, Cármen Lúcia, cancelou palestra em hotel em que se reunia a cúpula do PT. O Sul, Porto Alegre, 10 jun. 2018. Disponível em: <http://online.osul.com.br/inicial/sistema_interno. php?DATA_EDICAO=10/06/2018>. Acesso em: 23 jun. 2018. BAUDRILLARD, Jean. Simulacros e simulação. Lisboa: Relógio d’água, 1991. DEBORD, Guy. A sociedade do espetáculo: comentários sobre a sociedade do espetáculo. 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Disponível em: <http://online.osul.com.br/inicial/sistema_interno.php?DATA_EDICAO=07/05/2011>. Acesso em: 23 jun. 2018 O SUL. Porto Alegre. Disponível em: <http://www.osul.com.br/>. Acesso em 24 jun. 2018. O SUL. Sobre O Sul. Porto Alegre. Disponível em: <http://www.osul.com.br/sobre-o- sul/>. Acesso em: 23 jun. 2018. PRESIDENTE da França e primeira-dama flagrados em banho de mar. O Sul, Porto Alegre, 12 jul. 2011. Disponível em: <http://online.osul.com.br/inicial/sistema_interno.php?DATA_EDICAO=12/07/2011>. Acesso em: 23 jun. 2018 PIPPA Middleton confirmou que está grávida do primeiro filho. O Sul, Porto Alegre, 10 jun. 2018. Disponível em: <http://online.osul.com.br/inicial/sistema_interno.php?DATA_EDICAO=10/06/2018>. Acesso em: 23 jun. 2018. p. 61. WOLTON, Dominique. Informar não é comunicar. Porto Alegre: Sulina, 2011. Dimensões estéticas, cognitivas e tecnológicas de comunicação Capítulo 6 71 CAPÍTULO 7 A CONSTRUÇÃO DA IMAGEM DOS TERRITÓRIOS NA IMPRENSA ONLINE: ESTUDO DE CASO DA REGIÃO DA SERRA DA ESTRELA, PORTUGAL Data de aceite: 01/05/2022 Nelson Clemente Santos Dias Oliveira Instituto Politécnico da Guarda, Escola Superior de Educação Comunicação e Desporto, Guarda Portugal. ORCID ID: 0000-0003-3545-0813 RESUMO: Uma das linhas de investigação mais profícuas no âmbito das ciências da comunicação, em particular dos estudos sobre os media e sociedade, é a que procurou refletir, ao longo dos tempos, a forma como os media influenciam os seus públicos. Com efeito muitos estudos dedicaram-se a analisar as mais frequentes histórias, as problemáticas mais comuns, os retratos mais representativos (por vezes estereotipados) de personagens, acontecimentos e lugares, para além das situações que os indivíduos enfrentam no seu quotidiano, plasmadas nos media tradicionais, para, por essa via, aferir o contributo dos mesmos na perceção dos indivíduos. Neste trabalho, num intento de aplicar as teorias dos efeitos dos media à perceção dos lugares ou regiões, equacionouse o papel que as representações emanadas da imprensa generalista portuguesa, veiculadas online, desempenham no processo de construção social da imagem simbólica da Serra da Estrela que, para além de ser a mais alta montanha de Portugal Continental é simultaneamente um dos seus mais tradicionais destinos turísticos. Para atingir esse fim, implementou-se uma estratégia de investigação, suportada numa técnica de Dimensões estéticas, cognitivas e tecnológicas de comunicação análise de conteúdo, às peças publicadas online por quatro dos mais importantes jornais diários portugueses (Correio da Manhã, Diário de Notícias, Jornal de Notícias e Público) com o fim último de identificar as histórias, temáticas, problemáticas e imagens mais frequentes. Esta estratégia de investigação permitiu concluir que as imagens reproduzidas pela imprensa generalista são similares às imagens percecionadas pelos portugueses, obtidas por outros estudos, pelo que parecem indiciar que estes media jogam um papel determinante na construção simbólica da imagem da Serra da Estrela. PALAVRAS-CHAVE: Estudos sobre os media; Jornalismo, Teorias da Comunicação, Serra da Estrela. THE CONSTRUCTION OF THE IMAGE OF THE TERRITORIES IN THE ONLINE PRESS: A CASE STUDY OF THE SERRA DA ESTRELA REGION, PORTUGAL ABSTRACT: One of the most successful research lines within the scope of communication sciences, particularly of studies on media and society, is the one that has tried to reflect, throughout time, the way the media influence their publics. In fact, many studies were dedicated to analyse the most frequent stories, the most common problems, the most representative portraits (sometimes stereotyped) of characters, events and places, besides the situations that individuals face in their daily life, shown in the traditional media, in order to assess their contribution in the perception of individuals. In this work, it is intended to apply the theories of media effects to the perception of Capítulo 7 72 places or regions, the role that the representations emanating from the Portuguese generalist press, conveyed on-line, play in the process of social construction of the symbolic image of Serra da Estrela was analysed. This mountain, besides being the highest mountain in mainland Portugal, is simultaneously one of its most traditional tourist destinations. To achieve this goal, we implemented an investigation strategy, supported by a content analysis technique, to the pieces published online by four of the most important Portuguese daily newspapers (Correio da Manhã, Diário de Notícias, Jornal de Notícias and Público) with the ultimate goal of identifying the most frequent stories, themes, issues and images. This research strategy allowed us to conclude that the images reproduced by the generalist press are similar to the images perceived by the Portuguese, obtained in other studies, so it seems to indicate that these media play a determinant role in the symbolic construction of the image of Serra da Estrela. KEYWORDS: Media Studies; Journalism, Communication Theories, Serra da Estrela. 1 | INTRODUÇÃO Porventura uma das linhas de investigação mais profícuas no âmbito das ciências da comunicação, em particular dos estudos sobre os media e sociedade, é a que procurou refletir, ao longo dos tempos, a forma como os media influenciam os seus públicos. Estamos no campo das teorias da comunicação e dos intentos de explicar os efeitos da comunicação social a diferentes níveis, individual, social, cultural, civilizacional e as instâncias que medeiam os efeitos da comunicação social. Importa referir que, da mesma forma que os meios de comunicação registaram uma evolução vertiginosa ao longo do século XX, inícios do século XXI, também as sucessivas investigações realizadas no seu âmbito, no mesmo período, proporcionaram um número significativo de diferentes interpretações dos seus efeitos (Marín, Galera & Román, 2003; Espinar et al., 2006). Para superar os obstáculos epistemológicos gerados pela proliferação de teorias da comunicação, é comum recorrer-se à tipologia das três etapas forjada por Mauro Wolf (1994) ou, em alternativa, às suas derivações propostas por autores mais recentes. Segundo o sociólogo italiano, a primeira fase, que se estendeu entre os anos vinte e finais dos anos trinta, do século XX, pode ser caracterizada pelo predomínio dos teóricos que suportaram a ideia generalizada de que os meios de comunicação tinham uma forte repercussão e poder sobre as audiências (efeitos fortes). A segunda fase, balizada entre inícios dos anos quarenta e finais da década de sessenta, coincidiu com os tempos em que os estudiosos dos media se preocuparam em colocar em causa os efeitos omnipotentes preconizados pela etapa precedente (efeitos limitados). Por último, a fase que se iniciou na década de setenta do século passado e que, de certa maneira, tem perdurado até aos nossos dias, contempla um olhar renovado a partir de várias perspetivas (comportamental, afetiva e cognitiva), colocando o enfoque nos efeitos cognitivos, até cerca dos anos oitenta e recuperando, mais recentemente, as teorias dos efeitos poderosos dos mass media, ainda que a longo prazo (Silvestre, 2011). Dimensões estéticas, cognitivas e tecnológicas de comunicação Capítulo 7 73 As teorias do Agendamento (Agenda Setting), da Tematização, da Espiral do Silêncio, dos Usos e Gratificações (Knowlwdge Gap), da Dependência e do Cultivo (entre outras), que acabam por entroncar nas Teorias da Socialização pelos Media e da Construção Social da Realidade, ilustram, convenientemente, o paradigma de investigação em comunicação mais recente (Wolf, 2006; Marín, Galera & Román, 2003; Sousa, 2006; Silvestre 2011). O estudo que aqui se apresenta foi suportado, teoricamente, pelas teorias da comunicação mais recentes, em particular pela Teoria da Construção Social da Realidade. Isto, porque refletir a forma como os mass media constroem a realidade implica focalizar a atenção analítica no impacto que as representações simbólicas veiculadas pelos meios de comunicação de massas fruem na perceção subjetiva que os indivíduos reúnem da realidade (Wolf, 1994). Neste campo, a linha de investigação mais trilhada foi a que procurou refletir as mais frequentes histórias, as problemáticas mais comuns, os retratos mais representativos (por vezes estereotipados) de personagens, acontecimentos e lugares, para além das situações que os indivíduos enfrentam no seu quotidiano, plasmadas nos media tradicionais, para, por essa via, aferir o contributo dos mesmos na perceção dos indivíduos sobre qualquer assunto (Oliveira, 2018; Oliveira, 2019). Não obstante, a Sociedade em Rede (Castells, 2002) que se tem vindo a construir, veio consagrar uma organização social em que a rede e, consequentemente, a informação está à distância de um clique, mediada por dispositivos fixos ou móveis (Canavilhas, 2011). Na verdade, nunca como hoje os indivíduos tiveram à sua disposição um manancial de informação tão relevante, de forma tão imediata e de tão fácil acesso, acerca dos acontecimentos que sucedem em qualquer parte do mundo. Em tese, esta inusitada quantidade e riqueza da informação permitiria, aos nativos das tecnologias, a construção de conhecimentos sólidos sobre a realidade, pelo menos àqueles que tivessem as competências e a motivação para o fazerem (Cardoso, 2002). Numa conjuntura de omnipresença da informação, como a que se vive na era digital, seria de esperar que a pluralidade de visões e opiniões acerca do mundo tivessem vindo a possibilitar escolhas individuais informadas, inimagináveis noutros momentos históricos. No entanto, tal como outrora, os media, agora com novos suportes, apesar de serem cada vez mais céleres no processo de difusão das decisões que afetam a maioria das pessoas, não deixaram de continuar a amplificar as ideias, os paradigmas e os modelos de referência dos líderes dos mais diversos campos, que vão da política, à economia passando pelas ciências, educação, trabalho, legislação, arte, sociedade, culturas, pessoas, lugares, entre outros (Castells, 2005). A partir desta base teórica, neste texto, num intento de aplicar as teorias dos efeitos dos media à perceção dos lugares ou regiões, equacionou-se o papel que as representações emanadas da imprensa generalista portuguesa, veiculadas online, desempenham no processo de construção social da imagem simbólica da Serra da Estrela que para além de Dimensões estéticas, cognitivas e tecnológicas de comunicação Capítulo 7 74 ser a mais alta montanha de Portugal Continental é simultaneamente um dos seus mais tradicionais destinos turísticos. Para atingir esse fim, implementou-se uma estratégia de investigação, suportada numa técnica de análise de conteúdo aplicada às peças publicadas online por quatro dos mais importantes jornais diários portugueses (Correio da Manhã, Diário de Notícias, Jornal de Notícias e Público) com o fim último de identificar as histórias, temáticas, problemáticas e imagens mais frequentes. 2 | METODOLOGIA E CORPUS DE ANÁLISE Para a realização deste estudo, partiu-se da hipótese que a informação difundida pela imprensa no formato digital contribui indelevelmente, se não para a construção social em termos absolutos, pelo menos para o enquadramento da construção social gerada pelos indivíduos. Com esse propósito e assumindo que a Serra da Estrela gera duas representações que se contrapõem, uma mais disseminada que associa a maior cordilheira portuguesa ao inverno, ao clima e à neve e outra, mais frágil, que a associa ao lazer na natureza, no resto do ano1, optou-se por tomar como objeto de estudo a imprensa escrita diária, ainda que em formato virtual, em detrimento de outros media, porventura mais abrangentes como a televisão, o mais democrático de todos, como a apelidou Pierre Sorlin (1995). Realizou-se uma análise de conteúdo (quantitativa e qualitativa) às peças publicadas nas edições gratuitas, online, de quatro jornais diários generalistas portugueses: Correio da Manhã (CM), Diário de Notícias (DN) Jornal de Notícias (JN) e Público, ao longo dos três anos civis, que decorrerem entre 1 de janeiro de 2012 e 31 de dezembro de 2014. Nesse processo consideraram-se os títulos e os textos que acompanham as notícias e que constituem o essencial do material de pesquisa. Escolheram-se estes órgãos de comunicação por serem jornais de referência do panorama jornalístico nacional; por abrangerem diferentes públicos, Publico e DN mais orientados para as classes mais privilegiadas, JN e CM dirigidos às classes mais baixas (Nery, 2004, p.7), por estarem entre os jornais com maiores tiragens (tabela 1) e disporem de edições online acessíveis gratuitamente. 1 São comuns as vozes que se insurgem contra a excessiva associação da Serra da Estrela ao clima e ao inverno e que estão na base de documentários, reportagens, roteiros turísticos, intervenções publicas e estudos, como por exemplo o da Brandia Central (2009). Dimensões estéticas, cognitivas e tecnológicas de comunicação Capítulo 7 75 Diário Sede Proprietário 1ª Edição Vendas em banca (médias diárias) CM Lisboa Cofina 19/03/1979 116.214 52,23 JN Porto Global Media 2/6/1888 64.725 29,09 P Lisboa Sonae 4/3/1990 21.950 9,87 DN Lisboa Global Media 30/12/1864 17.834 6,83 Quota de Mercado Tabela 1 - Vendas e Quotas de Mercados dos 4 principais jornais diários generalistas portugueses. Fonte: APCT2 referida no Jornal Publico3 A opção pelas edições online em detrimento do formato papel para a reunião do corpus de análise deste trabalho ficou-se a dever ao facto de permitirem reunir, em pouco tempo e de uma forma pouco onerosa, uma base de dados passível de ser analisada com recurso a programas informáticos. Na prática, a recolha das peças que foram objeto de análise, processou-se com recurso aos motores de busca dos referidos jornais, onde foi pesquisada a expressão “Serra da Estrela”, sem qualquer preocupação no que se refere a géneros jornalísticos, ideologias ou cultura organizacional dos referidos órgãos de comunicação social. Por se tratar de uma recolha sistemática de todas as peças jornalísticas, a amostra coincide com a totalidade das peças publicadas nas páginas online destes quatro diários nacionais, no período em análise. Recolhidas as peças procedeu-se, num primeiro momento, a uma análise de conteúdo de cariz quantitativo com o propósito de contabilizar as peças jornalísticas, a sua disposição pelos 36 meses do período de análise, assim como a sua distribuição por categorias temáticas. Num segundo momento, encetou-se uma análise qualitativa, na espectativa de apreender a dimensão simbólica das peças que continham referências à expressão “Serra da Estrela”. A partir destas quatro fontes de informação reuniram-se as 1007 peças jornalísticas, selecionadas pelos motores de busca, distribuídas da seguinte forma, 316 no Correio da Manhã, 232 no Diário de Notícias, 153 no Jornal de Notícias e 306 no Público, cujos conteúdos foram posteriormente enquadrados numa grelha de análise onde constavam, para além do nome do jornal, os títulos, datas de publicação e excertos das próprias peças. Depois de reunido o corpus recorreu-se à bateria de categorias e atributos já validadas à escala nacional, nos principais destinos turísticos portugueses, num estudo encomendado pelo Turismo de Portugal a uma Empresa de estudos de mercado, a Brandia 2 Associação Portuguesa para o Controlo de Tiragem e Circulação. 3 Estes dados foram disponibilizados numa peça publicada no Jornal Público em 3 de setembro de 2012 onde se discutia a queda do numero de leitores dos principais jornais generalistas nacionais disponível em http://www.publico. pt/media/noticia/menos-29500-jornais-vendidos-entre-janeiro-e-junho-1561486 Dimensões estéticas, cognitivas e tecnológicas de comunicação Capítulo 7 76 Central4, publicado em 2009, e que encerra um conjunto de conclusões interessantes, para o presente trabalho, nomeadamente que: apenas 7% dos entrevistados associaram a marca Serra da Estrela ao verão; que a variável mais valorizada é, indubitavelmente, o Clima seguida da Paisagem Natural, para os inquiridos, fortemente marcada pelo inverno e pela neve; que a Paisagem Urbana e o Património histórico foram avaliadas abaixo da média das outras marcas região do país. Concluindo, os autores do estudo, por um desconhecimento generalizado da região e dos seus patrimónios paisagísticos, históricos e urbanos. As variáveis utilizadas no estudo da Brandia Central (2009), foram adaptadas às categorias de análise, que se passam a expor, para servirem aos propósitos do presente estudo: Clima atmosférico, que determina o tipo de atividades associadas à região (C); Paisagem Natural, porque os territórios não existem simbolicamente sem as paisagens que encerram, onde se inclui a flora e a fauna (PN); Paisagem Urbana, que remete para particularidades arquitetónicas dos lugares e localidades (PU); Gastronomia, referente aos produtos gastronómicos endógenos, pratos típicos e vinhos (G); Património Histórico, referente a elementos arquitetónicos, mas também a artefactos ou elementos intangíveis como acontecimentos históricos (PH); População Local, que remete para as atividades socioeconómicas em particular as que se referem ao nível de desenvolvimento da região (PL); Oferta Hoteleira, que, nesta análise, surge imbricada com as notícias referentes ao turismo, numa perspetiva mais ampla e reconfigurada em Turismo e Oferta Hoteleira (TOH); Oferta Cultural e Social, à qual foi adicionado também a categoria desporto, numa perspetiva não só da prática como, acima de tudo, da assistência a modalidades (OCS); e uma Residual, onde caíram as notícias que não se enquadram em nenhuma das categorias anteriores (O). Este quadro categorial foi, posteriormente, aplicado à base de dados composta pelas peças recolhidas nos jornais em estudo com recurso ao programa informático NVivo versão 10. 3 | DISTRIBUIÇÃO DAS PEÇAS COM REFERÊNCIAS À SERRA DA ESTRELA NOS JORNAIS CORREIO DA MANHÃ, DIÁRIO DE NOTÍCIAS, JORNAL DE NOTÍCIAS E PÚBLICO Por se tratar de uma análise trianual, na aproximação inicial aos dados procurou-se aferir se a distribuição de peças jornalísticas com referências à Serra da Estrela é mais ou menos homogénea durante todo o ano, ou se, pelo contrário, é possível descortinar algum padrão na publicação de notícias nos quatro jornais analisados. Começando pelo matutino, Correio da Manhã, as 316 peças reunidas a uma média de 8,8 notícias por mês, 4 Brandia Central (2009) Estudo de avaliação da atratividade dos Destinos Turísticos de Portugal Continental para o mercado interno, disponivel no sitio: http://www.turismodeportugal.pt/Portugu%C3%AAs/ProTurismo/destinos/destinostur%C3%ADsticos/Anexos/Serra%20da%20Estrela.pdf Dimensões estéticas, cognitivas e tecnológicas de comunicação Capítulo 7 77 distribuíram-se da forma que o gráfico 1 ilustra. Gráfico 1- Frequência absoluta mensal das peças jornalísticas onde é referida a Serra da Estrela nas edições on-line do Correio da Manhã, ao longo dos três anos em análise. Uma análise mais atenta ao gráfico 1, permite concluir que se destacam os meses que se distribuem entre novembro a abril, como aqueles em que as referências à Serra da Estrela são superiores à média no CM5 (nov 10; dez 13; jan 11,3; fev 16,7; mar 13,7 e abr 11). Em polos diametralmente opostos surgem os restantes meses (mai 4,3; jun 6,3; jul 3,3; ago 7,7; set 4,7 e out 3,3), de onde se destaca o mês de agosto por ser aquele, que de entre este segundo grupo, mais se aproxima da média. A explicação para esta distribuição assimétrica, poderá ser procurada na análise da distribuição das peças jornalísticas por categorias temáticas (Gráfico 2). 5 Com efeito, estatisticamente, foi possível inferir que existem diferenças significativas entre os diferentes meses do ano (ANOVA ONE WAY, p-value =0,002), sendo o mês de fevereiro aquele que apresenta um maior número de notícias e os meses de outubro, julho, setembro e maio os que apresentam um menor número de notícias (Tukey post hoc test, p<0.05). Dimensões estéticas, cognitivas e tecnológicas de comunicação Capítulo 7 78 Gráfico 2 Distribuição das peças jornalísticas por categorias temáticas, no Correio da Manhã. Da análise do gráfico 2, emerge a ideia de que as referências mais frequentes à Serra da Estrela no jornal CM, caíram na categoria temática Clima (146 referências 46,20%). Para além disso, a observação do gráfico permite ainda concluir que, no período de análise, o grosso das restantes referências à Serra da Estrela, surgiram imbricadas à Oferta Cultural e Social (44 referências 13,26%), Paisagem Natural (41 referências, 12,97%), ao Turismo e Oferta Hoteleira (32 referências 10,23%) e à População Local (29 referências 9,18%). Verifica-se, ainda, que não é fácil descortinar, nas peças publicadas no CM, referências à Paisagem Urbana (1 referência 0, 32%) ou ao Património Histórico (sem referências). A explicação para o número significativo de referências à Serra da Estrela, no mês de agosto, pode ser encontrada precisamente neste ponto. Em particular, o ano 2013 foi um ano dramático, no que diz respeito a incêndios florestais na Serra da Estrela, daí o número significativo de peças jornalísticas que por estarem relacionadas com a destruição dos ecossistemas foram codificadas como referentes à categoria Paisagem Natural. Por outro lado, é também nos finais de julho, princípios do mês de agosto que se realiza a Volta a Portugal em Bicicleta, cujo principal palco de disputa dos primeiros lugares é precisamente a Serra da Estrela. Da conjugação desses dois fatores resulta o elevado número de peças jornalísticas que contêm referências à Serra da Estrela. De resto, subsiste a ideia de que a maioria das referências à Serra da Estrela isoladas no CM, remetem para a categoria Clima, o que se confirma na análise às palavras utilizadas com mais frequência nas peças jornalísticas que constituíram o corpus de análise deste trabalho, plasmadas na figura 1. Dimensões estéticas, cognitivas e tecnológicas de comunicação Capítulo 7 79 Figura 1 - Nuvem de palavras com as 100 palavras mais frequentes nas peças onde é referida a Serra da Estrela no Correio da Manhã. De facto, o grupo de palavras mais referidas ao longo das 316 peças retiradas do CM, é encabeçado pelas palavras neve (338 referências), graus (200 referências) chuva (189 referências). Uma análise mais aprofundada permite ainda concluir que no grupo das dez palavras mais frequentes, apenas duas, Guarda (172 referências) e Estradas (157 referências), não estão diretamente relacionadas com a categoria Clima. Ainda que estas palavras sejam passíveis de serem combinadas entre elas para reforçarem essa mesma ideia. Por exemplo, até as palavras que consideramos não relacionadas com a categoria Clima: Guarda e Estradas, surgem, muitas vezes, indiretamente associadas à meteorologia, uma vez que as notícias que referem estradas fechadas devido à queda de neve têm origem na Direção de Estradas da Guarda - IEP. No que diz respeito ao DN, apesar de, como vimos atrás, se tratar de um jornal cujo público-alvo é substancialmente diferente do CM, a distribuição mensal das 236 peças pelos três anos do período de análise, a uma média mensal de 6,6, não difere muito da do CM, como é visível no gráfico 3. Dimensões estéticas, cognitivas e tecnológicas de comunicação Capítulo 7 80 Gráfico 3 - Frequência absoluta mensal das peças jornalísticas onde é referida a Serra da Estrela nas edições on-line do Diário de Notícias, ao longo dos três anos em análise. A análise do gráfico 3 permite concluir que também neste caso se verifica uma distribuição desigual das peças jornalísticas com referências à Serra da Estrela6. De facto, ainda que de forma menos evidente do que no CM, também as referências à Serra da Estrela, neste diário, são superiores à média nos meses de inverno e primavera (nov, 7; jan 8,3; fev 12,7; mar 12,3), enquanto os meses em que as referências à Serra da Estrela são inferiores à média se concentram nos meses mais estivais (abr 6,3; mai 5,7; jun 3,7; jul 3,3, set 3; e out 3,3). A particularidade da distribuição do DN, em relação ao CM, prende-se com o facto de o mês de dezembro se contar entre os meses com uma frequência de notícias inferior à média (4,3) e principalmente com o facto de o mês de agosto estar entre os meses onde o número de peças recolhidas é superior à média (7,7). Relativamente à distribuição das notícias por categorias temáticas, as peças jornalísticas recolhidas no site do DN (Gráfico 4) também não diferem muito do que aconteceu no CM, se excluirmos, um maior destaque dado à População Local (24 referências, 10,32%) e referências, ainda que residuais à Paisagem Urbana (2 referências 0,86%) e ao Património Histórico (3 referências 1,29 %). De resto a categoria temática mais recorrente foi Clima (95 referências, 40,95 %) seguida de Paisagem Natural (43 referências, 6 De facto, estatisticamente, foi possível inferir que existem diferenças significativas entre os diferentes meses do ano (ANOVA ONE WAY, p-value =0,004), sendo que os meses de fevereiro e março os que apresentam um maior número de notícias e os meses de setembro, julho, outubro e junho os que apresentam um menor número de notícias (Tukey post hoc test, p<0.05). Dimensões estéticas, cognitivas e tecnológicas de comunicação Capítulo 7 81 18,53%), Oferta Cultural e Social (31 referências, 13,36%) e Turismo e Oferta Hoteleira (10 referências, 4,31 %). Gráfico 4- Distribuição das peças jornalísticas por categorias temáticas, no Diário de Notícias. Da mesma forma, também no que diz respeito à frequência de palavras associadas à Serra da Estrela, isoladas nas peças publicadas pelo Diário de Notícias, não se verificam diferenças significativas entre os dois diários. Também no DN a palavra mais associada à Serra da Estrela é a palavra Neve (270 referências), seguida por Forte (177 referências) e por Aviso (165 referências). Da mesma forma, também de entre as dez palavras referidas mais frequentemente apenas as palavras Guarda (146 referências) e Centro (141 referências), respetivamente a nona e a décima mais referidas, não podem ser associadas imediatamente à categoria Clima (Figura 8). Dimensões estéticas, cognitivas e tecnológicas de comunicação Capítulo 7 82 Figura 2 - Nuvem de palavras com as 100 palavras mais frequentes nas peças onde é referida a Serra da Estrela no Diário de Notícias. Relativamente ao JN que foi, de entre os jornais analisados, o mais parco em notícias com referências à Serra da Estrela, pois ao longo desta pesquisa apenas se conseguiram descortinar 153 peças, a uma média de 4,2 notícias por mês, estas distribuíram-se de uma forma algo similar à distribuição dos outros jornais já aqui analisados. Aparentemente, também no JN os meses de clima mais rigoroso permitiram reunir um conjunto de peças jornalísticas com um número de referências à Serra da Estrela superiores à média, como reflete o gráfico 5. De facto, este gráfico parece demonstrar uma distribuição desigual entre os meses que se distribuem entre meados de verão e meados de outono7 (abr 3,7; jun 1,3; jul 2,3; set 2 e out 1) e os restantes seis meses que vão de meados de outono/inverno e meados da primavera (nov 6; dez 5; jan 4,3; fev 9,7 e mar 6). De resto, destacam-se os meses de maio (5,3) e agosto (4,3) porque, apesar de não se contarem entre os meses de clima mais rigoroso, acabaram por integrar o conjunto dos meses com referências superiores à média. Ainda que uma análise mais atenta aos dados permita verificar que o mês de maio de 2013 coincidiu com um evento meteorológico anormal para a época, a queda de neve a cerca de um mês de verão. Circunstância que 7 Ainda que estatisticamente (ANOVA ONE WAY) se tenha verificado que essa diferença não é significativa (p-value =0,052). Dimensões estéticas, cognitivas e tecnológicas de comunicação Capítulo 7 83 significou, por si só, um conjunto de 5 peças jornalísticas que acabaram por catapultar o mês de maio para conjunto de meses com referências superiores à média. Gráfico 5 - Frequência absoluta mensal das peças jornalísticas onde é referida a serra da Estrela nas edições on-line do Jornal de Notícias, ao longo dos três anos em análise. A ideia avançada anteriormente de que o JN, em algumas regiões do país, concorre diretamente com o CM como jornal preferido pelas classes média-baixa e baixa, parece ficar aqui demonstrada pelo facto da distribuição das peças por categorias temáticas não diferir muito entre ambos os diários (Gráfico 5). Para além disso, no JN fica ainda mais evidente que o grosso das referências à Serra da Estrela estão relacionadas com o Clima (86 referências, 56,21%) seguido da Paisagem Natural (33 referências, 21,27 %), pela Oferta Cultural e Social (12 referências, 7,48%) e Turismo e Oferta Hoteleira (7 referências, 4,58%). De salientar, ainda, a escassa atenção conferida pelo JN aos produtos gastronómicos da Serra da Estrela (5 referências, 3,27%), bem como a ausência de referências ao Património Histórico e às Paisagens Urbanas da região (Gráfico 6). Dimensões estéticas, cognitivas e tecnológicas de comunicação Capítulo 7 84 Gráfico 6 - Distribuição das peças jornalísticas por categorias temáticas, Jornal de Notícias. No que diz respeito à frequência de palavras, nas peças jornalísticas com referências à Serra da Estrela, a nuvem de palavras geradas pelo Jornal de Notícias, segue o padrão visível na figura 3. Figura 3 - Nuvem de palavras com as 100 palavras mais frequentes nas peças onde é referida a Serra da Estrela no Jornal de Notícias. Dimensões estéticas, cognitivas e tecnológicas de comunicação Capítulo 7 85 Também neste caso se destaca a palavra Neve (268 referências), a larga distância da segunda palavra mais referida, Forte (128 referências) e da terceira Queda (125 referências). Também no caso do JN, entre as dez palavras mais frequentes, apenas surgem duas que, como vimos atrás, só de forma indireta se podem associar à categoria Clima: Guarda que neste caso surge em 4º lugar (120 referências), e Estradas (105 referências). A ideia, já referida neste trabalho e que vai ao encontro de muitos estudos, de que o diário Público se destaca dos outros jornais aqui analisados, nomeadamente, no que se diz respeito à linha editorial e ao público-alvo a que se destina, também nesta análise parece confirmar-se. Isto porque o Público é, de entre os jornais aqui analisados, aquele em que se verifica uma distribuição mais homogénea das 307 notícias com referências à Serra da Estrela (a uma média mensal de 8,5), como se pode verificar no Gráfico 7. Gráfico 7 - Frequência absoluta mensal das peças jornalísticas onde é referida a Serra da Estrela nas edições on-line do Público, ao longo dos três anos em análise. De facto, ao invés do que acontece com outros jornais aqui referidos não é fácil estabelecer um padrão na distribuição das referências à Serra da Estrela neste diário8, isto porque a maioria dos meses com um número absoluto de notícias com referências à Serra 8 Efetivamente quando analisada estatisticamente a distribuição das peças pelos diferentes meses do ano, durante o período em análise, verificou-se que não existem diferenças significativas entre os vários meses do ano (ANOVA ONE WAY) para o Público (p-value = 0,137). Dimensões estéticas, cognitivas e tecnológicas de comunicação Capítulo 7 86 da Estrela superiores à média (nov, 10,3; jan 10,7; fev 13; abr 9,3; mai 9,3 e ago 9,7) não se distinguiam significativamente do conjunto daqueles cujas referências são inferiores à média (mar 8; jun 6,7; jul 4,3; set 7,3; out 5,6; e dez 7,6). Por outro lado, também neste caso o mês de agosto emerge como um dos meses com referências superiores à média. Aliás é mesmo o terceiro mês com mais peças jornalísticas com referências à Serra da Estrela. Depois destas considerações seria de esperar que a mais homogénea distribuição de notícias, pelos diferentes meses do período de análise, pudesse significar também uma mais homogénea distribuição das notícias por categorias temáticas, o que efetivamente veio a acontecer e que faz com que o Público evidencie uma distribuição de peças jornalísticas, por categoria temática, díspar das dos outros jornais que constituíram o corpus de análise, como se pode ver no gráfico 8. Gráfico 8 - Distribuição das peças jornalísticas por categorias temáticas, no Público. A análise do gráfico 8 demonstra, antes de tudo, que a categoria Clima (79 referências, 25,82%), ao contrário do que acontece com os outros diários até agora analisados, é superada no diário Público pela categoria Paisagem Natural (80 referências 26,14%), mas também uma maior frequência das outras categorias temáticas que se seguem por ordem de importância decrescente, nomeadamente a categoria Gastronomia (37 referências, 12,9%) e População Local (36 referências, 11, 76%). Quanto à Oferta Cultural e Social (30 referências, 9,80%) e Turismo e Oferta Hoteleira (28 referências, 9,15%) estas seguem uma distribuição semelhante aos outros jornais. De destacar ainda, que mesmo no jornal Público as categorias Património Histórico (2 referências, 0,65%) e Paisagem Urbana (5 referências, 1,63%) evidenciam valores quase residuais. Dimensões estéticas, cognitivas e tecnológicas de comunicação Capítulo 7 87 Como as categorias de análise mais referidas se espelham, diretamente, na frequência de palavras, torna-se também neste caso pertinente refletir a nuvem de palavras gerada pelas peças jornalísticas recolhidas no Público (Figura 4). Figura 4 - Nuvem de palavras com as 100 palavras mais frequentes nas peças onde é referida a Serra da Estrela no Público. Também da análise da nuvem de palavras gerada pelas peças jornalísticas publicadas no Público emerge a singularidade deste diário no panorama dos jornais analisados no âmbito deste trabalho. Pela primeira vez, nesta análise, a palavra mais referida não remete para a categoria Clima, mas para a Gastronomia (vinho(s) 493 referências), seguida pela palavra Tempo (337 referências) e Neve (326 referências). De resto, a singularidade do jornal o Público sai ainda reforçada pelo facto de nas 10 palavras referidas com mais frequência, seis não remeterem diretamente para a categoria Clima (vinhos, centro, região, quinta e terra). 4 | NARRATIVAS ACERCA DA SERRA DA ESTRELA NOS MASS MEDIA GENERALISTAS NACIONAIS Para dar sentido às análises fragmentadas apresentadas até agora, e porque o móbil Dimensões estéticas, cognitivas e tecnológicas de comunicação Capítulo 7 88 do presente trabalho foi a imagem da Serra da Estrela na imprensa generalista nacional, o que se procurará fazer doravante é realizar uma análise conjunta à totalidade das peças jornalísticas que constituíram este corpus de análise. Assim, pondo de lado a linha editorial, o posicionamento ideológico-político e o público-alvo dos diferentes diários que aqui foram objeto de análise, as 1007 peças relativas à Serra da Estrela publicadas a uma média de 6,9 peças mensais, durante o período condensado entre o início do estudo, a 1 de janeiro de 2012 e o seu término, a 31 de dezembro de 2014, distribuíram-se da forma que o gráfico 9 apresenta. Gráfico 9- Frequência mensal média das peças jornalísticas onde é referida a serra da Estrela no conjunto dos jornais on-line analisados. A análise conjunta dos diários evidencia que a produção informativa acerca da Serra da Estrela é indubitavelmente mais frequente no semestre que vai de novembro a abril9 (jan 8,6; fev 13, mar 10; abr 7,5; nov 8,3 e dez 7,5) do que no semestre que se estende de maio a outubro (mai 6,1; jun 4,5; jul 3,3; set 4,2; out 3,3), isto, se excetuarmos o mês de agosto (7,3) que comporta um número absoluto de peças jornalísticas ligeiramente superior à média. Desta análise sobressaem o mês de fevereiro por ser aquele em que são mais 9 Estatisticamente, no que diz respeito à quantidade de notícias sobre a Serra da Estrela no período que decorreu entre janeiro de 2012 e dezembro de 2014, considerando todos os jornais pode afirmar-se que existem diferenças significativas (ANOVA ONE WAY, p <0,001). Genericamente podemos inferir que os meses de novembro, dezembro, janeiro, fevereiro e março apresentam um maior número de notícias, comparativamente aos restantes meses do ano (Tukey post hoc test, p<0.05). Dimensões estéticas, cognitivas e tecnológicas de comunicação Capítulo 7 89 frequentes as notícias com referências à Serra da Estrela, com uma média de 13 e os meses de julho e outubro, como aqueles em que são mais escassas (com uma média de 3,3). Para tentar entender esta distribuição assimétrica nada como começar exatamente pelos extremos na tentativa de averiguar quais os assuntos que suportam estas assimetrias. Uma análise mais atenta às notícias publicadas nos órgãos de comunicação social nos meses de fevereiro, dos três anos de duração deste estudo mais não faz do que confirmar a ideia, já avançada neste trabalho, de que a maioria das peças jornalísticas associadas à Serra da Estrela nos meses de inverno estão direta ou indiretamente relacionadas com fatores meteorológicos. Paradoxalmente, para o número de peças jornalísticas significativamente superiores à média concorreram fatores meteorológicos distintos. Isto porque, fevereiro de 2012 foi um mês anormalmente seco, o que contribuiu para que esse mês tivesse sido dramático para os ecossistemas da Serra da Estrela fustigados por violentos incêndios florestais que chegaram a ameaçar populações. De facto, muitas das notícias publicadas em moldes mais ou menos alarmistas, estavam diretamente relacionadas com esse tema: “A Serra sangra chamas: «É cíclico e vai continuar»”, publicada no DN em 20 de fevereiro de 2012. Nos anos seguintes (2013 e 2014), foi o clima invernal que alavancou a maioria das notícias com referências à Serra da Estrela: “Neve fecha escolas e corta estradas”, publicada no CM 28 de fevereiro de 2013. No que diz respeito aos meses com referências abaixo da média, paradoxalmente a explicação é semelhante à dos meses com referências superiores à média. Isto é, as notícias ou melhor, a ausência delas, relacionadas com o clima e meteorologia, que nestes meses tendem a ser escassas. Isto porque quando o assunto não é mau tempo ou estradas cortadas, as referências à Serra da Estrela nas peças dos diários analisados caiem drasticamente. Ainda que estas evidências possam ser atenuadas pelo facto de o ano 2013 ter sido um ano atípico, no que se refere às questões climatéricas, uma vez que os maiores nevões ocorreram na primavera (o que pode justificar o número significativo de notícias patente nos meses de março, abril e maio). Relativamente ao facto de as notícias com referências à Serra da Estrela serem superiores à média no mês de agosto, época em que os rigores do clima não justificam a atenção dos jornalistas para aqueles azimutes, a explicação pode ser procurada num fator já referenciado anteriormente, as catástrofes naturais em forma de incêndio, particularmente no ano de 2013. Para além desse, outro tema, concorre para que as estradas que rasgam a Serra da Estrela assumam o protagonismo que rivaliza com aquele que lhes é atribuído quando no auge dos rigores do inverno são referidas pelo encerramento ou reabertura: a Volta a Portugal em Bicicleta. Com efeito, as 74ª, 75ª e 76ª Voltas, respetivamente em 2012, 2013 e 2014, fizeram correr muita tinta, quando em finais de julho princípios de agosto, reencontraram nas íngremes estradas que cortam o maciço central da Serra da Estrela o tradicional cenário de luta pelos primeiros lugares, até porque estes territórios Dimensões estéticas, cognitivas e tecnológicas de comunicação Capítulo 7 90 constituem as únicas passagens de “alta montanha” à disposição do pelotão ciclista em Portugal. Por outro lado, e por ser o mês por excelência para as férias da maioria dos portugueses, há também um conjunto significativo de notícias que remetem para a Oferta Cultural e Social que esta região tem para oferecer. Ou seja, parece que são o mau tempo e a neve, nos meses mais frios do ano e a Volta a Portugal em Bicicleta no mês de agosto, que colocam a Serra da Estrela na “agenda” dos jornalistas portugueses e por defeito dos portugueses. Parece que são estes dois fatores aliados ao turismo que desencadeiam a maioria das referências à Serra da Estrela. Mas, para trazer um pouco mais de luz a essa relação, nada como analisar a distribuição das peças jornalísticas por categoria temáticas (Gráfico 10). Gráfico 10 - Distribuição das peças jornalísticas por categorias temáticas, no conjunto de jornais on-line analisados. Da análise do gráfico 10 destaca-se o Clima como a categoria mais significativa onde é referenciada a Serra da Estrela, representando 40,32 % do total de referências, com uma frequência absoluta de 406 casos. Constatação que, por si só, não se pode considerar significativa uma vez que qualquer previsão do Instituto do Mar e da Atmosfera, por norma, refere as previsões para todas as regiões do país (onde se atribui um especial destaque à Serra da Estrela), mas que ganhou importância quando articulada com outro dado, com a referência à palavra neve, que como se pode ver na figura 5 é o vocábulo mais frequente no conjunto das peças jornalísticas reunidas nesta pesquisa, seguida das palavras chuva e queda, entre outras. Estes números são ainda mais significativos se atentarmos no facto de que em muitas das peças integradas na categoria Clima, a palavra Neve apesar de Dimensões estéticas, cognitivas e tecnológicas de comunicação Capítulo 7 91 não estar explícita, estar implícita, como por exemplo na peça publicada no CM, em 25 de março de 2013, “Serra da Estrela: Estradas de novo abertas”. Ainda que a uma distância significativa, a segunda categoria mais frequente é a categoria Paisagem Natural, com 197 referências absolutas, representando 19,56% do total de referências. De facto, a segunda imagem mais frequente que resulta do processo de codificação executado neste trabalho prende-se com representações relacionadas com a fauna, a flora e as características geográficas destes territórios. Exemplo disso são referências à fauna que contribuem para o imaginário coletivo da região, como é o caso da notícia publicada no JN, no dia 27 de outubro de 2013: “Cães da Serra da Estrela num campeonato nacional de beleza”, que dava conta da 23ª Exposição Canina Monográfica de cães da Serra da Estrela, que decorreu em Gaia e onde foram a concurso, em diferentes classes, 64 exemplares daquela raça de proteção de gado, oriundos de todo o país. Ou no caso da notícia com o título “O regresso do velho inimigo” publicada no CM, em 31 de março de 2013, onde se refletiam os efeitos da reintrodução do Lobo Ibérico na Serra da Estrela também ele um dos principais representantes dos mais tradicionais ícones da Serra da Estrela. Ou, ainda, referente às ovelhas, também elas indissociáveis desta região, embora em muitos casos surjam imbricadas com títulos que remetem diretamente para outras categorias como é o caso da notícia publicada no DN, em 17 de janeiro de 2012, com o título “O queijo da serra é o melhor queijo do mundo” produzido pelo leite de ovelhas das raças bordaleira-serra-da-estrela e/ou churra-mondegueira. Para além das notícias que enfatizam os animais tradicionalmente associados à Serra da Estrela, outro conjunto de notícias remetia para o carácter único da região que dá nome a um dos mais antigos Parques Naturais do país, como é o caso da notícia publicada no Público, em 23 de novembro de 2013, que dava conta do reavistamento da Aguia-deBonelli na Serra da Estrela, com o título “As águias-de-bonelli voltaram à serra da Estrela: Como é que sabemos isso?”. Relativamente à flora, o grosso das notícias integradas na categoria Paisagem Natural, paradoxalmente, decorre da sua destruição por via de incêndios. Como já vimos, no ponto em que tratámos a distribuição das peças anualmente. A terceira categoria mais frequentemente referenciada, Oferta Cultural e Social (117 referências absolutas 11,62%), que se constitui como fator determinante na atratividade dos territórios, por ser simultaneamente diferenciador, para ser analisada, tem de ser desagrupada nos diferentes indicadores. Posto isso, os diários analisados não parecem prestar especial atenção à Oferta Cultural e Social da região, ou pelo menos não a associam à Serra da Estrela10, apenas 28 das 117 peças reuniam as condições de ser integradas nesta categoria. Ainda assim, é possível descortinar algumas referências, nomeadamente a eventos de animação sazonal de Carnaval ou de Natal, como é o caso da peça publicada 10 Provavelmente, se a pesquisa tivesse tido como palavras chave não “Serra da Estrela”, mas os municipios que a enquadram por exemplo Guarda ou Covilhã, de certo que a oferta cultural seria muito mais frequente. Dimensões estéticas, cognitivas e tecnológicas de comunicação Capítulo 7 92 pelo CM, em 28 de novembro de 2014, com o título “Aldeia Natal de Seia mantém tradição do presépio e exclusão do Pai Natal”, onde se contava de que uma aldeia no concelho de Seia, se realizava um evento de animação comunitária, “Cabeça a Aldeia Natal”, com envolvimento de maioria das cerca de 190 pessoas que a habitam. No que se refere a práticas culturais contemporâneas de cariz mais erudito, podem elencar-se referências, embora pouco significativas, dado o número e a variedade de museus instalados naqueles territórios11, à oferta cultural estruturada pelos museus da região, como é o caso da notícia publicada no DN, em 8 de abril de 2014, com o título “Exposição de rádios no Museu da Eletricidade”. Isto para além de referências anuais ao Cine’Eco (festival de cinema) e respetivos vencedores do certame, assim como a outros eventos culturais como é o caso do festival de Jazz que se realizou na mesma cidade, em 2013, patente na peça com o título “Cristina Branco e Frankie Chavez no festival de Seia” publicado a 11 de março de 2013. Para além disso, o grosso das referências nesta categoria caiu, indubitavelmente, no indicador desporto, ainda que também neste caso seja importante fazer uma distinção entre oferta de desportos de inverno, ofertas de desporto de verão e assistência a eventos desportivos. Já vimos neste trabalho que a maioria das notícias associadas à Serra da Estrela, estão imbricadas ao Clima, particularmente ao inverno, por isso, seria de esperar que a maioria das referências desportivas entroncasse, precisamente, nos desportos de inverno. No entanto, por Portugal não ter grandes tradições nos desportos de inverno, para além das referências sazonais à abertura das pistas da torre, como a notícia “Serra da Estrela prepara-se para esquiar”, publicada no Público, em 06 de dezembro de 2014, podem, apenas, encontrar-se referências a campeonatos ou torneios, quando a neve os permite. Não obstante, se os desportos de neve não se poderão constituir como a principal oferta desportiva da Serra da Estrela, em consequência do diminuto número de dias em que as pistas estão abertas anualmente, a verdade é que também não são muito frequentes as referências a outras atividades desportivas no inverno. A verdade é que as imagens mais recorrentemente associadas a estes territórios nesta categoria estão relacionadas com o ciclismo, uma vez que 64 das 117 peças que caíram na categoria OSC são referentes ao Ciclismo, em particular à luta pelos primeiros lugares nas 74ª, 75ª e 76ª Voltas a Portugal em Bicicleta. Pontualmente, esta dicotomia verão/inverno serve também para enquadrar o debate acerca da excessiva associação destes territórios ao inverno como é o caso da peça publicada no Público, em em 13 de agosto de 2012, sob o título “Serra da Estrela em 11 Nas pesquisas que integraram este trabalho foi possivel identificar um conjunto significativo de museus, nomeadamente: Museu do Agricultor e do Queijo, Casa do Mundo Rural de Prados, no concelho de Celorico da Beira; Museu dos Lanifícios, Museu de Arte Sacra, Museu do Queijo, Patrimonius-Museu de Arte e Cultura, no concelho da Covilhã; Museu Abel Manta, Espaço Arte e Memória e Museu da Miniatura Automóvel, no concelho de Gouveia; Museu Municipal, no concelho da Guarda; Museu do Brinquedo, Museu da Eletricidade, Casa Museu dos Samarreiros e Acervo da Misericórdia de Seia, no concelho de Seia. Dimensões estéticas, cognitivas e tecnológicas de comunicação Capítulo 7 93 esplendor Verão” onde se podia ler: A Serra da Estrela não é apenas um destino de Inverno ou neve. Para muitos, é também um grande destino de Verão, reunindo uma série de atracções que a tornam única, entre a beleza e imponência da Natureza, as piscinas naturais para refrescar à séria, os passeios quase solitários por campos e caminhos ou as festas populares, genuínas e animadas. Para terminar é ainda possível encontrar referências ao desporto motorizado como é o caso de uma peça publicada, em 29 de maio de 2013, no JN com o título: “Automobilismo regressa à Serra da Estrela com a Rampa Cidade da Covilhã”, ao futebol por via de notícias referentes ao Sporting da Covilhã assim como a desportos de carácter mais radical como é o caso da escalada, do BTT e até do Parapente, patente na notícia publicada no CM, em 5 de junho de 2014: “Aldeia histórica de Linhares da Beira recebe Taça do Mundo de Parapente”. A categoria População Local resultou na quarta categoria mais frequente na distribuição que tem vindo a ser apresentada, mencionada em 95 peças constituindo 9,43% do total, revelando-se como uma das categorias mais ambíguas. Efetivamente, como seria de esperar, praticamente não há notícias que se dediquem a descrever as idiossincrasias dos serranos, embora, por entre notícias do foro económico e político, se possa isolar um conjunto de pistas que podem influenciar a construção da imagem simbólica das audiências. Desde logo, uma associação a atividades profissionais desde há muito agregadas a estes territórios de montanha como a pastorícia, que na notícia publicada no DN, em 1 de março de 2012 com o título “Pastores da Serra da Estrela Admitem reduzir rebanhos por não terem dinheiro para fenos e rações”, vem imbricada com outra das imagens mais frequentemente associadas a estes territórios, a pobreza. De facto, algumas das imagens mais reminiscentes associadas a estes territórios acabam por entroncar direta ou indiretamente em indicadores socioeconómicos abaixo da média nacional e em representações ligadas à pobreza e similares. É assim na notícia publicada no Público, no dia 20 de dezembro de 2012: “PIB per capita coloca Grande Lisboa e Serra da Estrela nos extremos opostos”, tal como na notícia publicada no Diário de Notícias, no dia 15 de julho de 2013, com o título “Serra da Estrela tem nível de vida inferior ao país mais pobre da UE”. Também no que diz respeito à educação se verifica que as poucas referências à Serra da Estrela mais não fazem do que reforçar o quadro que tem vindo a ser descrito. Uma notícia publicada no CM, em 22 de fevereiro de 2013, com o título “Testes intermédios revelam dificuldades «recorrentes»”, era referido que a Serra da Estrela tinha sido a região do país a obter os piores resultados nos testes intermédios de Geologia e Biologia do 10º e 11º anos. No âmbito da educação, um aspeto que despertou alguma curiosidade, durante a análise dos dados que agora se apresentam, foi o facto de não obstante a existência de duas instituições do Ensino Superior nestes territórios, com polos em três cidades, a Dimensões estéticas, cognitivas e tecnológicas de comunicação Capítulo 7 94 Universidade da Beira Interior e o Instituto Politécnico da Guarda, nas peças analisadas elas são quase invisíveis, se excetuarmos uma notícia, referente a um festival de tunas: “Serão de tunas aquece noite fria de Seia”, e uma outra que também vai ao encontro das imagens construídas até agora, publicada no Público, em 6 de Setembro de 2014 com o título “MEC avança com bolsas de 1500 euros anuais para levar mil alunos para o interior do país”. As peças até agora referidas podem ser entendidas como contributos para a aproximação simbólica destes territórios às Sociedades Tradicionais e/ou Primitivas entendidas na literatura sociológica como sociedades menos diferenciadas, assentes em economias mais frágeis e fomentadoras de mentalidades fechadas e conservadoras por oposição às Sociedades Modernas, Industriais ou Tecnológicas (consoante os autores, as escolas ou as teorias), que assentam na consolidação e aceitação de conceitos como: direito, estado, racionalismo, burocracia, modernidade e universalismo, entre outros (Rocher, 1999). Esta linha de pensamento fica bem patente nas peças que relatam as histórias de vida de pessoas que procuram nos territórios montanhosos da Serra da Estrela a antítese da vida moderna. Decorrente deste cenário socioeconómico não surpreende, o título do artigo publicado no Público, em 24 de novembro de 2014: “Mais de metade dos residentes na região Centro está «satisfeita com a vida»”, desse conta que, num estudo da responsabilidade da CCDR do Centro (Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional do Centro), os habitantes da Serra da Estrela destacarem-se, precisamente, por se contarem entre os menos satisfeitos com o local de residência. Da mesma forma que, pelas mesmas razões não se estranhe que estes territórios surjam associados a migrações quer internas quer internacionais como fica patente numa peça publicada também no Público, em 21 de Setembro de 2014, com o título “A vida dos emigrantes portugueses na Argentina deu um livro”, onde se contava a história da comunidade portuguesa naquele país sul-americano integrada também por indivíduos oriundos da região da Serra da Estrela. Por último, como prova da ambiguidade com que é retratada a população local fica um artigo publicado no Público, em 10 de março de 2013, com o título, “Os playboys do Tortosendo”, onde são reforçadas as relações ancestrais da região com a indústria dos lanifícios, mas que patenteia, acima de tudo, as assimetrias socioeconómicas de um passado não muito distante na Vila do Tortosendo: No meio da serra da Estrela, num mundo de pastores, agricultores e operários mal pagos, um mundo de analfabetismo e isolamento, a elite industrial dançava pela noite dentro no Clube Avenida, ia às compras a Paris ou a Salamanca, às boîtes do Parque Mayer, tomar café a Espinho de alfa romeo desportivo ou comprar sardinhas frescas para o almoço à Figueira da Foz, de avioneta. Em suma, as representações associadas à População Local veiculadas pelos órgãos de comunicação analisados refletiram um contexto socioeconómico da região e Dimensões estéticas, cognitivas e tecnológicas de comunicação Capítulo 7 95 acabaram por traduzir o facto de esta ser uma das regiões com dinâmicas mais regressivas de Portugal. Isto porque as generalidades das peças agrupadas nesta categoria acabaram por remeter, grosso modo, para imagens destes territórios agregadas a indicadores socioeconómicos que evidenciam atraso socioeconómicos que se traduzem em assimetrias, pobreza, emigração e desertificação. Quanto à quarta categoria mais frequente, Turismo e Oferta Hoteleira (TOH), outra das categorias de difícil circunscrição porque algumas das atividades enquadradas na categoria OCS, poderiam ter sido definidas como “Turismo Desportivo” só para dar um exemplo, é sustentada por um conjunto de peças que remetem explicitamente para a oferta hoteleira sem esquecer o turismo que ela suporta. Estavam nesta situação 77 peças que constituíam 7,65% do total das peças reunidas na fase de pesquisa. Antes de avançar, importa dizer que a distribuição das peças da categoria TOH, revela um comportamento algo semelhante ao da categoria Clima, isto é, as referências também tendem a seguir uma distribuição sazonal, por norma associada à neve e/ou aos períodos de férias, em particular nos períodos de Natal, Carnaval e, de modo geral, sempre que fosse previsível que períodos de férias coincidissem com precipitação de neve. Aliás, a associação das palavras “turismo” e “hotéis” à palavra “neve” é recorrente como o demonstram de forma explícita a peça publicada no CM, em 14 de janeiro de 2013, com o título: “Neve fecha estradas mas anima turistas” e de forma implícita a notícia publicada no JN, em 25 de fevereiro de 2014, com o título “Hotéis da Serra da Estrela com lotação esgotada no Carnaval”. Esta notícia é particularmente interessante na medida em que enquadra um conjunto de notícias, bastante frequentes que associam a imagem de férias na neve à Serra da Estrela em períodos específicos do ano, como vimos no Carnaval, mas também na quadra natalícia. Para lá das notícias que associam a oferta hoteleira da região à neve, é possível identificar, desde logo, outro conjunto de peças jornalísticas que apresentavam os equipamentos hoteleiros da região e as suas vantagens competitivas, como é o caso da notícia publicada no Público, a 20 de março de 2014, com o título “A Pousada da Serra da Estrela já brilha” onde se dava conta de que depois de meio século de abandono o antigo Sanatório dos Ferroviários havia sido convertido numa Pousada de Portugal, que já estava em funcionamento, desde o dia 1 de abril; ou da notícia publicada também no Público, em 17 de janeiro de 2014, com o título “Quer pernoitar num país europeu? Faça-o em Portugal” onde se dava conta que segundo uma análise do site de reservas de hotéis “Trivago”, os preços praticados em Portugal são significativamente inferiores aos praticados nos seus congéneres da União Europeia, dando como exemplo hotéis da região. Ou seja, peças que tendem a descrever com um certo glamour a oferta hoteleira da região, única em Portugal quando combinada com a neve. Contudo, apesar da imagem da neve ser indissociável Serra da Estrela, as narrativas do Turismo e Oferta Hoteleira destes territórios, nos media, não se esgotam na neve nem Dimensões estéticas, cognitivas e tecnológicas de comunicação Capítulo 7 96 nos equipamentos hoteleiros. Ainda que referências a outros tipos de turismo para além do turismo de inverno associado à neve tenham surgido em número muito inferior, a verdade é que elas surgiram pontualmente ligadas entre si por um discurso de cariz alternativo às imagens mais tradicionais do turismo português. Por fim, um outro conjunto de peças que foram também enquadradas nesta categoria, remetiam para questões político-administrativas relacionadas com o cada vez mais importante sector do turismo de Portugal. Estavam nessas condições as notícias publicadas no dia 26 de fevereiro de 2012, no CM com o título “Turismo é «âncora» para o desenvolvimento do Douro” onde o então secretário de estado do Partido Socialista, António José Seguro, defendia ser um «erro colossal» o Governo acabar com as entidades regionais de turismo, como é o caso do Douro ou da Serra Estrela. A categoria Gastronomia (G), que na pesquisa que agora se apresenta teve uma distribuição de 68 casos, representando 6,75% de frequência relativa, também merece uma análise mais atenta. Isto porque, apesar de há uns tempos a esta parte a culinária estar cada vez mais na moda em Portugal e se assistir a um crescente fascínio pelos profissionais do sector (para o qual terão contribuído os recentes e recorrentes programas que as televisões generalistas têm vindo a colocar no ar em horário nobre), aliado ao facto de a “Gastronomia de Vinhos” ser um produto consagrado no PENT 2015-2020 (Plano Estratégico de Turismo) a maioria das peças enquadradas nesta categoria, não remetem diretamente para a Gastronomia, mas antes para o icónico Queijo da Serra da Estrela. Isto se excetuarmos o Jornal Público, como veremos adiante. De facto, a esmagadora maioria das peças enquadradas nesta categoria, mais do que dedicarem-se a temas relacionados com os pratos, tradicionais e restaurantes, contemplaram, antes de tudo, um dos principais ícones tradicionais da Serra da Estrela, em particular, o Queijo da Serra da Estrela, nomeadamente no que se refere ao valor socioeconómico deste produto na região, ao seu valor gastronómico, a processos de certificação, a feiras ou outros eventos de promoção. No entanto, para além de referências explícitas no título, podem vislumbrar-se ainda referências ao Queijo da Serra da Estrela, mesmo em títulos que apresentam eventos inesperados e inusitados, como na peça intitulada “Salão Erótico abre com espetáculos de sexo ao vivo”, publicado no DN, em 7 de março de 2013, onde se dava conta de que no Salão Erótico do Porto se podia degustar queijo da Serra da Estrela, presunto ou paio serrano em pão do Sabugueiro, ou nas notícias referentes aos produtos que a Seleção Nacional de Futebol levou, para o Campeonato do Mundo de Futebol do Brasil, para confecionar as refeições, como fica patente na notícia publicada no DN, em 10 de junho de 2014, com o título “Mil camisolas, 200 kg de bacalhau e vinho do Porto”, onde se dava conta de que na bagagem da seleção haviam embarcado também 12 queijos da Serra da Estrela. Outro conjunto de títulos, mais envolvidos com a Gastronomia, acaba por alimentar a discussão sobre a qualidade e a genuinidade deste produto. Na edição de 10 de outubro Dimensões estéticas, cognitivas e tecnológicas de comunicação Capítulo 7 97 do DN, sob o título “Do serpão às maçãs sem gosto”, onde se refletia uma lista dos produtos gastronómicos em extinção ou que sejam difíceis de encontrar em Portugal, concluía-se que “até o banalíssimo queijo da Serra da Estrela”, já tinha estado pelas ruas da amargura. Num outro registo, surge uma peça publicada também no Público, em 11 de outubro de 2014, com o título “Quem mexeu nos nossos queijos?”, onde se discutia um pouco de tudo o acima referido, nomeadamente a forma como o queijo da Serra da Estrela deve ser servido e consumido: O Serra da Estrela nunca foi comido mole, à colherada, diz a autora de Queijos Portugueses, com Maria de Lourdes Modesto, e de O ABC dos Queijos Portugueses (ed. Feitoria dos Livros), prémio Best Cheese Book do Gourmand World Cookbook. “Não sei de onde vem a moda de mudar as características dos queijos. O que aconteceu com o serra da Estrela foi um abuso, foi incompetência. O serra come-se à fatia. Passou a ser fino ter o queijo aberto por cima, o que é uma atrocidade. Antigamente, um queijo a escorrer era um queijo que tinha defeito, e isso acontecia em anos que tinham sido muito húmidos. Para além das peças que remetem direta ou indiretamente para o Queijo da Serra da Estrela, pode-se encontrar, principalmente nos cadernos que acompanham o Público um número significativo de referências à região associadas a outro produto gastronómico, ainda que emergente, o vinho, em particular o cada vez mais bem-sucedido Vinho do Dão, como o comprovam os títulos se dedicam a apresentar adegas, discutir as castas, solos e clima mais adequados, os novos produtores, entre outras. Nesta ordem de ideias, a análise das peças jornalísticas enquadradas na categoria Gastronomia, permite concluir que, grosso modo, a esmagadora maioria das referências gastronómicas à Serra da Estrela, nos diários JN, CM e DN desemboca direta ou indiretamente no Queijo da Serra da Estrela e as do Público imbricam, acima de tudo, referências a vinho, mormente Vinho do Dão. Isto para não referir as que abarcam estes dois produtos. Como é o caso da peça “As harmonizações: Com comida, vinho”, publicada no Público, em 11 de outubro de 2014, onde se dava conta de que o vinho é um alimento demasiado sério para ser consumido de qualquer maneira, pelo que o Queijo da Serra da Estrela é excelente para o harmonizar. De resto, as outras referências a produtos gastronómicos da região podem considerar-se residuais. No que diz respeito à categoria, Paisagem Urbana (PU), verificou-se que as peças que contêm referências explícitas, não abundam no corpus de análise. De facto, para além de raras (apenas foram descortinadas 8 referências o que corresponde à frequência relativa de 0,79%), seguem uma distribuição assimétrica nos diferentes órgãos de comunicação social (Gráfico 10) e, além disso, em alguns casos, ainda tendem a surgir no limiar da divisão necessariamente artificial entre outras categorias, como é o caso da Paisagem Urbana e Paisagem Natural. Está nestas condições uma peça publicada no diário Público, Dimensões estéticas, cognitivas e tecnológicas de comunicação Capítulo 7 98 em 20 de fevereiro de 2012, com o título “O frescor de Loriga”, onde as paisagens urbanas da vila nos são descritas imbricadas com a paisagem natural da Serra da Estrela: “Loriga, no coração da Serra da Estrela, é sinónimo de frescura e tranquilidade, onde a natureza e a ação humana convivem em perfeita harmonia. Uma vila repleta de história, e cujo valioso património de socalcos, esculpidos na montanha, tornam a paisagem que envolve Loriga única e inesquecível”. Por outro lado, as referências explícitas às paisagens urbanas da região, prendemse com a inauguração de equipamentos, museus ou centros de investigação. Está nessas condições uma peça publicada no DN, a 8 de abril de 2014, com o título “Exposição de rádios no Museu da Eletricidade”, onde sob o mote da exposição se descrevia o equipamento que, desde abril de 2011, veio enriquecer o já de si rico património museológico da região. Ainda no âmbito das referências à Paisagem Urbana da região que surgem diluídas em peças com outros propósitos, pode elencar-se: “Dois lugares para a memória de Ferreira de Castro”, publicada em 7 de julho de 2013, onde por entre a bibliografia do autor era invocado o romance-reportagem A Lã e a Neve (1947), cujo tema são os pastores na Serra da Estrela e proletariado têxtil da Covilhã. Se a explicação para as raras referências à Paisagem Urbana destes territórios montanhosos pode ser procurada na excessiva associação às suas soberbas Paisagens Naturais, algo de semelhante poderá acontecer com as referências ao Património Histórico. Não obstante, o rico Património Histórico da região, os mass media analisados neste trabalho parecem não espelhar essa realidade, isto porque apenas foram identificadas 5 peças que estavam em condição de ser integradas inequivocamente nesta categoria, o que representa uma frequência relativa de 0,5%. Sintomática desta espécie de “invisibilidade do Património Histórico” destes territórios é a notícia publicada no CM, em 05 de junho de 2014, com o título “Aldeia histórica de Linhares da Beira recebe Taça do Mundo de parapente”, isto porque o epíteto “Aldeia Histórica” parece só servir para embelezar o título, uma vez que todo o teor da notícia remete para o desporto radical. As outras peças que remetem para o Património Histórico da região tendem a fazêlo de forma indireta, sem perderem muito tempo a aprofundar as temáticas, como é o caso da notícia publicada no DN, em 3 de março de 2012, com o título “Rede de Judiarias cresce de 9 para 23 municípios”, onde se dava conta de que a Rede de Judiarias de Portugal tinha aumentado de 9 para 23 municípios, onde se contavam os da Serra da Estrela. Na categoria Outras, caíram naturalmente as peças que não se enquadravam em nenhuma das categorias classificatórias definidas. Foram integradas nesta categoria principalmente notícias do foro político como é o caso das referentes a resultados eleitorais ou alusivas ao processo movido contra o Ex. Primeiro-ministro José Sócrates, para além das quezílias entre os bombeiros de Manteigas, só para dar alguns exemplos. Finda a reflexão caso a caso das categorias temáticas, tal como foi feito aquando da análise efetuada jornal a jornal, também é pertinente analisar a nuvem de palavras gerada Dimensões estéticas, cognitivas e tecnológicas de comunicação Capítulo 7 99 pelo conjunto dos diários (Figura 11). Figura 11 - Nuvem de palavras com as 100 palavras mais frequentes nas peças onde é referida a SE no conjunto de jornais analisados. A primeira ilação que se pode retirar da nuvem de palavras parece apontar no sentido de que a principal representação gerada pelos jornais diários generalistas remete para a mais tradicional associação da Serra da Estrela à neve (1178 referências), à chuva (621 referências), ao vento (600 referências) e ao tempo (573 referências), em última análise, ao Clima. No que este trabalho interessa, outra constatação pertinente remete, desde logo, para o elevado grau de abstração com que os mass media analisados circunscreveram os territórios habitualmente designados por “Serra da Estrela”. Como temos vindo a ver na reflexão dos documentos que constituem o corpus de análise desta investigação, esta designação foi utilizada de forma ambígua, umas vezes como sinónimo da NUT III12 Serra da Estrela (principalmente nas peças do foro económico e estatístico); noutros casos associada à cidade da Covilhã, à cidade de Gouveia, à cidade da Guarda, à cidade de Seia ou à vila de Manteigas (entre outros), ou aos respetivos concelhos; noutras situações confundida com o Maciço Central e noutras ainda, como se da Região de Turismo se 12 NUTS, Numenclatura das Unidades Territoriais para Fins Estatisticos. Neste caso, a NUT III Serra da Estrela era integrada pelos concelhos de Fornos de Algodres, Gouveia e Seia. http://www.igfse.pt/st_glossario.asp?startAt=2&categoryID=309 Dimensões estéticas, cognitivas e tecnológicas de comunicação Capítulo 7 100 tratasse. Por exemplo, a partir da nuvem de palavras gerada pelas 1007 peças reunidas nesta pesquisa, se tomarmos como objeto as cidades e vilas sedes de municípios que enquadram estes territórios montanhosos, que surgem nas 100 palavras mais frequentes, percebemos que não é fácil e imediato mapear esta região, a partir da distribuição por ordem decrescente: Guarda (620 referências, 7ª posição); Seia (293 referências, 29ª posição); Covilhã (244 referências, 39ª posição); Gouveia (204 referências, 62ª posição) e Manteigas (181 referências, 74ª posição). Da mesma forma se se procurarem topónimos ou localidades da Serra da Estrela na mesma nuvem de palavras a distribuição a que se chega também não é muito conclusiva: Torre (430 referências, 16ª posição), Piornos 257 referências, 35ª posição); Lagoa(s) (229 referências, 50ª posição); Vale (181, referências, 76ª posição); rio (155 referências, 93ª posição), maciço (153 referências, 94ª posição). 5 | CONSIDERAÇÕES FINAIS Neste trabalho pretendeu-se analisar o contributo dos media generalistas para a construção social da imagem percecionada da Serra da Estrela, sabendo, de antemão, que a maior cordilheira portuguesa gera duas imagens simbólicas assimétricas (Oliveira, 2019). Uma, sobejamente conhecida, que associa estes emblemáticos territórios ao clima, à neve e, naturalmente, ao inverno e a outra, mais frágil e, significativamente, menos disseminada ligada à época estival e às atividades culturais e na natureza. A partir do quadro categorial e dos resultados obtidos por um estudo realizado à escala nacional que apreciou a imagem dos principais destinos turísticos portugueses (Brandia Central, 2009), equacionou-se o papel da imprensa generalista enquanto fornecedora da informação mobilizada para a construção social dos lugares e regiões. A primeira abordagem às peças, referentes à Serra da Estrela, publicadas nas plataformas digitais dos quatro diários generalistas nacionais que constituíram o corpus de análise deste estudo, permitiu constatar, desde logo, que a Serra da Estrela é uma temática frequente, pois, no período em análise, gerou 1007 peças jornalísticas. Não obstante, uma apreciação conjunta dos diários demonstrou que a produção informativa acerca da Serra da Estrela não se distribui de uma forma homogénea ao longo do ano, pelo contrário, é indubitavelmente mais frequente no semestre que vai de novembro a abril do que no semestre que se estende de maio a outubro. Isto, se se excetuar o mês de agosto que comporta um número absoluto de peças jornalísticas ligeiramente superior à média. Ou seja, aparentam ser o tempo invernal e a neve, nos meses mais frios do ano e a Volta a Portugal em Bicicleta e os incêndios, no mês de agosto, que colocam a Serra da Estrela na “agenda” dos jornalistas portugueses e, por defeito, das suas audiências. Ainda acerca da distribuição das peças, importa referir que não se verificaram diferenças significativas entre o Correio da Manhã o Jornal de Notícias e o Diário de Notícias, mas que o Público apresentou uma distribuição díspar, tanto no que concerne às Dimensões estéticas, cognitivas e tecnológicas de comunicação Capítulo 7 101 categorias temáticas, como à distribuição das peças ao longo do ano. Essa dissemelhança, pareceu ir ao encontro da ideia, avançada por Nery (2004), de que o jornal Público difere dos outros jornais no que concerne quer à linha editorial, quer ao público-alvo. Transversal à generalidade das investigações que tomam como objeto a Serra da Estrela, é a ambiguidade na sua delimitação espacial, também patente nesta investigação, por via do elevado grau de abstração com que os mass media analisados circunscreveram os territórios habitualmente designados por “Serra da Estrela”. Para além disso confirmou-se que a maioria das representações associadas à principal cadeia montanhosa portuguesa remetem, antes de tudo, para o Clima e para a meteorologia, onde a palavra neve joga um papel importante. Concluiu-se, ainda, que a outra imagem, também amplamente associada aos territórios em estudo e que deriva da primeira constatação, remete para a Paisagem Natural, única nestes territórios montanhosos de Portugal Continental, por emergir de características geográficas e flora ímpares. Estas duas imagens refletem-se na apropriação de lazer destes territórios associada ao turismo/ excursionismo de montanha e a férias na neve que rivalizam no verão com uma propensão natural para o ciclismo de competição. Relativamente à categoria População Local, pese embora as escassas referências, a ideia que subsiste é a de produto de uma região pobre, associada a atividades tradicionais ancoradas no passado, em consequência dos maus acessos da região, a par de imagens românticas de pastores, queijeiros e tecelões, de tal forma prevalecentes que são raríssimas, por exemplo, as referências às instituições de ensino superior sediadas nesta região. A sobrevalorização das deslumbrantes Paisagens Naturais acaba por ensombrar as Paisagens Urbanas que, em última análise, nas narrativas dos media analisados, não se distinguem muito das do resto do interior montanhoso de Portugal Continental. A mesma explicação poderá também contribuir para justificar as pouco frequentes referências ao rico Património Histórico que sobeja na região. Parece que falar em Serra da Estrela continua a ser falar em hotéis glamoroso, pastores, pastoreio e ovelhas, pelo que é sinónimo do queijo que praticamente e com um certo grau de injustiça, assume quase o monopólio no que diz respeito à Gastronomia, vinculada pelos diários analisados a esta região. Chegados a este ponto parece evidente que a hipótese de trabalho que deu o mote à investigação que aqui se conclui é pertinente, uma vez que os resultados do presente estudo, indiciam uma sintonia entre as temáticas mais “agendadas” pelos media generalistas analisados e a perceção dos indivíduos inquiridos no estudo da Brandia Central (2009). Importa, por isso, enquadrar esses os resultados aqui obtidos nas teorias da comunicação. A Teoria da Construção Social da Realidade (Berger & Luckmann, 2004). perfila-se para sustentar teoricamente a confirmação da hipótese de investigação que desencadeou este estudo. Os teóricos desta corrente entendem que os media desempenham um papel determinante no processo de construção social da realidade, em grande medida, porque Dimensões estéticas, cognitivas e tecnológicas de comunicação Capítulo 7 102 são eles que veiculam os valores e as normas, isto é, o habitus, que sustentam as interações que reproduzem a sociedade (Bourdieu, 2010). As conclusões deste estudo parecem refletir esse processo social, isto porque ao escreverem sobre lugares, os jornalistas são permeáveis às representações preexistentes. Não obstante, prevalece a sensação de que algumas das conclusões deste trabalho perderiam força, se a metodologia escolhida não tivesse sido consultar a expressão “Serra da Estrela” nas plataformas digitais destes diários generalistas, através dos seus motores de busca. Isto é, subsiste a perceção que estes resultados são enviesados por esta estratégia de investigação. Se a pesquisa tivesse consistido em consultar as peças que remetem para os municípios que enquadram a mais alta cadeia montanhosa portuguesa (Celorico da Beira, Fornos de Algodres, Covilhã, Manteigas, Gouveia, Guarda e Seia), os resultados poderiam ter sido algo distintos. Mas tal metodologia iria colocar em causa o móbil deste trabalho que, como foi referido atempadamente, passou por encontrar o lugar da “Serra da Estrela” nas peças publicadas online nos jornais generalistas portugueses. REFERÊNCIAS BERGER, P. & LUCKMANN, T. A construção social da realidade: um livro sobre a sociologia do conhecimento. Lisboa: Dinalivro, 2004. BOURDIEU, P. Questões de Sociologia. Lisboa: Fim de Século, 2003. BRANDÃO, N. As Notícias nos Telejornais: Que serviço público para o século XXI? Lisboa: Guerra e Paz, 2010. BRANDIA CENTRAL Estudo de Atractividade dos Destinos Turísticos de Portugal Continental para o Mercado Interno – Destino Serra da Estrela, 2009. Disponível em: http://travelbi.turismodeportugal. pt/pt-pt/Documents/An%C3%A1lises/Mercados/serra%20da%20Estrela.pdf. CANAVILHAS, J. Del gatekeeping al gatewatching: el papel de las redes sociales en el nuevo ecosistema mediático, In Periodismo Digital: convergencia, redes y móviles, 119-133, ISBN: 978-987-677-014-9. Rosario: Laborde Libro Editor, 2011. CARDOSO, G. “Novas Políticas, «Novos Média»: Para um serviço público de internet” in Carrilho, Maria; Gustavo Cardoso; Rita Espanha (orgs.) Novos Média, Novas Políticas? Debater a Sociedade de Informação. Oeiras: Celta, 2002. CASTELLS, M. A Sociedade em Rede. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2002. ESPINAR, E., FRAU, C., GONZÁLEZ, M. & MARTÍNEZ, R. Introducción a la Sociología de la Comunicación. Alicante: Publicaciones Universidad de Alicante, 2006. GIDDENS, A. Sociologia. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1997. MARÍN, A., GALERA, C. & ROMÁN, J. Sociología de la Comunicación. Madrid: Editorial Trotta, 2003. Dimensões estéticas, cognitivas e tecnológicas de comunicação Capítulo 7 103 NERY, I. Política & Jornais: Encontros Mediáticos. Oeiras: Celta, 2004. OLIVEIRA, N. La construcción simbólica de la imagen de los territorios: la Serra da Estrela entre las imágenes tradicionales y la imagen turística. PASOS Revista de Turismo y Patrimonio Cultural, [S. l.], v. 17, n. 6, p. 1159-1177, 2019. DOI: 10.25145/j.pasos.2019.17.080. Disponível em: http://193.145.119.54/ index.php/Revista/article/view/1689. OLIVEIRA, N. Imagem cinematográfica, construção da realidade e atratividade turística dos territórios. Vista, [S. l.], n. 2, p. 224-245, 2018. DOI: 10.21814/vista.3004. Disponível em: https://revistavista. pt/index.php/vista/article/view/3004. ROCHER, G. Sociologia Geral: A Organização Social. Lisboa: Editorial Presença, 1999. SILVESTRE, M. 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No presente artigo fazemos a análise do contexto histórico e social dos anos 80 e 90, focando nos jovens de cada época e suas diferenças de pensamento e ação e como cada época influencia nessa vivência. Trabalho realizado com análise teórico-bibliográfica analisando artigos sobre as décadas e algumas matérias de revistas sobre as diferenças entre gerações. Essa diferença também pode ser vista na moda, analisando o artigo de ASSIS e GONÇALVES, A moda como fator de construção da sociedade. Também foi analisado o trabalho do sociólogo BAUMAN, além do cinema por MASCARELLO. PALAVRAS-CHAVE: MTV. Diferentes gerações. Linguagem audiovisual. ABSTRACT: This article qualitatively analyzes the interest of the media that invests in the spectacular strategy as a form of attraction. It Dimensões estéticas, cognitivas e tecnológicas de comunicação deals with the relationship that the written press has with the spectacle in general, the uses it makes of it and the extent to which it takes advantage or is betrayed by it. The reflection is theoretically based on the ideas of Mario Vargas Llosa, expressed in the work “The civilization of the spectacle”, and of authors who have dedicated themselves to the problem. As an object for the analysis, news published by the newspaper O Sul, in the years 2011 and 2018, selected in a non-probabilistic way, are used to meet the objective of this research. It is concluded that contemporary journalism must be attractive, without resorting to sensationalism. KEYWORDS: Show; history of journalism; printed journalism; journalism; Communication. 1 | INTRODUÇÃO Com o final da Guerra Fria e a dissolução da União Soviética em 1991, os jovens se viram perdidos em relação aos ideais políticos, sempre tão marcantes desde o início do novo mundo. Os conflitos políticos e bélicos foram os grandes responsáveis pela formação do mundo atual, direta ou indiretamente. Podemos utilizar como exemplo a criação da Internet que surgiu inicialmente como uma ferramenta militar, expandindo-se para universidades apenas na década de 80. A ideia de que os anos 90 foram “tempos prósperos” é muito comum, pois houve uma mudança mundial significativa, o crescimento do capitalismo no mundo e a popularização dos Capítulo 8 105 computadores pessoais e da internet, além da queda do muro de Berlin. Foi o início de uma nova era, mas mesmo essas inovações tecnológicas e políticas não fizeram o jovem dos anos 90 ter um ar menos apático e de tédio. Não havia mais ideais para serem alcançados, o contexto sociocultural da época deixava no jovem adulto um misto de angústia e depressão. O jovem dos anos 90 se tornou acomodado e repudiava as pressões sociais. Podemos ver um pouco dessas características no movimento grunge. Dentro da música, o grunge é um subgênero do rock alternativo inspirado no hardcore punk, heavy metal e indie rock e traduziam bastante o que se passava pela cabeça dos jovens adultos da época. Suas letras são cheias de melancolia, negligência, traição, desejo de liberdade, sarcasmo e autodúvida. O visual grunge também é ponto importante para a presente análise. Bastante desleixada, a moda dos anos 90 se mostra muito diferente da moda dos anos 80. As calças eram mais largas e caídas, tênis sujos e sem muito cuidado em sua amarração, camisas de bandas e uma flanela por cima, deixaram a teatralidade dos anos 80 totalmente de lado, visando apenas o conforto e bem-estar do momento. De acordo com Seeling (2000) o fim do século XX foi marcado pela globalização, o que influencia a sociedade em diferentes aspectos. Os jovens tinham acesso ao que ocorria em outros lugares do globo, não apenas o que era divulgado regionalmente, tendo como principal característica o minimalismo, uso de cores mais sóbrias e menos chamativas. Pela moda ao decorrer das décadas, podemos analisar também a sociedade em geral. Nos anos 80, ainda vivíamos o medo de uma guerra nuclear, Estados Unidos e União Soviética buscando crescimento tecnológico a todo custo. A moda era baseada em cores chamativas, ombreiras grandes e bem desenhadas, estampas em xadrez de diferentes cores e outras. A moda dessa década também está bastante ligada às mulheres que começaram a conquistar mais espaço no mercado de trabalho. Os blazers de corte reto tiveram seu auge nessa década e eram muito utilizados pelas mulheres que trabalhavam fora, executivas e outras e logo foi levado também para os guarda-roupas como uma peça estilosa que poderia ser usada com shorts, por exemplo. A moda fitness também ganhou destaque nessa época, saindo das aulas de ginástica para ganhar nas ruas. Calças de moletom, legging e tênis mais despojados davam tanto para mulheres quanto para homens um ar de maior conforto mesmo no dia a dia. Já nos anos 90, o que importava era estar confortável o tempo todo. A blusa de flanela amarrada na cintura pode ser considerada um símbolo dessa época e era muito utilizada principalmente pelos jovens. A MTV Brasil (Music Television Brasil) chegou às telas no início dos anos 90 e encerrou suas atividades na TV aberta em 2013. O principal foco da emissora era o público jovem (de 12 a 29 anos) e ao longo do tempo foi diversificando sua grade, antes constituída principalmente por videoclipes, sempre mantendo o foco em seu público alvo. Isso pode ser notado pela linguagem utilizada na emissora. Mesmo com a mudança na grade e a Dimensões estéticas, cognitivas e tecnológicas de comunicação Capítulo 8 106 inclusão de programas diversificados como talk shows, reality shows e outros, quando falamos sobre MTV a principal lembrança é a dos videoclipes. O presente artigo busca expor, por meio de análise bibliográfica, como era a sociedade nos anos 1980 e 1990 e porque a estética utilizada pela MTV (Music Television) foi tão marcante para essa e futuras gerações, além de seu impacto na cultura jovem. 2 | DESENVOLVIMENTO 2.1 Estética dos anos 80, polarização política e risco nuclear A década de 80 foi um misto de emoções na política mundial. Enquanto o mundo enfrentava a Guerra Fria entre Estados Unidos e União Soviética, o Brasil ainda passava pelos últimos atos da Ditadura Militar, que terminou em 1985. Com a constante evolução tecnológica gerada pela Guerra Fria, construção de foguetes e satélites, o medo de uma ameaça nuclear aterrorizava o mundo, afinal, se com um avião e uma bomba, os Estados Unidos puseram fim à Segunda Guerra Mundial, o que não poderia acontecer com satélites orbitando o planeta? Foi durante a Guerra Fria que os Estados Unidos, que já vinham investindo nos estudos tecnológicos desde a década de 20, se estabeleceram como uma das grandes potências tecnológicas também. Esses estudos permitiram a “miniaturização” dos computadores, o que levou a popularização dos computadores pessoais na década de 80. Foi ainda durante a Guerra Fria que a Internet teve seu esboço criado. A proposta era manter a comunicação entre o governo norte americano e as bases de comunicação, sem perder as informações sigilosas do Pentágono, em caso de ataque. Assim desenvolveram uma rede de transmissão de dados, a ARPANET (Advanced Research Projects Agency Network).(COSTA, 2013, p. 220). Castells (2007, p. 44) diz que a ARPANET não era controlada por nenhum centro e composta por milhares de redes de computadores autônomos com inúmeras maneiras de conexão. Caso uma das bases fosse atacada, as outras manteriam a comunicação sem perdas. Foi só com o fim da Guerra Fria que essa tecnologia começou a ser disponibilizada para universidades e era usada principalmente para pesquisas e envio de e-mails. Os anos 40 foram um grande passo para a independência feminina, mas foi nos anos 80 que isso ficou claro. Elas não precisavam trabalhar, elas queriam trabalhar. Essa vontade de poder se apresentou também na moda, com as ombreiras e blazers de corte reto, que traziam para as mulheres uma postura mais impositiva, sem perder o charme e a feminilidade. Ainda nos anos 80, foi criada a MTV (Music Television), um dos grandes marcos da cultura pop da década. O canal era sediado na cidade de Nova Iorque e originalmente Dimensões estéticas, cognitivas e tecnológicas de comunicação Capítulo 8 107 focava em programas de videoclipes apresentados por personalidades da televisão que eram conhecidos como “video jockeys”, os famosos VJs. Foi também nos anos 80 que começaram a nomear o cinema como “pós moderno”, que era tudo o que ia contra as vanguardas e cinema já estabelecido. De acordo com Mascarello (2006, p. 361), “pós-modernidade diz respeito a um período histórico e pósmodernismo se refere a um campo cultural”. Para entender melhor estes conceitos, vamos pensar no período histórico da “modernidade”, que começou após a revolução industrial e o “modernismo” que começou aproximadamente 100 anos depois, com Picasso, Stravinsky e outros. Ou seja, nem tudo que surge no período pós-moderno (histórico) é pós modernista. É no cinema que vemos uma das mudanças nos ícones da época, como por exemplo a mudança na figura feminina retratada nos filmes. Em 1960, o ideal feminino era uma jovem mais rebelde, politizada e alheia à sociedade de consumo. Nos anos 80 essa jovem foi substituída por uma garota igualmente jovem, mas usando um shorts curto e passeando pela cidade de patins. Essa mudança do perfil da personagem mostra como a sociedade estava mudando (MASCARELLO, 2006). Ao analisarmos o filme Blade Runner, de 1982, vemos retratados os temores reais da época. O filme é ambientado em uma Los Angeles decrépita no ano de 2019, com uma mixagem étnica muito grande, sendo a maioria da população formada por povos chineses, ruas destruídas e cheias de lixo, carros voadores (podemos ver isso retratado em De Volta Para o Futuro, de 1985, mas em uma visão mais fantástica), armazéns vazios e outros signos, que retratavam a fragmentação e as incertezas para o futuro dessa época (MASCARELLO, 2006). 2.2 Estética dos anos 90, aspectos da sociedade e superexposição de celebridades na televisão Muitos dizem que os anos 90 não deixaram uma marca na história tão forte quanto os anos 70 ou 80, mas inúmeras coisas ocorreram nesta década e que hoje estão sendo revisitadas. Foi nos anos 90 que surgiu o movimento Grunge, marcado por bandas como Nirvana, Pearl Jam e Alice In Chains, com seu estilo despojado (até bastante melancólico), calças largas, camisas de flanela e tênis All Star. Foi nesta década também que a União Soviética foi dissolvida oficialmente e teve início a Guerra do Golfo entre Estados Unidos (liderando um bloco mundial) e Iraque, que ficou muito marcada pela transmissão em tempo real pelas redes de televisão americanas. A Guerra do Golfo começou com a invasão do Kuwait pelo Iraque, que estava insatisfeito com algumas ações do governo do Kuwait, como os acontecimentos da década de 1980 relacionados com a Guerra Irã-Iraque. Durante essa guerra, o Iraque contou com o apoio dos EUA que estavam interessados em enfraquecer o Irã e também da Arábia Saudita e do Kuwait (que emprestou dinheiro para o Iraque). A guerra foi encerrada como Dimensões estéticas, cognitivas e tecnológicas de comunicação Capítulo 8 108 empate, mas o apoio recebido pelo Iraque impediu que o resultado fosse negativo para o país. Após a guerra, a economia do Iraque entrou em crise, foi necessário aumentar a arrecadação no país e a maior fonte de renda no momento era o petróleo, mas o valor do barril era considerado baixo. O governo Iraquiano acusava o Kuwait de ser o culpado pela alta do valor do petróleo, por extrair mais do que o limite definido pela Organização dos Países Exportadores de Petróleo, além de extraírem de fontes muito próximas às fronteiras com o país. O Kuwait começou também a cobrar os valores emprestados durante a guerra. Todos esses fatores fizeram com que o Iraque começasse uma investida armada contra o Kuwait, dando início a guerra que durou menos de um ano, mas deixou uma marca na história dos dois países. Assim que as tropas iraquianas invadiram o país, foi instaurada a Resolução 660 pelo Conselho de Segurança da ONU (Organização das Nações Unidas), que determinava a saída imediata deles. O Iraque não cumpriu com a medida, o que resultou no desembarque de tropas americanas e inglesas no território saudita. Isso marcava o início das diferentes investidas americanas no oriente médio, que duram até os dias de hoje. Essa foi a primeira guerra com cobertura televisiva, que mostrava os horrores do conflito, estilo “videogame”. As pessoas viram a destruição causada pela guerra da sala de casa. Foi também nos anos 90 que Nelson Mandela foi libertado, após 27 anos na cadeia, marcando uma grande vitória sobre o Apartheid e eleito presidente da África do Sul em 1994. Os computadores pessoais se tornavam cada vez mais populares e a internet, ainda que discada, já começava a chegar aos lares das pessoas. A televisão brasileira passou por um momento bastante obscuro nos anos 90. Com o fim da Ditadura Militar em 1985 e as leis de repressão e censura, a TV aberta teve um rápido crescimento e o importante era a audiência. Por isso, valia tudo para manter as pessoas na frente das telas abauladas o maior tempo possível. Os grandes astros desse período foram os programas de auditório apresentados por Gugu Liberato, Faustão e Luciano Huck, que foram os protagonistas de inúmeros episódios lembrados até hoje. Um deles foi o Sushi Erótico, apresentado por Faustão em 1997, onde artistas que estavam em evidencia no momento eram convidados ao palco para comer sushi servido diretamente nos corpos quase nus de modelos. Outro famoso momento foi a Banheira do Gugu, jogo onde dois participantes (geralmente do gênero oposto) tentavam pegar sabonetes em uma banheira cheia de água, apenas com roupas de banho (pequenas e cavadas, como era a moda na época). Foi também nos anos 90 que o pagode e o axé ganharam ainda mais fãs pelo país, com figuras como Exaltasamba, Raça Negra e É o Tchan!. Assim como a Xuxa tinha suas paquitas, É o Tchan! tinha sua loira e sua morena do Tchan, realizando inclusive concursos na TV aberta quando uma das dançarinas iria sair do grupo, para escolher a nova loira e Dimensões estéticas, cognitivas e tecnológicas de comunicação Capítulo 8 109 a nova morena do Tchan. Foi no programa do Luciano Hulk que surgiram duas personagens da mídia brasileira dessa época, Tiazinha e Feiticeira, que desfilavam em plena tarde, com roupas sensuais, máscaras e chicotes. Tiazinha se tornou um ícone, lançando inclusive um modelo de tamanco que acompanhava uma máscara como a que a moça usava. 2.3 Anos 2000: aspectos sociais, globalização e início das redes sociais Logo no início dos anos 2000, o mundo foi atingido pela notícia do atentado às Torres Gêmeas do complexo empresarial World Trade Center em 11 de setembro de 2001 quando 19 terroristas sequestraram aviões comerciais e iniciaram os ataques suicidas, jogando os aviões contra os prédios. Um terceiro avião ainda foi direcionado contra o prédio do Pentágono, a sede do Departamento de Defesa dos Estados Unidos e um quarto avião caiu em um campo perto de Shanksville, após os passageiros e tripulantes tentarem retomar o controle da aeronave. Ao todo, quase 3 mil pessoas foram mortas no atentado, incluindo todos os passageiros dos aviões e pessoas que moravam em prédios próximos atingidos pela destruição das Torres Gêmeas. A era do medo recomeçava e agora os olhos do mundo se voltariam para os países islâmicos. Como retaliação, os EUA invadiram o Afeganistão, buscando pelos terroristas da al-Qaeda, que assumiram a culpa pelo atentado. Começava assim a Guerra ao Terror, com diferentes países reforçando suas leis antiterroristas e aumentando as medidas de segurança em aviões, além de medidas antes consideradas invasivas. Algumas nações também começaram a sofrer com o preconceito por associação, como muçulmanos de diferentes partes do mundo sofrendo retaliações e desconfiança. Os anos 2000 foram marcados também pela popularização das redes sociais, principalmente entre os jovens. O termo redes sociais é mais utilizado para social networkings sites ou sites de relacionamento, como o Facebook ou o Instagram. Nessas plataformas as pessoas não se relacionam apenas com seus amigos ou seguidores, elas conseguem expandir o relacionamento para outras pessoas. Autores como Martino descrevem as redes sociais como “um tipo de relação entre seres humanos pautada pela flexibilidade de sua estrutura e pela dinâmica entre seus participantes” que embora muito utilizadas para falarmos de agrupamentos sociais online, a ideia de redes sociais é um conceito mais antigo, desenvolvido pelas Ciências Sociais para explicar também alguns tipos de relacionamento entre as pessoas. Elas são definidas por elementos como seu caráter horizontal, sem uma hierarquia rígida, diferente dos relacionamentos em instituições sociais que encontramos em nosso dia-a-dia. Com as redes sociais as pessoas não só compartilham conteúdos, ideias e informações, mas debatem sobre. O conjunto de sites que formam as redes sociais tem como objetivo formar um ambiente favorável à interação social, mesmo que fluída. Dimensões estéticas, cognitivas e tecnológicas de comunicação Capítulo 8 110 O autor Luís Mauro Sá Martino faz uma comparação no livro “Teoria das Mídias Digitais” sobre as instituições nas quais estamos inseridos, como a familiar e a religiosa com a forma como funcionam os relacionamentos nas redes sociais. [...] Instituições como a família, o trabalho ou a religião, tendem a ser mais rígidas para com seus membros do que as redes sociais - não se casa todos os dias, por exemplo, nem se muda de religião a toda hora. Nas redes, por seu turno, conexões são criadas, mantidas e/ou abandonadas a qualquer instante, sem maiores problemas. (MARTINO, 2014. P. 56 e 57). Com o passar do tempo a internet ganhou um novo formato e uma nova função. Sites como a Wikipédia, criado em 2001, substituíram as enciclopédias (muitas vezes desatualizadas), as listas telefônicas também foram substituídas por uma rápida pesquisa no Google e novos aparelhos e formas de acessar a internet foram desenvolvidas. O e-mail expandiu-se até sair de moda, substituído por plataformas de conversação em tempo real, como o Messenger. Ficou fácil publicar e ter uma presença online, graças às redes sociais. Vieram o Facebook (2004), o YouTube (2005), o Twitter (2006), o streaming via Netflix (2007), o Instagram (2010). Todo mundo ficou conectado. O comércio, os serviços, o entretenimento e a informação tornaram-se online, à distância de uns cliques (MELO, 2017). 2.4 MTV e seus anos dourados A MTV (Music Television) nasceu nos anos 80 trazendo uma roupagem jovem que combinava com a geração da época. O canal focava na apresentação de clipes musicais e ajudou na divulgação de diferentes artistas. A produção de clipes ainda não era muito difundida, pois não havia uma plataforma ou meio de divulgação para o trabalho, mas com o tempo se tornou um dos grandes atrativos para divulgação de novas músicas e álbuns dos artistas. Inicialmente a emissora focava no estilo rock ‘n’ roll, mas foi com os clipes de Michael Jackson que a emissora teve seus primeiros lucros. Em 10 de março de 1983, o clipe da música Billie Jean foi transmitido pelo canal, se tornando o primeiro clipe de um artista negro na programação. O especialista Rob Tannenbaum, co-autor do livro “I want my MTV: The Story Uncensored of The Music Revolution” (Quero minha MTV: A história se censura da revolução da música, em tradução livre) afirma que “não basta dizer que os vídeos de Thriller forçaram a MTV a se integrar: Michael Jackson ajudou a salvar a rede de TV do fechamento”. A estética do canal começou a se formar a partir disso. A linguagem era jovem, os apresentadores (VJ’s) usavam gírias, a parte visual e a linguagem do canal eram voltadas para esse público, que já não se via representado no formato padrão de novelas e telejornais. Historicamente, os canais de televisão não davam importância para a parte estética, apenas focavam em questões ideológicas e culturais, como apontam Jacobs e Peacock (2013). Dimensões estéticas, cognitivas e tecnológicas de comunicação Capítulo 8 111 A estética diferente em uma grade televisiva poderia ser vista como uma provocação para muitos estúdios, principalmente aqueles que ainda se utilizavam do conforto das tradições midiáticas e sociais. Neste ponto, havia uma grande parcela da sociedade, os jovens, que estavam sendo ignorados, como afirmou o ator John Schneider ao Wall Street Journal. A MTV não só mostrava os videoclipes, toda a programação era voltada para a música, para o público jovem e eles também apresentavam os artistas. A linguagem do canal também era bastante interativa, o público participava da construção do canal, como os programas de batalhas de clipes onde os espectadores escolhiam por meio de uma votação qual seria o próximo clipe exibido no canal. Em 1983 surgiu a campanha “I want my MTV”, que colocou o canal no mapa dos investidores, a MTV vendeu mais anúncios no primeiro trimestre de 83 do que em todo o ano anterior e a partir daquele momento “VJ’s não teriam mais que explicar sua profissão para amigos e familiares. Eles estavam recebendo individualmente mais de 200 cartas de fãs por semana” (DESINOFF, 1988). 2.5 Atualidade? A volta da estética dos anos 80/90 O ano é 2016, a geração Y, predominante nos anos 90 está se tornando adulta, trabalhando e ganhando seu próprio dinheiro. O mundo evoluiu, carregamos computadores melhores e mais potentes do que os que levaram o homem para a lua em nossos bolsos, sem nem nos darmos conta de como tudo aconteceu. A turbulência da sociedade atual acaba trazendo uma necessidade de nostalgia, de um sentimento de casa. Há uma regra não escrita que diz que, a cada 20 anos, a sociedade passa por uma onda de nostalgia. Ela nem sempre é experimentada da mesma forma. Na década de 1940, o saudosismo pelos anos 1920 clamava pela volta da era do jazz, um tempo de festa e prosperidade dizimado pela Grande Depressão de 1929. A nostalgia da década de 1960 carregava consigo o desgosto dos hippies e rebeldes que desejavam mudar o mundo, mas se acomodaram. Na nossa era, não se faz mais nostalgia como antigamente. O saudosismo não está relacionado ao mundo em que desejávamos viver ou a quem aspirávamos ser, mas está focado em aparelhos, roupas, entretenimento e outros objetos de consumo. (FINCO, 2016, s/p). No meio dessa onda turbulenta, surge o famoso Pokémon Go, jogo de realidade aumentada baseado na série animada japonesa e franquia de jogos Pokémon, famosa nos anos 90. A nostalgia causada pelo jogo torna ele um fenômeno entre os mais velhos, além de conquistar novos públicos a partir de sua roupagem mais moderna. O mesmo ocorreu com a série Stranger Things, veiculada pela plataforma de streaming Netflix desde 2016. Ambientada na década de 80, a série mistura ficção científica, terror e suspense com uma boa dose de drama adolescente e conquistou públicos de diferentes idades. Um diferencial é a volta da atriz Winona Ryder, muito famosa nos anos 90, que ficou afastada dos holofotes na década de 2000 após problemas pessoais. Ela é Dimensões estéticas, cognitivas e tecnológicas de comunicação Capítulo 8 112 a cara dos anos 90, sendo lembrada por Beetlejuice e Edward Mãos de Tesoura, ambos de Tim Burton. Na moda também vemos essa retomada da estética dos anos 80/90, com as famosas mom jeans (calças jeans de cintura alta e normalmente mais largas), pochetes e estampas que fizeram muito sucesso em 80, além do estilo Grunge dos anos 90 com uma nova roupagem, mais alternativa e despreocupada. Mas porque estamos apostando tanto no passado, como alternativa para o futuro? Primeiro devemos considerar que tudo o que fazemos, usamos, assistimos ou compramos, já existiu de alguma forma. Apostamos nessas tendências do passado pois é mais fácil se encontrar e ficar confortável com algo que já é costumeiro do que arriscar algo novo, sem a certeza de que aquilo dará certo. Esse é um dos pontos da Modernidade Líquida, teoria do sociólogo Zygmunt Bauman. Ele surge com o tempo “líquido” ou “fluido” para falar das relações entre as pessoas e das pessoas com as coisas. Sempre quando queremos algo, abrimos mão de algo igualmente valioso. Os homens e as mulheres pós-modernos trocam um quinhão de suas possibilidades de segurança por um quinhão de liberdade. Os mal-estares da modernidade provêm de uma espécie de segurança que tolerava uma liberdade pequena demais na busca da felicidade individual. Os mal-estares da pós-modernidade provêm de uma espécie de liberdade de procura do prazer que tolera uma segurança individual pequena demais. (BAUMAN, 1997). Ou seja, antigamente as pessoas trocavam um pouco de sua liberdade por segurança, já hoje, trocam a segurança por um pouco mais de liberdade. Mas então, porque investir em algo que pode mudar também rapidamente? Pelo sentimento de nostalgia que já abordamos. É mais fácil aceitar, entender algo que já aconteceu do que começar do zero, mesmo que a ideia de começar do zero já não seja completamente verdade. Tudo o que fazemos já foi pensado ou imaginado em algum momento, mas agora temos liberdade para fazer aquilo pois já sabemos qual é o início, o meio e o fim. 2.6 Aspectos da sociedade atual que dialogam com os anos 90 2.6.1 Sexualização das celebridades (antes na televisão, agora nas redes sociais) A televisão brasileira passou por um período de liberdade exacerbada nos anos 1990. Como já citado, as emissoras abertas estavam em constante busca por audiência e aproveitando o fim da ditadura e da censura, apostaram em quase tudo. A sexualização das celebridades era explícita, era normal ver celebridades de biquíni e sunga completamente molhados, no programa de domingo à tarde. Ocultar mensagens em letras de música foi muito comum nos anos da ditadura, normalmente mensagens de protesto como na música “Cálice” de Chico Buarque, mas isso continuou acontecendo nos Dimensões estéticas, cognitivas e tecnológicas de comunicação Capítulo 8 113 anos 90, agora com mensagens sexualizadas e muitas vezes sexistas. Hoje em dia vivemos a era da internet, onde temos acesso ao mais diversos conteúdo que podemos imaginar. Uma nova categoria de personalidades surgiu, os influencers. Influencers são pessoas que compartilham seu estilo de vida com o público pelas redes sociais, o que acaba “influenciando” muitas pessoas. Essas novas celebridades podem receber patrocínio de algumas marcas, como uma influencer fitness que recebe patrocínio de uma marca de suplementos esportivos e faz a divulgação daquela marca, a chamada parceria. Um estudo pelo NIMD (Núcleo de Inovação em Mídia Digital) da FAAP (Fundação Armando Álvares Penteado) em parceria com a plataforma Socialbakers aponta que o número de seguidores dos influencers subiu aproximadamente 17,3% (no Instagram) nos primeiros 3 meses da pandemia do novo Coronavírus, em 2020. Para seguir as regras de isolamento social, a tela do celular se consolidou como nossa janela para o mundo. O ideal estético é variável e muda de acordo com o país e a época da qual estamos falando. Se pensarmos nos anos 50, o ideal de beleza eram as Pin Ups, atualmente na Ásia, quanto mais magra e com a pele mais clara, mais bonita a mulher é, já no Marrocos, o ideal de beleza feminino é uma mulher misteriosa e curvilínea. Mas e quando nos vemos longe desse padrão? Grande parte da indústria da moda, que ainda mantém padrões corporais congelados, com medidas quase impossíveis de serem alcançadas. Mas hoje as passarelas e revistas foram substituídas pelas redes sociais, não é mais necessário abrir uma revista para ver os corpos idealizados, eles saltam aos nossos olhos quando abrimos as redes sociais. A sexualização das modelos e influencers pode ser comparada ao que ocorria na televisão nos anos 90 e as meninas acabam sendo bastante influenciadas por isso. Um exemplo é a cantora Melody, atualmente com 14 anos. O pai da cantora, Thiago Abreu, conhecido como Mc Belinho foi investigado pelo Ministério Público de São Paulo sob suspeita de violação ao direito ao respeito e à dignidade da criança/adolesce, pelo visual sexualizado e adultizado da menina que usava salto alto, roupas curtas e maquiagem carregada em seus clipes. As letras de suas músicas, produzidas pelo pai, também traziam um teor sexual muito grande. Após o início do inquérito algumas letras foram reformuladas, além do visual da cantora que ficou mais condizente com sua idade. Infelizmente novas polêmicas surgiram em 2019, quando o Youtuber e Influencer Felipe Neto se mostrou indignado, dizendo que já havia tentado ajudar, e que o pai da menina prometeu melhorar, mas tudo estava pior. Na época, a menina tinha 11 anos. A sensação de insuficiência e não pertencimento que não estar nesses padrões pode causar, trazem consequências para a vida das pessoas, principalmente de meninas mais novas que ainda não tem uma personalidade e mentalidade sociais completamente formadas. Muitas celebridades já conhecidas têm levantado bandeiras pela aceitação dos Dimensões estéticas, cognitivas e tecnológicas de comunicação Capítulo 8 114 corpos. Taís Araújo (42), atriz brasileira, brinca em uma publicação no Twitter sobre seus filhos terem dito que sua perna tem consistência de amoeba e é cheia de furinhos. Figura 1 – Comentário da atriz Taís Araujo. Fonte: Twitter (2021). 2.6.2 Porque a estética de MTV dos anos 90 seria atrativa para a nova geração Ao analisarmos o contexto no qual a geração jovem dos anos 90 estava inclusa, percebemos uma juventude perdida em relação aos ideias, melancólica e apática, que se via pouco representada na mídia tradicional e se identificava com as tristes letras do Nirvana. With the lights out, it’s less dangerous (Com as luzes apagadas é menos perigoso) Here we are now, entertain us (Estamos aqui agora, nos entretenha) I feel stupid and contagious (Me sinto estúpido e contagioso) Here we are now, entertain us (Estamos aqui agora, nos entretenha) A mulatto, an albino (Um mulato, um albino) A mosquito, my libido (Um mosquito, minha libido) Yeah, hey, yay I’m worse at what I do best (Sou o pior no que faço de melhor) And for this gift I feel blessed (E por essa dádiva me sinto abençoado) Our little group has always been (Nosso pequeno grupo sempre foi assim) And always will until the end (E sempre será até o fim) Smells like teen spirit - Nirvana 1991 A música Smells Like Teens Spirit do Nirvana, gravada em 1991, fala muito sobre a sociedade da época e mostra essa melancolia. Não existia mais uma razão real para Dimensões estéticas, cognitivas e tecnológicas de comunicação Capítulo 8 115 aquela geração, algo que desse um impulso para o crescimento dos jovens. Na televisão apenas programas voltados para adultos, programas de auditório que não chamavam atenção. Jornais com uma estética parada no tempo. Programas que duravam horas e ocupavam toda a grade de domingo. E em meio ao “quadrado”, o caos. A MTV trazia uma estética de cortes rápidos, conteúdo feito de jovens para jovens. A grade interativa fazia o jovem da época se sentir mais importante, “eles querem a minha opinião, mesmo que seja na próxima música que vai tocar”. A geração 90 foi uma geração que precisava ser ouvida, mas não tinha para quem gritar. Nos anos 2000 e toda a guerra ao terrorismo, surgiu novamente um ideal pelo qual lutar. A polarização política também começou a crescer nesse período, junto com as redes sociais e a popularização do meio para mostrar sua voz e dar sua opinião. 3 | CONSIDERAÇÕES FINAIS Chegamos então na atual geração, os famosos Millennials (ou geração do milênio), nascida a partir dos anos 2000 e que cresceram junto com a internet. Essa geração traz traços marcantes da modernidade líquida de Bauman, como o desapego e a segurança sendo deixada de lado pela liberdade. Como a linguagem da MTV dos anos 90 seria interessante para essa geração, agora com seus 20 anos? Se pensarmos pelo ponto de vista visual, a programação da MTV era cheia de cortes rápidos, vinhetas que misturavam colagem, recorte, grafite e outras formas de arte, troca rápida de câmera e outros elementos que também são encontrados nos filmes da época, como os filmes de Guy Ritchie e Quentin Tarantino. O cinema pós-moderno assume um caráter híbrido e opera com elementos do cotidiano das massas como videoclipes, propagandas, trazendo um cinema muito mais representativo e compreensivo, com uma linguagem rápida e acessível para todos. Essa linguagem pode ser vista também no canal de televisão MTV (Music Television), que mesmo com sua estética inovadora, não deixou de se comprometer com o capital e as propagandas, como qualquer empresa multinacional. Por isso a linguagem dos videoclipes foi muito utilizada no cinema, pois levava uma rápida compreensão, era algo rotineiro para os mais jovens. Atualmente passamos por mais uma crise geracional. Os mais novos, com seus 12/15 anos, já cresceram com a internet, com a exposição e as facilidades que ela trouxe para nosso dia a dia. O que antes era uma janela para sairmos da nossa realidade, tornouse nossa realidade. Atualmente o canal MTV Brasil não funciona na TV aberta, tendo sua programação encerrada no dia 30 de setembro de 2013. Com a mudança de público, o canal também Dimensões estéticas, cognitivas e tecnológicas de comunicação Capítulo 8 116 precisou passar por algumas atualizações e atualmente aposta em reality shows como “De féria com o ex”, que fazem bastante sucesso. Grande parte da programação é uma versão brasileira dos programas apresentados na matriz americana. A programação da MTV Brasil é facilmente encontrada no site da própria emissora, que serve apenas para apresentar os programas e a grade da programação. Diferente das vinhetas bem trabalhas da antiga emissora, o site é bastante simples e básico, com uma interface comum e com grande usabilidade, mas poucas funções. Diferentes temporadas dos programas foram vendidas para plataforma de streaming mais famosas, além de contarem com seu próprio canal de streaming, a MTV Play. Além disso, muitas redes de televisão por assinatura transmitem o canal. Acredito que a linguagem da MTV é interessante para conversarmos com as novas gerações, abordando assuntos sérios de uma forma descontraída, utilizando plataformas que já são familiares para eles (por que não dizer nós?), de fácil compreensão e principalmente, que chamem atenção. Ninguém vai parar na frente do computador ou do smartphone por 10 minutos para ver um vídeo que é de seu interesse, por isso, acredito que utilizar a linguagem proposta para dialogar verdadeiramente com os jovens sobre assuntos relevantes e muitas vezes apresentados de forma maçante seja um bom caminho para a comunicação. Os jovens não são o futuro do país? Então vamos tornar o país ao menos um clique melhor. AGRADECIMENTOS Deixo um agradecimento especial para os professores Anderson Costa e Cristian Cipriani, que me auxiliaram muito na construção do presente trabalho. Além deles, agradeço também ao professor Fábio Lúcio Zanella, meu guru na caminhada acadêmica e Luiz Carlos Machado, quem plantou a sementinha há tantos anos. Obrigada pessoal. REFERÊNCIAS ASSIS, Isabel Cristina da Silva; GONÇALVES, Douglas Baltazar. A moda como fator de construção da sociedade. 2015. Disponível em: https://portalintercom.org.br/anais/nacional2015/resumos/R103357-2.pdf BAUMAN, Zygmunt. O mal-estar da pós-modernidade. Polity Press, Cambridge, Inglaterra. 1997. CASTELLS, Manuel. A sociedade em rede: A era da informação: economia, sociedade e cultura. v. 1; 10 edição, São Paulo, Paz e Terra, 2007. COSTA, Bárbara Regina Lopes. A Internet e a hibridização das mídias. 2013. Universidad de La Empresa, Uruguai. Disponível em: <https://www.researchgate.net/profile/Barbara-Regina-Costa/ publication/306107242 _A_Internet_e_a_hibridizacao_das_midias/links/57b1efe508ae15c76cbb352b/A Internet-e-a-hibridizacao-das-midias.pdf >. Acesso em: 20 mar. 2021. Dimensões estéticas, cognitivas e tecnológicas de comunicação Capítulo 8 117 DESINOFF, Serge R. Inside MTV. Primeira publicação, Transaction Publishers, 1988. FINCO, Nina. A nostalgia dos anos 90. In. Revista Época, 2016. FUNDAÇÃO ARMANDO ALVARES PENTEADO. Dados do estudo #MS360FAAP mostram que início da quarentena causada pela Covid-19 impulsionou os perfis de criadores de conteúdo e influenciadores no Instagram. Disponível em: https://www.faap.br/noticia/dados-do-estudoms360faap-mostram-que-inicio-da quarentena-causada-pela-covid19-impulsionou-os-perfis-decriadores-de-conteudo e-influenciadores-no-instagram/886. 2020. GOLDANI, A. M. (2002). Família, gênero e políticas: famílias brasileiras nos anos 90 e seus desafios como fator de proteção. Revista Brasileira De Estudos De População, 19(1), 29–48. Recuperado de https://www.rebep.org.br/revista/article/view/329 JACOBS, Jason; PEACOCK, Steven. Television aesthetics: Stylistic analysis and Style. Primeira publicação, Bloomsbury Publishing, 2013. MARTINO, Luís Maura Sá. Teorias das Mídias Digitais: linguagens, ambientes e redes. 2 ed. São Paulo: Editora Vozes, 2014. MASCARELLO, Fernando. História do Cinema Mundial. Editora Papirus. Campinas, São Paulo. 2006. MELO, Itamar. A geração 2000: Como era o mundo ontem, como é o mundo hoje. In. GZH Comportamento, 2017. SEELING, Charlotte. Moda: O Século dos Estilistas: 1900-1999. Colônia: Könemann, 2000. Dimensões estéticas, cognitivas e tecnológicas de comunicação Capítulo 8 118 CAPÍTULO 9 A TELEVISÃO TEM FUTURO? UMA ANÁLISE SEMIÓTICA DA ÚLTIMA VINHETA DA MTV BRASIL Peirceana; Televisão. Data de aceite: 01/05/2022 Data de submissão: 07/04/2022 1 | INTRODUÇÃO Darly Gonçalves de Souza Júnior Centro Universitário Faesa Vitória - Espírito Santo Victor Reis Mazzei Centro Universitário Faesa Vitória - Espírito Santo O ano de 2013 foi palco dos protestos que aconteceram em todo o país e são lembrados pela sua repercussão. Com início em São Paulo, no mês de janeiro, por conta do aumento de R$ 0,20 na tarifa de ônibus, as manifestações ganharam força e, em junho, o movimento reuniu milhões de pessoas em todo o país. Conhecido como “Jornadas de junho”, RESUMO: O ano de 2013 marcou o encerramento das atividades da MTV Brasil na televisão aberta, sob gestão da Abril Radiodifusão. Após 23 anos de transmissão do canal, que abordou música, comportamento, entre outros assuntos por meio de uma linguagem direta com seu público jovem, a marca foi devolvida para a Viacom, conglomerado americano dono do formato. Entretanto, antes do fim, o canal, conhecido por fazer do intervalo comercial uma atração, produziu a vinheta “A Televisão Tem Futuro?”, que questiona o destino da TV como meio de comunicação de massa, haja vista tantas inovações e concorrentes, como o streaming. O objetivo deste artigo é analisar, sob o ponto de vista da semiótica peirceana, quais elementos serviram de base para criação e como foram representados, fazendo com que possamos entender melhor a mensagem transmitida na produção. Como conclusão, percebe-se a utilização de referências da história da comunicação no Brasil que dialogam com a própria história da MTV Brasil. PALAVRAS-CHAVE: MTV Brasil; Semiótica Dimensões estéticas, cognitivas e tecnológicas de comunicação foi uma das maiores mobilizações coletivas da história recente do país. Movidos pelo grito de guerra “Vem pra rua”, era uma demonstração da insatisfação da população com a política, a educação, a saúde e tantas outras situações, que questionava o fato do país ter investido bilhões de reais em estádios para a Copa do Mundo de 2014. No entretenimento, o YouTube já figurava como principal fonte de divulgação de videoclipes, além de ser berço de diversos canais de conteúdo. A Abril Radiodifusão promoveu cortes na MTV Brasil, demitiu de VJs e decidiu seguir com reprises na programação até seu fim, em 30 de setembro de 2013. Alguns dos canais de TV aberta convencionais praticavam o arrendamento de horários de sua programação para igrejas e grupos religiosos. Antes do seu fim, em meio a tantos acontecimentos, o primeiro canal de televisão segmentada no Brasil deixou Capítulo 9 119 uma mensagem por meio de uma vinheta em que retratava o momento vivido no país. Nela, dentre vários elementos, apresentava jovens protestando e igrejas tomando conta da televisão. Nesse sentido, este artigo tem como principal proposta fazer uma análise e compreender como os acontecimentos daquele momento foram utilizados na elaboração do material audiovisual, e de que forma foram apresentados no filme produzido pela então MTV Brasil, em 2013. O objetivo principal é entender quais elementos foram representados na vinheta “A Televisão Tem Futuro? ”. Com base nos conceitos da semiótica peirceana, conforme descrito por Santaella (1983), essa linguagem se utiliza de signos para produzir sentidos. Como base teórica, a semiótica é utilizada, pois, segundo Perez (2004) a teoria possui as qualidades necessárias para descrever tudo o que é comunicado em uma mensagem. A metodologia de pesquisa utilizada para analisar materiais audiovisuais foi a de Coutinho (2014), em que é feita a leitura, a interpretação do conteúdo e a sua conclusão. A autora sugere a transcrição dos elementos visuais do filme, para que possam ser analisados por meio de uma forma textual. Portanto, no processo de análise, as informações visuais foram transformadas em texto, para compreender melhor o enredo e demais acontecimentos nas cenas. A partir disso, foi possível entender e sequenciar as referências utilizadas por meio do signo índice. 2 | MTV Segundo Pedroso et al(2006), a MTV Networks foi criada em 1981, pela Amex Satellite Entertainment Company, uma empresa parte do grupo Warner Bros. A intenção de criar um canal voltado para música veio da indústria fonográfica dos Estados Unidos, que precisava se reinventar e encontrar novos mercados para superar a queda nas vendas da década de 1970. Em 1º de agosto de 1981, nos Estados Unidos, entra no ar a Music Television. A primeira cena transmitida pelo canal foi de um astronauta chegando à lua, fincando uma bandeira com o logo do canal. A imagem transmitia um pouco da proposta da emissora: conquistar um novo espaço, jamais alcançado anteriormente. Para completar a mensagem do que era aquela novidade, o videoclipe inaugural foi “Video killed the radio star”, dos Buggles. A proposta principal do canal era falar de música, comportamento e tudo que era de interesse de seu público, com linguagem jovem e direta. Segundo Muanis (2014), a sede da MTV fica localizada em Nova Iorque, na Times Square. Atualmente, o canal pertence ao conglomerado de mídia Viacom, no qual fazem parte o canal CBS, a Paramount Filmes, Nickelodeon, VH1, Comedy Central, dentre outros veículos de comunicação. A marca MTV se tornou uma das ramificações mais rentáveis do grupo, atingindo o número de 52 emissoras em todos os continentes. Dimensões estéticas, cognitivas e tecnológicas de comunicação Capítulo 9 120 2.1 MTV Brasil Em 1990, a emissora musical desembarcou no Brasil, por meio de uma joint venture formada pela Viacom e a Abril Radiodifusão. O canal chegou com a mesma proposta da matriz americana e, acrescida de um desafio: colocar em prática o conceito de “glocal”, que se baseava no incentivo à produção local e a identidade própria das MTVs de cada país. O termo é um neologismo com a mistura das palavras “global” e “local”, buscando representar a identidade local do canal, contemplando também as tendências mundiais às quais a MTV está conectada. “Eles sempre incentivaram que todos tivessem sua própria identidade, de acordo com a cultura local de cada um. Inventaram até uma palavrinha para denominar isso: ‘glocal’ (global+local)” (GOES, 2014, p. 17). A arte maior da MTV se expressava por meio de suas vinhetas, que transformaram o break comercial – que é tradicionalmente encarado como o momento para mudar de canal ou se levantar para ir ao banheiro – em um produto interessante de assistir. Essa estratégia inteligentíssima veio da MTV americana. Lá, a fórmula da emissora já era essa: videoclipes, VJs e vinhetas. (GOES, 2014, p.54). No dia 30 de setembro de 2013, a MTV Brasil fez sua última transmissão, um programa transmitia ao vivo uma festa com ex-VJs que fizeram parte da história do canal. Para fechar a programação, Astrid Fontenelle, que, por sinal, fez a primeira aparição no canal, fez o discurso de encerramento, anunciando o último clipe exibido pelo canal, “Maracatu Atômico” de Chico Science e Nação Zumbi (Imagem 1). Terminava ali uma parte da história da televisão brasileira. Imagem 1 - Videoclipe “Maracatu Atômico” de Chico Science e Nação Zumbi. Fonte: YouTube1. 1 Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=_G63uF288T4> Dimensões estéticas, cognitivas e tecnológicas de comunicação Capítulo 9 121 3 | SEMIÓTICA PEIRCEANA Como descreve Santaella (1983), a semiótica peirceana tem como pai o cientistalógico-filósofo Charles Sanders Peirce, que a concebeu, no início, como uma teoria geral dos signos ou semiótica. A autora define a semiótica peirceana como uma espécie de filosofia científica da linguagem, em que Peirce considera toda produção, realização e expressão humana como uma questão semiótica. Na visão de Perez (2004), os signos da semiótica são quaisquer elementos utilizados para representar algo; eles podem ser palavras, sons, símbolos, fragrâncias, marcas etc. Os signos transmitem mensagens, ideias, informações, pensamentos e até ordens, uma vez que eles sempre remetem a um significado. Um exemplo: quando uma silhueta de um cão é desenhada, torna-se possível relacionar ao animal, lembrando o nome da espécie e o som que emite, além de outras informações. 3.1.1 Ícone A autora Santaella (1983) define o ícone como um signo que demonstra semelhança com um objeto real. Mazzei et al. (2018) ainda reforça que a representação feita pelo tipo de signo não propicia dificuldade para que essa semelhança seja notada. Exemplos mais comuns de ícones são fotografias, desenhos e estátuas. 3.1.2 3Índice De acordo com Santaella (1983), o índice estabelece, por meio de experiências, associação entre uma coisa e outra. Mazzei et al (2018) aponta que é necessário relembrar e relacionar situações vivenciadas anteriormente para que se entenda a real função do índice como um signo. Essa conexão estabelecida pode também variar de acordo com o repertório de quem lida com ele. Desde a expressão das pessoas, que pode representar um estado de humor, até associações, como o som de trovões ou céu se fechando que podem indicar um temporal. Como exemplo, a seguir temos as imagens 2 , 3 e 4, do Professor Xavier, da série animada “X-Men Evolution”, uma das produções da saga dos heróis, que hoje pertence à Marvel Studios. Por semelhança, nota-se uma proximidade com o personagem de Cazé Peçanha no desenho “Megaliga MTV de VJs Paladinos”, produzido pela MTV Brasil. Há a possibilidade de que o personagem norte-americano tenha sido uma referência para a criação brasileira. Todas as evidências, por mais que inconclusivas, nos levam a especular tal inspiração. Dimensões estéticas, cognitivas e tecnológicas de comunicação Capítulo 9 122 Imagem 2 - Série “X-Men Evolution” Warner Bros. Television Distribution. Fonte: site Fandom.com. Imagem 3 - O VJ Cazé Peçanha no Notícias MTV. Divulgação MTV Brasil. Dimensões estéticas, cognitivas e tecnológicas de comunicação Capítulo 9 123 Imagem 4 - Cazé Peçanha em sua versão no desenho “Megaliga MTV de VJs Paladinos”. Fonte: Minilua.com. 3.1.3 Símbolo A última classificação dos signos é o símbolo. Para que haja a compreensão de um signo é necessário, primeiro, aprender o que ele significa, pois são elementos que não se baseiam em semelhanças, aparências etc. É o único das manifestações com tal característica. Para exemplificar, para entender a função da placa de trânsito “Dê a preferência” (Imagem 5), primeiro é preciso estudar e conhecer seu significado para compreender sua utilidade. Imagem 5 – Placa de trânsito “Dê a preferência”. Fonte: profixdigital.com.br. Dimensões estéticas, cognitivas e tecnológicas de comunicação Capítulo 9 124 Peirce (2015) define o símbolo como um signo que produz uma conciliação de ideias com a intenção de fazer com que algo seja interpretado como se referindo a determinado objeto. Outro exemplo de símbolos são os de ordem religiosa. Para grande parte das pessoas, é fácil relacionar a imagem da cruz com a religiosidade, a história de Jesus e muitos outros rituais do cristianismo, uma vez que fomos habituados a entender todo o significado que os símbolos da igreja cristã carregam por trás. 4 | ANÁLISE A partir da análise é possível compreender melhor os significados e sentidos produzidos na vinheta “A Televisão Tem Futuro?”. De uma forma geral, o signo que mais se destaca na análise é o índice, já que a produção se utiliza de diversas referências, o que demanda repertório e associação. Imagem 6 - Cena da vinheta “A Televisão Tem Futuro?”. Fonte: YouTube2. A vinheta é ambientada em um cenário de manifestações. Jovens molham as mãos em um líquido vindo de uma garrafa, o cenário é urbano e esfumaçado. Por meio do índice, é possível sugerir que o cenário retrata o momento vivido no país na época: as Jornadas de Junho. A audiência da MTV é formada basicamente por jovens, que, por sinal, também era o principal público presente nos protestos. A garrafa que aparece na imagem 6 é uma representação icônica do vinagre, amplamente utilizado para neutralizar os efeitos das bombas de gás lacrimogêneo, lançadas para dispersar a multidão e enfraquecer o movimento. 2 Disponível em: < https://www.youtube.com/watch?v=DkW_1WN_ZZE >. Acesso em 25 jul. 2021. Dimensões estéticas, cognitivas e tecnológicas de comunicação Capítulo 9 125 Imagem 7 - Cena da vinheta “A Televisão Tem Futuro?”. Fonte: YouTube3. Aos 3 segundos do vídeo, os jovens aparecem com televisores iconicamente substituindo suas cabeças. Estão posicionados como uma barreira. Vestem camisas brancas e jeans. Os televisores exibem algumas imagens do canal e algumas falas de VJs, em momentos que marcaram o canal. Do ponto de vista indicial, são críticas à situação que envolve o fim da MTV Brasil. Imagem 8 - Cena do comercial “Passeata”, Staroup Jeans. Fonte: YouTube4. Conhecida por dar voz ao jovem, a MTV Brasil possivelmente quis indicar a importância do jovem, para isso, utilizou-se, por meio do índice, a forte referência de uma premiada campanha brasileira que se baseou nos protestos contra a Ditadura Militar no 3 Disponível em: < https://www.youtube.com/watch?v=DkW_1WN_ZZE >. Acesso em 25 jul. 2021. 4 Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=6ZkVvJ7DyRU>. Acesso em 25 jul. 2021. Dimensões estéticas, cognitivas e tecnológicas de comunicação Capítulo 9 126 país, a “Passeata”, da Staroup Jeans. Produzida na década de 80, quando a MTV ainda não havia chegado ao Brasil, a peça “Passeata” levou o Leão de Ouro em Cannes, 1988. A criação foi de Washington Olivetto e Nizan Guanaes, agência GGK. Protagonizada por jovens que se demonstram ousados, com personalidade e destemidos, é uma possível personificação da própria MTV Brasil, que sempre teve a filosofia de “colocar o dedo na ferida”. Imagem 9 - Cena da vinheta “A Televisão Tem Futuro?”. Fonte: YouTube5. Em meio a cenas em que os policiais perseguem e agridem os jovens, uma frase diferente das anteriores é ouvida: “Tudo o que acontece aqui é pecado e perdição. Isso é o demo, é o demo (eco).” Pela entonação e conteúdo, isso nos indica a possível fala de um pastor. Enquanto a expressão “é o demo” ecoa, a TV (que iconicamente substitui a cabeça do jovem) é espancada e destruída. A cena indica a invasão de pastores e igrejas que, ainda hoje, hoje afetam a televisão aberta por meio dos horários arrendados e até o aluguel de concessões. De acordo com a Lei Geral da Radiodifusão (Lei Federal 4.117/1962) e pelo Decreto 52.795/1963 a venda (ou aluguel) de horários de emissoras não deve ultrapassar o limite de 25% do espaço da programação, marca que não é respeitada por alguns canais. 5 Disponível em: < https://www.youtube.com/watch?v=DkW_1WN_ZZE >. Acesso em 25 jul. 2021 Dimensões estéticas, cognitivas e tecnológicas de comunicação Capítulo 9 127 Imagem 10 - Cena da vinheta “A Televisão Tem Futuro?” Fonte: YouTube6. Aos 20 segundos do filme, as cenas de agressão aos jovens continuam, e outro áudio, com você chorosa, em off é reproduzido: “Esse foi meu último Disk MTV.” O referido áudio foi extraído do último dia da VJ Sabrina Parlatore na apresentação do programa Disk MTV, clássica parada diária de clipe do canal, em 2000. O choro da VJ pelo fim de uma era nos indica uma situação parecida, vivenciada no rádio com outro clássico, o Repórter Esso. O formato da MTV sofreu um “duro golpe” com a chegada da internet. Com a era dos clipes no YouTube, a audiência não precisava mais esperar que seu clipe favorito passasse na TV. Imagem 11 - Repórter Esso. Fonte: Acervo O Globo. 6 Disponível em: < https://www.youtube.com/watch?v=DkW_1WN_ZZE >. Acesso em 25 jul. 2021. Dimensões estéticas, cognitivas e tecnológicas de comunicação Capítulo 9 128 O Repórter Esso encerrou sua versão radiofônica em 1968, após 27 anos no ar. Assim como Sabrina, Roberto Figueiredo, aos prantos, fez sua última locução. O programa havia migrado do rádio para a TV. A razão é que, na época, a televisão vinha ganhando espaço no país e, até então, era vista como uma ameaça para o rádio como meio de comunicação. De forma semelhante, com o fim da MTV Brasil também tem a ver com outro meio que ganhou força, a internet. A adaptação às novas mídias se mostrou um desafio do Grupo Abril, proprietário da MTV Brasil até 2013. Até então, focada em publicações como Veja, Superinteressante, Capricho, Playboy, entre outras, o grupo entrou para o mercado de televisão nos anos 1990. Porém, como editora, a Abril migrou do sucesso, dominando mais de metade do mercado de revistas no país na era pré-internet, ao fracasso, acumulando dívidas que chegaram a R$ 1,6 bilhão, sendo vendida pelo valor de R$ 100 mil, em 2018. Segundo Goes (2014), a MTV não acompanhou devidamente o advento das novas mídias. A tecnologia, em especial à internet, poderia inclusive estreitar a forma em que o canal se relacionou com o jovem. O autor afirma que, apesar de, na sua origem a MTV transmitir os ideais de ser um canal jovem e vanguardista, a partir da difusão e maior popularização internet essas características foram abandonadas. Imagem 12 - Cena da vinheta “A Televisão Tem Futuro?”. Fonte: YouTube7. Ao final do vídeo, a imagem 12 ilustra o momento em que a cena está em primeira pessoa, como se estivéssemos no ponto de vista de um dos jovens. Um dos homens, que representa iconicamente um suposto policial, pisa na tela, destruindo a televisão. Em off, é 7 Disponível em: < https://www.youtube.com/watch?v=DkW_1WN_ZZE >. Acesso em 25 jul. 2021. Dimensões estéticas, cognitivas e tecnológicas de comunicação Capítulo 9 129 possível ouvir a fala do cantor Lobão, que também foi apresentador do canal: “A gente tá terminando e eu tô emocionado com esse papo.” A cena indica a questão da “destruição” ou a depredação da televisão como meio de mídia. A frase do ex-VJ insinua a emoção do fim de uma história de 23 anos de um canal jovem, ousado, destemido, à frente de seu tempo. Por fim, a voz padrão do canal deixa a seguinte pergunta: “A televisão tem futuro?” e o logo da MTV é exibido. 5 | CONSIDERAÇÕES FINAIS Por meio da vinheta analisada por este artigo, a MTV Brasil questiona se a própria televisão terá futuro, se saberá reinventar-se em meio à tantas mudanças e à invasão de horários alugados. O canal sempre procurou estar à frente de seu tempo, tanto que, quando o streaming não tinha a popularidade de hoje, lançaram sua própria plataforma, o MTV Overdrive. Porém, em seus últimos anos, parece que faltou delinear uma estratégia para produzir conteúdo onde seu público estava: na internet. A MTV Brasil pode não ter se adaptado aos novos hábitos das mais novas gerações. Porém, apesar de ter partido, o canal deixa um legado de fãs . Do ponto de vista teórico, para se fazer a análise das imagens, a semiótica peirceana se mostra relevante para que possamos examinar a produção de significados e, também, buscar entender, de fato, a mensagem a ser passada, quais as referências utilizadas em uma produção audiovisual. Ao permitir desvelar os significados de uma obra, a semiótica permite compreender as intenções dos autores da obra na criação do filme, quanto para o processo de se compreender seus significados. REFERÊNCIAS BRASIL, BBC. ‘Junho de 2013 é um mês que não terminou’, diz socióloga. Disponível em: <https:// www.bbc.com/portuguese/brasil-44310600>. Acesso em 21 de junho de 2020. COUTINHO, Iluska. et all. Leitura e análise da imagem, In: DUARTE, J.; BARROS, A. (Org.). Métodos e Técnicas de pesquisa em comunicação. 2. ed. - 7. reimpr. São Paulo: Atlas, 2014. DIGITAL, Olhar. Netflix: história, preços e como usar o serviço de streaming de vídeo. 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Integra o Grupo de Pesquisa Comunicação, Imagem e Contemporaneidade- CIC- UTP/ CNPq (parceria CIAC, Portugal) e o GP Representações simbólicas do espaço urbano em narrativas audiovisuais – GRUDES/UTP/ CNPq. Tem inúmeros artigos e capítulos publicados; e vários livros. Associada da ABEC. É Editora Científica da Revista INTERIN. http://orcid.org/0000-0002-8334-5463 semiose cultural, uma vez que todo processo de produção sígnica sempre lança mão do já feito anteriormente. A retomada, obviamente sintética de conceitos seminais do pensamento de cada um dos referidos teóricos, poderia configurar molduras teóricas aplicáveis aos textos, discursos e narrativas comunicacionais em diferentes suportes. Este recorte teórico-epistemológico privilegia a releitura da obra de alguns pensadores europeus do final do século XX que ainda podem ser considerados fundamentais para a apreensão das sutilezas dos inter/trans/textos midiáticos da atualidade. Tanto a intertextualidade quanto a interdiscursividade são relações dialógicas e existem materializadas em textos caracterizados por formas ecléticas, disjuntivas e paródicas, nas mídias contemporâneas. Acena-se, à guisa de considerações finais, para o conceito das transmidialidades na cultura digital. Nesse sentido, reporta-se ainda à força da emergência de configurações intersígnicas que se encontram no cerne das práticas discursivas na cultura da convergência das mídias , à luz de Henry Jenkis, (2009) e Lucia Santaella, 2018). PALAVRAS-CHAVE: Convergências midiáticas. Intertextualidades. Interdiscursividades. Transmidialidades. RESUMO: Este artigo efetua um recorte teórico que possilibite a ressignificação das metáforas escriturais do pós-estruturalismo europeu, sem deixar de assinalar as abordagens da Análise do Discurso, com Dominique Mainguenau, entre outros autores. Inicia-se com uma reflexão sobre conceitos seminais de Mikhail Bakhtin, Julia Kristeva e Gérard Genette, em busca da viabilidade de sua aplicação teórica e prática às linguagens híbridas das mídias contemporâneas e do cinema, considerando a prevalência do conceito de intertextualidade. São autores que partem de diferentes universos teóricos, mas cujas reflexões giram em torno da ideia de que todo texto é concebido no fluxo ininterrupto de ABSTRACT: This article makes a theoretical approach that allows the resignification of the scriptural metaphors of European post- Dimensões estéticas, cognitivas e tecnológicas de comunicação Capítulo 10 THEORETICAL SUBSIDIES FOR THE ANALYSIS OF INTERTEXTUAL, INTERDISCURSIVE AND TRANSMEDIA DIALOGUES IN COMMUNICATION 132 structuralism, without forgetting to point out the approaches of Discourse Analysis, with Dominique Mainguenau, among other authors. It begins with a reflection on the seminal concepts of Mikhail Bakhtin, Julia Kristeva and Gérard Genette, in search of the feasibility of their theoretical and practical application to the hybrid languages of contemporary media and cinema, considering the prevalence of the concept of intertextuality. They are authors who come from different theoretical universes, but whose reflections revolve around the idea that every text is conceived in the uninterrupted flow of cultural semiosis, since every sign production process always makes use of what has already been done. the inter/trans/media texts of the present time. Both intertextuality and interdiscursivity are dialogic relationships and exist materialized in texts characterized by eclectic, disjunctive and parodic forms in contemporary media. As final considerations, the concept of transmedialities in digital culture is mentioned. In this sense, it also refers to the strength of the emergence of intersign configurations that are at the heart of discursive practices in the culture of media convergence, in the light of Henry Jenkis, (2009) and Lucia Santaella, 2018). KEYWORDS: Media convergences. Intertextualities. Interdiscursivities. Transmidialities. INTRODUÇÃO O artigo almeja a atualidade temática, uma vez que contempla o problema, relativamente novo, da inserção dos produtos das novas mídias nas narrativas e discursos, ao mesmo tempo que estabelece interações contínuas e motivadas com obras anteriores. As reflexões desenvolvidas norteiam-se nos princípios teórico-epistemológicos relativos à abordagem dos jogos intertextuais, interdiscursivos e intermidiáticos no cinema e nas mídias atuais. Justifica-se esta proposta de investigação por força da incontestável riqueza dos diálogos em desenvolvimento, há mais de três décadas, acerca dos procedimentos que envolvem a expansão do conceito de texto em direção ao intertexto e ao conceito de intermídia, no contexto da pós-modernidade. Mostram-se também atuais e relevantes as investigações das convergências e das sinergias concernentes a questões teóricas que colocam o conceito de transmídia no cerne do jogo dos textos de comunicação e das linguagens, desde o início do século XXI. O objetivo geral é examinar as implicações da cultura e da economia digitais sobre as linguagens, com ênfase na produção cinematográfica e audiovisual da contemporaneidade. Os objetivos específicos concentram-se na viabilidade da aplicação teórica e prática das reflexões e investigações efetuadas às linguagens híbridas das mídias contemporâneas e do cinema, considerando a prevalência do conceito de intertextualidade e seus desdobramentos. Metodologicamente, o desenvolvimento das investigações apoia-se na apresentação da questão através de indicadores empíricos, além de lançar mãos da contribuição de autores com que dialoga na perspectiva do objeto de possíveis trabalhos e do corpus selecionado para análise, com ênfase na produção cinematográfica e audiovisual. Dimensões estéticas, cognitivas e tecnológicas de comunicação Capítulo 10 133 Procura-se articular as hipóteses e premissas levantadas com problemáticas de mercados audiovisuais emergentes e que estão sob os efeitos da mutação digital. Como resultados esperados, almeja-se se que a retomada dos pressupostos teóricos sobre os pilares conceituais da intertextualidade e a releitura dos conceitos pósestruturalistas venham permitir a configuração de molduras teóricas aplicáveis aos textos, discursos e narrativas comunicacionais contemporâneos, nos mais diferentes suportes. 1 | O TEXTO COMO INTERTEXTO: JOGOS INTERSÍGNICOS Todo texto possui uma conexão com outros textos e é pensado na intenção de outros textos possíveis, a serem produzidos. Com o surgimento da Análise do Discurso (AD) como disciplina, no final do século XX, o termo “texto” passa a ser entendido como uma ocorrência comunicacional, como registro verbal (ou mesmo não-verbal) de um ato de enunciação. Segundo Dominique Maingueneau: “[...] Isto não quer dizer que todo discurso se manifeste por sequência de palavras de dimensões obrigatoriamente superiores às da frase, mas sim que ele mobiliza estruturas de uma outra ordem que as da frase”. (MAINGUENAU, 2000, p. 52) Em obra mais recente, o autor vai atribuir um valor mais preciso ao vocábulo texto e expandir seu conceito. [...] este não se apresenta mais unicamente como um conjunto de signos sobre uma página, mas pode ser um filme, uma gravação em fita cassete, um programa em disquete, uma mistura de signos verbais, musicais e de imagens em um CD-Rom (MAINGUENEAU, 2008, p. 57). Como nosso objetivo é trazer para discussão as textualidades que emergem nos cenários das mídias contemporâneas, julgamos mais pertinente entender o conceito como entidade translinguística, tendo em conta o espectro da variabilidade conceitual do termo em sua acepção mais abrangente. Segundo Mainguenau, todo discurso é pensado no bojo de um interdiscurso. Tal compreensão pode ser corroborada pela pesquisadora Linda Hutcheon, ao afirmar que é sempre a partir de discursos anteriores que o sentido textual é compreendido e estabelece sua importância dentro outros discursos. Em muitos casos, o termo intertextualidade pode perfeitamente ser muito limitado para descrever esse processo; talvez interdiscursividade seja um termo mais preciso para as formas coletivas de discurso das quais o pósmoderno se alimenta parodicamente: a literatura, as artes visuais, a história, a biografia, a teoria, a filosofia, a psicanálise, a sociologia - a lista poderia continuar. (HUTCHEON, 1991, p. 169). Acreditamos que as grandes linhas de trânsito envolvidas nos processos comunicacionais hodiernos comportam, ainda, releituras que se mostrem aptas a contemplarem a ressignificação dos conceitos associados às potencialidades intersígnicas das diferentes linguagens, uma vez que as representações midiáticas são entendidas como Dimensões estéticas, cognitivas e tecnológicas de comunicação Capítulo 10 134 articulação, superposição e aglutinação de informações de diferentes tipos; procedimentos esses responsáveis pela expansão da noção de texto em direção ao intertexto. O conceito de dialogismo nasce com Mikhail Bakhtin (La Poétique de Dostoïevski, 1970, Barcelona: Barral Editores), que aponta para duas diferentes concepções do princípio dialógico: a do diálogo entre interlocutores e a do diálogo entre discursos. Para o autor russo, todos os textos são dialógicos porque são resultantes do embate, do confronto entre muitas vozes sociais. Bakhtin reserva o termo dialogismo para o princípio dialógico constitutivo da linguagem e de todo discurso; e vai empregar a palavra polifonia para caracterizar um certo tipo de texto, aquele em que o dialogismo se deixa ver, aquele em que são percebidas muitas vozes. Segundo o pensador, todo texto é atravessado por um outro, ou outros anteriores. Isto é, o texto sempre “fala” o que já foi falado (escrito, expresso); portanto, nenhum discurso tem total originalidade. A partir dessa possibilidade de múltiplas vozes surge o conceito de polifonia, onde vozes participam do diálogo estabelecido em relação de igualdade e autonomia. Aí reside a essência do dialógico. Segundo o autor, A orientação dialógica é naturalmente um fenômeno próprio a todo discurso. Trata-se da orientação natural de qualquer discurso vivo. Em todos os seus caminhos até o objeto, em todas as direções, o discurso se encontra com o discurso de outrem e não pode deixar de participar, com ele, de uma interação viva e tensa. (BAKHTIN, 1988, p. 88). O pensador russo complementa que “Ser significa comunicar-se pelo diálogo. Quando termina o diálogo, tudo termina. Daí o diálogo, em essência, não poder nem dever terminar” (BAKHTIN, 2010, p. 259). Mostra-se, portanto, indispensável apontar a relevância dos estudos sobre o pensamento de Mikhail Bakhtin no chamado pós-estruturalismo francófono, bem como sua retomada no universo acadêmico, a partir de 1980 até os dias atuais, o que demonstra sua atualidade, amplitude e abrangência. Julgamos possível identificar uma expressiva retomada dos estudos da intertextualidade (em sua concepção ampliada aos outros sistemas sígnicos), entre outros conceitos bakhtineanos, como assinalam os organizadores da coletânea de textos teóricos sobre o pensador russo publicada no Brasil em 2010: “Se, durante o ‘descobrimento’ francês, Bakhtin foi colocado, sobretudo, como um teórico da linguagem, posteriormente, ele também foi visto como teórico da cultura e da mídia. Mas essa não é a única diferença.” (RIBEIRO; SACRAMENTO, 2010, p. 10) Os autores contextualizam tal apropriação teórica como uma crítica à hegemonia do estruturalismo (1960-1970), a partir de um novo entendimento de como várias vozes consubstancializam-se simultaneamente nas produções discursivas contemporâneas. Embora enraizada na teoria da literatura, a noção de intertextualidade, que nasce das propostas dos teóricos da linguagem e de críticos do final dos anos 1960, leva em Dimensões estéticas, cognitivas e tecnológicas de comunicação Capítulo 10 135 conta todo e qualquer texto, verbal ou não. As atualizações de narrativas predecessoras configuram-se também como processo intertextual tal como o caracteriza Marc Eigeldinger “[...] elle [l’intertextualité] n’est pas uniquement unetransplantation d’un texte dans un autre, mais elle sedéfinit par um travail d’appropriation et de réécriture qui s’applique à recréer le sens, en invitant à une lecture nouvelle.”1 (EIGELDINGER, 1987, p.11) Amplia-se, pois, o conceito de texto no horizonte da intertextualidade, que passa a contemplar inúmeros outros domínios, como o mítico e o histórico, como esclarece o autor “Mon projet est de ne pas limiter la notion d’intertextualité à la seule littérature, mais de l’étendre aux divers domaines de la culture.”2 (EIGELDINGER, 1987, p. 15) Ou seja, um texto constitui-se precipuamente de códigos culturais ou de referências, que são recursos (vozes) convocados para que o mesmo se torne compreensível no momento da leitura. Em termos dos processos comunicativos, podem ser consideradas intertextuais quaisquer narrativas (ou enunciados) que retomem textos pré-existentes, tais como: filmes que dialoguem com outros filmes, propagandas que se utilizem do universo pictórico, programas da televisão de caráter parodístico, artigos de jornal com remissões a textos filosóficos ou religiosos, histórias em quadrinhos ou games que incorporem relatos mitológicos, entre muitos outros, sempre num jogo de intersecções cronotópicas. Cronotopo é um conceito que fala da relação entre espaço tempo e o diálogo permitido entre eles. Para formulá-lo Bakhtin empresta da matemática e da teoria da relatividade a indissolubilidade da relação entre o espaço e o tempo. A capacidade de ver o tempo, de ler o tempo no espaço e, simultaneamente, de perceber o preenchimento do espaço sob a forma de um todo em formação, de um acontecimento, e não sob a forma de uma tela de fundo imutável ou de um dado pronto. (BAKHTIN, 2003, p. 217). Robert Stam (1992) argumenta que o conceito de bakhtiniano de cronotopo nos permite fundir os indicadores temporais e espaciais na unidade do filme, permitindo assim historicizar a questão do espaço e do tempo no cinema. Nessa mídia, o diálogo envolvendo discussões sobre obras anteriores é apresentado de forma visual, muito direta e, aponta para diversos cronotopos anteriores e novos. Esse conceito, pode de certa forma buscar um esclarecimento de alguns aspectos da cultura popular e das mídias em geral. O conceito de obra estética também é contemplado por Bakhtin. Diz ele: O objeto estético é uma criação que inclui em si o criador: nela o criador se encontra e sente intensamente a sua atividade criativa, ou ao contrário: é a criação tal qual aparece aos olhos do próprio criador, que a cria com amor e liberdade (é verdade que não é uma criação a partir do nada, ela pressupõe a realidade do conhecimento e do ato, que ele apenas transfigura e formaliza). 1 Tradução: [...] ela [a intertextualidade] não é apenas um transplante de um texto para outro, mas se define por um trabalho de apropriação e reescrita que busca recriar o sentido, convidando a uma nova leitura. 2 Tradução: Meu projeto não é limitar a noção de intertextualidade apenas à literatura, mas estendê-la aos diversos campos da cultura. Dimensões estéticas, cognitivas e tecnológicas de comunicação Capítulo 10 136 (BAKHTIN, 1988, p. 69). Pensando em termos cinematográficos, de acordo com Robert Stam, temos que […] o dialogismo intertextual se refere às possibilidades infinitas e abertas produzidas pelos conjuntos das práticas discursivas de uma cultura, a matriz inteira de enunciados comunicativos no interior da qual se localiza o texto artístico, e que alcançam o texto não apenas por meio de influências identificáveis, mas também por um sutil processo de disseminação. O cinema, nesse sentido, herda (e transforma) séculos de tradição artística. (STAM, 2003, p. 226). Nesse sentido, o artista, em sua poética, tem a capacidade de organização desses diálogos de forma única. A teoria dialógica, com sua conceituação principal e suas derivadas, nos permite o aprofundamento da análise fílmica, por exemplo, contemplando todas as suas interfaces. Em que pese a diversidade de pontos de partida das propostas teóricas selecionadas como corpus de nosso estudo, um corte sincrônico permite encontrar nelas as mesmas constantes temáticas que nos facultam considerá-las integrantes de um conjunto coerente para a reflexão a que nos propomos, no que concerne ao contexto pós-estruturalista, bem como ao seu questionamento mediante práticas textuais inovadoras e complexas, nas múltiplas telas contemporâneas. 2 | A RETOMADA DE BAKHTIN: JÚLIA KRISTEVA E GÉRARD GENETTE Em 1969, no livro Recherches pour une sémanalyse (edição brasileira de 1974), a pesquisadora búlgara radicada na França, Júlia Kristeva define os fundamentos da intertextualidade, ao explicar que o texto é um cruzamento de textos onde se lê ao menos um outro texto. Segundo ela, o conceito de intertexto: [...] é uma descoberta que Bakhtin é o primeiro a introduzir na teoria literária: todo texto se constrói como mosaico de citações, todo texto é a absorção e transformação de outro texto. Em lugar da noção da intersubjetividade, instala-se a de intertextualidade e a linguagem poética lê-se pelo menos como dupla. (KRISTEVA, 1974, p. 64). Este se torna o conceito clássico de intertextualidade e Kristeva aparece como referência obrigatória para se pensar a questão, pois foi a primeira a empregar o termo “intertexto”, de raiz latina e que se refere ao ato de tecer, ao entrelaçamento dos fios. A concepção do texto como “escritura-leitura” leva a autora a enfatizar que [...] toda sequência está duplamente orientada: para o ato de reminiscência (evocação de uma outra escrita) e para o ato de intimação (a transformação dessa escritura). O livro remete a outros livros e pelos modos de intimar (aplicação em termos matemáticos), confere a esses livros um novo modo de ser, elaborando assim sua própria significação. (KRISTEVA, 1974, p. 98). Segundo Kristeva, a produção textual não ocorre de forma gramatical, mas de Dimensões estéticas, cognitivas e tecnológicas de comunicação Capítulo 10 137 modo paragramático, ou seja, pela fricção dos “gramas” no interior do texto ou com outros gramas situados em outros textos – o que efetiva a abertura do código e a pluralização dos sentidos. Quando um texto estranho entra na rede de escritura, ela o absorve. Ao tratar da intertextualidade, a autora provocou uma espécie de abalo na ideia estabelecida sobre o autor ser a única fonte do texto, afirmando que, tanto uma mesa posta para um jantar como um poema, sendo sistemas significantes, são constituídos de sistemas significantes anteriores. A autora refere-se, pois, a uma polivalência manifesta, própria da literatura moderna, com seus textos-diálogos, que ela descreve como uma estrutura de “redes paragramáticas” – conceito que, a nosso ver, mereceria ser revisitado em pesquisas sobre os processos discursivos nas mídias contemporâneas. De acordo com a autora, [...] a ‘palavra literária’ não é um ponto, (um sentido fixo) mas um cruzamento de superfícies textuais, um diálogo de diversas escrituras: do escritor, do destinatário (ou da personagem), do contexto cultural atual ou anterior. (KRISTEVA, 1974, p. 62). Destarte, na releitura de Mikhail Bakhtin, efetuada por Julia Kristeva, na segunda metade do século XX, está o cerne da teoria da intertextualidade, que levou a uma revisão dos conceitos de imitação e dos próprios gêneros literários, uma vez que todas as formas de referências, implícitas ou explícitas, constituem as possibilidades de significação do texto entendido como produção de sentidos. Na obra Palimpsestes. La littérature au second degré, de 1982, o teórico francês Gérard Genette retoma Bakhtin e Kristeva; e, já no início, propõe um conceito mais amplo que norteia seu livro: “[...] je dirais plutôt aujourd’hui, plus largement, que cet objet est la ‘transtextualité’, ou transcendence textuelle du texte, que je définissais déjà, grossièrement, par ‘tout ce qui le met en relation, manifeste ou secrete, avec d’autres textes (GENETTE, 1982, p. 7). 3 Sendo numerosas e decisivas na produção textual, longe de atuarem como compartimentos estanques, as várias formas de relações transtextuais são concebidas pelo autor como complementares, podendo aparecer conjuntamente em dado texto. Em síntese, são elas: 1. Intertextualidade, considerada como a presença efetiva de um texto em outro texto (copresença). 2. Paratextualidade. Etimologicamente, este campo de relações abrangeria título e subtítulo, prefácio e/ou posfácio, notas de qualquer natureza, epígrafes, ilustrações, entre muitos outros. 3. Metatextualidade é a relação de comentário que une um texto a outro texto. 4. Arquitextualidade, que abrange todas as classificações nas quais o texto se inclui, tal como os gêneros e tipos de discurso, modos de enunciação, etc. 5. Hipertextualidade. Abrange toda relação que une um texto (B = hipertexto) a outro texto anterior (A = hipotexto). Segundo o autor, trata-se de uma relação palimpséstica que permite o encontro entre o texto e seus pré-textos. 3 Tradução: “[...] eu preferiria dizer hoje, de forma mais ampla, que esse objeto é a ‘transtextualidade’, ou transcendência textual do texto, que já defini, grosso modo, por ‘tudo o que o põe em relação, manifesta ou secreta , com outros textos.” Dimensões estéticas, cognitivas e tecnológicas de comunicação Capítulo 10 138 Procurando a precisão terminológica, quanto às várias formas de emprego dos termos que designam os tipos de hipertextualidade, o autor propõe duas classificações: uma funcional e outra estrutural. A primeira delas contempla as funções satíricas - a paródia, a fantasia burlesca e a charge -, enquanto a segunda seria a não-satírica, em que se situa o pastiche. Já em termos da estrutura (forma) da relação hipertextual, existem a transformação e a imitação. Na esteira de Bakhtin, Genette inclui a paródia e os demais textos que mantém uma relação de transformação do texto-matriz, no primeiro tipo; enquanto a charge e o pastiche são considerados textos de imitação. Toda obra aberta e polissêmica seria hipertextual, como afirma o teórico francês, sendo que a hipertextualidade “[...] a pour elle ce mérite spécifique de relancer constamment les oeuvres anciennes dans un noveau circuit de sens”4 (GENETTE, 1982, p. 158). Acreditamos que, se forem entendidos como além de meras classificações, os termos que designam os tipos de transtextualidade apontados por Genette mostrar-se-iam adequados à forma e à função dos produtos analisados; sejam eles os textos literários ou jornalísticos, os programas humorísticos na TV ou charges na mídia impressa, por exemplo, entre inúmeros outros gêneros e subgêneros textuais e discursivos em diferentes suportes. Nas palavras de Genette, cada linguagem carrega seus próprios palimpsestos, ou seja, sob as camadas visíveis, as invisíveis continuam em ação. 3 | DA INTERTEXTUALIDADE À TRANSMIDIALIDADE Para finalizar, trazemos para o cerne das investigações a ubiquidade das relações sinérgicas e colaborativas concernentes às trocas interdiscursivas ligadas ao conceito de transmídia, vocábulo que designa as técnicas e processos da reinserção de uma informação em diversificadas plataformas e que efetua um movimento de expansão e sucessivos desdobramentos intersignícos. No cenário atual, é imprescindível investigar as convergências e ressignificações nos pilares conceituais da intertextualidade, que são operadas por força da inter/trans/textualidades midiáticas e que enfrentam os desafios metodológicos das práticas interdiscursivas, por força da convergência das linguagens e das mídias na era digital. Henry Jenkins explica, Por convergência, refiro-me ao fluxo de conteúdos através de múltiplas plataformas de mídia, à cooperação entre múltiplos mercados midiáticos e ao comportamento migratório dos públicos dos meios de comunicação, que vão a quase qualquer parte em busca das experiências de entretenimento que desejam. (JENKINS, 2009, p. 29). Ao criarem um novo paradigma emergente que entende a cultura digital como grande texto onde se inserem, labirinticamente, para além de outros discursos, nas 4 Tradução: “[...] tem para si esse mérito específico de relançar constantemente obras antigas em um novo circuito de significação”. Dimensões estéticas, cognitivas e tecnológicas de comunicação Capítulo 10 139 várias linguagens das mídias e das artes, as práticas transmidiáticas permitem as transformações de ordem discursiva nos processos comunicacionais. Sendo assim, para o autor, a convergência ocorre dentro dos cérebros de consumidores individuais e em suas interações sociais com outros. Cada um de nós constrói a própria mitologia pessoal, a partir de pedaços e fragmentos de informações extraídos do fluxo multimidiático e transformados em recursos através dos quais compreendemos nossa vida cotidiana. O consumo tornouse um processo coletivo. Jenkins acredita que “Nenhum de nós pode saber tudo, cada um de nós sabe alguma coisa; e podemos juntar as peças, se associarmos nossos recursos e unirmos nossas habilidades” (JENKINS, 2009, p. 30). Tais reflexões implicam as trocas intersígnicas vinculadas ao conceito seminal de intertextualidade; trocas essas que reconfiguram os diálogos interdiscursivos e interculturais de uma cultura inclusiva e aglutinante. A metodologia sugere a incorporação do pensamento dos teóricos selecionado às obras analisadas, buscando uma revisão dos conceitos de imitação e de influência, pois o texto dobra-se sobre si mesmo e sobre outros textos, de diferentes épocas, num jogo de espelhos e reverberações. Dialogismo, polissemia, texto plural, escritura – estamos falando da mistura, da adaptação, da fusão de tradições culturais; é dessa tecitura de uma trama textual ou discursiva construída sobre referências anteriores. A partir do dialogismo bakhtineano às possibilidades dos diálogos enciclopédicos da mídia digital, novas formas narrativas irão surgindo, além de cada história original. Surgem narrativas mais complexas e fragmentadas, mas são os fragmentos que permitem aos consumidores, leitores e espectadores fazerem as próprias conexões, em seu ritmo particular e de acordo com o repertório de cada um. As narrativas plurais e polissêmicas da atualidade podem fazer referências, alusões e citações diretas ou implícitas a narrativas anteriores, a diferentes sistemas de crenças e podem juntar várias peças culturais de maneira inovadora. Essas negociações entre textos das mais diversas espécies e gêneros, recolocam elementos clássicos e tradicionais novamente em circulação. Seu valor surge a partir do processo de busca de sentidos possíveis; esse é o impulso transmídia que está no centro da cultura da convergência. Nesse sentido, interessa-nos, particularmente o conceito de transmídia tratado no livro intitulado Desafios da TRANSMÍDIA: processos e poéticas, publicado em 2018 e organizado por João Massarolo, Lúcia Santaella e Sérgio Nesteriuk. O livro aborda inúmeras questões implicadas no tema da transmidia e seus desafios presentes. Para Santaella (2018, p. 78-79) “os desdobramentos narrativos se constituem no DNA da narrativa transmídia. Um DNA que não dispensa o fato de que se trata de narrativa e não de outro tipo de discurso”. Esse é o ponto central da discussão, pois a pesquisadora afirma que a linguagem da narrativa é o que se sobressai na própria definição de transmídia: na passagem de um meio para outro, mantendo -se no eixo da temporalidade e na sucessão dos fatos narrativos. Santaella salienta que outros discursos (jornalístico, científico, técnico) poderiam até ser considerados “transmídia”, se seu conteúdo efetivamente Dimensões estéticas, cognitivas e tecnológicas de comunicação Capítulo 10 140 perpassar múltiplas mídias. Ou seja, a construção de narrativas transmídia supõe o uso e o entrelaçamento de determinados elementos discursivos nos textos que as compõem – sejam eles produzidos para uma mídia digital, ou não. Todos os conceitos aqui explorados estão, explícita ou implicitamente, vinculados à questão da intertextualidade; constatação que nos permite acreditar que qualquer abordagem dos discursos midiáticos contemporâneos deve levar em conta que estamos diante de um novo tipo de texto, de caráter híbrido, a exigir uma abordagem inter e transdisciplinar. 4 | PONDERAÇÕES FINAIS As argumentações aqui desenvolvidas, nos permitem retornar ao pensamento bakhtiniano e afirmar que não há enunciado que, de uma forma ou de outra, não reatualize outros enunciados. Os textos podem se conectar conforme o discurso implícito ou explícito presente, facilitando ou não a compreensão do leitor/espectador. Tanto a intertextualidade quanto a interdiscursividade e a transmidialidade são relações dialógicas e existem materializadas em textos caracterizados por formas ecléticas, disjuntivas e paródicas, na cultura da convergência. Esperamos que o desenvolvimento destas reflexões possa contribuir para o entendimento das linguagens inter/trans/midiáticas contemporâneas, em seu processo de criação, distribuição e recepção/leitura. Cumpre assinalar que toda reflexão sobre os jogos intersígnicos concentra-se na apresentação de cenário da questão através de indicadores empíricos definidos, além de lançar mãos da contribuição de autores com que dialoga na perspectiva do seu possível objeto de trabalho. Destaca-se finalmente, como uma das qualidades da nossa proposta, o fato de algumas das suas hipóteses se articularem com problemáticas de mercados audiovisuais emergentes e que estão sob os efeitos da mutação digital. REFERÊNCIAS BAKHTIN, Mikhail. A Cultura Popular na Idade Média e no Renascimento: O Contexto de François Rabelais. São Paulo: AnnaBlume, 2002. ___________. Estética da criação verbal. Rio de Janeiro: Martins Fontes, 2003. ___________. Problemas da Poética de Dostoievski. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2010. ___________ . Questões da literatura e da estética: a teoria do romance. São Paulo: UNESP, 1988. ECO, Umberto. Tratado Geral de Semiótica. São Paulo: Perspectiva, 1980. EIGELDINGER, Marc. Mythologie et intertextualité. Genève: Editions Slatkine, 1987. GENETTE , Gérard. Palimpsestes: la littérature au second degré. Paris: Éditions du Seuil, 1982. Dimensões estéticas, cognitivas e tecnológicas de comunicação Capítulo 10 141 __________. Paratexts. Thresholds of Interpretation. Cambridge: Cambridge University Press, 1997. HUTCHEON, Linda. Poética do Pós-modernismo. Imago: Rio de Janeiro, 1991. __________. Uma Teoria da Adaptação. Florianópolis: Editora UFSC, 2011. JENKINS, Henry. A cultura da convergência. 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Dimensões estéticas, cognitivas e tecnológicas de comunicação Capítulo 10 142 CAPÍTULO 11 COMPREENSÃO DA RETÓRICA COM CONCEITOS SEMIÓTICOS PEIRCEANOS Data de aceite: 01/05/2022 Gilmar Hermes Professor do Curso de Bacharelado em Jornalismo da UFPel Universidade Federal de Pelotas (UFPel) Pelotas, RS Trabalho apresentado no GP Semiótica da Comunicação, XXI Encontro dos Grupos de Pesquisas em Comunicação, evento componente do 44º Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação. RESUMO: Este artigo parte de uma concepção da retórica como um processo de “identificação” e não à maneira em que é tradicionalmente definida dando relevância à “persuasão”, levando em conta os estudos semióticos de Charles Sanders Peirce. O texto apresenta referências históricas e características que dão atualidade à ciência da retórica, existente desde a antiguidade grega, como uma forma de combater a violência através da argumentação de ideias. Traz algumas contribuições de Peirce com sua semiótica e filosofia de caráter pragmatista, apresentando os caminhos vinculados à “gramática especulativa”, pela qual os conceitos semióticos contribuem para a reflexão das “retóricas comuns”, como é o caso dos textos comunicativos. PALAVRAS-CHAVE: Semiótica; retórica; história da retórica; argumentação; retórica especulativa. giving relevance to “persuasion” in the way it is traditionally defined, considering the semiotic studies of Charles Sanders Peirce. The text presents historical references and characteristics that give relevance to the science of rhetoric, existing since Greek antiquity, as a way of combating violence through the argumentation of ideas. It brings some contributions from Peirce with his semiotics and philosophy of pragmatist character. It presents the concepts linked to the “speculative grammar”, through which semiotic explanations contribute to the reflection of “common rhetoric”, as the case of communicative texts. KEYWORDS: Semiotics, rhetoric, rhetoric history, argumentation, speculative rhetoric. INTRODUÇÃO Um caminho para refletir sobre a produção de textos jornalísticos é levando em conta a longa tradição da retórica, que vem desde, pelo menos, o que chegou até nós através da obra de autores que viveram antes da era cristã. Na Antiga Grécia, Aristóteles problematizou como um orador pode fazer com que seus argumentos sejam compreendidos de forma a convencer a audiência, em um sentido probabilístico voltado à persuasão. A semiótica peirceana – ciência dos signos – tem um caráter lógico, voltado para a compreensão do pensamento, mas se volta para a retórica justamente por tratar de signos, ABSTRACT: This article starts from a conception of rhetoric as a process of “identification” and not que são também o meio para a expressão Dimensões estéticas, cognitivas e tecnológicas de comunicação Capítulo 11 desse pensamento. É a partir das ações dos 143 signos que damos sentido para a nossa experiência e compreensão de mundo, de maneira a poder compartilhá-la e desenvolvê-la em conjunto com os demais seres. A semiótica de Charles Sanders Peirce (1839-1914) oferece instrumentos conceituais para renovar a retórica, assim como tem uma perspectiva diferenciada em relação à retórica. É sempre importante ressaltar que, para a semiótica de Peirce, na sua concepção sinequista de continuidade, não há um caráter antropocêntrico quando se trata da produção de sentidos. As ações dos signos ou semioses ocorrem entre todos os tipos de seres. Em relação à retórica, no entanto, por envolver uma intencionalidade comunicativa, pode-se falar de uma especificidade humana. Isto se configura como uma ação a ser avaliada na ordem ética, levando em conta a predisposição em relação aos outros seres humanos. O autor Vincent Colapietro (2007) reconheceu, em seu artigo Peirce’s Rhetorical Turn, que houve uma guinada em direção à retórica nas reflexões semióticas de Charles Sanders Peirce na sua produção intelectual mais recente. Em seus comentários, Alessandro Topa (2019) qualificou essa análise da obra peirceana como inovadora. Apesar da preocupação maior de Peirce seja o pensamento científico, este autor referencial reconheceu que há um viés retórico mesmo na ciência, associado à melhor compreensão do ser humano como um ser em comunicação, um ser em semiose, com propósitos, dentro de uma perspectiva em que se visa o conhecimento em uma relação constante com todos os demais seres, como é próprio da sua compreensão sinequista das ações sígnicas. De acordo com a interpretação de Colapietro (2007), para Peirce, as questões retóricas não se dão prioritariamente como um ato de persuasão, como geralmente se tende a resumir objetivamente o propósito da retórica, e, sim, como um ato de identificação. Podese compreender neste posicionamento uma preocupação de ordem ética, que, ao mesmo tempo, reflete indiretamente o “espírito do tempo” em emergência, em que a questão da “cultura” ganha cada vez mais relevância em toda reflexão humanística.1 Além disso, isto contribui para compreender como Peirce localiza a retórica em relação ao desenvolvimento científico, sua maior preocupação. Semioticamente, de acordo com a teoria peirceana, este ato de identificação se dá através de semioses que se encontram quando duas mentes compreendem determinados signos como capazes de produzir interpretantes semelhantes ou próximos. Pode ocorrer também quando há um propósito em comum. Na busca pelo conhecimento, o cientista deve ser capaz de encontrar os signos próprios para que um determinado fenômeno seja compreendido por seus pares ou por uma comunidade mais ampla. Através do seu pensamento, o cientista estabelece uma relação semiótica com o fenômeno em si, tendo aí uma preocupação de ordem científica, mas que é processada retoricamente de forma a se ajustar criticamente às suas experiências anteriores e da comunidade científica. 1 No texto “A retórica definida como um processo de identificação em uma abordagem semiótica” (HERMES, 2021), o autor deste artigo desenvolve uma reflexão sobre questões semióticas relacionadas a aspectos históricos, sociológicos e antropológicos. Dimensões estéticas, cognitivas e tecnológicas de comunicação Capítulo 11 144 O conceito semiótico de “experiência colateral” corresponde em como as mentes produzem interpretantes a partir de sua própria trajetória semiótica. A diferença do cientista é que ele busca ter consciência de como as semioses o afetam, e, ao mesmo tempo, em como ele é capaz de produzir semioses através da experiência ou conhecimento acumulado. Do mesmo modo, retoricamente, ele deve ter a preocupação em ajustar os signos para difundir os resultados de sua pesquisa de forma a ser compreendido por seus pares e uma comunidade mais ampla. Levando em conta as categorias fenomenológicas identificadas por Peirce2, o processo de identificação inerente à retórica está vinculado à Secundidade, que consiste na produção de semioses nas relações de alteridade em um determinado contexto. Ocorre nas relações entre um e outro, sendo que a existência de ambos ocorre de fato nesta relação em um certo espaço e tempo. O reconhecimento do outro como parte de um mesmo contexto de vida e de produção de sentido consiste na primeira etapa do processo de identificação retórica que pode ser compreendido semioticamente. ASPECTOS HISTÓRICOS DA RETÓRICA De acordo com Nicola Abbagnano (2000), a retórica é considerada uma invenção dos sofistas na Antiga Grécia (século V a.C), sendo Górgias de Leontinos um dos seus fundadores. O autor sintetiza os principais aspectos históricos relativos ao desenvolvimento da retórica. Segundo ele, no diálogo Górgias, o filósofo Platão enfatiza que os sofistas não tinham um comprometimento com a comprovação de seus argumentos ou com convicções racionais. Suas habilidades estariam na capacidade de falar sobre qualquer assunto de forma persuasiva. Para Platão, quando pedagógica ou educativa, em conversações guiadas por meio de raciocínios, a retórica estaria exercendo o papel da própria filosofia. Desta forma, pode-se reconhecer a impossibilidade de uma retórica ética que não seja ao modo filosófico, mas também pode-se compreender, de maneira questionadora, uma dimensão retórica na própria filosofia e nas ciências, o que a semiótica peirceana nos permite considerar. Já Aristóteles, segundo Abbagnano (2000), estabeleceu para a compreensão da retórica um vínculo com a dialética, o que está por detrás da sua obra que chegou até nós, que é a referência mais antiga e citada sobre a retórica. Na perspectiva aristotélica, em uma concepção própria da dialética, na contraposição de premissas de caráter probabilístico, leva-se em conta os meios de persuasão para convencer sobre um ponto de vista. Há modos de levar em conta os argumentos capazes de persuadir e regras para o seu uso estratégico. Suas concepções, unidas ao exercício da filosofia, tiveram relevância pelo 2 “As categorias [fenomenológicas] universais de Peirce são três: primeiridade, secundidade e terceiridade. Primeiridade é aquilo que é independente de algo a mais. Secundidade é aquilo que é relativo a algo a mais. Terceiridade é o que é mediado entre outros dois. Na opinião de Peirce, todas as concepções no nível mais fundamental podem ser reduzidas a estas três” (HOUSER, 1992, p.XXX). Dimensões estéticas, cognitivas e tecnológicas de comunicação Capítulo 11 145 menos até o Renascimento, quando a perspectiva do racionalismo pouco a pouco a colocou em crise. “O dogmatismo racionalista iniciado por Descartes e adotado maciçamente no século XIX foi a maior causa da decadência da retórica” (ABBAGNANO, 2000, p.857). Também vale ressaltar, para se ter uma ideia da sua importância histórica, que, conforme Philippe Breton (2003), até o final do século XIX, a retórica foi o centro de todo o ensino. Já com o abandono do dogmatismo racionalista e com o reconhecimento do aspecto probabilístico do conhecimento humano, é que surge a nova retórica no século XX, tendo como principal referência O Tratado da Argumentação, de Perelman e Olbrechts-Tyteca (1996), cuja primeira edição é de 1958. Os autores introduzem sua obra afirmando que, durante três séculos, “o estudo dos meios de prova utilizados para obter a adesão foi completamente descurado pelos lógicos e teóricos do conhecimento”. Segundo eles, o “campo da argumentação é o do verossímil, do plausível, do provável, na medida em que este último escapa das certezas do cálculo” (PERELMAN e OLBRECHTS-TYTECA, 1996, p.1). A Nova Retórica se volta sobretudo para a argumentação. A palavra “argumentação” leva em conta a relação com o outro, ou seja, o ouvinte. E, nesse sentido, podemos verificar que a concepção de que a retórica se volta para processos de identificação é algo muito presente nas abordagens de autores especializados em questões retóricas, como também pode ser observado na obra de Kenneth Burke (1969). O autor Philippe Breton (2003) registra que, ainda na Antiguidade Grega, no século V a.C., houve uma passagem dos discursos retóricos do contexto judiciário para o domínio político. Pode-se observar que, até hoje, confunde-se o papel do político com o do orador. Também no âmbito da política, pode-se perceber que a manipulação é parte mais obscura dos métodos retóricos. No processo de identificação, considerando uma determinada audiência, nem sempre o que se diz, é o que se pensa realmente. Segundo Breton (2003), na primeira retórica, a mais antiga, o orador é mais um homem de poder do que um homem de ética e opinião. Um ponto essencial da estratégia de argumentação – que está de acordo com ideia da retórica como forma de identificação - é a busca de um acordo prévio com o auditório, de forma a estabelecer também uma identificação com o ponto de vista defendido. Conforme Breton (2003), vista como uma situação de comunicação, o bom uso da argumentação implica, então, uma ruptura com a retórica clássica, caracterizada como a expressão do poder. Segundo Perelman e Olbrechts-Tyteca, a “ideia de adesão e de espíritos aos quais se dirige o um discurso é essencial em todas as teorias antigas da retórica” É “em função de um auditório que qualquer argumentação se desenvolve” (PERELMAN e OLBRECHTSTYTECA, 1996, p.6). Termos frequentes que aparecem nos textos sobre retórica são “orador” e “auditório” pressupondo uma relação presencial, face a face, que também considera um processo de Dimensões estéticas, cognitivas e tecnológicas de comunicação Capítulo 11 146 identificação e um contexto físico de recepção, próprio da oratória. Perelman e OlbrechtsTyteca (1996), no entanto, optam por destinar questões desse âmbito, como a elocução e a mnemotécnica, para abordagens de ordem dramática. O principal aspecto que eles conservam da retórica tradicional é a ideia de “auditório”. “Todo discurso se dirige a um auditório, sendo muito frequente esquecer que se dá o mesmo com o texto escrito. [...] [A] ausência material de leitores pode levar o escritor a crer que está sozinho no mundo...” (PERELMAN e OLBRECHTS-TYTECA, 1996, p.7). Os autores ressaltam que o texto está sempre condicionado a quem pretende dirigir-se. Os autores da Nova Retórica entendem que cada orador cria uma imagem de si a partir da concepção que fazem do auditório “que busca conquistar para suas opiniões”. Cada “cultura, cada indivíduo tem sua própria concepção do auditório universal, e o estudo dessas variações seria muito instrutivo, pois nos faria conhecer o que os homens consideram, no decorrer da história, real, verdadeiro e objetivamente válido” (PERELMAN e OLBRECHTS-TYTECA, 1996, p.37). Breton (2003) explica que o texto argumentativo sempre envolve a defesa de uma opinião, o que é uma característica essencial tanto da argumentação, como da retórica. Esse aspecto remete às problematizações feitas em torno da objetividade, e das diferenças entre informação e opinião no campo do jornalismo (TRAQUINA, 2004). Considera-se, atualmente, que mesmo o texto informativo é permeado pela parcialidade, levando em conta a atividade de seleção feita no processo da reportagem. A diferença do texto argumentativo estaria na intenção explícita e intencional da defesa de um ponto de vista. No entanto, um dos pontos mais importantes da ação retórica é o enquadramento ou o reenquadramento inicial da argumentação, que consiste em compartilhar uma visão comum da realidade de forma a convencer sobre um ponto de vista. No âmbito das ciências, segundo Breton (2003), são exigidas demonstrações e a retórica não corresponde à validade universal relativa às definições matemáticas, por exemplo. Para esse autor, a argumentação nunca será universal – ao contrário da demonstração de um teorema matemático. Conforme Breton, resultados científicos se impõem e não envolvem opinião. E a argumentação não pode produzir conhecimentos novos. O autor, no entanto, reconhece que uma contradição é o fato de as ciências serem colocadas em discussão, e, com isso, abre uma brecha para a contribuição de Peirce através das noções de falibilismo como uma característica de qualquer tipo de conhecimento e da abdução como uma forma de raciocínio. Breton (2003) reconhece que a história da retórica está atravessada por procedimentos que visam “agradar” ou “emocionar”, que correspondem a formas de identificação de ordem sentimental. Há situações em que a sedução é dominante e noutras em que a argumentação predomina. O autor ressalta ainda que não há situações puras com frequência, o que leva também a discursos híbridos entre o teor argumentativo e emocional. Dimensões estéticas, cognitivas e tecnológicas de comunicação Capítulo 11 147 Ao contrário do que podemos observar em Peirce, Breton estabelece a diferenciação de que a retórica visa produzir convencimento em torno de opiniões, enquanto as ciências tratam de enunciados suscetíveis de serem demonstrados. A esta perspectiva positivista, pode-se contrapor a compreensão falibilista de Peirce sobre a ciência, que também permite outras aproximações à retórica. O contexto de recepção pode ser problematizado pelas definições de “realidade social” e “identidade social” feitas no âmbito da sociologia em uma perspectiva construtivista (GIDDENS, 2012). Do ponto de vista da retórica, conforme Breton (2003), o que conta não são as pessoas, mas que suas ideias sejam partilhadas, o que pode ser pressuposto em um contexto amplo, compreendido na sociologia como “realidade social”. Mas, tendo em vista a defesa de uma opinião, o que pode ter como alvo a mudança de um ponto de vista, muitas vezes, o argumento é voltado para um auditório particular. De qualquer forma, está sempre em conta a intersecção entre os universos mentais. MEIO DE EVITAR A VIOLÊNCIA Segundo Philippe Breton (2003), a “argumentação” corresponde a uma ação humana que visa convencer, o que está muito presente na vida cotidiana. A obra desse autor é voltada para a descrição dos meios de argumentação, que visam “acionar um raciocínio em uma situação de comunicação” (BRETON, 2003, p.7). Essa maneira de agir corresponde a uma renúncia à violência, ressaltando o vínculo social partilhado. Há que se considerar que há formas de violência disfarçadas de argumentação, que constituem retóricas questionáveis, como ocorre com a publicidade repetitiva ou a difusão massiva de mensagens pelas redes sociais de forma a coagir muitas pessoas. Breton (2003) enfatiza o aspecto argumentativo como o caráter mais ético da retórica, embora esta ciência, segundo este autor, não se volte para raciocínios puramente lógicos, mas que tenham a capacidade de convencer sujeitos capazes de estabelecer seus julgamentos próprios e de forma independente. É importante observar que a falta de retórica e, especialmente da argumentação, é gritante no cotidiano social. Isso pode ser verificado diariamente nos relatos dos fatos nos telejornais com as notícias sobre a ausência de diálogo e a violência assustadora, por exemplo, com ações contra as comunidades indígenas, comunidades pobres, mulheres, contra a comunidade LGBTQIA+, e, especialmente, a recusa de certas personalidades políticas brasileiras a argumentar claramente sobre as suas ideias. O apelo à religião no âmbito político também é uma estratégia questionável, já que os valores religiosos não pressupõem a argumentação, mas apenas estabelecem identificação pela fé na ordem do sagrado. Breton (2003), assim como Peirce, busca uma definição da retórica mais voltada para os seus aspectos éticos. Trata da argumentação como uma parte específica das Dimensões estéticas, cognitivas e tecnológicas de comunicação Capítulo 11 148 ações retóricas, para a qual dá mais relevância justamente pela sua qualificação ética. No entanto, deve-se levar em conta que a ação de convencer o outro ou de persuadir pode apelar exclusivamente para as emoções, o que não corresponde à ação argumentativa. Segundo Breton (2003), a retórica envolve a defesa de uma opinião. Está voltada para o ato de convencer, pode ser estabelecida através da manipulação, da propaganda, de sedução e, de argumentação, aspecto teórico que de fato lhe interessa por entender como um procedimento mais ético. A argumentação seria um meio para partilhar opiniões que podem ter como consequência ações (BRETON, 2003, p.11), definição que vai em direção ao pragmatismo de Peirce. AO ENCONTRO DAS DEFINIÇÕES E REFLEXÕES DE PEIRCE É importante destacar que as questões éticas e científicas vão para além das retóricas. Nem todo ato de convencimento tem um caráter ético, e as consequências de uma ausência de um caráter ético na ação retórica tem consequências que vão para além dos processos de persuasão, identificação ou convencimento. Se a retórica pode estar relacionada ao âmbito lógico e científico, como propõe Peirce, ao elucidá-los semioticamente, ele não deixa de ter preocupações especiais tanto de ordem científica como ética. As definições da retórica apresentadas nos levam a perceber como o texto inaugural do pragmatismo, “Como Tornar Claras as Nossas Ideias” (PEIRCE, 1993) está imbuído de um sentido retórico, embora não haja a preocupação de explicitar a produção de sentidos como uma ação intencional em relação à modificação do comportamento dos demais seres humanos, como é próprio da retórica. Dentro da sua concepção falibilista do conhecimento, Peirce define que a “essência da crença é a criação de um hábito e diferentes tipos de crenças se distinguem pelos diferentes tipos de ação a que dão lugar” (PEIRCE, 1993, p.56). O autor enfatiza a importância das crenças em relação ao nosso comportamento, modo de agir ou modo de viver, e reconhece que “a ação do pensamento é excitada pela incitação da dúvida e cessa com o atingir a crença; e, assim, o chegar à crença é a função única do pensamento” (PEIRCE, 1993, p.53). No entanto, todas as crenças estabelecidas – que envolvem o surgimento de hábitos - estão sujeitas às dúvidas, que estimulam o desenvolvimento do pensamento. A semiótica e o pragmatismo, ao lado da problematização das questões linguísticas ao longo do século XX, contribuíram para uma maior concientização de como ações retóricas norteiam o nosso modo de pensar e de agir. Perelman e Olbrechts-Tyteca reconhecem esse aspecto como um dos papéis dos estudos retóricos. “Estamos firmemente convencidos de que as crenças mais sólidas são as que não só são admitidas sem prova, mas também, muito amiúde, nem sequer são explicitadas” (PERELMAN e OLBRECHTSDimensões estéticas, cognitivas e tecnológicas de comunicação Capítulo 11 149 TYTECA, 1996, p.8). Os autores também reconhecem, ao modo como é defendido por Peirce, que há necessidade de os lógicos completarem a teoria da demonstração das ciências matemáticas com uma teoria da argumentação.3 Tudo que conhecemos estabelece-se como mediações, ou seja, interpretantes (resultantes da relação triádica também com os signos e os objetos), que podem ser considerados crenças. No retorno aos objetos dinâmicos, aquilo que se quer conhecer melhor ou sobre o que se quer ser estabelecer semioticamente ou retoricamente um outro ponto de vista, pode-se produzir novos objetos imediatos (que são o aspecto do objeto dinâmico que o signo traz para a produção de crenças). Uma nova perspectiva sobre o objeto de conhecimento, de saber, ou de interesse pode produzir novas crenças em uma determinada audiência. Isso pode ter tanto um sentido meramente persuasivo, que pode dar lugar a concepções ilusórias interesseiras ou até mesmo fictícias, como também pode estar imbuído do espírito científico. O rico leque de conceitos da semiótica de Peirce pode nos ajudar a pensar uma diversidade de aspectos da retórica, seja nas suas práticas éticas, ou naquelas questionáveis do ponto de vista ético. O falibilismo ocupa um lugar central na obra de Peirce. No texto autobiográfico “A Propósito do Autor”, ele reconhece que suas ideias estão reunidas nesta designação. Ele escreve: “sempre senti que minha filosofia brotasse de um contrito falibilismo, combinado com decidida fé na realidade do conhecimento, e de um intenso desejo de investigação” (PEIRCE, 1993, p.47). Abbagnano (2020) ressalta que o termo foi criado por Peirce, “para indicar a atitude do pesquisador que julga possível o erro a cada instante de sua pesquisa, e, portanto, procura melhorar os seus instrumentos de investigação e de verificação” (ABBAGNANO, 2000, p.426-427). O falibilismo explica o desenvolvimento do conhecimento pela continua sequência de crenças, hábitos e dúvidas. A retórica pode ser compreendida como o ingrediente comunicativo que se insere no processo de desenvolvimento do saber, podendo contribuir tanto para o seu avanço como para o seu atraso. Mas, para além disso, se levarmos em conta o raciocínio do tipo abdutivo, definido por Peirce como o responsável pela geração de novas ideias, o caráter probabilístico, característico da retórica, pode ser considerado como uma importante contribuição ao desenvolvimento do conhecimento. “RETÓRICA COMUM” E “RETÓRICA ESPECULATIVA” No seu artigo “The general secret of rendering signs effective:” on the Aristotelian roots of Peirce’s conception of rhetoric as dynamis, téchne and semeiotic form of the summum bonum, o autor Alessandro Topa (2019) cita o breve artigo de Peirce (1998) “Ideas, Stray or Stolen, about Scientific Writing”, escrito originalmente em 1904, mas que 3 Vale ressaltar que, entre as numerosas referências de Perelman e Olbrechts-Tyteca (1996), infelizmente falta o nome de Charles Sanders Peirce. Dimensões estéticas, cognitivas e tecnológicas de comunicação Capítulo 11 150 vem sendo estudado e interpretado por vários pesquisadores. O autor estabelece um foco nos diferentes usos de Peirce dos termos “arte universal da retórica”, “retórica comum” e “retórica especulativa”. O primeiro, segundo Topa, corresponde à potencialidade da retórica, o segundo, a como a retórica vem sendo definida e praticada ao longo da história, e o terceiro, como uma definição de leis semióticas nas ciências normativas. No texto referenciado, Peirce define a retórica especulativa ao modo pragmatista, levando em conta que as ideias correspondem à compreensão do mundo em que vivemos e nossas formas de ação sobre este contexto de vida: “a ciência das condições essenciais sob as quais um signo pode determinar um signo interpretante de si mesmo e de tudo o que ele significa, ou pode, como signo, produzir um resultado físico” (PEIRCE, 1998, p.326). Embora com um teor pragmatista, a intenção é elevar a retórica ao seu caráter mais abstrato e menos instrumental. A “retórica comum”, de acordo com a interpretação de Topa (2019), levando em conta referências de Gabriele Gava, corresponderia aos usos dos signos em diferentes contextos, como ocorre, entre muitos outros, nos âmbitos jornalístico e cinematográfico. Faz parte de uma concepção de uma semiose comunicativa, em que os eventos correspondem a determinadas estruturas de relações semióticas, que são estudadas na gramática especulativa definida por Peirce, como “uma subdisciplina da semiótica lógica normativa” (TOPA, 2019, p. 414). Os “conceitos que refletem as relações necessárias desta relação (signo, objeto, interpretante) devem ser considerados como aspectos necessários especificáveis para cada desempenho de semiose comunicativa” (TOPA, 2019, p. 414). Haveria necessariamente um meio de comunicação, um contexto midiático e um sistema de signos interpretativo. Dentro da arquitetura filosófica de Peirce, conforme Santaella (2003), há três partes principais, a Fenomenologia, as Ciências Normativas e a Metafísica. As ciências normativas são a Estética, a Ética e a Semiótica ou Lógica. A parte mais conhecida da filosofia peirceana é a Semiótica ou Lógica, que se divide em Gramática Pura ou Especulativa, Lógica Crítica, e Retórica Pura ou Especulativa. Conforme Nathan Houser, editor da coletânea The Essential Peirce¸ a gramática especulativa é um ramo da semiótica que investiga as representações (signos e semioses), e procura elaborar as condições necessárias e suficientes para representar e classificar os diferentes tipos de semioses possíveis. Houser nota que a gramática especulativa frequentemente é apresentada como se fosse toda a semiótica peirceana, porque nela são descritos os diferentes tipos de signos e de tricotomias. O segundo ramo da semiótica é a “crítica”, que é a parte da lógica que estuda as partes constituintes dos argumentos e produz uma classificação de argumentos, partindo de pressupostos de que toda afirmação é verdadeira ou falsa. Neste ramo, conforme Houser, são importantes os tipos de raciocínios ou lógicas estudados e redefinidos por Peirce: abdução, indução e dedução. O terceiro ramo é a retórica especulativa. É “o estudo das condições necessárias de transmissão do Dimensões estéticas, cognitivas e tecnológicas de comunicação Capítulo 11 151 significado por signos de mente a mente, e de um estado mental para outro” (PEIRCE in HOUSER, 1992, p. XXXVIII). Desta forma, as frequentes análises semióticas de textos comunicativos correspondem à gramática especulativa, tendo a ter proximidade com a análise do discurso no âmbito da comunicação. Uma das diferenças semióticas em relação à análise do discurso, que corresponde à retórica, seria também a possibilidade de propiciar a elaboração de semioses com determinados propósitos ou textos com a intenção de convencer. O autor Alessandro Topa (2019) enfatiza que a “retórica comum” corresponde às formas especializadas de retórica, mas que não podem ser unificadas, correspondendo o termo singular, somente, de maneira generalizada, às manifestações práticas da tradição retórica. Segundo Topa, Peirce aborda a “retórica comum” como uma manifestação única, pressupondo a falta da autorreflexão inerente a todas as suas manifestações. Desta forma, a retórica especulativa, como de fato uma ciência única, vem a ser uma contribuição para uma retórica refletida, para além dos instrumentais práticos. Citando Gabriele Gava, Topa (2019) menciona que, para Peirce, a retórica está relacionada à efetividade dos signos e sua capacidade de dar origem a processos de interpretação e outros tipos de efeitos. No caso da retórica aristotélica, a retórica seria uma ciência prática, resultado de uma investigação sobre como a argumentação pode ocorrer ou deve ser feita da melhor forma. A medição de duas tendências opostas “alcança os outros e, assim, visa uma inteligibilidade alicerçada na generalidade, ao mesmo tempo que é radicalmente individual, vivendo na carne do orador” (TOPA, 2019, p.422). A ação retórica constitui-se, primeiramente, da generalidade que temos em comum compartilhada pela linguagem. Na sequência, essa generalidade é aplicada na sua relevância específica, relativa a cada coisa em um contexto específico. Apesar de Topa (2019) não mencionar os tipos de signos definidos por Peirce, percebe-se claramente a relação estabelecida entre legi-signos, que corresponde a ideias mais generalizadas, e a sin-signos, que podem ser compreendidos como a atualização destas ideias em contextos específicos. Também pode-se mencionar os quali-signos, relativos à potencialidade das novas ideias expressas em raciocínios abdutivos. Os aspectos icônico e indicial, que a teoria semiótica permite analisar, também podem abrir perspectivas para a compreensão de aspectos emocionais relativos às ações retóricas, embora, segundo Breton (2003), esses aspectos possam fugir de processos argumentativos e dar lugar às manifestações retóricas eticamente questionáveis. Na perspectiva peirceana, não há como ignorar nas semioses de caráter científico também esses aspectos relativos às categorias fenomenológicas da primeiridade e da secundidade, embora sujeitos ao falibilismo. Dimensões estéticas, cognitivas e tecnológicas de comunicação Capítulo 11 152 CONSIDERAÇÕES A retórica especulativa de Peirce tem um caráter essencialmente teórico e permite uma aproximação da retórica às ciências, ao contrário do que define Breton. Já a gramática especulativa, definida por Peirce, permite aproximações e contribuições às reflexões retóricas que podem ser bastante significativas no âmbito da comunicação. No jornalismo, as ações de enquadramento são as mais significativas e podem ser analisadas semioticamente. Deve-se levar em conta, no momento crítico em que vivemos hoje, que há uma recusa deliberada em certas correntes estabelecidas nas redes sociais de exercer a obrigação ética inerente ao discurso argumentativo como uma forma de exercer plenamente a cidadania. A semiótica e a retórica são permeadas pelo caráter ético inerente à condição humana, caracterizada pelo exercício da liberdade humana, mas de forma a garantir as condições desta liberdade. A importância de estudar a retórica está no fato de que a nossa concepção de mundo está vinculada ao modo como compartilhamos significados e, numa perspectiva peirceana, a como somos convencidos a manter ou modificar determinadas crenças, que também nos levam a modos de pensar, e, consequentemente, maneiras de agir. Por um lado, a semiótica obviamente tem uma significativa perspectiva retórica e o caráter pragmatista da filosofia de Peirce não pode prescindir de reflexões sobre as questões retóricas. De outro lado, a retórica também não pode ignorar as contribuições da semiótica peirceana, e uma retórica renovada pode ser desenvolvida nesta perspectiva. O objetivo da retórica é estabelecer a concordância em torno de determinadas ideias de forma a propiciar uma ação ou agir coletivo. Apesar da proximidade com a lógica, estabelecida sobretudo por seu aspecto argumentativo, como ressalta Breton (2003), a retórica tem como intuito sobretudo o caráter político, que pode ser compreendido como a predisposição de uma determinada comunidade de seres humanos a agir em uma determinada direção, a partir de um conjunto de crenças definida e cultivada em comum acordo, através de atos comunicativos. Cada sujeito é afetado e afeta os demais por ações retóricas, convencido e predisposto a convencer através de atos comunicativos, que podem ser compreendidos semioticamente como ações sígnicas. A partir do ponto de vista do indivíduo em relação ao seu auditório, seus prováveis leitores ou ouvintes, é que se pode abordar a “identificação” em uma abordagem retórica. A retórica só pode ter relevância científica se pensada em uma perspectiva ética. E o reconhecimento do seu valor científico consiste em evidenciar o papel que as ações retóricas têm em relação não só às ações cotidianas, como é próprio das “retóricas comuns”, mas também em relação ao próprio conhecimento, como manifesta Peirce através da sua concepção da retórica especulativa. Dimensões estéticas, cognitivas e tecnológicas de comunicação Capítulo 11 153 REFERÊNCIAS ABBAGNANO, Nicola. Dicionário de Filosofia. São Paulo: Martins Fontes, 2000. BURKE, Kenneth. A Rhetoric of Motives. Los Angeles: University of California Press, 1969. BRETON, Philippe. A Argumentação na Comunicação. Bauru (SP): Edusc, 2003. COLAPIETRO, Vincent. M. C. S. Peirce’s Rhetorical Turn. Transactions of the Charles S. Peirce Society, Bloomington (Indiana), v. 43, n.1, p. 16-52, 2007. GIDDENS, Anthony. Sociologia. Porto Alegre: Penso, 2012. HERMES, Gilmar. A retórica definida como um processo de identificação em uma abordagem semiótica. Passagens, v. 12, n. 1, p. 207-228, 31 jul. 2021. HOUSER, Nathan. Introduction. In: HOUSER, Nathan; KLOSEL. The Essential Peirce: selected philosophical writings. Bloomington: Indiana University Press, 1992, p. XIX-XLI. PEIRCE, Charles Sanders. Semiótica e Filosofia: Textos Escolhidos de Charles Sanders Peirce. São Paulo: Cultrix, 1993. PEIRCE, Charles Sanders. Ideas, Stray or Stolen, about Scientific Writing. In: PEIRCE Edition Project: The Essential Peirce. Bloomington: Indiana University Press, 1998, p.325-330. PERELMAN, Chaïn; OLBRECHTS-TYTECA, Lucie. Tratado da Argumentação: A Nova Retórica. São Paulo: Martins Fontes, 1996. SANTAELLA, Lúcia. O que é semiótica? São Paulo: Brasiliense, 2003. TOPA, Alessandro. “The general secret of rendering signs effective”: on the Aristotelian roots of Peirce’s conception of rhetoric as a dynamis, téchne and semeiotic form of the summum bonum. Cogitio, São Paulo, v.20, n.2, p. 404-428, jul/dez, 2019. TRAQUINA. Teorias do Jornalismo: Porque as notícias são como são. Florianópolis: Insular, 2004. Dimensões estéticas, cognitivas e tecnológicas de comunicação Capítulo 11 154 CAPÍTULO 12 AUDIOVISUAL, TECNOLOGIA E INTERAÇÃO: OBSERVAÇÕES DA SÉRIE DIÁRIO DE UM CONFINADO Data de aceite: 01/05/2022 Carolina Fernandes da Silva Mandaji Este trabalho foi apresentado na aula inaugural do Mestrado em Média e Sociedade do Instituto de Portalegre (Portugal) em setembro de 2020, com uma versão publicada na Revista Aprender, número 42 em novembro de 2021. RESUMO: Neste trabalho pretendemos uma reflexão sobre o audiovisual como uma prática semiótica contemporânea com características estéticas que promovem uma interação a partir de experiências sensíveis propostas. Partimos, assim, dos conceitos de tecnologia e da narrativa audiovisual como manifestação. Ampliamos a discussão buscando - historicamente – explicar os momentos diferentes pelos quais passou a linguagem audiovisual, desde o cinema às novas tecnologias com uma atenção especial aos conceitos de cinema interativo (PARENTE, 2007); de imersão de Janet Murray (2003) e de práticas de interação de Eric Landowski (2014). Por fim, observamos sob o olhar destes conceitos o programa de televisão seriado Diário de um confinado (Rede Globo, 2020) lançado durante a pandemia do Covid-19. PALAVRAS‐CHAVE: Audiovisual, cinema expandido, interativo, sociossemiótica. AUDIOVISUAL, TECHNOLOGY AND INTERACTION: OBSERVATIONS FROM TV SHOW DIARIO DE UM CONFINADO ABSTRACT: In this work, we intend to reflect on audiovisual as a contemporary semiotic practice with aesthetic characteristics that promote interaction, based on sensitive experiences proposed. For this, we started from the concepts of technology and audiovisual narrative as a manifestation. We expanded the discussion seeking - historically - to explain the different moments that cinema and audiovisual went through, with special attention to the concepts of interactive cinema (PARENTE, 2007); immersion by Janet Murray (2003) and interaction practices by Eric Landowski (2014). Finally, we observe, under the eyes of these concepts the TV show Diário de um Confinado (Rede Globo, 2020) launched during the Covid-19 pandemic. KEYWORDS: Audiovisual, expanded cinema, interactive, sociosemiotics. APONTAMENTOS INICIAIS O século XX foi marcado pelas tecnologias do audiovisual ligadas ao cinema e à televisão. Agora, já há autores que demarcam o momento como o do pós-cinema, como Manovich (2016). Para outros, o cinema vem de muito apresentando transformações e mudanças em suas características, como o que André Parente (2007) aponta como cinema interativo. Neste sentido, este trabalho foi pensado para abordar diversas teorias do Dimensões estéticas, cognitivas e tecnológicas de comunicação Capítulo 12 155 campo da Sociologia e Comunicação como uma resposta ao seguinte questionamento: no atual cenário contemporâneo, como as produções audiovisuais - mediadas por tecnologias - utilizam materialidades de linguagem para produzir efeitos de sentido e interação? Comecemos, então, por refletir sobre os novos rumos tecnológicos. É de conhecimento o seu impacto sobre as diferentes mídias, dentre elas, a que mais nos interessa, àquelas ligadas ao audiovisual. Não se trata de novidade. Entretanto, mais que entender, torna-se importante descrever como se dão os impactos na comunicação dados por “uma multiplicação de produtos e serviços que incidem sob nossas formas de consumo e de expressão culturais” (RUDIGER, 2013, p.33). Pela ampliação da discussão desses impactos na comunicação, o presente texto busca lançar luz em questões importantes: a) numa perspectiva técnico-tecnológica, abordar o conceito de tecnologia; b) apontar características narrativas e de interação como uma prática semiótica. Assim, o texto está estruturado em três partes. Na primeira, trabalharemos neste contexto da contemporaneidade os conceitos da linguagem audiovisual presentificadas em diferentes materialidades sincréticas numa sociedade tecnológica e midiatizada, fundados na experiência estética humana; para isso considerando as reflexões de Rudiger e de Denson e Leyda. Na segunda parte, abordaremos como as narrativas presentificadas em linguagem audiovisual possibilitam intervenções do espectador em seus usos e consumos, pela presença propondo diversos efeitos de sentido, para isso recorremos às abordagens de narrativa, textos interacionais e imersivos. Por fim, a terceira e última parte descreve - a partir dos conceitos apresentados anteriormente - o programa de televisão Diário de um confinado (Rede Globo, 2020) lançado durante a pandemia do Covid-19. TECNOLOGIA E LINGUAGEM AUDIOVISUAL Sobre o primeiro aspecto, ressaltamos o uso da linguagem audiovisual de ordem dialética, conforme explica Rudiger, como àquela dada por atividade não só tecnológica, mas política e cultural. O autor explica que a comunicação originária do uso do computador nesse ambiente de cibercultura não se desenvolveu apenas em termos funcionais e científicos, mas também outros, como de caráter simbólico, imaginários, entre outros. O planejamento de seu uso e a construção dos seus respectivos sistemas; para não talar da pesquisa que os originou, continham sem dúvida uma base racional. O embasamento tecnológico da mesma não pode ser bem entendido, contudo, sem levar em conta as projeções fantasiosas com que os vários grupos sociais envolvidos na situação não apenas a cercaram, mas destilaram suas ideias para dentro do próprio desenvolvimento tecnológico. A comunicação por meio do computador e a cibercultura que ela enseja pertencem ao campo da atividade tecnológica tanto quanto da ação política e da criação cultural. (RUDIGER 2013, p.41-42). Relacionamos, assim, ao que diz Teixeira e Ferrari (2016, p.245) sobre a diferença Dimensões estéticas, cognitivas e tecnológicas de comunicação Capítulo 12 156 entre entender a internet como “meio” ou “plataforma”. Segundo os autores, o que “pode parecer trivial do ponto de vista semântico” pode trazer impactos estratégicos e mercadológicos na comunicação, e por consequência nos produtos e serviços (não esquecendo o horizonte que é o do audiovisual e a internet enquanto meio). Os autores (TEIXEIRA; FERRARI, 2016, pp.245-246) explicam que “enquanto os grupos de mídia brasileiros perceberem a internet como um ‘meio de comunicação’, o contexto será competitivo e a rede assumirá o papel de uma concorrente perigosa”. O que estaria em jogo seriam fatias do público e do investimento em propaganda. Já, se a internet “for entendida como ‘plataforma’, a conjuntura se torna cooperativa e a internet passa a ser uma aliada, ampliando o território da audiência” (Teixeira, Ferrari, p.246). Reflexões sobre os efeitos benéficos ou maléficos da (s) tecnologias não é de todo recente. Citado por Rudiger, Adriano Rodrigues lembra tanto do otimismo talvez exagerado de alguns autores quanto de visões mais sombrias sobre as tecnologias do final do século XX. Poderia por um lado ser “uma oportunidade acrescida para o desenvolvimento, para o avanço da participação das populações nas decisões políticas, para o desabrochar da economia e a promoção de seus valores culturais” (Rudiger, 2013, p. 52-53), como também essas mutações tecnológicas do nosso tempo podem ser vistas “como a morte das culturas tradicionais, da diversidade de seus modos de vida, com a perda da espontaneidade das diversas experiências do mundo que fizeram a riqueza das civilizações (RODRIGUES apud RUDIGER, pp.52-53). O que nos faz voltar ao nosso objeto, relacionando-o aos aspectos tecnológicos da produção audiovisual, às formas de saber técnico, por um lado como sinônimo de arte, mas também como uma forma especial de técnica por meio do desenvolvimento da habilidade humana imediata: a produção (cinema, tv) utilizada pelo homem “em condições históricas e sociais determinadas” (RUDIGER, 2016, p.62). Bem, Denson e Leyda (2016, p.2) consideram variadas as tentativas de identificar as características definidoras das novas mídias decorrentes de novas tecnologias. Existem as que enfatizam-nas como “essencialmente digitais, interativas, em rede, lúdico, miniaturizado, móvel, social, processual, algorítmico, agregativo, ambiental ou convergente, entre outras coisas”. Segundo as autoras, mais recentemente, alguns teóricos começaram a dizer, simplesmente, que eles são pós-cinemáticos. O que isso, então, estaria dizendo? Se para elas, o termo teria uma clara vantagem, por outro lado nos coloca a ponto de reconhecer as características deste ambiente, como se fosse uma paisagem, como seus novos formatos de mídia, dispositivos e redes. Para empregar o termo, o pós-cinema é, antes de tudo, descrever esse impacto em termos de uma ampla transformação histórica - emblemática pela mudança do cinema para o pós-cinema. É a este respeito que encontramos outra vantagem do termo; pois, em vez de postular uma ruptura com o passado, o termo o pós-cinema nos pergunta com mais força do que a noção de “novas mídias” (grifos dos autores), por exemplo, para pensar sobre a relação (ao Dimensões estéticas, cognitivas e tecnológicas de comunicação Capítulo 12 157 invés da mera distinção) entre regimes de mídia mais antigos e mais novos. O pós-cinema não é só depois do cinema, e não é “novo” em todos os aspectos, pelo menos não no sentido de que novas mídias às vezes são equiparadas à mídia digital; em vez disso, é a coleção de mídia, e a mediação de formas de vida, que “segue” o regime amplamente cinematográfico do século XX onde “seguir” pode significar ter sucesso em algo como alternativa ou “seguir o exemplo” como um desenvolvimento ou uma resposta em espécie. Tratase de uma transição histórica contínua, desigual e indeterminada. (DENSON; LEYDA, 2016, p.2). O que as autoras colocam no centro da discussão decorre das transformações tecnológicas que, por sua vez, desencadeiam mudanças narrativas, estéticas e interacionais. Apesar do propósito de Denson e Leyda estar atrelado ao cinema, podemos utilizar essa reflexão para as diferentes materialidades do audiovisual mediadas pela televisão, computador, tablets, celulares, etc., promovendo experiências e práticas de acordo com cada uma dessas possibilidades. Pensemos, assim, sobre os conceitos de narrativa, dispositivo e produção de sentidos de interação, para depois considerarmos como se dão as práticas de audiovisuais, atreladas à contemporaneidade. O AUDIOVISUAL: RECONHECIMENTO E PROCESSO Contar histórias está, desde sempre, presente em nossas vidas. Roland Barthes (2013, p.19) afirma que inumeráveis são as narrativas do mundo. Para o autor, as narrativas distribuídas em materialidades diferentes presentifica a confiança dos homens em contar histórias, seja pela linguagem articulada, oral ou escrita, imagem, fixa ou móvel. Além disso, a narrativa para Barthes (2013, p.19) está “[...] presente em todos os tempos, em todos os lugares, em todas as sociedades”, também pode nos ajudar a compreender as possibilidades de interação propostas com os espectadores do audiovisual. Ainda seguindo o pensamento de Barthes, Milton José Pinto na introdução do livro “A análise estrutural da narrativa” propõe que existem três formas de manifestação da mensagem narrativa (que, segundo Pinto, tendem a se misturar, em combinações e intensidades diversas). A primeira seria a narrativa-fábula cujo propósito nos leva a refletir sobre o enunciado da narrativa e portanto aos seus elementos invariantes e ao código utilizado; a segunda seria a mensagem figurativa ligada aos sistemas de figuras, imagens e símbolos (e ainda por desenvolver); e a terceira se trata da mensagem estética, sendo esta última a que mais no interessa nesta reflexão, à que organiza a enunciação, uma espécie de narrativa da narração, estudos sobre os aspectos, os modos de dizer, das estruturas temporais, espaciais e causais dos elementos discursivos da narrativa. Cabe-nos, portanto, entender que: os desdobramentos estéticos e técnicos identificados em audiovisuais nos colocam a discutir os processos de produção de sentido a partir de cada uma dessas possibilidades narrativas; as representações de espaço e tempo nas narrativas audiovisuais nos mostram os percursos propostos; e a incorporação Dimensões estéticas, cognitivas e tecnológicas de comunicação Capítulo 12 158 dessas técnicas e estéticas decorrentes nos impõem a transformação dos usos e consumos dessa linguagem. Fomos buscar para esta reflexão o conceito de dispositivos do audiovisual e seus usos enquanto práticas semióticas. Para isso, recorremos aos conceitos de cinema interativo de Parente (2007); de imersão de Janet Murray (2003) e de práticas de interação de Eric Landowski (2014). Advindo do universo das artes, seja como produtor ou como pesquisador e professor, André Parente se propôs a discutir as transformações do cinema, bem como suas características estéticas e de produção de sentido. Mesmo que o autor assuma estar mais interessado em discutir as transformações pelas quais passa o cinema, sua definição de cinema como um dispositivo nos serve para refletir sobre o atual momento, de forma geral, do audiovisual. Parente (2007, p. 5) explica que O cinema é, a exemplo do livro contemporâneo, um dispositivo complexo que envolve aspectos arquitetônicos, técnicos e discursivos. Cada um destes aspectos é, por si só, um conjunto de técnicas, todos eles voltados para a realização de um espetáculo que gera no espectador a ilusão de que ele está diante dos próprios fatos e acontecimentos representados. Tais proposições sobre o cinema demonstram, para o autor, a multiplicidade que o cinema sempre teve, entretanto “encoberta e/ou recalcada por sua forma dominante”, por sua forma clássica de se presentificar como linguagem. Ainda assim, Parente identificou que a história do cinema se dá por cinco momentos fortes quando as transformações e experimentações do dispositivo cinematográfico. São eles: cinema do dispositivo, cinema experimental, arte do vídeo, cinema expandido, cinema interativo. Antes de falarmos sobre o que mais nos interessa, convém a partir de Parente discutir a definição do termo dispositivo. O autor explica que o uso desse termo se dá primeiro pautado por teóricos do estruturalismo, entre eles Jean-Louis Baudry, Christian Metz e Thierry Kuntzel, que foi utilizado para definir a disposição particular que caracteriza a condição do espectador de cinema (PARENTE, 2007, p.6). Seguindo Baudry, Parente explica que Como no dispositivo de representação conhecido como campo/contracampo, o dispositivo cinematográfico é ao mesmo tempo, um conjunto de relações onde cada elemento se define por oposição aos outros (presente/ausente), e aonde o espaço do ausente (imaginário) se torna o lugar (vimos que é ele que torna visível) onde uma não-presença se mistura, ou melhor, se sobrepõe a uma presença. (PARENTE, 2007, p.8). Essa noção de pensar sobre as oposições, sobre a ausência e presença nos coloca a questão das características narrativas espaciais e temporais e como tais noções ambientam o espectador na produção de efeitos de sentidos articulados em produções audiovisuais que exploram a possibilidade de materializar a linguagem propondo diferentes formas de interação em seus consumos. Dimensões estéticas, cognitivas e tecnológicas de comunicação Capítulo 12 159 Parente vai adiante em sua reflexão sobre o termo dispositivo e aborda ainda outros três principais conceitos em termos filosóficos, contextualizados nas obras de Foucault, Deleuze e Lyotard. O conceito de dispositivo tem uma história filosófica forte na obra dos grandes filósofos pós-estruturalistas, em particular Michel Foucault, Gilles Deleuze e Jean-François Lyotard. Para eles, o efeito que o dispositivo produz no corpo social se inscreve nas palavras, nas imagens, nos corpos, nos pensamentos, nos afetos. É por essa razão que Foucault fala de dispositivos de poder e de saber, Deleuze fala de dispositivo de produção de subjetividade e Lyotard de dispositivos pulsionais”. (PARENTE, 2007, p.10). O que queremos trazer com essa reflexão do dispositivo não foge à noção de representação, linguagem e às cadeias significantes, mas ampliar tais questões considerando para isso a experiência estética e sensível entre o sujeito e o dispositivo audiovisual. Dadas as devidas considerações sobre o conceito de dispositivo, voltemos aos momentos fortes do cinema e suas diferentes formas (PARENTE, 2007). O cinema tradicional “forma cinema”, é apenas uma forma particular de cinema que se tornou hegemônica, um modelo estético determinado histórica, econômica e socialmente; um modelo de representação. Trata-se de uma “forma narrativa-representativa-industrial”, segundo Parente. O cinema expandido apresenta um processo de transformação da teoria cinematográfica. Não se trata de pensar a imagem apenas como um objeto, mas como acontecimento. Implica, neste cinema, entendê-lo como campo de forças, sistemas de relações diferentes, instâncias enunciativas, figurativas e perceptivas da imagem, tais quais Denson e Leyda descrevem esse momento do pós cinema. Santaella (2013, p. 217) explica a importância de entender a efervescência do cinema expandido lá em meados da década de 70, que não se propunha necessariamente a explorar formas narrativas, mas, das potencialidades do cinema e do audiovisual. A autora explica que a obra Youngblood1 tratava o cinema expandido a partir de três aspectos: a) amalgamar todas as formas de arte, o filme inclusive, em eventos multimídia e de ação ao vivo; b) explorar as tecnologias eletrônicas antecipadoras do ciberespaço; c) romper as barreiras entre o artista e a audiência por meio de diversas formas de participação. A autora lembra que esse movimento do cinema foi responsável pela busca de formas novas e alternativas de estruturas narrativas ou não, bem como temporais que “explorassem os aspectos perceptivos e cognitivos da experiência do ver” (SANTAELLA, 2013, p.223). Já o cinema interativo é aquele cinema experimentado, ambientado no universo 1 Considerado como um dos primeiros autores a trabalharem o conceito de cinema expandido, na obra Expanded Cinema, Gene Youngblood entende que o cinema experimental norte-americano, além do surgimento da televisão, vídeo e computador ampliam o conceito tradicional de cinema, que para o autor, deveria passar a ser entendido como “escrita do movimento”, da própria etimologia da palavra e o que incluiria “todas as formas de expressão baseadas na imagem em movimento”, explica Arlindo Machado (2007, p. 66). Dimensões estéticas, cognitivas e tecnológicas de comunicação Capítulo 12 160 do digital e que conta com as potencialidades possíveis do uso dessas tecnologias, que, portanto, fará do uso do cinema como aquele espaço a ser vivido, experimentado, explorado. É como um escape à representação, a tecnologia e suas potencialidades estéticas, que alteram – em parte – as condições do espectador, bem como suas formas de consumo. Figura 1 – Momentos do cinema: tradicional, expandido, interativo. Fonte: Autoria própria baseado em Parente (2007) e Santaella (2013). São essas experiências e os demais momentos e transformações do audiovisual e das tecnologias utilizadas que irão promover alterações significativas nas práticas do audiovisual. Diante disso, cabe-nos refletir sobre os efeitos de sentido e características estéticas que exploram as experiências por meio das narrativas dos audiovisuais a serem analisados. Já vimos que Parente intitula o cinema interativo como aquele experimentado, agora mergulharemos nos conceitos de interação – imersão, agência, transformação - com as narrativas nos ambientes digitais proposto por Murray e também discutido por Souza. Além disso, observamos à luz da sociossemiótica, proposta pelo autor francês Eric Landowski, uma produção audiovisual. Quando falamos em imersão – no sentido proposto pela autora Janet Murray – estamos abordando o sentido semântico da palavra: “mergulhar” em outros mundos, mesmo que, porém, estejamos permanecendo no mesmo local. Souza (2017) explica que a imersão é elaborada com diminuição de estímulos externos e ampliação dos sentidos internos (olfativos, auditivos, degustativos e visuais) de modo que o meio se torna “invisível” ao usuário. Quando a interface não se faz perceptível, a diegese da narrativa ficcional se faz ainda mais presente. No entanto, é importante ressaltar que não é o aparato Dimensões estéticas, cognitivas e tecnológicas de comunicação Capítulo 12 161 o fator preponderante da imersão (embora exerça poderosa influência), mas sim o contrário: quanto mais significativa e envolvente for a diegese, maior é a capacidade imersiva. O aparato é um artifício que amplia os sentidos imersivos provocados pela diegese2 da narrativa. (SOUZA, 2017, p. 48). O autor diferencia a imersão em mídias tradicionais e mídias digitais. A primeira explora o deslocamento de realidade pautado no imaginário, no campo mental, já a segunda oferece além da possibilidade de imaginar, como também de ver e em certos casos até tocar, sentir, escutar ou cheirar a nova realidade apresentada. Assim, temos a experiência imersiva, dada pela materialidade de linguagem na utilização de aparatos tecnológicos e diegese narrativa que possibilitem. Esta pode ocorrer através de duas formas: pelo deslocamento emocional através da criação de uma narrativa imaginária; ou, pelo deslocamento cognitivo através de um espaço simulado por alguma interface tecnológica. Em outras palavras, “a imersão pode ser alcançada tanto na esfera do sensível, com o envolvimento, aprofundamento e mergulho em determinada narrativa quanto em ambientes com múltiplos estímulos sensoriais derivados da alta tecnologia”, afirma Souza (2017, p. 52). A capacidade de, através de comandos, realizar e obter o retorno de ações significativas em uma narrativa é mais conhecida como narrativa interativa, mas nos termos de Murray e acompanhada de Souza é intitulada agência. O sentido na agência é dado em nossa capacidade gratificante de realizar ações significativas e ver os resultados de nossas decisões e escolhas (SOUZA, 2017, p. 127). O autor explica que: A agência, então, vai além da participação e da atividade. Como prazer estético, uma experiência a ser saboreada por si mesmo, ela é oferecida de modo limitado nas formas de arte tradicionais, mas é comumente encontrada nas atividades estruturadas a que chamamos de jogos. (SOUZA, 2017, p.129). Na forma interacional proposta como agência, a estrutura de jogo independe, mas o seu uso, a ação de navegar por, é o que define a construção do sentido e a experiência do espectador. Murray (2003) define ainda um terceiro tipo de experiência estética imersiva que é a transformação. Segundo a autora, a transformação permite ao usuário a navegação em ambiente digital por jornada própria, com possibilidades de alteração no conteúdo. Embora, Souza repercute ainda o cinema imersivo3, iremos direcionar o olhar considerando 2 Para Christian Metz, “A palavra provém do grego diegesis, significando narração e designava particularmente uma das partes obrigatórias do discurso judiciário, a exposição dos fatos. Tratando-se do cinema, o termo foi revalorizado por Étienne Souriau; designa a instância representada do filme – a que um Mikel Dufrenne oporia à instância expressa, propriamente estética –, isto é, em suma, o conjunto da denotação fílmica: o enredo em si, mas também o tempo e o espaço implicados no e pelo enredo, portanto, as personagens, paisagens, acontecimentos e outros elementos narrativos, desde que tomados no seu estado denotado (Metz, Christian, 2004. A significação no cinema. São Paulo: Perspectiva, p.118.). 3 Souza (2017, p. 250) explica que o cinema é dito imersivo, chamado também de imercine caracteriza-se por uma categoria representativa de todo suporte que permite sua visualização, que por sua vez, “corresponde a toda narrativa audiovisual que se manifesta em perspectiva espacial panorâmica e/ou tridimensional”. O autor continua sua definição de imerfilmes relacionando-os aos próprios dispositivos tecnológicos através dos quais são assistidos, tais como óculos de realidade virtual, celulares, tablets, computadores, caves, hologramas, etc. “O imerfilme apresenta narrativas em Dimensões estéticas, cognitivas e tecnológicas de comunicação Capítulo 12 162 a experiência imersiva a partir desses aspectos. Entende-se, pois que esses três aspectos da experiência imersiva na relação com o audiovisual – imersão, agência, transformação - ressaltados por Murray e Souza, nos auxiliam a relacionar a proposta narrativa através das quais os audiovisuais são produzidos e os usos que decorrem a partir da proposta. E assim, podemos seguir com nossa reflexão a partir da observação de uma prática audiovisual, nem tida como a mais inovadora, nem especial, mas que foi selecionada por meio de buscas realizadas e que nos apresentam questões a serem pensadas e analisadas conforme os conceitos trabalhados até aqui. PRÁTICAS DE INTERAÇÃO NO AUDIOVISUAL Convém dar conta em primeiro lugar, especificando que as observações dessa prática semiótica estão longe de esgotar os sentidos propostos por ela. Além disso, é importante frisar que a utilização do termo semiótica demarca o terreno metodológico através do qual as observações se darão. Não em seu sentido strict sensu, nunca como apenas um texto, mas dialogando com os pressupostos do fundador da Semiótica Discursiva A. J. Greimas e o entendimento de que o “texto” (grifos do autor) sempre foi um “modelo” para a construção e a descrição de qualquer tipo de fenômeno, independentemente de sua natureza expressiva e de seu tamanho” [...] Ou seja: o objeto da semiótica nunca foi, não é, nem nunca será o “texto-objeto-fechado” (livro, foto, quadro, filme, etc., que, aliás, muitas vezes fechado nem é), mas sim o “sentido” e sua articulação sob forma de “significação”. (DEMURO, 2019, p.87-88). Se falamos no sentido e em sua articulação para significar por meio das práticas, é porque avançamos para a sociossemiótica4, cuja preocupação está centrada no social construído, ou seja, “nos discursos que nele circulam e pelos atos dos sujeitos que nele interagem” (DEMURO, 2019, p. 89). O autor segue: [...] antes de ser um método – ou pior, uma caixa de ferramentas passíveis de serem aplicadas a objetos de naturezas diversas – a semiótica e a sociossemiótica são uma maneira de olhar e abordar o mundo e seus fenômenos. Um olhar profundamente anti-essencialista, pelo qual nada – mundo, fenômenos, objetos, sujeitos, o social, a cultura, etc. – tem uma forma e uma identidade fixa, aprioristicamente definida e a-discursiva, nem nada existe independentemente de alguém que com ele interage, re-construindo e que a imagem em movimento se manifesta em 360 graus, o que modifica as concepções da linguagem cinematográfica tradicional”, afirma (SOUZA, 2017, p. 250). 4 Trata-se de sustentar as reflexões por um olhar teórico-metodológico construído nos estudos sobre os regimes de sentido e interação apresentados por Eric Landowski no livro Interações Arriscadas (2014b) e nas demais publicações posteriores, “teórico que se propõe a dar conta tanto dos regimes de sentido e interação que caracterizavam a gramática narrativa standard (grifos do autor) de Greimas”, pautadas pelo inteligível, “quanto de outros regimes que o semioticista lituano tinha vislumbrado sem, contudo, elaborá-los de modo sólido, coerente e coeso” (DEMURO, 2019, p. 91), pautadas pelo sensível. Dimensões estéticas, cognitivas e tecnológicas de comunicação Capítulo 12 163 apreendendo, assim, seu sentido [...]. (DEMURO, 2019, p.90). Junto dos demais conceitos apresentados e por esse olhar para o social e seus fenômenos re-construindo sentidos é que iremos abordar uma prática audiovisual contemporânea e as experiências promovidas por ela. Trata-se do programa de televisão Diário de um confinado (Rede Globo, 2020) estrelado pelo ator Bruno Mazzeo, com direção artística de Joana Jabace.5 Souza propõe como metodologia a observação de determinadas características estéticas e narrativas. São elas: moldura que consiste nas dimensões físicas em que a imagem é apresentada; visualidade que diz respeito à disposição imagética da obra (2d ou 3D); receptividade do público ou a forma como o espectador dialoga com a obra; narrativa que consiste na forma como é conduzida a narratividade do conteúdo; experiência, se é coletiva ou individualizada e segmento no qual o audiovisual circula (SOUZA, 2017, pp. 252-253). Para abordar a prática semiótica audiovisual o programa de televisão “Diário de um confinado”. O projeto criado pelo ator Bruno Mazzeo e a diretora artística Joana Jabace durante a pandemia do Covid-19 aborda em seus episódios crônicas das situações vividas pelo personagem principal Murilo durante o isolamento social. O projeto lançado como multiplataforma foi veiculado entre junho e julho na televisão aberta pela TV Globo, nos canais por assinaturas Multishow e GNT e também disponibilizado no Globo Play. A diretora Joana Jabace explica que a produção contou com uma equipe multidisciplinar que conceituou e pré-produziu a série à distância. “Assistente de direção, produção de arte, montador, pós-produção, figurino, efeito especial. Todos os departamentos foram participando cada um de sua casa. Entramos de cabeça nesse desafio imbuídos de fazer dar certo e nos reinventarmos”, explica (COMUNICAÇÃO GLOBO, 2020). 5 A série foi gravada na casa da diretora e do ator, que são casados na vida real. O projeto de dramaturgia multiplataforma gravado no apartamento do casal, Rio de Janeiro, teve produção e captação de participações especiais realizadas de forma remota (GSHOW, 2020). Dimensões estéticas, cognitivas e tecnológicas de comunicação Capítulo 12 164 Figura 2 – Produção da série “Diário de um confinado”. Fonte: Globo, GSHOW (2020). Por se tratar de um projeto desenvolvido durante o isolamento social imposto pela pandemia do Covid-19 e abordado como temática principal da série, as cenas foram gravadas dentro do apartamento do casal, no elevador e corredores do prédio (com interação com a atriz Débora Bloch, também moradora do prédio e que vive a personagem Adelaide) e conta ainda com cenas captadas à distância com os atores. O ator Bruno Mazzeo descreve como foi contracenar à distância: Tinha uma coisa muito curiosa que era o contracenar à distância. A gente foi percebendo também maneiras de achar um jeito na hora de contracenar, para que ficasse uma coisa orgânica e, por sorte, nós temos amigos muito talentosos (GSHOW, 2020). Retomando os conceitos anteriores, é válido descrever que tal prática audiovisual utilizou uma emissora de televisão, aplicativo, captação do show dos músicos, além da materialidade final disponibilizada: pílulas da série6, materiais de divulgação7 e os próprios episódios veiculados Podemos, assim, caracterizar essa prática como audiovisual expandido como nos propõe Parente, que coloca a produção audiovisual dentro de um sistema de relações com a promoção das diferentes instâncias enunciativas, figurativas e perceptivas da imagem. A série foi entendida como interativa seguindo Souza, quando apresenta-se por única ou múltiplas telas retangulares, numa imagem bidimensional, cuja linguagem é hipermidiática (extrapolando a linguagem audiovisual ao utilizar-se de outras mídias e plataformas). Do tipo imersão a partir de Murray, entretanto também agência quando entendemos a opção dos telespectadores em acessarem o programa a partir do Globo Play e, assim, assistir à sua escolha, não obedecendo a um arco narrativo ou à própria disponibilização 6 Episódios de menor duração foram inseridos no decorrer da programação do Canal GNT. 7 Foram incluídos trechos de making off no final dos episódios e bastidores e entrevistas foram apresentadas e disponibilizadas pelo Globo Play e por outros programas da Rede Globo. Dimensões estéticas, cognitivas e tecnológicas de comunicação Capítulo 12 165 dos episódios numa grade (como aconteceu com os telespectadores da TV Globo). Desta maneira, essa escolha da ordem dos episódios pode ser realizada por uma certa interação. Por fim, a série promove um fazer-sentir que explora as potencialidades sensíveis, como define Landowski. Nesse caso, entendemos que a significação passa não só pelo inteligível, como também pela captura do sensível. A série promove uma interação que busca a identificação do espectador com cada uma das situações vividas pelo personagem. Se por um lado, de certo que há uma interação da manipulação promovida pela emissora enquanto organização institucional destinadora de um fazer-assistir; da programação na exploração do hábito dos telespectadores (já que o programa ocupou na grade de programação um horário destinado há anos aos programas cômicos e humorísticos), mas também do ajustamento com a temática discursiva e narrativa descrevendo as situações do isolamento social, no próprio contexto vivido por todos. Sobre essa busca pela abordagem do tema, o ator Bruno Mazzeo afirma que a produção tinha uma urgência e “porque falamos de coisas que não existirão mais [...] de repente, nos vimos em uma nova realidade. A gente queria falar desse movimento específico mesmo” (GSHOW, 2020). Além disso, as interações promovidas pela série estão baseadas nas escolhas estéticas da linguagem audiovisual, como por meio do cenário utilizado da casa do personagem, da interação com personagens à distância, dos figurinos, entre outras. Assim como, por meio da interação promovida com os telespectadores e suas próprias escolhas, quer dizer, pelo material ter sido disponibilizado em multiplataformas, em especial numa plataforma de streaming, que permite ao espectador outras formas de interação. APONTAMENTOS FINAIS A proposta aqui apresentada parte de uma reflexão sobre o audiovisual na contemporaneidade. Para isso, buscamos dissertar sobre os conceitos de tecnologia e manifestação da narrativa e como as experiências dadas a partir do audiovisual podem estar promovendo outras interatividades com os espectadores. Nesse sentido, trazemos novamente Janet Murray, que, ao definir o aspecto de interação agência como resultado de uma decisão ou escolha do espectador, quer dizer, como a partir de uma sensação experimental cuja ação decorrente é significante, nos mostra o caminho. Essa experimentação pode ser realizada no caso de “Diário de um confinado” quando é dada ao espectador a possibilidade de acesso a outros conteúdos disponibilizados no Globo Play sobre o universo da série, como por exemplo: making off de produções, bastidores e entrevistas, entre outros. Assim como Parente e Souza, com o cinema interativo, pensamos que esse seja o caminho a ser seguido nas análises de produções audiovisuais, que, atualmente, buscam cada vez mais espectadores com “capacidade gratificante de realizar ações significativas Dimensões estéticas, cognitivas e tecnológicas de comunicação Capítulo 12 166 e ver os resultados de nossas decisões e escolhas” (MURRAY, 2003, p. 127). É ainda, com Landowski, que entendemos que para aprofundar essas análises é preciso observar os dois tipos de processos de significância da prática semiótica audiovisual na contemporaneidade: a leitura e a captura. A leitura que está fundada sobre o reconhecimento de formas figurativas, na “decifração das “significações” (grifos do autor); e, a captura, que está pautada na “apreensão do “sentido” que emana das qualidades sensíveis — plásticas, rítmicas, estésicas — imanentes aos objetos” (LANDOWSKI, 2014a, p. 13). Tais processos continuarão a ser explorados quando um contexto (como foi o da pandemia de Covid-19) alterou também as formas de produção da linguagem audiovisual e seus produtos e, por consequência, a leitura e a captura dos efeitos de sentido. Imagens das telas de computador e celular, embora tenham sido utilizadas há tempos nos produtos audiovisuais, suas qualidades sensíveis promovem outros efeitos de sentidos adquiridos junto à experiência vivida do isolamento social. Com Souza (2017) podemos olhar para as realidades interativas propostas pelas narrativas e para as possibilidades de experiência que podem ser produzidas. O autor diz que é possível relacionar público e obra por meio da empatia, das memórias, da expansão do conhecimento e das realidades “ao explorar universos que possam trazer novas perspectivas de compreensão de um mundo cada vez mais plural, e que por sua vez se amplia e se intensifica quando as histórias favorecem elevada sensação de imersão” (SOUZA, 2017, p.44). Por fim, entende-se que ainda hoje há um predomínio de produções cujas narrativas se apoiam no audiovisual tradicional, clássico, entretanto se apontarmos para as questões das produções e narrativas audiovisuais que estão por vir, veremos os desafios desconhecidos. Um deles é a necessidade urgente de análises que possam promover formas de leitura das experiências partilhadas pelos espectadores em obras experienciadas. REFERÊNCIAS ARAÚJO, Carlos Eduardo Dias de (2008). 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Dimensões estéticas, cognitivas e tecnológicas de comunicação Capítulo 12 168 CAPÍTULO 13 A PARTICIPAÇÃO DO ESPECTADOR NO CURTA IDEOLOGIA, DE JOSÉ MOJICA MARINS: UMA COMPREENSÃO POR MEIO DA NARRATIVA CINEMATOGRÁFICA Data de aceite: 01/05/2022 Fernando de Barros Honda Xavier Universidade Tuiuti do Paraná, Curitiba, PR Graduado em fotografia pelo Instituto Superior de Brasília – IESB e mestrando do PPGCom da Universidade Tuiuti do Paraná - UTP na LP de cinema e estudos audiovisuais, futura dissertação sob orientação do Prof. Dr. Marcelo Carvalho INTRODUÇÃO Enquanto parte do cinema marginal brasileiro, considerado um de seus pioneiros, José Mojica Marins, mais conhecido como o seu álter ego Zé do Caixão, escreveu, dirigiu e produziu diversas obras fílmicas voltadas ao subgênero horror. Nesse contexto, o filme Estranho Mundo de Zé do Caixão (1968) contém três curtas-metragens que abordam os seguintes temas: sexo, canibalismo, estupro, RESUMO: A proposta do trabalho é compreender de qual forma o espectador se envolve com o curta metragem Ideologia (1968) de José Mojica Marins por meio da narrativa cinematográfica. Essa proposta tem como embasamento a noção da atividade do espectador por meio da recepção e cognição de David Bordwell (1985) no contexto da narrativa e recursos fílmicos utilizados no objeto elencado. Assim, dentro do curta, foi apontada uma sequência que indicaria a relação entre o realizador e o espectador, para a análise dessa relação autores como Edgar Morin (2014) e Hugo Münsterberg (2021) são utilizados. A hipótese é de que a interação com a obra fílmica se daria de maneira subjetivamente construída a partir da vivência daquele que assiste e dos recursos cinematográficos utilizados na obra, assim, o eixo receptor-espectador se deslocaria para observador-testemunha. PALAVRAS-CHAVE: Narrativa; Epistemologia; Espectatorialidade; Mojica; Horror. voyeurismo e morte. Esses curtas podem ser entendidos como episódios por estarem inseridos no contexto da filosofia de Zé do Caixão. No último episódio, há a racionalização dos temas desenvolvidos e apresentados por meio dos acontecimentos da trama, a utilização de diálogos expositivos unidos à imagem em movimento para literal demonstração do que se é dialogado. Ideologia aborda a superioridade da carne sobre o espírito, desta forma, o ser humano sempre penderá ao instinto. Para mostrar essa abordagem, o episódio utiliza-se das técnicas cinematográficas para iniciar uma discussão entre “razão” e “instinto” a partir do aprisionamento de um casal (figura 1), dando início a observado um experimento pelo constantemente espectador, no entanto executado pelo Oãxiac Odéz. A hipótese é de que os recursos cinematográficos utilizados, em concordância com as falas de Oãxiac e a Dimensões estéticas, cognitivas e tecnológicas de comunicação Capítulo 13 169 vivência do espectador, comprovariam a teoria que ele apresenta no filme, deslocando a posição de receptor-espectador. A partir do diálogo e da trama existentes no objeto escolhido, a presente pesquisa se baseia no contexto da narrativa cinematográfica, levados pelo diálogo e ações em cena apontados e percebidos pelo espectador. Essa explicitação demonstrada é apontada por Bordwell (1985) o encadeamento das imagens por meio da montagem e a construção da narrativa a partir do espectador serão utilizados para a investigação, isto é, a teoria da narrativa cinematográfica. Apresentado esse contexto, o problema norteador pode ser apresentado: de qual forma pode ser compreendida a participação do espectador no curta Ideologia? Para assim compreender essa forma de participação, os objetivos específicos são: [a] compreender o discurso da obra em uma cena específica; [b] investigar a localização do espectador nesse contexto e [c] compreender a forma como o espectador se relacionaria com a obra. A metodologia escolhida é a revisão de literatura e descrição. Por fim, a justificativa da pesquisa se insere em uma possível investigação futura no campo da teoria dos cineastas, a utilização da interpretação da narrativa fílmica, a investigação de uma possível epistemologia norteadora para o cinema e, ainda, propiciar o fomento da discussão sobre o cinema brasileiro de horror. Figura 1. Fonte: Frame do curta Ideologia (1968), de José Mojica Marins. Dimensões estéticas, cognitivas e tecnológicas de comunicação Capítulo 13 170 OÃXIAC ODÉZ ENTRE A CIÊNCIA E INSTINTO O curta inicia mostrando o professor Oãxiac Odéz defendendo a sua tese em um programa televisionado, o conteúdo central da sua fala se trata do instinto como a força que há no ser humano, este repele ou atrai tudo o que o rodeia por meio da atração da matéria, podem ser sentimentos ou mesmo outras pessoas. Ao final do programa, um dos entrevistadores exprime interesse sobre o tema que o professor apresenta, o último o convida para a casa dele pois, é o único local com possibilidades de comprovar a tese. Na cena seguinte, o jornalista e a esposa chegam até a casa de Oãxiac, descem até o porão da casa e avistam diversas pessoas em prática sexual. Estas pessoas estão com ferimentos expostos e, inclusive, o sangue saindo dessas feridas serve de alimento para os envolvidos (figura 2). Além disso, também há um ato de canibalismo, pessoas se alimentam uma das outras ainda aparentemente despertas. Em geral, o que se percebe é o contentamento e prazer afirmado pelo professor Oãxiac. O que todos presenciam se trata do instinto operando acima da razão: - Qual é o nome que você daria a essa reunião de seres racionais? Euforia da carne? Liberdade do sexo? Bacanal do diabo? Depravação de débeismentais? Não há palavras para aquilo que se desconhece. Eu darei um nome para o que sua mente não consegue entender: O triunfo do instinto sobre a razão. O auge da suplantação da matéria sobre o espírito (ESTRANHO..., 1968, 56 min). Nessa mesma cena, as auxiliares do professor vestem roupas com cruz1 estampada em contraste com os vestidos escuros (figura 3), o que, alternando com o conteúdo do diálogo do personagem principal, traz uma síntese crítica a duas questões importantes historicamente para a Igreja católica: matéria (carne) e espírito; por desdobramento na própria narrativa, instinto e razão. A razão de atrelar a Igreja católica e a cruz é possível ao apontar a intenção da obra completa em que esse curta pertence, Estranho Mundo de Zé do Caixão (1968) e o filme da introdução dessa personagem, À Meia-Noite Levarei Sua Alma (1965). O primeiro, se constitui como a filosofia de Zé do Caixão, é uma síntese em três curtas – podem ser considerados episódios - sobre a maneira como o personagem se manifesta em situações da vida cotidiana as quais ele não necessariamente está presente na cena, mas, a sua visão de mundo ocorre no desdobramento da narrativa por meio da imagem. O segundo filme, é a sua introdução, ele, Zé do Caixão, desdenha da crença da cidade que vive, zomba das carolas2 e da condição de não comer carne na Sexta-Feira Santa (ANDRÉ BARCINSKI e IVAN FINOTTI, 2015). A posição do personagem sobre essa tradição é demonstrada em seus atos e diálogos com outros moradores da cidade. Comer carne em frente a procissão, gritar enfurecido olhando para o céu são alguns dos exemplos 1 Cf. Battaglia (2003) na tradição católica, a cruz é a sistematização da vida de Cristo, todas as escolhas de sua vida culminariam nesse espaço. Também, a partir dessa ação de “ser” crucificado, permanecem sentimentos de confiança, união, amor e a entrada na trindade – a espiritualidade cristã também se inicia a partir da união e o amor – isto é, todos os “sentimentos” envolvidos por meio do Cristo crucificado devem servir à imagem e semelhança dos seguidores. 2 Termo em concordância com os autores. Dimensões estéticas, cognitivas e tecnológicas de comunicação Capítulo 13 171 que podem ser citados. O que compreendemos, com base na relação dos dois filmes, é que não se trataria de uma coincidência estética do realizador. Para a narrativa, com base na construção do personagem, a Igreja católica é o centro de sua manifestação crítica, a única nesses termos que mantém as tradições mencionadas e referenciadas nas duas obras fílmicas do cineasta. Figura 2. Fonte: Frame do curta Ideologia (1968), de José Mojica Marins. Esclarecida essa relação, a possibilidade de compreender o contexto das ações que se mostram pelos planos é possível, portanto, o primeiro elemento seria a cruz, ela indicaria o discurso do personagem sobre a matéria e o espírito, o segundo elemento seria a relação entre esses elementos presentes no primeiro filme em que Zé do Caixão aparece. A questão é que, ao estabelecer apenas o cenário cristão, o conteúdo da afronta do prof. Oãxiac se esvaziaria, pois no contexto do curta Ideologia há uma convergência da teologia cristã e da ciência moderna. Não é inteiramente a primeira nem a última, mas uma possível síntese do próprio personagem, o humano possui tanto a matéria quanto o espírito em si, no entanto, a matéria sempre prevalecerá de acordo com o personagem. Dentro do conteúdo bíblico existem dois mitos3 acerca da criação do ser humano, 3 O sentido dessa palavra é de acordo com a organização de Pierre Gilbert (2014), o qual encaixa no contexto de um gênero literário presente na bíblia, esse gênero abarca majoritariamente o Gênesis. Com base nisso, o mito é uma forma de explicar uma realidade, derivado dos gregos. Ver o período Helenístico em DAWNSON, Christopher. A formação da Cristandade. Tradução de Márcia Xavier de Brito. 1. ed. São Paulo: É realizações, 2014. p. 191-206. Dimensões estéticas, cognitivas e tecnológicas de comunicação Capítulo 13 172 se atendo ao mito da formação dele a partir do barro é de se perceber que o humano é constituído da matéria do próprio mundo, faz parte dele fisicamente, justamente na sua composição há elementos que existem tanto na natureza4 do mundo quanto no corpo desse ser feito de barro. Essa concepção é apontada por Rudolph Lanz (2007) o qual determina uma possível antropologia filosófica expondo um conhecimento proveniente da chamada “ciência espiritual” de seu fundador Rudolph Steiner. Essa ciência tem início na união da explicação da natureza humana dentro do texto bíblico às ciências naturais. A discussão avança embasada por esse conhecimento, a matéria pode ser subdividida em inorgânica a qual emitiria uma energia composta pelos elementos (minerais, por exemplo), quer dizer, as ciências duras se utilizam dos elementos para compreender o mundo por meio da experiência e observação, Podemos dizer que, de maneira geral, as causas de todos esses fenômenos se encontram no mundo sensível ou físico. A relação entre causas e efeitos é constante e permite estabelecer as chamadas “leis da natureza”. [...] Essa atitude, seja dito em parênteses, é uma conquista da ciência moderna; um observador grego ou medieval nunca teria ousado submeter os mundos extratelúricos às mesmas leis que explicam os fenômenos terrestres (LANZ, 2007, p. 17). O autor propõe o ser humano em uma constituição orgânica composto também por elementos inorgânicos. As leis que regem esse ser não são as mesmas das leis do reino inorgânico, esse conjunto contudo fornece o humano uma característica particular, um segundo corpo chamado de corpo etérico5. Esse corpo nada mais seria do que a possibilidade de vivenciar o mundo físico: os próprios sentidos. Parte dessa abordagem, em específico na constituição humana não mística, é explorado pelo mundo físico averiguado por Morin (2012), o qual verifica que o ser humano de fato é formado de uma organização físico-química. O cerne desse pensamento está na interação do ser humano com a natureza o qual gera uma evolução na ordem-desordem-interações-organização e novamente a ordem e progressivamente, um ciclo infinito. Sobre essa evolução que o autor explora, a percepção pode ser à luz da teoria da evolução de Darwin ao afirmar que “o desenvolvimento da hominização não constitui uma interrupção das desordens e dos acasos, mas uma aventura submetida a desafios ecológicos, acidentes, conflitos entre espécies primas, que terminam pela liquidação física dos vencidos.” (MORIN, 2012. p. 28) o ciclo da ordem e desordem culminam no que o autor nomeia como auto-organização. Sim, há uma relação com a teoria da evolução, mas, avança de forma definitiva para desarfirmar o determinismo do meio externo que aquela teoria possui. Julio Almeida (2008) compreende dessa forma a teoria da evolução e acaba por se diferenciar de Edgar Morin no que concerne a união do aspecto genético (biológico 4 Quer dizer o que origina, cf. Lanz (2007). 5 A completude de “corpo etério” é a partir do autor original, Rudolph Steiner. É repleta de meandros, com nomeações que podem ser consideradas pseudociência ou parte do esoterismo; dentre elas o “corpo astral”, “alma da sensação” e “alma sensível”. Dimensões estéticas, cognitivas e tecnológicas de comunicação Capítulo 13 173 e relação com a natureza) com o fenômeno (subjetivo), essa seria sim seria a autoorganização. Esse conceito garante o cérebro possuidor de uma função principal no corpo do ser humano. Ele é o único portador de um cérebro sapiens-demens6 à luz da relação cíclica biológica/subjetividade (genético e fenômeno). Existem tensões e aproximações entre o pensamento de Rudolph Steiner (2004) e Morin, o primeiro, após discutir sobre os sentidos e o corpo etério, amplia a natureza do ser humano para suprassensível, o segundo mostra uma relação entre o biológico e fenomenológico à cognição. No que concerne a natureza “sensível” do humano ambos os autores podem ser aproximados, enquanto a natureza suprassensível é a reflexão da experiência iniciada nos sentidos. Isto é, o espírito é a reflexão iniciada pelos sentidos e a matéria é a possibilidade de experimentação a partir dela. A relação do espírito e a matéria é mostrada na cena em que o casal é obrigado a assistir, como em um teatro, sentados em cadeiras e voltados para um palco (figura 3) atos de canibalismo contra uma pessoa presa de ponta-cabeça. Novamente, há presença da cruz embaixo da vítima sendo devorada, esta crucificada numa engenhoca. Eles experimentam o que está acontecendo diretamente com os sentidos, mais com a visão e audição. Onde pode ser localizada a relação entre espírito e matéria nessa situação? Paradoxalmente nas ações do próprio professor. Demonstrando prazer (figura 1) pela situação, Oãxiac Odéz comprova repetidamente a sua hipótese de o instinto vencer a razão, agora, com o jornalista e sua esposa: eles são o objeto, farão parte dos já testados que o instinto imperou. Humanos como ele, portadores de um cérebro sapiens-demens, no entanto, experiênciam o oposto do professor. Por estarem submetidos à força se tornam sujeitos da intenção de Oãxiac, os seus sentidos utilizados trazem emoção para as suas ações, como gritar, estupefação e recolhimento na cadeira (Figura 3). OÃXIAC ODÉZ E A RAZÃO DO INSTINTO NO CINEMA A relação do pesquisador e de seu objeto é, em suas ações, da ciência discriminativa. Os critérios para consideração de ciência são em sua maioria a comprovação exaustiva pela experiência, dedução, correção e sem possibilidade de contradição (EDVINO RABUSKE, 1987), é o que Oãxiac Odéz realiza, insiste na razão não vencer o instinto, possui uma tese que pode ser comprovada de maneira empírica e diretamente7. Essa razão seria a reflexão dos impulsos para evitar atos como os já vistos na obra fílmica, os objetos começam a perder a capacidade de reflexão quando se recolhem na cadeira, seria a falta do suprassensível apontado por Rudolph Steiner e a permanência da desordem em Edgar Morin. 6 Cf. Edgar Morin, o cérebro por ser um determinante desse conceito possui nele a razão, delírio, húbris e destrutividade. Todos esses aspectos estão unidos, são singulares e todos compõem o ser humano. Nessa pesquisa, o enfoque estaria na razão e na húbris (impulsividade e violência). 7 Aqui está uma consideração do que é “ciência” e razão localizadas a partir de observações das ações dos personagens na trama. Dimensões estéticas, cognitivas e tecnológicas de comunicação Capítulo 13 174 Figura 3. Fonte: Frame do curta Ideologia (1968), de José Mojica Marins. A introdução do personagem Oãxiac Odéz localizado na narrativa nos capacita em compreender as outras duas personagens: Wilma e o jornalista. Vinculado a estas, estão as formas de contar a história por meio do tempo e do espaço, seriam as peculiaridades da montagem e filmagem no cinema: Aqui nos aproximamos do significado básico da montagem. O seu objeto é mostrar o desenvolvimento da cena como se fosse em relevo, conduzindo a atenção do espectador primeiro para este elemento, depois para aquele outro, em separado. A lente da câmera substitui o olho do observador, e as mudanças no ângulo da câmera – dirigida primeiro para uma pessoa, depois para a outra, agora neste detalhe, depois neste outro – devem se sujeitar a condições idênticas às dos olhos do observador (PUDOVKIN, 2021, p. 53). A cena depende da montagem para conduzir a mente do espectador, a partir dela a atenção é mantida para certos elementos que surgem dentro da imagem, ainda, o que podemos adicionar nessa compreensão é o que vem antes da montagem, a própria filmagem. Pudovkin apresenta uma diferença entre espectador e observador: o primeiro está a nível da montagem, o segundo da atenção. Há um possível deslocamento de espectador para observador quando a montagem e filmagem conduzem a mente do espectador. Finalizando um ciclo no desenvolvimento do filme, a ordem roteiro-filmagem-montagem é utilizada para a construção da ação da personagem8 com o intuito de manter esta atenção do espectador 8 Cf. Pudovkin (2021) um recurso em destaque na filmagem é o close-up. Este, atrai a atenção do espectador para um detalhe que o realizador considera importante para o desdobramento das ações das personagens na cena. Dimensões estéticas, cognitivas e tecnológicas de comunicação Capítulo 13 175 na cena, ou seja, nos acontecimentos que são apresentados em sequência chegamos ao entendimento inicial do que seria a montagem construtiva. A noção de montagem construtiva é formulada por causa da capacidade de guiar a atenção do espectador para as ações das personagens em cena, no entanto, a sequência delas só pode ser entendida assim caso a atenção do espectador as interligue9 (PUDOVKIN, 2021). A construção da sequência não é deslocada da inerente participação afetiva10 do espectador, logo, se trataria de uma construção utilizada para iniciar a condução da mente dele ao longo do processo fílmico, utilizando-se do tempo: A relação entre mente e as cenas filmadas adquire uma perspectiva interessante à luz de um processo mental [...] Próximo no sentido de que a ideia despertada na consciência pela sugestão é feita na mesma matéria que as ideias da memória ou da imaginação. As sugestões [...] são controladas pelo jogo de associações. Existe, porém, uma diferença fundamental: para todas as outras ideias associativas, as impressões externas representam apenas um ponto de partida (MÜNSTERBERG, 2021, p. 39). A participação afetiva do espectador pode ser compreendida como um complemento das impressões externas. Embora o espectador se relacione com o filme de maneira subjetiva e passiva, a condução da mente dependeria de um aspecto de associação ligada a memória. Essas duas noções que envolvem o espectador possuem diferenças epistemológicas: 1) a participação afetiva é a identificação do espectador com o que passa na tela por um processo de interiorização, resulta da experiência da vida cotidiana e a capacidade do cinema de conduzir a mente a partir dos elementos em cena; 2) as impressões externas vêm do que se assiste - pode ser algum elemento em cena que chame a atenção do espectador, por exemplo - a memória traz a completude daquilo que chama a atenção na cena (MÜNSTERBERG, 2021). Ou seja, o pressuposto do cinema ser capaz de conduzir o espectador de maneira plena desconsidera os próprios processos de percepção destes, pois, ao entender a memória se relacionando com a obra fílmica deslocaria o espectador de passivo à participante do processo de recepção. A noção de participação afetiva faz parte da projeção-identificação do ser humano, de acordo com Edgar Morin (2014) a projeção é exercida por todos e para tudo, se trata da transferência de sentimentos e emoções. A partir disso, o primeiro estágio chamado de “automórfico” pode existir, é a construção no outro o que existe em si mesmo. O segundo estágio é a atribuição de categorias humanas nas coisas inanimadas e nos próprios seres vivos. Já o último estágio seria a “duplicação”, a capacidade perceber a si mesmo fora de si. Chega-se então à possibilidade da participação cinematográfica: Na medida em que identificamos as imagens da tela com a vida real, nossas 9 Nós propomos apresentar esse delineamento para elucidar o deslocamento do termo “espectador” para “observador” no contexto do autor. É importante deixar claro que no próprio texto Pudovkin utiliza “espectador” para indicar aquele que assiste ao filme. 10 Em concordância com a participação afetiva demonstrada por Edgar Morin (2014) o espectador por meio da estética interage com uma obra cinematográfica de ficção a partir da subjetividade, há uma hierarquia a partir da obra para o espectador. Este se torna diminuto pela de maneira subjetiva. Dimensões estéticas, cognitivas e tecnológicas de comunicação Capítulo 13 176 projeções-identificações da vida real se colocam em movimento. De fato, em certa medida, vamos reencontrá-las ali, o que dissipa aparentemente a originalidade da projeção-identificação cinematográfica, mas também a revela. Então por que reencontrá-las? Na tela há apenas um jogo de luz e sombra; apenas um processo de projeção pode identificar sombras com coisas e seres reais e atribuir-lhes essa realidade que falta a eles de forma tão clara à nossa reflexão, ainda que tão pouco clara à nossa visão (MORIN, 2014, p. 116). O autor discorre sobre a subjetividade do ser e a interação com o dispositivo de maneira passiva, contudo, dentro da noção de participação cinematográfica com a memória, o espectador seria o elemento principal do processo de projeção. OÃXIAC ODÉZ E A RAZÃO DO INSTINTO PARA ESPECTADOR O que se passa na tela inicia-se com o roteiro, vai à filmagem, após montagem e por último a revelação da obra no correr do tempo com o preenchimento da subjetividade do espectador. O que há de participação afetiva na cena (figura 3) em que Wilma e o jornalista assistem? Poderia ser elencado um momento de participação afetiva a princípio: a posição do espectador presenciando o casal assistindo à cena “ao vivo”. A cena do casal assistindo ao vivo a cena de canibalismo também pode ser considerada uma participação afetiva, pois, mesmo que alguma atitude possa interferir no que acontece ali, isso não ocorre. No filme, aquele palco é uma representação do palco do teatro, um processo inverso, da realidade imitando a ficção dentro da ficção percebida pela realidade (espectador). Nem as atitudes do espectador nem do casal podem interferir nos acontecimentos, ambos são participantes afetivos guiados por Oãxiac Odéz. Há no filme a utilização do plano geral sem cortes quando o casal é forçado a sentarse nas cadeiras, o apresentador Oãxiac Odéz apresenta o que eles vão assistir (60:10 mim). Primeiro há a localização espacial do casal em plano geral sem mostrar o que há no palco, depois de um corte seco, a luz do palco é acendida, o enquadramento apenas do que está posto ali é intercalado com o close-up do corpo preso na engenhoca. Por fim, a voz de Wilma é ouvida sem ela estar no quadro, mas, na cena, um voice off. Esses recursos aproximam o espectador do que o professor quer apresentar, mais ainda, no contexto das ações das personagens o espectador vivencia junto delas a revelação da “prova concreta” das pesquisas do professor. O conteúdo de sua fala ao apresentar a situação no palco é a revelação do que ele espera que aconteça com todos, uma mudança iniciada por meio da vivência, finalizada na transformação da moral: - Irão presenciar agora um espetáculo burlesco, mas que provará o que digo. – A humanidade sempre procurou menosprezar e ridicularizar aqueles que procuram fugir às suas regras. Aqui, todos, depois de um pequeno tratamento, são libertos dessas regras para se tornarem mais autênticos (ESTRANHO..., 1968, 60min). Dimensões estéticas, cognitivas e tecnológicas de comunicação Capítulo 13 177 O conteúdo da sua fala é anterior à revelação do que há no palco, o professor Oãxiac norteia para todos os espectadores – aqueles que assistem ao filme e as duas personagens – a partir da sua visão de humanidade o objetivo dos acontecimentos que são presenciados. É jogado para os que observam os acontecimentos uma explicação “racional” sobre a veracidade do seu discurso. Para melhor compreender essa noção, recorremos ao que Jean-Louis Baudry (2021, p. 321) compreende como tela-espelho a partir da câmera: O espectador identifica-se, pois, menos como o representado – o próprio espetáculo – do que com aquilo que anima ou encena o espetáculo, do que com aquilo que não é visível, mas faz ver, faz ver a partir do mo-ver que o anima – obrigando-o a ver aquilo que ele, espectador, vê, sendo esta decerto a função assegurada ao lugar (variável – de posições sucessivas) da câmera. O autor demonstra que a partir do dispositivo o espectador é guiado – sem a sua concessão inicial – para compreender a conexão entre as sequências11. A premissa dessa maneira de guiar o espectador, como afirma Jacques Aumont (2012, p. 197) está “na fronteira do subjetivo e do social, o dispositivo define-se por seus efeitos ideológicos”, isto é, a forma como o dispositivo é utilizado para apresentar uma ideia própria do realizador conforme o paradigma existente em torno da obra finalizada. O deslocamento do espectador para à testemunha está na convergência entre esses dois autores pois, mesmo que o dispositivo guie o espectador a partir da imagem, a vivência o faz interagir com o que está sendo mostrado. A interação com o filme por meio da vivência, nesse contexto, pode ser na utilização da memória12 e imaginação. Como Münsterberg (2021) acrescenta, a imaginação pode antever o desenrolar da trama, essa capacidade é possível com a memória. Portanto, entendemos que o espectador construído em um determinado local, num tempo histórico, enfim, construído culturalmente e historicamente têm a capacidade de anteceder os acontecimentos da trama com base na sua vivência. Além do norteamento do realizador, ele seria capaz de interpretar e julgar o que vê. Diferente de Münsterberg, a abordagem de Baudry baseia-se no entendimento de coisa e objeto13 indicado por Edmund Husserl14, assim, a capacidade do movimento pelo espaço a partir da câmera, tem a capacidade de imergir o espectador no filme. De acordo com Baudry (2021) a conexão entre as sequências apresentadas no filme é articulada a partir do próprio espectador, assim, a narrativa proposta é concretizada e entendida por ele. Contudo, a conexão e apreensão da narrativa ser guiada pela pretensão do 11 A câmera seria nesse pensamento a mediação entre o recorte selecionado na filmagem e posição intencional que o realizador impõe ao sujeito. Ele, poderia ser a câmera manipulada pelo diretor, sendo direcionado conforme a narrativa. 12 Noção já abordada nesse trabalho. Ver: p. 8. 13 Cf. Husserl (2012) tudo é coisa, se torna objeto quando o ser humano se foca nele conscientemente. Importante salientar que as coisas que não estão como objetos não deixam de existir “materialmente”, estariam em uma suspensão. A diferença entre coisa e objeto é o foco consciente naquilo, estar pensando sobre (de maneira simplificada). Ver: HUSSERL, Edmund. Investigações lógicas: segundo volume: investigações para a fenomenologia e a teoria do conhecimento. Tradução de Pedro Alves e Carlos Morujão. Rio de Janeiro: Forense, 2015. p. 89-101. 14 O objetivo desse trabalho não é se aprofundar nos conceitos desse autor e sim localizar o pensamento de Baudry. Dimensões estéticas, cognitivas e tecnológicas de comunicação Capítulo 13 178 realizador não seria mediada somente pela câmera (enquadramento e cortes), mas, em conjunto com a mise-en-scène, os diálogos e a vivência do realizador. Por fim, a interação do espectador com a obra inicia-se na: 1) possibilidade de escolher assistir aquele filme; 2) durante a exibição, o realizador utiliza os recursos cinematográficos para interagir com o espectador; 3) na medida em que a narrativa avança o espectador interage com o que vê por meio da sua percepção; 4) caso permaneça até o final da exibição, se tornaria testemunha15 do que assistiu. CONSIDERAÇÕES FINAIS O filme Estranho mundo de Zé do Caixão (1968) propõe apresentar a filosofia do personagem e alterego de José Mojica Marins. Ideologia se trata de um curta-metragem por não necessitar das outras obras que compõe o filme, mas, se relaciona com os objetivos do filme, tornando-se um episódio. Considerando isso, a obra se relaciona com o filme de estreia de Zé do Caixão À Meia-Noite Levarei Sua Alma (1965), assim, ambas possuem coerência quanto a construção dos posicionamentos do personagem e não se vinculam a uma coincidência estética. Embora as críticas sejam direcionadas a uma tradição específica, não há indícios nas cenas citadas a negação do personagem quanto a origem do ser humano - a carne e o espírito coexistem – a comprovação da tese é demonstrar a predominância da carne nessa coexistência. O entendimento do que seria carne/espírito/instinto/razão está no próprio personagem Oãxiac, não há discussão sobre a origem do ser humano e sim questionar o paradigma vigente naquele contexto, a razão não imperar sobre a carne. As assistentes vestem roupas estampadas com a cruz e auxiliam o professor quando necessário no decorrer da sua comprovação utilizando-se do método científico. Aquele que assiste o filme é convidado a entrar na obra por meio do discurso do professor e dos planos em sincronia com o voice off, além dos elementos em cena. A sincronização das personagens e o espectador se dá na sequência onde a luz do palco se acende no enquadramento, nesse instante, apresenta a ambos o que estava ali no escuro. De espectador-observador passa para testemunha do que está ocorrendo com as personagens e andamento da pesquisa de Oãxiac, portanto, esse é o encaminhamento do realizador para convencer o espectador-observador da veracidade do que está presenciando. O entendimento de espectador para testemunha decorre dele compreender a posição “ideológica” do personagem e presenciar durante todo o curta um experimento feito com outros seres humanos, tudo a partir da sincronicidade no plano que apresenta o que está no palco tanto para as personagens quanto o observdor. A aproximação do observador 15 Esta noção está contextualizada na noção de cinema de José Mojica Marins e cf. Mauerhofer (2021) na sua noção de situação cinema. Nessa noção, o espectador vai ao cinema de maneira consciente, ou seja, é ativo ao ir, mas, têm a possibilidade de ser guiado pelo filme sabendo disso. Dimensões estéticas, cognitivas e tecnológicas de comunicação Capítulo 13 179 com a situação das personagens o faz interagir com a obra de maneira cognitiva e subjetiva (considera-se a sua vivência e localização histórica). Entretanto, ele não pode ajudá-las nem interromper os acontecimentos já gravados – aqui o espectador-observador se tornaria testemunha do professor Oãxiac Odéz. A hipótese foi que os recursos cinematográficos utilizados e o contexto das falas do professor são utilizados para convencer o espectador, no entendo, há algo a mais, o espectador se tornaria testemunha da tese e ações do professor contra as personagens – o espectador- viu e observou o que acontecia com a Wilma e o Jornalista, se tornou testemunha no enquadramento do palco, houve sincronicidade e afastamento, pois, ele não poderia evitar os acontecimentos seguintes. REFERÊNCIAS ALMEIDA, Julio. Auto-organização, sistema aberto e complexidade: reflexões para uma psicanálise contemporânea. Revista Eletrônica do Mestrado em Educação Ambiental, Rio Grande, v.20, p.293309, jan-jun 2008. Disponível em https://WWW.periodicos.furg.br/remea/article/view/3851/2308. Acesso em: 13 jul. 2021. AUMONT, Jacques. A imagem. 16. ed. São Paulo: Papirus, 2012. BARCINSKI, André; FINOTTI, Ivan. Zé do caixão: Maldito. 2. ed. Rio de Janeiro: DarkSide Books, 2015. p. 134-159. BATTAGLIA, Vincenzo. Cruz. 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A arte, por sua vez, embora seja compreendida por muitos como uma mera manifestação estética, é igualmente um meio fulcral de escancarar as relações de poder e de criticar as instituições que detém dos mecanismos de controle e coerção sociais. Imbricam-se, neste caso, a arte e a crítica. Dois artistas dois séculos distantes - Goya e Banksy - são exemplos claros sobre o uso de uma mesma linguagem crítica, a arte engajada. Cada artista refletiu profundamente o seu tempo, seu contexto e, por meio de suas intervenções e vidas, mostraram que estética e política são, em última instância, uma coisa só. PALAVRAS-CHAVE: Temporalidade, Estética, Política e Arte Engajada. ABSTRACT: There are several ways to reflect on time and the social relationships that materialize in it. Art, in turn, although it is understood by many as a mere aesthetic manifestation, is also a central means of opening up power relations and criticizing the institutions that hold the mechanisms of social control and coercion. In this case, art and criticism overlap. Two artists two centuries apart - Goya and Banksy - are clear examples of the use of the same critical language, engaged art. Each artist deeply reflected their time, their context and, through their interventions and lives, they showed that aesthetics and politics are ultimately one and the same. KEYWORDS: Temporality, Aesthetics, Politics and Engaged Art. A pluralidade de experiências da vida social em todas as suas dimensões não necessariamente corresponde a recortes espaciais e temporais pré-definidos, mas abraça uma demanda de espacialidades e temporalidades próprias. Impetra fluidez entre os perímetros do conhecimento multidisciplinar, levando permanentemente em conta as tensões e relações de poder entre passado, presente e futuro. Esta relação das temporalidades desde há séculos é componente especulativa de filósofos, historiadores e sociólogos. De Aristóteles na Grécia Antiga1 a Santo Agostinho na Antiguidade tardia2, há uma profunda discussão sobre o mistério do “tempo”, que posteriormente ser- 1 ARISTÓTELES. Poética, São Paulo. Ars Poética, 1993. 2 AGOSTINHO, Santo (398 d.C.). “Elevações sobre os Mistérios”, In Confissões, Livro XI. Petrópolis, Vozes, 2005. Dimensões estéticas, cognitivas e tecnológicas de comunicação Capítulo 14 182 viu de alicerce para estabelecer conversações entre pensadores contemporâneos, entre outros Heidegger3, Paul Ricoeur4, Hannah Arendt5 e Norbert Elias6. A percepção do tempo pela História, decididamente com as perspectivas da Escola dos Annales7 constitui um marco fundamental para o entendimento dos tempos na História. Propiciou uma amplitude secular denominada de história de longa, longuíssima duração, ao invés de uma história associada apenas ao tempo curto, que constituiria “a mais caprichosa, a mais enganosa das durações” 8. O Tempo e sua adequação à história humana têm sido primorosamente estudados atualmente por Reinhart Koselleck9, assinalando com muita propriedade a obra Futuro Passado (1979), na qual expandiu uma especial perspectiva de que o presente não somente restaura o passado, iluminado por problematizações construídas no presente, mas que cada presente ressignifica o passado assim como o futuro10. Excelente artigo escrito por José D’Assunção Barros analisa em profundidade as reflexões acerca das sensações contemporâneas de ruptura entre Presente e Passado, examinando, particularmente, o pensamento de dois autores – Reinhart Koselleck e Hannah Arendt – sobre as relações entre Presente, Passado e Futuro11. Tomando como ponto de partida o tempo, Comunicação e arte crítica - dois artistas, dois tempos: Goya e Banksy faz parte de uma discussão que visa examinar as considerações referentes às manifestações artísticas com significante teor de crítica social inseridas em seus contextos. Obras que provocam e denunciam desigualdades econômicas, culturais, religiosas e sociais. Apontam preconceitos, tiranias e injustiças reinantes no cotidiano. Elas assinalam o sofrimento, a penúria, a dor física e psicológica carregadas de múltiplos aspectos simbólicos e morais. A crítica social manifestada na arte provoca, por meio de suas observações, a pungente manifestação de mudança de padrões que apresentam indícios para questionamentos e possíveis resoluções para os problemas sociais e morais. São verdadeiras denúncias estéticas, o que impulsiona Sylva Werneck a afirmar: 3 HEIDEGGER, Martim. O Ser e o Tempo. Petrópolis, Vozes, 1997. 4 RICOEUR, Paul. Tempo e Narrativa. São Paulo, Papirus, 1994. 5 ARENDT, “A Quebra entre o Passado e o Futuro”, In Entre o Passado e o Futuro, São Paulo, Perspectiva. 6 ELIAS, Norbert. Sobre o Tempo. Rio de Janeiro, Jorge Zahar, 1998. 7 Escola dos Annales, movimento historiográfico do século XX propunha, entre outros, ir além da história dos acontecimentos (histoire événementielle), substituindo o tempo breve da história dos eventos dos pelos processos de longa duração. Fernand Braudel, notório expoente desta escola, escreveu em 1946 o livro O Mediterrâneo e o mundo mediterrânico na época de FelipeII - BRAUDEL, Fernand. La Méditerranée et le monde méditerranéen à l’époque de Philippe II Paris: Armand Colin, 1949. 8 BRAUDEL, Fernand. A longa duração. Revista de História. São Paulo, v.XXX, n.62, p. 261-294, abr./jun. 1965, p.272. 9 KOSELLECK, Reinhart. Futuro Passado: contribuição à semântica dos tempos históricos. Rio de Janeiro: Contraponto: Ed. PUC-Rio, 2006. Nesta obra, destacamos os capítulos 10, “A semântica histórico-política dos conceitos antitéticos assimétricos” e 14, “Espaço de experiência e horizonte de expectativa: duas categorias históricas”. Neles, há uma profunda discussão sobre a questão da temporalidade e das interações sociais que nela decorrem. 10 KOSELLECK, Reinhart. “Modernidade”, In Futuro Passado – contribuição à semântica dos tempos históricos, Rio de Janeiro, Contraponto, 2006, pp. 267-303. 11 BARROS, José D’Assunção. Rupturas entre o Presente e o Passado: leituras sobre as concepções de tempo de Koselleck e Hannah Arendt Sociologia, Revista da Faculdade de Letras da Universidade do Porto, Vol. XXI, 2011. Dimensões estéticas, cognitivas e tecnológicas de comunicação Capítulo 14 183 Exercitar verdadeiramente o seu potencial de fazer as pessoas pensarem e até, com sorte, inspirá-las a agir, a mensagem da arte precisa ser compreendida. Não há como fazer isso acontecer sem mediação, especialmente em países com um sistema educacional deficitário e, consequentemente, com pouco pensamento crítico12. No mundo da arte, a crítica social fortalece o seu alicerce na construção de contextos que comprovam a existência real da dor, do sofrimento, da crueldade que sussurram por formas de tolerância e inclusão, de reconhecimento e respeito. Dois artistas distanciados na temporalidade por duzentos anos. Ambos, embora vivendo em tempos e espaços muito diferentes, revelaram nas suas expressões estéticas, categóricas obras de arte profundamente críticas do mundo cultural no qual eles estavam inseridos: Goya (1746-1828), e Banksy (nascido 1974). Assim, A partir desta proposta em perceber similitudes e diferenças entre tempos, podemos “pensar melhor nas temporalidades: uma relação certamente mutável de acordo com as várias épocas, com as várias culturas, e com os vários posicionamentos historiográficos”. Como bem disse Koselleck, há épocas em que o “espaço de experiência” parece se fundir com o Presente, ou dele se destacar; e há outras épocas que concebem o presente como uma linha grossa ou como uma linha fina que precede o futuro, e há ainda outras cujo “horizonte de expectativas” é tão agitado, e vivido com tanta intensidade, que se chega a pensar que já se está vivendo o futuro13. Do passado ao presente e da fusão entre o espaço de experiência e o horizonte de expectativas possíveis entre artistas paradoxalmente próximos e distantes, nossa discussão começa por Francisco José de Goya y Lucientes (Fuendetodos, Saragoça, 30 de março de 1746 – Bordéus, França, 15 de abril de 1828). Em sua época já era conhecido como o artista irrequieto: “Goya, o Turbulento” como o chamavam. O acervo de arte de Goya referente aos seus desenhos denominados Los caprichos é uma série de 80 gravuras que satirizam a sociedade espanhola de finais do século XVIII, especialmente a nobreza e o clero. Esta fase representa a expressão iconográfica máxima da revelação do poder inquisitorial.14 Significa na sua época o contra ponto, isto é, uma iconografia forte que tem como propósito desprezar os métodos arcaicos utilizados pela Inquisição no século XVIII. É inconfundível perceber em algumas gravuras de Goya “o sentido agudo da ironia e da sátira através das representações absurdas dos condenados pelo tribunal”: perseguidos e penitenciados “por amar um burro”, “por não ter pernas”, “por ter nascido noutro lugar”, “por falar”, por trazer informações do demônio15. A época de Goya, como mencionou Bethencourt, está muito distanciada do início 12 SYLVIA WERNECK é doutora em Comunicação e Cultura pelo Prolam-USP, membro da Associação Brasileira de Críticos de Arte (ABCA) e autora de De dentro para fora – A memória do local no mundo global (Zouk).https://jornal.usp. br/revistausp/revista-usp-119-arte-9-e-possivel-uma-critica-socialmente-ativa/ 13 BARROS, José D’Assunção. Rupturas entre o Presente e o Passado: leituras sobre as concepções de tempo de Koselleck e Hannah Arendt. Sociologia, Revista da Faculdade de Letras da Universidade do Porto, Vol. XXI, 2011, p. 195. 14 BETHECOURT, Francisco. História das Inquisições. Lisboa: Editora Círculo do Livro, 1994, p. 334. 15 Id. Ibid., p. 334. Dimensões estéticas, cognitivas e tecnológicas de comunicação Capítulo 14 184 das Inquisições Ibéricas (séculos XV/XVI), tempos em que as representações estavam embebidas de poderosas e apaixonadas imagens que intencionavam legitimar a atuação do Santo Ofício. Goya acusava a Inquisição que para ele era retrógrada, grotesca e inútil. GOYA, Francisco. Linda Maestra. Gravura n° 68, 1799. Série Os Caprichos. Rijksmuseum, Amsterdã. GOYA, Francisco. Aquellos polbos. Gravura n° 23, 1799. Série Os Caprichos. Rijksmuseum, Amsterdã. Carlos André Cavalcanti16 analisou a produção goyesca mostrando a fascinação do pintor por temas místicos e, ao mesmo tempo, o seu desdém pela estupidez e atraso que tais crendices teriam provocado na Espanha. De acordo com Cavalcanti, “são componentes da Pedagogia do Desprezo, que ele tão bem expressou e sistematizou”17. Goya enxergava o mundo ao seu redor totalmente desprovido dos valores racionais, morais e humanos, o que permitia a propagação de crenças místicas. Por isso denunciou, por meio de sua arte, os abusos, desvios e imoralidades. Para ele a Igreja e a nobreza antiquada teriam sido os causadores deste obscurantismo o qual ele se opusera. Em “O Sabbath das Bruxas”, os diversos componentes do festim das feiticeiras estão determinantemente presentes. Na pintura encontram-se as mulheres que trazem crianças para serem sacrificadas ao demônio, o que se posiciona magistralmente em forma de um bode altivo com o olhar enlouquecido. A escuridão da noite envolve os personagens: funestas criaturas demoníacas voam em formato de corujas, típico do simbolismo da época. Além das mulheres, há seres humanos envelhecidos, mergulhados, ao fundo, na penumbra macabra. 16 CAVALCANTI, Carlos André M. Goya e a Inquisição - Uma pedagogia do desprezo. Disponível em: <http://www. revistacontinente.com.br/index.php?option=com_content&view=article&id=1795>. Acesso 25/03/2022. 17 Id. Ibid. Dimensões estéticas, cognitivas e tecnológicas de comunicação Capítulo 14 185 As nuanças possuem tons escuros azulados que criam a atmosfera misteriosa e estranha, sob o brilho de uma lua minguante. Um detalhe impressionante, à esquerda, representa uma bruxa que traz consigo uma vara com figuras de recém-nascidos que exterioriza a refinada ironia de Goya ao tratar da representação de crianças. Havia, então, a crendice popular de que os neonatos ainda não batizados seriam demoníacos. A arte de Goya mostra a antecipação do demoníaco que é revelado por ele, quase como uma alegoria profética. O “príncipe das trevas” representava para Goya uma estrutura da vida na qual está embutida pela angustia, truculência, demência, impiedade e castigo. GOYA, Francisco. O Sabah das bruxas. Óleo sobre tela, 44 x 31 cm, 1797-1798. Museu Lázaro Galdiano, Madri. Em “Cena da Inquisição” e “Flagelados”, Goya se envolve diretamente com o tema inquisitorial. Estas obras retratam a Espanha obscura, nas quais ele se utilizou do imaDimensões estéticas, cognitivas e tecnológicas de comunicação Capítulo 14 186 ginário medieval para representar os tipos devotos presentes nas pinturas. Além disso, associou a Inquisição com o castigo, a penitência, a flagelação, apontando que as vítimas do Tribunal também eram açoitadas. Em “Flagelados”, Goya satiriza a dimensão burlesca dos rituais penitenciários. Purgatório e Inquisição possuem algo em comum: purificação da alma pela punição do pecado. GOYA, Francisco. Cenas da Inquisição. Óleo sobre tela, 46 x 73 cm, 1812-1819. Real Academia de Bellas Artes de San Fernando, Madri. GOYA, Francisco. Procissão dos flagelados. Óleo sobre tela, 46 x 73 cm, 1815-1819. Real Academia de Bellas Artes de San Fernando, Madri. Dimensões estéticas, cognitivas e tecnológicas de comunicação Capítulo 14 187 As gravuras de Goya, por seu conteúdo crítico geraram, na época, o furor dos inquisidores deixando a Igreja em alerta e muitas das suas gravuras foram retiradas do mercado. Goya descreveu estas ilustrações como “assuntos caprichosos que se prestavam a colocar as coisas no ridículo, fustigar preconceitos, imposturas e hipocrisias consagradas pelo tempo”18. Dois séculos se passaram, entretanto, a crítica às instituições de poder continua, de modo ácido e cirúrgico apontando para as incoerências e hipocrisias, agora, da sociedade contemporânea. Um dos porta-vozes deste movimento é o artista britânico Banksy que, antes de tudo, caracteriza-se como um ativista político. Valendo-se do grafite, o autor cria uma série de intervenções nas cidades, nos espaços públicos, para manifestar sua crítica social. Além disso, Banksy é também diretor de cinema. O seu primeiro filme, “Exit Through the Gift Shop”, teve sua estreia no Festival de Filmes de Sundance, foi oficialmente lançado no Reino Unido no dia 5 de março de 2010, e em janeiro de 2011 foi nomeado para o Oscar de Melhor Documentário. Como as gravuras de Goya, a arte de rua de Banksy é mordaz e perturbadora. As suas críticas sociais são encontradas da noite para o dia, nas ruas, becos e muros das cidades não só da Inglaterra, mas em várias cidades do mundo. De acordo com o designer gráfico e autor Tristan Manco19, Banksy nasceu em 1974 em Bristol (Inglaterra), filho de um técnico de fotocopiadora, iniciou sua vida produtiva como açougueiro, mas durante o auge da arte do aerossol na sua cidade nos fins de 1980, envolveu-se apaixonadamente com o grafite. Seu estilo foi marcado pela semelhança àqueles realizados anteriormente pela banda Anarco-Punk Crass no sistema de metrô de Londres no fim da década de 70. Para tornar pública sua crítica que busca escancarar as relações de poder, Banksy expõe sua arte em locais públicos, sem qualquer pretensão de comercialização dos seus trabalhos. Suas obras são densamente repletas de intencionalidades divulgando antipatia aos juízos das autoridades locais. Expressões que provocam afetos diversos por parte dos observadores, quase sempre geram uma percepção de concordância e um efeito de compartilhamento de identidade. Uma eficaz crítica social. Em pleno acordo com Sylvia Werneck20 é impraticável separar a arte da vida, há um processo de retroalimentação entre o contexto e o surgimento das ideias e processos criativos. Para ela, os acontecimentos da realidade impulsionam a criação artística, e é justamente isto que Banksy faz por excelência, voltando sua reflexão crítica ao contexto histórico-cultural. Somos afetados pelas questões mais prementes de nosso entorno imediato. 18 CAVALCANTI, Carlos André M. Goya e a Inquisição - Uma pedagogia do desprezo. Disponível em: <http://www. revistacontinente.com.br/index.php?option=com_content&view=article&id=1795>. Acesso 25/03/2022. 19 Tristan Manco é designer e diretor de arte. Para saber mais sobre ele, sugerimos https://www.tristanmanco.com/bio/. 20 Membro da Associação Brasileira de Críticos de Arte (ABCA). Autora de De dentro para fora – A memória do local no mundo global. Editora Zouk, Porto Alegre, 2011. Dimensões estéticas, cognitivas e tecnológicas de comunicação Capítulo 14 188 Para alguns, pode ser o meio ambiente, para outros, relações interpessoais, direitos humanos, o papel da tecnologia, a política ou até muitas ou todas essas questões ao mesmo tempo. Quaisquer que sejam elas, os artistas, sendo um tipo de “antena” do mundo real, tendem a estar naturalmente atentos às mesmas. Uma dessas questões é o funcionamento da sociedade. Especialmente em países em desenvolvimento, existe um número significativo de artistas que são inspirados por e abordam questões sociais em seus trabalhos. Afinal, só se pode criar um repertório em meio a seu próprio contexto21. Love is in the Air (Soldier throwing flowers), 2005. Assim, Love is in the Air (Soldier throwing flowers) foi criada em Londres (2005), em um período marcado por uma série de protestos, incluindo um atentado classificado como terrorista no dia 7 de julho em metrôs em plena hora do rush. Nesta intervenção, o manifestante tem parte do rosto coberto. O seu gesto aparenta a ação de alguém prestes a atirar um coquetel molotov. A grande surpresa e paradoxo na aparente violência é que ele carrega um belo e delicado buquê de flores amarelas. Aqui, Banksy alivia uma ação forte, mas que continua poderosa. A obra foi escolhida para ilustrar a capa do livro do artista Wall and Piece (2005), traduzida como “Guerra e Spray”. 21 WERNECK, Sylvia. É possível uma crítica socialmente ativa?. Revistausp, 119, Disponível em: https://jornal.usp.br/ revistausp/revista-usp-119-arte-9-e-possivel-uma-critica-socialmente-ativa/. Acesso 25/03/2022. Dimensões estéticas, cognitivas e tecnológicas de comunicação Capítulo 14 189 Shop Until You Drop é uma contextura pintada no ano de 2011 em um prédio londrino. Uma queda livre de uma mulher com um carrinho de compras. As compras se dispersam no ar, voam no tombo, nítida crítica ao consumismo o qual o capitalismo depende e estimula. O sistema insustentável em que vivemos é expresso na vertiginosa queda da consumidora. Dimensões estéticas, cognitivas e tecnológicas de comunicação Capítulo 14 190 No mural Guantánamo Bay Prisioner, Banksy anuncia o seu protesto sobre a prisão militar estadunidense, parte integrante da Base Naval da Baía de Guantánamo, localizada na baía do mesmo nome, em Cuba. Banksy representou um desses detentos. A prisão ficou conhecida por seus maus tratos aos prisioneiros, alvos de torturas e trabalho forçado. A denúncia foi feita pela Cruz Vermelha Internacional. Stop and Searc, criada em 2007 em Bethlehem, na Palestina, esta obra mostra um soldado sendo vistoriado por uma menina. Há o propósito de uma inversão de desempenho. Forças Armadas são revistadas por uma garotinha trajando um vestido rosa que simboliza a inocência. Dimensões estéticas, cognitivas e tecnológicas de comunicação Capítulo 14 191 Girl with ballon foi realizada em 2002 em Londres, na Inglaterra. Menina com balão é uma das obras mais importantes de Banksy. Um ícone no qual ele retrata uma garotinha com o cabelo e o vestido ao vento. Ela está soltando um balão vermelho em forma de coração. A mensagem poderosa do gesto e o balão vermelho, pode ser interpretada como um símbolo arquetípico da infância e da perda da liberdade e da beleza dos afetos que se distanciam. Existem apenas 150 impressões assinadas de Menina com Balão e outras 600 impressões não assinadas. Foi também reproduzido em uma tela e vendido em 2018 em um leilão em Londres por mais de 1 milhão de libras. No momento em que foi batido o martelo da venda, a obra se autodestruiu por meio de um dispositivo colocado na moldura, surpreendendo todos os presentes. Dessa forma, Banksy realizou mais uma ação artística que questiona o mercado da arte. Momento em que a obra Girl with ballon é destruída em leilão. Em pleno período iluminista, Kant declarou que a arte era “inofensiva”, porque clamava para um caráter subjetivo do gosto e da percepção sobre o belo22. Contrapondo-se a esta posição, o filósofo Jacques Rancière afirma que a arte e a política são equivalentes, porque dialogam não só com a dimensão estética humana, mas também se apresentam como categorias sociais. Em suas obras, o filósofo francês desenvolve uma teoria em torno da “partilha do sensível”, conceito que descreve a formação da comunidade política com base no encontro 22 Sobre esta questão, sugerimos a leitura de KANT, Immanuel. Crítica da Faculdade do juízo. 2. Ed. Rio de Janeira: Editora Forense Universitária, 2005. Dimensões estéticas, cognitivas e tecnológicas de comunicação Capítulo 14 192 discordante das percepções individuais. Partilhar o sensível, partilhar espaços, tempos e imagens a eles relacionados é uma atitude, é uma experiência que possibilita analisar as prováveis afinidades entre arte e política, entre o fenômeno artístico e político, uma vez que a “partilha do sensível faz ver quem pode tomar parte do comum em função daquilo que faz, do tempo e do espaço em que essa atividade se exerce”23. O que é legitimo de ser mostrado? Tanto Goya quanto Banksy sofreram estranhamento por parte de autoridades do Estado. Rancière enquadra suas análises na trajetória do tempo e indica regimes éticos das artes, das poéticas, das representações e estéticas que não podem ser afrontados como períodos históricos fechados nos quais apenas aqueles agenciamentos se efetivaram. As gravuras de Goya e os grafites de Banky, por seu conteúdo crítico geraram, na época respectiva, diferentes repercussões. Goya provocou o furor dos inquisidores deixando a Igreja em alerta e muitos de seus desenhos foram retirados do mercado. Um grande mural de Banksy foi tratado como pichação e coberto de tinta por funcionários contratados pela prefeitura da cidade britânica de Bristol24. GOYA, Francisco. No hubo remedio. Gravura n° 24, 1799. Série Os Caprichos. Rijksmuseum, Amsterdã. 23 RANCIÈRE, Jacques. A partilha do sensível: estética e política. 2. ed. São Paulo: Editora 34, 2009, p.16. 24 Posteriormente o conselho municipal de Bristol reconheceu o erro e deliberou a preservação de todas as obras de Banksy na cidade. Dimensões estéticas, cognitivas e tecnológicas de comunicação Capítulo 14 193 Goya mostra uma mulher levada pela multidão, uma bruxa, uma herética. Trata-se da fase final da Inquisição representando situações de caráter grotesco. A mulher na multidão aglomerada foi acusada de ter feito um pacto com o demônio. Evoca o medo e a ansiedade que a acompanha ao cadafalso da fogueira. Goya expressa à perturbação da realidade descortinada pelos costumes de seu tempo. Com relação à iconografia inquisitorial, embora sujeita ao austero controle do Santo Ofício observa-se que ela obedeceu aos cânones estéticos e iconográficos ditados pelo Concilio de Trento e posteriormente a outros preceitos eclesiásticos. Napalm (Can’t Beat That Feeling). Por sua vez, Banksy fez uma montagem relacionando os estragos da Guerra do Vietnã com a cultura capitalista norte americana. A releitura da fotografia de Nick Ut, vencedora de prêmios na imprensa internacional configura-se como uma atualização da devastadora ação humana movida por interesses de uns que desumanizam e destroem outros. Dimensões estéticas, cognitivas e tecnológicas de comunicação Capítulo 14 194 Fotografia de Nick Ut, 1972. Goya descreveu as suas gravuras como “assuntos caprichosos que se prestavam a colocar as coisas no ridículo, fustigar preconceitos, imposturas e hipocrisias consagradas pelo tempo”25. Banksy, ao denunciar as mazelas do poder, desvincula-se radicalmente dos parâmetros impostos pela Indústria Cultural. Nos dizeres do próprio artista, “as pessoas que mandam nas cidades não entendem o grafite porque acham que nada tem o direito de existir se não gerar lucro, o que torna a opinião delas desprezível”26. Em ambos os casos, ao associar a arte à crítica, é imprescindível que reflitamos sobre o que propôs Michel Foucault, ao apresentar o papel da arte associado ao intelectual engajado, como aquele que se vale de diversos meios para apontar para os poderes e verdades que oprimem as pessoas. O artista e o intelectual assumem, portanto, uma função específica. Atuam pontualmente buscando escancarar e explicitar os diversos mecanismos de opressão, não só por meio de processos estéticos, mas com a vida em seu sentido mais amplo. Nas palavras do filósofo, O que me surpreende é que em nossa sociedade a arte esteja relacionada apenas aos objetos e nunca aos indivíduos e à vida; e, também, que a arte esteja num domínio especializado, o dos experts que são artistas. Mas a vida de todo indivíduo não é uma obra de arte? Por que uma mesa ou uma casa são objetos de arte, mas não as nossas vidas?27 Nos desenhos de Goya, a arte é compreendida como expressão e revelação, notadamente manifestada nas fisionomias angustiadas, desesperadas e agressivas. A crítica materializa-se não só em suas obras, mas na própria vida do artista, marcada pelo 25 CAVALCANTI, Carlos André M. Goya e a Inquisição - Uma pedagogia do desprezo. Disponível em: <http://www. revistacontinente.com.br/index.php?option=com_content&view=article&id=1795>. Acesso 25/03/2022. 26 BANKSY. Guerra e spray. Tradução de Rogério Durst. Rio de Janeiro: Intrínseca, 2012, p.8 27 FOUCAULT, Michel. Apud. BRANCO, Guilherme Castelo, “Michel Foucault: a literatura, a arte de viver”. In: HADDOCK-LOBO, Rafael (Org.). Os filósofos e a arte, Rio de Janeiro, Rocco, 2010, p.324. Dimensões estéticas, cognitivas e tecnológicas de comunicação Capítulo 14 195 engajamento político e comprometimento com seu contexto. Banksy, que sequer tem sua identidade publicamente revelada, fez de sua própria existência um processo poético de contestação entre ser conhecido e desconhecido ao mesmo tempo. Se a temporalidade é o que sustenta as relações sociais, as vivências e as opressões, é em seu seio que emergem olhares críticos que se sensibilizam com as injustiças e os injustiçados. Mais do que isso, buscam por meio da diversidade de linguagens sensibilizar os demais, desmascarando os poderosos e escancarando as hipocrisias ocultas das instituições de poder. Goya e Banksy fazem parte destes que, pela linguagem artística, não se furtaram de expor as feridas sociais, em uma fusão entre estética e política. REFERÊNCIAS AGOSTINHO, Santo (398 d.C.). “Elevações sobre os Mistérios”, In Confissões, Livro XI. Petrópolis, Vozes, 2005. ARENDT, “A Quebra entre o Passado e o Futuro”, In Entre o Passado e o Futuro, São Paulo, Perspectiva. ARISTÓTELES. Poética, São Paulo. Ars Poética, 1993. BANKSY. Guerra e spray. Tradução de Rogério Durst. Rio de Janeiro: Intrínseca, 2012. BARROS, José D’Assunção. Rupturas entre o Presente e o Passado: leituras sobre as concepções de tempo de Koselleck e Hannah Arendt Sociologia, Revista da Faculdade de Letras da Universidade do Porto, Vol. XXI, 2011, pág. 195-213. Disponível em: HTTP://www.redalyc.org/articulo. oa?id=4265399820// (em 25/03/2022). BETHECOURT, Francisco. História das Inquisições. Lisboa: Editora Círculo do Livro, 1994. BRAUDEL, Fernand. A longa duração. Revista de História. São Paulo, v.XXX, n.62, p. 261-294, abr./ jun. 1965, p.272. BRAUDEL, Fernand. La Méditerranée et le monde méditerranéen à l’époque de Philippe II Paris: Armand Colin, 1949. CAVALCANTI, Carlos André M. Goya e a Inquisição - Uma pedagogia do desprezo. Disponível em: <http://www.revistacontinente.com.br/index.php?option=com_content&view=article&id=1795>. Acesso 25/03/2022. ELIAS, Norbert. Sobre o Tempo. Rio de Janeiro, Jorge Zahar, 1998. FOUCAULT, Michel. Apud. BRANCO, Guilherme Castelo, “Michel Foucault: a literatura, a arte de viver”. In: HADDOCK-LOBO, Rafael (Org.). Os filósofos e a arte, Rio de Janeiro, Rocco, 2010. HEIDEGGER, Martim. O Ser e o Tempo. Petrópolis, Vozes, 1997. Dimensões estéticas, cognitivas e tecnológicas de comunicação Capítulo 14 196 KANT, Immanuel. Crítica da Faculdade do juízo. 2. Ed. Rio de Janeira: Editora Forense Universitária, 2005. KOSELLECK, Reinhart. “Modernidade”, In Futuro Passado – contribuição à semântica dos tempos históricos, Rio de Janeiro, Contraponto, 2006. RANCIÈRE, Jacques. A partilha do sensível: estética e política. 2. ed. São Paulo: Editora 34, 2009. RICOEUR, Paul. Tempo e Narrativa. São Paulo, Papirus, 1994. WERNECK, Sylvia. De dentro para fora – A memória do local no mundo global. Editora Zouk, Porto Alegre, 2011. WERNECK, Sylvia. É possível uma crítica socialmente ativa?. Revistausp, 119, Disponível em: https:// jornal.usp.br/revistausp/revista-usp-119-arte-9-e-possivel-uma-critica-socialmente-ativa/. Acesso 25/03/2022. Dimensões estéticas, cognitivas e tecnológicas de comunicação Capítulo 14 197 CAPÍTULO 15 OS DESAFIOS DA INCLUSÃO DA POPULAÇÃO LGBT NO MUNDO DO TRABALHO: A COMUNICAÇÃO COMO INSTRUMENTO DE DISSEMINAÇÃO DAS POLITICAS DE DIVERSIDADE Data de aceite: 01/05/2022 Israel Gomes de Oliveira LATEC/UFF-Universidade Federal Fluminense, mestrando Maria de Lurdes Costa Domingos LATEC/UFF-Universidade Federal Fluminense, doutora 1 | INTRODUÇÃO A violação de direitos humanos da população LGBT tem levado a Organização Internacional do Trabalho (OIT), Organização das Nações Unidas (ONU) e diversas empresas à promoção do trabalho decente para o referido grupo. Neste sentido o presente estudo tem por objetivo discutir o potencial da comunicação como instrumento das políticas de diversidade Trabalho apresentado à DTI – 9 – ESTUDOS DE COMUNICAÇÃO ORGANIZACIONAL do XV Congresso IBERCOM, Faculdade de Ciências Humanas da Universidade Católica Portuguesa, Lisboa, 16 a 18 de novembro de 2017. na disseminação de valores como a diversidade, a ética, o respeito às pessoas, atuando na inclusão e no desenvolvimento profissional da população LGBT no ambiente do trabalho. Tema este aderente ao DTI – 9. RESUMO: O estudo investiga os desafios acerca da inclusão da população LGBT nas organizações do trabalho, a importância da diversidade para os negócios e as melhores práticas identificadas no contexto nacional brasileiro. As iniciativas organizacionais mapeadas, com destaque para o Fórum de Empresas de Direitos LGBT, representam um avanço organizacional e estratégico para temática no contexto nacional brasileiro. A comunicação das políticas e o apoio das lideranças colocam-se como diferenciais para o desenvolvimento profissional da população LGBT no mercado de trabalho e na transformação cultural de uma organização. PALAVRAS-CHAVE : 1.Políticas de Diversidade 2. Comunicação organizacional 3.LGBT. A ênfase na diversidade da força de trabalho tem sido cada vez mais discutida e exigida para atender a uma mudança de cultura globalizada. Porém, neste contexto, nem todos os grupos sociais têm a mesma atenção. De acordo com Eccel e FloresPereira (2008), no cenário organizacional brasileiro os estudos sobre diversidade são, na maioria das vezes, centrados nas mulheres e nas pessoas com deficiência, enquanto a temática referente à população de Lésbicas, Gays, Bissexuais e Transgêneros (LGBT) neste cenário é menos explorada. No que diz respeito aos Direitos Humanos, organizações alinhadas com princípios de Responsabilidade Social são estimuladas a evitar a incidência de comportamentos preconceituosos direcionados Dimensões estéticas, cognitivas e tecnológicas de comunicação Capítulo 15 198 a qualquer pessoa, incluindo aquelas deste grupo (FERREIRAE SIQUEIRA, 2007). De modo a combater a violência contra a população LGBT e trazer visibilidade às violações de direitos humanos cometidas contra este grupo, as Nações Unidas e a Secretaria de Direitos Humanos do Brasil têm realizado um trabalho importante que consiste na inclusão dos direitos homossexuais na esfera das instituições. As questões da realidade da população LGBT vêm aos poucos sendo incorporadas em estruturas discursivas, tanto institucionais como sociais, porém os desafios que devem ser superados no desenvolvimento da cidadania deles ainda são grandes (LENZA, 2012). Em 2011, o Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos apresentou um relatório ao Conselho (Resolução 17/19) no qual descreve um padrão de discriminação e violência dirigida contra as pessoas em diversas regiões do mundo, com baseem sua orientação sexual e identidade de gênero (ONU HRC, 2011). Posteriormente em março de 2012, em Genebra, Suíça, a ONU realizou uma reunião do Conselho de Direitos Humanos sobre a violência e discriminação baseada na orientação sexual ou identidade de gênero. Na ocasião foram discutidas as ações a serem tomadas visando à garantia dos direitos humanos de indivíduos LGBT (ONU HRC, 2012). É importante ressaltar que foi a primeira seção na história do Conselho de Direitos Humanos das Nações Unidas dedicado ao debate dos direitos LGBT, no qual foram relatados casos de violência e discriminação como uma infração do direito internacional (LENZA, 2012). Para Kunsch (2014) as organizações, como parte integrante de um sistema global, têm um papel importante nas transformações do mundo contemporâneo na medida em que exercem forte influência no desenvolvimento econômico e social das nações. Compreender as questões da atualidade é condição fundamental para proposição de ações de intervenção tanto no meio social, político e econômico, quanto no mercado da comunicação corporativa e governamental. É importante redimensionar a visão da comunicação estratégica conservadora para uma visão mais holística. Isso perpassa por uma mudança no fazer a comunicação corporativa e governamental, área de extrema relevância para as organizações e também no meio sociopolítico econômico exigente de mudanças. A comunicação tem o papel de divulgar o tema da orientação sexual e identidade de gênero no cotidiano das organizações (OIT, 2015) e de disseminar medidas para reverter sistemas movidos por pensamentos preconceituosos e de dominação que estrangulam oportunidades de crescimento profissional. O presente estudo visa, através da revisão da literatura e de entrevistas com três especialistas com larga experiência em gestão da diversidade, a compreender a relevância da comunicação como instrumento das políticas de diversidade na garantia e promoção dos direitos humanos da população LGBT no contexto brasileiro. A pesquisa está alinhada com estudos de diversidade, diversidade cultural e comunicação organizacional e espera contribuir com o debate sobre a diversidade com Dimensões estéticas, cognitivas e tecnológicas de comunicação Capítulo 15 199 foco à orientação sexual para os negócios, incluindo os desafios, políticas e práticas que têm se destacado no cenário brasileiro. Nas seções a seguir é abordada a realidade da população LGBT no âmbito das organizações e os entraves para o seu desenvolvimento, além da importância da comunicação organizacional e das lideranças na mitigação destes obstáculos. 2 | OS HOMOSSEXUAIS NAS ORGANIZAÇÕES A violência contra os homossexuais nas relações de trabalho é uma das formas de violência que permeia as relações de trabalho (ANDRADE e SIQUEIRA, 2012). As instâncias sócias institucionais (religião, ciência, educação) interferem diretamente na vida do indivíduo e de seus corpos, sendo muitas vezes observadas como violências simbólicas (VIEIRA, 2015). Pesquisas recentes relacionadas às violências simbólicas vivenciadas por homossexuais no ambiente de trabalho mostram a importância desta questão. De acordo com Irigaray et al. (2010), em pesquisa realizada entre 2005 e 2008, tendo como amostra trabalhadores heterossexuais e homossexuais em empresas localizadas nas regiões metropolitanas do Rio de Janeiro e São Paulo, o humor é muito utilizado como forma de discriminação por orientação sexual. A pesquisa concluiu que o humor dos heterossexuais sobre os homossexuais é explícito e aparentemente legitimado socialmente, inclusive entre os próprios homossexuais, que acabam por utilizar o humor contra si próprios. Bourdieu (2014) descreve esta dinâmica como violência simbólica, uma forma de coação não física, mas causadora de danos morais e psicológicos. Exercício do Poder Simbólico, ou seja, de um discurso dominante, a violência simbólica está impregnada de crenças e valores construídos no processo de socialização que transformam processos de humilhação num habitus, isto é, uma estrutura social que molda os sentimentos, pensamentos e ações e é incorporada pelos membros do grupo. Ao analisar os efeitos de ser gay no ambiente do trabalho, Ferreira (2007) afirma que os homossexuais acabam, por vezes, se sentindo imersos em uma vida dupla, em que revelar sua orientação sexual representa encarar o estigma e o preconceito, ao passo que manter em segredo acarreta em custos psicossociais e sofrimento no ambiente de trabalho. O processo de revelar ou não sua orientação sexual, também denominado como “sair do armário”, é um período difícil na vida dos homossexuais, visto que o ambiente de trabalho, no geral, ainda apresenta uma postura conservadora. A chamada heteronormatividade influencia diretamente o preconceito direcionado aos homossexuais e se impõe na sociedade como um componente cultural responsável pela construção de subjetividades, alimentando e validando comportamentos homofóbicos. De acordo com Souza e Pereira (2013) uma sociedade heteronormativa é aquela que os padrões de comportamentos heterossexuais são os dominantes, em que todos aqueles que se desviem desses padrões são estigmatizados. Dimensões estéticas, cognitivas e tecnológicas de comunicação Capítulo 15 200 A partir de pesquisa com gays e lésbicas, no que se refere à percepção de situações discriminatórias nas relações sociais no trabalho, Trau (2016) afirma que a percepção de abertura e apoio à diversidade moldam a experiência profissional e as decisões dos indivíduos. Um clima de não discriminação na organização torna o ambiente mais propenso à revelação sexual da população homossexual. Além disso, o apoio psicossocial foi encontrado positivamente relacionado com a satisfação profissional. Pesquisa organizacional realizada nos EUA, Japão, Índia e Reino Unido concluiu que indivíduos que têm sua orientação sexual assumida no ambiente de trabalho são mais engajados e produtivos: 84% dos líderes de negócios entrevistados relatam que o apoio ao empregado LGBT, o que inclui a revelação da orientação sexual no trabalho, afeta positivamente no bem estar do trabalhador; 35% dos funcionários LGBT da amostra do Reino Unido relataram que o “sair do armário” está relacionado a um aumento da produtividade (HEWLETT, 2013). No contexto das organizações do trabalho no Brasil, em 2016 foi elaborado um estudo produzido pelas empresas brasileiras Eletrobrás, Cepel, Eletronuclear e Furnas. A partir de pesquisa com pessoas pertencentes a grupos sociais tradicionalmente discriminados em nossa sociedade, incluindo a população LGBT, foram identificadas as barreiras mais frequentes enfrentadas na carreira, que incluem: qualificação, acesso e ascensão/progressão nas instituições de trabalho (INSTITUTO PROMUNDO, 2016). 3 | A DIVERSIDADE NAS ORGANIZAÇÕES A diversidade começa a ser abordada no contexto das organizações a partir da década de 1960, num primeiro momento nos Estados Unidos e Canadá, onde os governos estabelecem condições de não discriminação por parte das empresas, visando à mitigação do preconceito racial observado nas empresas e nas instituições de ensino. No Brasil, a trajetória se deu de modo diferente. Apenas com a chegada das multinacionais ao país, na década de 1990, é que por meio das políticas de gestão com foco a diversidade começouse a implantar as ações já adotadas em suas matrizes. A diversidade logo passou a ser utilizada como vantagem competitiva, para legitimação em face de seus clientes e ao mercado (ECCEL; FLORES-PEREIRA, 2008; FLEURY, 2000). De acordo a Fleury (2000), nos Estados Unidos as empresas que tinham contratos com o governo ou que recebiam recursos deveriam apresentar um efetivo diverso. A autora define diversidade como uma mistura de pessoas com identidades diferentes, no qual coexistem grupos de maioria e de minoria, interagindo em um mesmo sistema social. Os grupos de maioria são assim denominados, uma vez que obtiveram vantagens econômicas e poder em relação aos outros, logo minorias. Atualmente as políticas de diversidade no Brasil têm estado cada vez mais presentes nos discursos organizacionais, contudo cabe ressaltar que grande parte dos direitos Dimensões estéticas, cognitivas e tecnológicas de comunicação Capítulo 15 201 conquistados pela população LGBT no ambiente de trabalho se deve em grande parte a uma luta política social, que influenciando políticas públicas resultou em benefícios para esta comunidade (ANDRADE e SIQUEIRA, 2012). Entre os exemplos de políticas públicas é possível citar o programa O Brasil sem Homofobia – Programa de Combate à Violência e à Discriminação contra LGBT e de Promoção da Cidadania Homossexual, implementado pelo governo federal em 2004 (HORST, 2016). O silêncio induzido pelas organizações sobre a identidade social dos funcionários é fundamentalmente uma questão ética. As condições ou práticas organizacionais que promovem o silêncio sobre tais dimensões humanas podem gerar discriminação, desrespeito e um sentimento de injustiça, reais ou imaginados, entre os funcionários (HARLOS, 2016). Contudo, organizações que percebem as vantagens que um ambiente heterogêneo pode acarretar para seu negócio tendem a transformar este desafio em uma oportunidade. Deacordo com Irigaray e Freitas (2013) uma empresa diversa incentiva à criatividade, torna os processos mais flexíveis e ágeis, pois facilita e promove a troca de informações acerca dos valores, atitudes e a apreensão de novas abordagens. Porém, os autores reconhecem que ser identificado como gay ou bissexual no ambiente de trabalho, devido ao que denominam de “incrustamento de valores heterocêntricos” na sociedade brasileira, pode acarretar em barreiras para o crescimento profissional. É importante ressaltar que o direito ao trabalho digno é um direito de todos. As pessoas LGBT devem ter o direito de desenvolver seu potencial humano, sendo respeitadas em suas singularidades, sem entraves à carreira. A discriminação sofrida pela população LGBT no mundo do trabalho influencia nos níveis de eficiência e produção, no bem-estar laboral e no próprio acesso ou permanência nos empregos, impactando assim na carreira destes indivíduos. Inserir o tema da orientação sexual e identidade de gênero em censos e pesquisas internas nas organizações, ao que inclui estratégias de comunicação para disseminação e políticas de recrutamento, se coloca como um fato importante, com os devidos cuidados para não ampliar a discriminação, garantindo que o segmento LGBT seja considerado e os dados possam inspirar a criação de políticas e práticas específicas (ORGANIZAÇÃO INTERNACIONAL DO TRABALHO, 2015; POMPEU E POMPEU, 2015). Pesquisa realizada por Pompeu e Pompeu (2015) identificou práticas de políticas inclusivas de recursos humanos, com foco na diversidade sexual. A pesquisa bibliográfica foirealizada em periódicos internacionais da área de estudos organizacionais ou de recursos humanos. Dentre os principais autores identificados estão Day e Greene (2008) e Mickens (1994), e com base em seus estudos sobre Políticas de Treinamento e a criação de uma Cultura de Inclusão, a educação pelo exemplo se coloca como figura central. Deste modo a governança deve enfatizar publicamente o combate à discriminação no local de trabalho, de tal modo que um funcionário homossexual se sinta confortável para expressar sua orientação sexual. A comunicação da política de não-discriminação coloca-se como uma expressão clara do comprometimento das organizações com a igualdade de tratamento em Dimensões estéticas, cognitivas e tecnológicas de comunicação Capítulo 15 202 relação a questões de orientação sexual (BELL et al, 2011). Segundo Mickens (1994) para que as políticas de diversidade na organização se tornem efetivas a comunicação destas deve ser uma prática habitual, do contrário incorre ao risco de ser esquecida. O Instituto Ethos (2013) e a Txai Consultoria e Educação por meio do Fórum LGBT para empresas, propõe em termos de práticas e políticas: a inserção do tema na comunicação interna, realização de eventos, sensibilização para o tema, produção de cartilhas ou outros meios de educação e desenvolvimento dos profissionais que falem de valorização da diversidade e criação de grupos de afinidades. Ademais, recomenda o desenvolvimento de um diálogo com lideranças governamentais e não governamentais para tratar do tema, além de eventos com empresas especialistas, a fim de compreender melhor as questões das pessoasLGBT, seus desafios na empresa e na sociedade em geral. 4 | COMUNICAÇÃO ORGANIZACIONAL No atual e conturbado contexto socioeconômico mundial, a sociedade tem vivenciado o crescimento da violência, guerras, o crescimento do terrorismo (principalmente na Europa), as crises financeiras mundiais, as desigualdades sociais, as violações de direitos humanos, a alfabetização digital, epidemias, multiculturalismo, entre outros fatores. O poder da informação e da comunicação neste cenário se coloca como fato relevante à medida que ela deve ser utilizada não apenas como um instrumento de divulgação de informações, mas também como um elemento capaz de fomentar uma transformação social. A comunicação deve ser tratada como um elemento de poder transversal perpassando todo o sistema social global, incluindo as organizações (KUNSCH, 2014). As organizações empresariais se tornaram entidades sociais poderosas na reprodução da cultura, assim como o são as religiões e o Estado, exercendo um forte poder sobre a sociedade, principalmente no século XX. Friedman (1982) em sua teoria dos acionistas propunha que as empresas ao cumprirem seu papel econômico estariam dando sua contribuição social, cabendo a elas gerar lucro para os seus acionistas. Todavia, o que se constata nas últimas décadas é que o isolamento do mundo corporativo cedeu lugar a umnovo pensar, onde as empresas passam a ter um papel social além dos propostos por Friedman (ibdem). Ainda segundo a autora algumas organizações possuem poder econômico comparáveis ao PIB (Produto Interno Bruto) de alguns países. Neste sentido as organizações têm sido demandas pela sociedade a reverem o seu papel no sistema social global, em função também dos impactos gerados na sociedade. Atualmente, o grande desafio delas é justamente superar aquela visão meramente econômica. A autora afirma a necessidade de sair do discurso da sustentabilidade e responsabilidade social para atitudes que de fato traduzam um compromisso público. Na era digital na qual a sociedade está interconectada através das redes e mídias sociais, as organizações tendem a perder o controle sobre os Dimensões estéticas, cognitivas e tecnológicas de comunicação Capítulo 15 203 públicos por ela afetados. Esse contexto exige coerência nos discursos institucionais, do contrário determinada informação veiculada é passível de ser questionada e ir parar nas redes sociais, afetando a imagem e reputação da organização. Kunsch tem buscado novos olhares sobre o significado e a abrangência da comunicação organizacional, a fim de compreender como essa comunicação está configuradahoje e quais são suas dinâmicas nas práticas organizacionais. Neste sentido ela propõe analisá-la em quatro dimensões: instrumental, humana, cultural e estratégica. Um dos objetivos deste estudo é sensibilizar as organizações e a sociedade para os desafios acerca da realidade da população LGBT no mercado de trabalho, e por esta razão será dado foco na dimensão humana. Cabe ressaltar que a dimensão estratégica e instrumental, tem também caráter relevante para o estudo. A dimensão humana da comunicação, ainda que se coloque como a dimensão mais importante é a mais esquecida, tanto nas práticas das organizações como na literatura. A comunicação deve levar em conta o fator humano e suas subjetividades, e constitui um pilar fundamental para qualquer ação que busque ser eficaz e duradoura. Nas organizações contemporâneas, a subjetividade é um aspecto relevante a ser estudado por profissionais e gestores de comunicação nas organizações. Trabalhar com ela significa atuar sob a dimensão humana e ultrapassar a visão meramente instrumental. Neste sentido vale destacar a importância da valorização da comunicação interpessoal. As organizações infelizmente nem sempre promovem espaços informais e favoráveis para construção de uma boa comunicação em seus ambientes internos. A comunicação organizacional, em função de ambientes cada vez mais competitivos e conflitantes, cuja as incertezas configuram a sociedade global nesta era digital, deve ser capaz de valorizar e melhorar a qualidade de vida dos trabalhadores. A humanização das organizações nunca foi tão necessária como no mundo globalizado e desigual de hoje (KUNSCH, 2014). Tal processo constitui-se como uma das propostas deste estudo ao empregar a comunicação e demais instrumentos organizacionais na inclusão e ascensão da população LGBT no mercado de trabalho, em nível de igualdade aos demais indivíduos não homossexuais. 5 | METODOLOGIA Visando a uma análise acerca dos desafios e as melhores práticas de gestão quanto à promoção do desenvolvimento profissional de indivíduos LGBTs no contexto brasileiro, adota-se a pesquisa qualitativa, com a realização de entrevistas semiestruturadas como forma de coleta de dados. O objetivo foi coletar as vivências de consultores/especialistas em diversidade com experiência (a partir de cinco anos) no universo corporativo, bem como suas percepções acerca dos efeitos da orientação sexual no desenvolvimento profissional desta população. Com base no livro Pesquisa no Mundo Real, do Gray (2012), a presente Dimensões estéticas, cognitivas e tecnológicas de comunicação Capítulo 15 204 pesquisa pode ser considerada qualitativa, com abordagem indutiva. O estudo quanto ao seu propósito é uma pesquisa exploratória e descritiva. Adotou-se como desenho da pesquisa o método Análise de Conteúdo segundo procedimentos descritos por Bardin (2004). A estratégia de amostragem utilizada é por conveniência, segundo os critérios: especialistas em diversidade com experiência de no mínimo cinco anos atuando junto a grandes corporações situadas no Brasil e que adotam, preferencialmente, políticas e práticas de Responsabilidade Social. O universo da amostra é composto de três profissionais que trabalham e/ou trabalharam com/em empresas consideradas benchmarking na temática diversidade no contexto nacional. Dois destes consultores atuam a mais de 14 anos no segmento e a terceira há aproximadamente seis anos como líder de Diversidade em uma multinacional com tradição para temática Diversidade. Os consultores não serão identificados. As entrevistas foram previamente agendadas e ocorreram em 2017. Seguindo preceitos éticos, elas foram gravadas (áudio) e posteriormente, transcritas, com a devida autorização dos participantes do estudo por meio de um Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE). 6 | ANÁLISE DE DADOS Para construção desta análise foram consideradas as entrevistas realizadas em campo, com os consultores em diversidade. As entrevistas contaram com um questionário semiestruturado composto por cinco perguntas abertas. A coleta gerou um amplo material acerca das vivências e percepções dos entrevistados. Nesta seção, além da análise dos resultados propriamente dita, será realizada a confrontação dos resultados com a revisão de literatura, identificado às convergências e divergências. No cenário empresarial atual, em que pese um mercado global altamente dinâmico e em constantes mudanças, promover um ambiente de trabalho inclusivo e diverso tornase um fator de competitividade para os negócios. Valorizar a diversidade está associado a diversos fatores, dentre eles: redução de conflitos, motivação, aumento do engajamento, inovação, e, consequentemente, aumento dos lucros, contudo no Brasil ainda são poucas as empresas que inserem a diversidade na pauta de sua agenda estratégica (BORIN; FIENO; SAMPAIO, 2015). A importância da Diversidade para o mundo dos negócios compõe-se de diversos fatores como o bem-estar do trabalhador, retenção de talentos, reputação e imagem, valor ao negócio e melhora nos indicadores de ambiência, conforme identificado nas entrevistas C1, C2 e C3. Então, além da história dos casais parceiros... isso transita pela ambiência. Transita pela ambiência e vai ter impactos diferenciados dependendo – e a gente pôde comprovar isso, se o ambiente onde a medida foi instituída era mais masculino ou menos masculino – como a gente teve situações parecidas, teve Dimensões estéticas, cognitivas e tecnológicas de comunicação Capítulo 15 205 os bancos e depois teve as elétricas, as energéticas, Eletrobrás, Eletronorte, Eletronuclear, Itaipu, Petrobras, a gente pôde dar esse comparativo que uma medida pode ter mais reação negativa dependendo, não é da quantidade do homem nela, é digamos assim, da macheza que envolve aquele segmento (...). (C1). Qual a importância da diversidade é uma boa pergunta, porque não tem muito estudo no Brasil, não tem muita coisa, então a diversidade como tema vem entrando muito pela onda dos valores, vamos dizer assim, por uma convicção. Eu tenho um quadrinho que eu mostro ‘o fruto do diálogo com os presidentes’, que eu pergunto pra eles – em vez de eles me perguntarem só “por que eu tenho que investir em diversidade?”, como eles me chamam como consultor ou no fórum LGBT, então eu devolvo e pergunto para eles para aprender – e aí eu vi que é um consenso entre eles de um tripé: eles dizem “a gente investe em valorização da diversidade porque é a coisa certa a se fazer ou seja está ligada à normativa de Direitos Humanos, a valores, a princípios. tem a ver com a escolha que a gente fez, os acionistas das nossas empresas, os dirigentes ou donos das nossas empresas, aí eles fizeram escolhas em relação à identidade da empresa que aí tem a missão, visão, valores...” e então isso também pesa e é bem importante, eu coloco bastante ênfase nisso porque isso é um eixo que se outras coisas mudarem – se você tem uma normativa no país que mude a Constituição, por exemplo, ou deixa de ser como ela é ou qualquer outro rolo que possa acontecer – é muito legal saber que as empresas estão falando de...reconhecendo que tem um eixo na identidade delas. E o terceiro motivo, todos esses são interligados, é assim: “puxa, isso, por intuição ou por leitura de algumas pesquisas, ou pelo que as pessoas falam, a gente reconhece que isso adiciona valor. Para o negócio, entendido negócio (...) (C2). Conforme pontuado na entrevista C2, são escassos os estudos no Brasil acerca da importância da Diversidade, assim como colocado por Eccel e Flores-Pereira (2008). A inclusão da população LGBT no mundo do trabalho ocorre também por consequência de uma agenda produtiva de direitos no Brasil e no mundo, que teve seu início na década de setenta através da Revolução de Stonewall. No Brasil, o reconhecimento do casamento de pessoas do mesmo sexo ocorreu através de uma decisão do Superior Tribunal Federal em 20111 e foi um marco para a população LGBT. Os movimentos sociais e políticos pródiversidade tiveram um papel fundamental na narrativa histórica das minorias, como da população LGBT, o movimento das mulheres, negros e deficientes, e que vieram a resultar em normativas legais, promovendo direitos iguais entre homossexuais e não homossexuais, o que inclui o direito a adoção, conforme ressaltado na entrevista C1: (...) eu acho que nós vimos crescer nessa última década, uma agenda muito produtiva de direitos, uma agenda muito produtiva da demanda, uma luta por direito que se constituiu numa agenda, ampla. Então você tem os segmentos LGBT; você tem a população negra, os afrodescendentes; você tem uma virada dos direitos das mulheres, com uma criticidade crescente contra a discriminação, incluindo uma juventude que se incorpora ao pensamento feminista (...) e o outro grupo que fez a diferença é a comunidade LGBT com 1 A aprovação do Superior Tribunal Federa ocorreu em 05/05/2011. Disponível em: http://www.stf.jus.br/portal/cms/ verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=178931. (Último acesso: 27/08/2017). Dimensões estéticas, cognitivas e tecnológicas de comunicação Capítulo 15 206 essa agenda, que é uma agenda de visibilidade (...) então eu vejo que é nesse contexto que se insere a luta por direitos da comunidade LGBT. E tem, na minha opinião, dois movimentos fortes da comunidade LGBT: um que é a luta por reconhecimento das parcerias, ou seja, a forma de reconhecimento da sociedade pelas uniões de casais parceiros do mesmo sexo. Eu acho que isso muda o debate na sociedade sobre os indivíduos e a sua orientação sexual, porque vai fazer um enfrentamento com a sociedade heteronormativa. Cabe destacar a importância das normativas legais na promoção e garantia de direitos da População LGBT no mundo do trabalho, tanto no contexto nacional como internacional, conforme apontado nas entrevistas C1, C2 e C3. (...) as pessoas gays começam a casar e ao casar elas começam a colocar demandas específicas, por exemplo, plano de saúde para os casais do mesmo sexo. Ainda hoje, mesmo com a lei, vamos chamar, com CNJ (Conselho Nacional de Justiça), com a coisa toda, para mim é lei, porque há controvérsias, tem empresa ainda, ainda hoje – grandes empresas, grandes marcas – dizendo que voluntariamente oferecem plano de saúde para casais do mesmo sexo. Já não deveria mais ser. Aí é o princípio da igualdade. (C2). No Brasil, além dos movimentos sociais e do Estado, as empresas tiverem um papel importante no reconhecimento de direitos iguais à população LGBT no mundo trabalho, influenciando positivamente o mercado nacional. Este foi o caso das Estatais, que adotaram a extensão de benefícios aos casais homossexuais antes de uma normativa legal, conforme relatado na entrevista C1. (...) o reconhecimento dos direitos das pessoas gays, lésbicas, trans, nas empresas, não se deu por ascensão a determinados cargos ou combate à discriminação (...) foi direto no assunto de reconhecimento como os casais parceiros de sexo diferente ou hetero. Então é uma mudança cultural extraordinária! Se num primeiro momento houve resistência, houve resistência a esse reconhecimento dos casais parceiros. O que é fantástico é que, ao contrário de uma legislação, primeiro houve “acolhimento dessa demanda”, para depois você ter uma normativa legal, que lhe desse suporte. Eu acho extraordinário, entende? (...) Aí tem uma coisa, lá nesse período (...) foi uma ordem unida, de decisão de empresas públicas... A Caixa, a Petrobras, o Banco do Brasil, a Itaipu e Eletronorte...fizemos uma frente unida pra fazer passar essa medida (...) A reação foi muito parecida em várias empresas. (C1). Quanto às iniciativas adotadas pelas empresas para garantia e promoção dos direitos humanos da população LGBT, destacam-se: extensão de benefícios, Grupos de afinidade/diversidade, Instrumentos Normativos e Ações de comunicação, dentre outras conforme listado na tabela 1. Iniciativas Identificadas Entrevistas Extensão de Beneficios C1, C2 e C3 Dimensões estéticas, cognitivas e tecnológicas de comunicação Capítulo 15 207 Instrumentos normativos (Código de conduta/ética) C1 e C2 Grupos de afinidade/diversidade. C2 e C3 Ações de conscientização (Palestras, ações educativas, treinamento virtual, etc.) C3 Espaço de interlocução corporativo - Fórum de empresas e Direitos LGBT. C2, C3 Comissão interna pró diversidade C1 Adoção de compromissos e indicadores C2, C3 Comunicação como instrumento de disseminação (informativos, newsletter, campanhas, página intranet, etc). C1, C2 e C3 Adêrencia direta dos CEO´S C2 e C3 Tabela 1: Iniciativas identificadas nas entrevistas. Fonte: Elaborado pelo autor. As práticas identificadas são aderentes às propostas sugeridas por Mickens (1994), Day e Greene (2008), Bell et al (2011), Pompeu e Pompeu (2015). Para Mickens (1994) a extensão de benefícios aos empregados homossexuais, a depender do contexto, não se constitui como tal e sim apenas uma aplicação justa da lei. O casamento entre pessoas do mesmo sexo no Brasil é um direito legal conquistado pela sociedade. Os grupos de afinidade identificados visam a criar uma atmosfera de confiança e operam ainda como um espaço de socialização e advocacy2 para a população LGBT. A comunicação tem um papel estratégico e muito importante na gestão de pessoas e na mudança de cultura de uma empresa, podendo dar capilaridade ao tema Diversidade dentro da organização. A comunicação se empregada de forma criativa é capaz de produzir materiais educativos e esclarecedores acerca da temática. Os instrumentos a serem desenvolvidos tanto podem ser físicos, tal como cartilhas e jornais, ou digitais, através de treinamentos EAD ou vídeos institucionais (INSTITUTO ETHOS, 2013). Atualmente muitas empresas vêm adotando ações de publicidade e marketing retratando a população LGBT em suas campanhas, mas ainda precisam melhorar suas práticas de RH, de modo que isto se traduza como valor aos negócios. Tal qual propõe Mickens (1994), a comunicação das políticas de uma empresa precisa ser disseminada reiteradamente, a fim de que não caia no esquecimento. A fala dos presidentes, por sua vez, tem um valor simbólico na aderência dos trabalhadores e de toda a cadeia de valor. Alguns destes aspectos são identificados 2 Advocacy é o ato de identificar, adotar e promover uma causa. Consiste em um esforço para moldar a percepção pública ou conseguir alguma mudança (AVNER, 2002). Dimensões estéticas, cognitivas e tecnológicas de comunicação Capítulo 15 208 nas entrevistas C1, C2 e C3. A comunicação teve um papel muito estratégico e muito bom porque foi muito criativa (...) de bolar, a gente fez conversas juntos para bolarmos cartilhas, vídeos. Isso chegou lá na loja. A prioridade do Carrefour foi chegar nas pontas, na loja. Até se descuidou um pouco do ambiente interno, da matriz, de alguns lugares que não tinham o cliente e foi lá para a ponta. Por que? Porque ali estava morando o conflito. Tinha muito problema do colaborador com o cliente, do cliente com o colaborador. Isso não é diferente porque eu trabalho também com essas organizações, com Walmart, Pão de Açúcar, é muito semelhante. Mas o Carrefour acreditou, acreditou e investiu nisso e deu super certo! A Avon, falar do ambiente interno, não teria muito que dizer, mas foi muito corajosa de colocar a questão queer na propaganda de um produto. Não foi para a televisão, mas foi para a internet e ela quebrou o paradigma e foi ótima aquela contribuição! ela tem mais desenvoltura no marketing, não vê problema com isso e ela fez bem feito! Foi muito elogiada a propaganda dela. (C2). Olhando um pouco para o nosso trabalho com o fórum. À medida, e o meu trabalho aqui em Diversidade sempre foi baseado no comunicar. Comunicálos por quê? Esclarecer as dúvidas. Dizer que é possível. E eu faço isso meio que com tudo, que é do programa de diversidade. E antes eu penso: qual é o público que eu tenho que comunicar e o que tem que ele tem que saber? E o fórum fez isso muito bem com o nosso site. Faz isso em cada reunião do fórum. Você vai ter oportunidade de ver. Que é comunicar essa importância. Dizer dos indicadores. Ajudar as pessoas a saírem daquela fronteira entre eu não posso, eu não devo. A gente tem esse espaço na newsletter que fala sobre coming out. Se tiver gente interessada em falar naquele mês, ele vai falar como foi esse processo, contar, colocar foto namorado, se quiser. Isso acontece de forma muito fluida. Todo mês. A gente não força esta pauta, tá? A gente vê o que tá acontecendo ( ) uma tática que a gente usou também aqui em Diversidade na empresa, que é meu presidente sabe que isso é importante, fala sobre comigo, discute as métricas, e desce para o primeiro nível de gerência dele, abaixo dele, a importância do tema. Mas, se isso for só top-down, como se costuma dizer, têm várias camadas aqui em cima, que nunca vão chegar lá. (C3). O Fórum de empresas e direitos LGBT constitui-se como um espaço de interlocução empresarial, fundado e gerido por empresas, que através de um sistema de governança e reuniões periódicas compartilham as melhores práticas do mercado nacional e internacional. O propósito do Fórum é articular as empresas, organizações governamentais e não governamentais que representam ou atuam com a questão LGBT, em torno do compromisso com o respeito e a promoção aos direitos humanos LGBT. O Fórum conta ainda com dez compromissos e com indicadores de profundidade, e as empresas ao aderirem não precisam necessariamente cumprir os compromissos na sua totalidade (INSTITUTO ETHOS, 2013). A criação do Fórum de Empresas de Direitos LGBT e suas iniciativas é algo recente no contexto organizacional brasileiro. Constata-se que a abordagem da orientação sexual na gestão de pessoas no Brasil vem ocorrendo principalmente em empresas multinacionais, conforme relatado nas entrevistas C1, C2 e C3. O time de empresas nacionais ainda Dimensões estéticas, cognitivas e tecnológicas de comunicação Capítulo 15 209 é tímido e predominantemente composto por escritórios de advocacia e estatais. Acerca dos desafios identificados no contexto nacional para o desenvolvimento profissional e a carreira da população LGBT estão: 1) a cultura brasileira ao que pese um baixo senso de cidadania, apontada nas entrevistas C2 e C3; 2) a necessidade de um maior compromisso das lideranças e o devido apoio institucional, relatado nas entrevistas C1 e C2; 3) planos de saúde mais plurais (incluir tratamento hormonal para pessoas transexuais, outras demandas da população LGBT), nas entrevistas C2 e C3. Essa explicação de diversidade genérica ainda é difícil a gente ter no Brasil. Ainda é uma ‘turma de elite’. Eu chamo mesmo e assumo. É um grupo de elite das empresas que está empurrando outras e o mercado e a cadeia de valor toda para pensar no tema da diversidade (...) quando você olha as signatárias, é gritante a presença de multinacionais (...) a gente tem que tomar cuidado com isso, é um problema para as empresas brasileiras, que a gente não fique muito atento à velocidade necessária para garantir aquelas coisas que as empresas gostam, que elas precisam disso, competitividade, sintonia com a sociedade... No tema que a National Geographic chamou de “Revolução de Gênero”, que eu gostei, é preocupante que as empresas brasileiras não ganhem a velocidade que o tema está exigindo, porque aí a sociedade toda está numa velocidade de mudança muito maior que as nossas empresinhas. que a gente como Fórum traz as empresas que estão atuando, que estão fazendo coisas boas para elas virem. Das empresas que compõe o Fórum LGBT de empresas a maior parte é tudo multinacional, tudo transnacional. Você tem aqui um escritório de advocacia – agora tem mais um, acabou de entrar, Matos Filho, então quatro empresas, a Trench Watanabi, que tem parcerias internacionais, mas é uma empresa nacional; a Ambev, que é multinacional, mas o capital nacional, aqui e só. Ah, e a Braskem. (C2). Eu acho que o maior desafio é a liderança expressar isso como sendo um compromisso da empresa e assegurar esse compromisso significa dizer: “não aceito discriminação”. Então assim, isso é o código de conduta, legal, vão todos os documentos e tal, mas nesse caso é preciso verrrrrbalizar! E isso acho que está fazendo a completa diferença na vida e na história dos direitos quando uma pessoa, na posição de decisão, chega à conclusão “isto é importante para toda a companhia”. E, a pessoa, porque ela tem aquela posição de decisão, mesmo o sujeito que é contra sabe que dentro dessa perspectiva tem que pelo menos fazer uma reflexão diferente (...). Então essa imparcialidade na questão de determinados grupos, mulheres, negros, gays, não são imparciais, eles são movimentados por umacultura. Quem pode mudar isso? Quem tem o poder de decisão. Então acho que o desafio é esse. (C1). Não só brasileiras, mas também asiáticas. E aí o desafio é o mesmo. A cultura organizacional, às vezes, é uma visão muito familiar. Sem referências no Brasil com estudos que você vê: então, não tem, não sei de onde eu venho. Então, para as americanas e europeias é mais simples. Porque isso acontece, às vezes, nos países por força da lei. (C3). Além dos desafios citados, diversos são os aspectos que dificultam trabalhar o tema da orientação sexual no universo corporativo. Um deles é a ausência de uma base de dados sobre a população LGBT, em que constem dados censitários, étnicos, sociais Dimensões estéticas, cognitivas e tecnológicas de comunicação Capítulo 15 210 e econômicos (SECRETARIA ESPECIAL DE DIREITOS HUMANOS, 2016). No âmbito das organizações conforme coloca o Instituo Ethos (2013) ainda não é comum o RH aferir a orientação sexual dos trabalhadores, e nem é recomendável caso a empresa não possua histórico na valorização, promoção e gestão da diversidade. Mas se as empresas não sabem como é composto seu quadro de trabalhadores, que justificativa teriam para trabalhar a temática? Seria ela pertinente ou não de ser trabalhada? Ademais, as empresas, enquanto entidades representantes do discurso dominante (BOURDIEU, 2014) podem ser classificadas como muito “masculinizadas” e “masculinizantes”, conforme relatado nas entrevistas C1, C2 e C3. Masculina no número, mesmo na base – quando a gente olha pesquisas entre as maiores empresas, que eu ajudo no Instituto Ethos, que a gente faz desde 2001 – mesmo na base ainda dessas 500 maiores, que seriam as mais chiques, as que têm acesso às melhores consultorias, os melhores entendimentos, deveria ser assim, mas mesmo na base, agora na última, 35% de mulheres, mesmo na base. Eu fico só olhando lá, a carreira, o topo da empresa, que aí tem 13%, mas elas, as nossas empresas, ainda são muito masculinas. São M, de masculinas. São M de masculinizadas. Os rituais, os processos, os procedimentos, o jeitão de decidir, de fazer, ainda mostra resquícios de um tempo em que as empresas foram feitas por homens, para homens, de homens, então, é o tal do padrão dominante institucionalizando tudo isso daí. E masculinizantes porque elas te impõem mesmo um jeito de ser homem que às vezes, nem para um homem hetero interessa. Também, essas nossas empresas são HHH, são Hetero – eu crio tudo (risos) – são heterossexuais no número de coisas, são Heterossexualizantes num sentido de impor um jeito de ser heterossexual e Heteronormativas ou Heterossexualizadas – que aí esse termo existe – que é a imposição de um jeito, de uma vida heterossexual, de um jeito de ser. (C2). Nesse estudo foi observado que as diferenças identificadas em relação às empresas públicas, de economia mista e empresas privadas, é que as primeiras ainda que precursoras na extensão de benefícios aos homossexuais tendem a ter uma cultura mais fechada em termos de iniciativas para inclusão, ascensão e desenvolvimento da população LGBT. Contudo, para alguns autores como Ferreira (2007), as empresas públicas garantem uma menor exposição a situações de discriminação para o trabalhador homossexual que as empresas privadas, em virtude também do acesso por concurso público, sendo este aspecto reforçado nas entrevistas C1 e C2. Das empresas multinacionais atuantes no contexto nacional, destacam-se nas entrevistas C2 e C3: Carrefour, Dow Química, Avon, 3M, Monsanto, AIG, e com maior destaque a IBM conforme trecho da entrevista C3 “Existem as empresas que estão mais maduras. Você deve ter ouvido referência de que a IBM Brasil é uma delas. Talvez a mais citada e tudo mais”. Das nacionais foram citadas a BB Mapfre, JLL, Mattos Filho Advogados, Trench, Rossi e Watanabe Advogados, Ambev. Das estatais precursoras foram citadas na entrevista C1 a Caixa, a Petrobras e o Banco do Brasil. A IBM conforme relatado na entrevista C3 tem diversas iniciativas com foco na Dimensões estéticas, cognitivas e tecnológicas de comunicação Capítulo 15 211 construção de um ambiente de inclusão e diversidade (tabela 2). Os apontamentos acerca da organização colaboram aos apresentados por Thomas (2004), que destaca a IBM como uma das precursoras para o tema. Iniciativas mapeadas na IBM Item Descrição 1 Newsletter mensal com temas relevantes sobre o que a empresafaz junto à comunidade de trabalhadores LGBT. 2 Programa de Executivos assumidos que já tem mais de 50 executivos VPs da companhia, que saíram do armário e estão contando a sua história. 3 Programa de Talentos assumidos, lançado recentemente para pessoas de posições mais baixas, como gerentes. 4 Programa de Mentoria reversa que consiste na oportunidade dos executivos da companhia falarem diretamente com uma pessoa LGBT e assim compreenderem os desafios pro estes vivenciados durante a trajetória profissional. 5 E-mail corporativo exclusivo para as pessoas que querem se identificar e fazer parte do grupo de diversidade. 6 Sessões de benchmarking periódicas junto a outras empresas comfoco no compartilhamento de práticas e aprendizado mútuo. Tabela 2: Iniciativas da IBM mapeadas na entrevista C3. Fonte: Elaborado pelo autor. 7 | CONSIDERAÇÕES FINAIS Na amostra deste estudo ficou evidente que é possível identificar boas práticas em relação às políticas de diversidade, as quais apontam para a necessidade de um ambiente aberto ao diálogo, através do aprendizado mútuo e de maneira pedagógica. Partes das iniciativas identificadas são replicáveis a outros grupos vulneráveis, como mulheres, negros e deficientes, é o caso dos grupos de afinidade. A criação do Fórum de Empresas de Direitos LGBT representa um avanço organizacional e estratégico para temática no contexto nacional brasileiro, e em específico para a população LGBT, na medida em que alinha desafios e boas práticas comuns ao mercado. Verifica-se, contudo a modesta atuação das organizações nacionais neste espaço. A comunicação tem um papel estratégico e muito importante na gestão de pessoas ena disseminação das iniciativas organizacionais. Verifica-se a relevância da comunicação nas organizações como estratégica na divulgação da temática aqui discutida e na melhoria do diálogo interpessoal. O compromisso do Presidente e dos gestores coloca-se como fator crítico para avançar na mudança de cultura. As organizações privadas, especialmente as multinacionais, têm avanços mais significativos na valorização da diversidade. As estatais, ainda que precursoras na Dimensões estéticas, cognitivas e tecnológicas de comunicação Capítulo 15 212 extensão de benefícios aos homossexuais tendem a ter uma cultura mais fechada em termos de iniciativas para inclusão, ascensão e desenvolvimento da população LGBT. Não obstante os valorosos depoimentos obtidos neste estudo para a compreensão dos desafios de inserção e ascensão da população LGBT no mercado formal de trabalho, as limitações deste estudo sugerem a necessidade de pesquisas futuras e complementares. Destaca-se a amostra reduzida e a importância da produção de estudos quantitativos sobre os efeitos das iniciativas organizacionais no desenvolvimento profissional da população LGBT e estudos junto a organizações que sejam Benchmarking para o tema. REFERÊNCIAS ANDRADE, Augusto; SIQUEIRA, Marcus. V. Em busca de uma pedagogia gay no ambiente de trabalho. FREITAS, Maria E.; DANTAS, Marcelo. Diversidade sexual no trabalho. São Paulo: Cengage Learning, p. 99-120, 2012. AVNER, Marcia. The lobbying and advocacy handbook for nonprofit organizations: shaping public policy at the state and local level, Amherst H. Wilder Foundation, 2001. BELL, Myrtle P. et al. Voice, silence and diversity in 21st century organizations: strategies for inclusion of gay, lesbian, bisexual and transgender employees. Human Resource Management, 50: 1, 2011, p.131–146. BORIN, F.; FIENO, P.; SAMPAIO, B. Diversidade: inclusão ou estratégia? Harvard Business Review, 2015. BOURDIEU, Pierre. 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A página no instagram possibilita aos alunos continuarem por dentro do assunto e sanar dúvidas que possam surgir depois da aplicação das oficinas. PALAVRAS-CHAVE: Educação sexual. Adolescência. Ensino. RESUMO: A precocidade da vida sexual durante a adolescência traz muitas consequências que podem até prejudicar no projeto de vida das pessoas, como adquirir alguma infecção sexualmente transmissível e/ou enfrentar uma gravidez precoce. Por conta disso, é perceptível a importância da educação sexual durante a adolescência. O presente subprojeto, com participação de acadêmicas do curso de Licenciatura em Ciências Biológicas e da professora orientadora, tem como intuito trabalhar assuntos diversos dentro do tema Educação Sexual, para conscientizar os adolescentes do ensino médio na busca de um entendimento melhor sobre o funcionamento do corpo humano, além de esclarecer mitos e verdades sobre os assuntos relacionados a vida sexual segura e sadia e sanar possíveis dúvidas dos alunos. O projeto conta com a execução de oficinas que abordam os seguintes assuntos: infecções sexualmente transmissíveis, ciclo menstrual e métodos contraceptivos, que são previstos para serem realizadas em três momentos de atividades bastante dinâmicas; além disso, em decorrência da pandemia, atualmente possui uma página no instagram onde são divulgados ABSTRACT: The precocity of sexual life during adolescence has many consequences that can even harm people's life projects, such as acquiring a sexually transmitted infection and/or facing an early pregnancy. Because of this, the importance of sex education during adolescence is noticeable. The present subproject, with the participation of academics from the Degree in Biological Sciences and the guiding teacher, aims to work on various subjects within the theme of Sexual Education, to raise the awareness of high school adolescents in the search for a better understanding of the functioning of the body. human being, in addition to clarifying myths and truths about issues related to safe and healthy sex life and solving possible doubts of the students. The project counts with the execution of workshops that address the following subjects: sexually transmitted infections, menstrual cycle and contraceptive methods, which are planned to be carried out in three moments of very dynamic activities; in addition, as a result of the pandemic, it currently has a page on instagram where materials on Sexual Education are published, which are prepared by the project's members. The instagram page allows students to stay on top of the subject and solve doubts that may arise after the application of the workshops. Dimensões estéticas, cognitivas e tecnológicas de comunicação Capítulo 16 216 KEYWORDS: Sex education. Adolescence. Teaching. NOME DO PROGRAMA OU PROJETO Laboratório de Recursos Didáticos em Ciências Morfológicas, subprojeto Saiba Mais UEPG. PÚBLICO-ALVO Adolescentes do Ensino Médio do ensino básico e público em geral. MUNICÍPIOS ATINGIDOS Ponta Grossa, Paraná, com abertura para o público em geral pela divulgação em redes sociais. LOCAL DE EXECUÇÃO Ponta Grossa, Paraná, com divulgação nas redes sociais, ampliando grandemente o alcance das informações e das interações com o público. JUSTIFICATIVA Segundo o Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos (MNDH), o Brasil possui altos índices de gravidez na adolescência, estando 50% acima da média mundial. Ou seja, a cada mil meninas, 46 se tornam mães adolescentes e 75% delas têm uma gravidez indesejada e inesperada, e acabam abandonando a escola o que “aumenta a mortalidade infantil, gera pobreza e se torna um ciclo vicioso que precisa, de alguma maneira, ser abordado” (BRASIL, 2020.). São considerados “Adolescentes”, pela Organização Mundial da Saúde (OMS), os indivíduos com idades entre 15 e 18 anos. Este período, segundo Silva e Surita (2012), é muito especial para a construção e inserção social do indivíduo que pode ser entendido como um momento de vulnerabilidade. O Ministério da Saúde (2020) mostra que o Brasil, além de possuir um índice alto de gravidez entre as jovens, possui comportamentos considerados de risco que vem aumentando entre os jovens quando trata-se do combate às IST ‘s. Portanto, a educação sexual possui abordagem indispensável principalmente no ambiente escolar, devido a diversos fatores que incluem a busca por uma vida saudável e um futuro consciente dos indivíduos, além de ser um direito de todos, principalmente dos jovens e adolescentes em idade escolar (MAMPRIN,2009). Ainda, segundo FURLANI Dimensões estéticas, cognitivas e tecnológicas de comunicação Capítulo 16 217 (2011) os assuntos relacionados à educação sexual são extremamente necessários para a formação do/a jovem, mas não apenas deste, pois, a sexualidade é construída ao longo da vida e durante todas as suas fases. Como nem sempre a família e a escola suprem isoladamente toda a necessidade de informações, torna-se necessária a criação de projetos como o Saiba Mais UEPG (Saiba +), que prevê eventos/oficinas para aplicações em colégios e postagens, que possibilitam e facilitam a conscientização da população focando nos temas relacionados à prevenção das Infecções Sexualmente Transmissíveis (IST’s) e da Gravidez precoce. OBJETIVOS Descrever nosso subprojeto extensionista, produtor de eventos/oficinas remotos/ as para aplicação em Escolas e Colégios Estaduais, e postagens curtas e informativas, disponibilizadas na rede social Instagram, responsável por auxiliar, informar e conscientizar o público em geral, dentro do tema geral “Educação Sexual”. METODOLOGIA O subprojeto Saiba +, trabalha o tema Educação sexual e possui como público alvo principal os adolescentes, mas tendo abrangência maior e disponibilidade para o público geral. Inicialmente previsto para a aplicação nas escolas, para atingir seus objetivos, conta com previsão de trabalho com três oficinas que abordam os seguintes temas: gravidez na adolescência, prevenção da mesma e de IST ‘s como também, assuntos a respeito de higiene pessoal. Com a pandemia da Covid-19, esta previsão de aplicação presencial das atividades foi modificada e atualmente o subprojeto também conta uma página educativa na rede social Instagram, onde são postados materiais sobre o tema educação sexual; os “posts” são montados pelos integrantes do projeto e corrigidos pela orientadora antes de serem publicados. Há previsão de, ao retorno ao modo presencial de ensino, de mantermos as postagens na rede social para que, após a aplicação das oficinas nas escolas, seus alunos possam explorar, de forma continuada, os assuntos trabalhados. RESULTADOS 1) Descrição das oficinas, elaboradas para a aplicação presencial nas escolas: A primeira oficina é destinada à montagem de um personagem, baseado nas coisas que eles querem para eles. O personagem precisa ter nome, curso que pretende fazer caso queira fazer faculdade, trabalho dos sonhos e o que gosta de fazer para passar o tempo. Além disso, neste mesmo momento ocorrerá a leitura de algumas histórias baseadas em situações que podem acontecer na adolescência, envolvendo o tema sexualidade; cada história possui as suas alternativas que correspondem aos “atos” que os adolescentes Dimensões estéticas, cognitivas e tecnológicas de comunicação Capítulo 16 218 podem ter diante de uma dada situação. A alternativa escolhida pelos/as alunos/as corresponderá ao destino do personagem montado por eles/as. Em paralelo, será aplicada a dinâmica “cuidando do seu ninho”, pela qual os/as alunos/as irão montar o seu “ovo virtual” selecionando as características disponibilizadas no aplicativo google form. Este “ovo virtual” corresponderá a um indivíduo dependente (como um bebê, por exemplo) e que necessitará de cuidados todos os dias, durante uma semana; neste percurso, os/as alunos/ as precisam dar um “feedback” de como o seu “ovo virtual” está e o objetivo desta dinâmica consistirá na vivência da vida adulta pelo/a aluno/a, simulando a responsabilidade de uma gravidez nessa fase da vida. Na segunda oficina, está prevista a realização da dinâmica do “mito ou verdade”; neste momento apresenta-se algumas perguntas sobre as ISTs e sobre métodos contraceptivos e os/as alunos/as são convidados a responderem com base no que sabem se aquela afirmação é verdadeira ou é um mito; a cada rodada de perguntas e respostas, os/as aplicadores/às irão esclarecer o tema constante na pergunta realizada. Na terceira oficina serão respondidas as perguntas feitas na “caixa de perguntas” que terá sido disponibilizada anteriormente na escola; além disso, será finalizada a dinâmica “cuidando do seu ninho” feita na primeira oficina para explicar aos/as alunos/as o propósito da mesma. Também será disponibilizado um formulário para possíveis críticas, elogios ou sugestões em relação a atividade realizada, para que os/as acadêmicos/as recebam um retorno daquilo que foi trabalhado. 2) Adaptação dos trabalhos em tempos de Pandemia da Covid-19: Devido a pandemia, os trabalhos presenciais foram limitados em virtude da paralisação das escolas, não sendo possível aplicar as temáticas no formato das oficinas acima descritas. Por conta disso, os extensionistas buscaram adaptar a metodologia das oficinas para serem aplicadas de forma remota. Porém, mesmo que adaptadas neste período, o projeto ainda não foi aplicado em nenhuma escola; sabendo das dificuldades atuais que as escolas estão passando, com um retorno gradual de alunos, tendo alguns alunos na escola e outros ainda no ensino remoto, acaba dificultando ainda mais a aplicação das oficinas para as turmas do ensino médio. Considerando que atualmente muitas coisas acontecem de forma virtual, foi montado uma página na rede social Instagram para a divulgação dos temas abordados pelo subprojeto, envolvendo exposição de materiais sobre Educação Sexual, como informações sobre as ISTs, diferenças entre IST e DST, além de apresentações sobre métodos contraceptivos e sobre o ciclo menstrual. Considerando que nos dias de hoje, muitos adolescentes recorrem às redes sociais em busca de informações, entendemos que este é um grande meio para darmos continuidade ao nosso subprojeto e seguirmos informando e conscientizando os alunos sobre temas tão importantes para a sua vida prática. Dimensões estéticas, cognitivas e tecnológicas de comunicação Capítulo 16 219 CONSIDERAÇÕES FINAIS O presente subprojeto permite aos acadêmicos uma experiência enriquecedora, com uma transmissão dos seus conhecimentos para a comunidade e atendendo uma importante demanda social que envolve a conscientização e discussão sobre a prevenção à gravidez precoce e indesejada e as IST ‘s. Possibilita também o uso de novas metodologias e tecnologias para o ensino, que contribuem com a busca e descoberta de formas mais abrangentes de ensinar e transmitir informações corretas capazes de conscientizar os indivíduos envolvidos. Entende-se que a educação sexual possui grande relevância e necessita ser tratada como necessária para a vida e a saúde não apenas dos adolescentes, mas de todos. A necessidade da adaptação surgiu devido a pandemia causada pelo Covid-19, que impossibilitou o trabalho e as atividades presenciais nas escolas; para adequar-se a essa realidade, tornou-se necessário a construção de materiais online, para viabilizar a conscientização e discussão acerca desse tema essencial. Neste momento há um intenso movimento do grupo envolvido no subprojeto no sentido de divulgar nosso material, sobretudo aos professores das escolas, de modo que os mesmos apreciem os materiais postados e considerem indicar aos seus alunos como forma de consulta e interação com a equipe da Universidade. Tal interação ainda é tímida, mas as postagens continuam sendo realizadas de modo constante e estão disponíveis para a exploração de todos. APOIO Fundação Araucária. REFERÊNCIAS BRASIL. Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos.Campanha visa reduzir altos índices de gravidez precoce no Brasil. Publicado: 03/02/2020. Disponível em:<https://shortest. link/150r>. Acesso em: 12 set. 2021. BRASIL. Ministério da Saúde. Comportamento de risco eleva infecções sexualmente transmissíveis no Brasil. Publicado: 08/02/2020. Disponível em: <https://shortest.link/18dI>. Acesso em 12 set. 2021. MAMPRIN, A,M,P.A Importância da Educação Sexual na Escola para a Prevenção de Conflitos Gerados por questões de Gênero. LONDRINA, 2009. Disponível em: <https://shortest.link/18dM>. Acesso em: 12 set. 2021. SILVA, J. L. P.; SURITA, F. G. C. Gravidez na adolescência: situação atual. Rev. Bras. Ginecol. Obstet., Rio de Janeiro, v. 34, n. 8, p. 347-350, ago. 2012. Dimensões estéticas, cognitivas e tecnológicas de comunicação Capítulo 16 220 CAPÍTULO 17 LIDERANÇA E COMUNICAÇÃO: HABILIDADES QUE TRANSFORMAM PESSOAS EM EQUIPES Data de aceite: 01/05/2022 Data de submissão: 07/03/2022 Raiane Feliciano da Silva Bacharela em Ciências Contábeis pela Unigranrio. Especialista em Controladoria e Finanças pela Mackenzie Rio. Especialista em Departamento Fiscal pela Trevisan. Mestranda em Negócios Internacionais pela Must University. São João de Meriti, Rio de Janeiro. http://lattes.cnpq.br/0424808977365834. RESUMO: Este paper é um estudo sobre a liderança e como essa relacionada com a comunicação são habilidades indispensáveis na gestão de equipes. Liderar é influenciar e integrar pessoas com propósito comum, no âmbito corporativo alcançar os objetivos da empresa dentro das diretrizes dessa. E a comunicação efetiva é basilar para que um líder possa desempenhar o seu papel seja motivando sua equipe, seja solucionando conflitos, ou apenas conhecendo os seus liderados para melhor engajá-los dentro dos seus planos de carreira e seus papéis dentro da companhia. O papel de um líder não difere muito quando se trata de uma equipe virtual, pois equipes virtuais têm as mesmas obrigações que uma equipe presencial. Associado ao autoconhecimento, a comunicação é também fundamental em networking e inteligência emocional, que são peças-chaves Dimensões estéticas, cognitivas e tecnológicas de comunicação não somente para líderes, mas também no desenvolvimento profissional de liderados e até mesmo identificação de oportunidades de negócios. A habilidade de comunicação feminina vem mostrando resultados positivos em postos de liderança. PALAVRAS-CHAVE: Liderança. Equipe. Tecnologias. Comunicação. Liderança Feminina. LEADERSHIP AND COMMUNICATION: SKILLS THAT TURN PEOPLE INTO TEAMS ABSTRACT: This paper is a study of leadership and how it is related to communication and essential skills in managing teams. To lead is to influence and integrate people with a common purpose, in the corporate sphere, to achieve the company’s objectives within its guidelines. And effective communication is essential for a leader to play his role, whether motivating his team, resolving conflicts, or just getting to know his followers to better engage them within their career plans and their roles within the company. The role of a leader is not much different when it comes to a virtual team, as virtual teams have the same obligations as a face-to-face team. Associated with self-knowledge, communication is also fundamental in networking and emotional intelligence, which are key not only for leaders, but also in the professional development of those they lead and even in identifying business opportunities. Women’s communication skills have shown positive results in leadership positions. KEYWORDS: Leadership. Team. Technologies. Communication. Female Leadership. Capítulo 17 221 1 | INTRODUÇÃO Entende-se que os cenários econômicos, políticos e tecnológicos influenciam a liderança, bem como os objetivos da organização, e a personalidade das pessoas que compõem as equipes de trabalho. O desenvolvimento deste estudo apresenta inicialmente conceituação de liderança e o papel do líder na gestão de pessoas. Na segunda seção é destacada a importância da comunicação nas relações de trabalho e especialmente a comunicação líder-liderado. Verifica-se na terceira seção a liderança de equipes virtuais e na quarta seção o destaque é dado à liderança feminina. Para a elaboração deste paper foi realizada uma pesquisa bibliográfica, com revisão de conteúdo disponível em artigos e livros, numa abordagem qualitativa, com o objetivo de descrever como liderança e comunicação são habilidades complementares na gestão de equipes presenciais e virtuais, bem como o desempenho feminino em posições de liderança. 2 | DESENVOLVIMENTO 2.1 Liderança: gestão de pessoas A liderança é um termo presente em diversas áreas da vida humana. O papel de líder existe em família, em sala de aula, em equipes de trabalho e até mesmo em algumas atividades de entretenimento. Nesta seção apresenta-se alguns conceitos para o melhor entendimento da liderança e do papel do líder. Para Soares (2021), liderança é uma arte, na qual uma pessoa conduz outras pessoas e influencia comportamentos e atitudes dessas. Semelhantemente, Escorsin e Walger (2017), entendem que a liderança está relacionada com a habilidade de influenciar pessoas em busca de propósitos comuns, sendo, portanto, um acontecimento grupal. A liderança formal é aquela imposta pelo cargo ocupado, enquanto a liderança informal é a reconhecida pelos liderados independentemente da posição hierárquica do líder. Ao longo das décadas algumas teorias tiveram destaque no intuito de explicar a liderança, em especial no âmbito corporativo, como a teoria dos traços e a teoria das contingências. De acordo Escorsin e Walger (2017), segundo a teoria dos traços, a liderança seria uma habilidade nata que não poderia ser aprendida ou desenvolvida, relacionada inclusive com traços físicos. Contudo, os autores afirmam que o entendimento de que um líder nasce líder perdeu força e passou-se a acreditar que um líder poderia ser desenvolvido, isto é, que a liderança é uma habilidade que pode ser aprendida por meio de treinamentos que estimulem comportamentos específicos. A teoria das contingências, segundo Escorsin e Walger (2017), nas últimas Dimensões estéticas, cognitivas e tecnológicas de comunicação Capítulo 17 222 décadas, tem ganhado espaço nos estudos sobre liderança e emergiu do reconhecimento de que o sucesso da liderança vai muito além de características de personalidade e de comportamentos. No universo corporativo, há diversos casos de líderes que teriam sido eficazes até dada época, porém não se harmonizaram às mudanças ditadas pelo mundo deixando de ser eficazes. Tal evidência levou a expansão da visão de que a liderança seria relativa e a eficácia de um líder pode ser influenciada por diversas variáveis. Essa última teoria citada permite introduzir tópicos que serão tratados em outras seções deste estudo como mudanças impostas por avanços tecnológicos e liderança feminina. Para Soares (2021), o líder é capaz de conduzir pessoas, dando foco, direção e metas. O líder de verdade atrai seguidores, sem precisar dar ordens, mas fazendo com que seus liderados queiram colaborar com ele, permanecendo na equipe com comprometimento. A liderança no lar, no âmbito religioso, no esporte ou no negócio, nada mais é que gerenciar pessoas. Conforme explica Soares (2021), as empresas são formadas por pessoas, com emoções e motivações particulares, expostas a influência do ambiente que afeta a performance no trabalho, os relacionamentos e a cooperação com os líderes. Para Soares (2015), a equipe é composta por um grupo de pessoas que se unem para alcançar um propósito comum, isto é, esse grupo possui habilidades diferentes e complementares e em conjunto conseguem atingir os propósitos da empresa. Toda empresa é composta por departamentos, compostos por equipes, compostas por pessoas. Não há negócio sem pessoas. O sucesso de um negócio é diretamente vinculado às pessoas. Os resultados de uma corporação estão ligados às competências dos líderes, dos liderados e das diversas equipes que esses formam e integram. Todavia, a sinergia de estratégias empresariais e a excelência do perfil de competências desses colaboradores não acontecem espontaneamente; necessitam ser criadas, desenvolvidas e mantidas através de liderança com ações efetivas de gestão de pessoas, de acordo com Escorsin e Walger (2017). Para Escorsin e Walger (2017), a liderança é a ação que um indivíduo exerce influenciando as demais pessoas de uma equipe, em situações específicas, para que determinado objetivo seja atingido. Logo, existe o líder (influenciador), os liderados (influenciados) e a ação (influenciar). Segundo Soares (2015), o propósito de um líder no desenvolvimento de equipes seria promover a integração, a adequada comunicação, entre as pessoas motivando-as e incentivando comportamentos que as mantenha engajadas para que com transparência, respeito e eficiência, atinjam um objetivo comum dentro das diretrizes do negócio. Segundo Escorsin e Walger (2017), os líderes desempenham papel essencial nos processos de desenvolvimento de equipes, além de impactarem diretamente a gestão de pessoas. Para isso, a comunicação efetiva é uma ferramenta basilar indispensável que está Dimensões estéticas, cognitivas e tecnológicas de comunicação Capítulo 17 223 apresentada neste estudo como o ponto central da próxima seção. 2.2 Comunicação como ferramenta para integrar pessoas Compreender as pessoas, suas motivações e desejos fazem parte do desenvolvimento da liderança. Os líderes se comunicam com suas equipes sob diversas perspectivas: direcionando, avaliando, conhecendo, integrando, etc. Para Kyrillos e Sardenberg (2019), à medida que as pessoas passam a notar o que a empresa busca, o que ela tem como propósito, elas podem colaborar cada vez melhor. Segundo Kyrillos e Sardenberg (2019), uma ampla pesquisa identificou as cinco habilidades mais valorizadas entre líderes e liderados destacando a comunicação como a mais citada, e as outras quatro eram relacionadas à comunicação, que foram: solução de problemas, atenção a detalhes, conhecimento de tecnologias e flexibilidade. Para Soares (2015), a confiança acontece conforme os membros de uma equipe percebem transparência e honestidade na relação membro-membro e membro-líder. Confiança é construída com comunicação efetiva pautada em honestidade, ética e respeito. De acordo com Escorsin e Walger (2017), o líder deveria identificar os colaboradores que precisam ter suas remunerações corrigidas por motivo de melhora na performance e alcance de resultados. Entre muitos outros aspectos, o bom desempenho do líder nesse papel auxilia na construção e manutenção da confiança líder-liderados. A comunicação efetiva, quando há fala assertiva e escuta ativa, torna-se ainda mais crucial em situações de conflito. Salienta-se que a solução de problemas, ou conflitos, foi uma das cinco habilidades destacadas na pesquisa citada nesta seção. O líder precisa remodelar a gestão de conflitos que possui, e a cultura empresarial da corporação e priorizar as pessoas como colaboradores, com o objetivo de ampliar a percepção de equipe. Enquanto a pessoa que age como chefe impõe e exige resultados, geralmente pressionando, assediando e desencorajando os seus liderados a expor sua capacidade, segundo Soares (2021). Segundo Soares (2021), a escolha inadequada de um líder pode levar bons colaboradores a deixarem seus empregos e a perda de talentos prejudica a lucratividade, produtividade e o histórico da companhia. Por vezes, a pessoa escolhida para a posição de liderança não tem vocação e/ou treinamentos essenciais para o desempenho esperado em tal posto. Para Kyrillos e Sardenberg (2019), facilitar que as pessoas interajam bem em situação de conflito seria o papel de uma comunicação não violenta. O preparo para tais situações é fundamental para que o líder possa se manter tranquilo e compassivo melhor observando os envolvidos no conflito para assim comunicar-se de modo resolutivo. Soares (2021), sugere que todas as organizações podem desenvolver a capacidade de transformar conflitos em possibilidades através de sua integração, pois quando o líder mantém a equipe unida, engajada, procura-se resolver suas diferenças havendo Dimensões estéticas, cognitivas e tecnológicas de comunicação Capítulo 17 224 transformações para que se atinja o objetivo comum. De acordo com Kyrillos e Sardenberg (2019), pessoas felizes, sem conflitos ou com conflitos bem solucionados, atingem melhores resultados. E manter colaboradores engajados e felizes é atribuição dos líderes. Segundo Kyrillos e Sardenberg (2019) uma pessoa muito transparente, dependendo de como está se sentindo, qual tipo de emoção, poderá ter problemas no ambiente de trabalho. E a importância da comunicação efetiva reaparece quando se estuda sobre a inteligência emocional, pois manter a mente do momento presente com escuta ativa, possibilitará a fala assertiva não conduzida pelas emoções. Pesquisas mostram que de 10% a 30% do sucesso que as pessoas têm vem da inteligência racional, que é a medida pelo QI [quociente de inteligência]. E o restante, cerca de 85%, depende da inteligência emocional. Não adianta termos grandes ideias, lidarmos com descobertas interessantes, se tivermos dificuldade de expressar essas coisas. (Kyrillos e Sardenberg, 2019, p. 80). O autoconhecimento é essencial para saber identificar as emoções e entender a melhor maneira de reagir, como comunicar de forma efetiva, nas mais diversas situações possíveis. Para Kyrillos e Sardenberg (2019) o maior objetivo da comunicação seria propiciar uma ideal interação, um adequado contato entre as pessoas. Criar e manter uma boa rede de contatos é importante nas diversas áreas da vida humana, e não é diferente na vida profissional, seja no desenvolvimento de carreira ou no desenvolvimento de negócios. Há mais oportunidades de negócios e de trabalho quando existe uma extensa rede de contatos. O networking aprofunda conhecimento dos temas do cotidiano, gera capacidade de inovação, de desenvolver mais rapidamente, atingir melhores status, com autoridade, qualidade e satisfação, segundo Kyrillos e Sardenberg (2019). Uma rede de contatos, network, deveria ser percebida como parte impulsionadora do desenvolvimento de carreira, não como uma obrigação profissional. A capacidade de adaptação, flexibilidade, também presente na comunicação, ou no meio de comunicação trazido com o advento da tecnologia. O líder dever conhecer as tecnologias que possibilitam por exemplo videoconferências e usá-las para otimizar recursos e melhor desenvolver a comunicação com sua equipe. A videoconferência é uma forma de comunicação que traz inúmeras vantagens. Por ser um processo encurtador de distâncias, favorece a comunicação de pessoas em lugares distintos, minimizando custos de viagens e representando grande economia de tempo. Além de tudo, permite a comunicação em tempo real! E olha só: uma pesquisa global realizada pela Redshift Research mostra que para a maioria das pessoas (56%), o vídeo é o canal de comunicação preferido para os negócios, superando o e-mail (49%) e as conferências por áudio (32%). Tomadores de decisão de 12 países reconhecem que a videoconferência remove as barreiras da distância e melhora a produtividade entre as equipes em diferentes cidades e países, para cerca de 98%! Ou seja: com certeza vale à pena nos prepararmos para sairmos bem nessa modalidaDimensões estéticas, cognitivas e tecnológicas de comunicação Capítulo 17 225 de tão promissora. (Kyrillos e Sardenberg, 2019, p. 157). Embora o conhecimento de tecnologias e uso dessas esteja entre as habilidades relacionadas à comunicação, a relação da liderança com tecnologias tem breve destaque na seção seguinte. 2.3 Liderança de equipes virtuais As inovações tecnológicas deveriam fazer parte de todas as áreas de uma organização empresarial. Nesta seção, este estudo mostra o papel do líder em equipes virtuais. Segundo Leme (2020), no contexto do ambiente organizacional com constantes mudanças e adaptações seria fundamental que as pessoas em cargos executivos sejam líderes aptos para liderar suas equipes, exercendo influência e inspiração para que seus liderados se percebam capazes de se adequar a quaisquer mudanças. Cresce cada vez mais a quantidade de equipes virtuais com os avanços tecnológicos e o papel do líder é fundamental assim como em modelos de negócios presenciais, também conhecidos como tradicionais. Tal crescimento teve aumento exponencial com a pandemia do novo coronavírus1 reconhecida pela Organização Mundial de Saúde em março de 2020. Segundo Soares (2015), a equipe virtual não opera na presença dos membros, ela é reunida com recursos de tecnologia. Os membros de equipes virtuais podem residir em cidades, países ou até continentes diferentes, e estarem em contato com uso de ferramentas de comunicação como videochamadas ou correio eletrônico, possibilitando o trabalho em equipe de pessoas que, de outro modo, nunca poderiam colaborar umas com as outras. As equipes virtuais fazem tudo o que as outras equipes fazem, como compartilhar informações, tomar decisões e realizar tarefas, segundo Soares (2015). Tais equipes têm como uma de suas vantagens a possibilidade de unir membros da empresa ou de empresas diferentes, além de clientes e fornecedores sem gastos com logística. Compete ao líder manter-se adequadamente instruído para melhor atender às necessidades do negócio e de seus liderados, seja presencialmente ou virtualmente. O líder enfrenta muitas barreiras em seu papel de integrar pessoas para alcançar objetivos comuns e tais barreiras são mais altas, mais difíceis de ultrapassar, quando o líder é do sexo feminino, como é apresentado na seção seguinte. 2.4 Liderança feminina A longa luta feminina por equidade é reconhecida mundialmente e ainda há muito a discutir e corrigir para que essa almejada equidade seja realidade, inclusive no âmbito corporativo. Para Soares (2015), as companhias funcionam buscando ter cada vez eficiência 1 Em 11 de março de 2020, a COVID-19 foi caracterizada pela OMS como uma pandemia. O termo “pandemia” se refere à distribuição geográfica de uma doença e não à sua gravidade. A designação reconhece que, no momento, existem surtos de COVID-19 em vários países e regiões do mundo. Dimensões estéticas, cognitivas e tecnológicas de comunicação Capítulo 17 226 e eficácia, e elegem as equipes para chegar ao patamar de excelência determinado e desenvolver o talento e o desempenho dos colaboradores. Contudo, percebe-se a diferenciação de gênero de maneira prejudicial às mulheres na avaliação de performance. Segundo Kyrillos e Sardenberg (2019), uma pesquisa mostrou que quando há um homem e uma mulher com as mesmas atitudes na mesma posição hierárquica o homem é visto como assertivo e bom líder, enquanto a mulher é vista como exigente demais e exagerada. Quando uma mulher está numa posição de liderança é mais cobrada do que um homem seria. Os autores elucidam ainda sobre a diferença salarial entre homens e mulheres que é ainda maior para mulheres com maiores graus de instrução. Segundo Ferreira (2020), as mulheres tiveram, por longo tempo, imposto a elas o papel de dona de casa e mãe, entretanto os homens também passaram a cuidar do lar e dos filhos e as mulheres puderam avançar, afastando-se cada vez mais do papel de submissas e lideradas. Leme (2020) destaca a relevância do autoconhecimento e autodesenvolvimento para o desenvolvimento da liderança feminina. Apresenta também entre as barreiras à liderança da mulher a cultura corporativa de invadir a vida pessoal das mulheres entrevistadas em sua pesquisa, estereótipo de valorização de características vistas como masculinas. Segundo Kyrillos e Sardenberg (2019), em geral, as mulheres resolutas, convictas, são percebidas de maneira negativa, qualificadas como autoritárias, arrogante ou pior. Contudo, quando um homem age igualmente, ele é reconhecido de modo positivo como seguro e sábio. De acordo com Ferreira (2020), líderes, quando são mulheres, têm um método de gerenciamento de conflitos mais colaborativo, são resolutas enquanto assumem aspectos de autoridade, têm preferência pelo engajamento junto com o liderado, e não se acomodam e esquivam. Entende-se, portanto, que, embora ainda haja uma longa jornada na luta por equidade de gênero, mulheres já conseguiram mostrar sua habilidade e bom desempenho em posições de liderança. CONSIDERAÇÕES FINAIS Liderança é um tema extenso com diversas teorias, abordado neste paper de maneira sucinta com objetivo de conceituar e destacar pontos como a gestão de pessoas, a comunicação, a adequação aos avanços tecnológicos e a liderança feminina. O estudo mostrou que o desenvolvimento de equipes é um dos grandes desafios de um líder que deve fazer uso da comunicação efetiva para melhor conhecer sua equipe, mantendo-a integrada, engajada e solucionando conflitos. A comunicação destaca-se também no desenvolvimento e manutenção de networking e inteligência emocional. Verificou-se, ainda, que o líder deve ser adaptável e fazer uso de tecnologias que Dimensões estéticas, cognitivas e tecnológicas de comunicação Capítulo 17 227 beneficiem sua equipe no processo de perseguir os objetivos dos negócios. Este paper apresentou também que mulheres têm alcançado excelentes resultados em posições de liderança apesar de todas as barreiras adicionais enfrentadas. Um estudo mais aprofundado poderia mostrar traços da comunicação feminina na liderança de equipes virtuais com diferentes culturas. REFERÊNCIAS Escorsin, A. P.; Walger, C. (2017). Liderança e Desenvolvimento de Equipes. [e-book] Curitiba: InterSaberes. Disponível em: https://plataforma.bvirtual.com.br/Leitor/Publicacao/49425/epub/0 Acessado em 03 de outubro de 2021. Ferreira, K. R. (2020). Liderança Feminina e Gestão de Equipes: Mulheres Líderes de Equipes e seus Estilos de Gestão de Conflitos. Disponível em: http://www.ucs.br/etc/conferencias/index.php/ mostraucsppga/xxmostrappga/paper/viewFile/6810/2114 Acessado em: 26 de setembro de 2021. Kyrillos, L.; Sardenberg, C. A. (2019). Liderança e Desenvolvimento de Equipes. [e-book] São Paulo: Contexto. Disponível em: https://plataforma.bvirtual.com.br/Leitor/Publicacao/173126/pdf/0 Acessado em 02 de outubro de 2021. Leme, V. C. O. (2020). Liderança Feminina nas Organizações: Contribuições da Gestão de Projetos. Disponível em: http://repositorio.uninove.br/xmlui/handle/123456789/1400 Acessado em: 26 de setembro de 2021. OPAS – Organização Pan-Americana de Saúde (n.d.). Histórico da pandemia de COVID-19. Disponível em: https://www.paho.org/pt/covid19/historico-da-pandemia-covid-19 Acessado em 09 de outubro de 2021. Soares, M. S. (2021). O Papel da Liderança Situacional e sua Influência na Gestão de Dilemas, Estratégias e Possibilidades nas Organizações. São Paulo: RCMOS - Revista Científica Multidisciplinar O Saber. Disponível em: https://revistacientificaosaber.com.br/ojs/envieseuartigo/index.php/rcmos/ article/view/142/ Acessado em 02 de outubro de 2021. Soares, M. T. R. C. (2015). Liderança e Desenvolvimento de Equipes. [e-book] São Paulo: Pearson Education do Brasil. Disponível em https://plataforma.bvirtual.com.br/Leitor/Publicacao/22161/pdf/0 Acessado em 08 de outubro de 2021. Dimensões estéticas, cognitivas e tecnológicas de comunicação Capítulo 17 228 CAPÍTULO 18 O EFEITO VINGADORES Data de aceite: 01/05/2022 Carolina Guerra Monteiro Universidade Federal do Amazonas, Ufam AM on their behalf. This material was based on the book “The Culture of Convergence” author Henry Jenkins. KEYWORDS: Marvel Studios, Consumers, Cultural of Convergence. Mirna Feitosa Pereira Universidade Federal do Amazonas, Ufam AM INTRODUÇÃO É possível que a indústria do cinema se utilize de técnicas sofisticadas de comunicação RESUMO: Este artigo analisa se há Cultura da Convergência nas estratégias de consumo e publicidade utilizadas pela Marvel Studios para promover o seu mais recente filme, “Vingadores: O Ultimato”. Como atualmente o bombardeio diário e imediato de informações foi naturalizado, quase não se nota as técnicas de propagação de conteúdo utilizadas pelas marcas. Elas convencem, envolvem, manipulam, inclusive, instigam o consumidor a produzir conteúdo em prol delas. Este material foi fundamentado a partir do livro “A Cultura da convergência” do autor Henry Jenkins. PALAVRAS-CHAVE: Marvel Studios, Consumidores, Cultura da convergência. ABSTRACT: This article looks at Convergence Culture in the consumer and advertising strategies used by Marvel Studios to promote their latest movie, “Avengers: The Endgame.” As today’s daily and immediate bombardment of information has been naturalized, the techniques of content propagation used by brands are barely noticeable. They convince, engage, manipulate, even instigate the consumer to produce content Dimensões estéticas, cognitivas e tecnológicas de comunicação para promover seus produtos. As grandes corporações, como a Marvel Studios, fazem lançamentos mundiais, numa disputa por posições no “ranking da arrecadação”. Em duas semanas de lançamento, o filme foco deste artigo, “Vingadores: O ultimato”, atingiu a segunda maior bilheteria da história do cinema. Uma das hipóteses para este sucesso pode ser o uso da cultura da convergência conforme Henry Jenkins proclama em seu livro “A Cultura da convergência”. O uso da economia afetiva, do capital emocional, criação de consumidores inspiradores, a construção de um marketing viral e principalmente de narrativas transmídias, todos conceitos apresentados pelo autor e observados neste estudo comparativo. A ideia de interligar universos no cinema nunca havia sido explorada de forma tão intensa quanto a utilizada pela Marvel Studios. Essa nova logica de produção, em que os conteúdos são independentes mas se complementam, tem o potencial de proporcionar uma experiência Capítulo 18 229 particular para quem consome a obra. Tal estratégia vem se mostrando como o novo panorama da indústria cultural e mostra como esta pode se sofisticar, adequando-se as regras do mercado. Para fazer esta interligação, os produtores do estúdio apostam nas chamadas cenas pós-créditos, que são cenas curtas exibidas após os crédito finais dos filmes e que fazem referência a algo que está por vir no MCU, seja o próximo filme do estúdio ou um 4 personagem que vai aparecer futuramente. Essas cenas, juntamente com os easter eggs , que são as referências do conhecimento dos fãs que aparecem durante o filme, fazem a conexão entre uma história e outra. Para realizar o estudo, além da leitura do livro, verificou-se o comportamento dos fãs nas redes sociais e das marcas antes e após a estreia do filme. Vale ressaltar que as reações dos mesmos, no pré-lançamento e nos pós-lançamento de outros filmes da franquia também foram levadas em conta, por se tratar de um filme que se correlaciona com os outros do mesmo conglomerado. NARRATIVA TRANSMÍDIA: A CONSTRUÇÃO DO UNIVERSO MARVEL A cultura da convergência acontece quando as mídias atuais são participativas e interativas. Elas coexistem e estão em rota de colisão (JENKINS, 2008). As histórias em quadrinho e os filmes convergem entre si a fim de moldar o pacote total do entretenimento. Neste caso, o pacote é chamado de Vingadores, da Marvel Studios. Desde quando a franquia se chamava Tinely Comics, ela fazia com que histórias diferentes, criadas por autores diferentes interagissem entre si em uma espécie de crossover. Os produtos de entretenimento lançados pela Marvel Studios, uma iniciativa que se autodenominou de transmídia, ou melhor, narrativas transmídias, histórias que se desenrolam em múltiplas plataformas de mídia, cada uma delas contribuindo de forma distinta para a compreensão do universo (JENKINS, 2008) são bem trabalhadas no Universo Marvel até os dias de hoje em suas HQs, filmes e até séries, principalmente após o surgimento das várias equipes de super-heróis, como o Quarteto-Fantástico e os próprios Vingadores, possibilitaram uma melhor o desenvolvimento de uma nova mídia, além de permitir que o universo contido nela seja expandido. O último filme dos vingadores com a formação antiga, Homem de ferro, Thor, Hulk, Viúva Negra e Gavião Arqueiro, chamado de “Vingadores: O ultimato”, é o desfecho final, muito esperando pelos fãs, de uma sequência de várias histórias de heróis e o pontapé inicial de outras. Essa forma de construção da narrativa envolveu um público extremamente grande e diferenciado, não é atoa que o filme já é o mais visto do ano de 2019, segue na liderança da bilheteria nacional e ultrapassou Titanic, sendo a segunda maior de todos os tempos. Um detalhe interessante é que a Marvel, no final da maioria de seus filmes, coloca Dimensões estéticas, cognitivas e tecnológicas de comunicação Capítulo 18 230 cenas pós-créditos para gerar expectativa para o próximo filme. Além disso, as histórias em quadrinhos, que se comunicam com os filmes, fazem com que os seus fãs criem diversas teorias e discutam entre si possibilidades sobre o desfecho do filme de continuação. O envolvimento, conceito ilusório empregado pela indústria do entretenimento para falar sobre um relacionamento desejado com os consumidores (JENKINS, 2008) que a Marvel construiu através de suas narrativas transmídias criou milhares de consumidores inspiradores que foram essenciais para o desenvolvimento da franquia e inclusive, da divulgação do filme. Além dessa forma de envolvimento através de narrativas transmídias e cenas póscrédito, a Marvel faz com que os fãs criem expectativa através de teasers que possuem possíveis cenas do filme. A dúvida, a ansiedade, a expectativa, a aflição e a surpresa são sentimentos recorrentes que os fãs da Marvel lidam. A Marcel Comics Universe (MCU) explora as emoções do público, para evolvê-los e fazer com que eles interajam entre si. A sequência de cada filme traz seus enredos as consequências das histórias anteriores dos personagens principais. No entanto, isso não impede que cada um de funcione “por si só”. Por conta disso, o espectador pode ter uma imersão maior no universo ao assistir os filmes anteriores. Essas possibilidades diferentes de aproveitamento do conteúdo propiciam uma experiência particular para cada pessoa que assiste. O PODER DAS EMOÇÕES, VINGADORES: O ULTIMATO Imagem: divulgação. “Partes de um todo se dividem em vários segmentos, cada um independente dos demais, mas que juntos completam um universo único.”(Jenkins, 2009). Dimensões estéticas, cognitivas e tecnológicas de comunicação Capítulo 18 231 A partir do contexto de envolvimento, é notório que a Marvel usa e abusa da economia afetiva, novo discurso em marketing e pesquisa de marcas que enfatiza o envolvimento emocional dos consumidores com a marca como uma motivação fundamental em suas decisões de consumo (JENKINS, 2008) para fortalecer sua franquia tanto no mercado quanto no coração dos próprios consumidores. A experiência proporcionada pelo conjunto cultural complexo da Marvel é única e os fãs querem cada vez mais fazer com que outras pessoas a sintam. O capital emocional, criado a partir da economia afetiva, é um termo cunhado pelo presidente da Coca-Cola, Steven J. Heyer, para designar o modo como o investimento emocional dos consumidores em marcas e conteúdos de mídia intensifica o valor da marca (JENKINS, 2008) cresce a medida que a franquia explora o emocional do público, o que com o tempo está ocorrendo com mais frequência, pois está proporcionando grandes resultados a franquia. MCU é uma narrativa transmidiática por excelência. Em “Vingadores: O ultimato” a Marvel usa o emocional dos seus fãs desde antes do lançamento do filme, até seu último segundo. As cenas pós-crédito do filme que o antecede e as imagens que os atores postam nas redes sociais da gravação geram ansiedade e os teasers causam uma insaciável expectativa. E o filme, que começa de maneira visceral e depois cai em uma melancolia fazendo com que o espectador sinta as emoções que os personagens carregam; aos poucos a esperança vai sendo restaurada e depois retirada, até a chegada do final seu final impactante. Em suma, as emoções geram envolvimento que por sua vez gera consumo e interação, e tudo isso produz capital. A Marvel cria uma espécie de consumidor dependente. O consumo é algo que faz parte dos seres humanos desde os primórdios, pois, consumir é da natureza humana. “O consumo ou o ato de consumir é inerente à condição humana e indispensável à sua sobrevivência. Situa-se entre as necessidades mais remotas da vida humana” (BAUMAN, 2008). Mas principalmente quando se trata de narrativas complexas, a fidelidade do consumidor é dura de conquistar e difícil de se manter. Esta fidelidade é mantida de duas formas pela franquia, uma delas é o envolvimento, a outra é a partir dos próprios consumidores. No que se refere a sequência Vingadores e, principalmente, ao último filme lançado pela franquia, é indiscutível como os fãs foram essenciais para o sucesso do filme, devido a abrangência de visibilidade que eles trouxeram ao filme. A CULTURA E A PARTICIPAÇÃO DOS FÃS O sucesso de “Vingadores: O ultimato” está inteiramente ligado aos fãs. A Marvel, a partir de suas estratégias de envolvimento criou consumidores inspiradores, que segundo Kevin Roberts, são consumidores mais obstinados e comprometidos com a marca, os mais ativos em demonstrar publicamente suas preferencias, mas que também exercem pressão Dimensões estéticas, cognitivas e tecnológicas de comunicação Capítulo 18 232 na empresa produtora a assegurar a fidelidade a certos valores da marca (JENKINS, 2008). Eles fizeram e fazem uma espécie de marketing gratuito, ou nas palavras de Henry Jenkins, marketing viral, que são formas de promoção que dependem de os consumidores passarem adiante informações ou materiais para seus amigos e familiares (JENKINS, 2008). Estes criam páginas, contas, fã clubes, sites, canais no youtube, comentam, compartilham, compram produtos e uma infinidade de itens relacionados ao filme, aumentando consideravelmente a visibilidade dele e principalmente, da marca. A importância dos fãs para o êxito do recente filme está no capital investido e na expectativa que foi criada em torno do produto, fazendo com que até mesmo quem não acompanha a trama, assista e vá a procura de meios para se inteirar sobre ela. A pessoa se envolve, se torna fã e influencia outras pessoas a se tornarem fãs, gerando um ciclo. Os admiradores da marca não influenciam apenas pessoas com a sua empolgação e fidelidade, mas também lojas e marcas a criar produtos que o façam se sentir cada vez mais inserido no universo, e dessa forma, gerar capital. Sem eles, nada disso é possível. As vidas das pessoas envolvidas com o filme e a marca passam a girar em torno do consumo, e elas nem se questionaram o porquê. Portanto, nesse momento, pode-se observar como a indústria se apropriou da cultura, mais precisamente quando se trata do assunto em questão, como a cultura se tornou indústria. A relação de dominante e dominado é tão perspicaz, de maneira que o governado quer ser comandado. O modo de produção capitalista é baseado, de maneira resumida, na mais valia, acumulação de riquezas, e nas relações de produção. É o trabalho humano que produz todo o valor, toda a riqueza (GUARESCHI, 1984). Logo, a Marvel cria em seus fãs e produtores de conteúdo, a ideia de troca de valores, a partir de uma espécie de status que é imposta de forma implícita sobre eles, o que na verdade é um valor intangível. CONCLUSÃO A Marvel Studios promoveu e promove cultura da convergência a partir de seus filmes e quadrinhos. Logo, é possível afirmar que “Vingadores: O ultimato”, é um produto que não se inicia e nem se encerra nele mesmo, o conjunto de filmes e manifestações culturais inseridas nele atingem e agarram diversos tipos de pessoas para seu universo. A franquia transforma de uma maneira incrível e inteligente o entretenimento em cultura de massa, utilizando o capital emocional, e vende seus filmes em forma de produto pelas indústrias culturais. A propagada, feita a partir das mídias sociais, em grande parte pelos fãs fiéis da franquia, os consumidores inspiradores, massifica e aumenta as possibilidades de os usuários acharem que estão, de alguma forma, inseridos no meio. Transforma o produto em uma cultura padronizada, tudo só para lucrar. Por fim, a Marvel desfruta da Economia afetiva para promover suas narrativas transmídias, de modo que consegue aprisionar seu consumidor fiel, cria outros e Dimensões estéticas, cognitivas e tecnológicas de comunicação Capítulo 18 233 ainda desenvolve um universo paralelo de envolvimento e interatividade nos Meios de Comunicação de Massa. REFERÊNCIAS ADORNO, T. W. & HORKHEIMER, M. Dialética do Esclarecimento. Rio de Janeiro: Zahar, 1997. BRITO, Quise Gonçalves; GUSHIKEN, Yuji. Cultura Pop: Juventude, Consumo e Pós-Modernidade. In: XXXIV Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação. 2011. BAUMAN, Z. Vida para consumo: a transformação das pessoas em mercadorias. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2008. COSTA, Sarah Moralejo da. Supernatural: uma análise do público como personagem na construção da narrativa transmídia. In: XXXIV Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação. 2011. GUARESCHI, Pedrinho. Sociologia crítica: alternativas de mudança. Porto Alegre: Mundo Jovem, 1984. JENKINS, Henry. Cultura da convergência. São Paulo: Ed. Aleph, 2008. KOTLER, Philip; KARTAJAYA, Hermawan; SETIAWAN, Iwan. Marketing 4.0: do tradicional ao digital. Rio de Janeiro: Sextante, 2017. MARTINO, Luís Mauro Sá. Escola de Frankfurt. In: Teorias da Comunicação: ideias, conceitos e métodos. Petrópolis: Vozes, 2009. p. 46 - 62. Dimensões estéticas, cognitivas e tecnológicas de comunicação Capítulo 18 234 SOBRE O ORGANIZADOR MARCELO PEREIRA DA SILVA - Pós-Doutor em Comunicação. Professor em regime de dedicação integral à pesquisa do Mestrado Interdisciplinar em Linguagens, Mídia e Arte e do curso de Relações Públicas da PUC-Campinas. Dimensões estéticas, cognitivas e tecnológicas de comunicação Sobre o organizador 235 ÍNDICE REMISSIVO SÍMBOLOS @covidphotobrazil 37, 38, 39, 41, 42, 43 @everydaybrasil 37, 38, 43, 44 A Adolescência 215, 216, 217, 219 Argumentação 18, 142, 145, 146, 147, 148, 149, 151, 153 Arte engajada 181 B Brasil 2, 3, 5, 10, 11, 12, 16, 24, 25, 26, 27, 35, 37, 38, 40, 42, 43, 44, 58, 59, 69, 96, 104, 105, 106, 115, 116, 118, 119, 120, 121, 122, 125, 126, 128, 129, 130, 134, 198, 200, 201, 204, 205, 206, 207, 208, 209, 210, 213, 216, 219, 227 C Cidade 24, 27, 40, 42, 43, 46, 51, 52, 56, 92, 93, 99, 106, 107, 170, 187, 192 Cinema expandido 154, 158, 159 Comunicação 1, 2, 2, 3, 5, 6, 7, 8, 9, 10, 12, 13, 14, 15, 20, 21, 22, 23, 24, 25, 29, 37, 44, 46, 58, 59, 69, 71, 72, 73, 74, 75, 89, 94, 97, 101, 103, 106, 116, 118, 119, 128, 129, 130, 131, 132, 138, 141, 142, 143, 145, 147, 150, 151, 152, 153, 155, 156, 163, 166, 167, 181, 182, 183, 197, 198, 199, 201, 202, 203, 206, 207, 208, 211, 213, 220, 221, 222, 223, 224, 225, 226, 227, 228, 234 Comunicação científica 13, 15, 22, 23, 24 Concessionária 26, 29, 30 Convergências midiáticas 131 Covid-19 1, 27, 32, 35, 37, 38, 39, 40, 41, 42, 43, 44, 117, 154, 155, 163, 164, 166, 217, 218, 219, 225, 227 D Desigualdade social 37, 38, 39, 42 Diário de um confinado 154, 155, 163, 164, 165 E Educação sexual 215, 216, 217, 218, 219 Ensino 17, 21, 93, 101, 145, 200, 215, 216, 217, 218, 219 Epistemologia 52, 168, 169, 180 Dimensões estéticas, cognitivas e tecnológicas de comunicação Capítulo 18 236 Equipe 163, 219, 220, 222, 223, 224, 225, 226, 227 Espectatorialidade 168 Estética 12, 46, 47, 106, 107, 110, 111, 112, 114, 115, 135, 140, 150, 155, 157, 159, 161, 171, 175, 178, 181, 191, 192, 195, 196 Expressão 15, 46, 50, 51, 54, 56, 75, 102, 121, 126, 142, 145, 155, 159, 183, 194, 201 F Fotografia digital 37 G Gerações 104, 106, 116, 129 H Horror 168, 169 I Indústria criativa 13, 14, 15, 16, 17, 18, 21, 22, 24, 25 Interação 13, 18, 19, 21, 39, 109, 134, 154, 155, 157, 158, 160, 162, 164, 165, 167, 168, 172, 176, 177, 178, 219, 224 Interdiscursividades 131 Intertextualidades 131 J Jornalismo 2, 14, 20, 23, 37, 46, 58, 59, 64, 65, 69, 71, 142, 146, 152, 153 L Liderança 209, 220, 221, 222, 223, 225, 226, 227 Liderança Feminina 220, 221, 222, 226, 227 Linguagem audiovisual 104, 154, 155, 164, 165, 166 M Mecânica 26, 28, 29 Media 13, 36, 68, 71, 72, 73, 74, 75, 87, 95, 98, 99, 100, 101, 103, 132, 141 Mídias sociais 13, 14, 15, 18, 20, 21, 23, 24, 25, 202 Modernidade 46, 52, 56, 94, 107, 112, 115, 116, 132, 182, 196, 233 Mojica 168, 169, 171, 174, 178, 179 MTV 104, 105, 106, 110, 111, 114, 115, 116, 117, 118, 119, 120, 121, 122, 123, 124, 125, 126, 127, 128, 129, 130 Dimensões estéticas, cognitivas e tecnológicas de comunicação Capítulo 18 237 N Narrativa 139, 154, 155, 157, 159, 160, 161, 162, 163, 165, 166, 167, 168, 169, 170, 171, 174, 177, 178, 182, 196, 205, 229, 231, 233 P Pandemia 1, 26, 27, 28, 31, 32, 33, 34, 35, 36, 37, 38, 39, 40, 42, 43, 44, 113, 154, 155, 163, 164, 166, 215, 217, 218, 219, 225, 227 Peirce 121, 124, 130, 142, 143, 144, 146, 147, 148, 149, 150, 151, 152, 153 Política 13, 15, 20, 24, 57, 62, 64, 67, 73, 103, 106, 115, 118, 145, 155, 181, 182, 188, 191, 192, 195, 196, 201, 213 R Representação 38, 46, 47, 49, 50, 51, 55, 56, 99, 121, 124, 158, 159, 160, 176, 185 Retórica 142, 143, 144, 145, 146, 147, 148, 149, 150, 151, 152, 153 Retórica especulativa 142, 150, 151, 152 S Semiótica 118, 119, 121, 129, 130, 140, 142, 143, 144, 148, 149, 150, 151, 152, 153, 154, 155, 162, 163, 166, 167 Serra da Estrela 71, 72, 73, 74, 75, 76, 77, 78, 79, 80, 81, 82, 83, 84, 85, 86, 87, 88, 89, 90, 91, 92, 93, 94, 95, 96, 97, 98, 99, 100, 101, 102, 103 Serviços 13, 15, 16, 17, 18, 19, 26, 27, 28, 29, 30, 31, 32, 33, 34, 35, 36, 38, 110, 155, 156 Sociossemiótica 154, 160, 162, 167 T Tecnologias 32, 36, 48, 73, 154, 155, 156, 159, 160, 219, 220, 223, 224, 225, 226 Televisão 16, 48, 62, 74, 107, 108, 110, 112, 113, 115, 116, 118, 119, 120, 124, 125, 126, 127, 128, 129, 130, 135, 154, 155, 157, 159, 163, 164, 208 Temporalidade 139, 181, 182, 183, 195 Teorias da comunicação 25, 71, 72, 73, 101, 130 Transmidialidades 131 U Unipampa 13, 14, 15, 18, 20, 21, 22, 23, 24, 25 V Veículo 26, 27, 28, 29, 30, 32, 33, 34, 35, 65 Dimensões estéticas, cognitivas e tecnológicas de comunicação Capítulo 18 238