revista Fronteiras – estudos midiáticos
18(1):107-111 janeiro/abril 2016
2016 Unisinos – doi: 10.4013/fem.2016.181.10
Resenha
Jogos móveis locativos e as implicações
sociais, espaciais e tecnológicas na
comunicação contemporânea
Location-Based Mobile Games and the social,
spatial and technological implications in
contemporary communication practices
Breno Maciel Souza Reis1
ANDRADE, L.A. de. 2015. Jogos digitais, cidade e (trans)mídia: A próxima fase. Curitiba, Appris, 285 p.
Introdução
A popularização de tecnologias e redes digitais
móveis de comunicação e informação trouxe à tona implicações de ordem social, econômica, política, tecnológica
e espaciais, dentre outras. Um dos desses aspectos que
merece atenção – e que pode parecer, mesmo na Comunicação, como um objeto de estudo “menor” – é o papel
dos jogos digitais na reconfiguração das relações sociais.
Sejam eles voltados à utilização em ambientes domésticos,
como consoles de videogames ou para computadores, ou
em condições de mobilidade em handhelds ou smartphones,
os jogos digitais contemporâneos inserem efeitos que merecem ser estudados e investigados, principalmente pela
Comunicação, área que abriga grande parte dos estudos
voltados ao tema no país, conforme demonstra recente
estudo (Fragoso et al., 2015).
Nesse sentido, a obra de Luiz Adolfo de Andrade
vem suprir um espaço nos estudos de games no Brasil, que
é a investigação do papel dos jogos em dispositivos móveis
que combinam redes informacionais digitais, tecnologias
de geoposicionamento e o espaço urbano citadino para o
desenvolvimento da narrativa do jogo – chamados de Jogos
de Realidade Alternativa (ARGs). Originada da Tese de
Doutorado do autor defendida no Programa de Pós-Graduação em Comunicação e Cultura Contemporânea da
UFBA, o livro foi baseado em pesquisas bibliográficas e
etnográficas realizadas pelo mesmo entre 2008 e 2012.
O livro possui prefácio do Prof. Dr. André Lemos
(UFBA), importante pesquisador da área e orientador
Doutorando em Comunicação e Informação na Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Rua Ramiro Barcelos, 2705, Prédio
22201, Santana, 90035-007, Porto Alegre, RS, Brasil. E-mail: brenoreis@ufrgs.br
1
Este é um artigo de acesso aberto, licenciado por Creative Commons Atribuição 4.0 International (CC-BY 4.0), sendo permitidas
reprodução, adaptação e distribuição desde que o autor e a fonte originais sejam creditados.
Breno Maciel Souza Reis
da referida Tese, e é dividido em quatro partes, as quais
investigam e expõem as reflexões do autor em relação ao
tema dos jogos móveis locativos, buscando abarcar as diversas implicações que eles trazem. Detalharemos a seguir
cada um dos capítulos a partir de suas ideias principais, ao
mesmo tempo em que serão tecidos comentários detalhados, problematizando as questões levantadas, justamente
pela importância e pela lacuna de estudos referentes à
matéria no país, visando assim assegurar a continuidade
do trabalho inaugural de Andrade e as reflexões dos interessados na área.
O papel dos jogos móveis
locativos na reconfiguração
das cidades contemporâneas
e possibilidades de interação
social mediadas
por narrativas e
espacialidades lúdicas
Logo no início da obra, Andrade expõe o paradigma que sustenta a tese de seu trabalho: que, no início
do século XXI, passamos a vivenciar uma “virada espacial
nos estudos de mídia”, ou seja: a inseparabilidade entre o
ambiente digital “virtual” e o mundo físico, com todos os
processos que permeiam a relação que o sujeito estabelece
com o mundo, seja em seus aspectos materiais, imateriais
ou simbólicos, especialmente a partir da entrada de artefatos digitais conectados em redes informacionais de
maneira ubíqua. Situando especificamente os jogos digitais
de realidade alternada como parte da emergência desse
contexto, o autor coloca o atual estado da arte de uma
computação que “[...] ultrapassou as barreiras do formato
pessoal para tornar-se ubíqua” (Andrade, 2015, p. 53).
A ubiquidade permeia todo o trabalho do autor,
tendo aqui o papel de situar o leitor a respeito do horizonte técnico, social e subjetivo que serve de base para os
jogos discutidos mais adiante. Trazendo à baila a principal
referência quando se trata desse assunto – Mark Weiser
e seu conhecido artigo “The computer for the 21st century”,
publicado pela Scientific American ainda no final da década de 1980 –, Andrade assume o pertencimento de suas
investigações aos estudos de Geografia da Comunicação,
principalmente a partir das obras de Falkheimer e Jans108
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son (2006) e Adams (2009). Segundo essa perspectiva, as
relações comunicacionais ocorrem sempre em contextos
espaciais que, tal qual uma fita de Möbius, não possuem
início nem fim definidos, são inseparáveis e interdependentes uns dos outros.
Dessa forma, é empreendida uma importante
distinção entre computação pervasiva e computação
ubíqua: de acordo com Andrade, enquanto a pervasiva
se caracteriza pela penetração de microchips em objetos
(sendo assim considerada como o input de informação nos
mesmos), a computação ubíqua pressupõe a fase seguinte,
ou seja, um modelo de comunicação entre sujeitos, espaços, objetos, redes informacionais que agem uns sobre os
outros através de outputs – automatizando o ambiente e
processando informações a partir de uma intrincada rede
que está ligada a outro conceito chave, o de ciência do contexto. Para o autor, este último pode ser entendido como a
implementação de sensores em objetos e na infraestrutura
urbana com o intuito não que apenas os sujeitos utilizem
as potencialidades apresentadas pelas tecnologias, mas que
também os próprios objetos sejam dinâmicos e possam
construir padrões informacionais únicos e particulares,
que sejam usados “[...] para caracterizar a situação de
uma entidade, composta por dados de usuário, interação
(atividade), localização (espaço) e tempo” (2015, p. 87).
Com esse encaminhamento, o autor introduz a questão
da Internet das Coisas (IoT).
Tendo isso em vista, a segunda parte do trabalho,
intitulada “Espaços e espacializações”, discute a relação
entre os jogos de realidade alternada e o espaço (tanto
físico quanto o virtual), partindo da premissa de que eles
funcionam como mediadores em um processo social que
se dá em uma dada configuração de tempo e lugar. Assim,
o autor faz um percurso teórico que se inicia ainda na
Antiguidade e percorre as considerações de pensadores
em diferentes contextos socioculturais e históricos,
buscando evidenciar a noção de espaço como prática, ou
seja, as produções que advêm das apropriações, desvios,
interrupções e subversões que os sujeitos realizam cotidianamente no mundo. A ideia de mobilidade aqui tem
papel fundamental na argumentação do autor, sendo ela
quem dá sentido à posição física que as coisas ocupam
no mundo. Logo, a noção de espacialização merece um
destaque especial no capítulo, sendo definida pelo autor
como o “processo de produção do lugar, fundamentado
na ação socializante sobre o espaço em função do tempo” (2015, p. 134). Aqui o papel das mídias aparece de
forma discreta, preparando as bases para o seu retorno
nos capítulos seguintes.
revista Fronteiras - estudos midiáticos
Jogos móveis locativos e as implicações sociais, espaciais e tecnológicas na comunicação contemporânea
No capítulo três, Andrade se concentra no papel
do jogo e sua relação com o processo de espacialização
operado pelos ARGs, primeiramente lançando mão do
clássico Homo Ludens, obra seminal de Huizinga, cuja
primeira publicação data de 1938, e que opera principalmente a partir da noção de círculo mágico. É interessante
que o autor resgate de saída o estudo de Huizinga para
demonstrar todo o percurso pelo qual as discussões sobre
o papel do jogo sob a perspectiva sociocultural passaram,
sejam eles digitais ou não. Entretanto, ao contrário da
expectativa gerada por essa referência inaugural, o que
segue não auxilia o leitor no sentido da pavimentação de
um percurso histórico dos estudos de jogos. A ausência
desse traçado é sentida em algumas passagens posteriores,
que teriam a ganhar com a inclusão de considerações vindas de outras obras clássicas dos estudos de games, como,
por exemplo, Caillois (1990), Gadamer (1997) ou, ainda,
Buytendijk (1977), que sucederam o estudo original de
Huizinga. Saltando para os estudos mais recentes (principalmente) em ambientes digitais, o autor traz à baila a
obra de Salen e Zimmerman (2004), em um movimento
pertinente para ilustrar como (e se) a ideia de círculo
mágico pode ser ainda aplicada nas investigações sobre
os jogos na atualidade.
Concluindo que o círculo mágico de Huizinga
(2008) é, em essência, articulador de relações espaciais e
temporais entre os jogadores que nele adentram, o autor
então passa a argumentar que os ARGs se distinguem de
outros tipos de jogos digitais principalmente pela sua capacidade de “borrar” a fronteira precisa existente no círculo
mágico. Assim, trazendo as obras de Nieuwdorp (2005)
e Montola et al. (2009), Andrade discute a expansão do
círculo mágico promovida pelos ARGs a partir das perspectivas sociais, espaciais e temporais – o que acarreta um
tipo distinto de círculo mágico (ou “Buraco de Coelho”,
jargão pelo qual é conhecido nos ARGs), que incorpora
objetos informacionais acessíveis através de dispositivos
móveis conectados à Internet, elementos disponíveis no
espaço físico e pessoas que por acaso se encontrem nas
imediações onde o jogo ocorre (mesmo que não sejam
elas mesmas jogadores). Para defender tal ideia, são utilizados como exemplos experiências de jogos realizados
nas cidades de São Paulo, Rio de Janeiro, Salvador e Porto
Alegre – exemplos esses que perpassam toda a obra desse
ponto em diante.
Ao mesmo tempo em que amplia o espectro das
análises empreendidas, a pluralidade dos ARGs mencionados conduz o trabalho em direção a considerações
mais generalistas. O caráter abrangente torna o livro de
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Luiz Adolfo leitura obrigatória para estudos futuros,
que poderão investir no aprofundamento pela via da
especifidade, por exemplo, através da delimitação mais
clara de um objeto empírico (um ARG específico). No
caso em pauta, cumpre lembrar o ineditismo da obra e a
pouca referência bibliográfica disponível sobre o assunto,
sobretudo em língua portuguesa, o que contribui para a
pertinência de um livro mais abrangente.
Na parte III, que se inicia com o quarto capítulo,
o autor faz uma ponte entre os conceitos de mobilidade
(tanto dos sujeitos, quanto da informação) como um dos
pilares da vida social contemporânea, que penetra culturalmente nos próprios modos de pensar a atualidade.
Para isso, o autor se afirma no paradigma da mobilidade
exposto por Urry (2007) e Kellerman (2006), lançando
luz especialmente às possibilidades das mídias locativas
com vistas aos ARGs nesse contexto móvel. Se o imperativo contemporâneo é o movimento, a apropriação das
mídias locativas parece natural para seu uso em jogos que
se relacionam diretamente com as configurações espaciais,
temporais e sociais nas quais o jogador se encontra. Nesse
sentido, o autor introduz a ideia de kinese para dar conta
da dimensão de um relacionamento lúdico que pode
colocar em sinergia jogadores, objetos e ambientes, tanto
físicos quanto imateriais em condição de mobilidade, e as
bordas do círculo mágico – que, como ele expõe, nesses
tipos específicos de jogos têm suas fronteiras borradas e
não facilmente perceptíveis.
Para ilustrar o conceito de kinese, o autor lança
mão de exemplos de jogos produzidos no país e dos quais
participou, ora como desenvolvedor, ora como jogador/
pesquisador, como o Zona Incerta (2007), Desenrola
(2009) e Fórmula do Conhecimento (2009). Desencadeia-se, assim, a discussão sobre imersão em ARGs,
empreendida no quinto capítulo. Aqui, apoiando-se no
movimento TINAG (“This is not a game”, em tradução
livre, “Isso não é um jogo”), idealizado pelos jogadores
do The Beast (2001), citado por Andrade como sendo o
primeiro ARG da história, é trabalhado o conceito de
imersão em jogos de realidade alternativa, os quais detêm
o poder de envolver os jogadores na diversão propiciada
pela atividade, segundo o autor, sem que estes percam de
vista que se trata de um evento que ocorre paralelamente
à vida cotidiana, mesclando-se à mesma. Trata-se daquilo
que McGonigal (2003) denomina “Efeito Pinóquio”,
entendido pelo autor pela sua capacidade de mesclar o
círculo mágico ao contexto no qual o jogador se encontra,
através de quatro pilares principais, a saber: tempo, espaço,
emoção e mobilidade.
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A quarta e última parte do livro é dedicada ao
estudo dos aspectos midiáticos dos jogos, trazendo à
discussão a ideia de transmídia e convergências midiática
e tecnológica. Aqui são empreendidas distinções entre
transmídia, crossmedia e mídia profunda, termos comumente empregados em trabalhos na comunicação; além
disso, o autor retoma a discussão de Bolter e Grusin (1999)
de remediação, apoiada na imediação e hipermediação,
para discutir a relação entre as linguagens e suportes
midiáticos que são incorporadas quando novas mídias
surgem, realocando e apropriando diferentes formatos
nessa nova ecologia midiática.
Nessa parte específica do trabalho, o autor mescla
uma abordagem teórica dos conceitos apresentados com um
encaminhamento mais prático, voltado para o game design,
ao propor as bases para se pensar a criação e o desenvolvimento de ARGs – inclusive contrapondo modelos de
financiamento por grandes organizações corporativas com
outros jogos desenvolvidos segundo um modelo alternativo
surgido nos Estados Unidos da América, denominado
grassroots. Nesse ponto, o autor cita exemplos de diversas
experiências no Brasil de ARGs elaborados tendo uma
verba restrita, afirmando que o sucesso de um jogo de realidade alternativa depende, grande medida, da criatividade
proposta pela narrativa e pelos efeitos de imersão/engajamento dos jogadores (ou seja, o trabalho dos puppetmasters).
Até a conclusão da última parte do trabalho,
Andrade foca primordialmente na construção de uma
metodologia para se pensar a criação e a mediação em
ARGs a partir de camadas distintas de participação em
três níveis, que vão desde os desenvolvedores, passando
pelos jogadores hardcore e chegando até os jogadores
casuais, ou seja, aqueles que se relacionam com o jogo
de forma descomprometida e não regular. Além disso,
distingue os usos das potencialidades das tecnologias
locativas em ARGs diferenciando-os em centralizados
(ou seja, aqueles nos quais as tecnologias e serviços que
têm por base a localização centralizam a atenção do
jogador) e periféricos (lógica na qual as potencialidades
locativas são exploradas de forma secundária e podem
ser apropriadas em momentos e de formas distintas).
Com base nessa dicotomia, o autor conclui, retomando a
ideia de transmídia, que os ARGs que possuem o uso da
localização de forma periférica concretizam e exploram de
forma mais abrangente a relação do jogador tanto com o
espaço físico quanto com a estrutura e narrativa do jogo. A
seguir, constam as considerações finais da obra, nas quais
o autor retoma de forma sucinta os assuntos abordados
ao longo do estudo.
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Para finalizar, é interessante salientarmos as múltiplas possibilidades inauguradas pela opção do autor de
abordar uma grande variedade de temáticas, e a divisão
clara existente entre os primeiros capítulos (mais teóricos) e a parte final, mais aplicada, em que é ensaiada uma
proposta de criação de jogos de realidade alternativa em
camadas. A opção pela apresentação de diversos cases dificulta um pouco a apreensão da aplicação dos conceitos
aos vários exemplos. Por outro lado, o fato de o autor ser
um desenvolvedor de jogos e sua experiência com diversos
deles justifica a riqueza dessa opção. Ao mesmo tempo em
que compartilha sua expertise, o autor tem a generosidade
de apontar, com sua obra, para as oportunidades para os
pesquisadores interessados no tema. Mais uma vez, há de
se destacar que a obra do autor é extremamente corajosa
em sua empreitada e representa um grande avanço e
contribuição para os estudos de games no Brasil – principalmente os de realidade alternativa – que, como dissemos,
ainda é incipiente.
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revista Fronteiras - estudos midiáticos
Submetido: 07/11/2015
Aceito: 03/03/2016
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