SERIOUS GAMES PARA O ENSINO DE JORNALISMO
Jean Carlos da Silva Monteiro460
Resumo: O presente estudo disserta sobre a integração estratégica de serious games
no ensino de jornalismo. Questiona-se, então, “quais as (possíveis) contribuições dos
serious games para o processo de aprendizagem de jornalistas em formação?”. Para
chegar à resposta deste questionamento, este estudo tem como objetivo apresentar o
jogo Global Conflicts, em suas versões Palestine, Latin America e The World, além de
seus contributos educacionais. Pautado em uma metodologia bibliográfica e
exploratória, este artigo elenca os principais teóricos da temática serious games,
newsgames e, por fim, interage com os jogos supracitados com o propósito de alcançar
o objetivo traçado anteriormente. Evidenciou-se que as novas práticas pedagógicas
com jogos no ensino de Jornalismo podem permitir que os alunos despertem, em si, o
caráter curioso para que aprendam construindo, reconheçam suas habilidades e
competências ao longo do processo de aprendizagem que é construído por meio da
narrativa dos jogos.
Palavras-Chave: Jogos na Educação; Serious Games; Global Conflicts; Ensino de
jornalismo.
Abstract: This study discusses the strategic integration of serious games in journalism
teaching. One wonders, then, "what are the (possible) contributions of serious games
to the learning process of journalists in training?". To answer this question, this study
aims to present the game Global Conflicts, in its versions Palestine, Latin America and
The World, as well as its educational contributions. Based on a bibliographic and
exploratory methodology, this article lists the main theorists of the theme serious
games, newsgames and, finally, interacts with the games mentioned above with the
purpose of achieving the previously outlined objective. It was pointed out that the new
pedagogical practices with games in the teaching of Journalism can allow students to
awaken in themselves the curious character so that they learn by building, recognize
their skills and competencies throughout the learning process that is built through the
narrative of the games.
460
Jornalista, Especialista em Comunicação, Cultura e Tecnologia e Mestre em Cultura e Sociedade pela
Universidade Federal do Maranhão. Professor do Centro Universitário Estácio de São Luís. Líder do Grupo
de Estudo e Pesquisa em Educação, Cultura e Comunicação Multimídia. E-mail:
falecomjeanmonteiro@gmail.com
1550
Keywords: Games in Education; Serious Games; Global Conflicts; Journalism teaching.
1. Introdução
Desde os primeiros estudos a respeito dos jogos, o seu conceito está
relacionado a “Uma competição física ou mental, interpretada de acordo com regras
específicas, com o objetivo de divertir ou recompensar os participantes” (OLIVEIRA,
2013, p.16). Eles entrelaçaram a sociedade e são considerados um dos ramos que mais
ascendem na indústria do entretenimento nos dias atuais.
Para Severgnini (2016), os jogos digitais permaneceram por muito tempo na
casa de seus usuários e hoje conquistaram um espaço importante dentro das
instituições de ensino. Com o advento dos serious games, a narrativa dos jogos passou
a apresentar uma abordagem mais educativa, unificando o ensino e a diversão em
propostas ludosóficas, pautadas na sabedoria pedagógica dos jogos.
Na área do jornalismo, os serious games recebem o nome de newsgames, por
utilizarem a jogabilidade para abordar conteúdos noticiosos relevantes do cotidiano e
“introduzir fatos importantes em narrativas que fazem do jogador um participante do
fato noticioso, seja ele investigativo, histórico ou factual” (PEREIRA; ROSÁRIO;
MONTEIRO, 2019, p. 281).
Por isso, este artigo disserta sobre a integração estratégica de serious games
no ensino de jornalismo. Com o intuito de responder ao questionamento “quais as
(possíveis) contribuições dos serious games para o processo de aprendizagem de
jornalistas em formação?”, este estudo possui como objetivo apresentar o jogo Global
Conflicts, em suas versões Palestine, Latin America e The World, bem como os seus
contributos educacionais.
O manuscrito traz em sua bibliografia os principais teóricos da temática
“serious games” (jogos sérios, jogos de ensino ou jogos educacionais) e “newsgames”
(jogos jornalísticos). Em uma perspectiva exploratória, o estudo interage com os jogos
supracitados com o propósito de alcançar o objetivo traçado anteriormente.
2. Serious games
Os serious games, também denominados (e traduzidos para o português)
como jogos sérios, jogos de ensino ou jogos educacionais, são jogos computacionais,
aplicações de simulação e tecnologias desenvolvidas com base em princípios do game
design, quando “[...] a educação - em seu sentido amplo e nas suas mais variadas
1551
formas - é o objetivo principal, ao invés de entretenimento” (MICHAEL; CHEN, 2015, p.
17).
Apesar do termo “serious games” ter se popularizado nos últimos anos, e
entendido como fruto dos jogos digitais, esse modelo de ludicidade foi utilizado pela
primeira vez em 1968. De acordo com Abt (2017), a terminologia estava relacionada
aos jogos de cartas, tabuleiro ou a qualquer tipo de jogo desenvolvido com o intuito
de ensinar, treinar, promover hábitos ou mudança de caráter pessoal ou educacional.
O nascimento dos serious games por meio das tecnologias digitais
desenrolou-se em 1980, nos Estados Unidos da América, com a construção de
simuladores produzidos para uso militar (OLIVEIRA, 2013). Naquela época, os serious
games eram integrados nas Forças Armadas para simular situações críticas, envolvendo
certos riscos, tomada de decisão e desenvolvimento de habilidades para fins
específicos.
Severgnini (2016, p. 12) ressalta que, apesar dos sérios games não serem
concebidos com foco nos elementos entretenimento, prazer ou diversão, “não significa
que os serious games não são interessantes, prazerosos e divertidos; a diferença é que
eles possuem outro propósito, uma motivação ulterior”. Desta forma, os serious games
estão relacionados, impreterivelmente, aos elementos seriedade, ensino e
aprendizagem.
Apesar da jogabilidade combinar elementos da didática para levar informações
aos seus utilizadores, Pouza e Câmera (2019) salientam que os serious games exigem
algum tipo de conhecimento prévio. Os autores relatam, ainda, que os serious games
possuem três categorias: a conscientização, a assimilação de conhecimentos e a prática
simulada.
À vista disso, ao mesmo tempo que proporcionam atividades que estimulam a
construção (ou reforço) de conceitos, os serious games podem, paralelamente,
estimular funções psicomotoras. Maia (2017) reforça que o principal objetivo de um
jogo sério é verificar se o seu utilizador possui algum conhecimento acerca do assunto
abordado, tal qual se possui a capacidade de identificar ou indicar soluções para o
problema proposto.
Monteiro (2021) avalia que os serious games têm a capacidade de envolver e
cativar a atenção de seus utilizadores por longos períodos de tempo. E, partindo desse
princípio, os serious games podem despertar a curiosidade e o engajamento dos
jogadores, aumentando o interesse pelos estudos e tornando a aprendizagem mais
motivacional, interativa e desafiadora.
1552
Savi e Ulbricht (2018) apontam que motivação e facilitação sãos os dois
benefícios principais elementos dos serious games na aprendizagem:
•
•
Motivação - O jogo, além de divertir e entreter os alunos, pode
estimular o aprendizado por meio dos ambientes dos jogos, que são
interativos e repletos de desafios, curiosidades e fantasias.
Facilitação - Para além de poder facilitar a aquisição dos conteúdos, os
jogos têm potencial de auxiliar no desenvolvimento de outras
habilidades importantes, como resolução de problemas, tomada de
decisões, pensamento estratégico, trabalho em grupo, socialização,
coordenação motora entre outros.
Em síntese, a atividade lúdica é capaz de aprimorar habilidades e competências
educacionais, que despontam por intermédio dos desafios. “Todos os alunos querem
sempre vencer e, desta forma, o esforço e a determinação ficam mais estimulados.
Além de agir mais rapidamente, o aluno (agora jogador) desafia os seus próprios
limites e capacidades” (MONTEIRO, 2021, p. 244).
3. Newsgames
No campo do jornalismo, os serious games são chamados de newsgames ou
de jogos jornalísticos. Eles “trabalham a informação em formatos lúdicos de
comunicação, direcionando aos jogadores de videogame a informação que interessa a
eles e proporcionando elevado grau de engajamento de forma participativa e
colaborativa” (ACADROLLI; OLIVEIRA, 2016, p. 117).
Esse tipo de jogo sério no jornalismo é de caráter informativo e possibilita a
transmissão de um fato por meio de um ambiente digital imersivo, interativo e
participativo. Segundo Pereira, Rosário e Monteiro (2019), os newsgames utilizam a
linguagem dos jogos para o desenvolvimento da narrativa jornalística.
Apesar de se tratar de jogos, os newsgames têm como objetivo principal
informar/educar (MEDEIROS; STEIN, 2012). O seu diferencial está no modo como a
narrativa jornalística é apresentada ao público. Nos newsgames, o jogador interage
diretamente com a informação por meio de diferentes linguagens multimídias e
hipertextuais.
A hipertextualidade nos jogos trata-se da convergência unificada entre
linguagem escrita, oral, sonora e outras, numa única plataforma, nas quais imagens,
1553
vídeos, sons, animações, infográficos, músicas, etc., tenham também a capacidade de
gerar, transmitir conhecimento e acrescentar novos significados (MONTEIRO, 2021).
Como afirma Acadrolli e Oliveira (2016, p. 117), “o jogador aprende qualquer
tipo de conhecimento através de janelas, sons, imagens e animação. No mundo da
convergência das mídias, o consumidor de informações é seduzido por diversos
suportes midiáticos”. Esse tipo de prática de ensino é sempre caracterizado como
atividade lúdica, em que se busca aprimorar habilidades, como a flexibilidade cognitiva.
A flexibilidade cognitiva pode ser definida como a “[...] capacidade que o
sujeito desenvolve de, perante uma situação nova, reestruturar o conhecimento para a
solucionar.” (CARVALHO; PINTO; MONTEIRO, 2012, p. 1). Ela permite ainda o
desenvolvimento de um cérebro mais ativo, ágil e múltiplo, capaz de executar inúmeras
ações.
Segundo Bourscheid (2017, p. 156-157), os newsgames podem ser divididos
em seis categorias com subcategorias:
•
•
•
•
•
•
Newsgames de atualidade (Editorial games, Tabloid games e reportage
games): Possui proximidade temporal ao fato noticiado.
Newsgames infográfico (Infográfico explicativo e Infográfico
exploratório): Utiliza infográficos podendo ser interativo e jogável.
Newsgames documentário: Relata fatos históricos e atuais sob a
proposta documental.
Newsgames de raciocínio: Feito a partir da adaptação de jogos de
raciocínio como jogos de tabuleiros. Exige conhecimento prévio do
jogador sobre o fato para resolução do jogo.
Newsgames de letramento: Aborda as práticas da produção jornalística.
Newsgames de comunidade: Permite a formação de comunidades
colaborativas entre os jogadores.
Em linhas gerais, no que tange às características dos newsgames, eles possuem
dois formatos: Desdobramentos Conceituais, newsgames por ação e newsgames por
associação; e Ambiguidade Conceitual, referência ao fato jornalístico ou
entretenimento (BOURSCHEID, 2017).
Na aprendizagem pelos newsgames, o aluno é o personagem principal e o
maior responsável pelo processo de aprendizagem. Sendo assim, o objetivo desse
novo modelo de ensino é incentivar que a comunidade acadêmica desenvolva a
capacidade de absorção de conteúdos de maneira autônoma e participativa
1554
(MONTEIRO, 2021).
4. Start game: Global Conflicts
O universo dos serious games é repleto de desafios especificamente
desenvolvidos para a educação. Neste estudo é apresentado o serious game Global
Conflicts (disponível no site https://school.seriousgames.net/), em suas versões
Palestine, Latin America e The World, produzidos pela empresa Serious Games
Interactive para simular a rotina vivenciada pelos jornalistas em seu ambiente de
trabalho.
A escolha pelos jogos aqui explorados justifica-se pela sua principal
característica: “jogos de simulação”. Salienta-se que, em relação a outros jogos
disponíveis na web, de fácil uso e muitos gratuitos, estes jogos simulam aspectos reais
da profissão de jornalista, que pedagogicamente se apresentam favoráveis à promoção
de momentos motivacionais e lúdicos ao longo do processo formativo.
Uma outra justificativa para a escolha deste serious game está fundamentada
no fato do Global Conflicts permitir aos seus jogadores explorar e aprender sobre os
diferentes conflitos existentes ao redor do mundo. Na jogabilidade, o usuário é
convidado a perceber o mundo através dos olhos de um jornalista que está tentando
apurar o máximo de informações possíveis para publicar a sua matéria.
Destaca-se, ainda, que o Global Conflicts é detentor de diferentes títulos e
prêmio da British Educational Training and Technology Show, a maior feira e congresso
de educação e tecnologia do mundo. O evento reúne, há mais de 36 anos, em Londres,
milhares de profissionais da educação e empresas de tecnologia educacional para
compartilhar suas visões objetivando melhorar a educação em sala de aula.
4.1 Global Conflicts: Palestine
Os profissionais freelancers são comuns em todas as áreas e setores do mundo
do trabalho. No Jornalismo não é diferente. No campo da Comunicação, eles são
considerados profissionais multitarefas e se destacam pelo potencial de executar
diferentes funções que existem na esfera jornalística.
Os freelancers são capazes de fotografar, produzir a pauta, apurar as
informações, buscar as fontes, realizar as entrevistas, escrever a matéria e realizar a
edição. Também cabe a este profissional vender as reportagens desenvolvidas para os
veículos de imprensa, sejam eles da mídia impressa, audiovisual ou digital.
1555
Habitualmente, o campo de trabalho desses profissionais é o mesmo daqueles
que são contratados por meio da Consolidação das Leis do Trabalho. O jogo Global
Conflicts: Palestine é uma simulação que apresenta aspectos reais do trabalho de um
jornalista freelancer em uma área de extremo conflito.
O jogo se passa em um ambiente 3D, em que é realizada uma apuração
jornalística na Palestina. Segundo o Global Conflicts (2021), o objetivo do jogo é a
escrita de um artigo sobre o conflito vivido, a fim de que este seja divulgado em uma
publicação impressa.
Desta forma, o usuário vai atuar como jornalista freelancer em um cenário de
conflitos de cunho religioso e terá como função apurar os dados, obter a confiança das
fontes, escrever a matéria e, além disso, ter responsabilidade com o texto publicado
(GLOBAL CONFLICTS, 2021).
As únicas armas que o jornalista freelancer terá no jogo são uma caneta, um
bloco de anotações e o seu raciocínio lógico para superar os obstáculos presentes na
trama. Para alcançar o objetivo do Global Conflicts: Palestine, o usuário terá de apurar
as informações contidas nos diálogos presentes no decorrer das etapas do jogo.
O Global Conflicts (2021) permite aos seus usuários obter informações a partir
da confiança dos personagens envolvidos em algum lado do conflito: palestinos ou
israelitas. O jogo possibilita, ainda, que o jornalista freelancer tome partido de algum
lado para, deste modo, conseguir detalhes mais tendenciosos.
4.2 Global Conflicts: Latin America
Nesta versão do Global Conflicts, a América Latina é retratada como uma das
localidades mais turbulentas, pobres e violentas do mundo, no qual a sua população
enfrenta uma série de diferentes problemas socioculturais que vão desde a violência
política, passando pela corrupção, até a escravidão moderna.
No jogo, os usuários atuam como jornalistas em busca de detalhes sobre os
fatos que rodeiam uma região conflituosa em que muitos outros profissionais,
incluindo os da comunicação, fingem não ver o que realmente. Segundo o Global
Conflicts (2021), o serious game visa formar jogadores críticos e reflexivos em busca
de uma experiência que desafia sua compreensão do mundo em uma região onde os
políticos e a polícia são mais temidos do que confiáveis.
Em Latin America, o usuário assume o papel de um jornalista investigativo em
missão nos países Bolívia, Guatemala e México, onde a vida da população é ameaçada
1556
por violações dos direitos humanos, trabalho escravo por causa de dívidas, corrupção
na política, tráfico humano, além de poluição do ar e degradação do meio ambiente
(GLOBAL CONFLICTS, 2021).
Para criação das etapas do jogo, a Serious Games Interactive realizou pesquisas
sobre os países latino-americanos que ainda têm histórias sombrias de genocídio,
corrupção generalizada e exploração sistemática da população indígena. Esses fatos
históricos fazem parte do enredo que permeia a jogabilidade de Global Conflicts: Latin
America.
O jogo leva o jornalista (principal personagem do serious games) a reunir
informações a serem usadas em entrevistas de confronto com pessoas (chefões)
envolvidas diretamente nos conflitos. Para tanto, o jogador experimenta diferentes
situações extraídas da vida real e desenvolve uma reflexão acerca das condições
precárias e desumanas que milhões de pessoas da América Latina vivem.
A narrativa coloca o jornalista em confronto com donos de terras que lucram
com a escravidão; policiais e funcionários públicos corruptos; homens envolvidos em
genocídio; milicianos e empresários que colocam o lucro antes dos direitos dos
trabalhadores e do meio ambiente. Nenhum deles deseja falar sobre os detalhes de
suas ações, mas a função do jornalista freelancer é identificar, desequilibrar e noticiar
ao público a verdade sobre esses fatos.
As etapas do Latin America finalizam quando o jogador recebe uma
classificação para mostrar como ele se saiu bem na coleta de informações e usando
isso para forçar as pessoas a obterem confissões para a construção da notícia (GLOBAL
CONFLICTS, 2021).
4.3 Global Conflicts: The World
A versão The World do Global Conflicts exibe uma série de indagações que
coloca o jogador, agora no papel de jornalista freelancer, no meio de diferentes
conflitos em todo o mundo, desde questões relacionadas à guerra até os direitos
humanos (GLOBAL CONFLICTS, 2021).
As diferentes atribuições desta versão do serious game não colocam os
jogadores apenas em uma situação difícil como jornalista, mas também o desafiam
como ser humano com a experiência, o conhecimento e a compreensão de como a
vida é diferente ao redor do mundo.
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Entre as missões do Global Conflicts: The World estão a Guerra do Afeganistão,
que teve início em 1979. Inicialmente era um conflito entre a União Soviética e os
afegãos, e mais tarde, os Estados Unidos da América se envolvem na contenda. O jogo
simula essa guerra, que perdura até os dias atuais, travada entre os Estados Unidos e
aliados, contra o regime talibã.
As etapas trazem também em sua narrativa uma reflexão acerca das criançassoldado, menores que estão ativamente envolvidos em guerras e outros conflitos
armados. Este tipo de violação contra as crianças existe principalmente na África e em
países em guerra civil, onde não há organização legal para os exércitos.
Vale ressaltar que, assim como na vida real, o jogo retrata as crianças-soldado
em contextos que não se restringe somente a cenários de guerra. O Global Conflicts
(2021) também descreve a existência das crianças-soldado no crime organizado e,
principalmente, em territórios de narcotráfico.
O serious game Global Conflicts: The World traz ainda questões-problema
acerca de postos de controle (bases fixas que dão suporte a atuação do crime
organizado), operações militares e fábricas.
5. Global Conflicts no ensino de jornalismo
Sugere-se que o serious game supracitado seja utilizado em algumas
disciplinas introdutórias do curso de Jornalismo, como atividade motivacional para
despertar, de forma lúdica, a atenção, o interesse e a percepção dos alunos pelas
práticas jornalísticas que podem surgir ao longo do seu processo formativo, aspectos
dos serious games para uma aprendizagem significativa (MICHAEL; CHEN, 2015).
A sugestão acima justifica-se porque a proposta apresentada neste artigo vai
apenas ao encontro dos contributos pedagógicos de jogos que simulam alguns
aspectos da profissão do jornalista e o curso de Jornalismo, como todo, exige uma
formação complexa e aprofundada, pautada em diferentes habilidades e competências
educacionais e do mundo do trabalho.
Em Global Conflicts, o jogador é levado a conhecer de perto uma série de
questões-problemas que estão ocorrendo em todo o mundo, especificamente em 14
missões, abrangendo três versões: Palestine, Latin America e The World. No entanto,
esses problemas estão longe de ser o dia a dia que os jogadores tradicionalmente
testemunham em sua “vida real”.
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Além de interagir com pessoas que são afetadas diretamente pelos conflitos
propostos no serious game, o jogador é convidado a navegar em um mundo caótico
virtual, no qual não existe uma verdade única. Os jogos desafiam a forma como o
usuário percebe os conflitos e a sociedade, ao mesmo tempo que o encoraja a analisar
e se relacionar com questões internacionais, como o preconceito da mídia,
globalização, corrupção, democracia, terrorismo e direitos humanos.
O Global Conflicts trata-se de um jogo de Role Playing Game (conhecido
popularmente como RPG), em que seu usuário precisa descobrir como obter a melhor
história para produzir a sua notícia. Nele, o jogador encontra e entrevista diferentes
fontes para obter as melhores informações. Todavia, as fontes e as suas falam devem
(ou não) atender aos princípios éticos do jornal para o qual o jogador está trabalhando.
Quanto à tipologia, o serious game apresentado é um enlace entre os gêneros
“narratologia” e “ludologia”, uma vez que ele se destaca pela história contada, levando
em consideração o personagem, o ambiente e a ação (PINHEIRO; BRANCO, 2006), e
também pela jogabilidade e entretenimento que promove.
Isso significa que, apesar da narrativa ter a sua grande importância dentro do
jogo, a interação e a jogabilidade são elementos presentes e marcantes ao longo das
histórias. Desta forma, os gêneros “narratologia” e “ludologia” se entrelaçam para
compor um processo pedagógico ao qual os jogos podem ser integrados (SATO;
CARDOSO, 2008).
O serious game é tipo “simulação”, dado que é muito fiel ao real e simula a
realização de diferentes atividades jornalísticas conforme são executadas no dia a dia
desses profissionais. Ele também possui peculiaridades do tipo “estratégia”, uma vez
que exige comando de determinados elementos para atingir certos objetivos dentro
do jogo (FULLERTON; SWAIN; HOFFMAN, 2004).
No que se refere à plataforma, o jogo indicado neste manuscrito é destinado
ao ambiente “web” e, por isso, é arquitetado para se jogar on-line em qualquer
navegador de internet (PINHEIRO; BRANCO, 2006). Quanto à sua finalidade, Bates
(2001) classifica o jogo como “educativo/sério”, visto que foi criado com o objetivo de
agregar valor ao processo ensino-aprendizagem de algum conteúdo, sendo, neste
caso específico, a um processo ou técnica jornalística.
Tendo como base os estudos de Sato e Cardoso (2008), o “modos de jogo” do
serious game utilizado neste estudo é do tipo “single player”, destinados a um único
jogador.
1559
As versões do Global Conflicts foram exploradas a fim de se verificar as
possíveis contribuições das narrativas dos jogos para o processo formativo de alunos
de Jornalismo. Primeiramente, analisou-se as versões do serious game a partir do seu
objetivo de aprendizagem:
•
•
•
Global Conflicts: Palestine - Aprender sobre o conflito israelensepalestino sob diferentes perspectivas.
Global Conflicts: Latin America - Aprender sobre as lutas da América
Latina sobre direitos humanos e democracia.
Global Conflicts: The World - Aprender sobre os conflitos em todo o
mundo: trabalho infantil, países em conflito com a guerra, criançassoldado e muito mais.
Percebeu-se que o serious game pode inserir os alunos em um cenário que,
apesar de virtual, é compatível com as atividades realizadas no dia a dia do profissional
jornalista, tendo como foco a simulação, também peculiaridade dos newsgames
(ACADROLLI; OLIVEIRA, 2016).
Esta característica vai ao encontro do que é solicitado pelas Diretrizes
Curriculares Nacionais para o ensino de Jornalismo (BRASIL, 2013), que preconiza a
utilização de estratégias didáticas que enfoquem a participação ativa e simulada dos
alunos. E, dessa forma, a simulação presente no Global Conflicts dá aos usuários a
oportunidade de experimentar os resultados de suas ações que podem mudar de
acordo com as escolhas realizadas ao longo do tempo.
Além disso, um outro detalhe a ser frisado, que também se relaciona com as
Diretrizes (BRASIL, 2013), é a contextualização dos jogos, que se fundamenta em
situações, oportunidades e dificuldades reais, equivalentes àquelas que são
encontradas no cotidiano dos jornalistas. Segundo Monteiro (2021), por meio da
simulação os conteúdos são absorvidos de maneira autônoma, interativa, motivacional
e, ao mesmo tempo, com seriedade.
Assim sendo, levando em consideração a análise feita até este o momento, o
Global Conflicts é destacado como um serious game voltado à transmissão de
conteúdos e finalidades educacionais específicas, como a atividade profissional de um
jornalista freelancer. Cabe ao jogador explorar o ambiente para compreender
conceitos e, então, resolver os problemas propostos (OLIVEIRA, 2013).
Para auxiliar os jogadores, o Global Conflicts disponibiliza um suporte
hipertextual para fins educacional, que abrange links de enciclopédia, pastas com
1560
fontes primárias, vídeos e manuais de contextualização dos personagens e dos
conflitos existentes nas versões Palestine, Latin America e The World.
Segundo Monteiro (2021), o suporte com característica hipertextual assume
um importante papel de elemento paratextual na narrativa, ou seja, oferece
informações adicionais para melhor compreensão do jogo, suas etapas e personagens.
O Global Conflicts abre novas perspectivas para o trabalho do jornalista. Sua
narrativa fala sobre a prática do jornalismo freelance em regiões conflituosas; os
interesses econômicos, políticos e religiosos envolvidos em uma apuração e divulgação
jornalística; e a apuração da notícia, destacando o elo entre jornalismo e investigação.
Para o Global Conflicts (2021), o encanto pelo jogo está na forma como os
eventos se apresentam e nas estratégias utilizadas pelo jornalista freelancer para
escrever a matéria. A título de exemplo, em uma das etapas, o jogador terá um número
limitado de fontes e poderá escolher, durante a entrevista, se vai inserir aquela fala na
construção da notícia.
A forma como o jogo retrata a realidade vivida por muitos jornalistas em seus
ambientes de trabalho impõe aos alunos a resolução de problemas, a tomada de
decisões e o pensamento estratégico, conforme preconiza as Diretrizes Curriculares
(BRASIL, 2013) e o Modelo Curricular para o ensino do Jornalismo da Unesco (UNESCO,
2010).
O Global Conflicts possui múltiplas alternativas para trilhar a trama e, por isso,
possibilita aos seus usuários usufruírem de diferentes finais, cada um baseado nas
trajetórias escolhidas. Essa característica vai ao encontro dos estudos de Savi e Ulbricht
(2018) sobre a não-linearidade na promoção de uma jogabilidade mais interativa e
personalizada.
Em um estudo extenso sobre o Global Conflicts, Kampf e Cuhadar (2014, p.13)
descobriram que os “... participantes que jogaram o serious game, ao contrário
daqueles que não o jogaram, mudaram para uma perspectiva mais imparcial, sendo
capazes de olhar para o conflito dos pontos de vista israelense e palestino
imediatamente após a intervenção no jogo, e manteve essa perspectiva mesmo um
ano após a participação nesta intervenção”.
Nessa afirmativa, têm-se os serious games como instrumento de
desenvolvimento de habilidades e competências educacionais do século XXI, como a
comunicação, a criticidade, a criatividade e a colaboração (SEVERGNINI, 2016).
1561
Para o ensino de jornalismo, Monteiro (2021) ressalta que a abordagem
empregada pelo Global Conflicts, em suas versões Palestine, Latin America e The
World, é potencialmente benéfica na motivação do aluno aos estudos. Esta abordagem
pode ser utilizada, inclusive, para despertar no aluno habilidades operacionais e
comportamentais necessárias ao profissional do jornalismo.
Observou-se também que o serious game estudado neste artigo pode atuar
como ferramenta avaliativa, visto que suas etapas simulam situações críticas que
envolvem algum tipo de risco, tomada de decisões e que, para avançar nas fases, tornase necessário algum tipo de conhecimento prévio sobre a temática debatida em uma
das versões do jogo.
6. Finish game (Considerações Finais)
Neste estudo foi possível compreender o conceito de serious games, os
benefícios de sua integração na aprendizagem e a sua relação interdisciplinar com os
newsgames. Também se apresentou a sugestão de integrar estrategicamente e
pedagogicamente o jogo Global Conflicts, em suas versões Palestine, Latin America e
The World.
A partir da indagação “quais as (possíveis) contribuições dos serious games
para o processo de aprendizagem de jornalistas em formação?”, constatou-se que
essas novas práticas pedagógicas com jogos no ensino de Jornalismo podem permitir
que os alunos despertem, em si, o caráter curioso para que aprendam construindo e
que reconheçam as suas habilidades e competências naquilo que produzem.
Percebeu-se, ainda, que os serious games, a exemplo do que foi utilizado neste
artigo, facilitam e motivam a descoberta de novos conhecimentos ao longo do
processo de aprendizagem. Isso não quer dizer que os livros e as aulas tradicionais não
possuem o seu valor, pelo contrário, as teorias elencadas no referencial teórico
reforçam que os jogos podem servir como complemento para assimilação de uma
determinada temática.
A simulação proposta pelo jogo explorado nesta pesquisa busca facilitar a
compreensão de questões-problema que são complexas, necessitam das narrativas
dos games para serem melhor interpretadas e não costumam ser representadas de
forma interativa nos livros. Diante disso, concebesse os serious games como um novo
modelo de ensinar e aprender na atualidade.
1562
Evidenciou-se, neste artigo, apenas alguns apontamentos de cunho teóricoexploratório, a fim de apresentar o jogo Global Conflicts, em suas versões Palestine,
Latin America e The World, além de seus contributos educacionais. Espera-se, então, a
realização de novas investigações acerca da utilização prática e estratégica dos serious
games supracitados no processo de aprendizagem de jornalistas em formação.
Referências
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