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Victor Hugo Sampaio Alves FOLCLORE DOS SÁMI DE INARI TRADUZIDO AO INGLÊS INARI SÁMI FOLKLORE TRANSLATED TO ENGLISH KOSKIMIES, August V.; ITKONEN, Toivo I. Inari Sámi Folklore: Stories from Aaanaar. Revised by Lea Laitinen. Edited and translated by Tim Frandy. Wisconsin: University of Wisconsin Press, 2019. Victor Hugo Sampaio Alves1 Aquele que se aventura no campo de estudos a respeito dos povos sámis depara-se frequentemente com a barreira linguística e dificuldades desta natureza, impostas a nós pelas próprias fontes primárias de que dispomos. Existem, de fato, materiais incontornáveis que foram escritos originalmente em latim, como Historia de Gentibus Septentrionalibus (1555), por Olaus Magnus e Lapponia (1673) de Johannes Schefferus, e que são, por isso, mais acessíveis, além de terem sido traduzidos para inúmeros idiomas contemporâneos – dentre eles, o inglês -. Outras obras igualmente fundamentais estão escritas em idiomas germânicos do norte Europeu, como Fragmenter i Lappska Mythologien (1838-1845) de Lars Levi 1 Doutorando em Ciências das Religiões pela Universidade Federal da Paraíba. Membro do Núcleo de Estudos Vikings e Escandinavos (NEVE) e do Centro Internacional e Multidisciplinar de Estudos Épicos (CIMEEP). Orcid: https://orcid.org/0000-0003-1606-7819. E-mail: victorweg77@gmail.com SCANDIA: JOURNAL OF MEDIEVAL NORSE STUDIES N. 4, 2021 (ISSN: 2595-9107) 578 Victor Hugo Sampaio Alves Laestadius, publicado em sueco e traduzido para o inglês como Fragments of Lappish Mythology, além de relatos como os de Samuel Rheen (1671), Henric Forbus (1729) e Knud Leem (1748; 1760; 1767; 1768), dentre outros, que não foram traduzidos integralmente sequer para o inglês, mas cujos trechos que englobam especificamente o xamanismo sámi foram traduzidos a esta língua por Tolley (2009). Já os materiais folclóricos, coletados em empreitas etnográficas, encontram-se em idiomas ainda menos acessíveis, estes fino-úgricos, como em finlandês ou em algum dos idiomas sámis2. Por isso, as empreitas tradutórias destes conteúdos para idiomas como o inglês, vide o livro sendo resenhado são, por si só, valiosíssimas, tornando viáveis, muitas vezes pela primeira vez, ricos materiais para os estudiosos de folclore, religião, literatura, antropologia e áreas afins. Não existe qualquer tradução destes materiais folclóricos há pouco mencionados para o português. Contudo, existem alguns estudos brasileiros, mesmo que pontuais, que elegem os povos sámi como objeto de pesquisa: um deles contextualiza brevemente o estudo da religião sámi pré-cristã no debate das ciências das religiões (ALVES, 2018); outro analisa as divindades sámi do trovão, Horagalles (ou Hovrengaellies) em perspectiva comparativa com outros deuses do trovão no norte Europeu (ALVES, 2019)e, por fim, outro deles se encarrega de esmiuçar a construção da imagem de alteridade dos sámi enquanto “o Outro”, na obra de Johannes Schefferus por parte do Reino Sueco, no contexto pós Guerra dos Trinta Anos e do Tratado de Vestfália (MENINI, 2020)3. Ainda assim, por conta dessa exigência trazida pelas próprias fontes primárias, aquele(a) que, no Brasil, se interesse pelo estudo dos povos sámi precisa incontornavelmente dominar o inglês, ainda que de maneira instrumental. Assim sendo, a publicação de materiais contendo narrativas folclóricas dos sámis traduzidos diretamente a uma língua mais acessível, como o inglês, é sempre boa notícia no 2 A palavra sámi não designa uma única etnia ou povo, mas é empregada para referir-se a um tronco étnico-linguístico dentro da família fino-úgrica que, por sua vez, é pertencente ao grande ramo linguístico denominado Urálico. Assim, o termo representa inúmeras etnias sámi distintas e, vale lembrar, estes povos habitam uma vasta região (denominada de Sápmi), que engloba as partes norte da Noruega, Suécia, Finlândia e a Península Kola, no extremo norte russo. Ainda existem, hoje, vários idiomas sámi, embora alguns se encontrem em risco de desaparecimento: Sámi do Norte; Sámi do Sul; Lule sámi; Pite sámi; Kola sámi; Skolt sámi; Ume sámi; Inari sámi; Ter sámi e Kildin sámi. 3 Apesar de não se tratarem de estudos analíticos como nos exemplos oferecidos, existem, em português, verbetes sobre os sámi, tratando de suas relações com os escandinavos (MENINI, 2018) e de sua mitologia e religião pré-cristãs, de maneira introdutória (ALVES, 2020a; 2020b). SCANDIA: JOURNAL OF MEDIEVAL NORSE STUDIES N. 4, 2021 (ISSN: 2595-9107) 579 Victor Hugo Sampaio Alves cenário internacional de estudos sobre o tema. A antologia de folclore sámi da qual estamos tratando aqui havia sido publicada originalmente em 1917 por August Koskimies e Toivo Itkonen, em finlandês e em Aanaar sámi, sob o título de Inarinlappalaista kansantietoutta (“Folclore dos sámi de Inari”) e revisada com afinco por Lea Laitinen em 1978. O primeiro mérito de Tim Frandy é o de seu trabalho como tradutor: versado tanto em finlandês quanto em Aanaar sámi, Frandy nos apresenta essas estórias pela primeira vez em língua inglesa. Impossível não reconhecer seu esmero na tradução de certos termos, não só por ser o inglês um idioma completamente distante linguisticamente dessas duas línguas fino-úgricas, mas também pela especificidade cultural de certas palavras (ambas ressalvas que o próprio tradutor nos apresenta em seu prefácio, explicando também suas escolhas de tradução). Um exemplo ilustrativo, trazido pelo próprio Frandy, é a terminologia referente às renas: há cerca de doze palavras diferentes para designar este animal – imprescindível à cultura e modo de vida sámi -, como ergi (rena utilizada para puxar trenós); puásui (rena semidomesticada) e kodde (rena selvagem), enquanto que, no inglês, o único termo possível é reindeer, o que não traduz essas distinções de maneira eficiente. Quando presentes, nos textos, esse tipo de divergência, o tradutor sempre oferece notas explicativas inteirando seu leitor de possíveis problemas como a incompatibilidade de termos, explicando suas opções de tradução. Linguisticamente, temos um trabalho inédito feito com primazia, além de se tratar de uma tradução direta dos idiomas originais nos quais o livro havia sido publicado, o que diminui os riscos trazidos por uma tradução de uma tradução. A presente edição baseia-se na versão pós-revisão de 1978, apesar de apresentar algumas relevantes alterações, concebidas pelo próprio Tim Frandy. Nesse sentido, destacamos também seu trabalho enquanto editor, tornando esta uma publicação de fato inestimável. Notam-se dois critérios de organização no livro: o primeiro é a divisão das narrativas em diferentes capítulos (e subcapítulos) de acordo com a temática e gênero folclórico: canções; contos sobre animais; fábulas; contos curtos; anedotas; estórias de crença; estórias sobre os čuđit4; estórias sobre Peeivih-vuáláppáž5; estórias sobre os skolt sámi; estórias Muito presentes nas narrativas de diversas etnias sámis, os čuđit são nelas descritos constantemente como invasores, ladrões e assassinos e representam perigo iminente aos sámis. Não se sabe ao certo a quais povos o termo se refere, mas há registros históricos de variações do termo “chude” para se referir a tribos balto-fínicas das regiões ao noroeste da Carélia, Estônia e noroeste da Rússia. Seja como 4 SCANDIA: JOURNAL OF MEDIEVAL NORSE STUDIES N. 4, 2021 (ISSN: 2595-9107) 580 Victor Hugo Sampaio Alves de caça; narrativas de experiências pessoais; provérbios e figuras de linguagem; presságios e sinais. O segundo critério adotado por Frandy foi o de categorizar cada uma das narrativas de acordo com o sistema ATU6, auxílio precioso para quem estuda narrativas folclóricas adotando uma perspectiva comparativa. O esmero com que Tim Frandy trabalhou na edição é perceptível, ainda, no fato de que são oferecidas, ao início de cada um dos capítulos, introduções e contextualizações da temática concernente às estórias que ali serão encontradas. Além disso, o editor e tradutor também organizou e disponibilizou informações biográficas de algumas das pessoas que, na época, ofereceram a Itkonen suas estórias durante o momento de coleta, algo que também é muito caro aos folcloristas e interessados em etnografia. Por fim, o livro também oferece um glossário com termos sámis que figuram de modo constante nas estórias, bem como um índice toponímico de nomes significativos. A empreita editoral de Tim Frandy, claramente conduzida com muito cuidado e conhecimento, tornou mais completo e contextualizado um material importantíssimo cuja mera tradução para o inglês – também realizada por ele, como dissemos - já teria sido de valor incalculável. Esta publicação, portanto, é imprescindível a qualquer estudioso dos povos sámi e sua cultura, seja na busca por aspectos de sua religião e mitologia tradicionais, seja no interesse por suas lendas, contos etiológicos e representações de alteridade. Referências bibliográficas for, é uma palavra que surge empregada com evidentes critérios de alteridade (FRANDY, 2017, p. 130). 5 Há um ciclo de lendas sámis que apresentam as peripécias do herói Peeivih-vuáláppáž (em finlandês, Päivän Olavi), focando-se principalmente em seus feitos grandiosos atingidos por meio de demonstrações de força sobrehumana, colocando-o também como figura influente na cristianização da região de Sápmi. Também conectado a supostos milagres, este personagem é muito similar a Olaf II Haraldsson (popularmente conhecido como São Olavo), presente no folclore de tradição oral escandinava, onde era conhecido por seu papel auxiliar na cristianização da Noruega (FRANDY, 2017, p. 143). 6 ATU = Aarne-Thompson-Uther, de acordo com as classificações de narrativas folclóricas sistematizadas no livro Types of International Folk Tales. SCANDIA: JOURNAL OF MEDIEVAL NORSE STUDIES N. 4, 2021 (ISSN: 2595-9107) 581 Victor Hugo Sampaio Alves ALVES, Victor Hugo Sampaio. Sámi (religião). In: LANGER, Johnni (org.). Dicionário de História das Religiões na Antiguidade e Medievo, 2020a, p. 504-508. ALVES, Victor Hugo Sampaio. Mitologia sámi. In: LANGER, Johnni (org.). Dicionário de História das Religiões na Antiguidade e Medievo, 2020b, p. 406-410. ALVES, Victor Hugo Sampaio. Diferentes sons do trovão: uma perspectiva comparativa entre os deuses Thor, Ukko e Horagalles. Dissertação (Mestrado em Ciências das Religiões) – Programa de Pós-Graduação em Ciências das Religiões, Universidade Federal da Paraíba. João Pessoa, 220 p., 2019. Disponível em: https://www.academia.edu/43361991 ALVES, Victor Hugo Sampaio. Por uma inserção da religião sámi antiga no debate das Ciências das Religiões. Ágora, n. 27, 2018, pp. 208-228. MENINI, Vitor Bianconi. Lapponia: a legitimação do Estado sueco na obra de Johannes Schefferus (1648 – 1673). Dissertação (Mestrado em História) – Programa Pós-Graduação em História Moderna, Universidade Estadual de Campinas. Campinas, 202 p., 2020. Disponível em: http://repositorio.unicamp.br/jspui/bitstream/REPOSIP/343583/1/Menini_VitorBian coni_M.pdf MENINI, Vitor Bianconi. Lapônia da Era Viking. In: LANGER, Johnni (org.). Dicionário de História e Cultura da Era Viking, 2018, pp. 466-469. TOLLEY, Clive. Shamanism in Norse Myth and Magic, v. II: source texts. Helsinque: Academia Scientiarum Fennica, 2009. 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