Cartografia do ensino de jornalismo digital no
Brasil em 2010: um mapa de conquistas e desafios
Alex Primo, Aline Strelow, Ana Gruszynski, Bernardete Toneto, Leonardo Cunha,
Sandra Machado, Soraya Venegas, Thiago Soares, Vitor Necchi e Vivian Belochio
Introdução
Muito se tem comentado sobre a fase de crise pela qual o jornalismo
está passando. Quais acontecimentos indicam essa modificação? O que
está provocando o processo? Para refletir sobre isso, é importante entender
que não se trata de algo novo, mas sim de uma transformação em nível
global que, entre utopias e fatos concretos, vem demonstrando cada vez
mais a necessidade da renovação da forma de pensar e de fazer jornalismo
na contemporaneidade. Num momento em que as estratégias jornalísticas
adquirem personalidade marcante nas redes telemáticas e que a produção
e a distribuição de informações já não é mais exclusividade dos veículos
noticiosos tradicionais, os papéis dos jornalistas e do público se confundem
e os produtos informativos passam por alterações importantes.
Tais transformações mostram a importância do entendimento sobre o
papel assumido pelo jornalismo no ciberespaço. Da transposição dos conteúdos dos meios impressos1 (MIELNICZUK, 2003) até a incorporação
das bases de dados como paradigma nos seus processos produtivos2 (BARBOSA, 2007), o seu desenvolvimento foi marcado pela implantação conservadora de estratégias nesse contexto. Esta dinâmica parte da apropriação
e do agenciamento das tecnologias e dos modelos comunicacionais que
surgem a cada momento na rede.
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A incorporação dos recursos e dos formatos compatíveis e possíveis
na Web provocou a transformação dos produtos jornalísticos. A produção
jornalística voltada para o ciberespaço começou então a ser adaptada aos
seus potenciais. Este processo tem como consequência lógica a necessidade
da reorganização, e mesmo da reinvenção, ou da inovação, de determinadas
práticas profissionais da área.
É importante atentar para o fato de que o desenvolvimento do perfil
dos produtos e do próprio fazer jornalístico nas redes digitais tem como
pano de fundo a conjuntura da convergência. Jenkins (2008) explica
que não se trata apenas de uma transformação tecnológica que remete à
multimidialidade3. Trata-se da complexificação dos processos de comu
nicação entre os sujeitos, as organizações e as demais instituições no cibe
respaço, a partir de “transformações tecnológicas, mercadológicas, culturais
e sociais”. (JENKINS, 2008, p. 27)
Nas redações, esse processo provoca tensões, especialmente median
te a implantação de diferentes sistemas que atendem às novas exigên
cias do mercado. A unificação das equipes de produção de veículos im
pressos, radiofônicos e televisivos é uma dessas adaptações, que implica
a contratação de profissionais que lidam com destreza com essa mul
tiplicidade de linguagens. (BARBOSA, 2009; RODRIGUES, 2009;
KISCHINHEVSKY, 2009). Segundo Barbosa (2009), a ação é característica
da convergência jornalística4, que pode ser observada quando redações
integradas ou independentes de meios diferentes trabalham em sistema de
colaboração. Nesse modelo, são constituídos conteúdos e produtos para
diversos meios e estes são adequados às distintas linguagens de cada um.
Uma das consequências dessa prática, para Rodrigues (2009, p. 30), é que
as fronteiras das classificações de jornalismo tornam-se embaralhadas,
o que repercute na formação profissional.
Considerando-se o cenário descrito, é preciso entender, estudar, praticar
e debater em sala de aula as mudanças e os desafios criados ao campo jor
nalístico na contemporaneidade. Com essa finalidade, este capítulo tem
como proposta central a reflexão sobre as demandas criadas pela constante
mutação do jornalismo em redes digitais para o ensino dessa modalidade
nas universidades brasileiras. Como ele está sendo abordado nas salas de
aula e qual é a sua colocação nos currículos dos cursos de jornalismo?
De que forma as universidades estão trabalhando com a questão na teoria e
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Cartografia do ensino de jornalismo digital no Brasil em 2010...
na prática? Para abordar estas questões, este capítulo resume os resultados
de um grande mapeamento nacional do ensino de jornalismo digital no
Brasil em 20105.
Qual é o perfil do jornalista digital?
A demanda por profissionais capazes de se adequar ao mercado de
trabalho passa atualmente pela capacidade de lidar com as mudanças
constantes e rápidas que afetam o campo da comunicação. Convergência
tecnológica e pulverização do controle dos meios pontuam o tensiona
mento entre práticas jornalísticas consolidadas – sustentadas por estruturas,
rotinas e instituições – e outras em constituição. Estas evidenciam ini
ciativas diversas que se estabelecem para além dos espaços institucionais
reconhecidos pelo âmbito acadêmico ou empresarial e que colocam em
crise estruturas naturalizadas.
Em se tratando de jornalismo digital, a flexibilidade acentuada dos pro
cessos e rotinas na rede impõe atualizações constantes. Assim, softwares,
hardwares ou mesmo modos de proceder são rapidamente substituídos.
Seu gerenciamento exige nova formação ou, pelo menos, o estudo de outros
recursos para o domínio de uma última versão. Talvez seja possível afirmar
que um instrumento ainda não é plenamente dominado e o profissional
já é obrigado a aprender um novo para realizar o seu trabalho. O fluxo
de aprendizado técnico tornou-se acelerado, obrigando a desacomodação
constante dos profissionais já formados, dos professores e dos alunos
em formação. No âmbito acadêmico, a infraestrutura dos laboratórios
de informática vincula-se ao gerenciamento de diferentes tempos que
permeiam o ensino no jornalismo digital: o formativo, marcado pela gra
de curricular; o de aperfeiçoamento tecnológico, regido por contínuos
lançamentos; o da internet, constantemente atualizado.
No campo profissional, são exigidas do jornalista digital competências
em todas as formas de tecnologia presentes na rede de comunicação.
(ADGHIRNI; RIBEIRO, 2001) Esse domínio de múltiplas formas
tecnológicas transforma o jornalista digital em uma espécie de jornalista
multimídia. (JORGE; PEREIRA, 2009) Trata-se do jornalismo produzido
no contexto digital, que precisa trabalhar, em plataformas diversas, com
Alex Primo, Aline Strelow, Ana Gruszynski, Bernardete Toneto, et. all
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áudio, vídeo e texto para a apresentação e a distribuição de conteúdos na
internet. (DEUZE, 2004)
Mesmo que grande parte dos jornalistas ainda trabalhe na sede das
empresas, a redação tende a deixar de ocupar um espaço central de encontro
da equipe de profissionais para tornar-se um espaço virtual, a partir do
qual se hierarquiza e edita a notícia. A informatização das redações, que
atendia essencialmente à redução de custos para as empresas, agora pode
também dotar os jornalistas de novos instrumentos de trabalho – de um
lado, facilitando tarefas; de outro, exigindo novos conhecimentos técnicos.
Isso não significa que as redações físicas tendem a desaparecer – a reforma
da Folha de S. Paulo, que unificou as redações do jornal impresso e do
digital, é um indício da importância que o espaço continua tendo para as
empresas jornalísticas. Essa unificação representa também mais um passo
no sentido da redução ainda maior dos custos de produção noticiosa, cada
vez mais apoiada em sistemas de apuração via rede e otimizando recursos
quando a equipe de reportagem vai a campo. Em adição, percebe-se ainda a
crescente participação de cidadãos como produtores de material noticioso
incorporado tanto aos veículos digitais, como aos tradicionais jornais,
revistas ou programas radiofônicos e televisivos.
O modo como o profissional se relaciona com a informação e as mu
danças no processo de apuração têm levantado questões como: Quem é
o jornalista digital? Ele é, de fato, um jornalista? Que valores balizam seu
trabalho? Em que ele se difere do jornalista tradicional? A produção de
notícias para a internet, que, em muitos casos, se resume à transposição
(com ou sem adaptação) de material informativo produzido por outros
meios (jornalísticos ou não), relaciona-se, de certa forma, com a imagem
do “jornalista sentado”, que se contrapõe ao “jornalista de pé”, responsável
pelo trabalho convencional de apuração. (PEREIRA, 2003)
Essa questão é discutida com frequência em sala de aula: como a su
posta acomodação dos jornalistas interfere na qualidade das notícias e na
configuração do seu próprio perfil profissional? Ferrari (2003) entende que,
no jornalismo digital, a produção de reportagens deixou de ser um item do
exercício do jornalismo. Em seu lugar, teríamos o “empacotamento” das
informações: recepção de um material produzido, na maioria das vezes,
por uma agência de notícias, que passaria pela mudança de título, abertura,
alteração de alguns parágrafos, adição de foto ou vídeo etc. As funções de
270 _
Cartografia do ensino de jornalismo digital no Brasil em 2010...
editor se misturariam com a de empacotador. Para a autora, haveria uma
releitura da função do copidesque, na medida em que se daria um trabalho
sobre um texto alheio.
Nessa linha, outro aspecto a ser considerado diz respeito ao reapro
veitamento (ou “reempacotamento”) de conteúdos editoriais de um veículo
para outro em grupos multimídia, o que pode acarretar uma padronização
de conteúdos editoriais. Corre-se o risco de reduzir a multiplicidade de
fontes, explorar de modo limitado recursos específicos dos diferentes
meios, priorizar a integração de conteúdos por justaposição – texto, áudio,
vídeo etc. acessíveis de maneira independente (SALAVERRÍA, 2005) – em
lugar de multimídia por integração.
Se a redução de custos e a velocidade de produção representam ga
nhos para as empresas, a publicação de conteúdo original continua sen
do defendida por muitos especialistas e profissionais da área. Para Hall
(2001), as competências exigidas dos profissionais que lidam com a in
formação digital não se restringem ao empacotamento de notícias, já que,
além da habilidade no uso de softwares de publicação, eles necessitam de
conhecimentos e experiência para ponderar as questões que perpassam os
valores-notícia nos processos editoriais. Além disso, o autor afirma que,
na web, a oferta jornalística, ao proporcionar experiências cada vez mais
interativas, permite que se ultrapasse o conceito tradicional de notícia,
incluindo ideias, relatos, diálogos, fontes etc.
Em pesquisa sobre as competências digitais, para a qual foram ouvidos
professores e profissionais de comunicação de Salvador (BA), Machado
e Palácios (2007, p. 81) apontam a existência de uma disparidade entre as
demandas identificadas no mercado e a inserção das tecnologias digitais no
ensino dos profissionais do campo da comunicação:
O futuro profissional do campo da comunicação deverá ser
capaz de adaptar-se a uma variedade de funções decorrentes
do processo de convergência nos sistemas de produção
das empresas. Se este tipo de inferência estiver correto,
tudo indica que o profissional mais adequado para o novo
mercado terá que ter condições de compreender processos,
planejar ações, interpretar cenários e, mais importante, ser
suficientemente flexível para, por um lado, se adaptar e,
por outro, reagir de forma criativa aos constantes ajustes
Alex Primo, Aline Strelow, Ana Gruszynski, Bernardete Toneto, et. all
_ 271
dos processos produtivos por que passam as empresas de
comunicação.
Já a dicotomia teoria versus prática, que não representa novidade no
campo do jornalismo, reaparece quando se discute o exercício e, também,
o ensino do jornalismo digital:
Da recorrente tensão entre formação teórica e prática, entre
um jornalista crítico e um bom técnico, surgem problemas
em torno da estruturação do currículo e da busca e adaptação
de uma bibliografia pertinente para o ensino do jornalis
mo [...] Essa tensão passa ainda pela formação de quadros
no corpo docente que possuam adequada base teórica e
experiência profissional em redações multimídia. Ora, seria
no mínimo ingênuo acreditar que as adaptações feitas por
conta do jornalismo pós-internet tenham dado conta desses
problemas. Todo esse questionamento parece, enfim, ter
sido reapropriado e reinserido na pauta de discussões sobre
a formação profissional do jornalista e deve ganhar nova
dimensão com o fim da obrigatoriedade do diploma para
o exercício profissional, no Brasil. (JORGE; PEREIRA,
2009, p. 60)
Em estudo recente, Amaral, Quadros e Caetano (2009) abordaram
o ensino do jornalismo em redes de convergência, por meio da análise
de disciplinas e formação docente. A pesquisa, inicial naquele momento,
mostrou que atitudes e procedimentos têm sido acionados, pelas
instituições de ensino superior estudadas, para a abordagem da prática
jornalística tanto na esfera digital quanto na convergência desse meio
com as mídias tradicionais. Essas iniciativas, no entanto, ainda são tímidas
em relação ao processo efetivado nas redes sociais, ou seja, no cenário
contemporâneo em que tais cursos se inserem e para o qual devem preparar
os futuros profissionais. Conforme as autoras, os resultados da pesquisa,
ainda que parciais, evidenciam que o avanço do ensino na compreensão
do movimento da sociedade não depende de atitudes isoladas, mas de
discussões e reflexões conjuntas, operações sistemáticas e institucionais,
às quais o referido trabalho se alia. Nesse sentido, este mapeamento do
ensino do jornalismo digital no Brasil em 2010 dialoga com as demais
investigações empreendidas atualmente nesse campo, para fazer emergir
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Cartografia do ensino de jornalismo digital no Brasil em 2010...
os avanços, as dificuldades e os tensionamentos da área, assim como para
sinalizar caminhos possíveis.
Esta pesquisa entrou em contato com 322 instituições de ensino su
perior, de todos os estados do país. As universidades foram identificadas
a partir da listagem dos cursos de jornalismo disponível no site do
Ministério da Educação (MEC)6. De fevereiro a setembro de 2010, foram
apuradas, por meio de questionários7 com questões abertas e fechadas,
informações sobre as condições do ensino do jornalismo digital naqueles
estabelecimentos. Ao todo, 102 universidades (31,68%) responderam a
pesquisa enviada8. Além desse instrumento de pesquisa, o projeto também
promoveu um grupo focal com seis professores/pesquisadores9. Em vir
tude da limitação de espaço, os resultados dessa dinâmica em grupo não
poderão ser aqui detalhados. Vale destacar que, em 2008, o ensino do
jornalismo cultural no Brasil foi tema do mapeamento realizado pelo Itaú
Cultural, pesquisa com a qual dialogaremos nesta análise. Por essa razão,
foram incluídas, no questionário, perguntas sobre esse aspecto.
Nos próximos tópicos, serão descritos os resultados da investigação.
Ensino do jornalismo digital: além das disciplinas
O mapeamento revelou que o ensino do jornalismo digital não se
limita a disciplinas específicas, ocorrendo também, de forma tangencial,
em diversas outras disciplinas e atividades do curso de jornalismo.
As específicas situam-se quase sempre (66,9%) na segunda metade do
curso, quando os alunos já possuem uma base teórica (tanto no campo
das teorias da Comunicação e do Jornalismo, quanto nos conteúdos
humanísticos: Sociologia, Antropologia, Política, Ética, entre outros) e já
passaram por aulas ligadas às mídias tradicionais (jornalismo impresso,
radiofônico, televisivo, fotojornalismo, diagramação etc.). Depreende-se,
disso, que os cursos buscam familiarizar o aluno com diversas modalidades
jornalísticas antes de discuti-las e aplicá-las, de forma integrada, nas
disciplinas de Jornalismo Digital.
Há uma grande variedade de títulos para estas disciplinas específicas,
com predomínio para Jornalismo Online, revelando a força da influência
norte-americana, onde tal termo é o mais difundido. A tabela 1 indica as
nomenclaturas10 verificadas na pesquisa:
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_ 273
Tabela 1 – Nomenclatura das Disciplinas Específicas
Nomenclatura
Instituições
%
Jornalismo Online (ou On-line)
38
45,2
Webjornalismo (ou Web-jornalismo)
18
21,4
Jornalismo Digital
17
20,2
Jornalismo Multimídia (ou Multimeios)
5
6
Jornalismo na Internet
3
3,6
Ciberjornalismo
2
2,4
Jornalismo em Mídias Digitais
1
1,2
Total
84
100
Como citado anteriormente, porém, o ensino do jornalismo digital de
forma alguma se limita a estas disciplinas plenas, ou específicas. Pelo con
trário, várias outras foram indicadas, como direta ou indiretamente vin
culadas ao tema. Algumas delas provavelmente já integravam os currículos
antes mesmo do surgimento da Internet, como Técnicas de Reportagem,
Redação Jornalística, Fotojornalismo, Infografia, Planejamento Gráfico ou
Visual, Estética, Teorias da Imagem, Produção em Rádio e TV, Edição.
Outras, porém, parecem ter sido implantadas visando a responder aos
desafios e demandas teóricas e práticas levantadas especificamente pela
Internet e pelo Jornalismo Digital. É o caso, por exemplo, de Webdesign,
Mídias digitais, Novas Tecnologias na Web, Sociologia da era Virtual,
Cultura Digital e Capitalismo Cognitivo, Hipermídia, Fundamentos de
Multimídia, Planejamento visual digital, Crossmídia, além das disciplinas
específicas apontadas acima, em suas diversas denominações.
Vale notar, ainda, que o ensino do jornalismo digital se revela relacionado
tanto com as questões teóricas quanto com as atividades mais práticas,
como indica a tabela 2:
274 _
Cartografia do ensino de jornalismo digital no Brasil em 2010...
Tabela 2 – Natureza das disciplinas
Natureza da disciplina
N
%
Teórica
52
13,4
Teórico-prática
192
49,6
Prática
66
17,1
Não informada
77
19,9
Total
387
100%
Como se vê, há uma concentração de disciplinas de caráter misto (teó
rico-práticas), o que sugere que a reflexão sobre dilemas conceituais, éticos,
sociais e políticos do ciberespaço de alguma forma se faz presente nos cursos.
Isto reforça uma tendência do ensino do jornalismo, em proporcionar
conhecimento humanístico aliado a uma disposição pragmática.
Quanto à formação dos 212 professores de disciplinas ligadas direta
mente ao jornalismo digital listados pelas instituições pesquisadas, pre
dominam os mestres (94), seguido pelos doutores (50) e especialistas
(48), além de 3 que são apenas graduados. Não foi informada a graduação
dos outros 17 professores que lecionam disciplinas ligadas ao jornalismo
digital. Entre as escolas públicas, a percentagem de doutores chegou a
58,4%, enquanto nas particulares ficou em 12,9%. Deve-se ressaltar que o
questionário enviado às instituições não abordava experiência profissional
do docente na área específica do jornalismo digital.
A infraestrutura das escolas: laboratórios e programas
O levantamento dos dados relacionados à infraestrutura de informática
e sua capacidade de atender às atividades de ensino de jornalismo digital
revelou a existência de laboratórios em todas as instituições mapeadas.
Há instituições, no entanto, que não apresentam atividades laboratoriais
no programa das disciplinas que prevejam a utilização de tais espaços –
Alex Primo, Aline Strelow, Ana Gruszynski, Bernardete Toneto, et. all
_ 275
dependendo de seu caráter teórico (T), teórico-prático (TP) ou prático
(P) – e outras em que não responderam quanto à media de alunos por
computador. As respostas obtidas não permitem que sejam avaliadas as
singularidades das propostas pedagógicas desenvolvidas que dependem
de equipamentos, se ocorrem presencialmente no período da aula ou se
como tarefas a serem realizadas extraclasse.
Com diferentes perfis estruturais, os laboratórios disponíveis para as
atividades de jornalismo digital compreendem salas compartilhadas com
outras habilitações da comunicação, assim como espaços que atendem
outros cursos existentes nos centros educacionais. Variam também em
tamanho e distribuição de equipamentos, prevalecendo a presença de um
ou dois laboratórios por instituição.
Nas disciplinas relacionadas ao Jornalismo Digital, a maioria das ins
tituições (59%) possibilita a utilização individual dos equipamentos na
realização das atividades curriculares propostas. Efetuando uma distinção
entre tipos de instituições, observa-se que nas particulares o percentual
de um aluno por computador é 68%, diante de 32% nas públicas11. Ainda
assim, nota-se que, entre as públicas, em 58% das escolas mapeadas há
menos de dois alunos por computador. Diante da uma infra-estrutura
eventualmente reduzida – tanto nas públicas como nas privadas – há uma
provável adequação de distribuição de alunos por turmas e propostas
pedagógicas que minimizem o descompasso entre o número total de
alunos matriculados e o número total de computadores.
Vale salientar que este mapeamento não abordou a questão da manu
tenção das máquinas, mas, como foi amplamente discutido no grupo focal
conduzido12, é frequente nas escolas a existência de grande quantidade de
máquinas danificadas e/ou desatualizadas, o que torna mais crítico, sem
dúvida, tanto a quantidade de computadores disponíveis, quanto a média
de alunos que efetivamente utilizam as máquinas nos laboratórios.
O modo como tais laboratórios se estruturam e são utilizados relacionase também com os tipos de software (Tabela 3) que viabilizam as tarefas
desenvolvidas. Em linhas gerais, a partir do mapeamento13, pode-se dizer
que há o uso de programas triviais (sobretudo browsers e editores de texto),
ferramentas de edição e publicação on-line (fundamentalmente blogs) –,
e aqueles especializados que abrangem edição de áudio, imagem e texto
em projetos mais complexos. É importante relativizar os dados tendo em
276 _
Cartografia do ensino de jornalismo digital no Brasil em 2010...
vista que, embora vários tenham mencionado browsers, é possível que estes
não tenham sido considerados em sua especificidade enquanto mediadores
para acesso aos blogs e assim não foram indicados em algumas respostas.
Houve ainda retornos genéricos, como “editores de texto”, que não
permitem que eles sejam identificados como parte do Microsoft Office,
por exemplo, ou como software livre.
Tabela 3 – Softwares utilizados nas atividades de Jornalismo Digital
Nome
%
Blogs
Wordpress
20,6%
Blogger
7,8%
Softwares perfil genérico
Editores de texto
8,8%
Browsers
5,9%
Softwares licença gratuita
Joomla!
4,9%
Audacity
4,9%
Frontpage
2%
Ginga
1%
Gimp
1%
Softwares licença paga
Microsoft Office
33,3%
Corel Draw
15,7%
Pagemaker
5,9%
Sound Studio
2,9%
Sony Vegas
2,9%
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_ 277
WS-FTP
2%
Apple Final Cut
1%
Apple iMovie
1%
QuarkXPress
1%
Avid
1%
Softwares licença paga Adobe
Photoshop
38,2%
Dreamweaver
31,4%
Pacote Adobe
23,5%
Flash
19,6%
InDesign
16,7%
Fireworks
6,9%
Illustrator
3,9%
Pacote Adobe CS4
2,9%
Soundbooth
1%
Freehand
1%
Outro aspecto a ponderar refere-se aos diferentes programas vinculados
à empresa Adobe. Alguns entrevistados apontaram Pacote Adobe sem
informar qual o tipo (há mais de um), outros informaram o Pacote Adobe
CS4 (no momento, há dois tipos de conjuntos disponíveis), outros citaram
softwares específicos que fazem parte de tais pacotes. No que diz respeito
ao Microsoft Office, não há também como saber quais ferramentas são
efetivamente utilizadas, se fundamentalmente o editor de texto ou outras.
Na estatística geral, das 102 instituições participantes, 19 delas (18,6%)
não informam o que utilizam.
As respostas apontam a significativa predominância percentual de
programas ligados à produção textual (Microsoft Office, 33,3%), imagens
278 _
Cartografia do ensino de jornalismo digital no Brasil em 2010...
(Photoshop, 38,2%) e layout (Dreamweaver, 31,4%), evidenciando a
pouca presença daqueles dedicados a áudio e vídeo. É possível, entretanto,
que tais softwares não tenham sido mencionados porque são instalados e
utilizados preferencialmente em laboratórios de televisão e rádio, conforme
estrutura tradicional dos cursos. Destaca-se ainda o Flash, voltado para
animação, com 20% de indicações.
Entre os mais citados, também está o Wordpress, com 20,6%. Pelas
respostas, não há como fazermos a distinção entre o software que pode
ser baixado gratuitamente do site Wordpress.ORG e instalado em um
servidor; ou Wordpress.COM, uma versão on-line gratuita cuja hospedagem
é remota. Cabe uma ressalva: assumindo que o software livre é aquele
que pode ser usado, copiado, estudado e redistribuído sem restrições,
seu conceito se contrapõe a proprietário/restrito, mas não ao comercial.
Há uma distinção entre gratuito e livre, em que a este último se costuma
anexar uma licença de software livre e liberar o acesso ao código fonte do
programa. Nesse sentido, o Blogger (Google), também mencionado pelos
entrevistados (7,8%), é gratuito mas não livre.
A forte presença dos programas da Adobe pode ser explicada pela
capacidade de integração e portabilidade entre os arquivos gerados pelas
ferramentas. Isso possibilita trabalhar com uma base comum que facilita
a adequação ao on-line e também ao impresso, já utilizando para isso os
softwares específicos voltados a esses meios. Chama também a atenção
a presença do PageMaker e QuarkXPress, voltados ao layout de peças
impressas. Podemos supor que, a partir deles, sejam gerados PDFs
(Portable Document Format) de produtos a serem disponibilizados
on-line, ou eventualmente esboços de telas.
Podemos inferir que a especificidade dos programas utilizados esteja
associada: a) ao perfil das disciplinas (T, TP, P); b) à quantidade de
disciplinas dedicadas ao Jornalismo Digital em um currículo, que permite
um maior aprofundamento também por meio da utilização de ferramentas
especializadas; c) a uma forma estratégica ou alternativa de lidar com a
ausência dos softwares em função de limites financeiros das instituições.
No conjunto apresentado, o uso de programas de licença comercial é
muito superior aos distribuídos de forma gratuita.
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Perfil da produção laboratorial
Outro ponto apurado no mapeamento são as experiências laboratoriais
realizadas nas universidades pesquisadas. Identificou-se, nesse sentido,
uma diversidade de iniciativas, que variam entre a aplicação de modelos
tradicionais de jornalismo e propostas diferenciadas. Estas partem da
utilização de plataformas e de tecnologias com as quais, muitas vezes, os
próprios professores não têm familiaridade.
Ao todo, as instituições informaram 171 endereços na Web (URLs)
via questionário, encaminhado aos pesquisadores por e-mail. Problemas
em alguns links restringiram o corpus de análise a 134 endereços válidos,
que passaram a ser analisados a fim de se verificar, qualitativamente, as
tendências de aproveitamento dos recursos da rede por parte dos alunos.
Foi possível ver que tipo de página era mais comum (portal, site, blog...),
se o gênero era puramente jornalístico ou também literário, a duração de
sua existência na rede, se era escrito individual ou coletivamente. Também
se procurou verificar quais recursos multimidiáticos eram incorporados à
produção laboratorial em termos de imagem estática, dinâmica e som, bem
como em que medida a apuração era independente ou por empacotamento
(FERRARI, 2003) e, ainda, sobre conteúdo geral ou segmentado. As URLs
foram agrupadas, por fim, pelo estado de origem. De acordo com o tipo de
produção laboratorial, chegou-se a tabela a seguir14:
Tabela 4 – Tipo de Produção Laboratorial
280 _
Tipo
N
%
Site
41
30,5
Portal
6
4, 4
Blog em Blogger
49
36,5
Blog em Wordpress
36
26,8
Microblog no Twitter
26
19,4
Agência de Notícias
4
2,9
Cartografia do ensino de jornalismo digital no Brasil em 2010...
Agência de Fotos
4
2,9
Webrádio
9
6,7
Videos no Youtube
55
41
Videos fora do Youtube
14
10,4
Orkut
6
4,4
De acordo com os respondentes, para conceber o ensino do Jornalismo
Digital, é necessário prever práticas laboratoriais em 66,7% das disciplinas
ligadas direta ou indiretamente à área. Ao se somar os percentuais relati
vos às disciplinas teórico-práticas e das disciplinas puramente práticas,
a comparação revela uma maior inclinação pela produção laboratorial nas
instituições particulares, de 69,7%, contra 58,7% das públicas.
Apenas 20 das 102 instituições pesquisadas não informaram nenhum
endereço de produção laboratorial. Outras, ao contrário, chegaram a infor
mar 20 links. Na comparação da quantidade de URLs mapeadas em relação
ao que é produzido em instituições públicas e particulares, a superioridade
numérica da infraestrutura material parece se refletir num número maior
de produtos laboratoriais por parte das particulares.
Sob o ponto de vista geográfico, em termos quantitativos, as regiões
Sudeste e Sul respondem por 82% das URLs mapeadas. Das 134 URLs
válidas, as duas regiões respondem por 110 delas – 56,7% para a região
Sudeste e 25,3% para a Sul.
Apesar dos estudos e práticas de ensino de Jornalismo Digital terem
uma configuração desigual em termos regionais e nas instituições públicas
e particulares, nota-se que o uso da internet e seus variados recursos está se
generalizando. Um bom exemplo é o YouTube. Segundo o mapeamento,
41% das URLs pesquisadas incorporam esse recurso em suas postagens,
seja com inserção de vídeos produzidos pelos alunos, seja com link para
matérias audiovisuais da grande imprensa.
Esse processo de naturalização do uso da rede leva a que muitos docen
tes não percebam o grau de alfabetização digital (RIBAS; PALACIOS,
2008) que está sendo requisitado na maioria das disciplinas curriculares.
A pesquisa apontou, também, uma predominância do uso de blogs (63,3%)
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_ 281
na produção laboratorial, embora não tenha sido encontrado nenhum
fotolog nem videolog (que são os blogs para publicação exclusiva de
fotografias e de vídeos, respectivamente). Predomina um baixo grau
de interação, uma vez que as postagens praticamente não recebem
comentários. No entanto, indicadores como a cobertura da própria
municipalidade revelam o desejo de proximidade dos estudantes com
a comunidade em que se inserem. Neste aspecto, a Região CentroOeste foi aquela que mais se destacou, com 85% de páginas dedicadas ao
assunto.
A propósito da apuração, foi verificado que é na Região Sul (82%) que
os estudantes produzem conteúdo com mais autonomia e recorrem menos
a outras fontes de informação, como as agências de notícias ou outras
publicações. No entanto, muitas URLs repetem os modelos tradicionais
de cobertura e edição jornalísticas. Nesse contexto, cabe especular em que
medida contribuem com alguma inovação na seleção noticiosa ou nos
recursos de linguagem. Em geral, o que se vê é um espelho do modelo
consagrado na grande imprensa. Com raras exceções, os estudantes não
concebem suas matérias como produtos realmente multimidiáticos, como
pode ser constatado na tabela a seguir:
Tabela 5 – Uso de recursos multimídia
Recursos Multimídia
N
%
Texto + foto
56
41,8
Texto + foto + vídeo
53
39,6
Texto + áudio
5
3,7
Texto + foto + vídeo + áudio
15
11,2
Texto + foto + áudio
5
3,7
Total
134
100
A inovação e a experimentação se dão, quando muito, apenas nos obje
tos escolhidos para as pautas, mas raramente em relação a formatos e, menos ainda, na possibilidade do estabelecimento de uma conversação via
282 _
Cartografia do ensino de jornalismo digital no Brasil em 2010...
rede que, num paradoxo, adotam informalmente nas redes sociais. Como
o conservadorismo é maior nas páginas autodeclaradas com vínculo institucional, cabe a desconfiança de que a renovação dos modelos possa estar
sendo sacrificada em prol da empregabilidade dos recém-formados, uma
vez que dá mais reputação àquele curso.
Neste sentido, foi possível intuir a existência de três grandes eixos de
produção laboratorial: a) vinculados à instituição ou ao curso e organizado
em núcleos; b) para entrega burocrática de trabalho da disciplina; c) URLs
autorais e independentes, ou seja, as que seguiram caminho desvinculado
das atividades cotidianas do curso de Jornalismo.
Segundo o conceito de disciplina em Foucault (1996), regras são per
manentemente atualizadas com o intuito de garantir o controle rígido de
produção de uma dada atividade. No caso da imprensa brasileira hoje,
a formação universitária marca passo ao perpetuar, com uma margem
mínima de flexibilidade, a continuidade de padrões incompatíveis com o
novo modelo de comunicação que, desde o advento da internet, deixou
de ser unidirecional (dos meios de comunicação de massa para o público)
para se tornar rizomático (muitos dialogam com muitos).
À luz do conceito da rarefação do sujeito proposto por Foucault
(1996), embora nem todos tenham acesso às condições de funcionamento
do gênero discursivo jornalístico, os fluxos comunicacionais típicos da
contemporaneidade já abrem espaço para a publicação de conteúdos
produzidos por não jornalistas, em especial graças à tecnologia facilitadora
deste processo. Nada mais indicado, portanto, que aos estudantes, a meio
caminho entre o público leigo e o profissional da área, seja ofertada mais
oportunidade de inovação.
Pontes com o jornalismo cultural
A web é espaço privilegiado para a discussão de temas culturais, seja
por meio de sites jornalísticos, de blogs especializados ou de redes sociais.
Apesar disso, ainda são poucas as instituições que contam com disciplinas
direcionadas a essa especialidade do jornalismo. Na maioria dos casos,
ela é abordada em disciplinas como Jornalismo Especializado, Redação
Jornalística e Comunicação e Cultura, para citar alguns exemplos.
Alex Primo, Aline Strelow, Ana Gruszynski, Bernardete Toneto, et. all
_ 283
A cobertura do campo cultural ganhou, com a possibilidade do exercício
do jornalismo na internet, espaço nesse novo suporte. Livros, música,
artes plásticas, dança, artes cênicas e cultura popular passam a contar com
divulgação, discussão e crítica através do jornalismo digital.
Como estudantes de jornalismo são preparados para atuar nesse con
texto? Para provocar essa discussão, o questionário enviado às coorde
nações dos cursos de Jornalismo mapeados nesta pesquisa continha a se
guinte questão: “O jornalismo cultural é trabalhado ou discutido junto às
práticas de jornalismo digital? De que maneira?”15. Das 102 universidades
que responderam ao questionário, 64 (62,7%) afirmam trabalhar/discutir
jornalismo cultural junto às práticas de jornalismo digital, 37 (36,3%)
afirmam não trabalhar e 1 (1,0%) não respondeu à pergunta.
A questão remetida aos coordenadores estava seguida do complemento
“de que maneira?”, que permitiu a compreensão das propostas metodoló
gicas de cada curso em relação ao tema, desde um ponto de vista qualitativo.
Entre os cursos que abordam o jornalismo cultural nas disciplinas de
jornalismo digital, a especialidade aparece, principalmente, nas atividades
práticas e laboratoriais (41,1%). Em alguns cursos (22,5%), na disciplina de
Jornalismo Digital é proposta a produção de blogs ou sites de tema livre – a
preferência dos alunos por temáticas relacionadas à cultura é explicitada
por duas instituições respondentes. Alguns entrevistados mencionam a
discussão do jornalismo cultural em diferentes disciplinas do curso, como:
Jornalismo Especializado, Redação Jornalística e Jornalismo Impresso,
entre outras.
A partir dos dados levantados, pode-se inferir que o jornalismo cul
tural não é discutido em suas especificidades nas disciplinas voltadas
ao jornalismo digital – ele atravessa todos os suportes, assim como as
demais especialidades, mas com certo destaque, por conta da preferência
dos alunos. Poucos cursos (5,8%) mencionam disciplinas, obrigatórias
ou optativas, voltadas ao jornalismo cultural, nas quais o aluno pode
aprofundar seus conhecimentos nesse campo para aplicá-lo nas disciplinas
práticas direcionadas aos diferentes suportes, como o digital. Esse dado
dialoga com o Mapeamento do Ensino de Jornalismo Cultural no Brasil
em 2008. Naquele levantamento, foram identificadas 126 disciplinas
que abordam o jornalismo cultural e áreas afins. Destas, apenas 16, ou
12,7%, abordam o assunto com exclusividade. As matrizes curriculares
284 _
Cartografia do ensino de jornalismo digital no Brasil em 2010...
privilegiam disciplinas tangenciais ao jornalismo cultural propriamente
dito, como Estética, Cultura de Massas e Cultura Brasileira, que aparecem
em um total de 42,8%, seguidas de disciplinas de conteúdo específico,
como Jornalismo Literário ou Fundamentos de Cinema (26,9%), e semi
plenas, como Jornalismo Especializado (17,4%). Como disciplina plena,
o jornalismo cultural aparece em quarto lugar. No mapeamento de
2008, foram identificadas, ainda, 23 disciplinas optativas relacionadas ao
jornalismo cultural – desse universo, três são plenas, uma é semiplena, 12
são de conteúdo específico e sete são de conteúdo tangencial.
Os resultados desta pesquisa apontam o predomínio do exercício prático
do jornalismo cultural nas disciplinas de jornalismo digital e esboçam
o mapa do ensino do jornalismo cultural na rede no país. “Apontam” e
“esboçam” porque, como se trabalhou com uma questão aberta, de viés
qualitativo, os respondentes tiveram total liberdade para expressar a
abordagem do jornalismo cultural nas disciplinas de jornalismo digital de
suas universidades. O que se apresenta aqui são os dados registrados nesses
depoimentos, que podem ocultar, mesmo involuntariamente, informações
importantes sobre o assunto em discussão. Assim, pode-se afirmar, com
o nível de certeza permitido por essa pesquisa, que o jornalismo cultural
é abordado nas disciplinas de jornalismo digital, predominantemente, por
meio de atividades práticas de reportagem, assim como acontece com as
demais especialidades do jornalismo.
Considerações finais
O jornalismo digital não é mais novidade. Apesar das transformações
que sofre constantemente, já existem práticas consolidadas na esfera da
produção e da circulação. Da mesma forma, a leitura de e a interação em
produtos jornalísticos na Web e através de dispositivos móveis revela-se
como hábito comum. Logo, abordar-se tais práticas como parte de um
futuro ainda por vir não faz mais sentido. Também não se justifica o temor
de que o jornalismo correria riscos de extinção diante da popularização e
do barateamento dos meios de produção e da emergência de experiências
colaborativas on-line. Diferentemente de uma lógica de soma zero (para
que um ganhe o outro deve perder), o que se vê é um alargamento do
Alex Primo, Aline Strelow, Ana Gruszynski, Bernardete Toneto, et. all
_ 285
espaço midiático. Com a multiplicação do volume de informações
jornalísticas e das formas de circulação e debate, cresce também a demanda
por produtos atualizados em tempo real, com linguagem adequada aos
suportes hipermidiáticos e com espaços de intervenção das audiências.
Nos primeiros tempos, ainda intimidados pelas revoluções promo
vidas pela Web, o jornalismo demorou a compreender as especifici
dades dos processos interativos na rede. Atualmente, contudo, nem o
deslumbramento nem o receio de riscos encontram mais lugar. Ultra
passando os discursos essencialistas e dicotômicos, compreende-se hoje
que as diferentes convergências em andamento (entre tecnologias, culturas,
mercados, entre produtores e receptores etc.) demandam um profissional
que não apenas domine as técnicas jornalísticas e o ferramental tecnológico,
mas que também tenha grande capacidade de atualização e flexibilidade
para movimentar-se nos fluidos espaços interativos. Pois essa necessidade
repercute diretamente no sistema educacional que prepara os profissionais
para esse contexto. É justamente esse cenário que motivou este mapeamento
do ensino de jornalismo digital no Brasil.
Sabe-se que mudanças nos currículos universitários envolvem diver
sas etapas de planejamento e percalços burocráticos. O tempo que tais
processos exigem acaba por colocar as instituições de ensino superior
sempre em atraso diante das transformações do mercado. De qualquer
forma, o que se pode verificar nos resultados analisados neste capítulo é
que as faculdades de jornalismo apresentam em 2010 uma boa estrutura
didática e tecnológica para a formação de profissionais para atuarem com
jornalismo digital. Certamente, o estágio ainda não é de excelência (e tal
vez nunca o será). Diversas são as deficiências a serem enfrentadas, em ter
mos de pessoal, de recursos tecnológicos e quanto à estrutura curricular.
De todo modo, encontrou-se que 80% das 102 faculdades entrevistadas
oferecem disciplinas ligadas diretamente ao ensino de jornalismo digital.
Esta pesquisa não obteve dados qualitativos que possam explicar as razões
para a ausência dessas cadeiras específicas nas outras instituições. Poder-se-ia
até dizer que em 2010 tal lacuna não poderia mais ser justificada. O que talvez
possa minimizar o problema, como também demonstrar que as instituições
de ensino brasileiras já prestavam atenção à cibercultura, é o volume e va
riedade de disciplinas dedicadas a estudar o impacto das tecnologias digitais
na Comunicação. Em alguns currículos, tais disciplinas buscam resolver a
286 _
Cartografia do ensino de jornalismo digital no Brasil em 2010...
inexistência de matérias ligadas diretamente ao jornalismo digital. Deve-se
também lembrar que o jornalismo digital é abordado transversalmente em
diversas disciplinas do currículo. Ora, não se pode isolar o estudo da pro
dução, circulação e do consumo de notícias em suportes digitais apenas em
cadeiras específicas.
Ainda que esta pesquisa não se proponha a fazer um estudo qualitativo
em cada uma das instituições, foi possível listar uma grande quantidade de
produções laboratoriais publicadas na Web pelos alunos de jornalismo16
(onde se verificou um interesse especial por jornalismo cultural). Iden
tificou-se, a partir de visitas a cada uma das URLs informadas pelos cur
sos entrevistados, que muitas dessas iniciativas têm como base os fun
damentos e os modelos do jornalismo convencional. Tal fato demonstra
que, em diversos casos, o exercício prático desse tipo de jornalismo não
aproveita as inovações hoje disponíveis, tanto no aspecto tecnológico
quanto nas formas expressivas e interativas. Poucas eram as experiências
mais arrojadas e as tentativas de produzir o novo. Além disso, uma parte da
produção laboratorial parecia ter sido simplesmente “entregue” na rede sob
forma de trabalho acadêmico compulsório para aprovação na disciplina, lá
permanecendo sem atualização. Essa realidade indica, no mínimo, a neces
sidade do investimento na preparação mais efetiva dos professores para o
trabalho direto com as ferramentas, com os formatos e com as demandas
apresentadas pelo mercado contemporâneo da informação, em constante
mutação. Vale também defender a publicação de jornais laboratório on-line
de caráter mais permanente, que possa envolver diversas turmas da mesma
disciplina em semestres sucessivos, como também de outras cadeiras em
funcionamento simultâneo. Se a manutenção de periódicos impressos é
prática tradicional nos cursos de jornalismo, o mesmo precisa ocorrer no
contexto digital.
O mapeamento encontrou uma preocupação das instituições com o
equilíbrio entre teoria e prática. A produção laboratorial no ciberespaço,
contudo, ainda pode receber maior atenção e planejamento. Com relação
à pouca experimentação verificada nos trabalhos digitais, não há dúvida
que a instituição de ensino deve preparar seus alunos para as demandas
do mercado, mas é também papel da academia promover a invenção de
formas inovadoras, que possam renovar o próprio fazer jornalístico.
Alex Primo, Aline Strelow, Ana Gruszynski, Bernardete Toneto, et. all
_ 287
A disponibilização de infraestrutura adequada foi também um aspecto
importante investigado neste mapamento. Como se viu, as estruturas
disponíveis aos alunos ainda não são suficientes para o atendimento pleno.
Não há computadores para o número total de acadêmicos em muitas
instituições, o que obriga estas à realização de adequações nas propostas
de exercícios que passam pelo uso do aparato de informática. Além disso,
os softwares e as plataformas disponíveis são limitados, devido a restrições
financeiras, na maioria das situações, fato este que muitas vezes inviabiliza a
criação de novidades pelos alunos. Por outro lado, tendo em vista que hoje
muitos serviços on-line oferecerem recursos sofisticados de forma gratuita
(como o YouTube, por exemplo), algumas da dificuldades enfrentadas nas
instituições são remediadas através do acesso a tais tecnologias virtuais. Em
verdade, os cursos de Comunicação Social no país sempre tiveram como
desafio a aquisição e manutenção de laboratórios e seus equipamentos.
O que se enfrenta hoje na infraestrutura de informática é a rápida
obsolescência de hardware e software.
Por fim, apesar das carências e dos desafios que ainda se apresentam para
a consolidação de disciplinas e práticas de jornalismo digital nos currículos
das universidades do país, salientamos que, como o mapeamento mostrou,
a área vem recebendo atenção crescente por parte das instituições de ensino
superior. Logo, a sua valorização é um processo facilmente verificável.
Isso indica que existe o esforço para a formação de jornalistas preparados
para a realidade do mercado, capazes de lidar com os processos e com
as implicações da atualidade. Acredita-se que este mapeamento sobre
o ensino de jornalismo digital no Brasil contribuiu para a identificação
de problemas e potencialidades. Mesmo que ainda haja muito a ser
aperfeiçoado, a pesquisa mostrou que as instituições estão lutando para
manter-se em sintonia com as demandas de seu tempo.
Notas
1
288 _
Característica da primeira geração do webjornalismo, conforme Mielniczuk (2003).
A segunda geração, de acordo com a autora, é a fase em que os produtos jornalísticos
digitais exploram alguns recursos da Web, porém ainda apegados à metáfora do
jornal impresso, e a terceira geração é caracterizada pela exploração mais intensa das
Cartografia do ensino de jornalismo digital no Brasil em 2010...
potencialidades da Web para a composição dos produtos e para a produção e a apuração
das notícias.
2
Barbosa (2007) salienta que o jornalismo digital em base de dados (JDBD) é um
modelo característico da fase de transição do jornalismo digital para a sua quarta
geração. Nessa etapa, verifica-se a ampla utilização dos recursos da Web 2.0 (O’REILLY,
2005), incluindo-se, aí, a utilização de conteúdos colaborativos, isto é, amadores, nas
publicações de forma estratégica.
3
A multimidialidade é entendida aqui como a utilização de recursos de vídeo, áudio
e verbo para a composição de produtos e para a veiculação de mensagens nas redes
digitais. Mielniczuk (2003) e Palacios (2003) destacam a multimidialidade como uma
das seis características do webjornalismo de terceira geração.
4
Barbosa (2009) destaca a convergência tecnológica, empresarial e profissional como
marcas da convergência jornalística.
5
Este mapeamento faz parte do programa Rumos Jornalismo Cultural, do Itaú Cultural.
Os resultados completos (incluindo a transcrição das principais discussões do grupo
focal conduzido), assim como artigos individuais dos 8 professores selecionados pelo
programa, foram publicados em um livro editado pela mesma instituição. Em 2008,
um projeto semelhante mapeou o ensino de jornalismo cultural nas universidades
brasileiras. (AZZOLINO et al., 2008)
6
http//: emec.mec.gov.br
7
O questionário utilizado na pesquisa foi desenvolvido a partir do modelo proposto
publicado em Saad Corrêa e Almeida (2009), pertencente ao projeto “O Ensino
de Jornalismo na Era da Convergência Tecnológica. Metodologias, Planos de
estudo e Demandas Profissionais” (www.procadjor.cce.ufsc.br). Trata-se de uma
iniciativa contemplada com verba do Programa Nacional de Cooperação Acadêmica
(PROCAD), da CAPES, reunindo equipes de quatro instituições brasileiras de
ensino superior: Universidade Federal da Bahia (UFBA), Escola de Comunicação e
Artes da Universidade de São Paulo (USP), Universidade Tuiuti do Paraná (UTP)
e Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC).
8
Antes desta etapa operacional da pesquisa (envio de questionários, tabulação de dados),
foi realizado, em dezembro de 2009, o seminário “Convergências”, na sede do Itaú
Cultural, em São Paulo. Na ocasião, os pesquisadores selecionados para a atividade
tiveram o seu primeiro contato e também ocorreram reflexões acerca de questões
ligadas ao jornalismo digital. Além disso, foi apresentada à equipe a plataforma de
ensino e fórum à distância chamada de B2Learn. Esta foi utilizada ao longo da pesquisa
para a realização de fóruns, chats quinzenais e publicação de documentos.
9
Gerson Martins (UFMS), Suzana Barbosa (UFBA), Luciana Mielniczuk (UFSM),
Claudia Quadros (UTP), Fabio Malini (UFES) e Beth Saad (USP).
10
Nomenclaturas como jornalismo on-line (construído em tempo real, no instante da
conexão), webjornalismo (jornalismo na web), ciberjornalismo (característico do
ciberespaço) e jornalismo multimídia (possível em redações integradas, que deman
Alex Primo, Aline Strelow, Ana Gruszynski, Bernardete Toneto, et. all
_ 289
dam produção para várias plataformas) são bastante utilizadas para a designação do
jornalismo na internet.(MIELNICZUK, 2003; DEUZE, 2006) Neste trabalho,
optamos pelo termo jornalismo digital, ou jornalismo em redes digitais. Isso porque,
em concordância com de Barbosa (2007) e Silva (2008), acredita-se que a inclusão
de tecnologias móveis de comunicação nos sistemas de produção e de transmissão
de informações demonstra que já não estamos falando meramente de um modelo
jornalístico possibilitado somente pelos recursos da web, ou de um tipo único de
jornalismo, que abarca apenas uma prática ou modelo possível no contexto digital.
11
A única instituição comunitária a responder o questionário informou que oferece um
computador por aluno nas atividades curriculares.
12
Uma das etapas do mapeamento foi a coleta de informações através da realização de
um grupo focal. A partir do envio dos questionários e das respostas obtidas, foram
selecionados seis professores e pesquisadores que poderiam contribuir de maneira
significativa para a discussão dos temas propostos. Em virtude do espaço limitado deste
capítulo, a transcrição do debate pode ser apenas encontrada no livro do Mapeamento
do Ensino de Jornalismo Digital no Brasil em 2010.
13
Como cada instituição respondente informou vários programas, a porcentagem total
supera 100%.
14
Quando uma página é um site que apresenta links para comunidades no Twitter
ou vídeos no YouTube, por exemplo, ela é identificada por três variáveis diferentes
simultaneamente, por isso o número de variáveis apresentadas ultrapassa as 134 URLs
mapeadas.
15
Conforme mencionado anteriormente, tendo em vista que o mapeamento de 2008,
do programa Rumos Itaú Cultural, investigou o ensino de jornalismo cultural no
país, esta questão buscou fazer a inter-relação entre os mapeamentos de 2008 e 2010.
16
A listagem completa das URLs informadas pode ser encontrada no seguinte endereço:
http://www.itaucultural.org.br/jornalismodigital.
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