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2020, Juventudes: entre A e Z, org. Maurício Perondi, Gislei D. R. Lazzarotto, Tanise Baptista de Medeiros e Wesley Ferreira de Carvalho

JUVENTUDES ENTRE A&Z Mauricio Perondi Gislei D. R. Lazzarotto Tanise Baptista de Medeiros Wesley Ferreira de Carvalho (Organizadores) PORTO ALEGRE 2020 Copyright © Editora CirKula LTDA, 2020. 1° edição - 2020 Organizadores da Obra: Mauricio Perondi, Gislei D. R. Lazzarotto Tanise Baptista de Medeiros e Wesley Ferreira de Carvalho Edição, Diagramação e Projeto Gráfico: Mauro Meirelles Revisão: Mauro Meirelles Capa: Luciana Hoppe Tiragem: 500 exemplares para distribuição on-line Editora CirKula Av. Osvaldo Aranha, 522 - Loja 1 - Bomfim Porto Alegre - RS - CEP: 90035-190 e-mail: editora@cirkula.com.br Loja Virtual: www.livrariacirkula.com.br CONSELHO EDITORIAL Mauro Meirelles Jussara Reis Prá José Rogério Lopes César Alessandro Sagrillo Figueiredo CONSELHO CIENTÍFICO Alejandro Frigerio (Argentina) André Luiz da Silva (Brasil) Antonio David Cattani (Brasil) Arnaud Sales (Canadá) Cíntia Inês Boll (Brasil) Daniel Gustavo Mocelin (Brasil) Dominique Maingueneau (França) Estela Maris Giordani (Brasil) Hermógenes Saviani Filho (Brasil) Hilario Wynarczyk (Argentina) Jaqueline Moll (Brasil) José Rogério Lopes (Brasil) Ileizi Luciana Fiorelli Silva (Brasil) Leandro Raizer (Brasil) Luís Fernando Santos Corrêa da Silva (Brasil) Lygia Costa (Brasil) Maria Regina Momesso (Brasil) Marie Jane Soares Carvalho (Brasil) Mauro Meirelles (Brasil) Simone L. Sperhacke (Brasil) Silvio Roberto Taffarel (Brasil) Stefania Capone (França) Thiago Ingrassia Pereira (Brasil) Wrana Panizzi (Brasil) Zilá Bernd (Brasil) Sumário 13 O QUE É O CIESS? 15 APRESENTAÇÃO 21 18 ANOS 25 ABANDONO ESCOLAR 30 ACOLHIMENTO INSTITUCIONAL I 34 ACOLHIMENTO INSTITUCIONAL II 38 ADOLESCER 42 ALEGRIA 46 ALERTA 50 AMIGA 52 AMORA 55 BRANQUITUDE I (UM INCÔMODO) 59 BRANQUITUDE II - PRÁTICAS ANTIRRACISTAS 63 CANETA 67 CENTRO DA JUVENTUDE (CJ) 72 CIBERCULTURA 76 CONFLITO COM A LEI 80 CORPO 84 CORRE 87 COTAS 93 COTAS-RUPTURA 97 COVID-19 102 COZINHAR 108 CUIDADO 112 CULTURAS JUVENIS 116 DEFENSORIA 118 DEFICIÊNCIA 122 DENÚNCIA 124 DIREITOS HUMANOS 128 DROGA 132 EDUCAÇÃO - ESCOLARIZAÇÃO 136 EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS – EJA 140 EDUCAÇÃO SOCIAL 146 EDUCADORA(OR) SOCIAL 153 EMBOLAMENTO 157 ENSINO MÉDIO 162 ESCUTA 164 ESQUECER 168 ESTATUTO DA JUVENTUDE 172 ETNIA 177 EXPERIMENTAR 180 FAMÍLIA 185 FEMINISMO 188 FEMINISMO NEGRO 194 FLOR 198 FRAU (COM) 201 FRAU 203 FUNK 207 FUTURO 211 GARANTIA DE DIREITOS 215 GÊNERO TEM NOME? 218 GÊNERO 222 GENOCÍDIO 226 GERAÇÃO 231 HOMOSSEXUALIDADE 234 HORÁRIO 238 IMAGEM 241 INFECÇÕES SEXUALMENTE TRANSMISSÍVEIS 244 JUSTIÇA RESTAURATIVA 248 JUSTIÇA JUVENIL 252 JUVENICÍDIO 255 JUVENTUDES 260 JUVENTUDE INDÍGENA 263 JUVENTUDE PARA CRIANÇAS 267 KIT 270 LADAIA 273 LIBERDADE 278 MAIORIDADE PENAL 282 MARIELLE 287 MASCULINIDADES I 290 MASCULINIDADES II 295 MATERNAR 299 MEDIDA SOCIOEDUCATIVA 303 MEMES 307 MERITOCRACIA E ENSINO SUPERIOR 309 MIMIMI 313 MORTE(S) 317 MOVIMENTOS 321 NAMORAR I 326 NAMORAR II 330 NASK 333 NEGRITUDE 336 OCUPAR 337 OFICINAS SOCIEDUCATIVAS 340 PARAISÓPOLIS 344 PATERNIDADE PRETA 347 PERFORMATIVIDADE 350 PODER 353 POETIZAR 355 PROFISSIONALIZAÇÃO 359 PROJETO DE VIDA 365 QUEER 368 QUILOMBO 372 RAÇA 376 RACIALIZAR 381 RECORTAR-SE 385 RESISTIR 388 RUA 393 RURALIDADES 396 SAÚDE MENTAL 400 SEXUALIDADE 405 SLAM 409 SOCIAL 410 SORA/SOR 413 TESTEMUNHO 417 TRABALHAR 421 TRABALHO 426 TRANSGENERIDADES 431 UNIVERSIDADE 435 VIOLÊNCIA CONTRA MULHERES 440 VIDA 443 VOZ 448 WHATSAPP 453 X DA QUESTÃO 457 YUPPIE 460 ZOEIRA Juventudes: entre A & Z Funk Carlos Palombini Professor de Musicologia, UFMG; membro permanente do Programa de Pós-Graduação em Música, UNIRIO; bolsista de produtividade em pesquisa, CNPq. E-mail: cpalombini@gmail.com Bailes funk são eventos de enorme importância na vida social, econômica, cultural e, especificamente, musical das favelas do Rio de Janeiro, de São Paulo, de Belo Horizonte, Vitória, Porto Alegre e outras capitais. Neles surgem e se desenvolvem DJs, MCs, compositores e produtores culturais cuja inventividade irá eventualmente alimentar um mercado que se expande além das favelas e fronteiras nacionais. Esse mercado inclui as chamadas grandes gravadoras, os conglomerados de mídia, e empresas como a KondZilla e a GR6, todos dependentes da escola dos bailes, onde talentos se exercitam e se desenvolvem, mas ele inclui também uma economia local que movimenta barbeiros, salões de beleza, mercadores ambulantes, moto-taxistas, tendas de coquetéis, distribuidores de bebidas etc. O tratamento que o poder público dispensa a tais eventos revela a natureza cínica dos discursos sobre empreendedorismo. É nos bailes que a música funk revela seu significado. Ela compreende uma variedade de subgêneros: melô, rap, proibidão, consciente, putaria, melody, ostentação, montagem, gospel, comédia, pop, neurótico, 150 BPM, rasteirinha, arrocha-funk etc. Os subgêneros não se definem apenas por temáticas, mas também por técnicas, sonoridades, pontos de vista, ritmos e andamentos. Alguns deles são históricos, como a melô e o rap. Outros se hibridizam. E nem sempre é fácil 203 Juventudes: entre A & Z situar uma música inequivocamente em um ou outro subgênero. Divido a história da música funk em três períodos: formação, da segunda metade dos anos 1980 ao final dos anos 1990; consolidação, na primeira década do século XXI; e expansão, de 2010 em diante. Parte do período de formação está registrada no livro de Hermano Vianna, O mundo funk carioca (1988), e no documentário de Sergio Goldenberg, Funk Rio (1994). Parte do período de consolidação, no livro de Silvio Essinger, Batidão: uma história do funk (2005), e no documentário de Denise Garcia, Sou feia mas tô na moda (2005). O período de expansão está marcado por documentários demasiado numerosos para citar aqui, mas não conta com literatura que lhe faça jus. Em cada um dos três períodos destacaram-se subgêneros específicos: melôs, raps, montagens e melody, no primeiro; putaria e proibidão, no segundo; putaria, pop-funk, ostentação e 150 BPM, no terceiro. O funk se transforma em função da inventividade dos funkeiros; das possibilidades de seu aparato técnico; e das imposições do aparato de repressão estatal. Assim, ele se insere na história das manifestações culturais afro-diaspóricas de modo geral e afro-brasileiras em particular. Os anos 1990 são a era dos raps, também chamados de “raps pede-a-paz” porque, em meio a referências a diferentes comunidades, galeras, bondes e indivíduos, o que mais se ouvia eram pedidos de paz nos bailes. São exemplos o “Rap do Silva” do MC Bob Rum (1995) e o “Rap da felicidade” de Katia e Julinho Rasta, interpretado pelos MCs Cidinho e Doca (1995). A primeira década dos anos 2000 assiste à ascensão de mulheres nos papeis de MCs e dançarinas e à prevalência da putaria e do proibidão. Já não se briga nos bailes. Ao invés, o repertório encena jogos de guerra e sedução. Ilustram o período “Boladona” com a MC Tati Quebra Barraco (2004) e “Na Faixa de Gaza 204 é assim” do MC Orelha (2009). Os anos 2010 presenciam o Juventudes: entre A & Z deslocamento da economia do funk para a cidade de São Paulo, consequência de políticas públicas militarizadas de segurança dos governos federal e estadual para o estado do Rio de Janeiro; a ascensão de monopólios paulistas como KondZilla e GR6; e a popularidade do subgênero ostentação. Proliferam híbridos como o arrocha-funk, o brega-funk, o funknejo, o pagodão e o trap-funk, bem como os dançarinos de passinho e os MCs mirins. Ao mesmo tempo, as cenas de Vitória e Belo Horizonte desenvolvem características próprias que, por sua vez, são seletivamente incorporadas ao mainstream. Entre os exemplos estão “Passinho do faraó” do MC Bin Laden (2014), “Vidro Fumê” do MC TH (2015), “Arrocha da Penha” do MC Flavinho (2016), “Bum bum tam tam” do MC Fioti (2017), “Envolvimento” da MC Loma com as Gêmeas Lacração (2018), e “Cobiçadas do Twitter”, do MC Rick. A cada um do que chamei de três períodos do funk carioca correspondem meios diferentes de disseminação. No período de formação convivemos com equipes de som, bailes em clubes, programas de rádio e televisão, LPs, fitas cassete, CDs e MDs. No de consolidação as equipes continuam, mas os bailes de deslocam para as comunidades: proliferam as rádios digitais, os blogs e flogs, a distribuição por 4-Shared e YouTube, e os CDs piratas, com séries dedicadas aos bailes de favelas específicas e ao proibidão. No de expansão as equipes minguam, blogs, flogs e rádios digitais são substituídos por canais monetizados de YouTube e por Soundcloud, e a cidade de São Paulo passa a oferecer condições mais favoráveis de trabalho para DJs e MCs. Na década de 2020, o funk continuará a se renovar ano a ano, como o tem feito desde sempre. A repressão seguirá seu curso e resultará tanto em carreiras arruinadas quanto em transformações musicais. O underground trará surpresas que alimentarão o mainstream, e este buscará ocupar o mercado internacional. As hibridações seguirão 205 Juventudes: entre A & Z seu curso e se estabelecerão laços com o trap. Os artistas continuarão a ser economicamente explorados e violados em suas garantias constitucionais. A importância de se falar de funk sem preconceitos está diretamente relacionada à defesa da liberdade de expressão. A história da música funk carioca se inicia oficialmente em 1989, um ano após a Constituição de 1988. Ela mostra o quanto o Estado dito democrático de direito, a sociedade inclusa, está disposto a transigir com as cláusulas pétreas quando o assunto é funk ou juventude negra periférica. Ora, se essas cláusulas não valem para os funkeiros, não há estado democrático de direito, e elas não valem para quaisquer uns. 206
Funk Carlos Palombini Professor de Musicologia, UFMG; membro permanente do programa de pós-graduação em música, UNIRIO; bolsista de produtividade em pesquisa, CNPq. Bailes funk são eventos de enorme importância na vida social, econômica, cultural e, especificamente, musical das favelas do Rio de Janeiro, de São Paulo, Belo Horizonte, Vitória, Porto Alegre e outras capitais. Neles surgem e se desenvolvem DJs, MCs, compositores e produtores culturais cuja inventividade alimentará um mercado que se expande além das favelas e fronteiras nacionais. Esse mercado inclui as chamadas grandes gravadoras, os conglomerados de mídia, e empresas como a KondZilla e a GR6, mas depende da escola dos bailes, onde talentos se exercitam e se desenvolvem. Ele inclui também uma economia local que movimenta barbeiros, salões de beleza, mercadores ambulantes, moto-taxistas, tendas de coquetéis, distribuidores de bebidas etc. O tratamento que o poder público dispensa a tais eventos revela a natureza dos discursos sobre empreendedorismo. A música funk mostra seu significado nos bailes. Ela compreende uma variedade de subgêneros: melô, rap, proibidão, consciente, putaria, melody, ostentação, montagem, gospel, comédia, pop, neurótico, 150 BPM, rasteirinha, arrocha-funk etc. Os subgêneros não se definem apenas por temáticas, mas também por técnicas, sonoridades, pontos de vista, ritmos e andamentos. Alguns deles são históricos, como a melô e o rap. Outros se hibridizam. E nem sempre é fácil situar uma música inequivocamente em um ou outro subgênero. Divido a história da música funk em três períodos: formação, da segunda metade dos anos 1980 ao final dos anos 1990; consolidação, na primeira década do século XXI; e expansão, de 2010 em diante. Parte do período de formação está registrada no livro de Hermano Vianna, O mundo funk carioca (1988), e no documentário de Sergio Goldenberg, Funk Rio (1994). Parte do período de consolidação, no livro de Silvio Essinger, Batidão: uma história do funk (2005), e no documentário de Denise Garcia, Sou feia mas tô na moda (2005). O período de expansão se conta em documentários demasiado numerosos para citar aqui. Em cada um dos três períodos destacaram-se subgêneros específicos: melôs, raps, montagens e melody, no primeiro; putaria e proibidão, no segundo; putaria, pop-funk, ostentação e 150 BPM, no terceiro. O funk se transforma em função da inventividade dos funkeiros; das possibilidades de seu aparato técnico; e das imposições do aparato de repressão estatal. Os anos 1990 são a era dos raps, também chamados de “raps pede-a-paz” porque, em meio a referências a diferentes comunidades, galeras, bondes e indivíduos, o que mais se ouvia eram pedidos de paz nos bailes. São exemplos o “Rap do Silva” do MC Bob Rum (1995) e o “Rap da felicidade” de Katia e Julinho Rasta, interpretado pelos MCs Cidinho e Doca (1995). A primeira década dos anos 2000 presencia a ascensão de mulheres nos papeis de MCs e dançarinas e a prevalência da putaria e do proibidão. Já não se briga nos bailes. Ao invés, o repertório encena jogos de guerra e sedução. Ilustram o período “Boladona” com a MC Tati Quebra Barraco (2004) e “Na Faixa de Gaza é assim” do MC Orelha (2009). Os anos 2010 assistem ao deslocamento da economia do funk para a cidade de São Paulo, consequência de políticas públicas militarizadas de segurança dos governos federal e estadual para o estado do Rio de Janeiro; ao surgimento de monopólios paulistas como KondZilla e GR6; e à popularidade do subgênero ostentação. Proliferam híbridos como o arrocha-funk, o brega-funk, o funknejo, o pagodão e o trap-funk, bem como os dançarinos de passinho e os MCs mirins. Ao mesmo tempo, as cenas de Vitória e Belo Horizonte desenvolvem características próprias que, por sua vez, são seletivamente incorporadas ao mainstream. Entre os exemplos estão “Passinho do faraó” do MC Bin Laden (2014), “Vidro Fumê” do MC TH (2015), “Arrocha da Penha” do MC Flavinho (2016), “Bum bum tam tam” do MC Fioti (2017), “Envolvimento” da MC Loma com as Gêmeas Lacração (2018), e “Cobiçadas do Twitter”, do MC Rick (2018). A cada um do que chamei de três períodos do funk carioca correspondem meios diferentes de disseminação. No período de formação convivemos com equipes de som, bailes em clubes de subúrbios, programas de rádio e televisão, LPs, fitas cassete, CDs e MDs. No de consolidação as equipes continuam, mas os bailes de deslocam para as comunidades: proliferam as rádios digitais, os blogs e flogs, a distribuição por 4-Shared e YouTube, e os CDs piratas, com séries dedicadas a bailes de favelas específicas e ao proibidão. No de expansão as equipes minguam, blogs, flogs e rádios digitais são substituídos por canais monetizados de YouTube e por Soundcloud, e a cidade de São Paulo passa a oferecer condições mais favoráveis de trabalho para DJs e MCs. Na década de 2020, o funk continuará a se renovar, como o tem feito desde sempre. A repressão seguirá seu curso e resultará tanto em carreiras arruinadas quanto em transformações musicais. O underground trará surpresas que alimentarão o mainstream, e este buscará ocupar o mercado internacional. As hibridações seguirão seu curso e se estabelecerão laços com o trap. Os artistas continuarão a ser economicamente explorados e violados em suas garantias constitucionais. A importância de se falar de funk sem preconceitos está diretamente relacionada à defesa da liberdade de expressão. A história da música funk carioca se inicia oficialmente em 1989, um ano após a Constituição de 1988. Ela mostra o quanto o Estado dito democrático de direito, a sociedade inclusa, está disposto a transigir com as cláusulas pétreas quando o assunto é funk ou juventude negra periférica. Se essas cláusulas não valem para os funkeiros, não há estado democrático de direito, e elas podem não valer para você e eu. 2