[go: up one dir, main page]

Academia.eduAcademia.edu
CAPÍTULO 13 DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL NO SEMIÁRIDO: A EXPERIÊNCIA DA COOPERATIVA AGROPECUÁRIA FAMILIAR DE CURAÇÁ, UAUÁ E CANUDOS COOPERCUC Luama Soraia Coelho Lins UNIVASF-PPGDiDeS/ Petrolina- PE Bruno Emanuel Correia da Silva UNIVASF-PPGDiDeS/ Petrolina- PE Iuric Pires Martins UNIVASF-PPGDiDeS/ Petrolina- PE Alvany Maria dos Santos Santiago UNIVASF-PPGDiDeS/ Petrolina- PE RESUMO: O presente trabalho tem a finalidade de descrever o contexto de desenvolvimento sustentável da COOPERCUC, tendo como objeto de estudo o impacto social transformador da cooperativa e a sua convivência com o semiárido. Para tanto, utilizou da pesquisa descritiva e exploratória, de caráter qualitativo. Os dados foram coletados em documentos da organização e em visita técnica realizada. A Cooperativa Agropecuária Familiar de Canudos, Uauá e Curaçá (COOPERCUC) convive com o semiárido visando uma produção ecologicamente correta em favor da preservação do bioma caatinga, economicamente viável e socialmente justa e solidária, contribuindo para o desenvolvimento das comunidades, no Território do Sertão do São Francisco, região semiárida da Bahia. Observase que a cooperativa tem se desenvolvido de forma positiva e tem beneficiado os agentes envolvidos. As parcerias construídas ao longo Administração, Empreendedorismo e Inovação 3 do tempo têm colaborado economicamente, agregando valor aos processos e também fortalecendo a agricultura familiar possibilitando assim, um desenvolvimento sustentável para as regiões atendidas. PALAVRAS-CHAVE: Desenvolvimento Sustentável, Agricultura familiar e Convivência com o semiárido. ABSTRACT: The purpose of this paper is to describe COOPERCUC ‘s sustainable development context, with the purpose of studying the transformative social impact of the cooperative and its coexistence with the semi - arid region. For that, he used descriptive and exploratory research, of a qualitative nature. The data were collected in the organization’s documents and in a technical visit. The Cooperativa Agropecuária Familiar de Canudos, Uauá and Curaçá (COOPERCUC) coexists with the semi-arid region aiming at an ecologically correct production in favor of the preservation of the caatinga biome, economically viable and socially just and solidary, contributing to the development of the communities in the Sertão São Francisco, semi-arid region of Bahia. It is observed that the cooperative has developed in a positive way and has benefited the agents involved. The partnerships built over time have collaborated economically, adding value to the processes and also strengthening family Capítulo 13 168 farming, thus enabling a sustainable development for the regions served. KEYWORDS: Sustainable Development, Family Agriculture and Living with the semiarid. INTRODUÇÃO A Cooperativa Agropecuária Familiar de Canudos, Uauá e Curaçá –COOPERCUC, convive com o semiárido visando uma produção ecologicamente correta em favor da preservação do bioma caatinga, atuando de modo economicamente viável e socialmente justa e solidária, contribuindo assim, para o desenvolvimento de comunidades localizadas nos municípios de Canudos, Uauá e Curaçá, no Território do Sertão do São Francisco, região semiárida da Bahia. Com cerca de 200 cooperados, formada por agricultores familiares, em sua maioria mulheres, nasceu das bases dos movimentos sociais, mutirões, missões, grupos de catequeses e organizações não governamentais. Com uma ação inédita, no sentido de desenvolver a utilização de produtos nativos da caatinga, especialmente o umbu e o maracujá da caatinga (COOPERCUC, 2016). Constituída em junho de 2004, tendo como base o consumo consciente, comércio justo e a economia solidária, tornou-se de grande relevância para o desenvolvimento sustentável do Semiárido. Fortalecida pela parceria comercial baseada na transparência e respeito com atores internacionais, a COOPERCUC participa intensamente do mercado justo internacional, chamado também de Fair Trade. O Comércio Justo ou Fair Trade é uma modalidade de certificação internacional que pretende criar alternativas para atual forma de comercialização baseado no modelo econômico capitalista. Esse método tem como objetivo garantir a ‘não exploração’ dos produtores, consumidores e meio ambiente, como também, gerar uma melhoria nas relações comerciais entre produtores de países subdesenvolvidos do hemisfério sul e consumidores solidários do hemisfério norte. (BECCHETTI, 2002). Os consumidores finais não compram produtos de Comércio Justo por simples caridade, e sim porque optam por produtos que, além da boa qualidade, agregam valor social. Comprar produtos de Comércio Justo é um estilo de vida de quem acredita que outro mundo é possível, mas, ao mesmo tempo, não abre mão da qualidade a que está acostumado (SEBRAE NACIONAL, 2016). Em 2009, 50% da produção foi vendida para o governo federal, através do Programa de Aquisição de Alimentos - PAA, operacionalizado pela Companhia Nacional do Abastecimento - CONAB; 25% ao mercado internacional (França, Áustria e Itália); e 25% ao mercado nacional. Hoje, a Cooperativa tem certificação extrativista, orgânica e Fair Trade. Cerca de 250 famílias são beneficiadas pelo trabalho, gerando uma melhoria na renda em torno de 30% (ASA, CENSO 2010). O trabalho da Cooperativa é referência regional, nacional e internacional. Sua experiência demonstra que a economia solidária acontece pautando um jeito Administração, Empreendedorismo e Inovação 3 Capítulo 13 169 diferente de produzir, vender, comprar, sem explorar, sem destruir o meio ambiente. A economia solidária é mera resposta à incapacidade do capitalismo de integrar em sua economia todos os membros da sociedade desejosos e necessitados de trabalhar (SINGER, 2002). Nesse sentido, o objetivo deste estudo é descrever o contexto de desenvolvimento sustentável da COOPERCUC, tendo como objeto de estudo o impacto social transformador da cooperativa e a sua convivência com o semiárido. CONTEXTO HISTÓRICO A COOPERCUC desde o seu início, no final da década de 80, tem como objetivo promover a participação de mulheres do local e aproximar a comunidade em torno do processamento de frutas, com o intuito de gerar emprego e renda. As iniciativas de associativismo e cooperativismo tem permitido aos associados o enfrentamento das diferenças e promoção do desenvolvimento local, e assim, tem possibilitado uma troca de experiências e de convivência entre as pessoas constituindo assim, em oportunidade de crescimento e desenvolvimento. Para Dovers e Handmer (1992), sustentabilidade é a capacidade de um sistema humano, natural ou misto resistir ou se adaptar à mudança endógena ou exógena por tempo indeterminado. Essa relação do homem, convivendo em harmonia com a natureza, para Begon, Townsend e Harper (2007) significa algo que possa ser repetido em um futuro previsível, o que se enquadra nesse contexto de associativismo e cooperativismo da COOPERCUC e sua relação de desenvolvimento sustentável. Um longo caminho foi percorrido até os dias atuais, os números apresentam a evolução de um trabalho sério e que traz na bagagem, um valor social indiscutível. Atualmente, a COOPERCUC, possui 16 mini fábricas nas comunidades em três muncipíos, com uma fábrica central no município de Uauá – BA o que representa uma maior qualidade e o aumento do volume produzido pelos grupos. Sua capacidade consolidada de produção é de 200 toneladas de doces por ano, em virtude da atuação de 271 associados nas 18 comunidades, beneficiando e processando os frutos da região. A estrutura comercial e produtiva consolidada vem conseguindo agregar ao sabor e qualidade de seus produtos dando visibilidade à proposta de produção e, sobretudo, melhorando as condições de vida de centenas de famílias destas regiões. De acordo com os dados do Censo Agropecuário (2006), são mais de quatro milhões e 360 mil estabelecimentos da agricultura familiar no Brasil, o que representa 84,4% dos estabelecimentos rurais brasileiros. Quanto à mão-de-obra empregada nessas unidades, há 12,3 milhões de pessoas trabalhando na agricultura familiar, o que corresponde a 74,4% do pessoal ocupado no total dos estabelecimentos agropecuários (IBGE, 2006). Nessa perspectiva a COOPERCUC tem uma importante participação no Administração, Empreendedorismo e Inovação 3 Capítulo 13 170 crescimento econômico e social baseado nos princípios da convivência com o semiárido e apresenta característica multifuncional, que compreende a segurança alimentar e nutricional, a função social e a função econômica. A função social da agricultura familiar é reconhecida por alguns fatores como a preservação de tradições alimentares da região e na forma da produção, mantendo a simplicidade do meio rural e às tradições culturais do seu povo. Essa mudança na estrutura social é algo inovador, e remete à ideia de preocupação com a melhoria nas condições de vida e a preservação da biodiversidade a partir do estímulo da agricultura orgânica familiar e a preservação do Umbuzeiro, e também a preservação da própria Caatinga, bioma que sofre com a degradação e a ameaça de desertificação A principal matéria-prima, o umbu, é proveniente do Umbuzeiro, e a colheita do umbu é uma atividade não só econômica, mas também cultural, que perpassa gerações e gerações, uma tradição enraizada nas famílias locais, oferecendo todos os anos, uma oportunidade de renda garantida nos períodos da safra da região. Nesse sentido, é importante, à participação dos associados nas decisões políticas que promoverem a conservação do solo, gerenciar os recursos naturais de modo sustentável e preservar a biodiversidade com condições de manejo e de póscolheita adequados, é um modo de apoiar um projeto que garante o desenvolvimento sustentável dessa cultura. Segundo Ruscheinsky (2004) sustentabilidade é um termo que tem origem na agricultura, sendo uma palavra dinâmica, visa manter a capacidade de reposição de uma população, isto é, manter a biodiversidade sem perdas para o funcionamento do sistema. E para alavancar as oportunidades, existe um amplo mercado interno e externo a ser explorado e que atualmente ainda está muito restrito na região Nordeste, onde os frutos são bastante usados na culinária local. Segundo dados da IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) o estado da Bahia tem 88% da produção Nacional. A partir da obtenção do selo Flo Fair Trade, possibilitou a cooperativa a ampliação do mercado de comércio justo, e também, a Certificação Orgânica, trouxe outros benefícios aos seus membros, seja com acesso as vendas institucionais através de programas como o PNAE (Programa Nacional de Alimentação Escolar) e o Programa de Aquisição de Alimentos (PAA) da Conab (Companhia Nacional de Abastecimento) compra produtos alimentícios diretamente dos agricultores familiares, ou suas organizações, com a dispensa de licitação. A cooperativa tem agregado valor a marca e trabalhado parcerias com importantes instituições na perspectiva de estabelecer novos negócios e garantir a conquista de novos mercados, dispondo de diversificados produtos como doces cremosos, de corte, light, sucos, geléias, compotas e polpas, que compõem a linha GRAVETEIRO. Essas estratégias possibilitaram a COOPERCUC trabalhar com grandes redes como o Pão de Açúcar e WalMart e ainda a exportação de outros produtos para a França (2005) e Áustria (2008). Administração, Empreendedorismo e Inovação 3 Capítulo 13 171 Esse conjunto de mudanças na vida dessas famílias associadas, na forma de pensar e de agir, e acima de tudo no espírito de preservação do Umbuzeiro e do bioma Caatinga, tem contribuindo para estreitamento da relação de pertencimento local. No tocante aos dados sobre comercialização dos produtos desenvolvidos pela Cooperativa (COOPERCUC), os valores obtidos em atividades comerciais com o governo federal através do Programa de Aquisição de Alimentos - PAA, operacionalizado pela Companhia Nacional do Abastecimento – CONAB, obtiveram maior destaque em valores faturados através da comercialização. O Gráfico 01 abaixo comprova esses números. Fonte: COOPERCUC, 2016. No ano de 2003, antes mesmo de sua constituição legal, a COOPERCUC conseguiu contabilizar um valor aproximado de R$45.000,00 (Quarenta e cinco mil reais) junto ao programa (PAA). No ano seguinte (2004), com a cooperativa devidamente constituída, tiveram um aumento de 33,33% chegando assim a registrar R$60.000,00 (Sessenta mil reais) na comercialização com o programa. Em 2005, notase um aumento superior ao observado entre o período 2003-2004. Em percentual, este acréscimo foi de 100% em relação ao ano anterior chegando então a um volume de R$120.000,00 (cento e vinte mil reais). Constituída em junho de 2004, sua atuação é de grande relevância para o desenvolvimento sustentável do Semiárido. Para uma compreensão do significado do termo consumo consciente, já se observa de antemão que o termo consciente procura diferenciar a forma de consumo atual de uma nova forma de consumo, o que significa, portanto, que a forma de consumir até então não se deu dentro de padrões consciente (FAJARDO, 2010). Formada por agricultores e agricultoras familiares nasceu das bases dos movimentos sociais, mutirões, missões, grupos de catequeses e organizações Administração, Empreendedorismo e Inovação 3 Capítulo 13 172 não governamentais. Com uma ação inédita, no sentido de internacionalizar produtos nativos da caatinga, especialmente o umbu e o maracujá da caatinga. No ano de 2006, chegou-se a um valor de comercialização de R$280.000,00 (duzentos e oitenta mil reais) e em 2007, R$390.000,00 (trezentos e noventa mil), sendo os percentuais de crescimento em relação ao período anterior respectivamente 133,33% e 39,29%. No ano de 2008 o volume comercializado chegou a R$700.000,00 (setecentos mil reais), elevando a comercialização dos produtos da Cooperativa a um patamar, acima de R$500.000,00 (quinhentos mil reais) que se sustentou até o ano de 2015. Em 2009 por motivos internos, não houve o registro dos dados referente a comercialização através do PAA. Em 2010 e 2011 os valores se estabilizaram na casa dos R$600.000,00 (seiscentos mil reais). Nos anos de 2012 e 2013 obtiveram valores aproximados de R$800.000,00 (oitocentos mil reais), sendo o aumento percentual de 33,33% entre o ano de 2011 e 2012, estabilizado na relação 2012-2013. Já no ano de 2014 foram comercializados R$832.000,00 (oitocentos e trinta e dois mil reais), que em comparação ao período anterior, houve um aumento de apenas 4%. E no último não registrado, 2015, a Cooperativa obteve uma queda no volume comercializado em relação a 2014. O Gráfico 02 representa a relação de comercialização dos produtos com os outros mercados. No ano de 2012 houve um aumento de 15,17% na comercialização externa, chegando a R$211.906,91. Em 2013 foi registrada uma queda de 8,39% em relação ao ano anterior. Já em 2014 o valor comercializado com outros mercados foi de R$485.293,08, um aumento bastante considerável de 150%. E por fim, em 2015, o ano termina com uma queda no volume comercializado em torno de 63,35%. Fonte: COOPERCUC, 2016. Administração, Empreendedorismo e Inovação 3 Capítulo 13 173 Área Geográfica de atuação da COOPERCUC. Fonte: COOPERCUC, 2016. O EMPODERAMENTO FEMININO NO CAMPO O Empoderamento das mulheres e a promoção da igualdade de gênero nas diversas áreas, inclusive, econômicas e sociais, garantem a real força da economia, incentiva os negócios, melhora a condição de vida de mulheres, homens, crianças, e promove o desenvolvimento sustentável (ONU Mulheres, 2011). Baseada nessa visão de empoderamento feminino e de convivência com o semiárido que se iniciou os trabalhos da pastoral familiar, da igreja católica com as mulheres da Zona Rural de Uauá-BA, posteriormente, cresceu e junto com outras parcerias se tornou a Administração, Empreendedorismo e Inovação 3 Capítulo 13 174 COOPERCUC como se conhece atualmente. As mulheres trabalhadoras do campo desenvolveram, mesmo sem conhecimento teórico, um trabalho comunitário de cunho político organizativo. De acordo com Singer (2002), as cooperativas de produção são associações de trabalhadores, inclusive administradores, planejadores, técnicos etc., que visam produzir bens ou serviços a serem vendidos em mercados. Esse modelo de cooperativismo, segundo o autor, é o exemplo de empresa solidária, em que se pratica a autogestão, potencialmente, voltada ao desenvolvimento humano de seus praticantes. Dessa forma, participar das discussões e decisões do coletivo, ao qual se está associado, educa e conscientiza, tornando a pessoa mais realizada, autoconfiante e segura. Castro e Rodrigues (2014, p.40) ressaltam que: As cooperativas são agentes indispensáveis para a integração do setor produtivo ao mercado, pois desempenham papel fomentador do desenvolvimento econômico pela mediação e articulação que exercem entre os diferentes atores econômicos, sendo os principais braços desta integração. A cooperação vem recebendo atenção como alternativa para provocar quando não potencializar o desenvolvimento econômico e social dos países, além de apresentar-se um mecanismo capaz de expandir a competitividade das empresas. Tal perspectiva de cooperação busca assegurar autonomia de cada cooperado (a) no processo de produção como um todo, possibilitando a comercialização, padronização do uso da marca, aquisição de insumos, fornecimento de documentos, entre outras funções. Pesquisas realizadas em cooperativas de agricultores familiares da Região Sul de Santa Catarina evidenciam a crescente participação de mulheres como cooperadas (Estevam, Lazarini & Kulkamp, 2011). Conforme Medeiros (1989) apud Barros (2005), a imagem do homem do campo é uma visão construída pelos vencedores do processo histórico. Durante muito tempo pensou-se o trabalhador rural como passivo, submisso, cordato e incapaz de formular seus próprios interesses e de lutar por eles. Entretanto, a partir da segunda metade dos anos 50 e início de 1960, os trabalhadores rurais entraram na cena política brasileira, como sujeitos políticos coletivos, originando os movimentos sociais rurais. E como todos os movimentos e lutas sociais no campo, os trabalhadores rurais tem participado como esposas, mães, assalariadas, sem-terra, seringueiras, canavieiras e sindicalistas. A partir desse momento, a mulher que sempre trabalhou na produção agrícola, aumenta também sua participação nas lutas travadas pela classe: nas campanhas salariais e nas greves; nas mobilizações dos pequenos agricultores; na luta pelos serviços sociais de previdência e saúde; na luta por seu reconhecimento como trabalhadora e contra outras discriminações que a atingem mais diretamente. (Lima, 1992 apud Barros, 2005). Para Melo (2009), atualmente a perspectiva feminista propõe uma abordagem multidisciplinar, desenhando um quadro geral do papel feminino na sociedade, recuperando aquelas atividades ignoradas na lógica do mundo capitalista. Administração, Empreendedorismo e Inovação 3 Capítulo 13 175 Especificamente, o autor refere-se ao trabalho doméstico (em grande medida, ainda, desenvolvido por mulheres) e sua invisibilidade em relação ao que socialmente é considerado trabalho produtivo. Nas últimas décadas, o crescimento da taxa de atividade das mulheres vem sendo acompanhado de outras estatísticas favoráveis à qualidade de vida feminina, como a redução da fecundidade e o aumento na esperança de vida e no nível educacional das mulheres. Essas transformações vêm sendo interpretado por alguns como um processo de empoderamento, pelo qual a submissão feminina estaria substituindose por condições sociais mais igualitárias entre homens e mulheres. (England, 1997, apud ITABORAÍ, 2003). A visibilidade social e o reconhecimento do trabalho feminino demonstram formas de organização coletiva, investimentos na profissionalização das mulheres, (re) significação de saberes e afazeres, a organização de novas jornadas e divisão do trabalho na unidade de produção (Salvaro et al, 2014). Apesar da manutenção da tradicional divisão do trabalho doméstico entre mulheres, a participação como cooperada contribui para a desconstrução de normas, hierarquias e desigualdades de gênero, produzidas a partir da naturalização de características femininas e masculinas (Butler, 2003). Há diversas indicações de que o trabalho remunerado ocupa cada vez mais uma parte importante da vida da mulher e vem crescentemente se profissionalizando e diversificando, embora permaneçam evidentes desigualdades por gênero no mercado de trabalho (Bruschini e Lombardi, 1999; Bruschini, 2000). A identidade da mulher rural tem aportado-se, historicamente, no casamento, na maternidade, na família, no trabalho doméstico e na igreja. Através da realização de atividades próprias e relacionada a esses campos, é construída uma identidade para a mulher, que vai dar sentido a sua vida e a ela atribuir uma função social na família e junto aos grupos sociais de sua convivência. Mas essas identidades hegemônicas começam a ser questionadas por grupos de mulheres rurais que se organizam e realizam lutas públicas que parecem anunciar a emergência de novos sujeitos políticos. (ESMERALDO, 2008, P.1). É assim com as mulheres na COOPERCUC, que se tornou um modelo de sucesso não só pela sua política de convivência com a seca, comércio justo e solidário, mas também, pela ação efetiva e parceira de mais de 70% das mulheres que a compõem. ASPECTOS METODOLÓGICOS Utilizou-se abordagem qualitativa descritiva e exploratória. Segundo Minayo (2001) a pesquisa qualitativa trabalha com o universo de significados, motivos, crenças, valores e atitudes, o que corresponde a um espaço mais profundo das relações, dos processos e dos fenômenos que não podem ser reduzidos a operacionalização Administração, Empreendedorismo e Inovação 3 Capítulo 13 176 de variáveis. Seus objetos serão exploratórios e descritivos por possibilitarem a familiarização do problema pesquisado e ainda a descrição subjetiva da experiência vivida. Para alcançar os objetivos propostos, foi adotada a técnica de abordagem única através da entrevista que de acordo com Kmeteuk Filho (2005), é a técnica em que o investigador se apresenta ao investigado e lhe formula perguntas com o objetivo de obtenção de dados que interessam a investigação, sendo assim, uma forma de interação social. A coleta de dados aconteceu por meio de entrevista, com roteiro semiestruturado e foi realizado, no dia 06 de outubro de 2017, em visita técnica realizada na sede da Cooperativa em questão, com um funcionário da mesma, o Sr. José Rodrigues, Diretor Financeiro. RESULTADOS E DISCUSSÕES Na década de 80 e 90 houve um trabalho sócio religioso na formação de lideranças comunitárias realizado pela igreja católica através da pastoral rural que Segundo José Rodrigues - Diretor Financeiro da COOPERCUC, “na década de 80/90, chegou aqui em Uauá umas irmãs freiras as pessoas chamavam assim, junto com a paróquia desenvolveram um trabalho de evangelização nessa comunidade, e também junto com esse trabalho levaram o trabalho de liderança comunitária pensando um pouco na questão do associativismo, e para que as pessoas pudessem encontrar caminhos de conquistar direitos que sempre foram negados [...]”. A partir, deste trabalho iniciado surgiram outras ações com a colaboração da igreja e apoio das pastorais, nos outros municípios de Curaçá e Canudos. Em 1994, foi realizado um trabalho sócio educativo pelo IRPAA. Durante esse período foi disponibilizado apoio técnico para desenvolvimento de um trabalho voltado para a convenção do semiárido no contexto de convivência apoiado pela comunidade europeia e outros parceiros Nacionais e Internacionais. Durante esse período, esse trabalho possibilitou a criação de pequenas unidades de trabalho coletivo, onde nasceu a ideia de beneficiar os frutos que existiam na comunidade, com treinamento e apoio às famílias envolvidas. De acordo com o diretor Financeiro da COOPERCUC, “existia muito umbu e as famílias não sabiam aproveitar todos os recursos disponíveis”. No ano de 2003, surge um grupo constituído pelos três municípios Curaçá, Uauá e Canudos, composto por núcleos familiares que comercializam a produção que excedia, Segundo a COOPERCUC “a produção ainda era bem rústica, as embalagens eram reaproveitadas, a exemplo do doce que era comercializado em embalagens de margarina. A partir desse cenário favorável a comercialização dos produtos produzidos, surgiu a ideia de se criar uma instituição que representasse essas comunidades e municípios, então, depois de muita discussão, a ideia de cooperativa começou a ser Administração, Empreendedorismo e Inovação 3 Capítulo 13 177 amadurecida e, no dia 28 de Junho de 2004, surgiu a COOPERCUC propriamente dita, juridicamente constituída, e também a construção da unidade de apoio em Uauá para apoio e sustentação dos grupos nas comunidades com a parceria de instituições internacionais, a exemplo da SlowFood. Em 2004, a cooperativa teve a oportunidade de participar de um encontro relacionado ao segmento alimentício na Itália e a partir, dessa visibilidade novos caminhos começaram a surgir”, completa José Rodrigues. “Ainda em 2004 antes mesmo da COOPERCUC ser criada, as associações dos três municípios fizeram uma proposta de venda de produtos para a Companhia Nacional de Abastecimento - CONAB, e então, foi constituído o primeiro contrato de venda de produtos para um programa de desenvolvimento do governo Federal. A partir, desse primeiro contrato as associações de cada município distribuíram os recursos, e tiveram a possibilidade de melhorarem seus produtos, inicialmente pelas embalagens”, reforça José Rodrigues. “Em 2005 e 2006 Construiu-se e inaugurou-se 13 unidades de processamento de Umbu onde todas as comunidades rurais atendiam o mesmo padrão de boas práticas segundo determinação da vigilância. A partir dessa organização surgiu a primeira exportação de produtos do Umbu para a Europa /França, diz José Rodrigues. Em 2007 a COOPERCUC conseguiu a Certificação Orgânica para o mercado nacional (Chão Vivo) em que assegurou os produtos da cooperativa de acordo com a legislação socioeducativa e também a certificação para a exportação”, completa. Em 2008 conseguiu a Certificação Orgânica Nacional e CE. E através da AESI a cooperativa conseguiu a Certificação Fairtrade - comércio solidário, e além da certificação a cooperativa teve a oportunidade de participar de capacitações relacionados ao segmento alimentício e também treinamentos sobre operacionalização do Programa de Aquisição de Alimentos - PAA, e então, logo após, tiveram a primeira exportação para a Áustria – EZA. Ainda no mesmo ano, foi lançada a marca comercial da COOPERCUC em parceria com o Sebrae- BA, onde a instituição desenvolveu a consultoria e construiu em parceria com a cooperativa a marca “Graveteiro”, cita José Rodrigues. O entrevistado ainda contribui, afirmando que “em 2009 foi o ano das parcerias – ATRIUM, ABIS, SN, Empório Chiappetta, e em 2010 surgiu grandes perspectivas em relação ao desenvolvimento de novos produtos (caldas para sorvetes, frutas secas, polpas integrais) e também produtos nativos da região, como o maracujá da caatinga, nesse momento os agentes envolvidos no processo de criação de novos produtos se deram conta da importância do fruto nativo e seu beneficiamento”. “No ano de 2011 houve a diversificação da produção para atender demanda do PNAE/AF, a cooperativa conseguiu incluir produtos da agricultura familiar como o feijão na merenda escolar a partir do contrato feito com o governo Federal. No ano 2012 fez a aquisição de dois caminhões, uma empacotadeira de grãos e seis fornos de casa de farinha .Em 2013 iniciou a venda em grande escala de feijão e farinha para PNAE Salvador e CONAB”, explica o Diretor. Administração, Empreendedorismo e Inovação 3 Capítulo 13 178 “Em 2014 a COOPERCUC atingiu grandes perspectivas para exportação de polpa de Umbu. Em 2015 foi Lançado a Cerveja no Festival do umbu realizado pela COOPERCUC em Uauá- BA, esse evento possibilitou o desenvolvimento de novas parcerias e o fortalecimento da agricultura familiar na região e fora, e as Trufas de Geleias de Umbu e Maracujá da caatinga, vendidas para a empresa Cacau Show”, finaliza José Rodrigues, e complementa que “Associações de Fundo de Pasto, são em sua maioria de Canudos. Já se pensa em uma demarcação geográfica nas cidades para obter a certificação as áreas de fundo de pasto na região. CONSIDERAÇÕES FINAIS O presente estudo teve como objetivo descrever o contexto de desenvolvimento sustentável da COOPERCUC, tendo como objeto de estudo o impacto social transformador da cooperativa e a sua convivência com o semiárido, com o intuito de proporcionar um maior entendimento em relação aos termos Sustentabilidade, Empreendedorismo, Empoderamento feminino e sua importância para a criação e permanências das famílias no campo. Estes termos fazem parte de um conjunto de novas diretrizes para o crescimento sustentável e competitivo e merecem maior atenção em novos estudos. Observa-se que a Cooperativa tem beneficiado os agentes envolvidos (os cooperados e meio ambiente) quando explora de modo responsável os frutos nativos da região, dessa forma, têm possibilitado o desenvolvimento da agricultura familiar de maneira responsável e sustentável, sem esquecer o empoderamento da mulher empreendedora que corresponde a 70% dos cooperados da COOPERCUC. É possível concluir, diante do exposto, que o desenvolvimento de dinâmicas sociais e econômicas no semiárido é de fundamental importância para o sustento do sertanejo e a permanência do mesmo no seu território, com práticas sustentáveis. Com o apoio do Estado e de organismos internacionais a COOPERCUC, é pioneira no modelo de negócio e produção sustentável, através do beneficiamento e comercialização de frutos nativos da caatinga do sertão nordestino, especialmente o umbu e o maracujá da caatinga, dentro dos princípios da economia solidária e do comércio justo. Importante citar que a relação com esses parceiros internacionais não se dá somente através da comercialização e distribuição dos produtos acabados, mas também, ocorre o reconhecimento das boas práticas, que proporcionou, por exemplo, o financiamento de parte da estrutura das novas instalações da fábrica, a parceria com a empresa de Francesa L’Occitane que desenvolveu uma linha de cosméticos através da matéria prima fornecida pela cooperativa, o Mandacaru, planta nativa do Brasil, disseminada no Semiárido do Nordeste. A COOPERCUC, tem sido modelo de gestão empreendedora e desenvolvimento sustentável. No Nordeste, hoje, é referência na gestão cooperativista, e por conta Administração, Empreendedorismo e Inovação 3 Capítulo 13 179 deste contexto, tem se inserido internacionalmente atraindo a atenção de organismos internacionais, a exemplo do movimento Slow Food e do Fundo Internacional de Desenvolvimento Agrícola (FIDA). É primordial a importância de exemplos como esse, de atividades econômicas e sociais, que se desenvolvam de modo autônomo e gerem resultados positivos para os seus agentes. REFERÊNCIAS ASA. Articulação Semiárido Brasileiro. Disponível em: <http://www.asabrasil.org.br/> Acesso em: 13 abr. 2017. BATISTA, Ieda; ALBUQUERQUE, Carlos Sandro; Desenvolvimento Sustentável: Novos Rumos para humanidade. Revista Eletrônica Aboré Publicação da Escola Superior de Artes e Turismo - ISSN 1980-6930 Edição 2007. BAPTISTA, Naidison; CAMPOS, Carlos Humberto. Possibilidades de construção de um modelo sustentável de desenvolvimento no Semiárido. In: CONTI, I. L.; SCHROEDER, E. O. (Org.). Convivência com o semiárido brasileiro: autonomia e protagonismo social. Brasília: Editora IABS, 2013. BECCHETTI, Leonardo.; ADRIANI Fabrizio. Fair Trade: A ‘Third Generation Welfare’ Mechanism to make Globalization Sustainable, Centre of International Studies on Economic Growth, Rome, 2002. BEGON, Michael et al. Ecologia de indivíduos a ecossistemas. 4 ed. Porto Alegre: Artmed, 2007. BRUYNE, Pete de el at., M. Dinâmica da pesquisa em ciências sociais: os pólos da prática metodológica. Rio de Janeiro: F. Alves, 1977. BUTLER, Judith. Problemas de gênero: feminismo e subversão da identidade. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2003. CONAB – Companhia Nacional de Abastecimento; Conjuntura Mensal: Umbu. Período 01 a 30/01/2017 Disponível em: <http://www.conab.gov.br//> Acesso em: 12 abr. 2017. COOPERCUC. Cooperativa Agropecuária Familiar de Canudos, Uauá e Curaçá. Disponível em: <http://www.COOPERCUC.com.br/> Acesso em: 20 out. 2017. CORDEIRO, Danilo L. Reinvenção dos movimentos sociais no Semiárido brasileiro: o caso do P1MC. In: CONTI, I. L.; SCHROEDER, E. O. (Orgs.). Convivência com o semiárido brasileiro: autonomia e protagonismo social. Brasília: Editora IABS, p. 2015-2016, 2013. DOVERS, Stephen; HANDMER, John. Uncertainty, sustainability and change. Global Environmental Change, v.2, n.4, p.262-276, 1992. ENCONTRO NACIONAL DE ARTICULAÇÃO NO SEMIÁRIDO BRASILEIRO. COOPERCUC – Cooperativa é referência internacional. Disponível em: https://7enconasa.wordpress.com/2010/02/23/ COOPERCUC-cooperativa-e-referencia-internacional/> Acesso em: 13 abr. 2017. ESMERALDO, Gema.Galgani. Movimentos Sociais, Participação e Democracia. Anais do II Seminário Nacional, 25 a 27 abr. 2007, UFSC, Florianópolis, Brasil. FAJARDO, Elias. Consumo consciente, comércio justo: conhecimento e cidadania como fatores econômicos. Rio de Janeiro: Senac Nacional, 2010. Administração, Empreendedorismo e Inovação 3 Capítulo 13 180 FLICK, Uwe. Uma introdução à pesquisa qualitativa. 2. ed. Porto Alegre: Bookman, 2004. FUNDAÇÃO CTI/NE. Disponível em: <http://www.ctinordestedobrasil.com.br/poligono.html> Acesso em: 13 abr. 2017. GENTILE, Chiara.; BURGOS, Andres. COOPERCUC: percursos de valorização dos recursos locais e de convivência com o Semiárido. Sustentabilidade em Debate - Brasília, v. 7, Edição Especial, p. 136-151, dez/2016. GIL, Antônio Carlos. Como elaborar projetos de pesquisa. 4. ed. São Paulo: Atlas, 2009. GODOY, Arilda Schmidt. Introdução à pesquisa qualitativa e suas possibilidades. Revista de Administração de Empresas da EAESP/FGV, São Paulo, v. 35, n. 2, mar./abr. 1995. IBGE. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Disponível em: <http://www.ibge.gov.br/home/> Acesso em: 20 out. 2017. ITABORAÍ, Nathalie Reis. Trabalho feminino e mudanças na família no Brasil (1984-1996): explorando relações. R. bras. Est. Pop., Campinas, v. 20, n. 2, p. 157-176, jul./dez. 2003. KAPLAN, Robert. S.; NORTON, David. P. A estratégia em ação – Balanced Scorecard, 17. ed. Rio de Janeiro: Campus, 1997. KMETEUK FILHO, Osmir. Pesquisa e análise estatística. Rio de Janeiro: Fundo de Cultura, 2005. MINAYO, Maria Cecília de Souza. O desafio do conhecimento: pesquisa qualitativa em saúde. 10 ed. São Paulo: Hucitec, 2007. MIRANDA, Claudio.; TIBURCIO, Breno. (Org.) A nova cara da pobreza rural: desenvolvimento e a questão regional. (Série desenvolvimento rural sustentável, v. 17). Brasília, IICA. 2013. PORTER, Michel E. Estratégia competitiva: técnicas para análise de indústrias e da concorrência. Rio de Janeiro: Campus, 1986. RABELO, Laudemira, LIMA, Patrícia., Indicadores de Sustentabilidade: a possibilidade de mensuração de desenvolvimento sustentável. Revista Eletrônica do Prodema. UFC – Fortaleza (ISSN 2179-6807) 2007. RIBEIRO, Kleber.A.,et.al. Associação e o fortalecimento da agricultura familiar: Um olhar sobre brasileira, uma comunidade remanescente de quilombo. Universidade Estadual de Montes Claros Revista Desenvolvimento Social. No 20/01 (ISSN 2179-6807), 2017. RUSCHEINSKY, Aloísio. Sustentabilidade: uma paixão em movimento. Porto Alegre. Sulina 2004. SALVARO, Giovana Ilka Jacinto; ESTEVAM, Dimas de Oliveira; FELIPE Daiane Fernandes. Mulheres em Cooperativas Rurais Virtuais: Reflexões Sobre Gênero e Subjetividade. Revista Psicologia: Ciência e Profissão, 2014, 34 (2), 390-405. SEBRAE NACIONAL. Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas. Disponível em: <http://www.sebrae.com.br/sites/PortalSebrae> Acesso em: 12 out. 2017. SINGER, Paul. Introdução à Economia Solidária. SP: Fundação Perseu Abramo, 2002. SOARES, Guido Fernando. Curso de direito internacional público. São Paulo: Atlas, 2004. Vol. 1. Administração, Empreendedorismo e Inovação 3 Capítulo 13 181 TRICHES, Rozane, et al. Demanda de produtos da agricultura familiar e condicionantes para a aquisição de produtos orgânicos e agroecológicos pela alimentação escolar no sudoeste do estado do Paraná. Revista Nera – ANO 19, Nº. 31– ISSN: 1806-6755 – Nov.de 2016 YIN, Robert. Estudo de caso: planejamento e métodos. 3. ed. Porto Alegre: Bookman, 2005. Administração, Empreendedorismo e Inovação 3 Capítulo 13 182