Rev. Salud Pública. 20 (4): 523-529, 2018
Sección especial: políticas
Special section: politicis
Epidemiologia dos acidentes por animais
peçonhentos e a distribuição de soros:
estado de arte e a situação mundial
Epidemiology of accidents by venomous animals and distribution of
antivenon: state of art and world status
Maria da Graça Salomão, Karla Patricia de Oliveira Luna e Claudio Machado
Recibido 14 febrero 2018 / Enviado para modificación 30 abril 2018 / Aceptado 27 mayo 2018
RESUMO
MS: Bióloga. Pesquisador Científico Ph. D. Divisão de Ensaios Clínicos e Farmacovigilância
do Instituto Butantan. São Paulo, Brasil.
maria.salomao@butantan.gov.br
KO: Bióloga. Ph. D. Departamento de Biologia,
Universidade Estadual da Paraíba-UEPB Rua
Baraúnas. Campina Grande-PB, Brasil.
karlaceatox@yahoo.com.br
CM: Biólogo. Ph. D. Divisão de Herpetologia.
Instituto Vital Brazil. Rua Maestro José Botelho. Niteroi, Brasil. herpetologia2@gmail.com
Acidentes por animais peçonhentos são discutidos sob perspectiva histórica de ações
de estado. Considerados doenças negligenciadas eles causam prejuízos sociais e
econômicos, em pessoas em idade produtiva de regiões rurais em países pobres.
Poucos países dispõem de políticas públicas de saúde para profilaxia e tratamento
adequados e as maiores perdas ocorrem na África e Ásia. Os 46 produtores mundiais
de soros não suprem as necessidades globais e acesso ao tratamento é difícil, mesmo
em países com produção própria. Sistemas de Notificação produzem levantamentos
imprecisos sobre necessidades de soro e apesar da notificação compulsória. O Brasil
carece de bancos de dados robustos de amplo acesso, que permita uma distribuição
do soro em tempo seguro para o atendimento de qualidade. Muito se avançou em
testes diagnóstico, porém sua aplicação em áreas pobres é inviabilizada pelos custos.
Melhorias na qualidade de produção dos soros, via boas práticas laboratoriais e fabris,
minimizam resultados insatisfatórios de tratamentos com produtos de origem e ação
duvidosa. Desenvolvimento de soros empregando Biotecnologia e Ensaios Clínicos
bem desenhados, são chave para tratamento de envenenamentos por agentes aparentados em diferentes regiões (soros continentais ou universais). Parcerias internacionais são fundamentais, além de estoques reguladores, semelhantes aos adotados
em vacinas, para suprir a demanda mundial. A qualificação dos soros antivenenos
certamente minimizará equívocos de uso. Apoio governamental à pesquisa é alavanca
propulsora e a ferramenta mais eficiente de preservação da vida, evitando sobrecargas
social e previdenciária principalmente em países em desenvolvimento.
Palavras-chave: Animais peçonhentos; soro; desenvolvimento tecnológico; políticas
públicas de saúde (fonte: DeCS, BIREME).
ABSTRACT
Accidents by venomous animals are discussed under the historical perspective of state
actions. Considered as neglected diseases, they cause social and economic losses
in the working age population from rural areas of poor countries, as few of them have
public health policies for adequate prophylaxis and treatment; in fact, the largest life
losses occur in Africa and Asia. The 46 world producers of antivenin do not meet the
global needs, making access to treatment difficult, even in countries with own production. Notification systems lead to inaccurate surveillance surveys and antivenin needs.
Despite mandatory notification, Brazil lacks robust databases with full open access
in order to allow the timely distribution of antivenin for quality care of these patients.
Progress has been made in diagnostic testing, but its application in poor areas is not
feasible due to high costs. Improvements in quality antivenin production through good
laboratory practices and manufacturing minimize unsatisfactory results of treatments
carried out with products of dubious origin. Antivenin development using biotechnology
and well-designed clinical trials are key for the treatment of envenoming by agents
DOI: https://doi.org/10.15446/rsap.V20n4.70432
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phylogenetically related from different regions (continental or universal antivenins). International partnerships are fundamental, besides regulatory stocks, similarly to those adopted for vaccines, to supply world demand. The qualification
of antivenin will certainly minimize treatment mistakes. Government support to research is a driving force and the most
efficient tool for preserving life and avoiding social security surcharges, particularly in developing countries.
Key Words: Poisonous animals; serum; technological development; public health policy (source: MeSH, NLM).
RESUMEN
Epidemiología de accidentes por animales venenosos y distribución de suero: estado de arte y situación mundial
Accidentes por animales venenosos se discuten desde una perspectiva histórica de acciones de estado. Consideradas
enfermedades olvidadas, causan perjuicios sociales y económicos, en personas en edad productiva de regiones rurales en países pobres. Pocos países disponen de políticas públicas de salud para profilaxis y tratamiento adecuados y
las mayores pérdidas ocurren en África y Asia. Los 46 productores mundiales de sueros no suplen las necesidades globales y el acceso al tratamiento es difícil, incluso en países con producción propia. Los sistemas de notificación generan levantamientos imprecisos sobre las necesidades de suero ya pesar de la notificación obligatoria, Brasil carece
de bases de datos robustas de amplio acceso, permitiendo la llegada del suero en tiempo seguro para la atención de
calidad. Se ha avanzado mucho en pruebas diagnósticas, pero su aplicación en áreas pobres es inviabilizada por los
costos. Mejoras en la calidad de producción de los sueros, a través de buenas prácticas de laboratorio y fabril, minimizan resultados insatisfactorios de tratamientos con productos de origen y acción dudosa. El desarrollo de sueros
empleando Biotecnología y Ensayos Clínicos bien diseñados, son clave para el tratamiento de envenenamientos por
agentes emparentados en diferentes regiones (sueros continentales o universales). Las alianzas internacionales son
fundamentales, además de stocks reguladores, similares a los adoptados en vacunas, para suplir la demanda mundial.
La pre cualificación de los sueros antivenenos ciertamente minimizará equívocos de uso. El apoyo gubernamental a la
investigación es la palanca propulsora y la herramienta más eficiente de preservación de la vida, evitando sobrecargas
social y previsional principalmente en países en desarrollo.
Palabras Clave: Animales venenosos; suero; desarrollo tecnológico; politicas publicas de salud (fuente: DeCS, BIREME).
A
s crises econômica e política, acentuadas pelo
abandono do acordo de Paris, a suspensão de
apoio à UnESCo por Estados Unidos e Israel,
agravam as reduções orçamentárias em saúde, cuidado
ambiental, direito e qualidade de vida.
Doenças da pobreza são causa e consequência de violações dos direitos humanos (1), matam mais de meio
milhão de pessoas/ano, provocando perdas de difícil
estimativa quanto à produtividade e tempo de vida (2).
Verminoses e viroses são muito conhecidas e recebem
grande investimento, público e privado. Outras permanecem obscuras, subnotificadas (3), sem espaço nas grades
curriculares de graduação, mesmo em regiões endêmicas,
caso dos acidentes por animais peçonhentos.
As consequências clínicas e perdas socioeconômicas,
pelas hospitalizações, tempo de internação, mortes e
aposentadorias por invalidez (4), fizeram a Organização
Mundial de Saúde (omS) incluir tais emergências como
doenças tropicais negligenciadas em 2009 e 2017 (5). Acidentes peçonhentos matam mais que malária e a África
subsahariana perde 2 milhões de Anos de Vida Ajustados por Incapacidade (Disability-Adjusted Life Years DALYs)/ano por envenenamentos ofídicos (6).
Sendo uma das maiores biodiversidades, a América Latina abriga inúmeras espécies causadoras dessas doenças
ambientais e do trabalho, mas a liderança de ocorrências
pertence à África e Ásia (7). A ampla distribuição, associada à mobilidade humana, a urbanização e a crescente
curiosidade em explorar a natureza, tornam esses acidentes mais frequentes.
Na década de 1990 existiam mais de 50 produtores (públicos e privados) de soros no mundo, 57 em 1991 e 53 em
1993 (8). Em 2012, apenas 46 (9). Em 2015 esse número
persistia (6) apesar da desatualização dos cadastros junto à
omS, impedindo a obtenção de informações sobre adesão
às Boas Práticas Laboratoriais (BPL) e Fabris (BPF).
Apesar da “aparente” disponibilidade de produto, o
acesso dos acidentados ao atendimento é difícil, são poucos os profissionais treinados e o custo por ampola é alto
(10, 11), particularmente nas regiões de maior ocorrência
– países pobres. A produção africana de soro supre 25%
da demanda (12). A situação piorou com o encerramento
da produção do FAV-Afrique (soro polivalente para serpentes africanas) pela Sanofi-Pasteur em 2014 e o fim dos
estoques em 2016.
Contas hospitalares, atingiram US$150 mil num paciente americano picado por cascavel. Razões desse custo são despesas hospitalares (70%) (10). Excluídas tais
despesas, além das regulatórias, de registro do produto,
ensaios clínicos e comercialização, o custo cairia para
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US$110/ampola, no caso de uma produção hipotética de
500 mil unidades/ano. A produção no México, diminuiria
o preço para US$14/ampola, ainda inacessíveis para populações vulneráveis (7, 13, 15). Raros são países como o
Brasil, cujo sistema de saúde universal (SUS) trata gratuitamente envenenados.
A produção brasileira de soros é responsabilidade de
quatro laboratórios, o Centro de Pesquisa e Produção de
Imunobiológicos (CPPI), a Fundação Ezequiel Dias (FUnED), o Instituto Butantan (IB) e o Instituto Vital Brazil
(IVB). A adoção das BPF pela Agência Nacional de Saúde
(AnVISA RDC 17/2010) por recomendação da omS, exigiu
uma reconfiguração das linhas fabris e em 2014 a AnVISA
instituiu a produção compartilhada de soros até 2016.
Esta estratégia disponibilizou os insumos em cada centro, para que, durante a reforma de um laboratório, os
soros fossem produzidos pelos outros, mantendo níveis
mínimos de distribuição. Como a capacidade individual
de produção não é equivalente, houve redução de aproximadamente 50% na entrega dos soros ao SUS [Nota Informativa do Ministério da Saúde (mS)]. A escassez não
foi reconhecida pelas autoridades brasileiras. omS, passou a fazer uma distribuição “mais criteriosa” dos nove
antivenenos e publicou adequações de tratamento dos
acidentados, visando reduzir o consumo de soro antibotrópico em 21% e antiescorpiônico em 33% (16).
Posteriormente às reformas, o IB passou a contar
com a produção dos soros equinos hiperimunes validada
experimentalmente, isenta de microorganismos. A produção distribuída ao mS em 2016 foi aproximadamente
196 mil ampolas e até setembro/2017 cerca de 142 mil,
abaixo dos valores de 2013 (acima de 240 mil ampolas).
O IVB produziu em 2016, 84851 ampolas e em 2017
(janeiro a maio) 21846 ampolas de soros antibotrópico,
anticrotálico e antiescorpiônico, destinadas ao mS para
redistribuição nacional.
Discutiremos aspectos de inovação tecnológica e comunicação em saúde, visando a retomada sustentável da
autossuficiência em soros antipeçonhentos.
Sistemas de informação dos acidentes peçonhentos
Sistema de Informação em Saúde (SIS) é todo processo que permita coleta, armazenamento, processamento, recuperação e disseminação de informações digitais,
apoiando funções operacionais, gerenciais e de tomada de
decisão em saúde. Os SIS, assistenciais ou epidemiológicos, são ferramentas de diagnóstico para intervenções
mais aproximadas das necessidades da população. Prezam por boa cobertura, planejamento na coleta abrangente; exatidão e pontualidade, para disponibilização da
informação em tempo hábil e decisão acertada em tempo
correto. A pontualidade é garantida pela regularidade de
coleta e atualização dos bancos de dados (17).
SIS são alimentados por notificações, comunicação da
ocorrência de doenças ou agravos, à autoridade sanitária,
por profissionais de saúde ou qualquer cidadão, para
adoção de medidas de intervenção. Sua reunião sistematizada compõe um Sistema de Informação próprio, possibilitando o acompanhamento dos fenômenos, distribuição
e tendências. Deficiências nos SIS refletem falhas na
concepção do formato dos dados, desde registros até sua
transmissão. No Brasil, são comuns disparidades nos dados entre localidades e instâncias de produção. Entretanto, fontes primárias de informação, como forma de avaliar
a qualidade dos dados em saúde são pouco estudadas.
Vital Brazil percebendo a importância de informações
sobre acidentes peçonhentos, no início da produção de soros no Brasil, criou o “Boletim para observação de accidente ophidico” (1901). Enviado com o soro, solicitava-se seu
preenchimento e devolução ao produtor pelos usuários.
Iniciou-se a troca de soro por informações, posteriormente
usada pelo IVB (18), a base dos atuais sistemas brasileiros
de informação para acidentes peçonhentos.
Na década de 1970 houve falta generalizada de soros.
Sua disponibilização era regulada pelo mercado, cabendo
à Central de Medicamentos do mS a aquisição de uma
parcela para distribução aos órgãos governamentais.
Em 1986, um acidente ofídico em Brasília, mata o filho
de um diplomata, pela falta de antídoto, exterioriza-se a
“crise da falta de soro”, revelando a altíssima taxa de óbitos e sequelas por esse agravo, predominantemente em
populações rurais e pobres. A crise avançava desde 1983
com a saída da “Syntex do Brasil”, devido falhas na produção detectadas pelo mS. A interrupção dessa produção
(300 mil ampolas/ano), levou a paralisação quase total do
abastecimento. A produção brasileira ficou restrita aos laboratórios oficiais: IB, IVB e FUnED, incapazes, de suprir
o país devido suas crises orçamentárias históricas, obsolescência de instalações e falta de recursos humanos (18).
Em 1986, o mS reestruturou os sistemas de suprimento de soros, criando o Programa Nacional de Ofidismo.
Através do SInAn (Sistema de Informação de Agravos
de Notificação), os acidentes passaram a ser notificados
compulsoriamente e as informações utilizadas como ferramenta de racionalização do abastecimento pelas Secretarias Estaduais de Saúde (SES) e mS. Repetia-se a troca
de soro por informação, idealizada por Vital Brazil.
Com a estabilização da produção, houve um afrouxamento da obrigatoriedade de notificação. Dificuldades
de comunicação, entraves burocráticos e despreparo
dos profissionais, causaram deficiências sérias na qualidade dos dados (19).
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O controle das notificações regulariza-se em 2006. Porém, nem todas as informações nas Fichas de Notificação
foram disponibilizadas ao SInAn, fato que acontece até
hoje (2018). A falta de acesso amplo a esses dados impede que parâmetros importantes sejam considerados em
estudos epidemiológicos. Associações entre tipo de acidente, sintomatologia, soro utilizado ou gravidade do acidente e número de ampolas aplicadas, não são verificáveis
pela consulta ao site, dificultando análises sobre qualidade de diagnóstico, eficiência de tratamento e qualidade do
preenchimento dos dados.
Alterações da ficha de notificação em 2006 pioraram o
problema, caso da exclusão do campo “identificação da espécie causadora” nos acidentes escorpiônicos. Apesar das
dificuldades e erros na identificação das espécies causadoras de acidentes pelos profissionais de saúde, a retirada desse campo da ficha é “solução” simplista. Ações para manter
a qualidade da informação seriam mais apropriadas.
A exclusão do subcampo “cura com sequela” no campo
“evolução do caso”, impede o dimensionamento da morbidade, pois sequelas são muito comuns nos acidentes
peçonhentos. Falta de sincronia e interligação dos Sistemas
de informação nas esferas federal, estadual e municipal,
resultam em discrepâncias na apresentação e análise dos
dados (20), num país continental, megadiverso biologica e
sócio-economicamente, carente de estudos epidemiológicos regionalizados e robustos sobre acidentes peçonhentos.
Evolução da soroterapia
Quando da descoberta do soro antiofídico por Calmette em
1894 acreditava-se que o produto preparado com veneno
de Naja neutralizasse todos os envenenamentos, mas logo
depois, Vital Brazil descobre a especificidade do soro (18),
achados base das práticas médicas atuais de tratamento.
Desde os levantamentos de incidência de acidentes e
entrega das primeiras partilhas de soro em 1901, houve
decréscimo de 50% nos óbitos até os níveis atuais entre
2,6% a 4,6% ao ano (Hospital Vital Brazil, IB).
A primeira geração de soros não atendia condições de
assepsia. BPL e BPF tem melhorado a efetividade da soroterapia e minimizado manifestações sistêmicas. Antivenenos são imunoglobulinas purificadas ou fragmentos
F(ab’)2 (66, 68, 69), estes últimos reduzem a incidência
de reações adversas (21).
Países, onde há dificuldades de identificação do agente
causador pelo quadro clínico do paciente, desenvolveram
testes de identificação de venenos circulantes para agilizar e melhorar a soroterapia.
Um teste rápido (15 a 20 minutos) australiano detecta venenos inoculados pelas serpentes Notechis, Pseudonaja, Pseudechis, Acanthophis e Oxyuranus, o SVDK (CSL®
Ltd) (Snake Venom Detection Kit), como um teste ELISA
(http://www.csl.com.au/docs/92/398/SVDK_Product_Leaflet,0). Resultados detectam até 0,01ng/ml do veneno
inoculado, permitindo a definição do soro para tratamento. Eles são prontos para uso, acompanham reagentes e
não exigem equipamento, utilizando urina, plasma, soro,
sangue total ou tecido afetado. Erros de até 10% em diagnósticos de acidentes pela Pseudonajae Notechis e resultados
incorretos foram constatados em 14% dos envenenamentos, em pacientes criadores dessas serpentes, especialistas
na sua identificação. Falsos negativos e falsos positivos somam 25% dos pacientes testados. Assim, o kit deve ser um
coadjuvante na seleção do soro, combinado às bases clínica
e laboratorial, associadas à distribuição geográfica da serpente e do local onde ocorreu o acidente (22).
Reatividade cruzada entre os 5 antisoros do kit foi registrada com os venenos das serpentes filogeneticamente
próximas (Pseudonaja, Oxyuranus e Pseudechis), em contraposição às mais afastadas (Pseudechis, Acanthophis e Notechis). Sua utilização em países subdesenvolvidos é inviável devido aos custos (23).
Soros específicos para determinadas áreas são necessários, devido à variabilidade geográfica entre venenos
(24, 25), caso de Bothrops caribbaeus e Bothrops lanceolatus
das ilhas de Santa Lucia e Martinica. Esses venenos causam acidente sem coagulopatia, porém pacientes podem
desenvolver trombocitopenia (26) e não raro (30 a 40%)
(27), trombose intracraniana fatais (26, 28).
A venômica desses venenos, mostra diferenças na
composição e abundância das toxinas (26). O antiveneno
polivalente para crotalíneos, da Costa Rica, neutraliza as
atividades letal, hemorrágica, proteolítica e de fosfolipase
A. A Sanofi-Pasteur, desenvolveu o soro específico para B.
lanceolatus, o Bothrofav. Porém, ele é utilizado indiscriminadamente em pacientes das duas ilhas, apesar do conhecimento das diferenças geográfica, filogenética e ontogenética dos venenos e da existência do soro da Costa Rica.
O futuro dos soros antipeçonhentos
O avanço contra o ofidismo prossegue com a condução de
Ensaios Clínicos. Nos EUA, um estudo prospectivo, multicêntrico, cego, randomizado, controlado, fase III, comparou a eficiência dos antivenenos F(ab’)2 ao Fab (ovino), contra a coagulopatia tardia seguida de hemorragia e
morte no pós alta, dos envenenamentos por Crotalíneos.
O F(ab’)2 mostrou-se superior ao Fab na neutralização
dessa coagulopatia (30).
Estudos pré-clínicos com soro poliespecífico mexicano (BIRmEX), baseados na epidemiologia dos acidentes
por Bothrops jararaca (Brasil), B. atrox (Peru e Colômbia),
B. diporus (Argentina) e B. mattogrossensis (Bolívia), B. as-
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per (Costa Rica), apontaram neutralização cruzada, mas
baixa contra atividades defibrinogenante e coagulante de
B. asper e B. atrox (Colômbia) (29).
Em 1993, soros para Bothrops jararaca, produzidos pelo
IB, IVB e FUnED foram comparados por teste randomizado. Não houve diferença em eficácia porém, reações
anafiláticas foram mais frequentes com o soro IB, provavelmente pelas quantidades maiores de proteínas e imunoglobulinas (31), sugerindo uma reavaliação das doses de
tratamento. Em 2004 aventou-se a necessidade de um soro
específico para Bothrops atrox (SBa), um importante agente
etiológico amazônico. Um ensaio randomizado, comparou
a efetividade do SBa ao soro botrópico laquético distribuído pelo mS, sem encontrar diferenças significativas (32).
Soro contra Daboia, Echis, Hypnale, e Naja do Sri Lanka e
continentais (24, 33), mostrou-se efetivo em testes pré-clínicos, estando apto a estudos clínicos, neutralizando atividades tóxicas e enzimáticas desses venenos, melhor do
que o produto indiano comercializado naquele país (24). O
desenvolvimento e teste desse antiveneno, incluindo pela
primeira vez o veneno de Naja, pouco imunogênico em cavalos, reforça o valor e a importância das parcerias internacionais no enfrentamento ao ofidismo (34).
A iniciativa do desenvolvimento de um soro regional
asiático, vem de encontro às recomendações da omS, para
que os países pobres se estruturem para produzir e testar
(Fase I a III) antivenenos próprios, encurtando o tempo
entre descobrimento e acesso à população.
A imprensa (The Hindu – Mumbai 29/09/2017), divulgou que a Índia busca um soro antiofídico uniformemente potente e efetivo para todo país (89), pois atualmente, pacientes demandam um número de ampolas
díspare para tratamento, na dependência da região do
país. O Indian Institute of Science, através da iniciativa
“Snake Mitigation Project” (mCBT) já coletou veneno de
diversas espécies e procedências, para esse objetivo, para
dimunuir óbitos, hospitalizações e morbidades severas,
particularmente amputações.
A globalização das pesquisas em antivenenos (35) pode
ser a solução do ofidismo na África, especialmente com
participação de países emergentes como o Brasil (IB), que
vem desenvolvendo soros para oito espécies de serpentes
de Moçambique, com resultados promissores (14).
Na Tanzânia a loja do museu da cultura Masai, Snake
Park, Arusha, abriga uma clínica que trata gratuitamente
acidentados por serpentes (36) (http://www.meseranisnakepark.com/snake-park-medical-clinic.html), mantida
por doações. Os soros são monovalentes, com exceção do
colubrídeo Dispholidus typus (R. O. Piorelli, Comun. Pessoal). Na África subsaariana além de Dispholidus, outro colubrídeo, Thelotornis, ameaça vidas devido às propriedades
procoagulantes letais do veneno, entretanto, não existe
soro para este agente. A capacidade de neutralização do
soro de D. typus, mostrou uma efetividade 11,3 vezes maior
contra D. typus do que contra T. mossambicus (37).
Erros de identificação de espécies na coleta de veneno
e preparo de soro, fraudes e fornecimento de produtos de
origem duvidosa, acentuam os problemas africanos e asiáticos. Testes pré clínicos de eficácia de soros realizados no
Kenia (38) apontaram deficiências na neutralização dos
venenos. Os autores apelam ao Ministério de Saúde local
o estabelecimento de testes padronizados aos produtores
e alertas aos profissionais que tratam vítimas.
O uso de frações tóxicas com similaridade proteica
estrutural, responsáveis por sintomas graves, pode ser a
chave do tratamento de envenenamentos por organismos
próximos filogeneticamente em continentes diferentes e,
talvez um caminho para soros de ampla cobertura. Envenenamentos por viúva negra, Latrodectus, com espécies no
México, Austrália e Rússia tem sido discutidos por especialistas [Alejandro Alagón Cano - Universidade Autônoma Metropolitana Cuajimalpa, México - palestra “Antivenenos para el mundo” (https://www.youtube.com/
watch?v=sroHknNpq2c acesso em 20/04/2017)]. Cano
detalhou o problema epidemiológico da aranha Loxosceles
no México, América Central e do Sul, sugerindo clonagem
dessas toxinas e produção recombinante para obtenção
de antígenos em quantidades suficientes para imunização
equina, resolvendo o problema da dependência de matrizes e da escassa produção individual de veneno.
Por ser o tratamento primário dos acidentes, em 2010 a
omS define soros como “medicamentos essenciais”. Tratamentos efetivos dependem de atitudes em cadeia, vinculadas à ação do estado nos investimentos em Ciência e Tecnologia. A distribuição de produtos eficazes e qualificados,
num sistema em rede que atenda pontos de difícil acesso,
são decisivos para a crise de confiança sobre a soroterapia,
comparada a terapias alternativas, via de regra ineficazes e
prejudiciais à saúde individual, coletiva e social.
Investimentos em treinamento profissional para identificar, gerenciar e tratar acidentes peçonhentos são fundamentais na diminuição de mortes, sequelas, aposentados por invalidez e, sobrecarga nos sistemas de saúde e
previdenciário (11-14).
Privatizações e produções em pequena escala resultam
em aumento de preços, dificultando o acesso dos necessitados e enfraquecendo o mercado. O comércio ilegal de
produtos “impróprios”, à margem de controles de qualidade e farmacovigilância, trazem retrocessos e perda de
vidas. Transferências de tecnologia podem ajudar na capacitação de equipes e estimular a produção local, particularmente nas regiões pobres mais atingidas.
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Testes pré clínicos e clínicos de produtos promissores, para avaliação de equivalência e não inferioridade,
via ensaios bem desenhados, conduzidos por instituições
isentas, dentro de padrões éticos são imprescindíveis.
Exemplo disso é o teste do soro antiapílico pelo consórcio
CEVAP UnESP (UPECLIn) e IVB desde 2013.
Estoques reguladores de soros administrados pela
omS são meta a perseguir. Planos de Prequalificação de
soros, semelhantes aos de vacinas, são ações audaciosas
para aumento ao acesso efetivo de demanda estimada pela
omS (10 milhões de ampolas/ano no mundo).
A criação de um fundo global para a pesquisa e produção de soros, semelhante aos existentes para vacinas,
coordenado pela omS, reunindo organizações internacionais, agências governamentais, institutos de pesquisa e patrocinadores é ideia discutida pela comunidade científica
(6). Tais medidas terão sucesso mediante estudos epidemiológicos robustos, análises em amplos bancos de dados,
como os realizados na Colômbia, fornecendo relações entre
a incidência de acidentes e condições ambientais (39).
No Brasil, o Programa Nacional de Ofidismo criado
na década de oitenta tentou ampliar a disponibilidade
dos soros, mas sua finalidade, abrangência e sustentabilidade ficaram comprometidas, particularmente para os
venenos elapídicos e laquético. A liofilização dos faboterápicos evitando a adição de antimicrobianos e necessidade de cadeia de frio, ainda é um desafio. Em 2017
resultados promissores de um estudo pioneiro de segurança, eficácia e estabilidade termal de soro trivalente
(antibotrópico-laquético-crotálico) brasileiro liofilizado,
indicam caminhos para estudos de fase III, viabilizando
produtos mais longevos (40).
A atualização dos cadastros de produtores e distribuidores de soros no mundo é urgente, pois o trânsito de
animais peçonhentos, é uma realidade e acidentes com
animais peçonhentos exóticos são muito frequentes. A
comunicação rápida entre profissionais responsáveis
pelo tratamento das vítimas de diferentes países pode
salvar vidas. O IB possui um grupo de especialistas, que
apoia profissionais do Brasil e do exterior pelo telefone
(+55 11 2637-9529).
Finalmente, a obtenção de antígenos e antivenenos de
qualidade é a ferramenta mais eficiente de preservação de
vidas. A vontade política no estabelecimento de prioridades em saúde pública, prevenção e tratamento apropriados, são únicas vias para cortes de gastos orçamentários
efetivos e desenvolvimento sustentável •
Agradecimentos: Agradecemos a UnIJUÍ e a Professora Francesca
Werner Ferreira, pelo convite à participação no “IV Congresso
Internacional em Saúde: Inovação em Saúde”. Ao Setor de Far-
macovigilância do Instituto Butantan e Diretoria Industrial do
Instituto Vital Brazil, pelas informações sobre produção e entrega de soros ao Ministério da Saúde. A Dra Roberta de Oliveira
Piorelli, pelas discussões sobre ofidismo e informações do atendimento a acidentados na Tanzânia.
Conflito de interesses: Não decladado.
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