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2011, Scripta nº 28: Linguagem e discurso em práticas formativas e profissionais

Apresentação E ste número da Revista Scripta reúne pesquisadores brasileiros e estrangeiros engajados no estudo das relações entre linguagem e discursos em práticas formativas e profissionais. Trata-se de um investimento que, de um lado, busca compreender o que ocorre nas práticas discursivas que ganham espaço em nossa atuação como formadores e, de outro, visa a interrogar o campo dos estudos da linguagem, a fim de que este se veja efetivamente comprometido com a produção de saberes que levem a impactos sociais importantes para a sociedade, consideradas as demandas instauradas pelos diferentes espaços e práticas sociais em que o discurso se efetiva. Noutros termos, estamos diante de ações de pesquisa e reflexão teórica que resultam da abertura do campo dos estudos linguísticos para acolher (ou continuar acolhendo) questões/problemas que se oferecem como bons desafios para as nossas teorias, no pressuposto de que continuamos a perseguir a compreensão mais ampla da linguagem enquanto atividade humana, nas diferentes esferas em que ela se realiza. Jean-Paul Bronckart abre este número com artigo em que reflete sobre os trabalhos realizados nos países francófonos ao longo dos últimos 50 anos no que concerne ao ensino da língua escrita, focalizando tanto as condições de emergência de uma " didática da escrita " , consideradas as demandas que a precederam, quanto as diferentes respostas construídas por campos disciplinares diferentes, do que resultam abordagens " para " a didática da escrita e " em " didática da escrita, estas últimas orientadas para os processos de escrita em situação escolar. Bronckart apresenta ainda um conjunto de proposições destinadas a ampliar a eficácia do ensino da escrita, o que permite um bom diálogo com as especificidades do contexto educacional brasileiro. A produção de relatórios em práticas de letramento acadêmico em curso de Engenharia Têxtil da Universidade do Minho, em Portugal, é o foco do trabalho de Adriana Fischer, no qual a autora se dedica a explicitar as principais dimensões escondidas do gênero relatório em atividades que envolvem leitura e escrita, bem como o modo como se constroem os posicionamentos de professores e alunos no trabalho com os relatórios. Tais dimensões são tomadas como fatores que, uma vez explicitados, podem se tornar importantes recursos para a alteração das relações de poder e de autoridade nas práticas de ensino/aprendizagem em questão.

Apresentação E ste número da Revista Scripta reúne pesquisadores brasileiros e estrangeiros engajados no estudo das relações entre linguagem e discursos em práticas formativas e proissionais. Trata-se de um investimento que, de um lado, busca compreender o que ocorre nas práticas discursivas que ganham espaço em nossa atuação como formadores e, de outro, visa a interrogar o campo dos estudos da linguagem, a im de que este se veja efetivamente comprometido com a produção de saberes que levem a impactos sociais importantes para a sociedade, consideradas as demandas instauradas pelos diferentes espaços e práticas sociais em que o discurso se efetiva. Noutros termos, estamos diante de ações de pesquisa e relexão teórica que resultam da abertura do campo dos estudos linguísticos para acolher (ou continuar acolhendo) questões/problemas que se oferecem como bons desaios para as nossas teorias, no pressuposto de que continuamos a perseguir a compreensão mais ampla da linguagem enquanto atividade humana, nas diferentes esferas em que ela se realiza. Jean-Paul Bronckart abre este número com artigo em que relete sobre os trabalhos realizados nos países francófonos ao longo dos últimos 50 anos no que concerne ao ensino da língua escrita, focalizando tanto as condições de emergência de uma “didática da escrita”, consideradas as demandas que a precederam, quanto as diferentes respostas construídas por campos disciplinares diferentes, do que resultam abordagens “para” a didática da escrita e “em” didática da escrita, estas últimas orientadas para os processos de escrita em situação escolar. Bronckart apresenta ainda um conjunto de proposições destinadas a ampliar a eicácia do ensino da escrita, o que permite um bom diálogo com as especiicidades do contexto educacional brasileiro. A produção de relatórios em práticas de letramento acadêmico em curso de Engenharia Têxtil da Universidade do Minho, em Portugal, é o foco do trabalho de Adriana Fischer, no qual a autora se dedica a explicitar as principais dimensões escondidas do gênero relatório em atividades que envolvem leitura e escrita, bem como o modo como se constroem os posicionamentos de professores e alunos no trabalho com os relatórios. Tais dimensões são tomadas como fatores que, uma vez explicitados, podem se tornar importantes recursos para a alteração das relações de poder e de autoridade nas práticas de ensino/aprendizagem em questão. Partindo da discussão sobre a problemática da relação entre linguagem e trabalho, Ecaterina Bulea se ocupa da relexão acerca dos limites da tripartição “linguagem como atividade”, “linguagem na atividade” e “linguagem sobre a atividade”. A autora, operando com a natureza intrinsecamente praxiológica da linguagem, apresenta nova proposição de conceptualização em torno da relação entre linguagem e atividade, assumindo que o agir(-referente) e as interpretações do agir constituem duas formas da atividade humana em permanente interação. Recorrendo às iguras de ação assim como aos tipos de discurso, Eulália Vera Lúcia Fraga Leurquin e Camila Maria Marques Peixoto analisam, em seu trabalho, as representações do papel do professor lagradas em encontro de formação continuada de professores, no qual a leitura é tematizada. Os dados obtidos mostram que o processo de interpretação do agir está articulado com a reviviicação/reconstrução das representações que o professor mobiliza em seu discurso. O artigo de Rosalice Pinto toma como desaio mostrar a relevância dos estudos da/sobre a linguagem para o fomento do empreendedorismo empresarial nas organizações, a partir da análise de um exemplar do gênero editorial de circulação interna de uma empresa portuguesa. Assumindo que os textos que circulam são representantes empíricos das atividades em que se inserem, a autora demonstra a importância das relações predicativas nos tipos discursivos, elementos importantes para descrevê-los. Procurando compreender como jovens adultos em formação proissional inicial são acompanhados por trabalhadores experientes em situações práticas de trabalho em ambiente empresarial, na Suíça, Laurent Filliettaz apresenta dois modelos de formação coexistentes nos ambientes de trabalho: a familiarização progressiva com os saberes ligados à prática proissional e a confrontação imediata com as realidades da produção. O artigo demonstra como uma abordagem orientada pela linguística do discurso e pela interação pode contribuir para apreender as diferentes dimensões e os fatores implicados nos processos de formação proissional inicial. A partir de uma grade de indicadores linguísticos que remetem aos processos relexivos e discursivos em uso na elaboração de saberes proissionais, Sabine Vanhulle propõe-se analisar dados discursivos obtidos em portfólios produzidos por futuros professores do ensino secundário, em ações de estágio proissional. O investimento de análise põe à mostra valores, motivações e intenções implicados nos relatos, bem como tensões entre os saberes cientíicos e aqueles construídos na experiência proissional. Buscando discutir e informar a proposta de formação de professores de língua e literatura em universidade argentina, assim como reletir acerca de caminhos para a modelização de gêneros no ensino, Dora Riestra descreve e analisa empreendimento investigativo que toma o gênero literário como objeto de estudo. Os aspectos linguísticos são levados em conta nessa ação não de modo a serem tomados como exemplos de gramaticalidade, mas visando a propiciar que os estudantes possam reletir sobre a gramaticalidade encontrada, mobilizando e sistematizando conhecimentos importantes para a produção de sentido. Ada Magaly Matias Brasileiro, a partir da análise de 10 sessões de autoconfrontação (metodologia desenvolvida pela Clínica da Atividade) envolvendo professores da educação básica, relete sobre os principais fatores a serem levados em consideração na utilização desse expediente metodológico na formação contínua dos professores pela própria instituição escolar. Assim, defendendo a necessidade de investimento institucional em ferramentas capazes de contribuir com a formação continuada de professores em ambiente de trabalho, a autora propõe um roteiro prático para a aplicação dessa metodologia. Igualmente preocupada em oferecer contribuições para o processo de formação de professores, Pollyanne Bicalho Ribeiro desenvolve discussão acerca da reconstituição identitária do professor de Língua Portuguesa em formação, consideradas as experiências de estágio por ele vivenciadas. A autora analisa as representações de professor e de trabalho docente emergentes no discurso dos estagiários (futuros professores) nos relatórios por eles produzidos. Anneliese Maria Bento Gama de Carvalho toma como objeto de investigação as representações do fazer docente a partir da análise de duas situações interativas – aula e entrevista semidiretiva – gravadas com duas professoras dos primeiros anos do ensino fundamental, em Portugal e no Brasil. Com base nos resultados da análise, a autora aponta o gênero de atividade aula como importante expediente para o estudo e investigação do fazer docente. A investigação sobre o potencial do gênero discursivo memorial na formação de professores é o foco de Adriane Teresinha Sartori, que se dedica ao exame de 40 memoriais de formação produzidos em programa promovido pela Faculdade de Educação da Unicamp. Defendendo a utilização do memorial de formação como instrumento importante nos cursos de graduação, a autora destaca, com base na análise levada a cabo, a exigência de determinados cuidados por parte dos formadores na utilização desse gênero discursivo nas práticas de letramento. Maria Angela Paulino Teixeira Lopes e Ana Maria Nápoles Villela ratiicam o papel determinante dos discursos na signiicação das ações coletivas e individuais no conlituoso processo de construção de identidade(s) do proissional do ensino, no contexto brasileiro. As autoras analisam textos produzidos por alunos de um programa de pós-graduação em Estudos de Linguagens, no percurso da disciplina “Análise do discurso”, focalizando as relações intertextuais, interdiscursivas e intergenéricas que neles se coniguram. Fechando o dossiê temático em torno de práticas formativas e proissionais, Luzia Bueno e Anna Rachel Machado defendem, em seu trabalho, a relevância de se observar a prescrição da produção textual do aluno a im de se compreender, de forma mais efetiva, os textos que se produzem na situação acadêmica. A análise, conduzida à luz da perspectiva teórica do Interacionismo Sociodiscursivo, da Ergonomia da Atividade e da Clínica da Atividade, toma como corpus as orientações para produção de textos de estagiários de um curso de Letras e os projetos de estágios elaborados pelos estudantes. Jane Quintiliano Guimarães Silva Juliana Alves Assis Maria Angela Paulino Teixeira Lopes Organizadoras Un demi-siècle de didacique de l’écrit dans les pays francophones : bilan et perspecives Jean-Paul Bronckart* Résumé Cet article tente d’élaborer une synthèse des travaux réalisés dans les pays francophones au cours des 50 dernières années, en ce qui concerne l’enseignement de la langue écrite. La première partie relate les conditions d’émergence de la « didactique de l’écrit » : la mise en évidence de besoins de formation en ce domaine, auxquels ont répondu, de manière différenciée, des chercheurs en linguistique ou en psychologie d’une part, des chercheurs en sciences de l’éducation d’autre part. La deuxième partie analyse un ensemble de travaux « pour » la didactique de l’écrit, à savoir les recherches portant sur le statut du code écrit, sur ses représentations sociales, et sur les phases de son apprentissage en situation naturelle. La troisième partie présente les travaux « en » didactique de l’écrit, à savoir les démarches d’instauration d’une didactique des genres de textes, les démarches centrées sur les processus d’écriture, et enin les travaux analysant les stratégies effectivement mises en œuvre par les apprenants en situation scolaire. En conclusion sont formulées quelques propositions visant à accroître l’eficacité de l’enseignement de l’écrit. Mots-clés : Didactique. Ecrit. Enseignement. Linguistique. Textes. L’objectif de cette contribution est de proposer un bilan des travaux réalisés dans le domaine de la didactique de l’écrit dans les pays francophones, et d’identiier sur cette base les perspectives actuellement ouvertes dans ce champ de recherche. Il convient néanmoins de relever d’emblée que la didactique des langues se caractérise par la rapidité de ses évolutions et par la diversité de ses ancrages théorico-institutionnels, et qu’en outre, dans la mesure où cette discipline est tenue à l’intervention sociale, les convictions et les engagements y jouent un rôle qui rend délicate la prise de distance, même rétrospective (cf. DAUNAY ; REUTER, 2011). En conséquence, si elle s’efforce de fournir une image représentative de la situation du domaine, la présente contribution ne peut prétendre ni à l’exhaustivité, ni à une totale impartialité. * Groupe « Langage, Action, Formation », Faculté de Psychologie et des Sciences de l’Education, Université de Genève. SCRIPTA, Belo Horizonte, v. 15, n. 28, p. 13-36, 1º sem. 2011 13 Jean-Paul Bronckart Notre analyse portera exclusivement sur la problématique de l’écrit telle qu’elle s’est posée dans l’enseignement de la langue maternelle, ce qui nous conduira notamment à éluder le rôle moteur qu’ont eu les travaux relatifs aux langues secondes dans la re-fondation de la discipline « didactique des langues ». Nous évoquerons d’abord les conditions d’émergence d’une didactique de l’écrit (et/ou de l’écriture) dans le cadre plus général du développement de la didactique de la langue maternelle1, ce qui nous permettra de mettre en évidence deux grands types de parcours constitutifs, largement dépendants des ancrages académiques des chercheurs impliqués. Nous analyserons ensuite plus en détail la teneur des travaux pour la didactique de l’écrit, puis celle des travaux en didactique de l’écrit, en mettant en évidence, dans ce dernier cas, les différences entre démarches centrées sur les genres de textes à maîtriser, et démarches centrées sur l’activité d’écriture. Nous évoquerons pour terminer trois problématiques que la didactique de l’écrit nous paraît aujourd’hui devoir aborder : – poursuivre le rapprochement entre les diverses tendances en ce domaine ; – réafirmer la primauté des objectifs pratiques dans la formation des élèves et les clariier ; – instaurer une meilleure articulation entre objectifs praxéologiques et épistémiques dans les dispositifs de formation des enseignants de langue. 1. Histoire et enjeux de la didacique de la langue maternelle Même si son projet a été formulé par de nombreux pédagogues modernistes depuis Comenius (cf. SCHNEUWLY, 1990), la didactique de la langue maternelle a ré-émergé, en particulier dans les pays francophones, à partir des années 60-70, en un mouvement dont on peut souligner trois aspects majeurs. Tout d’abord, la volonté des chercheurs qui s’y sont engagés de répondre à une demande sociale, récurrente depuis un siècle, mais qui a été ré-explicitée avec force dès la in de la seconde guerre mondiale : fournir à l’Ecole les moyens didactiques et pédagogiques qui lui permettrait de conduire les élèves à une réelle maîtrise de la langue d’usage de leur communauté. Ensuite, la conviction selon laquelle, pour répondre eficacement à cette demande, il était indispensable de procéder simultanément à une profonde réforme, 1 - Nous n’ignorons pas les vifs débats ayant porté sur la pertinence de cette expression, qui ont conduit notamment l’Association pour le développement de la recherche en didactique du français langue maternelle a adopter le syntagme « didactique du français » et se transformer en Association pour la recherche en didactique du français (voir « Le français : discipline singulière, plurielle ou transversale », Lettre de la DFLM, 2003). Dans cette contribution, nous conserverons cependant l’appellation ancienne, dans la mesure où c’est sous ce label qu’ont été conduites l’essentiel des recherches qui y sont commentées. 14 SCRIPTA, Belo Horizonte, v. 15, n. 28, p. 13-36, 1º sem. 2011 Un demi-siècle de didactique de l’écrit dans les pays francophones: bilan et perspectives sinon des systèmes éducatifs, du moins des programmes, des méthodologies et des instruments didactiques qui y étaient à l’œuvre : récuser déinitivement les démarches d’enseignement antérieures, toujours marquées par la logique scolastique, et installer enin concrètement la « coniguration didactique moderne » (selon l’expression de HALTÉ, 1992) dont les principes avaient depuis longtemps été énoncés par les modernistes évoqués plus haut. Ce qui devait se traduire par une adaptation des contenus d’enseignement, tenant compte des avancées des sciences traitant de ces contenus, et par une adaptation des méthodes d’enseignement, tenant compte des acquis de la psychologie du développement. Enin, dans ce processus d’adaptation, se défaire de l’applicationnisme qui avait caractérisé les premières tentatives de cet ordre dans l’avant-guerre, c’est-à-dire reconnaître l’autonomie du champ éducatif, et accepter que toute démarche didactique doit prendre à bras le corps la question de la transposition des savoirs et des méthodes issus des disciplines de référence. A cet égard, l’ouvrage de CHEVALLARD (1985), parce qu’il a instauré cette problématique de la transposition, et quelles que soient les critiques qu’il a pu susciter (cf. BRONCKART ; PLAZAOLA GIGER, 1998), constitue la référence obligée, et plus que symbolique, de la renaissance de l’ensemble des didactiques des disciplines scolaires. Si ce positionnement de fond a d’emblée été globalement partagé, la didactique de la langue maternelle s’est cependant développée en des cheminements divers, se différenciant notamment par les rubriques de la langue investiguées et par les niveaux d’enseignement visés (secondaire vs primaire). L’axe central de différenciation nous paraît cependant tenir aux ancrages disciplinaires et institutionnels des chercheurs ainsi qu’au degré de prise en compte des spéciicités du champ éducatif ; et de ce point de vue, deux types d’approches peuvent être identiiés. La première approche émane surtout de linguistes et de psychologues qui ont réorienté leurs recherches disciplinaires pour fournir, soit des appuis conceptuels aux rénovations didactiques en cours, soit des éléments de compréhension des processus à l’œuvre dans l’enseignement/apprentissage de la langue, et les travaux de ce type se sont centrés successivement sur cinq thématiques majeures. L’accent initial avait trait à « la langue », et plus spéciiquement à sa dimension de système grammatical. Dès les années 60, divers auteurs ont entrepris d’élaborer un corpus de notions et de règles inspirées des linguistiques structurale et générative, destiné à se substituer au corpus des « grammaires traditionnelles » (cf. DUBOIS, 1965 ; GENOUVRIER ; PEYTARD, 1970). Ce corpus a alors fait l’objet SCRIPTA, Belo Horizonte, v. 15, n. 28, p. 13-36, 1º sem. 2011 15 Jean-Paul Bronckart de diverses démarches d’adaptation tenant compte des degrés de l’enseignement visés (BESSON et al., 1979 ; « Terminologie grammaticale », Enjeux, 1985) et, au prix certes de multiples débats et controverses, il a ini par s’implanter dans l’ensemble des programmes scolaires. On relèvera cependant que si s’est ainsi opérée une réelle substitution notionnelle, la logique organisationnelle des grammaires est demeurée celle de la Tradition, et surtout, la transformation des méthodes et procédures de cet enseignement, fermement recommandée par les auteurs cités, ne s’est que très partiellement traduite dans les pratiques scolaires. Par ailleurs, se dessine depuis peu un mouvement de réévaluation de ce corpus rénové, visant à y introduire les apports des approches énonciatives, pragmatiques et/ou interactionnistes de la langue (cf. BÉGUELIN, 2000). Au cours des années 70, se sont principalement développées des recherches ayant trait à la lecture et à l’orthographe. Dans le premier domaine, la centration s’est portée sur les conditions de réalisation des premiers apprentissages, thème qui a donné lieu à un vif débat entre deux positions (cf. SPRENGERCHAROLLES, 1991). L’une, plutôt issue de la psychologie développementale, associait intimement le processus de lecture à celui de compréhension, soulignait le caractère idéographique de l’écriture du français, et préconisait des méthodes d’enseignement centrées sur le visuel et intégrées à une démarche « globale » d’appréhension du sens (FOUCAMBERT, 1976). L’autre, issue de la psychologie cognitive, mettait au contraire l’accent sur les processus spéciiques mis en œuvre par les apprentis lecteurs, soulignait le rôle décisif de la conscience phonologique dans ces processus, et préconisait en conséquence des démarches d’enseignement à caractère plus « analytique » (ALEGRIA ; MORAIS, 1989 ; RIEBEN ; PERFETTI, 1989). Et en dépit de diverses entreprises d’évaluation des effets de ces deux orientations (DOWNING ; FIJALKOW, 1984), le débat demeure aujourd’hui largement ouvert. En ce qui concerne l’orthographe, dans le contexte d’un large débat sur le statut symbolique de cette rubrique, et sur la réalité de la crise qui l’affecterait (cf. CHERVEL ; MANESSE, 1989), on a d’abord assisté à une réévaluation de la nature même de l’objet-orthographe, conduisant, comme dans le domaine grammatical, à la formulation de nouveaux principes descripteurs en accord avec les approches linguistiques modernes (BLANCHEBENVENISTE ; CHERVEL, 1969). Puis ont été mises en œuvre des recherches portant sur les représentations qu’ont de cet objet les apprenants, et les stratégies qu’ils mettent en place pour le traiter (BRANCA et al., 1980), recherches qui se poursuivent aujourd’hui dans une perspective plus nettement cognitiviste (cf. RIEBEN ; FAYOL ; PERFETTI, 1997). 16 SCRIPTA, Belo Horizonte, v. 15, n. 28, p. 13-36, 1º sem. 2011 Un demi-siècle de didactique de l’écrit dans les pays francophones: bilan et perspectives C’est à partir des années 80 que se sont particulièrement développés les travaux ayant trait à l’expression écrite, que nous commenterons sous 2 et 3, infra. Et ce mouvement s’est en quelque sorte prolongé par une centration sur l’expression orale, donnant lieu actuellement à de multiples travaux que nous ne pourrons commenter dans cette contribution. La seconde approche s’est développée dans le cadre des sciences de l’éducation, aux représentants desquelles ont été plus particulièrement adressées les demandes de modernisation de l’enseignement de la langue maternelle. Des collectifs de travail (rassemblant des acteurs de terrain et des formateurs-chercheurs universitaires) se sont alors constitués qui, sans récuser les impératifs d’adaptationmodernisation, y ont d’emblée associé un autre objectif, plus profond : redéinir les inalités mêmes de l’enseignement de la langue maternelle, en récusant ses objectifs traditionnels et en promouvant la inalité de maîtrise pratique : rendre les élèves aptes à produire et à comprendre les textes en usage dans leur vie scolaire et sociale, et concevoir un enseignement grammatical qui constituerait un véritable appui technique à cet objectif central. Dans ce cadre a alors émergé une position générale, que l’on nous pardonnera de résumer sur la base d’un article que nous avions co-écrit (BRONCKART ; SCHNEUWLY, 1991). Pour réaliser cette profonde transformation sans tomber dans les pièges de l’applicationnisme, il convient d’abord de conceptualiser les causes de l’insatisfaction (récurrente) qui génère les demandes sociales, et notamment : d’examiner les enjeux politiques et sociologiques des inalités éducatives en concurrence ; d’analyser les raisons de l’étonnante santé de la logique traditionnelle qui continue de fait d’orienter les programmes, les méthodes et les procédures d’évaluation. Il y a lieu ensuite d’étudier les conditions sous lesquelles les interventions didactiques pourraient être pertinentes et eficaces dans les systèmes d’enseignement tels qui sont. Ce qui implique la conduite d’études portant sur l’histoire de ces systèmes aussi bien que sur leur état actuel, dépendant notamment du niveau de formation des enseignants, de leurs représentations et des ressources pratiques qu’ils mettent en œuvre dans leur travail. Ce n’est que sur la base des résultats de ces deux premières phases que peuvent alors être formulées des propositions concrètes de rénovation didactique, dont l’élaboration se déploie en trois phases: • un examen approfondi des références théoriques potentielles, en l’occurrence des concepts et méthodes de la linguistique d’une part, et des théories psychologiques du développement et de l’apprentissage d’autre part ; SCRIPTA, Belo Horizonte, v. 15, n. 28, p. 13-36, 1º sem. 2011 17 Jean-Paul Bronckart • • un travail d’exploitation de ces ressources potentielles, se décomposant lui-même en l’emprunt aux références pertinentes eu égard aux objectifs d’enseignement, en la transposition de ces références pour les rendre adaptées aux diverses caractéristiques de l’état du système didactique concerné, et en la réorganisation de ces références transposées en un programme fondé sur les marges de progression supposées des élèves ; la construction, en collaboration avec les enseignants, de méthodes et d’instruments didactiques, dont l’eficacité concrète est à tester en situation de classe. Nous soutenions alors que cette démarche d’analyse et d’intervention ne pouvait que s’inscrire dans le cadre des sciences de l’éducation, dans la mesure où les concepts, les méthodes et les données empiriques acquises par ces dernières lui étaient indispensables pour traiter la plupart des dimensions se situant sur l’amont et sur l’aval du travail central d’emprunt et d’apprêt didactique. Si cette divergence d’approches a été marquée un temps par des oppositions de labels (« linguistique appliquée » et « psychopédagogie des langues » vs « didactique des langues »), c’est la dernière appellation qui a ini par s’imposer. Et cette discipline dispose aujourd’hui d’un corps de concepts relativement homogènes, rendant possible la confrontation et l’articulation des résultats obtenus dans les sous-domaines investigués. Mais les différences entre les deux formes d’ancrage disciplinaire subsistent néanmoins, ce dont atteste, par exemple, l’organisation de la synthèse antérieure des travaux relatifs à l’écrit élaborée par BARRÉ-DE MINIAC (1995) : d’un côté, le titre général indique que cette contribution porte sur « la didactique de l’écriture » ; d’un autre côté, un sous-ensemble de recherches sont présentées sous l’appellation « recherches interdisciplinaires », un autre sous l’appellation de « recherches didactiques », l’auteure désignant dans ce dernier cas les travaux réalisés directement sur le terrain scolaire, et généralement selon les principes de la seconde approche qui vient d’être évoquée. Cette situation nous conduira dès lors à organiser notre examen des travaux réalisés en ce domaine en distinguant, selon des expressions désormais consacrées, les « recherches pour la didactique de l’écrit » et les « recherches en didactique de l’écrit ». 2. Des recherches pour la didacique de l’écrit Les travaux qui seront recensés ci-dessous, tout en s’inscrivant dans des problématiques signiicatives pour les disciplines d’origine des auteurs (histoire, 18 SCRIPTA, Belo Horizonte, v. 15, n. 28, p. 13-36, 1º sem. 2011 Un demi-siècle de didactique de l’écrit dans les pays francophones: bilan et perspectives sociologie, anthropologie, psychologie, linguistique), visent simultanément, et la plupart du temps de manière explicite, à fournir des éléments de référence pour les (ou de compréhension des enjeux des) activités scolaires relatives à l’écrit. Nous les regrouperons en trois ensembles : – recherches sur le statut de l’écrit dans la société, et sur les enjeux (historiques) du développement de la place de l’écrit et des activités d’écriture dans les systèmes scolaires ; – recherches visant à conceptualiser les formes d’organisation de l’écrit en ces unités langagières supraordonnées que constituent les textes et/ou discours ; – recherches sur les capacités que mettent en œuvre les apprenants pour maîtriser les règles et dificultés de l’expression écrite. 2.1 Statut, praiques et représentaions de l’écrit Même si ce thème avait déjà été puissamment développé par VYGOTSKI (1934/1997 ; cf. SCHNEUWLY, 1985), les travaux d’anthropologie de GOODY (1979), soutenant que l’émergence des écritures (en particulier alphabétiques) avait joué un rôle décisif dans le développement des formes de rationalité abstraite ou scientiique, ont suscité un courant de recherche visant à démontrer, en synchronie, le rôle exercé par les pratiques d’écriture dans la construction des identités sociales et individuelles (FRAENKEL, 1992). Dans cette perspective, se sont développées d’une part des recherches analysant les relations d’interdépendance entre contextes socioculturels et pratiques scolaires d’écriture, et tentant plus particulièrement d’identiier les déterminants culturels susceptibles d’inluer sur les conditions d’appréhension, par les élèves, des tâches d’écriture (BARRÉ-DE MINIAC, 1993). Se sont développés d’autre part des travaux d’inspiration plus sociologique, centrés sur les diverses pratiques d’écriture ordinaires attestables en une même entité sociale : pratiques des familles de milieu populaire (LAHIRE, 1993) ; des adolescents (BLANC, 1996) ; des adultes en formation (REUTER ; PENLOUP, 2001) ; des professionnels en situation de travail (BOUTET, 1995). Et dans l’ensemble, ces recherches ont tenté de déterminer les effets potentiels des spéciicités de ces pratiques sociales sur le succès ou l’échec scolaire des élèves. Un deuxième ensemble de travaux a porté sur les représentations de la langue écrite, et/ou des situations et tâches d’écriture. S’agissant des adultes, BOURGAIN (1990) a notamment décrit, en termes de « représentations sociales », les conceptions que se faisaient de l’écrit les « profanes », et souligné les conlits normatifs et identitaires auxquels ceux-ci étaient confrontés. DABÈNE (1987) a de son côté analysé « l’insécurité scripturale » de la plupart des travailleurs, SCRIPTA, Belo Horizonte, v. 15, n. 28, p. 13-36, 1º sem. 2011 19 Jean-Paul Bronckart et mis en évidence les effets déterminants des facteurs émotionnels, identitaires et sociopolitiques dans le développement d’une conscience scripturale. S’agissant des enfants en situation scolaire, Bautier (1989 ; cf. aussi BAUTIER ; CHARLOT ; ROCHEX, 1993) a montré qu’à travers le rapport à l’écriture, se jouait aussi le rapport au savoir et à l’institution scolaire, et en déinitive était engagée la question de la construction de l’identité du sujet-élève. Et les résultats de l’ensemble de ces travaux ont conduit à considérer qu’un enseignement eficace de l’écrit devait nécessairement inclure un travail de transformation des attitudes et des représentations relatives au statut et aux conditions de l’activité d’écriture. On adjoindra à cette rubrique les travaux de certains historiens de l’éducation : ceux de Hebrard et Chartier (1990) notamment, montrant que l’introduction des tâches de rédaction (et non plus seulement de transcription) dans les activités scolaires a été relativement tardive, et était directement liée à une nouvelle demande sociale (de scripteurs) causée par le développement des administrations et des premières entreprises commerciales ; ceux de Chervel (1992) également, montrant à quel point, quelques siècles plus tard (XIXe), les tâches d’écriture avaient pris une place centrale dans l’ensemble des dispositifs d’éducation nationale, et soulignant ce faisant que les productions écrites des élèves constituaient désormais l’un des matériaux les plus riches pour analyser empiriquement les objectifs des écoles du passé, et les conditions concrètes de leur (éventuelle) réalisation. 2.2 Les genres de textes et leurs règles d’organisaion Dès les années 80, se sont développés d’importants programmes de recherches relevant de l’analyse de discours (ou de la linguistique textuelle, ou des sciences du texte). Dans une perspective générale héritée de Volochinov (1929/2010), ces travaux visaient d’une part à identiier (et classer) les divers genres de textes du français contemporain, et à analyser leurs propriétés spéciiques, dans leurs rapports d’interdépendance avec les situations d’activité et/ou de communication auxquels ils étaient adaptés, d’autre part à tenter de décrire les règles de structuration de tout texte, quel que soit le genre dont il relève. Si la démarche de classement des genres s’est révélée problématique, pour des raisons analysées notamment par Chiss (1987), d’importantes avancées ont été réalisées dans le domaine de la structuration textuelle : Adam (1992 ; 1999) a progressivement construit une conception globale de la textualité et distingué divers « types de textes » (narratif, argumentatif, descriptif, etc.), en se fondant sur leurs modalités spéciiques d’organisation séquentielle ; nous avons contribué pour notre part 20 SCRIPTA, Belo Horizonte, v. 15, n. 28, p. 13-36, 1º sem. 2011 Un demi-siècle de didactique de l’écrit dans les pays francophones: bilan et perspectives (BRONCKART et al., 1985 ; BRONCKART, 1997 ; 2008) à l’élaboration d’un modèle de l’architecture textuelle qui différencie notamment les genres de textes en tant qu’unités communicatives, et les « types de discours » en tant que formes énonciatives, linguistiquement marquées, entrant dans la composition des genres (types interactif, théorique, narratif, etc.). Pour sa part, Roulet et ses collaborateurs (cf. ROULET et al., 1985 ; 2001) ont particulièrement analysé les modalités de structuration des échanges et/ou des conversations ordinaires. Le développement de ces travaux était plus ou moins explicitement lié à une demande sociale, relative à la nécessaire réorganisation des programmes d’expression écrite. Et comme on le verra (cf. 3.2., infra), en Suisse romande notamment, les produits de ces travaux ont effectivement été exploités à cet effet. 2.3 Les processus d’apprenissage de l’écrit Sur la base des travaux d’inspiration piagétienne réalisés par Ferreiro au Mexique, certains chercheurs ont analysé les modalités de construction, par l’enfant, des représentations de l’écriture en tant que système, et proposé notamment une succession de stades allant d’une conception pré-syllabique à une conception alphabétique (cf. TÉBÉROSKY ; TOLCHINSKI et al., 1993). Les travaux les plus importants ont cependant été réalisés dans l’optique cognitiviste héritée des propositions de Hayes et Flower (1980) et de Bereiter et Scardamalia (1987). Sur la base de techniques de verbalisation des processus de pensée engagés dans l’activité d’écriture, ont été élaborés des modèles des opérations cognitives qui seraient successivement mobilisées dans cette activité (planiication, scripts, réaction, révision, etc. – cf. PIOLAT ; PÉLISSIER, 1999), ce qui a donné lieu à d’importants débats relatifs au caractère linéaire de ces opérations, et surtout à leur caractère « naturel » (thèse de leur insensibilité aux différences de genre et aux facteurs contextuels). Par ailleurs, des recherches ont visé à identiier les différents types de raisonnement mobilisés dans les activités d’écriture, et mis en évidence les capacités méta‑cognitives dont faisaient preuve les apprenants (CAMPS ; MILIAN, 1999). En quelque sorte en contrepoint à cette orientation, d’autres travaux ont analysé les processus socio‑psychologiques que les élèves mettaient effectivement en œuvre en fonction de la spéciicité des situations didactiques, et Brossard et al. (1996) ont notamment montré que le contexte global de la classe produisait des « systèmes d’attentes » contradictoires, générant une insécurité énonciative auxquels les élèves tentaient de faire face par des stratégies successives, d’ordre plus socio-affectif que proprement cognitif. SCRIPTA, Belo Horizonte, v. 15, n. 28, p. 13-36, 1º sem. 2011 21 Jean-Paul Bronckart Un autre ensemble de recherche s’est articulé aux travaux francophones d’analyse de discours évoqués plus haut. Prenant en considération, d’une part, la spéciicité des genres textuels, ils ont analysé les étapes de maîtrise de chacun d’entre eux, ainsi que les stratégies mises en œuvre par les enfants pour ce faire (cf. SCHNEUWLY, 1988). Sur la base des modèles de l’architecture textuelle d’autre part, ils ont tenté de décrire les processus à l’œuvre dans la gestion des rubriques de cette architecture : la connexion (CHANQUOY, 1991), la cohésion nominale (DE WECK, 1991), la cohésion verbale (BRONCKART ; BOURDIN, 1993), etc. Enin, bien que l’expression d’« apprentissage de l’écrit » n’y soit sans doute pas appropriée, on relèvera encore les travaux portant l’activité d’écriture littéraire, procédant, soit par une analyse des brouillons d’écrivains, destinée à identiier les diverses conigurations de stratégies que ceux-ci mettent en œuvre (VIOLLET, 1996), soit par un examen des discours et rélexions d’écrivains à propos de leur propre pratique (DELBAT, 1994). Certains de ces travaux ayant comme objectif déclaré de mettre en évidence les propriétés de pratiques « naturelles » dont devrait pouvoir s’inspirer la didactique de l’écrit. 3. Des recherches en didacique de l’écrit Les travaux recensés ci-dessous ont été réalisés sur le terrain scolaire, la plupart du temps dans le cadre de structures collaboratives associant enseignants, formateurs et chercheurs, et en tentant de tenir compte de l’ensemble des paramètres des situations d’enseignement. Les produits escomptés des recherches étaient généralement destinés à être directement exploités dans des démarches d’intervention, sur les systèmes d’enseignement (programmes, méthodologies) ou sur les systèmes didactiques (conduite de l’activité d’enseignement dans un type de classe donné). Sur cette base commune, des orientations distinctes se sont cependant développées ; – l’une, particulièrement représentée en Suisse romande, centrée sur un apprentissage structuré de la maîtrise des genres de textes ; – une autre, dominante en France, clairement centrée sur les contextes, les enjeux et les processus de l’activité d’écriture ; – une troisième enin, aujourd’hui en pleine expansion, re-situant la problématique de l’écrit dans le cadre d’une analyse des mouvements que subissent les objets dans le cours temporel des leçons, et débouchant sur une relecture des propriétés du « métier » et/ou du « travail réel » de l’enseignant. 3.1 Une didacique des (genres de) textes Au début des années 90, pour satisfaire à l’objectif de maîtrise pratique de la langue de la communauté, il a paru indispensable de diversiier les sortes 22 SCRIPTA, Belo Horizonte, v. 15, n. 28, p. 13-36, 1º sem. 2011 Un demi-siècle de didactique de l’écrit dans les pays francophones: bilan et perspectives de textes à ériger en objets d’enseignement : ne plus s’en tenir aux seuls textes à caractère narratif ou argumentatif, mais proposer un éventail de textes qui soient adaptés aux situations de communication qu’un apprenant peut rencontrer dans sa vie scolaire et sociale. Dans cette perspective, ont été proposés divers classements de textes en « genres » ou en « types », adaptés des modèles théoriques évoqués sous 2.2., et destinés, d’une part à orienter le travail des enseignants de la scolarité obligatoire, d’autre part à organiser la formation des maîtres en ce domaine (BEACCO, 1991 ; MAS ; TURCO, 1991). En Suisse romande, ce type de démarche s’est prolongé en une réorganisation du programme d’expression écrite du secondaire obligatoire, centrant le travail, à chaque degré, sur une seule et même « famille de genres » (à visée narrative au degré 7 ; à visée informative au degré 8 ; à visée argumentative au degré 9). Dans ce même contexte suisse romand, a été entrepris parallèlement une démarche d’élaboration, avec des enseignants, des schémas de leçons qualiiés de séquences didactiques, destinées aux degrés 3 à 9 de la scolarité obligatoire (SCHNEUWLY ; DOLZ, 1997). Le principe général de ces séquences est de tenter d’intégrer (et de hiérarchiser) deux visées : – partant du constat qu’il existe des ensembles de genres textuels adaptés à des situations de communication ou d’activités déterminées, il s’agit d’abord de rendre l’élève conscient de cette correspondance, et de le rendre apte à choisir les modèles de genres pertinents pour une activité langagière donnée ; – sachant par ailleurs que les élèves rencontrent divers problèmes linguistiques lors de la rédaction ou de la lecture-compréhension de tout texte, il s’agit de subordonner à la première visée, adaptative, une visée seconde de maîtrise technique de sous-ensembles de processus de structuration des textes. Dans cette perspective, les séquences sont organisées comme suit (cf. DOLZ ; NOVERRAZ ; SCHNEUWLY, 2000). Est d’abord entrepris un important travail de conception de la séquence, impliquant : – le choix même du genre à enseigner, qui doit tenir compte de son utilité-inalité pratique et de la possibilité de le faire fonctionner dans la situation de classe ; – la constitution d’un corpus d’exemplaires de textes relevant de ce genre, qui soient adaptés aux capacités présumées des élèves ; – l’élaboration d’un modèle didactique de l’objet à enseigner, par transposition des références théoriques ayant trait à l’organisation de ce genre, ainsi que des « pratiques sociales de référence » (MARTINAND, 1986) qui lui sont associées. Le déroulement de la séquence se caractérise quant à lui par un enchaînement temporel d’activités organisé, conformément aux principes évoqués plus haut, en deux niveaux emboîtés. Le premier a trait à la fonctionnalité du genre. En début de séquence, les élèves ont à élaborer un projet SCRIPTA, Belo Horizonte, v. 15, n. 28, p. 13-36, 1º sem. 2011 23 Jean-Paul Bronckart communicatif susceptible de se concrétiser en une production écrite ciblée ; la classe engage alors une rélexion sur les divers paramètres de la situation concernée (statut des interlocuteurs, contraintes du type de média, etc.), ainsi que sur les différents éléments de contenu qui pourraient y être mobilisés, et elle entreprend une recherche d’exemplaires de genres qui paraissent adaptés à cette situation et à ce contenu ; chaque élève rédige enin un texte adapté au projet retenu. En in de séquence, une situation de communication analogue à la précédente est déinie, et les élèves ont à rédiger un second texte qui y est adapté. Le second niveau a trait à la maîtrise technique de certaines des caractéristiques du genre retenu (gestion des organisateurs, des reprises anaphoriques, de la temporalité, des voix énonciatives, etc.), et il donne lieu à la réalisation de divers exercices se déroulant entre les deux phases de production textuelle. L’examen des textes inaux des élèves permet in ine d’évaluer les progrès accomplis et de mesurer ainsi l’eficacité des activités didactiques mises en place. Ce type de démarche a connu un réel succès, qui se mesure notamment à la diffusion de la pratique des séquences didactiques dans les pays francophones (voir MASSERON, 1996), et surtout en Espagne et au Brésil (cf. CRISTÓVÃO, 2008 ; DIONISIO ; MACHADO ; BEZERRA, 2002 ; LEURQUIN ; DE RIBAMAR ; SOARES, 2011). Succès qui s’explique par les dimensions d’explicité et de rationalité que cette approche a introduites en didactique de l’expression : des références théoriques structurées ; des objectifs clairement conceptualisés ; des procédés didactiques programmables et évaluables. Mais ce même caractère structuré voire rigide de la démarche des séquences a engendré réticences et critiques de la part de didacticiens moins centrés sur les objets-genres, et plus sensibles à la fois à l’hétérogénéité-créativité textuelle et aux processus généraux que les élèves mettent en œuvre dans leur appréhension des textes, en production comme en compréhension. Par ailleurs, les tenants mêmes des séquences ont pris conscience du fait que si cette démarche contribuait indiscutablement à la clariication des objectifs et aux conditions de préparation des tâches des enseignants, elle n’assurait pas pour autant que l’apprentissage effectif en classe se déroule conformément aux objectifs et aux planiications. Des recherches ont dès lors été entreprises pour déterminer dans quelle mesure ce « travail prescrit » se réalisait effectivement dans le cours des leçons. CanelasTrevisi (1997) a notamment montré que certaines séquences étaient régulièrement détournées de leur objectifs, soit parce que les élèves ne parvenaient pas à comprendre ces mêmes objectifs, soit parce qu’ils manifestaient d’autres types d’intérêts et d’autres modalités d’approche des textes sous étude. Et divers 24 SCRIPTA, Belo Horizonte, v. 15, n. 28, p. 13-36, 1º sem. 2011 Un demi-siècle de didactique de l’écrit dans les pays francophones: bilan et perspectives constats analogues (cf. NIDEGGER ; REVAZ ; WIRTHNER, 1997) ont engendré un nouvel axe de recherche, qui se centre globalement sur l’analyse du « travail didactique réel ». 3.2 Une didacique de l’écriture Parallèlement à l’instauration de démarche des séquences, en France en particulier, se sont développées des travaux moins centrés sur le produit « texte », et visant à prendre en compte les multiples paramètres régissant l’activité d’écriture. Un ensemble de recherches ont porté sur la nature des tâches scolaires relatives à l’écrit (en particulier sur les tâches de révision et de réécriture) et sur les contraintes qu’elles exerçaient sur les processus mis en œuvre par les élèves (DAVID, 1994 ; « La réécriture », Pratiques, 2000). D’autres travaux se sont centrés sur les réactions spéciiques des apprenants aux tâches proposées, et Plane (1996) a notamment élaboré un répertoire des résistances que manifestaient les apprenants confrontés à ce type d’activité : représentation du texte comme production irréversible « intouchable » ; insécurité affective engendrée par l’exigence même de révision ; obligation de centration sur des dimensions locales au détriment de la globalité du texte, etc. D’autres travaux encore ont porté plus spéciiquement sur les opérations requises des élèves pour la maîtrise de l’écrit, soit avec un accent sur les dimensions cognitives de ces dernières (FAYOL, 1996), soit avec un accent sur leurs dimensions socioculturelles (DABÈNE, 1996). Les travaux de ce type ont exploité pour élaborer une conception intégrée de didactique de l’écriture, particulièrement illustrée par l’approche de Reuter (1996), qui tend à atténuer la relative rigidité programmatique des séquences, à davantage tenir compte des dimensions socioculturelles de l’activité d’écriture, et à diversiier et à mieux contextualiser les exercices pratiques à conduire en situation de classe. 3.3 L’étude des processus à l’œuvre dans l’enseignement/apprenissage (de l’écrit) Le mouvement contemporain de re-centration sur le « travail didactique réel », évoqué sous 3.1., a engendré une coniguration de recherches qui, si leur propos est plus général (l’élucidation des propriétés concrètes des activités d’enseignement et d’apprentissage), on néanmoins régulièrement pris comme exemples des pratiques didactiques relatives à l’écrit. SCRIPTA, Belo Horizonte, v. 15, n. 28, p. 13-36, 1º sem. 2011 25 Jean-Paul Bronckart A Genève, l’unité GRAFE (cf. CANELAS-TREVISI et al., 1999) a initié un programme de recherche dont la méthode générale consiste à enregistrer des unités d’enseignement relatives à un objet déterminé, et à établir des protocoles exhaustifs des séquences d’interaction qui y sont attestables. Certains de ces travaux visent à analyser la composition sémique des termes qui sont utilisés pour un objet d’enseignement, ainsi que le parcours isotopique de ces mêmes termes, de manière à mettre en évidence les effets qu’exercent sur cette sémantisation de l’objet, les contraintes génériques du « texte de l’interaction » d’une part, les contraintes socio-organisationnelles de la situation de classe d’autre part. D’autres visent à identiier les formes communicatives-discursives par lesquelles l’enseignant “met en scène” les objets dans sa démarche de médiation, et à examiner les effets de ces cadres (au sens de GOFFMAN, 1974) sur les processus de sémiotisation des élèves. Dans le prolongement de ce type d’approche ont émergé des recherches plus centrées sur le métier d’enseignant, analysant les multiples facettes des capacités dont font preuve les enseignants, dans les conditions socio-institutionelles effectives de leur travail (cf. AMIGUES ; FAÏTA ; KHERROUBI, 2003), pour ajuster leur activité aux capacités des élèves (GOIGOUX, 2000), recherches débouchant sur l’élaboration de « modèles de l’action des enseignants » (SENSEVY, 2001). 4. Quelques perspecives d’avenir immédiat 4.1 Une intégraion à afermir Comme nous l’avons montré sous 1, en dépit de parcours constitutifs divers, la didactique de la langue maternelle (et donc de l’écrit) tend aujourd’hui à s’organiser en une discipline homogène, mais cette intégration doit se poursuivre, en particulier au plan des orientations didactiques générales et à celui de la prise en compte des différentes facettes de l’écrit. La tension liée aux ancrages disciplinaires subsiste encore, et si sa dimension politico-académique ne peut être éludée, le nœud du problème nous paraît se résumer in ine au choix suivant : soit considérer que la question de l’enseignement des langues se pose d’abord à partir de l’examen des propriétés des objets à maîtriser, et que les questions d’adaptation aux situations scolaires sont dès lors secondes (attitude qui ne permet jamais de se dégager complètement de la logique applicationniste) ; soit considérer que c’est depuis l’examen des enjeux 26 SCRIPTA, Belo Horizonte, v. 15, n. 28, p. 13-36, 1º sem. 2011 Un demi-siècle de didactique de l’écrit dans les pays francophones: bilan et perspectives socio-éducatifs de la formation à la langue que peuvent et doivent être posées les questions de l’emprunt aux disciplines contributives et de leur adaptation aux conditions réelles de l’enseignement. Au plan des méthodologies didactiques, la situation de « concurrence objective » entre centration majeure sur les genres vs centration majeure sur l’activité d’écriture nous paraît positive, chaque démarche ayant à se développer et à démontrer son eficacité. Par contre, dans les deux cas, il reste à mieux intégrer les apports des recherches portant sur les diverses facettes de l’écrit. Divers auteurs (cf. DELAMOTTE et al., 2000 ; FIJALKOW, 1996) ont entrepris un important travail de transposition au champ didactique des travaux ayant trait aux processus en jeu dans le passage à la lecture et à l’écriture, mais il reste à réaliser l’homogénéisation conceptuelle qui permettrait d’intégrer ces propositions au cadre général qui se met en place. Un problème analogue se pose en ce qui concerne les dimensions de compréhension et d’interprétation des textes ; les travaux en ce domaine (cf. GROSSMANN ; TAUVERON, 1999), justement centrés sur l’analyse des différents niveaux de détermination textuelle-discursive des attributions de signiication, convoquent des références sémiologiques qui mériteraient d’être mises en confrontation avec celles exploitées dans les recherches sur la construction des objets enseignés. Concernant enin l’aval de la didactique fonctionnelle des textes, les nombreuses recherches ayant trait à l’enseignement de la littérature (cf., notamment, TAUVERON ; REUTER, 1996) débouchent aujourd’hui sur des propositions d’articulation très prometteuses, notamment en ce qu’elles préconisent d’exploiter la dimension proprement textuelle des objets littéraires (cf. RONVEAUX, 2005). Enin, une intégration analogue devrait pouvoir être réalisée dans le champ encore peu exploré (cf. toutefois DELCAMBRE ; JOVENET, 2002) des diverses formes d’enseignement visant à la maîtrise des genres professionnels chez les adultes. 4.2 La primauté de l’enseignement de l’expression, et ses objecifs Si, depuis des décennies, est constamment afirmée la primauté de la inalité pratique d’expression (écrite ou orale) par rapport à celle de structuration grammaticale, la coniguration des programmes, comme les pratiques effectives, témoignent d’une réelle résistance à ce projet. Un important travail reste donc à accomplir sur ce plan, qui se traduirait par une substantielle réduction du temps didactique consacré au système de la langue, et qui exigerait surtout une nouvelle conceptualisation et une réorganisation des notions « grammaticales », qui les SCRIPTA, Belo Horizonte, v. 15, n. 28, p. 13-36, 1º sem. 2011 27 Jean-Paul Bronckart rendraient enin aptes à être eficacement ré-exploitées dans les activités relatives à l’écrit. En ce domaine spéciique de l’écrit, il nous semble qu’un choix doive être effectué entre une programmation centrée sur les « objets textuels à maîtriser » (en l’occurrence les genres), et une programmation centrée sur les capacités ou compétences des élèves en matière d’écrit. Nous adhérons pour notre part à la première option, notamment en raison de la méiance que nous inspire la logique des compétences qui tend à envahir le champ éducatif. D’une part, la redéinition des objectifs d’enseignement en termes de compétences met l’accent sur l’eficacité des conduites des apprenants eu égard à certaines tâches prédéinies, et s’inscrit ce faisant en opposition avec les inalités de construction de savoirs et de développement de capacités socio-psychologiques qui sont aux fondements mêmes de l’enseignement public et démocratique de la langue (cf. ERARD ; SCHNEUWLY, 2005). D’autre part, comme nous l’avons montré ailleurs (cf. BULEA ; BRONCKART, 2005), les acceptions du terme de « compétence » sont à ce point hétérogènes et labiles qu’elles introduisent plus de confusion que de clarté dans l’appareil conceptuel de la didactique. 4.3 Repenser (encore) les disposiifs de formaion des enseignants Les rélexions récentes engagées sur ce thème (cf. « Recherches en DFLM et formation des enseignants » 1990 ; « La formation des maîtres en DFLM », 2001) se sont caractérisées par une volonté de restreindre les démarches visant à la maîtrise de savoirs formels, et de donner une place centrale aux démarches d’analyse des pratiques et des représentations propres, appliquées à la résolution de problèmes didactiques concrets. Cette primauté accordée à la dimension praxéologique sur la dimension épistémique dans la formation des maîtres nous paraît contestable ; nous soutiendrons plutôt que l’enjeu essentiel de cette formation se situe dans l’articulation eficace de ces deux dimensions. L’objectif épistémique de maîtrise théorique des notions et règles mobilisées dans les programmes demeure essentiel, dans la mesure où l’absence de réelle compréhension du statut de ces notions constitue l’une des causes majeures du repli de nombre d’enseignants sur les démarches méthodologiques déductives et autoritaires. Quant aux capacités praxéologiques qui pourraient se construire par l’analyse des pratiques, elles devraient se décliner de la manière suivante: 28 SCRIPTA, Belo Horizonte, v. 15, n. 28, p. 13-36, 1º sem. 2011 Un demi-siècle de didactique de l’écrit dans les pays francophones: bilan et perspectives • • • capacité de « retrouver » les objets théoriques dans les objets d’enseignement tels qu’ils circulent en classe, ou encore de pouvoir mettre en correspondance objets prescrits et objets réellement enseignés. capacité d’identiier les obstacles qui se présentent lors de la réalisation d’un projet d’enseignement, obstacles tenant aux résistances des élèves, aux conditions de fonctionnement de la classe, ou encore à des facteurs socioculturels plus généraux. capacité d’identiier les techniques, ruses ou habilités que les enseignants eux-mêmes mettent en œuvre parfois pour surmonter les obstacles. De ce point de vue, l’analyse des pratiques ne peut constituer une démarche indépendante (voire opposée) à celle de l’acquisition de connaissances théoriques ; au contraire, son but essentiel est de ré-interroger ces mêmes connaissances théoriques, et de leur faire prendre corps dans le cadre des pratiques didactiques effectives. L’objectif de toute formation des maîtres étant de contribuer à une réelle transformation de leurs processus psychiques, seul gage de leur capacité à gérer une activité formatrice contribuant eficacement à la transformation des processus psychiques des élèves. Half a century of Wriing Didacics in French-speaking countries: balance and perspecives Abstract This article tries to elaborate a synthesis of works performed in Frenchspeaking countries throughout the latest 50 years regarding the teaching of written language. The irst part tells the condition of the emergence of “Writing Didactics”: the evidencing of the needs for formation in this ield, to which responded, on one side, Linguistics or Psychology researchers, and, on the other side, Education Science researchers. The second part analyzes a set of works “for” Writing Didactics, namely, the researches that discuss the statute of the written code, its social representations and the stages of its learning in a natural situation. The third part presents the works “on” Writing Didactics, namely, the procedures for implementing a didactic of text genres, the procedures focused on writing processes, and, inally, the works that analyze the strategies effectively used, in a school context, by the students. In the conclusion, some propositions are formulated, aiming to increase the eficiency of the teaching of writing. Keywords: Didactics. Writing. Teaching. Linguistics. Texts. SCRIPTA, Belo Horizonte, v. 15, n. 28, p. 13-36, 1º sem. 2011 29 Jean-Paul Bronckart Meio século de didáica da escrita nos países francófonos: balanço e perspecivas Resumo Este artigo tenta elaborar uma síntese dos trabalhos realizados nos países francófonos ao longo dos últimos 50 anos no que concerne ao ensino da língua escrita. A primeira parte relata as condições de emergência da “didática da escrita”: a evidenciação das necessidades de formação nessa área, às quais responderam, de maneira diferenciada, de um lado, pesquisadores em linguística ou em psicologia e, de outro, pesquisadores em ciências da educação. A segunda parte analisa um conjunto de trabalhos “para” a didática da escrita, a saber, as pesquisas que tratam sobre o estatuto do código escrito, sobre suas representações sociais, e sobre as fases de seu aprendizado em situação natural. A terceira parte apresenta os trabalhos “em” didática da escrita, a saber, os procedimentos de instauração de uma didática dos gêneros textuais, os procedimentos centrados nos processos de escrita, e, enim, os trabalhos que analisam as estratégias efetivamente utilizadas, em situação escolar, pelos alunos. Na conclusão, são formuladas algumas proposições visando a ampliar a eicácia do ensino da escrita. Palavras-chave : Didática. Escrita. Ensino. Linguística. Textos. Références bibliographiques ADAM, Jean-Michel. Eléments de linguistique textuelle. Liège: Mardaga, 1990. ADAM, Jean-Michel. Linguistique textuelle. Des genres de discours aux textes. Paris: Nathan, 1999. ALEGRIA, Jesus; MORAIS, José. Analyse segmentale et acquisition de la lecture. In: RIEBEN, Laurence; PERFETTI, Charles. L’apprenti lecteur. Paris: Delachaux et Niestlé, 1989. p. 173-196. AMIGUES, René; FAÏTA, Daniel; KHERROUBI, Martine. Métier enseignant : organisation du travail et analyse de l’activité. 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Possíveis discussões em torno das dimensões escondidas desse gênero revelam-se como recursos viáveis na mudança das relações de poder e de autoridade nesse curso. Palavras-chave: Curso de engenharia. Práticas de letramento. Relatório. Dimensões escondidas. Letramentos em contextos acadêmicos: um estudo em Portugal A presente pesquisa desenvolve-se baseada na acepção de que um curso universitário se constitui de práticas sociais especíicas (GEE, 1999, 2001), em que gêneros assumem papéis determinantes em práticas de letramento acadêmico, envolvendo especiicamente leitura e escrita. Com base nesses pressupostos, o objetivo principal deste artigo é caracterizar práticas de letramento acadêmico no curso de Engenharia Têxtil da Universidade do Minho, Portugal. Para responder a esse propósito, dois objetivos especíicos dão suporte ao trabalho: i) identiicar as principais dimensões escondidas do * Professora adjunta do Programa de Pós-graduação em Letras (Mestrado e Doutorado) da Universidade Católica de Pelotas (UCPel). SCRIPTA, Belo Horizonte, v. 15, n. 28, p. 37-58, 1º sem. 2011 37 Adriana Fischer gênero relatório em propostas que envolvem leitura e escrita; ii) analisar os modos como professores e alunos se posicionam, explícita ou implicitamente diante dos trabalhos com o gênero relatório. Estes são parte dos objetivos que impulsionaram a pesquisa conduzida entre 2009/2010 no referido curso. Também integram uma investigação mais ampla (2009-2011) sobre letramentos em contexto acadêmico, coordenado pela autora deste artigo, nos cursos de Engenharia Têxtil, Engenharia de Comunicações, Engenharia e Gestão Industrial e Engenharia Civil da Universidade do Minho, com apoio do Centro de Investigação em Educação (CIEd) da mesma Universidade, e do Programa Ciência 2008, da Fundação para Ciência e Tecnologia (FCT) de Portugal. Os resultados que respondem aos objetivos anteriormente mencionados advêm de respostas a depoimentos de professores, após ter sido explicado a eles o objeto da investigação: a caracterização de práticas de letramento em contextos acadêmicos de Engenharia. Os comentários,1 relativamente a práticas de leitura e escrita dos alunos de Engenharia Têxtil, foram: “Eles não produzem nada, somente exame.” (P1);2 “Eles têm diiculdade em pegar no problema e desmontá-lo” (P2); “Eles têm muita diiculdade não só na produção, mas em torno da interpretação.” (P3); “Há muitas diiculdades dos alunos em escrever relatórios. Escrevem mal.” (P4). Diante desses dizeres, defende-se que, se estes forem interpretados de modo descontextualizado (GEE, 1999, 2001), o discurso do deicit de letramento prevalecerá. No entanto, se a proposta for caracterizar práticas de letramento acadêmico, é possível situar outra face desse fenômeno, reposicionando os sentidos, especialmente se forem consideradas práticas textuais envolvendo os gêneros. O segundo ano do Curso de Engenharia Têxtil da Universidade do Minho foi o ambiente escolhido para encaminhar a investigação em 2009/2010, por vários motivos: a) é um curso pós-laboral, o qual funciona no período noturno; b) trata-se de um ambiente heterogêneo de trabalhadores-estudantes, os quais possuem trajetórias diferentes de letramento; c) o curso (no total de cinco anos) está organizado, segundo orientações da Declaração de Bolonha, em um ciclo integrado de estudos conducente ao grau de mestre, e aproxima-se da corrente europeia da aprendizagem por projetos interdisciplinares; d) dá provas de que a investigação acerca das práticas de letramento, envolvendo leitura e produção escrita (objeto deste artigo), é uma necessidade e um interesse do curso. Quarenta alunos, em média, ingressam anualmente no curso de Engenharia Têxtil. No entanto, apenas dezesseis alunos 1 - Dados coletados no curso de Engenharia Têxtil, os quais estão redigidos, ao longo do artigo, observando o português europeu, uma vez que o estudo foi realizado em Portugal. 2 - P indica professor. 38 SCRIPTA, Belo Horizonte, v. 15, n. 28, p. 37-58, 1º sem. 2011 Práticas de letramento acadêmico em um curso de Engenharia Têxtil: o caso dos relatórios e suas dimensões escondidas izeram parte do segundo ano letivo do curso, iniciado em setembro de 2009 e inalizado em julho de 2010, apesar de a Universidade do Minho estar localizada no norte de Portugal, que é uma região característica do setor têxtil. O contributo com esta investigação é dispor a alunos e professores universitários, na área das Engenharias, conhecimentos sobre práticas de leitura e de escrita de gêneros, com especial atenção aos gêneros relatório laboratorial e relatório de projeto, e respectivas expectativas e normas acadêmicas que ora se apresentam de maneira explícita, ora implícita, nas relações entre professores e alunos. Conforme defesa de Grossmann (2010), é necessário considerar o contexto cultural no qual o discurso cientíico opera. De acordo com essa posição, julga-se muito produtivo tornar explícitas muitas dimensões escondidas (STREET, 2010a) dos gêneros, evitando a reprodução do discurso simplista acerca das habilidades técnicas, individuais e deicitárias dos alunos (LEA; STREET, 2006). Com base nos objetivos propostos, as seguintes seções compõem o artigo: uma breve abordagem sobre letramentos acadêmicos; aspectos metodológicos da pesquisa, incluindo procedimentos de coleta de dados; dimensões constitutivas, incluindo as escondidas, dos gêneros propostos para leitura e escrita na Engenharia Têxtil, com ênfase aos relatórios laboratoriais e de projeto, os quais emergem como os mais importantes, frequentes e especializados gêneros no curso. Por im, são apresentadas as conclusões de um ano letivo de investigação acerca dos letramentos acadêmicos, no âmbito da Engenharia Têxtil, em contexto português. Perspecivas sobre letramentos acadêmicos A perspectiva sociocultural (BARTON; HAMILTON, 2000; GEE, 1999, 2001; LEA; STREET, 1998, 2006), na qual esta investigação se apoia, compreende o letramento na sua designação plural, logo letramentos. “Letramento é compreendido como um conjunto de práticas sociais e associado com diferentes domínios de vida.” (BARTON; HAMILTON, 2000, p. 8). Dessa forma, leitura, escrita e sentidos (GEE, 2000) são sempre situados em práticas sociais especíicas, com ênfase às práticas de letramento acadêmico no âmbito desta investigação. O modelo dos “letramentos acadêmicos” (LEA; STREET, 1998, 2006) tem contribuído para destacar muitas dimensões sobre as práticas no domínio acadêmico (cf. STREET, 2010a, b; HENDERSON; HIRST, 2006; JACOBS, 2005; LILLIS, 2003; DIONÍSIO; FISCHER, 2010). Esse modelo enfatiza, especialmente, a natureza social e ideológica dessas práticas, as quais se nomeiam, neste trabalho, práticas de letramento acadêmico. As principais características em destaque SCRIPTA, Belo Horizonte, v. 15, n. 28, p. 37-58, 1º sem. 2011 39 Adriana Fischer relacionam-se com o uso das linguagens contextualizadas e especializadas (GEE, 1999, 2000, 2001), em práticas que envolvem a leitura e a escrita de gêneros. Também, realçam-se os sentidos que se constroem e os posicionamentos revelados principalmente por alunos e professores em práticas de leitura e escrita. Em consequência, esses sentidos possibilitam identiicar, no interior dessas práticas, posicionamentos de alunos e professores, relações de poder e de autoridade que situam esses indivíduos ora como insiders (membros efetivos) ora como outsiders (membros não engajados) nessas práticas, segundo Gee (2000). Em consonância com o modelo dos “letramentos acadêmicos”, os textos em uso para leitura e para escrita representam exemplares de gêneros discursivos. (BAKHTIN [1952-1953/1979], 2003). Na perspectiva dialógica de Bakhtin, os gêneros do discurso são elementos vivos na cadeia comunicacional humana, em virtude da interação verbal entre os indivíduos. É a interação verbal (BAKHTIN; VOLOSHINOV, 1986), que impulsiona o processo de construção dos discursos e de diálogo constante entre eles. Dessa forma, os textos se manifestam como exemplares de gêneros por haver três dimensões essenciais e indissociáveis que os constituem: i) tema: o que é autorizado dizer em determinado gênero, em termos sociais, ideológicos e linguísticos, (ii) composição/estrutura: elementos das estruturas comunicativas e semióticas compartilhadas pelos textos pertencentes ao gênero, iii) o estilo: escolha dos recursos linguísticos, os quais se moldam aos propósitos discursivos dos indivíduos, às suas apreciações valorativas em relação ao tema e aos interlocutores. Essas três dimensões dos gêneros os caracterizam como objetos plenos de relações dialógicas, as quais são consequência dos constantes diálogos entre indivíduos e práticas sociais. Street defende que os gêneros, no contexto acadêmico, não devem ser identiicados e caracterizados apenas através de dimensões estruturais e retóricas, mas também através de suas “dimensões escondidas” (STREET, 2010a). Estas são inferidas nas práticas de letramento acadêmico, pois guardam relação direta com questões de identidade, de poder e de autoridade, as quais são decisivas para explicar a natureza institucional do que conta como conhecimento num dado contexto acadêmico. A proposta de Street (2010a) é que essas dimensões deixem de ser depreendidas por alunos apenas através de inferências em práticas de letramento acadêmico. O autor sugere que tais dimensões sejam foco de discussões entre professores e alunos em sala de aula, considerando as particularidades do gênero em uso, tais como: a) enquadramento, b) contribuição/para quê?, c) voz do autor, d) ponto de vista, e) marcas linguísticas e f) estrutura. 40 SCRIPTA, Belo Horizonte, v. 15, n. 28, p. 37-58, 1º sem. 2011 Práticas de letramento acadêmico em um curso de Engenharia Têxtil: o caso dos relatórios e suas dimensões escondidas A proposta de Street é também defendida por outros autores, se for considerado o foco na escrita em contexto acadêmico. Górska (2010) demonstra, relativamente ao contexto do Reino Unido, que há lacunas na universidade entre o suporte generalista para escrita e exigências especíicas requeridas nas disciplinas. Pereira e Loureiro (2010) realçam que não há nenhum ensino formal acerca da escrita acadêmica no Ensino Superior em Portugal. Carvalho (2010) sugere interfaces entre as esferas acadêmica e proissional, para evitar incompreensões, por parte dos alunos, sobre o funcionamento da escrita acadêmica, e lacunas no estudo sistemático de aspectos funcionais e estruturais que caracterizam o discurso acadêmico. Com base nesses dados, considera-se que diferentes dimensões relativas aos trabalhos com a leitura e com a escrita, assim como os posicionamentos de professores e alunos, estão sempre diretamente relacionados com os gêneros, incluindo expectativas, normas institucionais e formas de uso da leitura e da escrita por professores e alunos no contexto acadêmico. Metodologia Nesse um ano de investigação (2009/2010), optou-se por realizar um estudo de caso na Engenharia Têxtil (2º ano do curso), a im de investigar as práticas que caracterizam os letramentos acadêmicos nesse contexto e as dimensões mais relevantes, dentre as quais, as escondidas (STREET, 2010a), acerca dos gêneros acadêmicos nesse curso de Engenharia. O estudo de caso, dessa forma, possibilita um envolvimento sustentado (LILLIS, 2008) por parte do pesquisador com esse ambiente em particular. Em consequência, permite um exame detalhado de interações entre os participantes e os textos, os modos como ocorrem essas interações, e especialmente os sentidos que os participantes concedem a essas interações e aos textos (HAMMERSLEY, 2006). Em conformidade com a abordagem sociocultural de letramento e com a perspectiva dialógica dos gêneros, os dados foram coletados de maneira etnográica (HAMMERSLEY, 2006; LILLIS, 2008), com apoio de diferentes instrumentos e procedimentos. O conjunto dos instrumentos justiica-se, uma vez que o intuito é traçar um retrato possível e bastante completo das práticas textuais dos participantes (BAZERMAN; PRIOR, 2005): professores e alunos. Os instrumentos e procedimentos de coleta de dados foram os seguintes: a) textos lidos e escritos pelos alunos; b) materiais instrucionais disponibilizados presencialmente ou em ambiente on-line (web do curso) pelos professores, para SCRIPTA, Belo Horizonte, v. 15, n. 28, p. 37-58, 1º sem. 2011 41 Adriana Fischer possivelmente serem lidos pelos alunos; c) documentos institucionais como planos de ensino, elaborados pelos professores nas dez Unidades Curriculares (UC) do segundo ano; d) observações e gravações de apresentações públicas (intercalares e inais) dos relatórios; e) entrevistas com os grupos de alunos nas UC de Projeto Interdisciplinar II e III, com professores/tutores e com a coordenadora do curso (com quatro dos nove professores entrevistados, foi também realizado um “diálogo em torno dos textos” (LILLIS, 2008), a im de explicarem suas expectativas relativas à luência dos alunos na produção escrita dos textos propostos); f) diálogos informais com alunos e professores/tutores, presencialmente ou através de trocas de e-mails. Com apoio desses instrumentos e procedimentos, no sentido de caracterizar práticas de letramento no contexto da Engenharia Têxtil, selecionaram-se diferentes ocorrências. A im de responder ao primeiro objetivo especíico – identiicar as principais dimensões escondidas do gênero relatório em propostas que envolvem leitura e escrita –, inicialmente, opta-se por abordar: i) inalidades dos gêneros; ii) os gêneros mais valorizados no curso; iii) os momentos de trabalho com os gêneros. Considerando que o relatório de projeto assume maior relevância em práticas de leitura e escrita, abordam-se as dimensões escondidas (STREET, 2010a) desse gênero, tomando como base: i) enquadramento; ii) voz do autor e ponto de vista;3 iii) marcas linguísticas; iv) contribuição/para quê? e v) estrutura. Em coerência com o outro objetivo deste trabalho – analisar os modos como professores e alunos se posicionam, explícita ou implicitamente, diante dos trabalhos com o gênero relatório – consideram-se as marcas que indicam: i) formas de os professores orientarem ou avaliarem a escrita dos gêneros relatório laboratorial e relatório de projeto; ii) formas de os alunos escreverem os relatórios; iii) reações, por parte dos alunos, quanto às orientações ou avaliações dos professores à escrita dos relatórios. Gêneros e dimensões escondidas dos relatórios no curso de Engenharia Têxil A análise de vários instrumentos de coleta de dados possibilitou a identiicação de diversos gêneros que especializam práticas acadêmicas de leitura e escrita, contra o discurso do deicit revelado na voz de diferentes professores do curso, os quais airmavam que os alunos não produziam “nada” no curso de Engenharia Têxtil. 3 - Street (2010a) apresenta e discute separadamente as categorias “voz do autor” e “ponto de vista”. No entanto, considerando a proximidade de abordagens, como bem referido pelo próprio autor, essas duas categorias serão apresentadas em conjunto neste artigo. 42 SCRIPTA, Belo Horizonte, v. 15, n. 28, p. 37-58, 1º sem. 2011 Práticas de letramento acadêmico em um curso de Engenharia Têxtil: o caso dos relatórios e suas dimensões escondidas Os gêneros, nesse curso, estão organizados em grupos inter-relacionados que revelam três grandes propósitos pedagógicos. O primeiro estrutura, organiza os processos de ensino e aprendizagem, e os gêneros servem para construir ou expandir (meta)conhecimento e mediar a aquisição de conteúdos teóricos e cientíicos. Dentre esses gêneros estão grelhas de avaliação de disciplinas (sumário dos conteúdos e de avaliações), instrumentos de avaliação (testes, exames, relatórios), informes sobre datas de testes e exames, sínteses de aulas em formato Power Point (PPT), manuais instrucionais (sebentas), listas de exercícios (cálculos), modelos estruturais de textos (agendas, atas, relatórios, resolução de problemas). Supõe-se que os alunos leiam os textos pertencentes aos gêneros, a im de haver regulação do processo de aprendizagem. Ainda, alunos reconhecem que esses gêneros são essenciais para a avaliação, e professores os valorizam como os que devem ser considerados para a elaboração de relatórios (laboratoriais e de projeto). Em acréscimo aos gêneros desse primeiro grupo, o segundo é constituído por outros que guiam as práticas de leitura dos alunos: capítulos de manuais têxteis, catálogos têxteis on-line, publicidade de produtos têxteis e eletrônicos, mapas geográicos, imagens de produtos têxteis, tabelas numéricas, newsletters comerciais, síntese de aulas (de outras universidades) em PPT, e-mails com instruções técnicas, artigos cientíicos on-line. Os alunos destacam, ao disponibilizarem cópias desses diversos gêneros, que a leitura ocorre basicamente para atender à proposta de elaboração do relatório de projeto, na UC de Projeto Interdisciplinar. A organização dessa UC apresenta quatro principais objetivos complementares, conforme o Guia do Aluno da Engenharia Têxtil (2009): a) integração de conhecimentos das quatro outras UC do semestre, as quais envolvem as ciências de base (Física, Química, Matemática), ciências de engenharia (Informática, Desenho, Termodinâmica, etc.), engenharia industrial, de sistemas e engenharia têxtil; b) criação de novos conhecimentos, especialmente através da proposta e/ou elaboração de um “novo” produto têxtil; c) desenvolvimento de uma postura de aprendizagem ativa por parte do aluno; d) desenvolvimento de competências transversais ao currículo, incluindo a comunicação oral e escrita. Dessa forma, no segundo ano do curso, os alunos participam das UC de Projeto Interdisciplinar II e III. Esses alunos são reunidos em grupos de trabalho, os quais necessitam realizar leituras e escrever o relatório de projeto cuja temática é disponibilizada pela coordenação do curso. O terceiro grupo de gêneros está relacionado com os que os alunos precisam produzir/escrever ao longo do curso e, sem dúvida, estes funcionam como recursos de regulação da aprendizagem dos estudantes: apontamentos (anotações realizadas SCRIPTA, Belo Horizonte, v. 15, n. 28, p. 37-58, 1º sem. 2011 43 Adriana Fischer durante as aulas), respostas a questões de testes, exames e listas de exercícios, relatórios laboratoriais e de projeto. A prática com o relatório de projeto tem relação com a pedagogia orientada por projetos, a qual é adotada por todos os cursos de Engenharia da Universidade do Minho. Tamanha é a importância concedida ao relatório de projeto que sessões de tutoria são organizadas semanalmente para os grupos de alunos apresentarem seus trabalhos em andamento e supostamente receberem feedback dos professores/ tutores. Anteriormente à apresentação do relatório de projeto, os alunos necessitam elaborar quatro diferentes gêneros: i) planejamento do projeto: deinição do tema, do escopo, da metodologia e da cronologia de trabalho, ii) ata: sumarização dos principais tópicos da reunião de tutoria, comprovação da continuidade do trabalho, da responsabilidade de cada um dos membros do grupo e do cumprimento dos prazos, iii) apresentação preliminar: tornar públicos os resultados intercalares do relatório de projeto. No inal de cada semestre, alunos também elaboram a apresentação inal do relatório de projeto, em formato PPT, e depois a apresentam, a im de tornar públicos os resultados inais. Em meio a inúmeros gêneros que integram as práticas pedagógicas no curso de Engenharia Têxtil, há alguns que são mais valorizados pelos professores, na voz dos alunos: “Os professores disponibilizam os manuais, para tomarmos como orientação ou então reenviam os Power Points pelo e-learning.” (aluna 1). Segundo esse depoimento, os manuais (conjunto de textos de referência para os professores ou sumarizados por eles) e as sínteses deles, dispostos em Power Points, apresentam-se como os gêneros mais frequentes e mais valorizados para leitura nas UC do curso. A multimodalidade é uma característica marcante tanto nos manuais quanto nos Power Points e é indicada pelos alunos através da presença de equações, fórmulas, deinições, gráicos e tabelas. Os alunos destacam ainda que as deinições, na grande maioria, são suportes para resolução de problemas, juntamente com equações e fórmulas. Em relação aos gêneros mais valorizados pelos professores para a escrita, ganham realce os testes ou exames e os relatórios, segundo os próprios professores: “Nesta disciplina [que envolve basicamente a Matemática] o que eles resolvem são só os exames escritos. A parte de produção de texto é na disciplina de Projeto Interdisciplinar, eles têm que elaborar plano de trabalho, atas, relatório.” (P1); “A produção escrita nesta UC vai ser o relatório, que é o relatório de uma aula de acompanhamento laboratorial, onde izeram trabalhos práticos, em que eles vão ter que pegar nos procedimentos que eu os forneci. O relatório é entregue junto no dia do teste” (P4). Como podemos acompanhar com os dizeres dos professores, 44 SCRIPTA, Belo Horizonte, v. 15, n. 28, p. 37-58, 1º sem. 2011 Práticas de letramento acadêmico em um curso de Engenharia Têxtil: o caso dos relatórios e suas dimensões escondidas a produção escrita é diretamente relacionada com o relatório, seja ele laboratorial ou o produzido na UC de Projeto Interdisciplinar. As propostas de resolução de problemas, no entanto, não são vistas como práticas de leitura e de escrita na percepção do professor 1, ainda que os alunos necessitem interpretar questões-problema, bem como justiicar, por escrito, resultados matemáticos alcançados. O relatório laboratorial, por sua vez, é bastante valorizado pelo cumprimento aos procedimentos têxteis fornecidos pelo professor (P4) e apenas recebido por ele ao inal do semestre de aulas. A indicação do momento do semestre em que se dá a realização de testes e a entrega dos relatórios é também reforçada pelos alunos, os quais apontam que esses gêneros são característicos do “inal do semestre”. Reforçam ainda que “os testes” e “os resultados” são muito valorizados pelos professores e que os relatórios são “importantíssimos” no curso de Engenharia Têxtil. De acordo com depoimentos de alunos e professores, há uma grande valorização concedida à escrita e aos resultados dos relatórios, sejam eles laboratoriais ou do Projeto Interdisciplinar. Em nenhum momento o relatório é referido como um gênero que também se presta à leitura, no sentido de dar suporte mais especíico à escrita, já que inclui tema, estrutura e organização linguística (BAKHTIN [19521953/1979], 2003) bastante particulares nesse contexto da Engenharia. Portanto, considerando esses dados, evidenciam-se dimensões escondidas (STREET, 2010a) no processo de ensino/aprendizagem. Essas dimensões escondidas, por sua vez, serão foco de atenção na próxima seção, porque auxiliam decisivamente na apresentação e discussão de resultados que respondem a um dos objetivos deste artigo: identiicar os modos explícitos e/ou implícitos como professores e alunos se posicionam frente a esses gêneros. Relatório laboratorial e relatório de projeto O gênero que emerge como o mais importante, frequente e especializado no curso é o relatório. Quase a totalidade das UC o requer como um instrumento de avaliação. Devido a sua presença sistemática, professores assumem que esse é um gênero que os alunos já dominam, mesmo antes do ingresso em Engenharia Têxtil: “A produção escrita nesta Unidade Curricular, comigo, vai ser o relatório, que é o relatório de uma aula de acompanhamento laboratorial, em que eles vão ter que pegar nos procedimentos para atividade no laboratório que eu os forneci. A escrita do relatório, a estrutura do relatório, portanto, eles já têm mais ou menos a noção lá na anterior como deve ser feito” (P3). SCRIPTA, Belo Horizonte, v. 15, n. 28, p. 37-58, 1º sem. 2011 45 Adriana Fischer Como se veriica no depoimento anterior da professora (P3), o que são disponibilizados aos alunos são procedimentos laboratoriais, não exatamente conteúdo temático, estrutura composicional e recursos linguísticos, conforme características constitutivas dos gêneros. Esse posicionamento é assim manifestado por alguns professores, porque no Ensino Secundário (anos anteriores ao ingresso no Ensino Superior) é também recorrente a produção de relatórios pelos alunos, conforme depoimentos de muitos desses sujeitos. Um dado marcante nessas práticas de letramento, em que o gênero relatório de projeto é objeto de trabalho, é a tensão existente entre as formas de escrita do relatório pelos alunos e diferentes expectativas e normas acadêmicas, por parte dos professores, as quais não são atendidas pelos alunos, segundo os dados obtidos. Em diálogo realizado com um dos professores (P5) do segundo ano do curso de Engenharia Têxtil, em torno do que foi e não foi valorizado por ele na avaliação dos relatórios laboratoriais, algumas dimensões desse gênero foram mencionadas por ele, seja na introdução, na descrição dos resultados ou nas conclusões. Na introdução de um dos relatórios laboratoriais, o professor escreve apenas “já se sabe” a um dos grupos de alunos e explica oralmente à pesquisadora: “porque os alunos estão a repetir” as informações teóricas já abordadas nas aulas. Por outro lado, o professor valoriza as informações contidas nessa parte do relatório do grupo por se tratar de “uma apresentação minimamente ligada ao que iam fazer a seguir, porque houve outros que não izeram nem introdução, ou a introdução era de tal maneira genérica” (P5). Dessa forma, é na comparação com relatórios de outros grupos que o professor manifesta o que julga adequado e inadequado na escrita da introdução desse gênero. Na parte de descrição dos resultados obtidos com os procedimentos laboratoriais, o professor valoriza o modo como os alunos a “organizaram de uma forma original”, seja por disporem, em meio ao texto escrito, um pedaço da malha confeccionada em tear têxtil, seja por essa malha estar acompanhada de uma tabela que indica, com apoio de cores diferenciadas, os ios e os modos de composição desse tecido. O professor comenta que essa escolha “marca alguma iniciativa da parte dos alunos” (P5). Assim, o diferencial na forma de apresentar os resultados, por uso a recursos multimodais, é valorizado na escrita desse relatório pelo professor. A título de exemplo, em relação ao relatório de outro grupo, o professor assim se posiciona: “em termos de apresentação não tem nada a ver, limitaram-se a colocar as coisas aqui” (P5). Falta, nesse caso do relatório, a originalidade na apresentação dos resultados. 46 SCRIPTA, Belo Horizonte, v. 15, n. 28, p. 37-58, 1º sem. 2011 Práticas de letramento acadêmico em um curso de Engenharia Têxtil: o caso dos relatórios e suas dimensões escondidas Em relação às conclusões, o professor airma que são muito “genéricas” e inclui no relatório o comentário “Foi pena que as conclusões não foram completas”. A explicação que esse professor concede à pesquisadora é que “não são más, mas poderiam ter ido um bocadinho mais longe”, “as conclusões que tiravam neste relatório seriam feitas por observação direta”. Essas reações do professor se justiicam porque os alunos elaboram as conclusões com ênfase em classiicações teóricas abordadas por ele, como em “as máquinas para malhas podem ser classiicadas de diferentes formas” (relatório laboratorial) e com ênfase em caracterizações inais da malha confeccionada no laboratório, como em “essa malha caracteriza-se por ter uma grande elasticidade” (relatório laboratorial). Diferentemente, os alunos deveriam valorizar a descrição dos procedimentos, por “observação direta” ao experimento desenvolvido no laboratório, segundo as expectativas do professor, e as normas que ele julga adequadas para a escrita desse tipo de relatório. A tensão que se estabelece entre as expectativas do professor e a escrita do relatório laboratorial se intensiica se considerarmos, por exemplo, os comentários do mesmo professor às conclusões do relatório laboratorial de outro grupo de alunos. Ele desvaloriza as conclusões, airmando que “essas não são conclusões, são procedimentos […] não falam nada sobre as estruturas, termos de dimensão, elasticidade, resistência, etc. […] não sabem o que é uma conclusão” (P5). Nesse caso, em comparação com os dados anteriormente apresentados, há inconsistência nas observações do professor, pois aqui ele desvaloriza a descrição demasiada dos procedimentos laboratoriais e aponta a falta de caracterizações relativas às “estruturas, dimensão, elasticidade, resistência” da malha produzida em laboratório. Esses aspectos foram por ele indicados como necessários, porém em falta no relatório do outro grupo. Portanto, o professor não revela suas expectativas de forma explícita diante do gênero relatório laboratorial, se considerados os comentários avaliativos escritos por ele nesses relatórios. Ele nem mesmo deixa claro, nos depoimentos orais à pesquisadora, dimensões discursivas e linguísticas desse gênero, para que os relatórios fossem uniformemente avaliados por ele. Os alunos, por sua vez, organizam e escrevem de maneiras diversas os relatórios laboratoriais, uma vez que não há instruções explícitas quanto a esse gênero. Nesses desencontros entre a produção escrita dos alunos e as expectativas e normas acadêmicas é que se fazem notar as dimensões escondidas do gênero relatório. Estas serão abordadas, mais especiicamente, no relatório de projeto, devido à relevância desse gênero em práticas de leitura e escrita. SCRIPTA, Belo Horizonte, v. 15, n. 28, p. 37-58, 1º sem. 2011 47 Adriana Fischer Dimensões escondidas no relatório de projeto Quanto a uma das dimensões escondidas, o “enquadramento” (STREET, 2010a), que ajuda a explicar o que é o relatório na Engenharia Têxtil, alunos reconhecem que os relatórios não são “os mesmos” nas diferentes UC: “os relatórios dos laboratórios são diferentes dos outros. É mostrar resultados, explicar procedimento” (aluno 2). Particularmente diferente dos relatórios laboratoriais, os quais seguem uma linha descritiva de produção, é o relatório de pesquisa, produzido na UC de Projeto Interdisciplinar. Nesse relatório de projeto, alunos devem integrar conhecimentos das quatro UC do semestre, sendo um dos objetivos do projeto o desenvolvimento de uma aplicação – um produto têxtil – de acordo com temática preestabelecida pelos professores e pela coordenação do curso. No entanto, para ser bem-sucedido nessa produção, é necessário ir além da estrutura descritiva. Na verdade, o que demonstra ser valorizado pelos professores é uma linha argumentativa de elaboração do relatório. Como revela a coordenadora do curso: os alunos precisam “fazer alguma coisa nova e a justiicar-se”, e em que “eles têm que integrar [os conhecimentos das 4 UC] ou explicar por que é que eles integram”. Ser inovador e ser integrador são duas decisivas características discursivas do relatório de projeto, as quais, para terem validade, necessitam de justiicativas, de explicações capazes de convencer os leitores/professores. Porém, não é de maneira explícita que as orientações para a escrita de caráter argumentativo chegam aos alunos, conforme depoimento de um deles: “Nós andamos e andamos às voltas e voltas, a tentar fazer o primeiro relatório. […] O segundo foi melhor, mas tivemos que pedir ajuda para os colegas dos anos anteriores”; “Supõe-se que nós devemos saber fazer. Mas a minha maneira de fazer nem sempre coincide com o interesse do professor. O ideal era mesmo, no primeiro ano, sermos logo corrigidos para aquilo que izéssemos mal, o que teríamos a melhorar. Aí é que já estávamos com outro desempenho agora” (aluna 3). A busca por modelos de relatórios de projeto já elaborados é comum nos dizeres dos alunos. Ainda, alunos posicionam-se contra a falta de orientação para a escrita desse tipo de relatório e manifestam o que para eles seria “ideal”, a im de alcançarem “outro desempenho” na elaboração desse gênero. Logo, a linha argumentativa no relatório é uma das dimensões escondidas, a qual deve ser inferida pelos alunos, já que não há ou poucas são as instruções explícitas a esse respeito. Essas instruções aparecem em aulas de dois professores/tutores de outros cursos de Engenharia (que não a Têxtil) na UC de Projeto Interdisciplinar III, 48 SCRIPTA, Belo Horizonte, v. 15, n. 28, p. 37-58, 1º sem. 2011 Práticas de letramento acadêmico em um curso de Engenharia Têxtil: o caso dos relatórios e suas dimensões escondidas o que oportuniza diferentes relações, mais sustentadas, por parte dos alunos, com a leitura e a escrita nesse gênero. Um exemplo de orientação prévia, para escrita de parte do relatório de projeto, foi disponibilizado por um dos professores, destacando o que os alunos necessitavam apresentar e como deveriam justiicar os resultados: “Não esquecer de ‘ler’ em cada igura ou tabela a informação mais pertinente. Incluir apenas as iguras ou tabelas pertinentes para a análise dos resultados. Cada gráico/tabela inserido no relatório deve fazer parte de uma estratégia de análise: ‘serve para quê’ e ‘por quê’” (P2). É com base nessas orientações que o professor se posiciona ao avaliar a escrita durante o processo de elaboração do relatório de projeto e, consequentemente, informa os alunos se está ou não adequada a escrita elaborada. O professor utiliza estratégias como questionamentos aos alunos, “porque escolheram o questionário autoadministrado?”, em meio aos parágrafos do relatório de projeto, bem como orientações contendo os mesmos dizeres postos na orientação prévia escrita entregue aos alunos: “deve diversiicar o tipo de gráicos, deve indicar que analisou a pergunta xx e ‘ler’ a informação mais pertinente” (P2). Essas orientações (anteriores e durante a escrita do relatório de projeto) apontam maneiras de organizar uma das seções do relatório de projeto, na análise estatística dos resultados. Esse professor (P2), por exemplo, chama a atenção dos alunos para a necessidade de argumentar, ao mencionar “não esquecer de ‘ler’ em cada igura ou tabela a informação mais pertinente” e “cada gráico/ tabela inserido no relatório deve fazer parte de uma estratégia de análise: ‘serve para quê’ e ‘porquê’”. As indicações sobre “ler a informação mais relevante” e sobre ter “estratégia de análise” funcionam como orientações especíicas sobre como “justiicar” os dados do projeto, conforme já apresentado no depoimento da coordenadora do curso. Apesar de os alunos não parecerem ser particularmente conscientes sobre a linha argumentativa na elaboração do texto, revelam ser sensíveis a outras dimensões escondidas como “voz do autor” e “ponto de vista” (STREET, 2010a), juntamente com originalidade e criatividade: “o relatório do projeto é uma criação nossa, é nossa ideia, um bocadinho de nós, falamos o que andamos a pesquisar; há maior liberdade para colocarmos” (aluno 4). Essa percepção acerca da necessidade de originalidade e criatividade pode ser identiicada nos relatórios de projeto através de marcas linguísticas, como dispõe Street (2010a): escolhas lexicais e discursivas se entrelaçam no texto com ideias e argumentos complexos. Três formas de marcar linguisticamente indicam as vozes dos alunos (a inscrição na comunidade de prática – a da Engenharia Têxtil, no âmbito do Projeto Interdisciplinar) e os pontos de vista (a posição discursiva e as marcas de relexão sobre o tema). A primeira SCRIPTA, Belo Horizonte, v. 15, n. 28, p. 37-58, 1º sem. 2011 49 Adriana Fischer refere-se à não aceitação quanto à temática do relatório de projeto e consequente reação-resposta antecipada à avaliação do curso no Projeto Interdisciplinar III. O depoimento “quem deine os caminhos são os professores, nós só os seguimos” (aluno 4) traduz o não engajamento dos alunos na decisão da temática do projeto, a qual foi “Desportos de Inverno – Vestuário ou acessórios”. Na introdução de um dos relatórios de projeto há outra maneira de assinalar a não aceitação em relação a essa temática: “Apresentada a base deste projecto, deixamos em jeito de ambição: procurar novos e surpreendentes modos de entrar por territórios já muito navegados e explorados. […] uma certeza não deverá ser eliminada: evitar ir longe demais nas concepções que defendemos. Usar a criatividade é um desaio que procuramos tornar visível” (Introdução, relatório de projeto, grupo 1). A airmação dos alunos quanto à “ambição” de “entrar por territórios já muito navegados e explorados”, relativamente a vestuários e acessórios de inverno, indica, sobretudo, “um desaio” quanto a uma das características centrais do relatório de projeto: “ser inovador”. Implicitamente, a escrita dessa introdução antecipa aos leitores/ professores que os alunos irão “evitar ir longe demais nas concepções” defendidas, pois têm a percepção de que, para serem bem avaliados, necessitam inovar e justiicar as inovações. Uma segunda forma de se depreenderem as vozes dos alunos e os pontos de vista está no modo de interpretar cálculos, imagens, iguras e gráicos. Segundo depoimentos avaliativos dos professores, em relação aos relatórios de projeto, os alunos “têm muita diiculdade em torno da interpretação” e pouco exploram os dados relevantes contidos em cálculos, imagens, iguras e gráicos. Por exemplo, no relatório de projeto III, ao proporem a análise de uma questão acerca do peso do snowboard e da “importância do peso do esqui”, com apoio de gráicos contendo porcentagens, os alunos somente escrevem: “o peso revela-se também importante na análise das respostas a este inquérito, mesmo para os não praticantes das duas modalidades em questão”. Os alunos pouco exploram os números presentes nos gráicos e relações entre outros dados no relatório, desencadeando constantes airmações dos professores sobre a diiculdade quanto às interpretações. No entanto, com exceção de poucos professores que oportunizam orientações antes e durante a escrita do relatório de projeto, como já apontado anteriormente, a maioria deles realça a presença dessa diiculdade de interpretar quando da avaliação inal do gênero. Como airma a aluna 2: “o feedback dos professores é na apresentação inal e depois, posterior a isso, o feedback é a nota”. A posição dos professores como avaliadores na fase inal dos trabalhos não é bem aceita pelos alunos, pois diiculta a eles a compreensão do que signiica um relatório de projeto nesse 50 SCRIPTA, Belo Horizonte, v. 15, n. 28, p. 37-58, 1º sem. 2011 Práticas de letramento acadêmico em um curso de Engenharia Têxtil: o caso dos relatórios e suas dimensões escondidas contexto: “só vai ser um relatório para nós, se nós soubermos se cumpriu ou não cumpriu” (aluna 2) as expectativas e normas acadêmicas desse gênero. É constante a manifestação dos alunos quanto à necessidade de posições mais engajadas entre professores e alunos, durante o processo de elaboração do relatório de projeto, a im de poderem ter mais recursos na escrita desse gênero. A terceira forma de se perceber a voz e o ponto de vista dos alunos é manifestada através do registro discursivo, que indica o não comprometimento explícito deles com os dizeres: “Não tendo sido possível proceder a um verdadeiro estudo de mercado, no que diz respeito à criação da unidade industrial, baseou-se nas respostas a um inquérito on-line” (Introdução, relatório de projeto, grupo 1). O uso da impessoalidade através das expressões “não tendo sido possível proceder” e “baseou-se” assinala a adequação às normas acadêmicas para escrita de relatórios. Ainda, reforça que não havia uma relação estreita com o procedimento de aplicação do inquérito e a respectiva interpretação de respostas para o relatório de projeto. Esses dados se sustentam se analisado o registro discursivo utilizado (primeira pessoa do plural, nós) pelos alunos, duas linhas adiante no texto, para realçar as decisões tomadas por eles: “Optámos pela primeira hipótese, baseando-nos no facto de que podemos criar a referida unidade para a produção do artigo […] de maneira que nos seja possível diversiicar a produção” (Introdução, relatório de projeto, grupo 2). De maneira implícita, com apoio das marcas linguísticas, observa-se que os alunos referenciam decisões institucionais do curso e decisões construídas entre eles para a elaboração do relatório de projeto através de diferentes usos do registro discursivo. Nessa alternância de usos, entre o pessoal e o impessoal, emerge um forte comentário avaliativo de professores, que diz respeito à falta de uniformidade na escrita do relatório. O que se veriica entre o que efetivamente os alunos escrevem e as expectativas e normas acadêmicas é que há lacunas entre o tipo de suporte para a escrita e as exigências especíicas requeridas nas disciplinas (cf. GÓRSKA, 2010). As diferentes formas de marcação linguística que indicam a voz e o ponto de vista dos alunos estão diretamente relacionadas com a apreciação dos alunos de qual é “a contribuição/para quê?” (STREET, 2010a) da escrita do relatório de projeto. Essa é mais uma das dimensões escondidas que dá suporte à identiicação da posição de alunos e professores no trabalho com esse gênero. A contribuição mais comum que é referida na escrita dos alunos é a avaliação no contexto acadêmico: “este trabalho permitiu desenvolver e consolidar os conhecimentos adquiridos ao longo do semestre nas várias unidades curriculares” (Introdução, relatório de projeto, grupo 2). Somente em um, do total de três relatórios de SCRIPTA, Belo Horizonte, v. 15, n. 28, p. 37-58, 1º sem. 2011 51 Adriana Fischer projeto, elaborados na UC de Projeto Interdisciplinar III, dá-se a entender que a contribuição do projeto reside na apresentação de uma nova proposta ao mercado têxtil: “Actualmente, as luvas para desportos de Inverno disponíveis no mercado não proporcionam ao utilizador sensibilidade táctil suiciente […] Dessa forma, desenvolveu-se um protótipo a partir da concepção de um par de luvas com diversas melhorias ao nível das suas propriedades” (Introdução, relatório de projeto, grupo 3). A necessidade de “integrar” conhecimentos das várias UC, como resposta à avaliação na UC de Projeto Interdisciplinar, é manifestada no excerto de um dos grupos, diferentemente de outro, que prefere realçar particularidades de “um protótipo”, ou seja, de um novo produto, a partir da necessidade do mercado têxtil. Essa dimensão escondida do relatório de projeto, que é “integrar” conhecimentos, bem como a percepção dos alunos sobre a contribuição decisiva desse gênero também se reletem na estrutura do relatório de projeto. A estrutura é mais uma dimensão escondida que emerge dos resultados, especialmente de depoimentos dos professores, acerca da nítida fragmentação de conteúdos, da falta de integração de conhecimentos das UC e da falta de io condutor na estruturação do relatório de projeto. Como resposta a essa tensão entre professores e alunos, uma das alunas assim se manifesta: “No projeto nos disseram que o relatório deveria ser assim, assim e assim. Todos nós izemos, todos os grupos de maneira diferente” (aluna 1). Logo, apesar de instruções iniciais do curso, sobre a forma de organização estrutural do gênero, cada grupo estruturou o relatório de maneira particular. Os títulos que compõem as seções dos três relatórios assim comprovam: Grupo 1: 1 Introdução, 2 Desenvolvimento do protótipo, 3 Conclusão, 4 Bibliograia; Grupo 2: 1 Introdução, 2 Da ideia ao mercado, 3 Fibras têxteis, 4 Materiais e processos têxteis, 5 Estudo da Viabilidade Económica Financeira de um Projecto de Investimento, 6 Conclusão geral, 7 Bibliograia, 8 Anexos; Grupo 3: 1 Introdução, 2 Luvas Desportivas de inverno, 3 Estudo de mercado, 4 Descrição/caracterização da nova luva, 5 Projecto de investimento: criação de uma unidade industrial, 6 Conclusão, 7 Bibliograia. Diante dessas três formas de estruturar o relatório de projeto, os professores manifestaram preferência pelo Grupo 3 na avaliação inal dos trabalhos. A justiicativa para essa preferência foi uma relação coerente com um projeto de engenharia, conectado com as necessidades do mercado têxtil. Diante das várias particularidades que marcam a constituição do relatório de projeto na Engenharia Têxtil da Universidade do Minho, esse gênero mostra-se também diferente do relatório laboratorial, porque ele deve ser produzido de dois modos distintos: na escrita e na oralidade. Essa dupla natureza intensiica as dimensões 52 SCRIPTA, Belo Horizonte, v. 15, n. 28, p. 37-58, 1º sem. 2011 Práticas de letramento acadêmico em um curso de Engenharia Têxtil: o caso dos relatórios e suas dimensões escondidas escondidas do gênero. A “recontextualização” (CASSANY, 2006) que o relatório escrito sofre ao ser transformado em apresentação oral, para ser avaliado por professores e colegas do curso, marca a construção de outro gênero, constituído por outra linguagem social (GEE, 1999, 2001) e que realça a necessidade de uso de “estratégias divulgativas” (CASSANY, 2006), capazes de convencer e persuadir a audiência. O que ocorre é que os alunos aprendem fazendo, como já referenciado na voz da aluna 2: “se foi aprovado pelos professores no ano anterior, por que não usá-lo também? O feedback dos professores é então na apresentação inal”. Portanto, esses comentários da aluna 2 ilustram como as práticas de letramento são ou não negociadas para responder às exigências de produção do gênero relatório de projeto. Assim, é na relação entre conhecimentos, expectativas e normas do contexto acadêmico e do campo de trabalho, neste caso a Engenharia Têxtil, que o gênero relatório de projeto ganha forma e sentido, seja na escrita ou na oralidade. Porém, icam ainda implícitas ou escondidas aos alunos muitas questões envolvidas nessa relação entre contextos sociais, que constituem decisivamente esse gênero. Conclusões Com base na forte orientação do curso na relação com o campo de trabalho, gêneros como artigos, ensaios e resenhas são escassos. Para apresentar conhecimentos, alunos produzem, basicamente, textos de orientação avaliativa, como testes, resolução de problemas (cálculos), exames e relatórios laboratoriais. Ao contrário do que airmam muitos professores, há uma diversidade de gêneros para leitura e para escrita na Engenharia Têxtil, porém com baixo índice de orientação explícita e uso de metalinguagem cientíica por parte do curso. Os textos mais valorizados e disponibilizados pelos professores para leitura são os manuais (sínteses elaboradas pelos professores) e os resumos de aulas em formato PPT, com a inalidade de avaliação nas disciplinas. Outras leituras realizadas pelos alunos, para elaboração do relatório de projeto, são fruto de buscas autônomas, sem o suporte ou orientação dos professores, o que diiculta a interação dos alunos com as linguagens especializadas de gêneros acadêmicos. Nesse caso, ocorrem muitos desencontros entre o que os alunos leem e o que os professores esperariam que os alunos lessem para construírem o relatório de projeto. Esses desencontros, por sua vez, posicionam os alunos como outsiders (GEE, 2000) nesse tipo de prática acadêmica. A leitura mostra-se como uma prática supostamente semanal a ser conduzida pelos alunos, a im de poderem SCRIPTA, Belo Horizonte, v. 15, n. 28, p. 37-58, 1º sem. 2011 53 Adriana Fischer acompanhar os conteúdos disciplinares. Entretanto, o que os alunos realçam é que essas práticas se intensiicam apenas em momentos especíicos do semestre, quando há testes e quando ocorrem as entregas de relatórios laboratoriais e do relatório de projeto, ou seja, no inal de cada semestre letivo. A não valorização de práticas de leitura envolvendo gêneros acadêmicos, como artigos cientíicos ou capítulos de livros, tem levado os alunos, sobretudo, à reprodução de informações dos materiais disponibilizados pelos professores. De outro lado, o objetivo pedagógico de tornar os alunos mais ativos no processo de construção de conhecimentos, coloca em evidência o gênero relatório de projeto. O trabalho em grupo, que ocorre durante todos os semestres, paralelamente a reuniões de tutoria com diferentes professores, sejam eles da Engenharia Têxtil ou de outros cursos de Engenharia, tem contribuído para que os alunos sejam mais sensíveis a algumas dimensões escondidas do gênero relatório de projeto. Entretanto, considerando os resultados da escrita dos relatórios de projeto e os comentários constantes de professores, acerca do deicit dos alunos quanto à interpretação e à escrita de textos, são requeridas mudanças. Posições mais explícitas sobre normas e expectativas relativas às dimensões desse gênero emergem como anseios expostos pelos alunos. Conforme depoimento da professora 3, “Eles [os alunos] são bons em fazer as coisas, mas não são suicientemente valorizados. […] Estes alunos têm a capacidade de argumentação e é isso que nós temos que vos orientar. Eu acho que eles têm, eles só têm medo de a ter” (P3). As relações de poder e de autoridade e a carência de orientações acerca de como interpretar, como argumentar, como integrar conhecimentos, como revelar o “novo”, especialmente nos relatórios de projeto, indicam ser explicações a muitos discursos deicitários acerca das práticas de leitura e escrita conduzidas pelos alunos. Sem dúvida, possíveis discussões em torno das dimensões escondidas do gênero relatório de projeto funcionariam como recursos viáveis na mudança dessas relações de poder e de autoridade. O aprender fazendo e o aprender com base em modelos passados têm se mostrado os meios mais eicazes para que alunos comprovem maior luência nas práticas envolvendo leitura e escrita, no caso dos relatórios laboratoriais e de projeto. No entanto, sendo esses gêneros especializados da esfera acadêmica e do campo de trabalho, onde atuam ou irão atuar esses engenheiros, orientações explícitas e sistemáticas abririam possibilidades de formar alunos mais luentes e críticos no trabalho com os gêneros, no sentido de não apenas se conformarem a eles, mas de transcenderem normas e se assumirem como produtores de conhecimentos cientíicos e proissionais. 54 SCRIPTA, Belo Horizonte, v. 15, n. 28, p. 37-58, 1º sem. 2011 Práticas de letramento acadêmico em um curso de Engenharia Têxtil: o caso dos relatórios e suas dimensões escondidas Academic literacy pracices in a Texile Engineering Course: the case of the reports and their hidden features Abstract The aim of this work is to characterize academic literacy practices in the Course of Textile Engineering of the University of Minho, Portugal. To attend this objective it is necessary to identify the main hidden features of the genre report in practices that involve reading and written issues. Additionally analyses are made referring to the way how professors and students position themselves, explicitly and implicitly, facing the work regarding genre report. Socio-cultural perspective referring to literacies helps to data analyses, the ones that were collected in the scholastic year 2009-2010. The results show that performing learning and learning based on past samples are the most current means in the reports production. Possible discussions referring to hidden dimensions of this genre would be available means in the change of the reports of power and authority in this course. Keywords: Textile Engineering Course. Literacy practices. Reports. Hidden features. Praiques de litéracie dans uns cours d’ingénierie texile: le cas des rapports et de ses dimensions occultes Résumé L’objectif de cette étude est de caractériser des pratiques de littéracie académiques dans le cours d’ingénierie textile de l’Université du Minho, Portugal. Àin d’atteindre cet objectif sont identiiées les principales dimensions occultes du genre rapport dans des propositions qui enrobent lecture et écriture. Sont analisés en plus les modes selon lesquelles les professeurs et les étudiants se positionnent, explicite ou implicitement, en face des travaux avec le genre rapport. Les approches socio-culturelles relatives aux littéracies apportent un soutien à l’analyse des données, lesquelles ont été recueillies pendant l’année scolaire 2009/2010. Les resultats indiquent qu’apprendre en faisant et apprendre à partir de modèles anciens sont les moyens le plus recurrents dans la production de rapports. Possibles discussions autour des dimensions occultes de ce genre se révèlent comme des recours viables dans l’évolution des relations de pouvoir et d’autorité dans ce cours. Mots-clés: Cours d’ingénierie. Pratiques de littéracie. Rapport. Dimensions occultes. SCRIPTA, Belo Horizonte, v. 15, n. 28, p. 37-58, 1º sem. 2011 55 Adriana Fischer Referências BAKHTIN, Mikhail. Os gêneros do discurso. In: BAKHTIN, Mikhail. Estética da criação verbal. 4. ed. Tradução de Paulo Bezerra. São Paulo: Martins Fontes, 2003 (1952-1953/1979). p. 261-306. BAKHTIN, Mikhail; VOLOSHINOV, Valentin. N. A interação verbal. In: BAKHTIN, Mikhail; VOLOSHINOV, Valentin. N. Marxismo e ilosoia da linguagem. São Paulo: Hucitec, 1986. p. 110-127. BARTON, David; HAMILTON, Mary. Literacy practices. In: BARTON, David; HAMILTON, Mary; IVANIC, Roz. Situated literacies: reading and writing in context. London/ New York: Routledge, 2000. p. 7-15. BAZERMAN, Charles; PRIOR, Paul. 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Disponível em: <http:// evenements.univ-lille3.fr/litteracies universitaires/cd/version_anglaise/3_4_0_ authors_index.html>. Acesso em: 27 jul. 2011. SCRIPTA, Belo Horizonte, v. 15, n. 28, p. 37-58, 1º sem. 2011 57 Adriana Fischer STREET, Brian V. Dimensões “escondidas” na escrita de artigos acadêmicos. Tradução de Armando Silveiro e Adriana Fischer. Perspectiva: Revista do Centro de Ciências da Educação – UFSC, Florianópolis, v. 8, n. 2, jul./dez. 2010a. STREET, Brian V. The ‘academic literacies’ approach to writing support in universities. In: INTERNATIONAL CONFERENCE: UNIVERSITY LITERACIES – KNOWLEDGE, WRITING, DISCIPLINES, Lille, França. Proceedings….2010. Disponível em: <http://evenements.univ-lille3.fr/litteraciesuniversitaires/cd/version_anglaise/3_4_0_authors_index.html>. Acesso em: 27 jul. 2011. 58 SCRIPTA, Belo Horizonte, v. 15, n. 28, p. 37-58, 1º sem. 2011 Práticas de letramento acadêmico em um curso de Engenharia Têxtil: o caso dos relatórios e suas dimensões escondidas contexto: “só vai ser um relatório para nós, se nós soubermos se cumpriu ou não cumpriu” (aluna 2) as expectativas e normas acadêmicas desse gênero. É constante a manifestação dos alunos quanto à necessidade de posições mais engajadas entre professores e alunos, durante o processo de elaboração do relatório de projeto, a im de poderem ter mais recursos na escrita desse gênero. A terceira forma de se perceber a voz e o ponto de vista dos alunos é manifestada através do registro discursivo, que indica o não comprometimento explícito deles com os dizeres: “Não tendo sido possível proceder a um verdadeiro estudo de mercado, no que diz respeito à criação da unidade industrial, baseou-se nas respostas a um inquérito on-line” (Introdução, relatório de projeto, grupo 1). O uso da impessoalidade através das expressões “não tendo sido possível proceder” e “baseou-se” assinala a adequação às normas acadêmicas para escrita de relatórios. Ainda, reforça que não havia uma relação estreita com o procedimento de aplicação do inquérito e a respectiva interpretação de respostas para o relatório de projeto. Esses dados se sustentam se analisado o registro discursivo utilizado (primeira pessoa do plural, nós) pelos alunos, duas linhas adiante no texto, para realçar as decisões tomadas por eles: “Optámos pela primeira hipótese, baseando-nos no facto de que podemos criar a referida unidade para a produção do artigo […] de maneira que nos seja possível diversiicar a produção” (Introdução, relatório de projeto, grupo 2). De maneira implícita, com apoio das marcas linguísticas, observa-se que os alunos referenciam decisões institucionais do curso e decisões construídas entre eles para a elaboração do relatório de projeto através de diferentes usos do registro discursivo. Nessa alternância de usos, entre o pessoal e o impessoal, emerge um forte comentário avaliativo de professores, que diz respeito à falta de uniformidade na escrita do relatório. O que se veriica entre o que efetivamente os alunos escrevem e as expectativas e normas acadêmicas é que há lacunas entre o tipo de suporte para a escrita e as exigências especíicas requeridas nas disciplinas (cf. GÓRSKA, 2010). As diferentes formas de marcação linguística que indicam a voz e o ponto de vista dos alunos estão diretamente relacionadas com a apreciação dos alunos de qual é “a contribuição/para quê?” (STREET, 2010a) da escrita do relatório de projeto. Essa é mais uma das dimensões escondidas que dá suporte à identiicação da posição de alunos e professores no trabalho com esse gênero. A contribuição mais comum que é referida na escrita dos alunos é a avaliação no contexto acadêmico: “este trabalho permitiu desenvolver e consolidar os conhecimentos adquiridos ao longo do semestre nas várias unidades curriculares” (Introdução, relatório de projeto, grupo 2). Somente em um, do total de três relatórios de SCRIPTA, Belo Horizonte, v. 15, n. 28, p. 37-58, 1º sem. 2011 51 Adriana Fischer projeto, elaborados na UC de Projeto Interdisciplinar III, dá-se a entender que a contribuição do projeto reside na apresentação de uma nova proposta ao mercado têxtil: “Actualmente, as luvas para desportos de Inverno disponíveis no mercado não proporcionam ao utilizador sensibilidade táctil suiciente […] Dessa forma, desenvolveu-se um protótipo a partir da concepção de um par de luvas com diversas melhorias ao nível das suas propriedades” (Introdução, relatório de projeto, grupo 3). A necessidade de “integrar” conhecimentos das várias UC, como resposta à avaliação na UC de Projeto Interdisciplinar, é manifestada no excerto de um dos grupos, diferentemente de outro, que prefere realçar particularidades de “um protótipo”, ou seja, de um novo produto, a partir da necessidade do mercado têxtil. Essa dimensão escondida do relatório de projeto, que é “integrar” conhecimentos, bem como a percepção dos alunos sobre a contribuição decisiva desse gênero também se reletem na estrutura do relatório de projeto. A estrutura é mais uma dimensão escondida que emerge dos resultados, especialmente de depoimentos dos professores, acerca da nítida fragmentação de conteúdos, da falta de integração de conhecimentos das UC e da falta de io condutor na estruturação do relatório de projeto. Como resposta a essa tensão entre professores e alunos, uma das alunas assim se manifesta: “No projeto nos disseram que o relatório deveria ser assim, assim e assim. Todos nós izemos, todos os grupos de maneira diferente” (aluna 1). Logo, apesar de instruções iniciais do curso, sobre a forma de organização estrutural do gênero, cada grupo estruturou o relatório de maneira particular. Os títulos que compõem as seções dos três relatórios assim comprovam: Grupo 1: 1 Introdução, 2 Desenvolvimento do protótipo, 3 Conclusão, 4 Bibliograia; Grupo 2: 1 Introdução, 2 Da ideia ao mercado, 3 Fibras têxteis, 4 Materiais e processos têxteis, 5 Estudo da Viabilidade Económica Financeira de um Projecto de Investimento, 6 Conclusão geral, 7 Bibliograia, 8 Anexos; Grupo 3: 1 Introdução, 2 Luvas Desportivas de inverno, 3 Estudo de mercado, 4 Descrição/caracterização da nova luva, 5 Projecto de investimento: criação de uma unidade industrial, 6 Conclusão, 7 Bibliograia. Diante dessas três formas de estruturar o relatório de projeto, os professores manifestaram preferência pelo Grupo 3 na avaliação inal dos trabalhos. A justiicativa para essa preferência foi uma relação coerente com um projeto de engenharia, conectado com as necessidades do mercado têxtil. Diante das várias particularidades que marcam a constituição do relatório de projeto na Engenharia Têxtil da Universidade do Minho, esse gênero mostra-se também diferente do relatório laboratorial, porque ele deve ser produzido de dois modos distintos: na escrita e na oralidade. Essa dupla natureza intensiica as dimensões 52 SCRIPTA, Belo Horizonte, v. 15, n. 28, p. 37-58, 1º sem. 2011 Práticas de letramento acadêmico em um curso de Engenharia Têxtil: o caso dos relatórios e suas dimensões escondidas escondidas do gênero. A “recontextualização” (CASSANY, 2006) que o relatório escrito sofre ao ser transformado em apresentação oral, para ser avaliado por professores e colegas do curso, marca a construção de outro gênero, constituído por outra linguagem social (GEE, 1999, 2001) e que realça a necessidade de uso de “estratégias divulgativas” (CASSANY, 2006), capazes de convencer e persuadir a audiência. O que ocorre é que os alunos aprendem fazendo, como já referenciado na voz da aluna 2: “se foi aprovado pelos professores no ano anterior, por que não usá-lo também? O feedback dos professores é então na apresentação inal”. Portanto, esses comentários da aluna 2 ilustram como as práticas de letramento são ou não negociadas para responder às exigências de produção do gênero relatório de projeto. Assim, é na relação entre conhecimentos, expectativas e normas do contexto acadêmico e do campo de trabalho, neste caso a Engenharia Têxtil, que o gênero relatório de projeto ganha forma e sentido, seja na escrita ou na oralidade. Porém, icam ainda implícitas ou escondidas aos alunos muitas questões envolvidas nessa relação entre contextos sociais, que constituem decisivamente esse gênero. Conclusões Com base na forte orientação do curso na relação com o campo de trabalho, gêneros como artigos, ensaios e resenhas são escassos. Para apresentar conhecimentos, alunos produzem, basicamente, textos de orientação avaliativa, como testes, resolução de problemas (cálculos), exames e relatórios laboratoriais. Ao contrário do que airmam muitos professores, há uma diversidade de gêneros para leitura e para escrita na Engenharia Têxtil, porém com baixo índice de orientação explícita e uso de metalinguagem cientíica por parte do curso. Os textos mais valorizados e disponibilizados pelos professores para leitura são os manuais (sínteses elaboradas pelos professores) e os resumos de aulas em formato PPT, com a inalidade de avaliação nas disciplinas. Outras leituras realizadas pelos alunos, para elaboração do relatório de projeto, são fruto de buscas autônomas, sem o suporte ou orientação dos professores, o que diiculta a interação dos alunos com as linguagens especializadas de gêneros acadêmicos. Nesse caso, ocorrem muitos desencontros entre o que os alunos leem e o que os professores esperariam que os alunos lessem para construírem o relatório de projeto. Esses desencontros, por sua vez, posicionam os alunos como outsiders (GEE, 2000) nesse tipo de prática acadêmica. A leitura mostra-se como uma prática supostamente semanal a ser conduzida pelos alunos, a im de poderem SCRIPTA, Belo Horizonte, v. 15, n. 28, p. 37-58, 1º sem. 2011 53 Adriana Fischer acompanhar os conteúdos disciplinares. Entretanto, o que os alunos realçam é que essas práticas se intensiicam apenas em momentos especíicos do semestre, quando há testes e quando ocorrem as entregas de relatórios laboratoriais e do relatório de projeto, ou seja, no inal de cada semestre letivo. A não valorização de práticas de leitura envolvendo gêneros acadêmicos, como artigos cientíicos ou capítulos de livros, tem levado os alunos, sobretudo, à reprodução de informações dos materiais disponibilizados pelos professores. De outro lado, o objetivo pedagógico de tornar os alunos mais ativos no processo de construção de conhecimentos, coloca em evidência o gênero relatório de projeto. O trabalho em grupo, que ocorre durante todos os semestres, paralelamente a reuniões de tutoria com diferentes professores, sejam eles da Engenharia Têxtil ou de outros cursos de Engenharia, tem contribuído para que os alunos sejam mais sensíveis a algumas dimensões escondidas do gênero relatório de projeto. Entretanto, considerando os resultados da escrita dos relatórios de projeto e os comentários constantes de professores, acerca do deicit dos alunos quanto à interpretação e à escrita de textos, são requeridas mudanças. Posições mais explícitas sobre normas e expectativas relativas às dimensões desse gênero emergem como anseios expostos pelos alunos. Conforme depoimento da professora 3, “Eles [os alunos] são bons em fazer as coisas, mas não são suicientemente valorizados. […] Estes alunos têm a capacidade de argumentação e é isso que nós temos que vos orientar. Eu acho que eles têm, eles só têm medo de a ter” (P3). As relações de poder e de autoridade e a carência de orientações acerca de como interpretar, como argumentar, como integrar conhecimentos, como revelar o “novo”, especialmente nos relatórios de projeto, indicam ser explicações a muitos discursos deicitários acerca das práticas de leitura e escrita conduzidas pelos alunos. Sem dúvida, possíveis discussões em torno das dimensões escondidas do gênero relatório de projeto funcionariam como recursos viáveis na mudança dessas relações de poder e de autoridade. O aprender fazendo e o aprender com base em modelos passados têm se mostrado os meios mais eicazes para que alunos comprovem maior luência nas práticas envolvendo leitura e escrita, no caso dos relatórios laboratoriais e de projeto. No entanto, sendo esses gêneros especializados da esfera acadêmica e do campo de trabalho, onde atuam ou irão atuar esses engenheiros, orientações explícitas e sistemáticas abririam possibilidades de formar alunos mais luentes e críticos no trabalho com os gêneros, no sentido de não apenas se conformarem a eles, mas de transcenderem normas e se assumirem como produtores de conhecimentos cientíicos e proissionais. 54 SCRIPTA, Belo Horizonte, v. 15, n. 28, p. 37-58, 1º sem. 2011 Práticas de letramento acadêmico em um curso de Engenharia Têxtil: o caso dos relatórios e suas dimensões escondidas Academic literacy pracices in a Texile Engineering Course: the case of the reports and their hidden features Abstract The aim of this work is to characterize academic literacy practices in the Course of Textile Engineering of the University of Minho, Portugal. To attend this objective it is necessary to identify the main hidden features of the genre report in practices that involve reading and written issues. Additionally analyses are made referring to the way how professors and students position themselves, explicitly and implicitly, facing the work regarding genre report. Socio-cultural perspective referring to literacies helps to data analyses, the ones that were collected in the scholastic year 2009-2010. The results show that performing learning and learning based on past samples are the most current means in the reports production. Possible discussions referring to hidden dimensions of this genre would be available means in the change of the reports of power and authority in this course. Keywords: Textile Engineering Course. Literacy practices. Reports. Hidden features. Praiques de litéracie dans uns cours d’ingénierie texile: le cas des rapports et de ses dimensions occultes Résumé L’objectif de cette étude est de caractériser des pratiques de littéracie académiques dans le cours d’ingénierie textile de l’Université du Minho, Portugal. Àin d’atteindre cet objectif sont identiiées les principales dimensions occultes du genre rapport dans des propositions qui enrobent lecture et écriture. Sont analisés en plus les modes selon lesquelles les professeurs et les étudiants se positionnent, explicite ou implicitement, en face des travaux avec le genre rapport. Les approches socio-culturelles relatives aux littéracies apportent un soutien à l’analyse des données, lesquelles ont été recueillies pendant l’année scolaire 2009/2010. Les resultats indiquent qu’apprendre en faisant et apprendre à partir de modèles anciens sont les moyens le plus recurrents dans la production de rapports. Possibles discussions autour des dimensions occultes de ce genre se révèlent comme des recours viables dans l’évolution des relations de pouvoir et d’autorité dans ce cours. Mots-clés: Cours d’ingénierie. Pratiques de littéracie. Rapport. Dimensions occultes. SCRIPTA, Belo Horizonte, v. 15, n. 28, p. 37-58, 1º sem. 2011 55 Adriana Fischer Referências BAKHTIN, Mikhail. Os gêneros do discurso. In: BAKHTIN, Mikhail. Estética da criação verbal. 4. ed. Tradução de Paulo Bezerra. São Paulo: Martins Fontes, 2003 (1952-1953/1979). p. 261-306. BAKHTIN, Mikhail; VOLOSHINOV, Valentin. N. A interação verbal. In: BAKHTIN, Mikhail; VOLOSHINOV, Valentin. N. Marxismo e ilosoia da linguagem. São Paulo: Hucitec, 1986. p. 110-127. BARTON, David; HAMILTON, Mary. Literacy practices. In: BARTON, David; HAMILTON, Mary; IVANIC, Roz. Situated literacies: reading and writing in context. London/ New York: Routledge, 2000. p. 7-15. BAZERMAN, Charles; PRIOR, Paul. Participating in emergent socio-literate worlds: genre, disciplinarity, interdisciplinarity. In: GREEN, Judith; BEACH, Richard (Eds.). Multidisciplinary perspectives on literacy research. Urbana IL: NCTE, 2005. p. 133-78. CARVALHO, Gilcinei Teodoro. Academic literacy: how to write an investigation project. In: INTERNATIONAL CONFERENCE: UNIVERSITY LITERACIES – KNOWLEDGE, WRITING, DISCIPLINES. Lille, França. Proceedings… 2010. Disponível em: <http://evenements.univ-lille3.fr/litteracies-universitaires/cd/ version_anglaise/3_4_0_authors_index.html>. Acesso em: 27 jul. 2011. CASSANY, Daniel. Estrategias divulgativas. In: CASSANY, Daniel. Tras las líneas: sobre la lectura contemporânea. Barcelona: Editorial Anagrama, 2006. p. 261-280. DIONÍSIO, Maria de Lourdes; FISCHER, Adriana. Letramento(s) no Ensino Superior: conigurações em práticas de investigação. In: CONGRESSO IBÉRICO ENSINO SUPERIOR EM MUDANÇA: TENSÕES E POSSIBILIDADES. 2010. 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Disponível em: <http://evenements.univ-lille3.fr/litteraciesuniversitaires/cd/version_anglaise/3_4_0_authors_index.html>. Acesso em: 27 jul. 2011. GÓRSKA, Weronika. What can students’ literacy practices teach us into writing development? In: INTERNATIONAL CONFERENCE: UNIVERSITY LITERACIES – KNOWLEDGE, WRITING, DISCIPLINES, Lille, França. Proceedings… 2010. Disponível em: <http://evenements.univ-lille3.fr/litteraciesuniversitaires/cd/version_anglaise/3_4_0_authors_index.html>. Acesso em: 27 jul. 2011. HAMMERSLEY, Martyn. Ethnography: problems and prospects. Ethnography and education. v. 1, n.1, p. 3-14, 2006. HENDERSON, Robyn; HIRST, Elizabeth. Reframing academic literacy: Reexamining a short course for “disadvantaged” tertiary students. English teaching: practice and critique. n. 6, v. 2, p. 25-38, 2006. JACOBS, Cecilia. On being an insider on the outside: new spaces for integrating academic literacies. Teaching in higher education. v. 10, n. 4, p. 475-487, 2005. 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Acesso em: 27 jul. 2011. 58 SCRIPTA, Belo Horizonte, v. 15, n. 28, p. 37-58, 1º sem. 2011 Langage comme acivité, langage dans l’acivité, langage sur l’acivité: éléments pour une discussion criique Ecaterina Bulea* Résumé Sur la base d’analyses théoriques et empiriques, cet article montre d’abord les limites de la tripartition “langage comme activité”, “langage dans l’activité”, “langage sur l’activité”. Il formule ensuite une nouvelle proposition de conceptualisation ayant trait aux rapports entre langage et activité, qui se fonde sur la distinction entre plans ontologique et gnoséologique de l’agir, tout en soulignant la nature intrinsèquement praxéologique du langage. Mots-clés: Langage. Activité. Travail. Interprétation de l’activité. Textes/ Discours. Préambule Dans le contexte du double “tournant” ayant caractérisé, dès les années 1980, les sciences du langage d’une part, les sciences du travail de l’autre, à savoir le tournant “praxéologique” des premières (voir MONDADA, 2004) et le tournant “discursif” des secondes (voir FILLIETTAZ; BRONCKART, 2005), la problématique du rapport entre langage et travail s’est constituée en tant que domaine spéciique de rélexion et de recherche; domaine dont une des distinctions constitutives a été, comme le remarque Lacoste (1995), celle entre “langage comme travail”, “langage dans le travail” et “langage sur le travail”.1 Parce qu’elle permettait de thématiser la différence entre productions langagières à propos du travail et productions langagières dans le cours du travail, de faire reconnaître que ces dernières pouvaient de facto constituer le travail ou l’accomplir, d’attirer ce * Groupe « Langage, Action, Formation », FPSE, Université de Genève. 1 - Lacoste le rappelle, l’origine de cette distinction se trouve dans un article de 1979 de Grant Johnson et Kaplan, intitulé “Talk‑in‑the‑Work”. Aspects of the Social organization of Work in a Computer Center. SCRIPTA, Belo Horizonte, v. 15, n. 28, p. 59-81, 1º sem. 2011 59 Ecaterina Bulea faisant l’attention sur le rôle central du langage dans la réalisation du travail, ou encore de distinguer entre accomplissement du travail par le langage et production de savoir à propos du travail par le biais du langage, cette tripartition a connu une exploitation large et diversiiée. Envisagée sous un angle fonctionnel, elle a servi également (et surtout) à circonscrire et à justiier des objets, des sousdomaines, des focales, ou encore des partis pris de recherche et d’investigation;2 ce phénomène ayant, d’une certaine manière, jalonné l’évolution même des recherches sur le travail, voire celle des disciplines au sein desquelles ces dernières se sont déployées. Cette tripartition a fait en outre l’objet de multiples reformulations: ainsi, selon les travaux et les accents théoriques dont ils sont porteurs, la composante “langage” se décline en “parole” (voir BOUTET, 1995) – d’où les expressions “la parole dans le travail”, “la parole comme travail”, “la parole sur le travail” –, “dire(s)”, “discours”, ou encore “textualisation” (pour cette dernière proposition, voir FILLIETTAZ, 2002; voir aussi notre note 3, infra). Quant au “travail”, c’est aux termes d’“activité” et d’“action” qu’il cède le plus souvent la place, cette substitution se justiiant, d’une part, par le statut éminemment praxéologique du travail, d’autre part par le fait que des activités/actions autres que le travail stricto sensu, et relevant de la vie quotidienne, peuvent être concernées par ce triple rapport avec le langage.3 Eu égard à la distinction princeps, ces reformulations semblent constituer tantôt des restrictions ou des spéciications sémantiques – c’est le cas, a priori, du terme “discours” par rapport à celui de “langage” –, tantôt des extensionsgénéralisations – ce qui semble être le cas lors de l’utilisation du terme d’“activité” à la place de celui de “travail”; et il serait sans nul doute intéressant d’analyser, 2 - A ce propos, rappelons simplement la formulation d’options de recherche mobilisant de fait ce triptyque (voir, entre autres, les textes réunis dans BOUTET, 1995 ; SOUZA-E-SILVA ; FAÏTA, 2002; FILLIETTAZ ; BRONCKART, 2005): certains chercheurs prônent ainsi une centration sur les productions verbales “au cours” du travail plutôt que sur les celles “à propos” du travail, d’autres, au contraire, insistent sur la nécessité d’étudier les représentations et les verbalisations du travail, sous leurs diverses formes et dans leurs diverses fonctions. 3 - Ainsi, proposant pour sa part les expressions “textualisation dans l’activité”, “textualisation de l’activité” et “textualisation comme activité”, Filliettaz (2002, pp. 258-292) montre que la mise en place d’un jeu en situation familiale, en l’occurrence entre une maman et ses deux enfants, relève de la “textualisation de l’activité”, alors que la conversation familière est l’exemple le plus illustratif de la “textualisation comme activité”. Pour ce qui est de la “textualisation dans l’activité”, Filliettaz analyse l’exemple d’une transaction en librairie, qui peut être considérée, du moins en ce qui concerne le libraire, comme relevant du travail, au sens strict du terme. Mais étant donné que des transactions à caractère commercial – pour rester dans ce type d’exemples – peuvent avoir lieu dans divers cadres, plus ou moins formels, ou plus ou moins dévolus à cela (familiaux, amicaux, etc.), la situation transactionnelle, et donc la “textualisation dans l’activité” qu’elle représente, peut être considérée comme ne relevant pas forcément du travail. 60 SCRIPTA, Belo Horizonte, v. 15, n. 28, p. 59-81, 1º sem. 2011 Langage comme activité, langage dans l’activité, langage sur l’activité: éléments pour une discussion critique non seulement l’hétérogénéité référentielle sous-jacente, mais aussi les contextes, les raisons et les implications théoriques de ce “jeu” terminologique. Mais ce n’est pas le propos de cet article. Nous prendrons ici l’option de considérer et de discuter ce qui paraît relever du consensus, par-delà les choix terminologiques des auteurs, à savoir le fait qu’en vertu du statut différent qu’il revêt eu égard à l’activité, il convient de distinguer entre un “langage qui fait”, un “langage qui entoure [le faire]” et un “langage et qui [l’]interprète” (voir NOUROUDINE, 2002). On l’aura compris, le langage qui “fait” correspond au langage “comme” activité (de travail), et sa caractéristique principale est d’être constitutif de cette activité, d’être le moyen de manifestation ou de réalisation de celle-ci: en reprenant certains exemples proposés par Lacoste (1995, p. 24), ce serait le cas de la prise de rendez-vous par une secrétaire, de la plaidoirie d’un avocat, ou du discours de persuasion d’un commercial vis-à-vis d’un client. Le langage qui “entoure” correspond, quant à lui, au langage “dans” l’activité (de travail), et se caractérise notamment par un rapport de co-occurrence, mais co-occurrence relativement fortuite, avec celle-ci. Contrairement au premier cas de igure, le langage “dans” l’activité ne constitue pas l’essentiel de cette dernière et peut de ce fait porter sur des contenus étrangers à l’activité en cours:4 par exemple raconter ses vacances, ou commenter le dernier mariage princier, alors que l’on administre un soin à un(e) patient(e), ou que l’on fait la manucure à un(e) client(e). Enin, le langage qui “interprète” correspond au langage “sur” l’activité (de travail). Celui-ci est en principe extérieur à la situation d’activité, présente un caractère provoqué, notamment par le chercheur ou l’intervenant, et constitue le cadre dans lequel se produiraient, en particulier, les savoirs à propos du travail, que cette production émane des chercheurs ou des travailleurs eux-mêmes. Notons encore que la distinction entre “langage comme activité” et “langage sur l’activité” est parfois portée par le couple “communication” vs “verbalisation”, la communication étant de la sorte conçue comme partie intégrante de l’activité, alors que la verbalisation serait extérieure à celle-ci. Si elle offre des points de repère relativement aisément compréhensibles et manipulables, et si elle a ainsi permis un ensemble d’indéniables avancées (dont celles signalées au début de ce préambule), cette approche ternaire des rapports entre langage et activité nous paraît témoigner aussi d’une grande fragilité descriptive, et, surtout, d’une faiblesse théorique qui méritent attention, analyse et discussion. C’est à cette discussion critique qu’est consacré le présent article. 4 - Cela ne signiie évidemment pas qu’il soit dépourvu de fonction(s) dans le cadre de cette même activité, comme le montre de manière extrêmement éclairante Teiger (1995). SCRIPTA, Belo Horizonte, v. 15, n. 28, p. 59-81, 1º sem. 2011 61 Ecaterina Bulea Ainsi, nous illustrerons d’abord, sur la base de données empiriques, quelques problèmes que pose la tripartition sous analyse, ce qui nous donnera l’occasion, d’une part, de rappeler quelques-unes des critiques qui lui ont déjà été adressées, d’autre part de dégager progressivement ce qui nous semble être son travers théorique majeur. Cette analyse nous conduira ensuite à formuler une nouvelle proposition de conceptualisation des rapports entre langage et activité, non sans lien avec un positionnement épistémologique et certaines options terminologiques que nous expliciterons. 1. Langage “comme”, “dans”, “sur” l’acivité: limites descripives et problèmes théoriques 1.1. Le premier aspect problématique découle de la mise en correspondance de chacun de ces trois “langages” avec des instances-sources censées les engendrer, ou encore avec des “lieux” où ils sont censés se produire: comme nous l’avons mentionné ci-dessus, le langage “sur” l’activité a la réputation d’être provoqué par le chercheur ou l’intervenant, et de se déployer ce faisant en dehors de l’activité, tandis que le langage “dans” l’activité et le langage “comme” activité émaneraient des travailleurs eux-mêmes, et prendraient place au sein de cette même activité. Cette mise en correspondance a en partie été critiquée par Lacoste (1995): en se focalisant, pour sa part, sur le langage “sur” l’activité, l’auteure souligne que celui-ci n’est pas nécessairement imputable à une présence externe (chercheurs, observateurs, intervenants, etc.), mais qu’il peut être – et c’est en réalité souvent le cas – produit “naturellement”, ou “spontanément”, par les travailleurs; ce même langage n’étant pas forcément extérieur à leur activité (de travail): la parole sur le travail est parfois sécrétée de l’intérieur, par des exigences de l’équipe ou de l’entreprise: entre collègues, on évoque le travail pour le commenter ou l’évaluer, pour en garder la mémoire, pour se justiier, ou pour mille raisons surgies de l’instant. (Lacoste, 1995, p. 24). A titre d’exemple, et en prolongement de la citation ci-dessus, on pourrait évoquer les échanges entre collègues à propos du travail à la pause-café, au vestiaire, en marge d’une réunion, ou dans d’autres circonstances similaires, le “compte-rendu” de sa journée de travail à son conjoint-collègue, etc., etc.; mais l’exemple le plus illustratif de ce cas de igure est assurément celui de la “relève de poste”, appelée aussi “transmissions”. Comme le remarque Kergoat (1995, p. 62 SCRIPTA, Belo Horizonte, v. 15, n. 28, p. 59-81, 1º sem. 2011 Langage comme activité, langage dans l’activité, langage sur l’activité: éléments pour une discussion critique 175), les transmissions constituent “une situation-type d’échanges langagiers sur le travail”, dans la mesure où le but de celles-ci est précisément d’assurer la passation d’informations entre pairs, et, partant, la coordination entre l’équipe sortante et l’équipe entrante sur un certain lieu de travail. Nombre de métiers sont concernés, mais nous nous bornerons ici à l’exemple du travail inirmier: l’inirmière sortante (IS dans la transcription ci-dessous) passe en revue les patients avec l’inirmière entrante (IE dans cette même transcription), les deux protagonistes de l’interaction faisant le point sur l’état de ceux-ci, sur ce qui a été fait, ou reste à faire. Le fragment qui suit, extrait d’une séquence enregistrée dans un service de chirurgie digestive d’un grand hôpital genevois, le montre:5 (1) IE: monsieur D. (nom du patient) ↓ / comment il va ↑ IS: nettement MIEUX↓ [IE: il n’a plus dee::: euh] donc il est à J cinq6 de son intervention ↑ / il boit libre depuis hier ↑ / et il mange depuis ce matin ↓ // régime gastrectomisé hein ↑ // ce matin il a eu un petit déjeuner / qu’il aurait peut-être pas du avoir / enin // j’suis arrivée / il était déjà en train de manger ses biscottes ↓ / donc je me voyais mal en train de retirer les biscottes / vous êtes en xxx / monsieur // j’ai dit vous mâchez bien les biscottes ↑ / parce que normalement / gastrectomisé / c’est [IE : ah les textures] les textures / bon demain / il est prévenu demain il aura de la bouillie ↓(...) j’ai arrêté le bilan volontairement de moi même aujourd’hui ↓ / parce qu’en fait / il boit et il mange ↓ / donc je nous dis / vaut mieux l’suivre au poids ↓ / IE: hum hum euh // faut quand même voir / contrôler ses urines peut-être / on a toutes les urines ↑ IS: ben oui il a la sonde urinaire / donc on peut noter ↓ Comme il ressort de cet exemple, aux commentaires portant sur l’état et la situation du patient (“[va] nettement mieux”, “il boit libre”, “il mange”, “il a la sonde urinaire”, etc.) s’entremêlent des commentaires portant sur l’agir soignant des inirmières, agir dont sont saisies un ensemble de dimensions, allant de sa réalisation concrète (“je suis arrivée”, “j’ai dit”, “j’ai arrêté le bilan”) à sa réalisation possible (“vaut mieux le suivre au poids”, “on peut noter”); de sa prise en charge explicite par l’actant (“j’ai dit”, “j’ai arrêté le bilan”) à sa saisie “indirecte”, au 5 - Toutes les données relevant du travail inirmier utilisées dans cet article ont été recueillies par Isabelle Fristalon et nous-même. Les conventions de transcription sont les suivantes: / // ///: pauses de durée variable; no:::n: allongements vocaliques; méd-: unité inachevée; xxx: segments inaudibles; soulignements: chevauchements; CAPITALES: accentuation; ↑↓: intonations montante et descendante; [entre crochets]: brèves interventions d’un interlocuteur dans le tour de parole de l’autre; (entre parenthèses): commentaires du transcripteur. 6 - Dans le jargon du métier, “J cinq” signiie cinquième jour après une intervention chirurgicale. SCRIPTA, Belo Horizonte, v. 15, n. 28, p. 59-81, 1º sem. 2011 63 Ecaterina Bulea travers du résultat obtenu ou de l’effet exercé sur le patient (“il est prévenu demain il aura de la bouillie”); de ce qui est plus ou moins souhaitable de faire (“vaut mieux le suivre au poids”, “il a eu un petit déjeuner qu’il n’aurait peut-être pas dû avoir”) à ce qui est plus ou moins nécessaire, ou requis par les normes en vigueur (“il faut quand même contrôler ses urines”); de l’absence de l’instance actantielle responsable (“il a eu un petit déjeuner” – mais qui le lui a donné?) à l’assomption de responsabilité (“j’ai arrêté le bilan volontairement de moi-même”). S’il est attestable à l’oral, cet enchevêtrement entre commentaires sur l’état du patient et commentaires sur l’activité professionnelle caractérise aussi les transmissions écrites, comme il ressort des exemples suivants, extraits de dossiers de soins de médecine interne (pour l’exemple 2) et de chirurgie (pour l’exemple 3). Le dossier de soins est un classeur qui accompagne le patient durant l’intégralité de son séjour à l’hôpital, de même que lors de son éventuel transfert d’un service à l’autre, et qui comporte divers documents le concernant (feuille d’anamnèse, résultats d’analyses, prescriptions médicales, etc.). Parmi ceux-ci, igure une “feuille de transmissions”, dont la responsabilité de rédaction incombe aux inirmières, lesquelles y consignent diverses informations, en apposant leur signature: (2) 10h : Bonne matinée. A eu douche + shampooing Pst [pansement] PEG [perfusion] refait Ø [pas] inlammatoire. Recouché à 10h. Novasource branché Médics [médicaments] reçus/PEG [par perfusion] (3) 11h : VM [visite médicale] Peut commencer à boire 13h : Bip [j’ai appelé] Dr C [nom du médecin] : ne pas mobiliser la lame pour le moment. Réfection pst [pansement] abdo[minal] (sous costale). Pst [pansement] drain Kher. Changement poches/lame 15h : Calme – Va bien mais bcp [beaucoup] de douleurs Comme pour la plupart des documents de ce type, l’écriture y est opératoire, elliptique, faisant usage d’abréviations et visant l’essentiel.7 La saisie résultative de l’agir professionnel et celle indirecte de l’actant-source y sont extrêmement fréquentes, ce dont témoigne le grand nombre de structures passives tronquées (“pansement refait”, “novasource branché” – implicite: par l’inirmière; 7 - Les termes abrégés sont retranscrits intégralement entre crochets et en italiques par nous-même. 64 SCRIPTA, Belo Horizonte, v. 15, n. 28, p. 59-81, 1º sem. 2011 Langage comme activité, langage dans l’activité, langage sur l’activité: éléments pour une discussion critique “médicaments reçus” – implicite: par le patient, et donnés par l’inirmière) et de nominalisations (“réfection pansement”, “changement poches/lame”). Mais pour particulière qu’elle soit, cette écriture n’en demeure pas moins du “langage sur l’activité”: elle saisit diverses dimensions de l’activité soignante, contribuant, tout comme les transmissions orales, non seulement à la co-construction d’un savoir collectif et partagé relatif au patient, mais aussi à la mise en circulation et en confrontation de représentations relatives à cette activité, à ses circonstances, à ses propriétés et à ses protagonistes.8 Qu’elles soient orales ou écrites, les transmissions en milieu professionnel montrent ainsi clairement que le “langage sur l’activité”, ou le langage qui “interprète”, n’est pas forcément suscité par la recherche, ni “extérieur” aux situations de travail; mais ces transmissions ouvrent une autre question encore qui met à mal la tripartition que nous discutons: c’est que, en prenant toujours l’exemple du travail inirmier, bien qu’elles ne relèvent pas du soin à proprement parler, les transmissions sont néanmoins elles-mêmes une tâche et une activité inirmières à part entière,9 ce en quoi elles relèvent, non pas (ou pas seulement) du langage “sur” l’activité, mais du langage “comme” activité! Plus exactement, les transmissions nous confrontent à une situation de superposition entre langage “comme” activité et langage “sur” l’activité, qui montre que, dans certaines circonstances, le choix entre ces deux conigurations est pratiquement impossible – sous peine de drastiquement simpliier la situation analysée, ou d’occulter certaines de ses caractéristiques; situation qui pose, in ine, la question des critères à la base de la distinction entre ces conigurations – nous l’aborderons sous 1.2, infra. Mais avant de documenter et de traiter ce point, et s’agissant toujours de la mise en correspondance entre le langage “comme”, “dans” et “sur” l’activité avec des 8 - En analysant justement les transmissions à l’hôpital, Grosjean et Lacoste (1999, p. 102-113) en identiient neuf fonctions: d’information; d’interprétation (de prescriptions, de résultats d’examens, de conduites des divers protagonistes, etc.); de confrontation; d’évaluation; de décision; de programmation; de formation (de stagiaires par exemple, ou de nouveaux venus); de reconnaissance de soi, du groupe et du travail; de contact et partage des émotions. Le “langage qui interprète” (voir la deuxième fonction) y est donc clairement posé. Cela dit, l’afirmation des auteures selon laquelle “la relève n’a qu’un seul véritable sujet: le malade et les informations qui s’y rapportent” (GROSJEAN ; LACOSTE, p. 88) doit être, à nos yeux, nuancée. Le malade demeure en effet l’organisateur thématique central des discours; néanmoins, les “informations qui s’y rapportent” font surgir de fait d’autres sujets, et tout particulièrement celui de l’agir professionnel. D’ailleurs, certaines fonctions des transmissions en font état, et la teneur de certains exemples donnés par les auteures mêmes nous paraît le montrer (voir, par exemple, p. 93, l’extrait d’une relève de gastro-entérologie: “On lui a prélevé deux hémocultures cet après-midi, il faut que tu lui en prélèves une dernière et que tu délivres les antibiotiques mais avant il faut que tu recueilles la ECBU. Il y a tout dans la chambre, il est prévenu.”). 9 - En témoigne l’institutionnalisation du moment qui leur est dévolu (en in d’horaire de l’équipe sortante et début d’horaire de l’équipe entrante, et cela de manière extrêmement régulière), des modalités de réalisation (à la fois ritualisées et portant la marque du service concerné), ou encore des supports et des outils, écrits ou informatisés, utilisés à cet effet. SCRIPTA, Belo Horizonte, v. 15, n. 28, p. 59-81, 1º sem. 2011 65 Ecaterina Bulea instances et des lieux de production, relevons encore le caractère problématique de la restriction du langage “comme” activité à la réalisation de tâches par les travailleurs en cours du travail (la plaidoirie de l’avocat, le prise de rendez-vous par une secrétaire, etc., etc.). Nous aurons à revenir sur les implications de cette restriction et sur les épineux problèmes théoriques qu’elle pose en matière de conception du langage (voir 1.4, infra); mais on évoquera déjà un aspect, fortement souligné par certains chercheurs (voir notamment CLOT, 1999; 2008), qui constitue de fait une contestation de ce que le langage “comme” activité ne relèverait que de l’accomplissement des tâches. Il s’agit du statut proprement praxéologique de certains dispositifs d’analyse de l’activité, en particulier de l’instruction au sosie et des auto-confrontations simple et croisée, envisagées par leurs auteurs et utilisateurs comme de véritables activités. Ces dispositifs sont, certes, des cadres privilégiés de reconstruction discursive de l’expérience professionnelle, ce en quoi ils portent “sur” l’activité; mais ils sont néanmoins et par ailleurs des formes d’activité spéciiques, comportant des traits praxéologiques identiiables, en vertu desquels il est possible précisément d’accéder à l’expérience professionnelle et de la transformer. Les dispositifs d’analyse des pratiques superposent de la sorte, bien que d’une autre manière que ne le font les transmissions, “langage sur l’activité” et “langage comme activité”, l’imbrication des deux n’étant nullement à éviter, au contraire: le potentiel développemental des ces dispositifs en découle. 1.2. Comme annoncé plus haut, le deuxième problème que pose la tripartition discutée a trait aux critères qui président à la distinction entre langage “comme”, “sur” et “dans” l’activité: quelle est la nature, la transversalité, ou encore l’étendue de ceux-ci? C’est ce problème qui nous paraît sous-jacent à la dificulté, voire l’impossibilité, de distinguer entre ces trois sortes de langages, et donc de statuer sur le type de rapport entre langage et activité dont il s’agit. Cette dificulté a, elle aussi, en partie été soulevée. Dans l’article déjà cité, Lacoste note par exemple que l’opposition entre “parole dans le travail” et “parole comme travail” est dificile à tenir, tellement l’imbrication entre langage et gestes matériels peut être complexe et changeante. Pour cette raison, et en s’en tenant uniquement à ces deux cas de igure, l’auteure suggère de raisonner en termes de continuum, “depuis des situations où la parole n’a qu’un rôle ponctuel et secondaire, jusqu’à celles où, prenant consistance, elle devient le principal et parfois le seul vecteur de l’activité” (LACOSTE, 1995, p. 25). A son tour, Filliettaz (2002, p. 292) rejoint, reformule et approfondit l’idée de continuum, cet auteur procédant d’une part à l’extension de la proposition de Lacoste, en ce qu’il y inclut le langage “sur” 66 SCRIPTA, Belo Horizonte, v. 15, n. 28, p. 59-81, 1º sem. 2011 Langage comme activité, langage dans l’activité, langage sur l’activité: éléments pour une discussion critique l’activité,10 d’autre part à une conceptualisation de la part de détermination et de prise en charge praxéologique vs langagière qui caractériseraient chacune des trois conigurations. Tout en prenant en considération ces critiques et ces propositions, mais sans toutefois adhérer à la solution du continuum en tant que telle,11 nous nous attarderons quelque peu encore sur ce problème des conditions de différenciation entre langage “comme”, “dans” et “sur” l’activité. Nous adopterons d’abord, et une fois de plus, un angle d’attaque descriptif, ain de déceler de manière plus ine et empiriquement fondée les raisons de la dificulté évoquée. L’exemple 4 ci-dessous est extrait d’une situation de prise en charge initiale du patient dans un secteur des urgences, lors de laquelle l’inirmière procède à une série d’actes médicaux et d’examens ain de mieux cerner le motif de la venue du patient, et de décider quel médecin spécialiste (médecine interne, chirurgie, etc.) il convient de solliciter. Le patient est âgé, s’est présenté aux urgences pour des “vomissements violents”, et est accompagné de sa femme. En voici le début de l’interaction, qui se déroule immédiatement après l’installation du patient dans le box de consultation: (4) I: voilà maintenant monsieur je vais vous faire une prise de sang pour voir où on en est d’un point de vue de:::: P: ouais xxx ce que vous voulez I: du sel / du poivre / du sucre tout ça [P: d’accord↓] d’accord↑ et si vous en manquez ben on vous donnera du liquide avec du sel du poivre et tout ce qui s’es suit / d’accord↑ P: faites seulement I: après je vous ferai un électrocardiogramme hein comme vous avez des antécéd- vous êtes droitier ↑ ou gaucher↓ P: j’suis droitier I: d’accord (...) P: je serre le poing↑ I: pour l’instant vous pouvez patienter hein / le temps que je prépare mon matériel / xxx je vous ferai travailler après [P: hum hum] vous prenez pas de digoxine hein ↑ non ↓ //je vais juste me chercher un petit tabouret (40 sec.) 10 - Nous le rappelons, selon les termes de l’auteur il s’agit de la “textualisation de l’activité”. 11 - Notre réserve vient du fait que continuum implique quand même la possibilité théorique de discrétisation, fût-elle à une échelle “ininitésimale”, ce qui veut dire que l’on passerait en fait, quasi imperceptiblement, d’une coniguration, plus ou moins clairement déinie, à une autre. Or, dans les cas de superposition entre langage “comme” et “sur” l’activité que nous discutons, le problème est celui de la co-occurrence, en une seule et même unité, de deux (voire trois) conigurations. L’idée de continuum ne nous paraît pas pouvoir rendre compte de ce phénomène, à savoir être en même temps dans plusieurs cas de igure différents. SCRIPTA, Belo Horizonte, v. 15, n. 28, p. 59-81, 1º sem. 2011 67 Ecaterina Bulea I: je vous laisse SERRER VOTRE POING monsieur [P: d’accord] voilà je vous désinfecte hein monsieur [P: hum hum] on va y aller tout doucement parce que c’est vrai que la prednisone fragilise un peu tout ça hein [P: hum hum] je vais vous piquer monsieur / ça fait un petit peu mal hein P: faites seulement Cet exemple constitue une claire illustration de ce que, dans certaines situations du moins, non seulement il est dificile de distinguer entre langage “sur”, “dans” et “comme” activité, mais cette entreprise est en quelque sorte vaine, car le langage “sur” l’activité (voire celui “dans” l’activité, suivant la manière dont on considère certaines parties de l’échange ci-dessus) devient quasi nécessairement langage “comme” activité, en vertu des propriétés déinitoires de cette dernière. Pour le dire autrement, l’effectuation de certaines tâches passe par la mise en forme discursive de l’agir en cours, ces commentaires à propos du “faire en train de se faire” en étant partie intégrante. Et c’est le cas du soin: en parler au patient dans l’espacetemps de sa réalisation, notamment en nommant les étapes (“je vais vous faire une prise de sang (...) après je vous ferai un électrocardiogramme”) et les gestes qu’il comporte (“je vous désinfecte”, “je vais vous piquer”), ainsi que certains effets ou ressentis possibles (“ça fait un petit peu mal”), est une dimension intrinsèque de l’activité de soin, car, comme les inirmières ne cessent de le répéter et de le revendiquer, le soin ne se réduit pas à un ensemble de gestes techniques, il présente également un caractère relationnel. La relation avec le patient comporte, certes, de multiples facettes (voir BULEA, à paraître), mais l’une d’entre elles réside en la construction explicite, donc nécessairement langagière, d’une représentation partagée de ce qui est en train de se passer, comme l’illustre doublement l’exemple 4: d’un côté, en s’adressant au patient, l’inirmière procède à l’évocation du soin, d’abord sous forme d’anticipation chronologique des actes médicaux qu’elle va lui administrer, ensuite sous forme d’accompagnement langagier de ses gestes. D’un autre côté, elle utilise, d’entrée de jeu, et deux fois, une expression métaphorique pour désigner aussi bien les paramètres visés par les examens sanguins (“voir où on en est du point de vue du sel, du poivre, du sucre”) que le produit à perfuser (“on vous donnera du liquide avec du sel, du poivre, du sucre”). Loin d’être isolé ou anodin, ce recours à la métaphore a plusieurs fonctions à caractère précisément relationnel: “adoucir” l’arrivée du patient à l’hôpital, le rassurer, le détendre dans la mesure du possible, mais aussi, au plan de la construction de représentations, tenter de lui faire rapidement et, si possible, sûrement, comprendre le but de l’intervention qu’il va subir, ou encore le caractère indispensable du produit qui pourrait lui être administré si une carence devait être découverte. 68 SCRIPTA, Belo Horizonte, v. 15, n. 28, p. 59-81, 1º sem. 2011 Langage comme activité, langage dans l’activité, langage sur l’activité: éléments pour une discussion critique La fonction ici accomplie par l’expression métaphorique peut être assurée par d’autres stratégies langagières, plus ou moins apparentées, comme l’illustre l’exemple 5 ci-dessous, extrait d’une séquence de chirurgie digestive. L’inirmière ici concernée réalise un pansement abdominal post-opératoire en utilisant pour la première fois une certaine technique (dite “avec les pinces”), différente de celle qu’elle pratiquait jusque-là (dite “avec les gants”). Elle choisit de s’essayer à l’utilisation de cette technique alors que son soin est observé et ilmé par deux chercheuses,12 qui avaient également mené un entretien avec elle juste avant la réalisation de celui-ci. A un moment donné du déroulement du pansement, avant d’effectuer les gestes techniques requérant des pinces, et tout en décollant avec des gants le pansement à changer, l’inirmière (I dans la transcription ci-dessous) s’adresse au patient (P dans cette même transcription) de la manière suivante: (5) I: j’ai l’impression de repasser le diplôme [P: rires] // c’est ce que je disais aux dames tout à l’heure (fait référence aux chercheuses et à l’entretien réalisé avant le soin) /// parce que quand vous passez le diplôme / y a un jury // et le jury / voilà y a deux perso::nnes / on vous regarde fai::re / y a personne qui pa::rle / P: mais je crois que vous êtes moins nerveuse aujourd’hui I: oui // quand j’ai pass- / en plus quand j’ai passé le diplôme /// je faisais un pansement de:: heu / prothèse mammaire et c’est compliqué à faire y a tout qui tombe dans tous les sens / les compresses elles tiennent pas / alors y a un moment donné où / si c’était possible il faudrait pouvoir mettre les mains // mais C’EST PAS POSSIBLE ce jour-là // donc je trouve // c’est du sport /// (5 sec.) alors je disais je vais essayer de faire la technique du médecin là comme l’autre jour [P: oui (sourire, geste d’acquiescement de la tête)] avec les pinces / parce que moi je le fais normalement avec les gants [P: hum] mais je vous promets rien [P: ah] ce sera la surprise du chef [P: pas grave] On pourrait croire que l’histoire de la passation du diplôme et de l’effectuation, dans ce cadre, du pansement de prothèse mammaire, relève du langage “dans” l’activité, ce récit de l’inirmière ne participant pas, à première vue, à l’accomplissement du pansement abdominal en cours d’effectuation. Mais outre que, d’un autre point de vue, ce même passage pourrait être considéré comme relevant du langage “sur” l’activité, en ce que l’inirmière y saisit plusieurs aspects relatifs à un pansement post-opératoire effectué précédemment, il nous semble aussi revêtir un rôle proprement interne à la réalisation du soin en cours, en ce qu’il 12 - En l’occurrence Isabelle Fristalon et nous-même. SCRIPTA, Belo Horizonte, v. 15, n. 28, p. 59-81, 1º sem. 2011 69 Ecaterina Bulea contribue précisément, au plan relationnel, à la construction d’une représentation partagée (entre inirmière, patient et chercheuses) de la particularité de celleci: réalisation observée par des personnes externes, et usage d’une technique interdisant a priori de “mettre les mains”. Sous-tendu par un mécanisme d’ordre paradigmatique apparenté à celui de la métaphore, mais porté par des séquences discursives étendues et contrastées au plan énonciatif, le recours au récit de la passation du diplôme fonctionne en fait comme une description implicite, indirecte, voire légèrement humoristique, de la situation actuelle de soin; ce récit présentant en outre l’avantage de suggérer la possible réussite (malgré les incertitudes exprimées par ailleurs: “ce sera la surprise du chef”) de l’utilisation de la nouvelle technique: l’inirmière avait bel et bien réussi son examen de diplôme, sans quoi elle ne serait pas là, et il y a une forte chance qu’elle réussisse encore. En comparant le cas du soin inirmier avec le cas des transmissions examiné précédemment, on observe qu’ils résistent fortement, tous les deux, à toute tentative de rattachement unilatéral à l’une ou l’autre des trois conigurations discutées, leur caractéristique étant précisément de réunir en leur sein (au moins) deux d’entre elles. Cette similitude, sur laquelle nous insistons, ne doit pas pour autant masquer les différences qui caractérisent ces situations d’agir, dont une des plus importantes concerne le degré d’auto-référentialité qui y est attestable. Comme nous l’avons montré, une des propriétés du soin est de mobiliser des commentaires, plus ou moins directs, à propos de lui-même, ou d’être une activité dont la réalisation passe par sa propre saisie langagière, tandis que les transmissions semblent se caractériser par un degré d’auto-référentialité bien moindre: si on parle bel et bien de l’activité, cette activité n’est pas (ou est très rarement) celle des transmissions même; c’est l’agir des soignants relatif aux patients du service qui est ici saisi langagièrement. Cet aspect nous semble extrêmement important, en ce qu’il montre que toutes les superpositions entre langage “sur”, “dans” et “comme” activité ne se valent pas, ne sont pas du même ordre, ou n’ont pas la même allure; et il montre surtout que, dans la mesure où cette différenciation entre situations d’agir ne repose pas sur la présence/absence des conigurations discutées (elles y sont attestables justement conjointement), d’autres éléments doivent être pris en considération pour cerner les rapports entre langage et activité qui les caractérisent, parmi lesquels l’identiication de l’activité faisant effectivement l’objet de la production langagière. Illustrons, une dernière fois, la pertinence de la clariication de cette activité – que nous appellerons, pour notre part, “agir-référent” (voir § 2, infra) – eu égard à la situation de production langagière elle-même, à partir d’un exemple relevant cette fois du travail social. Il s’agit d’un entretien d’orientation professionnelle, 70 SCRIPTA, Belo Horizonte, v. 15, n. 28, p. 59-81, 1º sem. 2011 Langage comme activité, langage dans l’activité, langage sur l’activité: éléments pour une discussion critique ayant comme protagonistes un éducateur spécialisé (ES dans la transcription cidessous) et un jeune de 15 ans (J dans cette même transcription).13 Orienté vers les projets d’avenir du jeune, cet entretien comporte de nombreux segments portant sur un stage en pâtisserie que celui-ci est en train d’effectuer. L’entretien se déroule d’ailleurs à la cafétéria du lieu de stage. En voici deux extraits: (6) ES: (...) est-ce que tu as l’impression d’arriver à écouter tout le long la consigne J: oui j’arrive à continuer d’écouter mais après / j’oublie qu’est-ce qu’il fallait faire ES: et ça t’est arrivé des fois d’oublier J: des fois par moments j’ai oublié des trucs ES: par exemple / tu peux me donner un exemple d’un truc que tu as oublié J: les fraises // je devais les couper et / [ES: ouais] je devais d’abord couper les trucs verts là / moi je les ai coupées en quatre // ES: sans ôter le / petit bout / ok J: là j’avais fait faux (7) ES: (...) est-ce que des fois tu dois utiliser tes mains d’une manière ine / avec de l’habileté / tu dois des fois faire ça et ça se passe comment J: par exemple les tartes / tartes au citrons gelés / je dois mettre un peu de / abricot [ES: ouais] et je dois tenir avec cette main / et je fais comme ça / tu vois j’arrive ES: c’est dificile à faire / tu dois aller lentement / ou tu y arrives J: c’est facile / ça va Envisagés du point de vue du travailleur social, les entretiens de ce type relèvent clairement du langage “comme” activité, la pratique d’orientation professionnelle dont ce travailleur a la charge, et qu’il effectue, étant éminemment langagière (voir KRAMER, 2009). Mais en même temps, et comme il ressort des extraits ci-dessus, cette pratique implique, requiert des commentaires et des analyses (ou co-analyses) des diverses tâches accomplies par le jeune lors de son stage (“les fraises / je devais les couper et / je devais d’abord couper les trucs verts là / moi je les ai coupées en quatre”; “je dois mettre un peu de / abricot et je dois tenir avec cette main / et je fais comme ça”), c’est-à-dire la production, ou la coproduction, d’une parole “sur” l’activité. Les activités concernées respectivement par le langage “comme” (en l’occurrence l’orientation professionnelle) et par le 13 - Ces données ont été recueillies par Nicolas Kramer, dans le cadre de son travail de Mémoire de Licence (voir KRAMER, 2009). SCRIPTA, Belo Horizonte, v. 15, n. 28, p. 59-81, 1º sem. 2011 71 Ecaterina Bulea langage “sur” (en l’occurrence le stage et ses tâches) ne sont ainsi pas les mêmes, et, surtout, n’incombent pas aux mêmes actants, la superposition entre langage “comme” activité et langage “sur” l’activité dont les entretiens de ce type font preuve comportant un rapport de référentialité encore différent de celui à l’œuvre dans les transmissions ou dans les soins.14 1.3. Le troisième problème posé par la tripartition discutée concerne l’empan, ou l’extension de ce qui est appelé “langage comme activité”, “langage dans l’activité”, et “langage sur l’activité”. Ces conigurations tendent à être saisies – bien que la plupart du temps de manière implicite – comme coextensives tantôt d’une certaine sphère d’activité ou d’un type de tâche (la plaidoirie de l’avocat, la prise de rendez-vous par la secrétaire, etc.), tantôt d’un genre textuel (la conversation familière), tantôt encore d’une posture énonciative (le discours de persuasion du commercial). Nous relèverons d’emblée l’hétérogénéité de ces instances (tâche, genre textuel, posture énonciative), qui pose la question, que nous ne pourrons traiter ici, du type d’entité auquel on assigne le statut de langage “comme”, “dans” ou “sur” l’activité. Outre cette question, et au-delà de la possible co-occurrence de conigurations examinée antérieurement, on peut aussi se demander si les phénomènes évoqués (la plaidoirie d’un avocat, ou la prise de rendez-vous par la secrétaire) relèvent vraiment, et dans leur intégralité, d’une seule coniguration homogène, en l’occurrence du langage “comme” activité. A en revenir à la thèse du continuum avancée par certains auteurs et évoquée sous 1.2, supra, n’y a-t-il pas des parties susceptibles de solliciter du langage “sur” l’activité ou du langage “dans” l’activité? Illustrons ce problème à l’aide d’un extrait d’une seule et même production langagière: une lettre de conirmation de stage pour un jeune, adressée par un travailleur social au responsable de l’entreprise censée l’accueillir:15 (8) Monsieur, Par la présente je tiens, tout d’abord, à vous remercier pour votre accueil et l’intérêt que vous avez porté à ma demande de vendredi 30 juin dernier. Comme nous l’avons convenu, XXX [nom du jeune] viendra en stage chez vous quatre mercredi à la rentrée 2006/2007 14 - Les exemples examinés jusqu’ici montrent en fait trois cas de igure différents (mais il y en a sans doute d’autres): l’un, illustré par les transmissions, où les actants de l’activité langagière sont les mêmes que ceux de l’activité-objet du discours, alors que ces activités sont différentes (les inirmiers parlent lors des transmissions des soins effectués ou à effectuer par elles-mêmes); l’autre, illustré par le soin, où il y a superposition à la fois entre les actants et entre les activités (les inirmières parlent du soin lors du soin); enin, celui illustré par les entretiens d’orientation professionnelle, où, d’un certain point de vue, il y a divergence à la fois entre les actants et entre les activités: envisagée du point de vue du travailleur social, l’activité d’entretien porte sur l’activité de stage, dont l’actant est le jeune. 15 - Cette lettre est également extraite du corpus de N. Kramer, 2009. 72 SCRIPTA, Belo Horizonte, v. 15, n. 28, p. 59-81, 1º sem. 2011 Langage comme activité, langage dans l’activité, langage sur l’activité: éléments pour une discussion critique de 8h30 à 18h00: les 6, 13, 20 septembre et soit le 27 septembre ou le 4 octobre en fonction de notre camp. Lors du dernier mercredi, nous ferons un bilan suite auquel, j’espère, nous pourrons prolonger notre collaboration et le stage de XXX sur un plus long terme. (...) En ce qui concerne la partie pratique, je m’occuperai de faire le nécessaire auprès de YYY [nom d’institution] pour que la couverture assurance de XXX soit étendue à son lieu de stage. Lorsqu’on observe la teneur effective de cette lettre, il s’avère que l’on passe quasi imperceptiblement du langage “comme” activité (adresser des remerciements au destinataire de la lettre, conirmer le stage et sa périodicité) à du langage “sur” l’activité: saisie de manière projective, cette dernière est envisagée d’une part sous un angle coopératif, ou telle qu’elle implique le travailleur social et le responsable de l’entreprise (“nous ferons un bilan suite auquel, j’espère, nous pourrons prolonger notre collaboration”), d’autre part sous l’angle de la responsabilité individuelle: “je m’occuperai de faire le nécessaire (...) pour que la couverture d’assurance (...) soit étendue à son lieu de stage”. Sous cet angle, cet exemple illustre la thèse du continuum entre conigurations, tout comme il montre la pertinence de clariier l’activité sur laquelle porte effectivement le texte (“faire un bilan” est une activité autre que “faire le nécessaire auprès de l’assurance”), et les actants censés la réaliser (voir le jeu entre “nous” et “je”), eu égard à l’activité que représente la production même de ce texte. Mais ce même peut faire l’objet d’une autre analyse encore: on pourrait considérer que la rédaction même d’une lettre de conirmation de stage relève, dans sa globalité, et abstraction faite de son contenu effectif, du langage “comme” activité; langage “comme” activité qui n’est dès lors pas du même ordre que le langage “comme” activité impliqué par les remerciements ou la conirmation mis en évidence lors de la première analyse, en ce qu’il ne situe pas au même niveau. Du fait que la tripartition que nous discutons supporte simultanément et indifféremment ces deux analyses (peut-être d’autres encore?), et étant donné la divergence de conigurations obtenues suivant le niveau auquel on se situe, on peut se demander, inalement, quel niveau d’analyse du rapport entre langage et activité est concerné par cette tripartition? En l’état, l’indécision à ce sujet, et la possible confusion qui en découle, ne font qu’accentuer sa fragilité au plan descriptif. 1.4. D’autres questions encore pourraient être soulevées, comme par exemple celle de la production de savoir: en quoi et pourquoi celle-ci serait-elle l’apanage du langage “sur” l’activité? Pourquoi le langage “comme” activité ne pourraitil pas être le cadre ou le fondement de cette production? Cette question est éminemment complexe, et, comme le montrent en particulier les études portant SCRIPTA, Belo Horizonte, v. 15, n. 28, p. 59-81, 1º sem. 2011 73 Ecaterina Bulea sur les dispositifs de formation en alternance (voir MERHAN ; RONVEAUX ; VANHULLE, 2007), elle ne se laisse pas saisir de manière unilatérale. Mais notre but n’est pas de dresser un inventaire exhaustif des problèmes en ce domaine. Les limites déjà discutées et exempliiées sufisent amplement pour mettre en évidence ce qui nous paraît constituer l’écueil théorique majeur de la tripartition entre langage “comme”, “dans” et “sur” l’activité, et qui a trait à la manière dont est envisagée l’extension du caractère praxéologique du langage. Opposer un langage qui “fait” à un langage qui “entoure” et à un langage qui “interprète” véhicule l’idée que ce caractère praxéologique ne s’applique qu’au premier de ces langages, le langage “dans” et “sur” l’activité étant dès lors dépourvus de cette propriété. Cette sous-estimation du caractère praxéologique du langage est accentué par le fait que le “langage comme activité” ne paraît pas être activité en vertu de sa nature, mais le devenir dans certaines conditions, et en vertu de la nature praxéologique de la tâche qu’il accomplit. Remise en question par certains chercheurs depuis le champ de l’analyse des pratiques en particulier (voir 1.1 supra), cette restriction du caractère praxéologique du langage au “langage comme activité” nous semble en fait à l’origine d’un permanent malaise: c’est que la contester explicitement est bien évidemment pertinent; mais cela reviendrait de facto à dissoudre la tripartition, alors que par ailleurs cette dernière semble quand même conserver une certaine utilité analytique, voire stratégique, et une certaine dimension heuristique. De ce point de vue, l’article déjà cité de Nouroudine (2002) nous paraît très signiicatif: l’auteur ressent le besoin de spéciier qu’il considère le langage comme une “pratique” (p. 18), mais poursuit cependant dans l’étude de la tripartition en tant que telle, en y instaurant les expressions “langage qui fait” vs “langage qui entoure” et “langage qui interprète”. Comment dès lors concevoir, dans un tel cadre, ces deux derniers langages, qui s’opposent au “faire” tout en relevant de la “pratique”? Depuis l’approche interactionniste socio-discursive (voir BRONCKART, 1997) dans laquelle nous nous inscrivons, nous considérons indispensable d’adopter, et cela sans réserve, une conception du langage comme pratique. Le langage est toujours et d’abord activité, comme l’ont soutenu et montré, non seulement les tenants de la théorie des actes de langage, auxquels on fait souvent référence, mais bien avant eux, et depuis une posture épistémologique soucieuse de la dynamique et de la variabilité des faits langagiers, Coseriu (2001) ou encore Saussure (2002 ; Cahiers Ferdinand de Saussure, 15). Intégrant la tradition humboldtienne de rélexion sur le langage (voir HUMBOLDT, 1835/1974), Coseriu afirme que la nature de ce dernier est d’être “activité de parler”, qu’il déinit comme energeia: 74 SCRIPTA, Belo Horizonte, v. 15, n. 28, p. 59-81, 1º sem. 2011 Langage comme activité, langage dans l’activité, langage sur l’activité: éléments pour une discussion critique le langage n’existe concrètement que comme activité, comme activité de parler (la phrase de Humboldt selon laquelle le langage n’est pas ergon mais energeia n’est pas un paradoxe, ni une métaphore, mais une simple constatation). Mieux et davantage encore, ce n’est que parce que le langage se manifeste comme activité qu’on peut l’étudier aussi en tant que “produit”. (1956/2001, p. 34) Et bien que les aléas de la réception de l’œuvre de Saussure ait conduit à ce que cet aspect de sa pensée soit masqué, minoré ou ignoré, c’est bien une conception similaire du langage que cet auteur a soutenue; et c’est la nature praxéo-sociale du langage en général, et de la langue en particulier, qui justiie pour lui la constitution d’une discipline linguistique autonome: Ainsi, quel que soit au juste le cercle à tracer autour de la langue, il est évident que nous avons là devant nous une action sociale de l’homme assez particulière pour constituer une discipline. Et tous ces faits feront l’objet d’une discipline, d’une branche des sciences relevant de la psychologie et de la sociologie. (Introduction au IIe Cours, In Cahiers Ferdinand de Saussure, 15, p 18) Enin, la perspective du interactionnisme socio-discursive qui est la nôtre, et qui prolonge à la fois le positionnement général de l’interactionnisme social et celui de la sémiologie saussurienne, se caractérise par une manière de concevoir et d’assumer le statut central de l’activité langagière, en considérant cette dernière comme l’élément déterminant du fonctionnement et du développement humains, et donc de la constitution des entités psychiques proprement humaines. Cette prise de position revient à poser le caractère primairement praxéologique du langage, en tant qu’il constitue le principal médiateur des processus de socialisation et de construction de la personne, et l’instrument grâce auquel les membres d’une groupe social interprètent, négocient et évaluent en permanence les diverses formes d’agir général dans lesquelles ils sont impliqués. Si l’on adhère à ce positionnement, alors le problème n’est nullement de distinguer entre un langage qui “fait” et d’autres qui ne “feraient” pas, entre un langage “comme activité” et d’autres qui ne le seraient pas, mais d’analyser les rapports, les interactions, ou encore les emboîtements entre deux formes d’activités, ou entre deux formes d’agir humain: un agir général, et l’agir proprement langagier. Les exemples de situations d’activité que nous avons examinées précédemment, des transmissions à la rédaction de courrier, en passant par diverses sortes de soins inirmiers, ou d’entretiens professionnels, posent, chacune à sa manière, le problème des rapports entre ces deux formes d’agir. SCRIPTA, Belo Horizonte, v. 15, n. 28, p. 59-81, 1º sem. 2011 75 Ecaterina Bulea 2. Pour une redéiniion des rapports entre langage et acivité Une approche des rapports entre langage et activité doit, à nos yeux, tenir compte de la distinction méthodologique – qui n’est pas pour autant séparation dans les faits ! – entre versants ontologique et gnoséologique de l’agir humain; autrement dit, considérer la non-équivalence et la non-superposition entre, d’une part, l’ordre mondain de l’agir ou de la pratique humaine, “en tant que tel”, et tel que visé par un processus d’intelligibilité, et, d’autre part, l’ordre de ce processus d’intelligibilité lui-même. Les composantes de ce dernier (connaissances, représentations, interprétations, points de vue, etc.) ont la propriété de s’adresser en permanence à cet agir dans le monde, de s’y référer ou de le prendre pour cible, tout en interagissant entre elles.16 Comme nous l’avons montré en détail ailleurs (voir BULEA, 2010), c’est précisément en vertu de la non-séparation, mais aussi de la non-coïncidence entre versants ontologique et gnoséologique de l’agir que le versant ontologique peut devenir la cible d’interprétations et de construction de représentations et de connaissances nouvelles, qu’elles soient individuelles ou collectives, et que ces processus se déroulent en cours ou en dehors du déploiement effectif de l’agir général. S’agissant du versant gnoséologique de l’agir, il convient en outre de distinguer entre le registre des représentations ou des connaissances et savoirs d’un côté, et celui des interprétations langagières de l’autre, dans la mesure où, si les premières peuvent se dégager progressivement des circonstances textuelles/discursives dans lesquelles elles se sont forgées, ainsi que, potentiellement, des déterminations spéciiques à une langue particulière, les secondes demeurent immanquablement marquées tant par les propriétés structurelles et par les valeurs signiicatives de cette langue, que par les conditions textuelles/discursives au sein desquelles elles ont émergé. Enin, pour les raisons méthodologiques qui viennent d’être évoquées, mais aussi pour éviter les confusions liées aux diverses acceptions des termes qui désignent la sphère praxéologique – nos analyses l’ont montré pour le terme d’“activité” –, une certaine clariication terminologique est nécessaire. Celle que nous proposons se présente comme suit.17 16 - Les notions de langage “comme”, “dans” et “sur” l’activité semblent mobiliser cette distinction, lorsqu’elles différencient entre activité d’une part, et production de savoir à propos de cette activité de l’autre. Mais, comme nous l’avons vu, la mise en évidence de cette non-équivalence se présente comme corrélative de l’attribution de la dimension actionnelle uniquement au langage “qui fait”, ce qui est autrement fort problématique. 17 - Ce choix terminologique reprend en grande partie celui utilisé par Bronckart (2005). Précisons encore qu’il ne s’agit nullement de catégories réiiantes, au contraire: si leur raison d’être est avant tout 76 SCRIPTA, Belo Horizonte, v. 15, n. 28, p. 59-81, 1º sem. 2011 Langage comme activité, langage dans l’activité, langage sur l’activité: éléments pour une discussion critique L’expression d’“agir-référent” désigne de manière globale et générique le niveau ontologique de la pratique humaine, qui est en même temps l’“objet” à interpréter: l’agir-référent (ou l’agir tout court) est envisagé comme un processus dynamique spéciiquement humain, c’est-à-dire un ensemble de conduites individuelles médiatisées par l’activité collective, notamment par l’activité de travail. Au plan de la recherche, cet agir-référent constitue à la fois le “donné” premier des observations, et ce qui est “visé” par les interprétations attestables dans diverses productions langagières. Le terme d’“action” est quant à lui utilisé au plan gnoséologique, pour désigner une forme de saisie, notamment langagière, de l’agir-référent: l’action est ainsi envisagée comme un produit de l’interprétation, aboutissant notamment à la délimitation d’unités praxéologiques. Celles-ci sont diverses quant à leur teneur (voir la notion de “igures d’action”, BULEA, 2010), mais témoignent d’un certain principe d’organisation et d’un certain degré de cohérence. L’expression de “morphogenèse de l’action” désigne le processus même d’engendrement de ces formes interprétatives, ou encore le mouvement langagier dans lequel se produit la saisie de l’agir-référent, mais sans préjuger de circonstances dans lesquelles celui-ci a lieu. Ce processus peut ainsi être cooccurrent au déploiement de l’agir-référent, ou disjoint de celui-ci, tout comme il peut être individuel ou collectif, plus ou moins “concret” ou plus ou moins “théorique”. Outre l’agir-référent, les documents institutionnels, les prescriptions, les diverses théorisations, les productions verbales spontanées ou provoquées des travailleurs, etc., etc. constituent chacun des “lieux” possibles de morphogenèse de l’action, susceptibles de fournir, non pas directement des “représentations” ou des “connaissances” en tant que telles, mais des mises en forme langagières permettant un accès indirect à celles-ci, et donnant des informations quant à la manière dont elles sont construites et mises en confrontation. Au plan des instances agentives, le terme d’“actant” est employé dans une acception neutre, pour désigner l’instance-source d’un procès, impliquée dans l’agir-référent. Les termes d’“acteur” et d’“agent” ont quant à eux une dimension interprétative: ce sont des formes d’agentivité construites dans et par le processus interprétatif, la première présentant la source du procès comme une instance autonome, décisionnelle, et/ou régulatrice, ce qui implique en particulier la mention des capacités et des ressources dont l’actant dispose; la deuxième présentant cette même source du procès comme dépendante de contraintes externes, auquel cas les capacités propres de l’actant ne font pas l’objet de mention particulière, ou ne sont pas présentées comme étant effectivement impliquées dans le déploiement de l’agir. méthodologique, leur visée est tout aussi heuristique. SCRIPTA, Belo Horizonte, v. 15, n. 28, p. 59-81, 1º sem. 2011 77 Ecaterina Bulea Pour conclure, nous allons mobiliser la perspective esquissée ci-dessus dans une visée principalement heuristique, ain de schématiser les rapports qui nous semblent pouvoir être posés entre agir(-référent) et interprétations de l’agir. Rappelons encore que ces deux instances ne sont pas coextensives du couple “activité” – “langage” tel que mobilisé dans la tripartition que nous avons discutée, mais constituent deux formes d’activité humaine en permanente interaction. A un premier niveau, ontologique, on posera donc l’agir-référent, en regard duquel le processus interprétatif peut se déployer dans des registres assez hétérogènes, et prendre diverses formes: • • • • • 78 un registre théorique et général, qui ne s’adresse pas à une sphère professionnelle en particulier. Emanant principalement de théoriciens (philosophes, psychologues, sociologues, ergonomes, etc.), les interprétations de ce type aboutissent à des modèles de l’action, comme, par exemple ceux d’Anscombe, de Habermas, de Leontiev, etc., etc. (voir BRONCKART, 2005, pour une présentation et une problématisation). un registre institutionnel et oficiel, qui concerne une sphère d’activité, une profession ou un métier donnés. Faisant lui-même l’objet d’une stratiication interne complexe, ce registre interprétatif est pris en charge par des instances institutionnelles spéciiques (dirigeants d’entreprise, chefs de département, etc., etc.), et il aboutit notamment à ces modélisations que les ergonomes qualiient, par opposition au “travail réel”, de “travail prescrit”. un registre professionnel individuel ou collectif, à caractère “spontané”, et prenant place dans le cadre de l’exercice de la profession. Présentant diverses conigurations, et des degrés d’auto-référentialité différents (que nous avons examinés à propos des transmissions, des soins, etc.), ce registre incombe aux travailleurs eux-mêmes. un registre professionnel individuel ou collectif, à caractère “spontané”, incombant aux travailleurs, mais prenant place en dehors de l’exercice effectif de la profession. un registre individuel ou collectif, à caractère “provoqué”, sollicitant les travailleurs, et ayant lieu notamment dans le cadre de dispositifs de recherche, intervention ou formation, mais aussi dans d’autres cadres (reportages, émissions de télévision, etc.). C’est par ce registre que sont concernés les dispositifs d’analyse de l’activité (ou d’analyse des pratiques), ou encore l’élaboration d’un dossier de validation des acquis de l’expérience (VAE). SCRIPTA, Belo Horizonte, v. 15, n. 28, p. 59-81, 1º sem. 2011 Langage comme activité, langage dans l’activité, langage sur l’activité: éléments pour une discussion critique Notons encore qu’en vertu de leur statut d’agir langagier, tous ces registres interprétatifs peuvent être considérés eux-mêmes sous un angle ontologique (par exemple l’agir même d’élaboration de prescriptions, d’effectuation d’une recherche sur le travail, etc.), ce qui conduit à une forme de mise en abîme des rapports entre agir-référent et agir langagier. Et s’il est sans aucun doute intéressant d’étudier chacun de ces niveaux et registres, il l’est peut-être davantage de se pencher sur la dynamique des interactions qui s’instaurent entre eux, la question des rapports entre langage et activité, si bien qu’elle requiert une prise de position théorique, constituant in ine, et inévitablement, une question empirique. Language as an acivity, language in the acivity, language on the acivity: elements for a criical discussion Abstract Based on a series of theoretical and empirical analysis, this article irst shows the limits of the tripartition “language as activity”, “language in the activity”, “language on/about activity”. The article then puts into words a new conception with respect to the interactions between language and activity, witch discriminates between ontological and gnoseological aspects of activity and focuses on the praxeological nature of language. Keywords: Language. Activity. Work. Interpretation of activity. Texts/Discourses. Linguagem como aividade, linguagem na aividade, linguagem sobre a aividade: elementos para uma discussão críica Resumo Com base em análises teóricas e empíricas, este artigo mostra inicialmente os limites da tripartição “linguagem como atividade”, “linguagem na atividade”, “linguagem sobre a atividade”. Formula, em seguida, uma nova proposição de conceptualização no que toca à relação entre linguagem e atividade, que se funda na distinção entre os planos ontológico e gnoseológico do agir, sublinhando a natureza intrinsecamente praxiológica da linguagem. Palavras-chave: Linguagem. Atividade. Trabalho. Interpretação da atividade. Textos/Discursos. SCRIPTA, Belo Horizonte, v. 15, n. 28, p. 59-81, 1º sem. 2011 79 Ecaterina Bulea Références bibliographiques BOUTET, Josiane (Org.). Paroles au travail. Paris: L’Harmattan, 1995. BRONCKART, Jean-Paul. Activité langagière, textes et discours. Pour un interactionisme socio-discursif. Paris: Delachaux et Niestlé, 1997. BRONCKART, Jean-Paul. Une introduction aux théories de l’action. Genève: Carnets des sciences de l’éducation, 2005. BULEA, Ecaterina. Compétence langagière et compétence professionnelle: éléments pour une approche intégrée. Bulletin suisse de linguistique appliquée, n. 93, Université de Neuchâtel, à paraître 2011. 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SCRIPTA, Belo Horizonte, v. 15, n. 28, p. 59-81, 1º sem. 2011 81 A construção de um agir relexivo do professor no espaço de formação docente Eulália Vera Lúcia Fraga Leurquin* Camila Maria Marques Peixoto* Resumo Investigamos as representações do papel do professor, expressas em seu dizer, em um dos encontros de formação de educadores, desenvolvido pelo grupo GEPLA, no ProJovem Urbano em Fortaleza. Utilizamos categorias de análise do quadro teórico-metodológico do Interacionismo Sociodiscursivo (BRONCKART, 1999, 2006), privilegiando, principalmente, as igu‑ ras da ação (BULEA, 2010) e os tipos de discurso. Essas iguras, mobilizadas pelos professores, dão forma ao trabalho de ressigniicação do seu papel e têm estreita relação com os tipos de discurso. Atentamos para a formação linguística das categorias, procedimento essencial para posteriores interpretações. Constatamos a predominância da ação deinição e do discurso teórico-interativo. Palavras-chave: Formação de professores. Agir humano. Tipos de discurso. Figuras de ação. Leitura. Introdução Ensinar é um trabalho complexo, que requer conhecimento, criatividade, prazer, autonomia do docente, construção de estratégias para superação das múltiplas situações de imprevisibilidade. O desaio da formação de professores está justamente em criar as condições para formar proissionais capazes de pilotar o seu projeto de ensino (BRONCKART, 2008). Dentro do universo complexo da formação, investigamos as representações do papel do professor, expressas em seu dizer, em encontro no qual os professores construíram e discutiram atividades de leitura, com base em uma aula interativa (CICUREL, 1991; LEURQUIN, 2001). Veriicamos, nos textos orais, gravados em vídeo, como o professor mobiliza seus conhecimentos linguísticos ao tratar das várias instâncias envolvidas em seu * Universidade Federal do Ceará. SCRIPTA, Belo Horizonte, v. 15, n. 28, p. 83-102, 1º sem. 2011 83 Eulália Vera Lúcia Fraga Leurquin e Camila Maria Marques Peixoto trabalho (os conteúdos teóricos, a prática de sala de aula, o planejamento proposto pelo autor do material didático, etc.) para a construção de atividades alternativas de leitura por intermédio das iguras de ação. Ancoramo-nos em Bronckart (1999, 2006) e em Bulea (2010), para entendermos os dados. Contextualizamos o ProJovem Urbano – Fortaleza e o contexto da formação desenvolvida pelo GEPLA.1 Depois, tratamos do agir humano e das iguras de ação (BRONCKART, 1999, 2008; BULEA, 2010). Em seguida, apresentamos as análises dos dados e as considerações inais. O contexto da pesquisa A pesquisa envolveu quarenta professores do ProJovem Urbano de Fortaleza. Esse projeto é de iniciativa do Governo Federal, vinculado à Secretaria Nacional de Juventude, que funciona em parceria com as prefeituras das capitais do País. O ProJovem concentra as políticas públicas de juventude e tem a inalidade principal de proporcionar formação integral aos jovens de 18 a 29 anos, por meio de uma efetiva associação entre formação básica, qualiicação proissional inicial e participação cidadã. Dos trezentos professores, quarenta são de Língua Materna. A formação especíica em Língua Materna A formação durou um ano e realizamos nove encontros, todos gravados em audiovisuais. Aqui, apresentamos o encontro em que foram construídas e discutidas atividades de leitura, com base em uma aula interativa (CICUREL, 1991; LEURQUIN, 2001), que teve como motivação a análise de experiências de trabalho pouco produtivas, segundo os educadores. O foco foi o material didático oicial do ProJovem Urbano. Chamou a nossa atenção o material ter sido construído para um aluno ideal, não correspondente ao peril do aluno real. Criamos estratégias para instrumentalizar o docente a produzir atividades de leitura com uma orientação teórica distinta da proposta contida no material didático oicial. Dividimos o encontro em dois momentos. Primeiro, analisamos o discurso dos professores sobre o planejamento de suas aulas de leitura; depois, estudamos a 1 - O grupo de Estudos e Pesquisa em Linguística Aplicada (GEPLA) é coordenado pela professora Drª. Eulália Vera Lúcia Fraga Leurquin. Atualmente, ele desenvolve trabalhos relacionados à formação inicial e continuada de educadores e à descrição e análise de gêneros acadêmicos, sobretudo, o relatório de estágio docente. Para isso, ancora-se principalmente nos aportes teórico-metodológicos do Interacionismo Sociodiscursivo. 84 SCRIPTA, Belo Horizonte, v. 15, n. 28, p. 83-102, 1º sem. 2011 A construção de um agir relexivo do professor no espaço de formação docente proposta de uma aula de leitura interativa (CICUREL, 1991; LEURQUIN, 2001). Em seguida, entregamos textos para a produção das atividades de leitura com base em níveis de letramento diferentes e nas etapas de uma aula comunicativa de leitura, de acordo com os comandos e as orientações que seguem: Comandos para realização da tarefa: 1. Em equipe de três professores, elaborem uma atividade de leitura, levando em consideração os níveis de letramento2 dos alunos (níveis 1, 2 e 3) e as etapas de uma aula comunicativa de leitura (CICUREL, 1991; LEURQUIN, 2001). 2. Após a construção das atividades de leitura nos grupos menores, socializem os resultados no grupo maior de educadores. Orientações para os gêneros textuais: • Nível 1 (para alunos que ainda têm diiculdade até em decodiicar os textos): charge, tirinha e classiicados. • Nível 2 (para alunos que decodiicam, mas não compreendem o que leem): notícia, entrevista. • Nível 3 (alunos que compreendem o que leem em diversos gêneros): editorial e carta ao leitor. No segundo momento, avaliamos a proposta de aula de leitura. O agir humano Como precisávamos entender o agir do professor em seu discurso, foi necessário reletir sobre o conceito de agir humano. Segundo Bronckart (2008), o agir humano deixou de ser objeto de pesquisa durante muitos anos. Foi quase esquecido na década de 60, devido à hegemonia do estruturalismo, retornando apenas na década de 80, com o enfraquecimento e a queda do comunismo como modelo político. A partir daí, houve a restauração do agir como unidade de análise 2 - O termo “nível de letramento”, aqui utilizado, é necessário para que melhor se entenda a situação da sala de aula. Foi importante para que pudéssemos melhor compreender a situação da turma. O resultado dos trabalhos feitos com o material didático utilizado mostrou que há alunos que não conseguem ler os textos das atividades, há outros que só leem textos com formação simples e linguagem não literária, outros leem textos de formação mais complexa de acordo com o nível em que estão inseridos. SCRIPTA, Belo Horizonte, v. 15, n. 28, p. 83-102, 1º sem. 2011 85 Eulália Vera Lúcia Fraga Leurquin e Camila Maria Marques Peixoto do funcionamento humano, pelo aprofundamento das características da linguagem, e da relação entre o agir e a linguagem e os problemas envolvidos nos processos de mediação formativa para o desenvolvimento humano. Ao eleger o agir como unidade de análise, Bronckart (2006, 2008) percorre correntes da psicologia, ilosoia e sociologia, especialmente Anscombre, Ricoeur, Habermas, que tratam da distinção entre ação e acontecimento. A noção de ação comunicativa surgiu no quadro da chamada teoria da ação comunicativa proposta por Habermas, a partir dos anos 70, que se colocava, de um lado, como expansão da chamada Teoria Crítica, desenvolvida pela escola de Frankfurt, e, de outro, como uma contraposição à ilosoia da consciência, com o objetivo de uma transformação do conceito de racionalidade defendido nessa escola. Dentro dessa perspectiva, o Interacionismo Sociodiscursivo (ISD) desenvolve conceitos e categorias mais estáveis, que exporemos agora. O termo agir diz respeito às diferentes intervenções dos seres humanos, enquanto os conceitos de atividade e ação designam interpretações desse agir. Do ponto de vista metodológico, o ISD faz uma distinção entre agir, no sentido geral, e agir de linguagem. Ambas são formas de agir humano, que mantêm uma relação indissociável, sendo o agir geral sempre dependente do agir de linguagem. O agir pressupõe a existência de um actante, dotado de uma série de recursos, fruto do processo de aprendizagem dos pré-construídos, capacidades de agir e mundos formais. Esse actante pode ser, no plano interpretativo, ator, quando as formas textuais colocam esses actantes como sendo a fonte de um processo e quando a eles são atribuídas capacidades, motivações e intenções, e pode ser também agente, quando não tem, nas formas textuais, atribuídas capacidades, responsabilidades, intenções e motivações. As iguras de ação É dentro dessa perspectiva que Bulea (2010), articulada com questões relativas ao trabalho e aos métodos explorados, em particular pela “Clínica da atividade” (CLOT, 1999; CLOT; FAÏTA, 2000 apud BULEA, 2010), e com o caráter diferencial do signo linguístico de Saussure (2002),3 desenvolve as iguras de ação. A autora apresenta essas iguras como “produtos interpretativos” resultantes da análise do conjunto dos segmentos temáticos do trabalhador que focalizam o agir-referente ou real e que são identiicáveis, sobretudo, pela articulação entre o 3 - As iguras de ação preservam as propriedades gerais dos signos de Saussure (2002), caráter bifacial, natureza psíquica e caráter diferencial, o que as constitui como entidades globais diferenciais. 86 SCRIPTA, Belo Horizonte, v. 15, n. 28, p. 83-102, 1º sem. 2011 A construção de um agir relexivo do professor no espaço de formação docente tema e os tipos de discurso, que organizam um conteúdo temático, mas também por outras instâncias como, por exemplo, relações de temporalidade, marcas de agentividade e aspectos ligados às modalizações nos textos. Segundo Bronckart e Leurquin, no prefácio do livro Linguagem e efeitos desenvolvimentais da interpretação da atividade (BULEA, 2010), nas análises de Bulea, as iguras de ação visam mais particularmente a analisar a inluência que exerce eventualmente a dimensão linguística dos tipos de discurso4 nas modalidades de elaboração das representações que o actante tem do seu trabalho. Nesse sentido, destacamos a relação que se estabelece entre os tipos de discurso e as iguras de ação. Para Bulea, as iguras de ação são as seguintes: Ação ocorrência, caracterizada por forte grau de contextualização. Normalmente, há a mobilização de um duplo contexto (contexto imediato do actante e o particular, evocado pelo actante). Há também marcas no texto que mostram relações de temporalidade no que diz respeito ao momento da enunciação. As localizações temporais podem apresentar relações de anterioridade (pretérito perfeito e imperfeito); de posterioridade (futuro composto e futuro simples); e de simultaneidade (presente do indicativo). Outro traço característico dessa igura de ação é a relação de agentividade marcada no texto pelo dêitico eu, havendo a forte implicação do actante nos dois contextos evocados. Ação acontecimento passado, caracterizada pela captação retrospectiva do agir na sua singularidade, mas sem relação com a situação de produção de linguagem. Há contextualização, mas fragmentária e seletiva. O acontecimento é evocado pelo actante, que utiliza a relação de temporalidade relacionada ao passado, antes do momento da enunciação, e opta pelo misto relato interativo e esquema prototípico da narração para contar os fatos. A ação acontecimento passado tem claramente um valor ilustrativo do agir em questão ou de uma de suas dimensões, tratando-se de incidentes inesperados por ocasião da realização da tarefa. As relações de temporalidade são colocadas a distância do momento da enunciação, sendo marcadas por expressões como: a última vez, outro dia... Essa marcação acontece por expressões temporais e está localizada no início do segmento, o que mostra que o conteúdo temático mobilizado é primeiramente e explicitamente distanciado dos parâmetros temporais da situação de interação. A 4 - Em linhas gerais, para Bronckart (1999), os tipos de discurso seriam segmentos de textos que traduzem uma certa relação com a situação de comunicação, através de subconjuntos de unidades linguísticas. Assim, os tipos de discurso podem ser delimitados e deinidos pela combinação das operações subjacentes que se aplicam ao contexto e ao conteúdo e que se manifestam através da coniguração de unidades linguísticas mais ou menos especíicas a cada um deles. Para o autor, são quatro os tipos de discursos, relacionados aos eixos do expor e do narrar, a saber: discurso interativo, discurso teórico, relato interativo e narração. SCRIPTA, Belo Horizonte, v. 15, n. 28, p. 83-102, 1º sem. 2011 87 Eulália Vera Lúcia Fraga Leurquin e Camila Maria Marques Peixoto localização temporal é colocada como anterior ao momento da enunciação, sendo materializada através das formas verbais no pretérito perfeito e imperfeito. Ação experiência, caracterizada como cristalização pessoal de múltiplas ocorrências (do agir) vividas; corresponde a uma espécie de balanço da experiência do actante, a partir da sedimentação, dessingularização e descontextualização de repetidas práticas de uma mesma tarefa. Está mais ligada a um contexto singular e se apresenta como abstrata e, nesse sentido, descontextualizada. É sempre recontextualizável, na medida em que a coniguração geral que ela realiza, construída e assumida pelo actante, se apresenta como aplicável a cada contexto particular, sob o efeito de um processo de adaptação, num funcionamento permanente. É fortemente marcada por advérbios como: normalmente, sempre, etc. ou por sintagmas que tenham o mesmo valor e pelo presente genérico dos verbos. Diferentemente da ação ocorrência, que é estruturada segundo o eixo de referência da situação de interação e comporta múltiplos eixos locais, ela está estruturada segundo um único eixo, homogêneo e não limitado. Há coexistência e cofuncionamento de várias formas pronominais, sendo a mais frequente a forma tu com valor genérico, que pode alternar com o eu ou o “pronome” a gente. Essas formas revelam uma menor implicação do actante, o que é conirmado pela oscilação entre o actante se colocar no texto como ator ou como agente das ações. Ação canônica, caracterizada como sendo “o agir captado sob a forma de construção teórica, fazendo abstração do contexto em que se desenvolve e das propriedades do actante que a efetua, mas dependendo sempre de normas em vigor” (BULEA, 2010, p. 107). É sempre acontextualizada, com validade geral, evocando instâncias externas, que se responsabilizam pelo que é dito, dependendo sempre de normas em vigor. É caracterizada por uma evocação genérica dos fatos que não se relacionam nem com a situação de interação nem com qualquer origem temporal, e por graus variáveis de implicação do autor do texto no conteúdo evocado. O eixo de referência temporal é não limitado e geralmente não situado, com formas do presente genérico. Os procedimentos são expostos de forma cronológica, focalizando o próprio cuidado ou normas exteriores que regulam o agir. O actante está quase sempre marcado por a gente, eventualmente por tu com valor genérico, enquanto que os eus quase não aparecem. A atorialidade do actante é neutralizada pelas formas genéricas de uma instância coletiva e neutra, mas não apagada, como no caso da igura de ação padrão (presentes nos textos institucionais). Ação deinição, caracterizada como sendo o agir captado enquanto objeto de relexão, na qualidade de suporte e de alvo de uma redeinição por parte do actante. Na sua composição, ou o texto incide sobre o agir do professor, caracterizando-o 88 SCRIPTA, Belo Horizonte, v. 15, n. 28, p. 83-102, 1º sem. 2011 A construção de um agir relexivo do professor no espaço de formação docente ou tratando de seu estatuto; ou reside no exame das atitudes socioproissionais que existem a seu respeito, podendo esse exame terminar em um posicionamento pessoal do actante. Suas formas verbais se baseiam apenas, excepcionalmente, nos atos, gestos ou outros processos. Sua temporalidade é não limitada com a presença do presente genérico. A agentividade é quase inexistente, mas muito fortemente marcada do ponto de vista enunciativo, sendo essa ação a igura que comporta, proporcionalmente, o maior número de mecanismos de posicionamento enunciativo, que é marcado linguisticamente por expressões como eu acho, eu penso, etc., estando esse eu quase sempre em oposição a um a gente (social); por modalizações epistêmicas. Essa igura de ação manifesta, de forma determinante, o trabalho interpretativo do indivíduo, que reinterpreta o seu agir, utilizando necessariamente o repertório linguístico, que está disponível em sua língua, mas utiliza-o de forma diferente, uma vez que ressigniica sua ação e a compreensão do seu agir. Durante as análises dos dados, observamos características que não se adequavam às características das iguras de ação descritas por Bulea (2010). Para dar conta de tal situação, denominamos ação performance a que é caracterizada enunciativamente pela presença do discurso relatado (discurso interativo). O tempo de referência é não marcado, mas ica implícito que se trata do tempo da sala de aula, que é diferente do momento da enunciação. O actante desloca o tempo e o espaço discursivos para falar sobre ele ou sobre o aluno, utilizando o discurso interativo. Isso acontece quando o professor encena a situação em sala de aula, teatralizando a sua fala e a do seu aluno. Representações do papel do professor e da tarefa na formação de educadores do ProJovem Urbano Fortaleza Conforme assinalado, o trabalho foi resultado da constatação, a que chegaram os formadores e os professores, de que no livro didático não havia atividades de leitura que contemplassem a heterogeneidade dos níveis de letramento dos alunos. Com base nessa constatação, a equipe de formadores criou espaços de discussão da prática, ancorados em teorias que possibilitassem a instrumentalização do professor para a criação de alternativas de trabalho de ampliação do letramento dos alunos, diferentes da proposta contida no material didático oicial do Programa. Analisamos o dizer de duas professoras (PA14 e PA15) e ilustramos nossa análise com segmentos de textos retirados da fala dessas proissionais. Vejamos SCRIPTA, Belo Horizonte, v. 15, n. 28, p. 83-102, 1º sem. 2011 89 Eulália Vera Lúcia Fraga Leurquin e Camila Maria Marques Peixoto como as iguras de ação são mobilizadas, no dizer de cada uma delas, para a efetivação ou não da tarefa que foi alvo do encontro 6. Nele, foram mobilizadas as seguintes iguras de ação: ação interna ocorrência, ação interna acontecimento passado; ação interna canônica; ação interna deinição e ação externa performance. Figura de ação ocorrência No segmento abaixo, PA15 inicia a socialização da atividade de leitura construída por ela e pela professora que compartilhou a efetivação da tarefa, informando aos participantes o gênero de texto que foi base para a construção da atividade. A professora prepara ou introduz a tarefa que será desenvolvida no decorrer da sua fala, mobilizando, inicialmente, a figura de ação ocorrência. Análise professor A2.1.1 b: PA15: Olha... a gente icou com a charge ((mostrando o texto aos colegas))...certo? nós estávamos analisando ((apontando para os colegas da equipe de trabalho)) aqui...o seguinte esta charge aqui Discurso interativo / ação interna ocorrência (Corpus oral do grupo GEPLA, formação de educadores do ProJovem Urbano Fortaleza, grifo nosso.) Veriicamos que, enunciativamente, o segmento é constituído de discurso interativo, que é caracterizado pela presença de pronomes (a gente, nós) que remetem diretamente aos interactantes da enunciação, de frases não declarativas e de dêiticos espaciais (aqui, esta charge, etc.), que têm o papel de marcar o espaço da interação/comunicação, contribuindo para a construção da situação comunicativa. O discurso interativo é caracterizado também pela presença do verbo olhar no imperativo (olha), pela presença do pretérito perfeito com valor dêitico em (a gente icou com a charge), que mantém uma relação de anterioridade com o momento da enunciação e pela presença do 90 SCRIPTA, Belo Horizonte, v. 15, n. 28, p. 83-102, 1º sem. 2011 A construção de um agir relexivo do professor no espaço de formação docente verbo estar no pretérito imperfeito em (nós estávamos analisando aqui), que é situado pelo advérbio de lugar aqui, mantendo relação com o momento da enunciação. Veriicamos também marcas da interação próprias do texto oral (certo?). Essas marcas têm um papel relevante para a continuidade do texto, uma vez que asseguram a manutenção da interação e convidam o interlocutor para o evento comunicativo, solicitando dele uma conirmação para o que está sendo comunicado. Com relação aos mecanismos enunciativos, verificamos que o autor empírico compartilha a responsabilidade do dizer com um personagem, que participa da progressão temática em a gente ficou com a charge e nós estávamos analisando. Isso é confirmado pelo gesto que é realizado pelo actante ao apontar para os colegas. O actante fala, nesse momento, pela dupla, por ele e pela professora, que está presente no momento da enunciação e que construiu a atividade junto com a professora que expõe o trabalho. O actante se implica no enunciado como ator das ações, ou seja, ele é a fonte dos processos, sendo atribuídas a ele capacidades, motivações e intenções do agir. Vemos que, nesse segmento, encontramos a presença da ação interna ocorrência, quando a professora interage com os colegas de formação e/ou com a formadora. Essa igura é caracterizada pela presença do discurso interativo, pronomes de primeira pessoa (nós), presença de elementos com valor dêitico (aqui, esta charge); marcas conversacionais (né?, certo?), verbo no imperativo (olha). Ação deinição Dando continuidade às nossas relexões sobre as iguras de ação, com o intuito de identiicar e entender as representações dos professores em relação ao seu papel e à tarefa a ser realizada no encontro de formação, veriicamos, na continuidade da fala de PA15, que ela mobiliza a igura de ação externa deinição para evocar determinantes externos que inluenciam na efetivação da tarefa de construção da atividade de leitura. A professora fala, no segmento em análise, do pouco conhecimento dos alunos em relação ao quadro político nacional e isso afetaria a efetivação da atividade de leitura em situação de sala de aula. Do ponto de vista da professora, a charge, escolhida pela equipe de formadores, não foi acertada, uma vez que os alunos teriam diiculdade em compreender o conteúdo temático nela mobilizado. SCRIPTA, Belo Horizonte, v. 15, n. 28, p. 83-102, 1º sem. 2011 91 Eulália Vera Lúcia Fraga Leurquin e Camila Maria Marques Peixoto Análise PA15 A2.2.1 eles iam OLHAR e iam icar meio assim...eles não iam compreender porque os nossos alunos eles não estão assim totalmente envolvidos politicamente...se fosse uma charge que tivesse alguma coisa da política de Fortaleza aqui... digamos se aqui fosse a Luiziane se aqui fosse o Lula eles iam identiicar na hora... Discurso teórico interativo / ação externa deinição (Corpus oral do grupo GEPLA, formação de educadores do ProJovem Urbano Fortaleza, grifo nosso.) Do ponto de vista enunciativo, veriicamos que a professora mobiliza o discurso teórico-interativo. Do mundo teórico, temos a presença do tempo verbal no presente do indicativo, com valor habitual (estão) e do pretérito perfeito (icou); do futuro perifrástico, com valor modal (iam olhar), a presença de organizador com valor lógico-argumentativo (porque). Com relação aos mecanismos enunciativos mobilizados pela professora, veriicamos que há a presença de uma voz neutra, em que o expositor mostra os procedimentos dos alunos no trabalho de interpretação da charge. Não há implicação marcada do actante no texto; ele se distancia do que é dito, colocando o aluno como ator das ações. Mas esse distanciamento do actante não o exime de mostrar o seu ponto de vista em relação ao que é enunciado, na medida em que avalia negativamente a escolha da charge realizada pela equipe de formação, justiicando essa avaliação através da falta de conhecimento dos alunos em relação ao quadro político nacional. Percebemos que a construção das representações dos professores se dá, nesse segmento, através da ação externa deinição, que se caracteriza pela presença do discurso teórico-interativo; forte atorialidade da professora, marcada pelo uso de modalizadores apreciativos como na expressão (porque os nossos alunos eles não estão assim totalmente envolvidos politicamente...). Nesse segmento, a professora fala da representação que ela tem dos alunos, focalizando a falta de conhecimento deles com relação ao quadro da política nacional, o que os impediria de compreender o texto. Essa representação negativa dos alunos tem implicações no desenvolvimento da tarefa a ser realizada pela professora, na medida em que o foco dado por esta passa 92 SCRIPTA, Belo Horizonte, v. 15, n. 28, p. 83-102, 1º sem. 2011 A construção de um agir relexivo do professor no espaço de formação docente a ser a decodiicação das palavras e não a compreensão e a discussão coletiva do texto e do contexto que o originou.5 A professora não cumpriu a tarefa de construção da atividade de leitura; ela segue comentando procedimentos gerais relacionados ao agir do professor em situação de sala de aula. Agora passamos a analisar PA14. A professora também não cumpre a tarefa de exposição da atividade de leitura construída no encontro de formação. Ela fala sobre procedimentos gerais adotados pelo professor para a condução do processo de construção de sentidos do texto. Esses procedimentos são adotados pela maioria dos professores, que ancoram o seu agir no planejamento traçado no livro didático. Análise PA14 A2.3.1 PA14 O nosso é artigo de opinião… nivel três também com o título “construíndo a acessibilidade” que fala sobre a questão do excepcional né? (…) chamando a atenção das pessoas das instituições para quebrar essa resistência e tomar alguma atitude em relação a isso né? E ele fala também da questão da APAE Fortaleza… apresenta a APAE fazendo esse trabalho na comunidade… a gente pensou assim em algo bem simples… primeiro passo introduzir mesmo o tema né? Discurso teórico interativo / ação deinição (Corpus oral do grupo GEPLA, formação de educadores do ProJovem Urbano Fortaleza, grifo nosso.) A professora inicia a sua fala fazendo uma contextualização aos participantes da formação em relação à construção da atividade. Inicialmente, a professora fala sobre o gênero de texto e o nível de letramento que servirá de base para a construção de sua atividade. Depois, começa a tratar dos procedimentos que seriam adotados do ponto de vista do professor para a condução da aula de leitura. 5 - A professora entregou um texto escrito aos formadores contendo o resultado da produção da dupla. Segue abaixo a produção da professora: 1. Observação da charge para saber a interpretação que o aluno faz. 2. Após o diagnóstico, o professor intervém, dando o signiicado correto da charge. 3. Trabalhar o texto retirando as palavras com sílabas complexas (ex.: espelho – o aluno codiicará o espelho na gravura e, em seguida, a palavra). 4. Trabalhar a divisão silábica e a classiicação silábica. SCRIPTA, Belo Horizonte, v. 15, n. 28, p. 83-102, 1º sem. 2011 93 Eulália Vera Lúcia Fraga Leurquin e Camila Maria Marques Peixoto Como vemos, há a presença do discurso teórico-interativo. Como características desse tipo de discurso, percebemos: do mundo teórico, presente do indicativo com valor não dêitico (é, apresenta, fala), a presença de organizadores com valor lógico-argumentativo (primeiro passo). Do mundo interativo, temos a presença do pronome possessivo (nosso), que remete diretamente aos interactantes da enunciação, presença do pretérito perfeito, com valor dêitico. Com relação aos mecanismos enunciativos, veriicamos que o autor empírico compartilha a responsabilidade do dizer com personagens, que participa da progressão temática em a gente pensou assim em algo bem simples. Há, assim, pouca implicação do actante. Nesse segmento, encontramos a igura de ação interna deinição, que se caracteriza pela presença predominante do discurso teórico ou do misto teórico-interativo, o eixo de referência temporal é sempre não limitado, sendo a forma verbal dominante o presente com valor não dêitico, atorialidade da professora (ou do grupo de professores) marcada pela expressão (a gente pensou...), que faz um balanço do agir, que marca uma ressigniicação da tarefa proposta pela equipe de formação. Ação performance Vejamos o segmento a seguir, enunciado pelo mesmo professor: Análise PA15 A2.2.1 MAS como é uma charge que tem a Nilma e a Marina Silva... eles iam olhar a questão e dizer política aqui...eles iam olhar e dizer professora? Não entendi ... [devia era ter trazido uma...] professora não entendi...quem são elas? Porque nossos alunos vocês sabem...eles não acompanham o jornal nacional... nem a televisão... Discurso teórico - ação externa deinição Discurso interativo / ação externa performance (Corpus oral do grupo GEPLA, formação de educadores do ProJovem Urbano Fortaleza, grifo nosso.) Veriicamos que, no segmento 2, há as características do tipo de discurso misto teórico-interativo. Do mundo teórico, encontramos o presente com valor 94 SCRIPTA, Belo Horizonte, v. 15, n. 28, p. 83-102, 1º sem. 2011 A construção de um agir relexivo do professor no espaço de formação docente habitual (acompanham), o futuro perifrástico com valor modal (iam olhar), a presença de múltiplos organizadores com valor lógico-argumentativo (MAS, porque). Do mundo interativo, encaixado no discurso teórico através do discurso relatado, encontramos a presença do pronome (nosso, vocês), que remete diretamente aos interactantes da enunciação, frases não declarativas, discurso relatado. Verificamos ainda que o segmento também apresenta a figura de ação externa definição. Isso é confirmado pela presença de pronomes de terceira pessoa (eles), característica linguística própria das figuras de ação externa, e pela presença predominante do discurso teórico, que caracteriza enunciativamente a ação definição. O eixo de referência temporal é sempre não limitado, sendo a forma verbal dominante o presente com valor não dêitico (incluído o presente com valor habitual); a atorialidade da professora (ou do grupo de professores) é marcada pela interpelação do outro para justificar seu ponto de vista (Porque nossos alunos vocês sabem... eles não acompanham o jornal nacional... nem a televisão...). O ponto de vista da professora é marcado através da utilização de modalização lógica e pragmática no enunciado vocês sabem. Ressaltamos aqui que, nesse momento, além de a professora expor suas representações sobre seus alunos, ela busca na interação apoio dos professores. Em outras palavras, ela busca confirmar suas representações e/ou reproduzi-las no grupo. O discurso interativo é encaixado no discurso teórico através do discurso relatado. Nesse sentido, devido ao grau de importância dos tipos de discurso para a classificação das figuras de ação, podemos falar em um encaixamento da figura de ação externa ocorrência dentro da ação externa definição. Na verdade, há uma encenação da professora, que traz à cena enunciativa uma situação de sala de aula, através da reprodução da fala do aluno, no segmento professora? Não entendi (...) não entendi... quem são elas? Ação canônica Vejamos o próximo segmento. Nele, o professor mobiliza a ação performance (discurso relatado), para teatralizar a sua voz em situação de sala de aula, e a ação canônica, para falar dos procedimentos adotados por ele na condução da aula. Esses procedimentos são ancorados em um agir cristalizado pelo professor, que medeia a aula de leitura sempre baseado nos métodos assumidos no livro didático. SCRIPTA, Belo Horizonte, v. 15, n. 28, p. 83-102, 1º sem. 2011 95 Eulália Vera Lúcia Fraga Leurquin e Camila Maria Marques Peixoto Análise PA14 A211b PA14 ENTÃO a gente primeiro falaria sobre o tema… a gente vai trazer um tema hoje… e depois a gente vai trabalhar um gênero… o tema é o excepcional… já ouviram falar? fazia uma sondagem o que eles sabiam sobre o assunto e depois explicaríamos… nós também íamos estudar com certeza prá estudar… segundo passo… chegaríamos ao passo da leitura… leitura primeiro individual depois… em grupo e aí depois abriríamos para o debate após o debate… aí um terceiro passo seria o quê? Aí sim a partir do texto lido a gente iria apresentar as características do artigo de opinião né? Discurso relatado Discurso teórico/ ação canônica Nesse exemplo, há um caso particularmente relevante no que concerne à estratégia discursiva do professor. Ao oralizar o planejamento de sua aula de leitura, o professor não apenas apresenta os passos de sua aula de leitura como também reforça as representações que ele tem de seu trabalho com a leitura em situação de sala de aula. É nesse espaço, mais uma vez, que vemos a contribuição das iguras de ação na interpretação das representações; a aula é planejada de acordo com suas representações, com as expectativas que ele também tem do contexto de produção do seu trabalho docente. Veriicamos a presença do discurso teórico, que se caracteriza pela presença do futuro do pretérito (falaria, explicaríamos, chegaríamos), que não marca valor temporal, mas modaliza o discurso da modalização lógica assumindo um valor de provável, de hipotético, ausência de unidades que remetem aos interactantes (a gente, nós – genérico) ou ao espaço-tempo da produção, a presença de múltiplos organizadores com valor lógico-argumentativo (ENTÃO, primeiro, segundo passo, depois, terceiro passo). Veriicamos também, além da presença predominante do discurso teórico, um agente responsável pela ação como sendo uma instância coletiva e neutra (a gente), procedimento de referência intertextual (planejamento da aula de leitura proposto por diversos livros didáticos – leitura individual). Essas características típicas do discurso teórico, associadas à noção de igura interna canônica, mostrada por Bulea (2010), permitem que façamos a leitura 96 SCRIPTA, Belo Horizonte, v. 15, n. 28, p. 83-102, 1º sem. 2011 A construção de um agir relexivo do professor no espaço de formação docente desse segmento como sendo constituído por essa igura. Para Bulea, a igura da ação canônica reside numa compreensão do agir sob forma de construção teórica, abstração feita de todo contexto e das propriedades do actante que a efetua. Ela se apresenta, seja como uma forma prototípica e neutra, comportando a estrutura cronológica geral do curso do agir tomado em sua totalidade, seja sob a forma de evocação de elementos alvos, dependendo sempre de normas em vigor (BULEA, 2010, p. 141). Na verdade, há uma centralidade do planejamento da aula de leitura proposto pela maioria dos livros didáticos. O autor do material didático segue um modelo de planejamento, preestabelecido e legitimado, que diiculta o processo de construção e negociação dos sentidos em situação de sala de aula (PEIXOTO, 2007). Esse modelo de planejamento da aula de leitura, sugerido pelo autor do material didático, assemelha-se ao planejamento que norteia o “fazer” do professor, mesmo quando este cria as suas próprias atividades de leitura. Há, nessa semelhança, uma espécie de círculo vicioso, em que o autor elabora o livro didático com base na expectativa de professores e alunos, e o professor formula suas representações com base na experiência de sala de aula, sempre mediada pelo livro didático. Vejamos agora a análise quantitativa desse encontro de formação: Figuras de ação interna: encontro 6 (síntese) Atores Figuras de ação internas PA14 PA15 Ação ocorrência 0% 44% Ação performance 17% 23% Ação acontecimento passado 0% 0% Ação experiência 0% 0% Ação canônica 33% 11% Ação deinição 50% 11% SCRIPTA, Belo Horizonte, v. 15, n. 28, p. 83-102, 1º sem. 2011 97 Eulália Vera Lúcia Fraga Leurquin e Camila Maria Marques Peixoto Figuras de ação externa: encontro 6 (síntese) Atores Figuras de ação externas PA14 PA15 Ação ocorrência 0% 0% Ação performance 0% 11% Ação acontecimento passado 0% 0% Ação experiência 0% 0% Ação canônica 0% 0% Ação deinição 0% 0% Veriicamos, na fala de PA15, que a igura de ação mais mobilizada pela professora foi a ação interna ocorrência, o que podemos constatar pela análise quantitativa (44% das ocorrências). Já na fala de PA14, veriicamos que a igura de ação mais mobilizada foi a ação interna deinição. As duas professoras não cumpriram a tarefa, explicitada no comando, de socializar as atividades de leitura que foram construídas por elas no encontro de formação. Mesmo não cumprindo o comando, as duas professoras utilizam iguras de ação diferentes. Na verdade, de uma forma geral, elas falam sobre os procedimentos, normalmente, utilizados para mediar a aula de leitura. Assim, para a realização dessa ação de linguagem, as professoras mobilizam, predominantemente, iguras de ação diferentes. Essa situação reforça que pode haver uma tendência à mobilização de uma determinada igura de ação, mas não é possível airmar que há uma relação direta entre a igura de ação e o conteúdo temático mobilizado. Quando relacionamos as iguras de ação e a segmentação temática empreendida em nossa pesquisa, veriicamos que PA15 enuncia segmentos relacionados à efetivação da tarefa em apenas 31,1% das ocorrências (14% ação interna ocorrência + 11,1% ação externa performance). Nesses segmentos, ela faz apenas menção ou introduz alguns aspectos relacionados à execução da tarefa, mas não chega a executá-la. Na maioria dos segmentos, veriicamos que a professora focaliza o desenvolvimento de outra tarefa – A2.3.1, que corresponde a 40,2% (11% ação interna ocorrência + 29,2% de ação canônica). Nesses segmentos, percebemos que a professora expõe procedimentos gerais adotados por ela no processo de mediação da aula de leitura. 98 SCRIPTA, Belo Horizonte, v. 15, n. 28, p. 83-102, 1º sem. 2011 A construção de um agir relexivo do professor no espaço de formação docente Relação entre igura de ação interna e conteúdo temáico: encontro 6 Ator (PF15) Etiquetagem (conteúdo temático) Total em porcentagem segmento – A.2.3.4 14,6% segmento – A.2.3.1 29,2% Ação performance segmento – A211b 23% Ação acontecimento passado não houve ocorrência 0% Ação experiência não houve ocorrência 0% Ação canônica segmento – A.2.3.1 11% Ação deinição segmento – A2.1.1a 11% Figuras de ação internas Ação ocorrência Relação entre igura de ação externa e conteúdo temáico: encontro 6 Ator (PF15) Etiquetagem (conteúdo temático) Total em porcentagem Ação ocorrência (1) não houve ocorrência 0% Ação performance segmentos – A.2.1.1b 11,1% Ação acontecimento passado não houve ocorrência 0% Ação experiência não houve ocorrência 0% Ação canônica não houve ocorrência 0% Ação deinição não houve ocorrência 0% Figuras de ação externas Esses resultados nos dão pistas de que PA15 não cumpriu a tarefa de socialização da atividade de leitura produzida na formação de educadores, uma vez que a quantidade de segmentos temáticos relacionados à execução da tarefa são inferiores aos segmentos temáticos relacionados à focalização de outra tarefa ou à interação imediata. Analisemos, a seguir, a relação entre os segmentos temáticos e as iguras de ação mobilizadas por PA14. SCRIPTA, Belo Horizonte, v. 15, n. 28, p. 83-102, 1º sem. 2011 99 Eulália Vera Lúcia Fraga Leurquin e Camila Maria Marques Peixoto Relação entre igura de ação externa e conteúdo temáico: encontro 6 Ator (PF14) Etiquetagem (conteúdo temático) Total em porcentagem Ação ocorrência (1) não houve ocorrência 0% Ação performance segmento – A231 17% Ação acontecimento passado não houve ocorrência 0% Ação experiência não houve ocorrência 0% Ação canônica segmento – A231 33% Ação deinição segmento – A231 50% Figuras de ação externas Veriicamos que PA14 também não cumpriu a tarefa de socialização da atividade de leitura construída no encontro de formação. Ela cumpriu outra tarefa, diferente da que foi proposta pela equipe de formadores. Podemos veriicar essa airmação a partir da rotulagem temática que evidencia uma desfocalização com relação aos objetivos do encontro de formação. Assim como PA14, PA15 fala de procedimentos gerais adotados por ela na condução da aula de leitura, mas em momento algum socializa as questões de leitura que foram criadas por seu grupo no encontro de formação 6. Essa situação resultará em uma relação de descompasso de representações, uma vez que a professora não compreendeu o comando. Conclusões provisórias A formação continuada de educadores é um trabalho complexo e envolve a construção de complicadas teias discursivas no âmbito de diversas atividades de linguagem. Nesse terreno rugoso e pouco transparente, temos o formador de educadores, legitimado pela academia, que chega ao ambiente escolar trazendo novos saberes, advindos das novas teorias, e um discurso pautado pela/na mudança e no abandono de velhas práticas cristalizadas no trabalho do professor. Ao analisar o dizer do professor, constatamos a presença, simultânea, da ação ocorrência, quando ele interage com os participantes imediatos da formação continuada, e da ação deinição, quando analisa a atividade que produziu, inscrevendo-se, assim, num mundo teórico e, ao mesmo tempo, posicionando-se diante das normas. A presença predominante da ação deinição mostra que o 100 SCRIPTA, Belo Horizonte, v. 15, n. 28, p. 83-102, 1º sem. 2011 A construção de um agir relexivo do professor no espaço de formação docente processo de interpretação do agir é indissociável da reviviicação/reconstrução das representações que o professor tem do seu papel e da tarefa em foco. Essa igura de ação é muito presente quando o professor precisa fazer uma relexão sobre a sua ação em sala de aula. Isso é um indício muito forte de uma avaliação positiva do processo de formação, uma vez que a reelaboração dos saberes e a desestabilização das certezas, no que diz respeito ao agir do professor, é base fundamental para um processo de formação verdadeiramente pertinente. The construcion of a relexive acing of the teacher in the teaching formaion space Abstract We investigated the representations of the role of the teachers, express in their speech, in one of the teacher formation gatherings, developed by the GEPLA group, in the ProJovem Urbano in Fortaleza. We used analytical categories of the theoretical-methodological framework of Socio-discursive Interactionism (BRONCKART, 1999, 2006), with the main focus on the action igures (BULEA, 2010) and the kinds of discourse. These igures, mobilized by the teachers, give form to the re-signiication work for their role and have a close relationship with the types of discourse. We noted the linguistic formation of the categories, an essential procedure for later interpretations. We veriied the preeminence of deinition action and of the theoretical-interactive discourse. Keywords: Teacher formation. Human acting. Types of discourse. Action igures. Reading. La construcion d’un agir rélecif du professeur dans l’espace de la formaion des enseignants Résumé Nous analysons les représentations du rôle du professeur dans leur discours, pendant un Cours de formation de professeurs developpé par le Laboratoire de Recherche en Linguistique Appliquée – GEPLA, dans le contexte du ProJovem Urbano à Fortaleza. Pour les analyses des données, nous utilisons des catégories de l’Interactionnisme socio-discursif (BRONCKART, 1999, 2006), en mettant en relief les igures d’action (BULEA, 2010) ainsi que les types de discours. Les igures d’action mobilisées par les professeurs nous ont permis de resigniier le rôle du professeur et en même temps, elles ont établi une étroite liaison avec les types de discours. Nous soulignons SCRIPTA, Belo Horizonte, v. 15, n. 28, p. 83-102, 1º sem. 2011 101 Eulália Vera Lúcia Fraga Leurquin e Camila Maria Marques Peixoto la formation linguistique des catégories, un processus essentiel pour de postérieures interprétations des données. Nous avons remarqué la priorité de l’action déinition et du discours théorique-interactif. Mots-clés: Formation de professeurs. Agir humain. Types de discours. Figures d’action. Lecture. Referências BRONCKART, Jean-Paul. Atividade de linguagem, textos e discursos: por um interacionismo sócio-discursivo. São Paulo: EDUC, 1999. BRONCKART, Jean-Paul. Atividade de linguagem, discurso e desenvolvimento humano. Organização de Anna Rachel Machado e Maria de Lourdes Meirelles Matencio; tradução de Anna Rachel Machado, Maria de Lourdes Meirelles Matencio et al., Campinas, SP: Mercado de Letras. 2006. BRONCKART, Jean-Paul. O agir nos discursos: das concepções teóricas às concepções dos trabalhadores. Tradução de Anna Rachel Machado. Campinas, SP: Mercado de Letras, 2008. BULEA, Ecaterina. Linguagem e efeitos desenvolvimentais da interpretação da atividade. Tradução de Eulália Vera Lúcia Fraga Leurquin e Lena Lúcia Espíndola Rodrigues Figueirêdo. Campinas, SP: Mercado de Letras, 2010. CICUREL, Francine. Lecture interative en langue étrangère. Paris: Hachette, 1991. LEURQUIN, Eulália Vera Lúcia Fraga. Contrato de comunicação e concepções de leitura na prática pedagógica de língua portuguesa. Tese (Doutorado) – Universidade do Rio Grande do Norte, Natal, 2001. PEIXOTO, Camila Maria Marques. Análise da proposta de planejamento de aulas de leitura do material didático do ProJovem. In: CAVALCANTE, Mônica Magalhães; LEURQUIN, Eulália Vera Lúcia Fraga; BRITO, Mariza Angélica Paiva (Org.). Teses e dissertações grupo Protexto. Fortaleza: UFC, 2007. 102 SCRIPTA, Belo Horizonte, v. 15, n. 28, p. 83-102, 1º sem. 2011 Ação empreendedora: que (re)conigurações possíveis? Rosalice Pinto* Resumo Este trabalho, inserido no quadro teórico do Interacionismo Sociodiscursivo, procura formular a hipótese da existência de uma ação empreendedora que pode vir a ser atestada a partir de um compósito de iguras de ação, semiotizadas linguístico-textualmente por tipos de discurso diversos. Considerando que os textos que circulam são representantes empíricos das atividades em que se inserem, procuro, de um ponto de vista interdisciplinar, mostrar a relevância dos estudos da/sobre a linguagem para o fomento do empreendedorismo empresarial nas organizações. Tal estudo é efetuado a partir da análise de um exemplar do gênero editorial de circulação interna, numa empresa portuguesa. Palavras-chave: Interacionismo sociodiscursivo. Figuras de ação. Gêneros textuais. Empreendedorismo. Introdução Este trabalho procura reletir acerca de alguns aspectos linguístico-textuais que podem vir a caracterizar uma ação empreendedora em determinado gênero textual produzido por uma instituição portuguesa. Inserido numa pesquisa de pós-doutorado que objetiva descrever do ponto de vista linguístico-textual o agir empreendedor em empresas portuguesas, visa desenvolver subsídios teóricos e metodológicos para o estudo da relação a ser estabelecida entre a materialização linguístico-textual de uma ação empreendedora em gêneros textuais produzidos por empresas e a(s) atividade(s) a ela relacionada(s). Evidentemente, algumas pistas serão apresentadas e deverão ser atestadas em corpora mais alargados. Pesquisadora do Centro de Linguística da Universidade Nova de Lisboa e da Fundação para a Ciência e a Tecnologia de Portugal – Professora auxiliar da Universidade Lusíada de Lisboa. * SCRIPTA, Belo Horizonte, v. 15, n. 28, p. 103-117, 1º sem. 2011 103 Rosalice Pinto De forma a atingir o objetivo a que nos propomos, começaremos este artigo pontuando alguns conceitos teóricos que norteiam este trabalho. Num primeiro momento, dada a lutuação conceitual dos termos “texto”, “gênero”, “atividade”, “ação”, “agir”, deiniremos, dentro do quadro teórico em que nos inserimos, esses termos. E mostraremos alguns estudos efetuados por teóricos como BULEA e FRISTALON (2004), e BULEA (2010). Em seguida, devido ao caráter interdisciplinar deste trabalho, que estabelece conluências com outras áreas do conhecimento, como as Ciências Econômicas, apresentaremos aspectos relevantes relativos à noção de empreendedorismo e mostraremos de que forma esse termo será por nós deinido. Por im, tendo percorrido esses dois itens, apresentaremos a análise de alguns aspectos relativos a questões discursivas/enunciativas de um exemplar de gênero textual, a partir das classiicações propostas pelos autores mencionados. Assim, a partir de um balanço crítico, pode-se começar a deinir uma ação empreendedora a partir de algumas categorias linguístico-textuais atestadas. Evidentemente, a pesquisa a que se refere este artigo está em curso e, por conseguinte, serão formuladas hipóteses a serem aperfeiçoadas com estudos em corpora alargados, como já salientamos. Opções terminológicas e conceptuais relevantes Dentro do quadro teórico em que este trabalho se fundamenta, nomeadamente o Interacionismo Sociodiscursivo (doravante ISD), os textos correspondem a “unidades comunicativas globais” e constituem representantes empíricos das atividades de linguagem/ações de linguagem em que estão inseridos. Com isso, podemos airmar que a organização interna dos textos em seus diferentes níveis (infraestrutura textual, mecanismos de posicionamento enunciativo e mecanismos de textualização) depende das características da atividade a que esses textos vinculam-se.1 Outro aspecto a ser ressaltado diz respeito à relevância dos gêneros de textos. Estes estabelecem uma intermediação entre as atividades e os textos empíricos. Na verdade, correspondem a modelos de textos disponíveis na memória de longo termo (arquitexto). Quando da produção/interpretação de determinado texto, numa ação de linguagem sócio-historicamente situada, um agente adota formatos de textos já conhecidos e os adapta em função de contextos diversos. Com isso, podemos airmar que é o conhecimento que temos de certos modelos de gêneros textuais que propicia ao agente certa economia cognitiva. 1 - Para um maior aprofundamento sobre essas noções, ver Bronckart (1999 e 2008). 104 SCRIPTA, Belo Horizonte, v. 15, n. 28, p. 103-117, 1º sem. 2011 Ação empreendedora: que (re)conigurações possíveis? O termo agir (ou agir-referente) designa “qualquer forma de intervenção orientada de um ou de vários seres humanos no mundo” (BRONCKART, 2008, p. 120). De forma genérica, o termo é utilizado, ao nível ontológico (relativo à própria prática humana), para designar o “objeto” que é interpretado, ou melhor, o “dado” da própria pesquisa. É importante também ressaltar a relevância, dentro desse quadro teórico, das atividades.2 Estas constituem “um formato social que organiza e regula as interações dos indivíduos com o meio” (BRONCKART, 2008, p. 123). A partir das atividades e de pré-construídos coletivos, são construídas as ações que devem ser consideradas, nesta abordagem, do ponto de vista gnoseológico (relativo à representação e à interpretação), como o produto da interpretação linguageira,3 podendo ser de responsabilidade de um indivíduo ou de uma equipe (ação conjunta ou ação comum).4 Em relação à ação – aspecto teórico ressaltado neste trabalho – devemos enfatizar que, dentro do quadro do ISD, ela corresponde a uma forma construída num processo interpretativo. Essa construção se dá a partir da relexibilidade relativa aos protagonistas da atividade: seja a partir da relexibilidade dos observadores externos, seja a partir da dos actantes diretamente implicados na atividade. Ainda, essa relexibilidade pode se manifestar tanto a partir de uma consciência prática quanto de uma discursiva,5 sendo que esses níveis de ação estão em constante interação. Como airma Bronckart, ao contrário do que airmava anteriormente, como salientamos em nota: Portanto, embora sustentemos a idéia de que a ação, assim como o ator, são, de fato, formas construídas no processo interpretativo, a própria natureza dessas formas pode ser variável, e saber qual é a forma precisa que se constrói em um determinado processo interpretativo torna-se uma questão empírica, que, como tal, é posta no quadro de nossa pesquisa [...] (BRONCKART, 2008, p. 126). 2 - Esse termo apresenta deinições diversas. Para a ergonomia, a atividade corresponde àquilo que fazem, sentem e pensam os trabalhadores. A acepção do termo adotada pelo ISD é inspirada em Leontiev. 3 - Inicialmente, Bronckart deinia a ação com um estatuto duplo. De um lado, uma parte da atividade imputada a um ser humano particular; de outro, a um conjunto de representações construído por um ser humano a partir de sua participação na atividade – (BRONCKART, 1999, p. 39). Em trabalho posterior, nomeadamente o de 2008, ele critica duas questões: primeiro, pensar que a ação é sempre singular; segundo, o fato de considerar que a ação só apresentaria uma única forma interpretativa construída. 4 - Bronckart, em publicação mais recente, faz uma distinção entre ação comum e conjunta. Pela primeira, um novo actante se associa a uma ação singular já estabelecida e, pela segunda, existe uma negociação de actantes acerca da distribuição de tarefas, em prol de um objetivo comum (BRONCKART, 2008, p. 124). 5 - Giddens distingue a consciência prática da discursiva. A primeira diz respeito ao conhecimento que os atores têm de forma tácita, sem que o saibam exprimir discursivamente. Já a segunda diz respeito às capacidades realizadas verbalmente (GIDDENS, 1987 apud BRONCKART, 2008, p. 54-57). SCRIPTA, Belo Horizonte, v. 15, n. 28, p. 103-117, 1º sem. 2011 105 Rosalice Pinto Mas qual a relação a ser estabelecida entre a ação enquanto processo interpretativo e o texto que a materializa? Para Bronckart, a partir de Ricoeur, “todo texto assim como qualquer ação humana é social” (BRONCKART, 2008, p. 34). Isso porque, mesmo podendo vir a ser, no início, o resultado da intervenção intencional de um agente, pode, depois de produzida, desligar-se do seu agente propriamente dito e, assim como o texto, vir a ser interpretada de diversas formas. Como airma Ricoeur : “Finalement, l’action, comme un texte, est une oeuvre ouverte, adressée à une suite indéinie de ‘lecteurs’ possibles. Les juges ne sont pas les contemporains, mais l’histoire ultérieure” (RICOEUR, 1986, p. 195). Dessa forma, a ação, assim como o texto, é polissêmica e pode ser analisada a partir de uma abordagem hermenêutica. E a partir dessa abordagem, Bronckart expõe a outra tese do círculo hermenêutico. Ao interpretar um texto, deve-se interpretar as iguras de ação que ele contém e assim poder-se-á interpretar a ação humana. Em trabalhos empíricos,6 em ambiente hospitalar, para a análise de entrevistas com enfermeiras, Bulea e Fristalon (2004) e Bulea (2010) identiicaram, considerando o agir-referente cuidados de enfermagem, cinco iguras de ação assim denominadas: ação ocorrência, ação acontecimento passado, ação experiência, ação canônica e ação deinição. A organização enunciativo-discursiva de cada uma dessas iguras é minuciosamente descrita. Como tentaremos, com este trabalho, formular uma hipótese da existência de um “compósito de iguras de ação” para a descrição de uma ação empreendedora dentro do quadro do ISD, passaremos, na próxima seção, a apresentar o conceito de empreendedorismo. O conceito de empreendedorismo Entendido de forma genérica como o processo de identiicação e de exploração de determinada oportunidade de negócio, o desenvolvimento de uma atitude empreendedora7 no contexto social vem sendo considerado, por muitos, como um dos importantes motores do desenvolvimento mundial no século XXI. Uma organização empreendedora é exatamente aquela que gera riquezas, difunde novos conhecimentos, adotando novas tecnologias e informações. Durante muitos anos, o contexto sócio-político-econômico mundial e sobretudo europeu valorizou uma 6 - Outros trabalhos foram realizados, dentro do grupo ALTER, em relação ao trabalho docente de forma a identiicar as formas do agir. Bronckart e Machado (2004) pontuam a existência de três formas de agir: o prescritivo, o agir-fonte e o decorrente. Mazzillo (2006) identiicou três tipos de agir: um agir linguageiro, um agir com instrumentos e um agir mental que envolve capacidades. Evidentemente, as formas de agir foram identiicadas a partir de contextos diversos. 7 - Para aspectos teóricos referentes a essa noção, ver Fayolle e Filion (2006). 106 SCRIPTA, Belo Horizonte, v. 15, n. 28, p. 103-117, 1º sem. 2011 Ação empreendedora: que (re)conigurações possíveis? estrutura econômico-social mais paternalista (protegida pelo Estado). Atualmente, numa conjuntura mais globalizada e liberal, valoriza-se, ao contrário, um processo de identiicação e exploração de novas oportunidades. O fomento de uma atitude empreendedora pode passar, evidentemente, por essas atitudes governamentais, mas, a nosso ver, deve estar ancorado, fundamentalmente, no desenvolvimento de uma atitude empreendedora nos diversos segmentos sociais. Assim, as pessoas devem ser levadas a se tornar mais autoconiantes; a serem proativas, estando empenhadas na busca de informações e de novas oportunidades para gerar ideias e atrair recursos. Na pesquisa em curso, assumo uma visão abrangente do termo. Assim, o empreendedorismo diz respeito tanto à criação/expansão de ideias inovadoras a partir de oportunidades identiicadas em determinada atividade, quanto à atualização de ideias existentes, conferindo-lhes certa singularidade e certo teor de ineditismo. E, para este trabalho, limito-me a trabalhar com o que se denomina “empreendedorismo organizacional”. Este diz respeito a ideias singulares/ inovadoras que são desenvolvidas e implementadas em contextos organizacionais, sendo difundidas através da comunicação interna/externa dessas mesmas organizações. Dessa forma, essas ideias podem fomentar junto a colaboradores/ parceiros uma atitude empreendedora. Do ponto de vista metodológico, parto do princípio de que, ao analisar textos que circulam externa ou internamente no seio das organizações, posso vir a identiicar aspectos linguístico-textuais que semiotizam aspectos organizacionais empreendedores. Dessa forma, de modo a reletir sobre uma possível deinição do que se pode denominar um “compósito de iguras de ação”, passo à análise de um editorial de circulação interna de uma empresa de aviação portuguesa. Para tal, levanto aspectos apontados por Bulea e Fristalon (2004) e Bulea (2010) para a descrição das iguras de ação, de forma a analisar trechos do editorial selecionado. Análise das iguras de ação do texto Antes de passarmos a analisar o exemplar de texto selecionado (anexo 1), tentaremos brevemente explicitar o contexto sociointeracional de sua produção. Contexto sociointeracional da produção Como sabemos, o gênero editorial traz sempre a opinião de uma instituição acerca de questões de ordem social, econômica e política. Esse gênero pode SCRIPTA, Belo Horizonte, v. 15, n. 28, p. 103-117, 1º sem. 2011 107 Rosalice Pinto circular em suportes diversos: jornais, revistas, trazendo características especíicas, em função de questões contextuais diversas: lugar de circulação, instâncias enunciativas envolvidas, tempo de circulação. O exemplar em análise refere-se a um editorial inserido em um jornal de circulação interna8 de uma empresa de aviação portuguesa. Sabe-se que o intuito desse jornal é divulgar os produtos lançados, dar notícias diversas acerca de eventos que ocorrerão durante o mês na empresa ou, ainda, informar os funcionários sobre o que ocorreu, está a ocorrer e vai ocorrer na empresa e em congêneres espalhadas pelo mundo. Esse texto9 não assinado, mas cuja responsabilidade autoral é reconhecida por todos os funcionários através da foto,10 no centro do documento, apresenta a todos os colaboradores o novo paradigma comercial adotado pela empresa a partir de junho de 2008: 5 novos conceitos de voar, no lugar dos dois convencionalmente conhecidos. Ou seja, a partir dessa data, em substituição às classes econômica e business, os clientes podem escolher entre a Tap discount, a Tap plus, a Tap executive, Tap basic, Tap classic. Sendo que cada um desses produtos apresenta especiicidades bem demarcadas e atende a diferentes nichos do mercado. Além de divulgar esse novo produto, existe uma preocupação da empresa de justiicar essa iniciativa e persuadir os seus clientes internos da importância dessa estratégia numa época em que a criatividade deve ser estimulada de forma a vencer as adversidades do mercado. A motivação para a seleção desse exemplar deve-se essencialmente ao objetivo da pesquisa em andamento. Lembremos que a pesquisa que desenvolvo no momento visa a estudar ações empreendedoras em empresas portuguesas. Dessa forma, analisar esse exemplar, que correspondia ao primeiro nessa empresa a versar sobre essa ação – com caráter empreendedor reconhecido em Portugal e em outros países –, pareceu-me uma mais-valia. Era importante observar de que forma esse empreendedorismo era semiotizado linguístico-textualmente. E o estudo das iguras de ação associadas a esse editorial seria importante para 8 - A existência de jornais e revistas que circulam para clientes externos e internos da empresa, fornecendo informações variadas, é uma tendência do mercado empresarial atual. Com uma comunicação interna estruturada, as empresas, por um lado, tornam-se mais transparentes, comunicando-se diretamente, seja com os colaboradores, seja com os consumidores; por outro lado, diminuem os orçamentos publicitários. Dessa forma, as publicações que são elaboradas de acordo com interesses das empresas para serem divulgadas interna e externamente, ou seja, o custom publishing, têm, inclusive, crescido nos últimos anos. 9 - Esse texto está inserido no jornal de circulação interna da TAP Portugal, na página 3, e data de maio de 2008. 10 - A foto foi retirada do documento em anexo por solicitação da empresa que nos forneceu o material. 108 SCRIPTA, Belo Horizonte, v. 15, n. 28, p. 103-117, 1º sem. 2011 Ação empreendedora: que (re)conigurações possíveis? observar de que forma os clientes/os trabalhadores poderiam interpretar esse caráter empreendedor. Tendo introduzido o contexto de produção do editorial e justiicado a sua seleção, passaremos a deinir o agir-referente do texto e tentaremos identiicar algumas iguras de ação a ele relacionadas. Descrição do agir-referente O texto em análise é construído de forma a convencer os clientes internos da importância desse novo paradigma comercial para o presente e o futuro da empresa. Na verdade, é a partir das representações que a instância de produção tem dos seus leitores que esse editorial é elaborado. Não podemos nos esquecer de que o produto a que se refere o texto (5 formas de voar) pode vir a ser controverso, pois é uma novidade no mercado. Por isso, o texto é construído argumentativamente de forma a convencer os mais incrédulos sobre a importância da iniciativa. O agir-referente é anunciado logo no título do editorial: “Novo paradigma comercial”. E é exatamente essa nova estratégia empresarial, a que todo o texto se refere, que será esclarecida e detalhada no 4º parágrafo: “(…) deixamos a tradicional estrutura... e passamos a oferecer (…)”. Vale ressaltar, inclusive, que esse título funciona como uma macrounidade textual11 que polariza argumentativamente todo o texto, uma vez que este busca não apenas apresentar o produto, mas também justiicar a sua importância para os clientes internos e externos. Inclusive, observamos que esse título é retomado no texto através da utilização de sintagmas nominais com a repetição do qualiicador axiologicamente positivo “novo”, enfatizando a inovação do produto: “nova política comercial” (1º parágrafo); “novos produtos” (2º parágrafo). E, ainda, todos esses sintagmas são avaliados positivamente ao longo de todo o texto, porque esse novo paradigma comercial representa “um novo patamar” (6º parágrafo); “novo passo na modernização da companhia” (7º parágrafo); “um produto mais adequado” (8º parágrafo); “novas abordagens de mercado” (12º parágrafo). Enim, esses sintagmas funcionam nesse universo como modalidades apreciativas, visto que dizem respeito a avaliações da voz da empresa sobre a estratégia da companhia e reforçam, assim, a importância da mesma para o seu futuro. 11 - Poderíamos pensar que o título funciona no editorial como uma “plataforma argumentativa” que desencadeia várias relações argumentativas ao longo do texto. Para mais detalhes sobre o funcionamento argumentativo dos títulos em editoriais, cf. Pinto (2010, p. 401). SCRIPTA, Belo Horizonte, v. 15, n. 28, p. 103-117, 1º sem. 2011 109 Rosalice Pinto Descrição das iguras de ação Como airma Bulea, as iguras de ação “correspondem a ângulos de ataque do agir-referente”, ou, ainda, “(…) são ângulos interpretativos ou pontos de vista interpretativos a partir do agir, coniguradas ao nível dos tipos de discurso”12 (BULEA, 2009, p. 1). De acordo com a autora,13 existem cinco conigurações interpretativas transversais e recorrentes, ou melhor, cinco iguras de ação: a ação ocorrência, a ação acontecimento passado, a ação experiência, a ação canônica e a ação deinição. No intuito de veriicarmos algumas dessas iguras de ação, percorreremos algumas partes do texto selecionado e tentaremos ver de que forma as categorias apontadas pelas autoras adéquam-se a esse exemplar de gênero. Evidentemente, o que nos interessa aqui são os trechos em que se faz presente a singularidade ou o ineditismo do produto oferecido, o que, para nós, pode demarcar a atitude empreendedora dessa organização. No texto em análise, por exemplo, observamos no primeiro parágrafo a presença de segmentos do relato interativo, com a presença de verbos no passado, na voz ativa e passiva: “apresentou”, “foi aberto”. E esses verbos estão contextualizados e demarcados pelo marcador temporal “no dia 6 de maio”. Essa data, evidentemente, está diretamente relacionada à produção do editorial realizada em maio de 2008. Pelo exposto, podemos pensar que temos, no caso, o exemplo de uma “ação acontecimento passado” presente no texto. Ainda, vale ressaltar a existência de outra igura de ação: a ação deinição. Nesta há uma compreensão do agir-referente como objeto de relexão, vindo a conigurar-se tanto pelo discurso teórico quanto pelo misto teórico-interativo. No texto em análise, o agir-referente “novo paradigma comercial” é avaliado nos primeiros três parágrafos por uma espécie de instância normativa externa. Sendo que essa avaliação é demarcada pela ocorrência de modalizações diversas: “é fundamental”; “é importante”, “cada um de nós deve ser”. Inclusive, por coerções impostas pelo próprio gênero – lembremos que se trata de um editorial de circulação interna na empresa e, consequentemente, dirigido aos funcionários –, são apontados pelos membros da direção argumentos que sustentam a necessidade de abertura do processo de comunicação a todos os trabalhadores. E a construção 12 - Estes constituem “plataformas de transição” entre representações coletivas e individuais, podendo ser facilmente identiicáveis a partir de categorias linguísticas recorrentes. Dentro da perspectiva teórica do ISD, são quatro os tipos de discurso: discurso téorico, discurso interativo, relato interativo e narração. Para mais detalhes sobre a questão, ver Bronckart (1999) e Coutinho (2008). 13 - Esse estudo foi feito a partir da análise de entrevistas junto a enfermeiras em um hospital de Genebra. Para detalhes sobre essa pesquisa, ver Bulea (2010). 110 SCRIPTA, Belo Horizonte, v. 15, n. 28, p. 103-117, 1º sem. 2011 Ação empreendedora: que (re)conigurações possíveis? textual dessa justiicativa será feita a partir de segmentos do discurso misto teórico/ interativo. São inúmeros os organizadores textuais convencionais (“pois”, “mas”, “assim”) e também não convencionais (“de facto”, “em síntese”) que demarcam partes do texto, sendo que os não convencionais, no caso, atribuem aos agentes certo grau de responsabilidade enunciativa. Também há a presença de pronomes (pessoais – “nós” explícito e implícito – e possessivos “nossos” – duas ocorrências) de primeira pessoa que remetem para o(s) actante(s) diretamente envolvido(s) na produção textual. Vale salientar que o quinto parágrafo desse texto é essencial, uma vez que deine o agir-referente: “deixamos a tradicional estrutura baseada (...) e passamos a oferecer aos passageiros (...). Dada a relevância desse parágrafo, no que tange ao objetivo a que nos propomos – deinição de uma ação empreendedora – quais seriam as iguras de ação que podem conigurar interpretativamente esse agir? Passamos a analisar algumas dessas iguras. Inicialmente, esse parágrafo não pode vir a ser interpretado tipicamente como uma “ação canônica”, visto que a depreensão do agir referente não se faz de forma totalmente descontextualizada, com validade geral e originária de uma instância normativa externa ao actante. Poder-se-ia até pensar que o emprego do modiicador “tradicional” remeteria a essa forma de ação. Contudo, cabe ao actante, no caso, não mais respeitar a norma que lhe é associada, mas transgredi-la. Quanto à “ação experiência”, Bulea reitera que, do ponto de vista da organização enunciativa, é o discurso interativo que predomina (BULEA, 2010, p. 139). Corresponde, assim, a uma espécie de cristalização pessoal de várias ocorrências do agir vividas e, com isso, existe um balanço por parte do actante em relação à experiência vivida. Ela se apresenta como uma ação descontextualizada e sempre recontextualizada, em contextos particulares, sendo reconstruída e assumida pelo actante. Do ponto de vista das estratégias linguísticas utilizadas, é importante o emprego do presente genérico, de advérbios com valor genérico e reiterativo, de sintagmas preposicionais e nominais, de modalizações. No entanto, ao nos depararmos com o parágrafo em análise, observamos, do ponto de vista genérico, a existência de uma espécie de recontextualização do paradigma comercial assumida pelo actante: a empresa passou a adotar um paradigma novo, substituindo o tradicional. Contudo, do ponto de vista do eixo de referência temporal, essa recontextualização está estruturada em consonância com a situação de interação (a partir da data de publicação desse editorial) e não segundo um único eixo, homogêneo e ilimitado (como caracterizaria a ação experiência). SCRIPTA, Belo Horizonte, v. 15, n. 28, p. 103-117, 1º sem. 2011 111 Rosalice Pinto Feitas essas considerações, duas iguras de ação poderiam vir a ser consideradas nesse trecho: a ação deinição e a ação ocorrência. Poder-se-ia pensar inicialmente num forte indício da “ação deinição” implícita, se pensarmos que, no enunciado, “deixamos a tradicional estrutura baseada em duas classes – económica e executiva”, já existe uma apreensão por parte dos indivíduos do que venham a ser essas duas classes e os serviços que possam vir a oferecer. Na verdade, aquilo que esses serviços representam constitui uma espécie de objeto de relexão para o aparecimento de um outro produto/novo produto. Há assim uma espécie de redeinição do paradigma comercial a partir de produtos já existentes. Em relação à “ação ocorrência”, em que há o predomínio claro do discurso interativo, sabe-se da existência de uma espécie de “hesitação quanto à tomada do eixo de referência temporal” (BULEA, 2010, p. 129). No texto em análise, os dois verbos, no presente do indicativo: o primeiro, “deixamos”, e o segundo, “passamos a”, demarcam uma ruptura em relação a uma medida anterior e a reatualização do processo comercial, conigurando o ineditismo da nova proposta. Além disso, as marcas de agentividade são bem claras. O pronome pessoal na primeira pessoa do plural “nós” (responsável da empresa + funcionários) assegura a forte implicação de todos no processo, enquanto verdadeiros atores: todos são responsáveis por essa estratégia de negócio. Essa igura de ação é ainda mantida no decorrer do texto; no 6º parágrafo, observa-se: “Nos últimos anos, a TAP atingiu um nível de desenvolvimento elevado, de tal forma que nos devemos agora colocar num novo patamar, no qual queremos servir cada passageiro, de forma cada vez mais personalizada e de acordo com as suas expectativas.”. No caso, a hesitação temporal é demarcada tanto por localizadores de anterioridade quanto de simultaneidade. No primeiro caso, o verbo no pretérito perfeito – “atingiu” –, acompanhado pelo organizador temporal “nos últimos anos”; no segundo, o verbo “dever” no presente do indicativo, com valor deôntico – “devemos agora colocar”. Salienta-se, ainda, a relevância do marcador temporal “agora”, que, de certa forma, estabelece uma ruptura temporal em relação àquilo que vinha sendo feito até então e marca uma outra etapa na empresa. Essa clivagem e reatualização do modelo de negócio é corroborada também pela utilização do qualiicador “novo” e pelo quantiicador “cada vez mais”. Na verdade, a singularização do produto é demarcada, atingindo o objetivo de cada cliente. Pelo que foi exposto, poder-se-ia pensar na existência de uma ação empreendedora conigurada sobretudo por uma “igura de ação ocorrência”. Contudo, como vimos pelas análises, para podermos realmente deinir essa ação, 112 SCRIPTA, Belo Horizonte, v. 15, n. 28, p. 103-117, 1º sem. 2011 Ação empreendedora: que (re)conigurações possíveis? devemos pensar numa espécie de “compósito de iguras de ação”, uma vez que, para deinir uma ação empreendedora, várias iguras de ação foram convocadas. Em síntese, salientemos que, do ponto de vista da organização enunciativa, esse compósito apresentaria o predomínio de segmentos de discurso interativo, com presença marcante de pronomes de primeira pessoa (essencialmente no plural) e de verbos no presente do indicativo. No entanto, o que nos parece que deve ser ressaltado ainda é o próprio sentido da relação predicativa14 envolvida nessa forma de ação, associada ao valor semântico do próprio verbo “deixar” combinado ao da locução verbal “passar a oferecer”. Primeiramente, a primeira relação predicativa estabelecida entre o predicado e os argumentos seria <deixar, (nós), estrutura>. Contudo, ao examinarmos o enunciado “deixamos a tradicional estrutura baseada (...)”, observamos que os argumentos apontados sofrem operações de determinação distintas, o que lhes conferiu valores de qualiicação diferentes. Na verdade, o pronome pessoal “nós” implícito tem como localizador a própria situação de enunciação, sendo a forma verbal (deixamos) o marcador linguístico dessa localização. Já para o argumento lexicalizado “estrutura”, encontramos um localizador expresso linguisticamente pelo qualiicador “tradicional” e a própria relação de localização é especiicada pelo predicado “deixar”, que demarca semanticamente uma ruptura em relação a algo que era tradicionalmente feito. Ainda, vale ressaltar que, a partir da presença do verbo “deixar” na voz ativa e do qualiicador “tradicional” associado à unidade lexical “estrutura”, poder-se-ia pensar na existência de um pressuposto e de um posto,15 que seriam respectivamente: Pressuposto – [Antes a empresa adotava o modelo tradicional] Posto representado pelo próprio enunciado “(…) Deixamos a tradicional estrutura (…)”. E seria, talvez, essa justaposição de conteúdos semânticos inseridos na forma verbal “deixar” que enfatiza o teor inovador da iniciativa dos actantes envolvidos no processo e, consequentemente, a atitude empreendedora do grupo. 14 - Assumimos aqui a deinição deinição dada pelo quadro da teoria formal enunciativa (ou TFE) para relação predicativa, a partir de Culioli. Para a TFE, retomando as palavras de Campos e Xavier, “na origem de todo enunciado encontra-se uma relação primitiva entre noções (ou representações cognitivas) ainda não lexicalizadas nem categorizadas. É da lexicalização e categorização das noções que constituem a relação primitiva que resulta a relação predicativa” (CAMPOS; XAVIER, 1996, p. 295). Ainda, é a partir de sucessivas operações de localização que incidem sobre a relação predicativa que se conigura uma determinação, resultando um número ininito de enunciados com determinada signiicação. 15 - Para mais detalhes sobre a distinção entre “pressuposto” e “posto”, ver Ducrot (1972). SCRIPTA, Belo Horizonte, v. 15, n. 28, p. 103-117, 1º sem. 2011 113 Rosalice Pinto Essa ruptura com algo existente e a busca pela inovação é ressaltada também pela relação predicativa <passar a oferecer, (nós), passageiros, produtos>. E, pelo que deinimos anteriormente como “empreendedorismo”, a breve descrição linguística das relações predicativas acima aponta para a caracterização de uma espécie de “coloração distinta deste compósito de iguras de ação”. Evidentemente, estamos tentando, a partir de um único texto, começar a deinir como uma ação empreendedora pode vir a ser semiotizada linguístico-textualmente e observar até que ponto ela pode ser interpretada a partir de um “compósito de iguras de ação”. Cabe-nos, certamente, a partir da análise de outros textos, explorar mais profundamente como ela pode ser linguisticamente atestada. Na verdade, como airma Bronckart, é sobre a organização sintática dos tipos discursivos que nós devemos atualmente nos debruçar, não dando tanta importância às sequências, uma vez que dentro da infraestrutura textual, parecem ser raras. Como airma o autor: Sur ce plan, les analyses statistiques présentées dans FdD faisaient apparaître une très nette détermination des types discursifs sur la distribution des sortes de « phrases » ou de relations prédicatives (les non-déclaratives sont propres au discours interactif ; les passives au discours théorique, etc.) ; il conviendrait de prolonger cette approche pour identiier l´ensemble des régularités syntaxiques qui seraient propres aux types (BRONCKART, 2008, p. 80). Caminhos a percorrer Neste trabalho, inserido fundamentalmente no quadro teórico-metodológico do ISD, mas com a contribuição de outras correntes teóricas de descrição linguística, procuramos reletir tanto acerca da existência de um “compósito de iguras de ação” para a descrição de uma ação empreendedora, quanto da presença de uma espécie de coloração distinta para esse mesmo compósito a partir da breve análise de um texto singular. Com isso, procuramos, de um ponto de vista ainda bastante incipiente, mostrar a relevância de um estudo mais aprofundado das relações predicativas nos tipos discursivos para melhor descrevê-los. Evidentemente, algumas pistas foram levantadas em relação à descrição linguístico-textual da ação empreendedora nessa atividade empresarial. No entanto, continuaremos a analisar outros textos de forma a criar subsídios metodológicos e teóricos para realmente atestar a hipótese da existência de um “compósito de iguras de ação” para a interpretação do que venha a ser uma “ação empreendedora”. 114 SCRIPTA, Belo Horizonte, v. 15, n. 28, p. 103-117, 1º sem. 2011 Ação empreendedora: que (re)conigurações possíveis? Entrepreneurial acion: what (re)coniguraions are possible? Abstract The purpose of this article, based on the Sociodiscoursive Interactionism approach, is to describe the way in which entrepreneurial action can be interpreted by a composite of action igures materialized by different types of discourse. Considering that the texts that circulate are empirical representatives of social activities where they are inserted, my goal is, in an interdisciplinary point of view, to show the importance of the studies of/ about the language to improve the entrepreneurship inside the organizations. In order to attain this objective, I present a sample of a text genre – an editorial. This text was circulated in a portuguese organization. Keywords: Sociodiscoursive interactionism. Entrepreneurship. Action igures. Text genres. Acion entreprenante: quelles r(e)coniguraions possibles? Résumé Ce travail, inscrit dans le quadre théorique du Interactionnisme sociodiscursif, essaye de formuler l’hypothèse de l’existence d’une action entreprenante que peut être conirmée à partir d’un ensemble de igures d’action, sémiotisées linguistico-textuellement par des types de discours divers. Considérant que les textes qui circulent sont des représentants empiriques des activités dans lesquelles ils s’inserent, je cherche, d’un point de vue interdisciplinaire, à montrer l’importance des études du/sur le langage pour la promotion du entrepreneuriat dans les organisations. Cette étude est effectué à partir de l’analyse d’un exemplaire du genre editorial de circulation interne d’une entreprise portugaise. Mots-clés: Interactionnisme socio-discursif. Entrepreneuriat. Figures d’action. Genres textuels. Referências BRONCKART, Jean-Paul. Atividade de linguagem, textos e discursos. Por um interacionismo sociodiscursivo. São Paulo: Educ, 1999. SCRIPTA, Belo Horizonte, v. 15, n. 28, p. 103-117, 1º sem. 2011 115 Rosalice Pinto BRONCKART, Jean-Paul. O agir nos discursos: das concepções teóricas às concepções dos trabalhadores. Campinas, SP: Mercado de Letras, 2008. BULEA, Ecaterina; FRISTALON, Isabelle. “Agir, agentivité et temporalité dans des entretiens sur le travail inirmier”. In: BRONCKART, Jean-Paul; Grupo LAF (Ed.). Agir et discours en situation de travail. Cahiers de la Section des Sciences de l´Education, Genève, n. 103, p. 213-262, 2004. BULEA, Ecaterina. Commentaires à l’article “Ação empreendedora: que coniguração possível”. Genève: Université de Genève, 2009. BULEA, Ecaterina. Linguagem e efeitos desenvolvimentais da interpretação da atividade. Campinas, SP: Mercado de Letras, 2010. CAMPOS, Maria Henriqueta Costa; XAVIER, Maria Francisca. Sintaxe e semântica do português. Lisboa: Universidade Aberta, 1996. COUTINHO, Maria Antónia. Marcadores discursivos e tipos de discurso. 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SCRIPTA, Belo Horizonte, v. 15, n. 28, p. 103-117, 1º sem. 2011 117 La formaion professionnelle comme accomplissement interacionnel et mulimodal : le cas de l’apprenissage sur la place de travail Laurent Filliettaz* Résumé L’objectif de cet article est de mieux comprendre comment des jeunes adultes en formation professionnelle initiale sont accompagnés par des travailleurs experts dans des situations pratiques de travail en entreprise. A partir d’une démarche empirique fondée sur des données audiovisuelles collectées dans des entreprises formatrices en Suisse, l’article propose de mettre en évidence deux modèles de formation coexistants au sein des milieux de travail : a) la familiarisation progressive aux savoirs liés à la pratique professionnelle ; b) la confrontation immédiate aux réalités de la production. Sur le plan théorique, la démarche adoptée consiste à montrer qu’une approche inspirée de la linguistique du discours et de l’interaction peut contribuer à saisir les dimensions à la fois collectives, dynamiques et multimodales des processus de formation professionnelle et plus généralement à mettre en évidence les injonctions nombreuses et parfois contradictoires qui pèsent sur les acteurs de la formation professionnelle initiale dans le quotidien de leur travail. Mots-clés: Interaction. Formation professionnelle. Apprentissage informel. Accompagnement. Participation. La part des autres en formaion Parmi les différents facteurs pouvant exercer une inluence sur la qualité des apprentissages au travail, la part des « autres » – des travailleurs expérimentés, des collègues de travail, des tuteurs – est fréquemment considérée comme un ingrédient particulièrement signiicatif. Nombreux sont en effet les auteurs qui avancent l’idée selon laquelle les travailleurs n’apprennent pas tout seuls, mais * Université de Genève, Equipe Interaction & Formation. SCRIPTA, Belo Horizonte, v. 15, n. 28, p. 119-143, 1º sem. 2011 119 Laurent Filliettaz dans des formes d’interactions avec d’autres participants engagés dans les situations. Cette proposition sous-tend par exemple les modèles anthropologiques de l’apprentissage, qui décrivent comment des membres experts de communautés de pratique orchestrent la participation périphérique légitime des novices (LAVE ; WENGER, 1991 ; WENGER, 1998). Elle est reprise également dans les travaux de Billett (2001, 2009), pour qui les modalités d’accompagnement (guidance) des novices constituent des facteurs déterminants des apprentissages au travail. Cet accompagnement prend tantôt la forme d’interactions en face à face avec des travailleurs expérimentés (direct guidance), tantôt celle de ressources matérielles accessibles par l’observation (indirect guidance). Le champ francophone de la didactique professionnelle avance des arguments allant dans une direction similaire (PASTRÉ ; MAYEN ; VERGNAUD, 2006). Mayen (2002) souligne par exemple que parmi les ressources à disposition dans les situations permettant aux travailleurs de résoudre des problèmes, le rôle des autres est déterminant et qu’« une partie des interactions que nous entretenons avec les autres contient de quoi nous aider à agir, à apprendre à le faire, ou encore de quoi orienter notre action dans une certaine direction » (p. 87). Quant aux travaux récents de Kunegel (2005), ils mettent en évidence de manière particulièrement illustrative l’importance et la complexité des formes de l’activité tutorale dans le champ de l’apprentissage des métiers techniques en entreprise. Ces recherches adoptent une approche des processus d’apprentissage en formation qu’on peut qualiier de « contextualiste » et « collective ». A certaines occasions, elles ne manquent pas de prendre en compte les dimensions langagières et plus généralement sémiotiques engagées dans ces processus. Par exemple, les observations de Billett (2001, p. 150ss) montrent que la qualité de l’encadrement par les experts peut être accrue par l’usage de ressources telles que par exemple le questionnement dialogique (questioning dialogues), la confection de schémas (diagrams and models) ou encore la production d’analogies. Quant aux travaux de Kunegel (2005), ils décrivent comment les modes d’organisation du couple tuteur-apprenant varient dans le temps et présentent des « conigurations » ou des « scénarios » distincts selon le degré de compétence reconnu à l’apprenant. Ils montrent surtout comment des formats d’interactions langagières spéciiques sont associés à ces différents scénarios. Pourtant, si ces propositions retiennent notre intérêt en ce qu’elles mettent en lumière le rôle des autres dans les processus de formation, elles se fondent de notre point de vue encore trop souvent sur des catégories générales et statiques, qui ne permettent pas de saisir, dans sa inesse et ses modalités d’accomplissement 120 SCRIPTA, Belo Horizonte, v. 15, n. 28, p. 119-143, 1º sem. 2011 La formation professionnelle comme accomplissement interactionnel et multimodal : le cas de l’apprentissage sur la place de travail dynamiques, les ressorts interactionnels de la formation. En continuité avec d’autres travaux conduits en francophonie à propos des micro-interactions en situation de travail et de formation (voir notamment MAYEN, 2000 ; SPECOGNA, 2007 ; TROGNON ; KOSTULSKI, 2000), cet article a pour but de montrer en quoi une approche issue de la linguistique du discours et de l’interaction peut contribuer à décrire ces processus et à mieux comprendre les conditions dans lesquelles la présence des « autres » peut constituer un ingrédient déterminant pour saisir les dynamiques d’apprentissage et de formation dans le monde du travail et plus généralement dans le champ de l’éducation (FILLIETTAZ ; SCHUBAUERLEONI, 2008). Pour mener à bien un tel objectif, nous procédons en deux temps. Nous présentons pour commencer quelques éléments de la démarche théorique et méthodologique que nous développons dans le cadre d’une approche interactionnelle et multimodale de la participation en formation. Nous précisons ensuite ce cadre méthodologique en le remobilisant à propos d’une analyse de données empiriques issues de dispositifs de formation professionnelle initiale. Ces données documentent l’activité de plusieurs apprenants débutants dans leur travail en entreprise. Elles mettent en évidence, par les contrastes qui les caractérisent, le rôle conigurant des « autres » dans l’aménagement des dynamiques de participation des apprenants aux tâches qui leur sont proposées. Plus généralement, elles nous permettent de décrire les processus interactionnels par lesquels ces conigurations sont établies et transformées dans les situations de travail. C’est par cette double démarche, à la fois théorique et empirique, que nous souhaitons contribuer à mieux comprendre les liens complexes qui se tissent entre l’expérience du travail, la possibilité pour les acteurs de construire des compétences dans les situations professionnelles, et leur capacité à mettre en œuvre à cette in des productions langagières et plus généralement plurisémiotiques. Une approche interacionnelle et mulimodale de la paricipaion en formaion La démarche théorique et méthodologique que nous adoptons dans nos travaux emprunte notamment à des conceptualisations et des outils d’analyse développés dans le champ des sciences du langage, et plus particulièrement dans des courants qui se réclament de la linguistique du discours et de l’interaction. Sur le plan épistémologique, ces emprunts se fondent sur l’observation d’une convergence d’intérêts de ces courants avec des problématiques de formation, SCRIPTA, Belo Horizonte, v. 15, n. 28, p. 119-143, 1º sem. 2011 121 Laurent Filliettaz convergence marquée à la fois par ce qui peut être qualiié d’un « virage langagier » des sciences du travail et de la formation et d’un « virage actionnel et professionnel » des sciences du langage (BORZEIX ; FRAENKEL, 2001 ; BOUTET, 2008 ; FILLIETTAZ ; BRONCKART, 2005). Force est de constater en effet que dans la mouvance des travaux orientés vers l’analyse de la pratique en formation, des exigences nouvelles se sont manifestées récemment à l’égard de la description ine des conduites professionnelles, dans leurs dimensions verbales et non verbales (MARCEL et al., 2002 ; MAYEN, 2002 ; PLAZAOLA GIGER ; STROUMZA, 2007). Ces exigences vont à la rencontre de travaux relevant des sciences du langage qui, à partir d’orientations diverses, ont contribué à interroger les réalités du travail et de la formation sous plusieurs facettes : les processus de coopération et de coordination dans le travail, les logiques de négociation et de prise de décision, les rapports de pouvoir, la part langagière des apprentissages et du développement, etc. (FILLIETTAZ, 2006 ; FILLIETTAZ ; DE SAINTGEORGES, 2009). Dans ce domaine encore en friche d’une convergence des questionnements propres à la linguistique appliquée et à la recherche en formation professionnelle, plusieurs constructions conceptuelles se proilent comme des ingrédients centraux d’un patrimoine partagé : la problématique de l’action/activité, celle des compétences, celle de la signiication, ou encore celle de la situation. Ces catégories constituent comme on le sait des points de repères privilégiés des théories de l’apprentissage professionnel ; elles ont fait également de longue date l’objet d’élaborations approfondies dans le champ des sciences du langage, posant de manière particulièrement vive la question des continuités ou des ruptures dans la manière de conceptualiser ces notions (BULEA ; BRONCKART, 2006 ; MORO ; RICKENMANN, 2004). Dans les paragraphes qui suivent, nous proposons d’ajouter à ce rapide inventaire le concept de participation, et de l’envisager comme un autre candidat à une conceptualisation croisée, issue aussi bien de la recherche en formation professionnelle que des sciences du langage. Plus précisément, nous proposons de rappeler comment les modèles du discours et de l’interaction en sciences du langage théorisent la problématique de la participation et comment elles vont à la rencontre des travaux qui, dans la recherche en formation professionnelle, l’ont positionné comme un ingrédient permettant de décrire des processus d’apprentissage et de socialisation professionnelle (BILLETT, 2009 ; DURAND ; SAURY ; SÈVE, 2005 ; LAVE ; WENGER, 1991). Ceci nous donnera l’occasion, plus globalement, de préciser notre propre positionnement à l’égard de cette 122 SCRIPTA, Belo Horizonte, v. 15, n. 28, p. 119-143, 1º sem. 2011 La formation professionnelle comme accomplissement interactionnel et multimodal : le cas de l’apprentissage sur la place de travail problématique et d’expliciter les conditions méthodologiques dans lesquelles nous pensons pouvoir contribuer à son étude. Dans le champ de la linguistique du discours et de l’interaction, la problématique de la participation est envisagée comme un processus à la fois hautement contextualisé, collectivement distribué et qui procède d’une dynamique séquentielle. Elle est en quelque sorte indissociable du concept d’interaction luimême. Pour Goffman (1973, p. 23) par exemple, l’interaction en face à face désigne l’inluence réciproque que des individus peuvent exercer sur leurs actions respectives lorsqu’ils sont en présence physique les uns des autres, et lorsque se dessinent des enjeux pratiques qui nécessitent des ajustements et des processus de coopération. Dans cette perspective, la participation s’entend comme une orientation mutuelle que se portent les interactants et comme un engagement réciproque qu’ils manifestent à l’égard d’une activité conjointe. Cette activité conjointe, comme tout événement à caractère social, fait l’objet d’un « cadrage de l’expérience » (GOFFMAN, 1991), dans le sens où son interprétation repose sur des prémisses socialement construites et disponibles dans un espace culturel spéciique. La convocation de ces « prémisses organisationnelles » détermine non seulement la manière dont les individus donnent du sens aux événements qu’ils observent dans leur vie quotidienne, mais également la manière dont ils ajustent leur participation à ces événements. Toute interaction nécessite donc de la part des participants qu’ils s’engagent dans l’activité conjointe, coordonnent leurs contributions respectives, adoptent des attitudes culturellement et socialement adéquates, et endossent certains « rôles » (GOFFMAN, 1961). Au cours des échanges, les participants doivent négocier ces actions, ces places et ces rôles, en défendre la légitimité, s’arranger pour ne commettre ni impair ni menace à son image propre ni à l’image d’autrui. Les échanges sont donc régulés par une série de normes et les contributions de chacun sont marquées par le contexte et les enjeux qui président à l’interaction. Dans cette perspective, les rôles sociaux et communicationnels endossés par les participants procèdent d’un ajustement réciproque, pouvant faire l’objet de réorganisations multiples dans le cours même de l’interaction. Les travaux conduits dans le champ de l’analyse conversationnelle (MONDADA, 2005 ; SACKS, 1992 ; SACKS ; SCHEGLOFF ; JEFFERSON, 1978) permettent de préciser les conditions dans lesquelles se construisent localement ces ajustements et leur signiication. Pour les tenants de ce courant, la participation à l’interaction procède d’une organisation séquentielle dans laquelle alternent SCRIPTA, Belo Horizonte, v. 15, n. 28, p. 119-143, 1º sem. 2011 123 Laurent Filliettaz les contributions respectives des interactants. Cette logique de « prise de tour » implique des procédures complexes par lesquelles les participants indiquent des lieux possibles de transition et de relais entre leurs contributions. La conversation offre un exemple emblématique d’une activité séquentiellement ordonnée, dans laquelle alternent des prises de paroles émanant des différents participants. Cette organisation dynamique et séquentielle de la participation amène par conséquent l’analyste à ne jamais s’intéresser à des actes isolés, mais à considérer que c’est l’enchaînement des « tours d’action », qu’ils soient verbaux ou non verbaux, qui constitue l’unité d’analyse pertinente pour examiner l’engagement des individus dans l’interaction. C’est en effet en regard des réactions d’un interlocuteur à un énoncé qu’on pourra déterminer comment celui-ci a été interprété. Il résulte de cette procédure que les signiications dans l’interaction ont toujours à la fois un caractère émergent (elles se construisent de tour en tour de manière contingente et locale) et un caractère dynamiquement négocié (un tour ultérieur peut renforcer ou au contraire remettre en question une interprétation antérieure). L’ordre de l’interaction n’est donc ni général et abstrait, ni décontextualisé. Sa cohérence globale se construit et est constamment retravaillée dans le cours de l’action même, en fonction du contexte et des contingences du moment. Dans ce sens, les interactions apparaissent comme un processus complexe de coordination, au cours duquel les participants « se rendent mutuellement intelligibles le sens de leurs actions et la compréhension qu’ils ont de ce qui se passe » (DE FORNEL ; LÉON, 2000, p. 144). Le langage devient ainsi une ressource pour l’organisation et l’accomplissement pratique de ces activités conjointes. Mais il ne s’agit là que d’une ressource parmi bien d’autres, les dimensions non verbales du comportement humain tout comme des éléments de l’environnement matériel pouvant jouer un rôle déterminant dans la manière dont les participants ajustent et interprètent leur engagement dans l’interaction. Ces observations ont donné lieu récemment à d’abondants travaux portant sur ce qu’on tend à désigner actuellement comme la multimodalité (GOODWIN, 2000 ; KRESS ; VAN LEEUWEN, 2001 ; MONDADA, 2004 ; DE SAINT-GEORGES, 2008). Dans ces approches, les signiications mises en circulation dans l’interaction ne découlent plus seulement des productions verbales ; elles reposent également sur une vaste palette d’autres « modes » sémiotiques (la gestualité, les mimiques faciales, les mouvements corporels, les manipulations d’objets matériels et symboliques, etc.) ; et surtout, elles résultent d’une combinaison et d’une agrégation de ces multiples ressources dans des contextes d’usages singuliers. Des travaux récents conduits dans le contexte 124 SCRIPTA, Belo Horizonte, v. 15, n. 28, p. 119-143, 1º sem. 2011 La formation professionnelle comme accomplissement interactionnel et multimodal : le cas de l’apprentissage sur la place de travail de l’enseignement des sciences montrent par exemple comment les processus d’enseignement et d’apprentissage reposent largement sur de tels mécanismes de constructions de signiications, dans lesquels enseignants et élèves jouent un rôle actif (KRESS et al., 2001 ; ROTH, 2001). Ces travaux décrivent notamment comment les élèves recréent ou transforment les ressources mises à disposition par les enseignants en vue d’élaborer leurs propres synthèses personnelles des contenus enseignés. Le regard que portent la linguistique de l’interaction et le champ de la multimodalité sur la problématique de la participation nous semble particulièrement fécond pour mieux comprendre la part des « autres » en formation professionnelle, et ce à la fois sur le plan cognitif et identitaire. Sur le plan cognitif, la perspective interactionnelle et multimodale permet de montrer que les apprentissages professionnels ne procèdent pas seulement d’une intériorisation individuelle de schèmes mais reposent sur des pratiques locales, situées et distribuées, dans lesquelles des savoirs sont mis en circulation et interprétés au sein de microcommunautés de participants engagés dans des activités conjointes (FILLIETTAZ ; DE SAINT-GEORGES ; DUC, 2010). Et sur le plan identitaire, cette perspective permet de souligner le caractère négocié et dynamique des rôles endossés par les participants. L’approche interactionnelle et multimodale considère en effet que les rôles institutionnels de formateur, de tuteur, d’expert ou encore de formé, d’apprenti ou de novice ne constituent pas des catégories statiques, endossées naturellement et une fois pour toutes par les participants, mais sont le produit d’un travail interactionnel incessant par lequel ces rôles sont mis en œuvre, reconnus, alignés, transformés ou encore contestés au il du temps et des échanges (DAVIES ; HARRÉ, 1990 ; WORTHAM, 2006). Cet ancrage théorique nous conduit à nous intéresser en priorité aux dynamiques locales de la participation dans les interactions en formation professionnelle, dynamiques par lesquelles les participants ajustent leurs contributions respectives aux actions conjointes dans lesquelles ils s’engagent. Ces dynamiques de participation nous intéressent en ce qu’elles rendent visible la manière dont les participants se positionnent mutuellement et la manière dont ils endossent, assignent et négocient des rôles spéciiques dans l’interaction. Elles nous intéressent également en ce qu’elles permettent de décrire comment ces mêmes participants sollicitent des ressources sémiotiques à la fois multiples et variables pour mettre en visibilité des éléments du savoir professionnel à l’œuvre dans les situations de travail et de formation. Dans cette perspective, les moments de transition, de rupture ou de reconiguration qui ponctuent ces dynamiques de participation SCRIPTA, Belo Horizonte, v. 15, n. 28, p. 119-143, 1º sem. 2011 125 Laurent Filliettaz nous semblent mériter une attention particulière. Ils constituent de notre point de vue des manifestations concrètes de la part de « l’autre » dans les processus de formation et permettent de mieux comprendre quelques-unes des conditions dans lesquelles les environnements de travail permettent de soutenir ou au contraire de raréier les opportunités d’apprentissage associées à des environnements de travail (MAYEN, 1999). C’est cette hypothèse générale que nous souhaitons à la fois développer et illustrer ci-dessous au moyen d’une démarche d’analyse fondée sur des données empiriques. Analyse de deux dynamiques de paricipaion contrastées dans le travail en entreprise Dans les paragraphes qui suivent, nous mettons ces quelques éléments de conceptualisation de notre démarche au proit d’une analyse de données empiriques portant sur des dispositifs de formation professionnelle initiale attestés en Suisse.1 Ces données sont en lien avec un programme de recherche que nous conduisons depuis octobre 2005 sur les pratiques de formations effectives telles qu’elles sont observables dans un dispositif de formation dit « dual », et dans lequel les apprenants alternent sur une base régulière des enseignements dans des écoles professionnelles et une expérience de travail en entreprise (FILLIETTAZ ; DE SAINT-GEORGES ; DUC, 2008).2 Ce type de dispositif confère un rôle partenarial important voire même central aux entreprises et aux organisations du monde du travail. Celles-ci, en effet, régulent le marché des places d’apprentissage, déterminent les contenus de formation et surtout endossent la responsabilité de la formation pratique des apprenants. Ces dispositifs se fondent donc sur une conviction fortement ancrée et héritée d’une longue tradition, selon laquelle l’expérience du travail par de jeunes adultes constitue un ingrédient favorable à leur insertion professionnelle. Les données que nous avons à notre disposition ont été collectées dans trois ilières de formation techniques (la mécanique automobile, l’automatique, l’électricité) au cours d’une immersion de plusieurs mois dans des entreprises 1 - Pour une présentation en français du système suisse de formation professionnelle, on pourra consulter notamment Dubs (2006) ou encore le numéro 100 de la revue Formation & Emploi consacré à cette thématique. 2 - Ce programme de recherche a pour titre « La mise en circulation des savoirs dans des dispositifs de formation professionnelle initiale. Une analyse des interactions verbales et non verbales » et est subventionné par le Fonds national suisse pour la recherche scientiique dans le cadre d’un subside de professeur boursier attribué à Laurent Filliettaz (PP001-106603 et PP001-106603). Le programme de recherche à bénéicié de la précieuse collaboration d’Ingrid de Saint-Georges, Barbara Duc et Stefano Losa. 126 SCRIPTA, Belo Horizonte, v. 15, n. 28, p. 119-143, 1º sem. 2011 La formation professionnelle comme accomplissement interactionnel et multimodal : le cas de l’apprentissage sur la place de travail formatrices et des écoles professionnelles du canton de Genève. Ces données prennent la forme d’un corpus constitué de 150 heures d’enregistrements audiovidéo qui documentent la manière dont de jeunes adultes arrivés au terme de leur scolarité obligatoire interagissent avec des enseignants, des formateurs, des moniteurs, des tuteurs, des collègues de travail ou des pairs dans les différents lieux dans lesquels prend place leur formation. Pour illustrer la manière dont les catégories d’analyse présentées ci-dessus peuvent être convoquées de manière convergente dans l’étude du matériau empirique disponible, nous proposons ci-dessous une analyse contrastée de deux brèves séquences interactionnelles issues de notre corpus empirique. Ces séquences portent toutes deux sur la ilière de formation au métier de mécanicien d’automobiles. Elles se centrent exclusivement sur la formation en entreprise d’apprentis débutants, observés durant la première année de leur formation. La perspective d’analyse que nous proposons d’approfondir portera essentiellement sur la question des conditions dans lesquelles se manifestent (ou pas) des opportunités de formation dans les activités de production réalisées en situation de travail. Cette problématique renvoie à un vaste ensemble de questions. Comment les tuteurs en entreprise concilient-ils les exigences productives du travail avec les enjeux « constructifs » de la formation ?3 Comment mettent-ils à la disposition des apprentis des ressources leur permettant d’apprendre dans et par l’activité ? Et réciproquement, comment les apprentis s’engagent-ils dans ces activités et font-ils usages des ressources mises à leur disposition pour participer aux interactions ? Nos analyses soulignent que, selon les situations observées, des réponses très largement variables peuvent être apportées à ces questions. L’étude des deux séquences présentées ci-dessous vise précisément à illustrer quelques-uns de ces contrastes. « Qu’est-ce que tu peux faire en atendant ? » : Une familiarisaion avancée La première séquence a été observée et enregistrée dans l’atelier de mécanique automobile d’une grande entreprise publique genevoise. L’apprenti débutant (MIC) travaille en étroite collaboration avec le chef d’atelier (LAR), qui endosse oficiellement une fonction tutorale dans la situation. Au moment où débute la séquence retranscrite ci-dessous, l’apprenti et le chef d’atelier réalisent un grand 3 - Nous renvoyons ici à la distinction proposée par la didactique professionnelle entre les dimensions productives et constructives de l’activité : « L’activité en situation est à la fois productive et constructive : le sujet ne fait pas que produire des transformations des objets du monde extérieur, il se transforme lui-même, en enrichissant son répertoire de ressources. C’est la fonction constructive de l’activité » (PASTRÉ ; MAYEN ; VERGNAUD, 2006, p. 154). SCRIPTA, Belo Horizonte, v. 15, n. 28, p. 119-143, 1º sem. 2011 127 Laurent Filliettaz service sur un véhicule poids lourd. Ils suivent, comme c’est l’usage, un protocole précis, qui inclut notamment le nettoyage et le réglage des soupapes du moteur. C’est précisément la mise en place de cette activité de réglage des soupapes, réalisée conjointement par l’apprenti et le chef d’atelier, qui retiendra notre attention. Extrait (1) « Qu’est‑ce que tu peux faire en attendant » (Film 27, 19:40‑23:15) 1. LAR: euh:: je cherche le moyen pour tour- pour tourner le: moteur\ 2. MIC: ouais\ 3. LAR: je sais pas où il est/ normalement il devrait y avoir une trappe dessous je vais aller voir\ 4. MIC: ouais/ 5. LAR: parce que ça celui-là on le tourne pas: euh. 6. MIC: on le tourne pas à la main ((rire)) 7. LAR: on va pas le tourner facilement\ 8. MIC: ouais\ 9. LAR: j’essaie de trouv- de: vite regarder ça je vais chercher une euh couchette/ 10. MIC: ouais/ ((2 sec.)) 11. LAR: euh: .. qu’est-ce que tu peux faire en attendant\ ((2 sec.)) ouais tu peux pas faire grand chose\ 12. MIC: ouais\ 13. LAR: SI tu peux faire un truc\ 14. MIC: mhmm/ 15. LAR: tu cherches euh où sont les soupapes d’admission et d’échappement\ 16. MIC: ouais j’ai déjà cherché ouais\ 17. LAR: et puis alors/ 18. MIC: ((pointe en direction des soupapes)) échappement/ admission/ admission/ échappement/ échappement/ admission\ 19. LAR: OK c’est bon\ . d’accord\ . ordre d’allumage d’un moteur euh: six cylindres/ 20. MIC: euh j’ai pas encore fait\ 21. LAR: 1-5-3-6-2-4/ 22. MIC: 1-5-3-6 je vais noter\ ((cherche une feuille 128 SCRIPTA, Belo Horizonte, v. 15, n. 28, p. 119-143, 1º sem. 2011 La formation professionnelle comme accomplissement interactionnel et multimodal : le cas de l’apprentissage sur la place de travail de papier dans sa poche)) 23. LAR: prends un papier/ tiens/ ((tend une feuille de papier)) 24. MIC: 1-5-3-6/ 25. LAR: alors tu vas me marquer le l’ordre d’allumage c’est 1-5-3-6/ 26. MIC: 2-5\ ((écrit)) 27. LAR: 1-5-3-6-2-4\ 28. MIC: 1-5-3-6-2-4\ ((écrit)) [#1] 29. LAR: voilà\ maintenant\ . t’as l’ordre d’allumage/ 30. MIC: ouais/ 31. LAR: tu réléchis quel cylindre sera en balancement pour régler quel cylindre\ 32. MIC: ouais/ OK\ 33. LAR: pendant ce temps je vais chercher euh: 34. MIC: ouais 35. ((durant deux minutes, MIC observe les soupapes et note la solution sur son papier)) [#2] 36. LAR: ((revient avec une couchette)) 37. alors/ 38. MIC: euh: ouais/ ben: je pense chacun avec son opposé/ . le premier avec le sixième/ le deuxième avec le cinquième/ le troisième avec le quatrième/ 39. LAR: extra/ .. extra/ . y a plus qu’à réussir à le faire tourner/ ((dépose la couchette au sol et se couche sous le camion)) #1: LAR dicte à MIC l’ordre d’allumage des soupapes du moteur SCRIPTA, Belo Horizonte, v. 15, n. 28, p. 119-143, 1º sem. 2011 129 Laurent Filliettaz #2: En l’absence de LAR, MIC identiie les soupapes en balancement avec cha‑ que cylindre Au moment d’initier l’activité de réglage des soupapes, LAR et MIC sont confrontés à un problème pratique spéciique. Ils doivent pouvoir accéder à l’intérieur du moteur au moyen d’une trappe et positionner mécaniquement les cylindres de sorte à ce que les soupapes d’admission et d’échappement puissent être nettoyées et réglées (1-8). Cette trappe est située sous la partie inférieure du moteur et n’est accessible par les mécaniciens qu’en se glissant sous le véhicule. Pour mener à bien cette tâche, LAR propose d’aller chercher une couchette (9). Cette couchette étant située dans une autre région de l’atelier, LAR doit s’absenter durant le temps nécessaire à son déplacement. Avant son départ, il déploie cependant successivement plusieurs tentatives visant à maintenir MIC dans une position active durant cette absence (10). La première tâche consiste à inviter l’apprenti à identiier sur le moteur les soupapes d’admission et d’échappement (15). MIC est en mesure de répondre immédiatement à cette consigne (18). Une deuxième tâche consiste à vériier si l’apprenti connaît l’ordre d’allumage des six cylindres du moteur (19). Ceci n’étant pas le cas, LAR dicte à MIC la séquence d’allumage de ces cylindres (21-28). La troisième tâche consiste pour MIC à identiier les cylindres en balancement avec chacune des soupapes à régler (31). LAR s’absente alors pendant que MIC observe le moteur et note la solution sur un papier (35). Au retour du chef d’atelier, il lui communique la réponse (38), validée par LAR comme correcte (39). Cette séquence d’interaction présente une forme d’organisation spéciique de l’activité dans laquelle l’apprenti travaille en étroite collaboration avec son tuteur. Dans la modélisation dynamique des scénarios de la relation tutorale proposée par 130 SCRIPTA, Belo Horizonte, v. 15, n. 28, p. 119-143, 1º sem. 2011 La formation professionnelle comme accomplissement interactionnel et multimodal : le cas de l’apprentissage sur la place de travail Kunegel (2005), on assiste vraisemblablement ici à l’accomplissement d’un format de « familiarisation avancée » voire de « transmission ». Plusieurs indices viennent souligner comment des enjeux de mise en visibilité et de didactisation des savoirs viennent s’ajouter à l’activité productive pour la transformer voire la suspendre temporairement. LAR prend d’abord un soin particulier à verbaliser l’activité en cours d’accomplissement et à la rendre interprétable auprès de l’apprenti (« je cherche le moyen pour tourner le moteur », 1 ; « je sais pas où il est, normalement il devrait y avoir une trappe je vais aller voir », 3). Il énonce ensuite des questions (« ordre d’allumage d’un moteur six cylindres ? », 19) ou plus généralement des consignes (« tu cherches où sont les soupapes d’admission et d’échappement », 15 ; « tu réléchis quel cylindre sera en balancement pour régler quel cylindre », 31) qui visent à vériier que des savoirs spéciiques en lien avec le fonctionnement du moteur ont été correctement assimilés par MIC. Enin, LAR procède à une évaluation de ces savoirs, tantôt en les validant (« OK c’est bon d’accord », 19 ; « extra » 39), tantôt en leur apportant des compléments (« alors tu vas me marquer l’ordre d’allumage c’est 1-5-3-6-2-4 », 25). Cette transformation notable de la situation de production par des enjeux de formation et de mise en circulation des savoirs est rendue manifeste non seulement à travers les productions verbales des participants, mais plus généralement par la mise en œuvre et la mobilisation de ressources matérielles disponibles dans l’environnement de travail. Le moteur et ses cylindres endossent par exemple dans l’interaction accomplie des usages qui vont au-delà de leurs fonctions strictement mécaniques. A travers la sollicitation visuelle dont ils font l’objet (voir [#1] et [#2]), les gestes de pointage auxquels ils donnent lieu (18) et la manière dont les interactants s’y réfèrent verbalement, ces objets sont utilisés par LAR et MIC comme des instruments sémiotiques au service d’une activité constructive ou formative. Ils servent de supports à la mise en visibilité de savoirs professionnels et non plus seulement à la traction d’un véhicule poids lourd. D’autres artefacts cognitifs utilisés dans l’interaction témoignent typiquement de la prégnance de ces enjeux de formation dans le présent contexte. C’est le cas par exemple du papier et du stylo qu’utilisent MIC et LAR, et dont la mise à disposition par le tuteur (23) rend possible le déploiement d’une dictée et d’actes d’inscription (26, 28, 35). De manière intéressante, l’apprenti contribue lui aussi activement à l’accomplissement de cette séquence de « transmission » et à l’établissement d’un espace constructif au sein d’un environnement de production. Il produit d’abord un nombre considérable de signaux d’écoute par lesquels il rend activement manifeste sa position d’auditeur (« ouais », 2, 4, 8, 10, 12, 30 ; « mhmm », 14). SCRIPTA, Belo Horizonte, v. 15, n. 28, p. 119-143, 1º sem. 2011 131 Laurent Filliettaz Il contribue ensuite à certaines occasions à la co-énonciation du discours de son tuteur (« on le tourne pas à la main », 6). Il anticipe également les consignes qui lui sont transmises (« ouais j’ai déjà cherché », 16). Et enin, il valide les positions interactionnelles dans lesquelles il est placé, notamment en répondant aux questions qui lui sont posées (« échappement, admission, admission, échappement, échappement, admission », 18 ; « je pense chacun avec son opposé, le premier avec le sixième, le deuxième avec le cinquième, le troisième avec le quatrième », 38). Dans ce contexte, il apparaît donc que l’émergence d’une opportunité de formation au sein de l’environnement de travail ne résulte pas seulement d’une initiative individuelle du tuteur. Elle est le produit d’une action conjointe et d’un ajustement permanent entre le tuteur et l’apprenti. « Faut pas te mélanger les pinceaux avec les services » : Une mise au travail faiblement assistée Ces ajustements prennent des formes variables selon les contextes observés, comme nous proposons de l’illustrer au moyen d’une autre séquence issue de notre corpus. Cette seconde séquence a été enregistrée dans un garage de mécanique automobile de taille moyenne de la région genevoise. Elle implique SAM, un apprenti réparateur d’automobiles de première année, et JEF, un mécanicien diplômé employé du garage. JEF n’est pas formellement responsable de la formation des apprentis dans l’entreprise. Il endosse cependant localement une fonction tutorale dans le quotidien de son travail. Au moment où débute l’extrait retranscrit ci-dessous, SAM est engagé dans la réalisation d’un service de 30’000 kilomètres sur un véhicule de tourisme. JEF travaille à proximité, mais sur un autre véhicule. Extrait (2) « Faut pas te mélanger les pinceaux avec les services » (Film 145, 05:40‑09:23) 1. SAM: ((quitte son poste de travail et se déplace vers JEF)) 2. euh JEF/ . sur la Sonata là les bougies\ .. 3. JEF: oui et ben/ 4. SAM: .. euh: on les change ouais/ mais: y’en a trois/ puis . alors non non celles-là on les change pas non/ . c’est que Sonata je sais pas 132 SCRIPTA, Belo Horizonte, v. 15, n. 28, p. 119-143, 1º sem. 2011 La formation professionnelle comme accomplissement interactionnel et multimodal : le cas de l’apprentissage sur la place de travail 5. JEF: ((ixe l’apprenti du regard en silence pendant 3 sec.)) [#1] 6. SAM: c’est des c’est des platines alors\ 7. JEF: ((ixe l’apprenti du regard en silence pendant 3 sec.)) 8. SAM: ouais ça doit être des platines\ 9. JEF : ((ixe l’apprenti du regard en silence pendant 3 sec.)) 10. va regarder sur la programme Hyundai\ ((hoche la tête en direction du bureau de l’atelier)) 11. SAM: euh où ça où y a le: ((amorce un déplacement)) 12. JEF : où y a toutes les iches avec tout XX 13. SAM: OK\ ((se déplace en direction du bureau de l’atelier)) 14. ((consulte la documentation technique durant 2 minutes)) [#2] 15. ((se dirige vers le véhicule en réparation et passe derrière JEF)) 16. ouais on les change pas\ .. 17. JEF: hein/ ((se redresse du moteur de son véhicule)) 18. SAM: on les change pas/ . non c’est parce que t’as dit 30’000/ après je me suis dit direct euh\ 19. JEF: service 30’000\ 20. SAM: ouais voilà/ 21. JEF: si je t’avais dit un 90’000\ . je t’ai dit un 90’000/ 22. SAM: tu m’as dit un 30’000\ 23. JEF: je t’ai dit un 30’000\ à 30’000 on change pas les bougies\ 24. SAM: voilà mais on les change normalement\ 25. JEF: si je t’avais dit un 90’000/ . j’aurais (attendu) 26. SAM: 30’000 on change les bougies non/ 27. JEF: c’est pour ça que- c’est pour ça que je te dis/ . je t’ai pas dit un service 150’000 je t’ai dit un service 30’000\ 28. SAM: ouais/ 29. JEF: faut pas te mélanger les pin- les pinceaux SCRIPTA, Belo Horizonte, v. 15, n. 28, p. 119-143, 1º sem. 2011 133 Laurent Filliettaz dans les services\ ((3 sec.)) 30. SAM: bah:: ((3 sec.)) 31. JEF: maintenant me fait pas croire que c’est la première fois que t’entends parler qu’il y a des bougies platines sur les V6/ 32. SAM: non non non non non non/ 33. JEF: voilà\ mais le problème c’est que SAM lui euh: 34. SAM: mais oui c’est vrai\ 35. JEF: eh oui c’est vrai\ 36. SAM: non non OK non j’ai confondu\ #1: JEF ixe SAM du regard en silence #2: SAM consulte la documentation technique dans le bureau de l’atelier 134 SCRIPTA, Belo Horizonte, v. 15, n. 28, p. 119-143, 1º sem. 2011 La formation professionnelle comme accomplissement interactionnel et multimodal : le cas de l’apprentissage sur la place de travail Dans cette séquence, l’apprenti (SAM) rencontre un obstacle dans la conduite de la procédure de service : il ne sait plus si les bougies du véhicule doivent être changées ou pas. Il va alors chercher de l’aide auprès de son collègue (JEF) et l’interroge à ce propos (1-4). JEF ne répond ni immédiatement ni explicitement à la question de l’apprenti mais le renvoie à la documentation technique disponible dans le bureau de l’atelier (10). SAM va alors consulter cette documentation et trouve la réponse à sa question : le service des 30’000 kilomètres n’inclut pas le changement des bougies (14). De retour face à son véhicule, l’apprenti informe JEF de la solution trouvée (16-18). S’engage alors une séquence d’explication dans laquelle JEF valide l’information (23), rappelle la consigne donnée (27) et invite l’apprenti à davantage de constance dans la prise en charge de son travail (29, 31, 33). En contraste avec l’extrait 1, il apparaît d’emblée que la coniguration d’activité dans laquelle l’apprenti est placé dans cette séquence diffère profondément de celle expérimentée par MIC précédemment. Selon la typologie de Kunegel (2005), le scénario de la relation tutorale en vigueur dans cet extrait s’apparente clairement à une « mise au travail » et non plus à une coniguration de « familiarisation ». L’activité de service du véhicule n’est plus dans la main du tuteur, mais coniée à l’apprenti, qui accède donc à une forme de responsabilité dans la conduite des tâches en cours d’accomplissement. Dans le modèle dynamique de la relation tutorale proposé par Kunégel, celui-ci distingue trois formats successifs de « mise au travail » : la mise au travail assistée, semi-assistée et complète.4 Dans le cas présent, le degré d’assistance consenti par l’expert à l’apprenti semble peu élevé. JEF n’aménage pas spéciiquement la tâche coniée de sorte qu’elle puisse être accomplie avec succès par l’apprenti. Il multiplie même les indices de résistance à l’égard de la mise à disposition d’une telle assistance, comme en attestent les nombreux et longs silences par lesquels il refuse de prendre ses tours de parole (5, 7, 9) et le regard insistant et désapprobateur qu’il lance à SAM en « réponse » à sa question (voir [#1]). On notera à ce propos que JEF ne répond pas littéralement à la question posée, mais ordonne à l’apprenti de trouver par lui-même la solution en consultant la documentation disponible (« va regarder sur le programme Hyundai », 10). L’explication consécutive au retour de SAM auprès de son véhicule est elle aussi saturée d’indices selon lesquels JEF porte une appréciation négative sur l’activité de SAM. Ces indices incluent notamment de nombreux reproches plus ou moins explicites dans lesquels JEF met en doute 4 - On peut considérer que ces catégories prolongent et précisent le modèle de la participation périphérique légitime (LPP) introduit et discuté par Lave et Wenger (1991). SCRIPTA, Belo Horizonte, v. 15, n. 28, p. 119-143, 1º sem. 2011 135 Laurent Filliettaz les capacités de compréhension de SAM (« c’est pour ça que je te dis je t’ai pas dit un service 150’000 je t’ai dit un service 30’000 », 27), l’invite à davantage de concentration (« faut pas te mélanger les pinceaux dans les services », 29 ; « maintenant me fait pas croire que c’est la première fois que t’entends parler qu’il y a des bougies platines sur les V6 », 31) et catégorise son attitude comme problématique (« mais le problème c’est que SAM lui euh », 33). De manière intéressante, on observe également que l’apprenti peine lui aussi à s’engager de manière réciproque dans cette séquence d’interaction. Plusieurs sortes de dificultés émergent pour lui aux différentes étapes de l’échange avec le mécanicien expérimenté. Une première dificulté manifeste pour SAM réside par exemple dans l’initiation et la production d’une séquence de demande d’aide (1-9). Plusieurs indices multimodaux soulignent cette dificulté : la production de marqueurs d’hésitation (« euh », 2, 4), la multiplication de pauses intervenant en-dehors des positions interactionnelles de passation des tours de parole (« sur la Sonata là les bougies\ .. », 2 ; « mais: y’en a trois/ puis . alors non non celles-là on les change pas non/ . c’est que Sonata je sais pas », 4), ou encore l’apparition de formes d’incomplétudes syntaxiques doublées d’une omission du propos sur le plan informationnel (« sur la Sonata là les bougies\ .. », 2). Cet accomplissement heurté des tours de parole de SAM produit plusieurs effets dans le déroulement de l’interaction. Il conduit d’abord JEF à produire des relances explicites (« oui et ben ? », 3). Il conduit également ce dernier à se désengager de l’espace de parole et à inviter l’apprenti, par le silence et le regard, à poursuivre son travail de formulation. S’en suit une curieuse situation dans laquelle SAM tâtonne et cherche à deviner une réponse que JEF refuse de lui communiquer (« c’est des c’est des platines alors\ », 6 ; « ouais ça doit être des platines\ », 8). Des dificultés similaires apparaissent dans la seconde partie de l’extrait, au moment où SAM cherche à valider auprès de JEF la solution qu’il vient de trouver en consultant la documentation (16-36). On observera à ce propos que cette validation se double d’une activité de réparation5 dans laquelle SAM produit une justiication rétrospective de sa demande (« non c’est que t’as dit 30’000 après je me suis dit direct euh », 18). Cette tentative de réparation produit cependant des effets plutôt négatifs puisqu’elle est détournée par JEF comme un moyen d’énoncer des reproches (« si je t’avais dit un 90’000 je t’ai dit un 90’000 ? », 21). Une autre dificulté d’ajustement intervient ensuite à propos des savoirs en vigueur dans l’activité de service. Au moment de reformuler (voire d’institutionnaliser) ce savoir (« je t’ai dit un 30’000 à 30’000 on change pas les bougies », l. 23), JEF ne 5 - Au sens interactionnel du terme que lui confère Goffman (1973). 136 SCRIPTA, Belo Horizonte, v. 15, n. 28, p. 119-143, 1º sem. 2011 La formation professionnelle comme accomplissement interactionnel et multimodal : le cas de l’apprentissage sur la place de travail prend pas garde aux interrogations formulées à plusieurs reprises par l’apprenti (« voilà mais on les change normalement ? », 24 ; « 30’000 on change les bougies non ? », 26). Comme en attestent les segments chevauchés, JEF poursuit sa formulation des reproches sans répondre aux demandes de vériications énoncées par l’apprenti. Au inal, SAM se retrouve placé dans une position interactionnelle dans laquelle il a de la peine à se dégager d’un discours de justiication et dans laquelle il doit inir par concéder le caractère défectueux de sa demande d’aide initiale (« mais oui c’est vrai », 34 ; « non non OK non j’ai confondu », 36). Synthèse et mise en perspecive En guise de synthèse, cette analyse contrastive de deux séquences interactionnelles permet de souligner quelques aspects des modalités variables par lesquelles des pratiques de formation peuvent être accomplies dans les environnements de travail. En particulier, elle montre comment des apprentis débutants engagés dans une formation similaire sont placés dans des conigurations de participation remarquablement différentes, et comment, selon les cas, les travailleurs expérimentés qu’ils côtoient en situation de travail peuvent tour à tour endosser pleinement une fonction tutorale ou rendre publiques des formes de réticence à l’égard d’une telle fonction. De manière complémentaire, cette analyse met également en lumière les modalités variables par lesquelles les apprentis débutants s’engagent dans des activités de production et sont en mesure de tenir les positions de participation dans lesquelles ils sont placés. Dans le cas de MIC, ces modalités d’engagement peuvent prendre la forme d’anticipations et d’alignements strictes aux attentes du tuteur. Elles peuvent également comporter, comme cela semble être le cas pour SAM, des dificultés à satisfaire les exigences d’autonomie formulées à l’égard des apprentis. Dans ces conditions, les dimensions constructives de l’activité productive peuvent être tantôt soutenues, encouragées voire autonomisées dans des tâches spéciiques, tantôt rabattues voire stigmatisées face aux exigences productives qui s’expriment dans les environnements professionnels. C’est là un aspect de la formation pratique en entreprise que permet à notre sens particulièrement bien d’illustrer une microanalyse interactionnelle et multimodale. On pourrait penser que ces modalités de réalisation de l’activité tutorale renvoient à des étapes distinctes et successives des parcours d’apprentissage. Dans le modèle diachronique proposé par Kunegel (2005), la « familiarisation avancée » et la « mise au travail semi-assistée » constituent d’ailleurs respectivement les SCRIPTA, Belo Horizonte, v. 15, n. 28, p. 119-143, 1º sem. 2011 137 Laurent Filliettaz bornes initiale et terminale de la zone proximale de développement au sens de Vygotski. Mais d’un autre point de vue, ces modalités traduisent deux conceptions très différentes qui coexistent en permanence dans les collectifs de travail, et qui alimentent de fréquentes controverses dans les milieux professionnels que nous avons observés : faut-il préserver les apprenants et leur laisser une période de familiarisation durant laquelle ils peuvent observer des experts en activités, de sorte à les préparer progressivement aux conditions réelles de la production ? Ou faut-il au contraire les confronter sans attendre aux réalités du travail et leur conier des tâches en responsabilité ? Ces manières de faire ne constituent pas nécessairement des formes d’adaptation des tuteurs au niveau de compétence reconnu à l’apprenant. Elles relètent aussi, pour une part, des manières différentes d’incarner la vocation formatrice des travailleurs expérimentés et plus généralement des milieux professionnels dans lesquels ils sont insérés (DUC, 2008 ; FILLIETTAZ, 2008, 2009). Dans un cas comme dans l’autre, les logiques de participation et les dynamiques de socialisation engagées sont à considérer comme une construction située et non pas comme des déterminations immuables. Comme le soulignent nos analyses, ces logiques résultent de manières de faire localement accomplies telles qu’elles se déroulent dans le il des rencontres et des interactions (FILLIETTAZ, 2010). Elles sont le fait aussi bien des apprenants, qui parviennent ou non à prendre leur place, que des collectifs de travail qui, selon les cas, leur font ou non une place. C’est en ceci que réside peut-être la fragilité des situations d’apprentissage sur la place de travail. Mais surtout, c’est dans ces ressources locales, dynamiques et collectives que réside aussi, à notre avis, le véritable pouvoir d’agir des acteurs de la formation professionnelle initiale. The professional formaion as an interacional and mulimodal accomplishment: the case of learning in the workplace Abstract The aim of this paper is to contribute to developing a better understanding of the actual conditions in which guidance is provided to apprentices in ordinary work situations. It develops methodological tools and categories for analysing guidance at work and relects, in a critical perspective, about the contributions and limitations of a practice-based learning system as it is implemented in Switzerland. On the basis of empirical material consisting of audio-video recordings, and drawing on analytical tools borrowed from various approaches in discourse and interaction analysis, we propose to investigate how discourse and verbal interaction contribute to the 138 SCRIPTA, Belo Horizonte, v. 15, n. 28, p. 119-143, 1º sem. 2011 La formation professionnelle comme accomplissement interactionnel et multimodal : le cas de l’apprentissage sur la place de travail accomplishment of guidance in ordinary work activities. More speciically, we illustrate two main training schemes that seem to coexist in workplace environments. According to the irst scheme, apprentices are progressively introduced to the knowledge underlying work. According to the second one, they are immediately put to work and faced with the complex and contradictory requirements of production. Keywords: Interaction. Vocational training. Practice-based learning. Guidance. Participation. A formação proissional como realização interacional e mulimodal: o caso da aprendizagem no local de trabalho Resumo O objetivo deste artigo é compreender melhor como jovens adultos em formação proissional inicial são acompanhados por trabalhadores experientes em situações práticas de trabalho em ambiente empresarial. A partir de uma abordagem empírica de dados audiovisuais coletados em empresas formadoras na Suíça, o artigo propõe destacar dois modelos de formação coexistentes nos ambientes de trabalho: a) a familiarização progressiva com os saberes ligados à prática proissional; b) a confrontação imediata com as realidades da produção. No plano teórico, o procedimento adotado consiste em mostrar que uma abordagem orientada pela linguística do discurso e pela interação pode contribuir para apreender as dimensões ao mesmo tempo coletivas, dinâmicas e multimodais dos processos de formação proissional e de modo mais geral para pôr em evidência as injunções numerosas e, por vezes, contraditórias que pesam sobre os atores da formação proissional inicial no quotidiano de seu trabalho. Palavras-chave: Interação. Formação proissional. Aprendizagem informal. Acompanhamento. Participação. Références bibliographiques BILLETT, Stephen. Learning in the workplace : Strategies for effective practice. Crows Nest: Allen & Unwin, 2001. BILLETT, Stephen. Modalités de participation au travail : La dualité constitutive de l’apprentissage par le travail. In: DURAND, Marc; FILLIETTAZ, Laurent SCRIPTA, Belo Horizonte, v. 15, n. 28, p. 119-143, 1º sem. 2011 139 Laurent Filliettaz (Ed.). Travail et formation des adultes. 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Notre recherche réside dans l’analyse de ces récits à partir d’une grille d’indicateurs linguistiques. Ces indicateurs nous informent sur les processus rélexifs et discursifs à l’œuvre dans l’élaboration de savoirs professionnels. Ce premier niveau de description conduit à une méthode de recherche herméneutique. Il s’agit alors de mettre en lumière les préoccupations sous-jacentes à ces processus : systèmes de valeurs, de motivations et d’intentions ; tensions entre les savoirs scientiiques et la confrontation aux réalités vécues dans l’expérience ; constructions identitaires conlictuelles. Nous questionnons les conditions sociales externes et propres au contexte de formation qui inluencent la production de ces récits. Nous en dégageons les implications méthodologiques pour l’analyse de discours à visée descriptive et compréhensive. Sur cette base, nous discutons quelques résultats de la recherche. Mots-clés : Portfolio. Savoirs professionnels écrits. Indicateurs de développement. Formation des valeurs. Herméneutique. Le dispositif présenté en première partie de cet article s’inscrit dans le programme de Master spécialisé en enseignement secondaire.1 Les étudiants, que nous nommerons aussi « enseignants en formation »2 (EF dans la suite de cet article), * Professeure ordinaire en Sciences de l’éducation, Faculté de Psychologie et des Sciences de l’éducation, Université de Genève. Responsable du groupe de recherche Théories, actions, langages et savoirs (TALES). 1 - Programme créé en 2008 dans le cadre de la création d’un Institut universitaire de formation des enseignants fondé sur un partenariat institutionnel entre l’Université de Genève et la Direction de l’Instruction publique (Loi sur l’instruction publique de la République et Canton de Genève). Le système de l’enseignement secondaire genevois se subdivise entre : Enseignement secondaire obligatoire de 12 à 15 ans et Enseignement secondaire postobligatoire dès 16 ans dans différentes ilières. Le diplôme donne accès à chacun de ces niveaux. 2 - Ces étudiants sont déjà titulaires d’une Maîtrise universitaire dans une discipline. Pour pouvoir accéder à la formation en enseignement, ils doivent avoir obtenu un stage en emploi à mi-temps maximum dans un établissement scolaire. Dans ces stages, les EF ont la pleine responsabilité d’une classe. Ils sont supervisés par des formateurs-référents de leur établissement de stage, dans la discipline SCRIPTA, Belo Horizonte, v. 15, n. 28, p. 145-169, 1º sem. 2011 145 Sabine Vanhulle y sont tenus de réaliser un « Dossier de développement professionnel » (portfolio) qui entre dans la certiication inale3 donnant accès au diplôme. Nous analysons les conditions de production des écrits de ce dossier – traces d’apprentissages, microrécits, récit inal de trajectoire – créées par le dispositif (1.1). Nous interrogeons ensuite les conditions sociales externes qui inluencent l’élaboration des identités et savoirs professionnels au-delà des attentes académiques (1.2). Notre recherche a consisté à analyser des récits de trajectoires issus de ce dispositif. Présentée en deuxième partie, elle propose des indicateurs ou descripteurs visant à comprendre des processus de développement à l’œuvre dans une écriture rélexive recourant à des concepts scientiiques pour reconigurer le sens accordé aux expériences vécues en stages (2.1). A partir des résultats donnés par les indicateurs, une méthode de relecture des textes produits peut être appliquée sur la base de topics, cherchant à expliquer les préoccupations à partir desquelles les EF sémiotisent leurs rapports à l’agir professionnel notamment en termes de valeurs (2.2). Cette double analyse inscrit l’analyse des discours dans une linguistique appliquée à la fois pragmatique et herméneutique. Elle aboutit à des résultats dont nous épinglons quelques aspects qui peuvent interpeller le chercheur et le formateur (3).4 1. Les condiions de producion des écrits professionnels 1.1. Le contexte académique : le disposiif, ses fondements théoriques, ses inalités Au niveau du fonctionnement, des séances plénières et ponctuelles de cadrage théorique sont consacrées aux recherches sur le développement professionnel des enseignants, servant de bases conceptuelles pour déinir les objectifs des séminaires organisés en parallèle. Ces séminaires réguliers sont voués à l’accompagnement de la production du dossier en s’appuyant sur des méthodes structurées d’analyse des pratiques en petits groupes. Pour alimenter ces analyses interactives de pratiques et pour préparer leur dossier individuel, les EF réunissent des traces de leurs apprentissages professionnels. Ils rédigent également de courts récits basés sur des « situations questionnantes ». qu’ils enseignent. Leur nomination ultérieure de professeur au secondaire dépend de l’obtention de ce diplôme (90 à 120 crédits ECTS selon les parcours antérieurs). Une bonne partie des étudiants ont déjà une pratique de l’enseignement (remplacements ou postes non titularisés), les autres sortent de leur formation universitaire initiale. 3 - Obligatoire de 2008 à 2011, cette UF entre dans les cours optionnels dès la rentrée académique 2011-2012, ain de laisser la place à une UF obligatoire en Recherche. 4 - Dans cet article le masculin est utilisé pour de simples raisons de commodité. 146 SCRIPTA, Belo Horizonte, v. 15, n. 28, p. 145-169, 1º sem. 2011 Comprendre le développement professionnel par l’analyse des discours Produire des traces signiicaives La gestion des traces par l’étudiant est libre – une liste ouverte de possibilités est donnée à titre indicatif. Elles sont variées quant à leurs contenus et formes. Soit, elles proviennent directement de l’exercice de la fonction – travaux d’élèves, préparations de leçons, lettres de parents, rapports des superviseurs, vidéos des actions dans les classes, etc. ; ou de supports institutionnels et académiques – orientations oficielles, code de déontologie, chartes ou référentiels produits par l’établissement, articles de revues professionnelles, syndicales ou scientiiques, notes de cours, ilms documentaires, etc. Les étudiants les choisissent comme des témoins de leur activité effective ou de ce qui l’oriente, facilite ou contraint, pour leur caractère instructif, illustratif ou interpellant. Soit, elles sont écrites par les EF à partir de leurs expériences de vie et de stage : récits autobiographiques intellectuels (par exemple, « ma trajectoire d’élève », « comment m’est venue l’idée d’enseigner », « mon rapport à la discipline que j’enseigne »), textes conceptuels (« l’épistémologie de ma discipline », « le rôle de ma discipline dans le développement intellectuel des élèves »), analyses d’incidents critiques survenus au travail, etc. Lors de séminaires, les étudiants sont invités à identiier ensemble les préoccupations dont ces traces témoignent. Ce travail se base sur un repérage des préoccupations classiquement reconnues comme prégnantes chez les enseignants, surtout en début de carrière (GOIGOUX, 2007 ; TARDIF, LESSARD et LAHAYE, 1991 ; VANHULLE, 2009). Schématiquement, elles recouvrent la gestion de classe ; la gestion des apprentissages des élèves ; les rapports avec les autres acteurs de l’éducation (collègues, directeurs, superviseurs) et les parents d’élèves ; et l’identité professionnelle en construction. Avec Goigoux, on peut les relier aux déterminants dans lesquels s’exerce l’activité professionnelle: institutionnels (l’école), personnels (l’enseignant) et publics (les élèves). Ces déterminants comportent diverses caractéristiques sur lesquelles l’activité enseignante tente de générer des effets. C’est dans ce « genre professionnel » que se déploient les pratiques singulières de l’enseignant, entre travail prescrit et travail réel. Nous posons que les savoirs professionnels se forgent à mesure que se développent des manières de faire investies d’un sens personnel (caractéristiques de l’enseignant), pertinentes au regard de normes et de missions déinies de l’extérieur, et adaptées à l’environnement (caractéristiques de l’école au sens global et dans des contextes situés, caractéristiques des élèves en général et dans les classes). Et nous posons que pour qu’adviennent sens, pertinence et adéquation, le passage par l’appropriation de concepts scientiiques est nécessaire. SCRIPTA, Belo Horizonte, v. 15, n. 28, p. 145-169, 1º sem. 2011 147 Sabine Vanhulle Recourir à des concepts comme instruments de pensée et d’acion Cette appropriation dépend de la conscientisation des perturbations ou déséquilibres (cognitifs, affectifs, pratiques) souvent dus aux réalités du travail (obstacles pragmatiques). Par exemple c’est souvent face aux dificultés d’apprentissage des élèves que l’EF se sent démuni, voire impuissant. Il doit alors, notamment, conceptualiser les fonctions de la transposition didactique et de la relation des élèves aux savoirs scolaires ; il doit également se poser la question : qu’est-ce qu’apprendre ? Comment engager des élèves dans des tâches ? En quoi consiste la motivation scolaire ? Etc. Les savoirs de la recherche – transmis dans le programme au-delà de notre propre dispositif – sur les processus de l’apprentissage et de l’enseignement en situation de classe peuvent venir à la rescousse. Mais ces savoirs de référence peuvent eux aussi, s’avérer contre-intuitifs, dificiles à saisir dans leur teneur (obstacles épistémiques). Tout le travail à entreprendre consiste alors à faire en sorte que les concepts scientiiques (VYGOTSKI, 1997), deviennent des outils pour la compréhension et le dépassement des déséquilibres pragmatiques et épistémiques. L’usage des concepts scientiiques en tant qu’outils de pensée et d’action soutient l’objectivation de problèmes et de pistes de résolution. Il procure des éléments de distanciation, y compris pour l’analyse d’affects ou de croyances sous-jacents qui inhibent parfois le pouvoir de rélexion et d’action du débutant. Ils participent ainsi d’un processus psychique de régulation de conceptions, actions et sous-jacents, nécessaire au développement d’une eficacité professionnelle mais aussi au développement des capacités mentales du sujet (BUYSSE et VANHULLE, 2009 ; BUYSSE, 2010). Génératrice de concepts spontanés, et de la fabrication d’un « sens commun », l’expérience est alors réélaborée dans une dialectique où les concepts spontanés se restructurent avec une intériorisation des concepts scientiiques. Si cette dialectique trouve sa synthèse dans l’incorporation des concepts scientiiques dans le cours même de l’expérience et la restructuration « à la hausse » des concepts spontanés, le processus de régulation est en cours. Lorsqu’il est poussé au plus haut degré, nous pensons que ce processus de développement mental entraine une « subjectivation des savoirs professionnels », dans laquelle, notamment, des apports théoriques sont incorporés dans un discours propre orienté vers un agir investi de signiication (VANHULLE, 2009). En recourant à la didactique professionnelle (PASTRÉ, 2008), des concepts épistémiques s’articulent à des concepts pragmatiques ; dans notre propre perspective, l’énonciation peut être génératrice de cette fusion. 148 SCRIPTA, Belo Horizonte, v. 15, n. 28, p. 145-169, 1º sem. 2011 Comprendre le développement professionnel par l’analyse des discours Ce présupposé théorique suppose que l’apprentissage socialement médiatisé par des outils sémiotiques – savoirs à disposition, mises en discours – génère potentiellement des transformations de la conscience ou régulations interfonctionnelles entre les modes de pensée et d’action du sujet. Le langage est un vecteur de ces transformations. L’écriture en particulier, parce qu’elle comporte en soi une fonction rélexive et donc structuratrice d’une pensée se déinissant en lien avec l’agir et le positionnement de soi dans l’agir, peut soutenir ces régulations (VANHULLE, 2005). Le rôle du dispositif est donc de proposer des médiations sémiotiques susceptibles d’enclencher des régulations internes chez le sujet. Le récit d’expérience y joue un rôle important (VANHULLE, 2009 ; VINATIER, 2009), car il est psychologiquement constitutif de l’insertion de l’individu dans la communication sociale et de son ancrage dans l’histoire. Ricœur parle d’ « identité narrative » pour désigner ce rapport entre le dire et la participation dans le monde qui se construit dans la mise en récit de l’expérience. Son eficace, en termes de coniguration du sens donné aux actions et de reconiguration de ce sens par l’activité discursive, provient de sa fonction de mise en intrigue (RICŒUR, 1991) de ce qui arrive à l’expérience. Conceptualiser l’expérience à l’aide de micro-récits Ces micro-récits, rédigés individuellement, décrivent des situations vécues au travail comme « questionnantes » en vue de dégager les savoirs et compétences que ces situations sont censées mobiliser. Selon les cas, elles permettent également de conscientiser les impacts identitaires qu’elles peuvent provoquer : images de soi comme enseignant, sentiment de compétence ou d’eficacité, effets de stress, tensions en termes de valeurs, d’intérêt ou de motivation, interrogations sur la capacité à survivre et à durer dans le métier, etc. Echangées dans les analyses collectives, les expériences se reconigurent dans des réinterprétations de la réalité. Mis en discours, orientés par une quête de savoir mais aussi de pouvoir agir, les récits se reconigurent dans un langage où le rapport au dire et le rapport au faire s’inluencent mutuellement. Ce langage intimement lié à l’agir se caractérise par « son réseau de termes interdéinis et son système de contradiction, de contrariété et de présupposition (…). La sémantique de l’action apporte les signiications du faire et la structure spéciique des énoncés qui se réfèrent à l’action. » (RICŒUR, 1988, p. 110).5 5 ‑ Ibid. SCRIPTA, Belo Horizonte, v. 15, n. 28, p. 145-169, 1º sem. 2011 149 Sabine Vanhulle Ces nouvelles igurations des expériences possèdent une fonction d’objectivation. A l’aide de savoirs scientiiques, outils de réduction du réel, il s’agit de dégager les concepts fondateurs de l’activité enseignante, ses régularités ou invariants au-delà du caractère situé et singulier de l’activité professionnelle dans ses contextes différenciés. Le récit inal Seul ce texte inal, intitulé « Récit de ma trajectoire de développement professionnel » (RTDP) est soumis à évaluation. Cet écrit de dix à douze pages doit rendre compte des savoirs professionnels et de la construction identitaire professionnelle à ce stade de l’entrée dans le métier. Il s’appuie sur la présentation de traces signiicatives des apprentissages effectués et sur des situations sélectionnées dans les micro-récits. Des lignes directrices sont données aux étudiants sur ce genre discursif qui doit combiner narration en « je » et analyse théorisée des éléments saillants de la trajectoire. Dans ce sens, le récit ne restitue pas des « vérités ». Il s’agit forcément d’une reconstruction d’événements vécus que le narrateur transforme en événements de sens dans un texte. La mise en intrigue évoque des doutes, tensions, prises de conscience, résolution de problèmes, réalisations, initiatives, savoirs acquis, images de soi recomposées. Le RTDP est donc forcément subjectif. En même temps, par la formalisation des savoirs et des images identitaires qu’il propose, il constitue un travail d’objectivation d’éléments fondateurs de la profession. Dans ce sens, il dépasse l’anecdote, le « rapport » ou le bilan de compétences. Il résulte d’un travail rélexif qui allie l’expérience et les savoirs de référence issus de la formation académique. Il suppose un discours « authentique », c’est-à-dire relié à l’apprentissage professionnel situé, relié à des conditions de travail singulières et à un style propre qui se cherche dans le genre professionnel et se sémiotise dans le genre textuel. De ces lignes directrices résultent les critères pour l’évaluation : savoirs professionnels (SP) formalisés en fonction de caractéristiques telles que : contextes et situations d’où ces SP ont émergent ; références de la formation et de l’expérience propre pertinentes ; contenus des SP clairs ; explicitation d’intentions, valeurs, choix, positionnements identitaires ; identiication des axes de préoccupations que les traces sélectionnées illustrent ; souci de communication, lisibilité, correction linguistique et typographique. 150 SCRIPTA, Belo Horizonte, v. 15, n. 28, p. 145-169, 1º sem. 2011 Comprendre le développement professionnel par l’analyse des discours 1.2. Le contexte socio-insituionnel : des transacions paradoxales Parce qu’ils passent une partie de leur formation au travail, les EF vivent un mode d’alternance où le dispositif n’est pas étanche aux pressions extérieures. Cette alternance se charge de transactions sociales dans des champs de normes et de valeurs, où sont mises en tension les images de soi, de sa responsabilité et de son pouvoir d’action. Entre rélexivité et réacivité Notre dispositif vise clairement l’appropriation d’une démarche rélexive systématique. Mise à distance de l’expérience, mobilisation de concepts en vue d’exercer sa créativité dans le réajustement de ses actions, la rélexivité cherche à dépasser la simple adaptation aux réalités. Cette démarche d’enquête et d’expérimentation (DEWEY, 1943), s’est imposée dans de nombreuses formations aux métiers de l’humain comme un véritable paradigme : le « tournant rélexif » vise l’émergence d’une épistémologie de la pratique fondée sur l’intelligence des situations (SCHÖN, 1987). Dans les faits, une telle intention de formation se heurte à cette tendance, normale chez tout travailleur et en particulier chez les débutants, à la réactivité : face à la multiplicité des phénomènes, il s’agit de répondre à l’urgence (PERRENOUD, 2010). Et les individus au travail ou en formation, sont confrontés à deux circuits concurrents, voire conlictuels (BOUTINET, 2009, p. 12) : un circuit court, celui de la réactivité qui interdit toute rélexivité : répondre à l’urgence avec la fragilisation que cela comporte, et un circuit long, élaborer à partir des informations et des communications, des connaissances, celles nourricières sur le long terme des apprentissages et orientations qui se font tout au long de la vie. L’interprétation des discours se doit de tenir compte de ces temporalités du développement, du temps long nécessaire à installer une rélexivité qui ne soit pas seulement utilitariste, mais qui s’apparente avant tout à une démarche scientiique, une « rélexivité rélexe » (BOURDIEU, 2001) poussant à questionner les signiications auxquelles on adhère ou pas. La tension entre rélexivité et réactivité, décrite par Boutinet comme l’une des injonctions paradoxales de la société moderne, est d’autant plus forte que les SCRIPTA, Belo Horizonte, v. 15, n. 28, p. 145-169, 1º sem. 2011 151 Sabine Vanhulle discours sur les formations, d’enseignants notamment, véhiculent des idéologies. Parmi les doxas courantes, une logique des compétences défend l’idée que celles-ci sont constitutives des identités professionnelles.6 La formation initiale en deviendrait avant tout « productive », c’est-à-dire préparant directement aux gestes les plus eficaces du métier (VANHULLE et al., 2011). « Qui je suis » et « ce que je vaux » – préoccupations existentielles s’il en est –, se mesurerait alors en termes de comportements : « je suis ce que je montre que je sais faire ou tente de faire ». Là aussi, l’analyse des discours des étudiants – et l’accompagnement de leur construction – se doit d’intégrer comme une donnée les doxas héritées des discours sociaux (SARFATI, 2005), dès lors que le style du discours individuel « constitue une expression modulée de la doxa » (p. 117). Ceci renvoie à la question des voix externes qui s’expriment dans les récits singuliers des étudiants, exprimant parfois des attendus convenus. Se posiionner comme sujet capable dans des débats de normes Si la mise en scène de soi comme compétent se limite à des savoirs faire techno-instrumentaux (« je sais faire ») et à des savoirs déclaratifs (« Il convient de savoir que »), alors une perspective plus essentielle se perd : l’attestation de soi comme individu capable (« Je peux »), au sens de Ricœur, qui permet au sujet d’assumer une rélexivité sur sa responsabilité dans les actes qu’il pose et sur le sens de ses actes. C’est dans ce travail du sens que s’élabore l’identité dans sa facette d’ipséité : celle qui se transforme à la suite des altérations survenues de l’expérience, celle qui s’historicise dans les reconigurations par le sujet de ses expériences mises en intrigue, en même temps que se maintient cette autre facette identitaire vitale, la mêmeté, ancrage du sujet dans un passé, un patrimoine, une histoire (RICŒUR, 1991, 2003).7 Cette transformation identitaire est à penser en termes de sujet social conduit, pour exercer sa capacité dans la continuité du « même » à se redéinir sans cesse « comme un autre » impliqué par des débats de normes, et dans lesquels il peut négocier ses espaces propres de « renormalisation » (SCHWARZ, 2010, p. 22) : 6 - Bien sûr, certains auteurs nuancent fortement cette idée en avançant que la co-construction compétences-identité professionnelle ne se limite pas à des conditions strictement productives et qu’elle doit viser avant tout, en formation initiale, la construction du sujet, son apprentissage et son développement (BECKERS, 2007). 7 - Voir à ce propos VINATIER, Isabelle, Pour une didactique professionnelle en enseignement, Rennes : P.U.R., 2009, et la postface de Pierre Pastré à cet ouvrage. 152 SCRIPTA, Belo Horizonte, v. 15, n. 28, p. 145-169, 1º sem. 2011 Comprendre le développement professionnel par l’analyse des discours Comment, avec ce que nous sommes devenus (en un sens, la capacité), dans un environnement collectif toujours partiellement resingularisé, puis-je traiter le débat de normes ? Comment est-il traitable pour et par moi, à quel coût ? A quelle distance, acceptable ou invivable, entre mes horizons de renormalisation et les caractéristiques des normes sociales (gestionnaires, organisationnelles, stratégiques,…) qui prétendent anticiper mon usage de moi-même, suis-je confronté ? Et par là, quelle est la disponibilité de l’univers social où je dois vivre aux choix d’usage de moi-même qui résulteraient de mes débats de normes ? Cette question invite à considérer le fait que dans l’alternance entre le monde académique et le monde du travail, des arbitrages s’imposent à la rélexivité, entre des ensembles de « techniques, de règles, de conventions, de lois, de concepts aux statuts les plus divers propres à embrouiller l’évaluation critique ».8 La constitution de savoirs professionnels dans un discours censé et cohérent, les capacités de délibération et de créativité intellectuelle qu’elle suppose, doivent composer avec ces normes multiples. Ces normes ne sont pas toujours explicites et verbalisables ; elles s’incorporent dans le lux des expériences : « (…) tout au long de notre vie, notre ‘corps‑soi’ est mis à l’épreuve, s’historicise à travers ces enchâssements de débats de normes. ».9 En formation d’enseignants, la multiplicité de normes projetées sur les pratiques scolaires est manifeste. Les étudiants ont à se débrouiller avec de multiples offres de signiications qui s’avèrent parfois contradictoires, entre l’héritage académique dans lequel ils se sont forgé des savoirs relatifs à la discipline qu’ils enseignent, les savoirs de référence scientiiques issus de la recherche en éducation, les conseils des superviseurs, les règles en vigueur dans l’établissement, les attentes et représentations sociales en matière d’éducation scolaire, les pratiques d’enseignement qui se sont sédimentées dans l’histoire scolaire (SCHNEUWLY ; THÉVENAZ, 2006). A visée pragmatique, les savoirs professionnels formalisés impliquent la quête de logiques d’action (cf. supra, les rapports texte-action chez Ricœur) sur lesquelles peut se fonder de manière harmonieuse pour le sujet, une identiication à la profession vécue comme acceptable pour soi et pour autrui. C’est en lien avec cette quête qu’il s’agit de saisir dans quels types de débats, préoccupations et dilemmes les enseignants en formation se débrouillent. Une source pour comprendre le travail entrepris dans les écrits sur ces logiques d’action nous est fournie par le concept de « mondes représentés » (HABERMAS, 1987) : les discours orientés vers l’appropriation rélexive du métier questionnent nécessairement les lois, normes et valeurs qui le régissent. 8 - Ibid., p. 21. 9 ‑ Ibid., p. 21. SCRIPTA, Belo Horizonte, v. 15, n. 28, p. 145-169, 1º sem. 2011 153 Sabine Vanhulle Un pont sur l’abîme En déinitive, il n’est pas de savoir professionnel pur et désincarné. Le binôme « théorie-pratique » avec le clivage qu’il insinue, n’a pas de sens. Concepts et percepts, construction de la réalité et expérience brute, outils culturels et processus naturels de l’apprentissage, s’associent dans une tierce voie. C’est l’intellection – quête pour le sujet de sa capabilité et de son pouvoir d’action dans le monde – sans laquelle les individus se perdraient dans la contingence et le cours des choses. Cette intellection jette un pont sur l’hypothétique abîme qui séparerait le sujet et les objets de l’expérience sur lesquels porte son attention (JAMES, 2007). Si elle peut être enrichie par l’usage de concepts scientiiques, elle est en même temps constamment débordée de toutes parts par le réel, le lux des événements, la bousculade des imprévus. Et par des besoins d’établir une continuité dans l’expérience (la mêmeté). Ainsi, si la formation vise le développement à partir de la subjectivation de concepts scientiiques permettant d’instrumenter la conception et la conduite de l’activité, il faut admettre qu’en même temps la rélexivité s’attache à des intérêts et des buts sélectifs : « nous harnachons10 la réalité perceptuelle à l’aide de concepts ain de la faire mieux correspondre à nos ins » (JAMES, 2006, p. 65). « Saisir dans les discours en quoi la connaissance est un mode de l’existence » (LATOUR, 2007, p. 32-33), et quelle est la part des concepts au sein même de l’expérience (CANGUILHEM, 1994) relève d’une gageure. La part de l’action réellement menée – que l’on ne peut atteindre puisqu’elle est passée (SCHÜTZ, 1987), la part du corps dans l’expérience vécue, la part des perceptions initiales qui ont conduit à une certaine sélection de concepts déinis en fonction de buts et d’intérêts, échappent en grande partie au chercheur qui analyse les discours. Mais ces éléments inléchissent l’usage strictement rationnel des concepts scientiiques dans les récits : l’analyse doit garder cela en point de mire. Parce que celui-ci se déploie dans une dynamique de renormalisations, sa constitution s’enchevêtre dans diverses considérations d’ordre épistémique et pragmatique, mais aussi axiologique et éthique. Un énoncé de savoir professionnel peut donner lieu à l’émission d’hypothèses causalistes très rationnelles et de règles pour l’action ; mais aussi à l’expression de dilemmes anxiogènes et de décisions justiiées par des composantes affectives, des mobiles, des intentions. Il se caractérise par un entrelacs de prédicats. Il fait 10 - Souligné par l’auteur. 154 SCRIPTA, Belo Horizonte, v. 15, n. 28, p. 145-169, 1º sem. 2011 Comprendre le développement professionnel par l’analyse des discours usage, bien souvent, de notions qui s’entremêlent, plus que d’un appareil conceptuel consolidé. Très fréquemment, il est porteur de débats de normes, ou de valeurs (jugements, appréciations, évaluations). Mais aussi, de beaucoup de doutes et d’incertitudes. Valuaions et éthos professionnel C’est aussi cela qu’il s’agit d’identiier : un processus énonciatif et rélexif, qui s’attache à maîtriser ou questionner les composantes du métier en termes de valeurs (« A quoi je tiens ») (DEWEY, 2011) autant qu’en termes de savoirs et de compétences. Ce processus discursif implique alors des « valuations », travail rélexif consistant à discuter et à produire des valeurs. Comme les normes, comme les intérêts, mais aussi comme les désirs, les valeurs sont pour Dewey, non pas des phénomènes intrinsèques aux systèmes psychiques privés et dificilement atteignables des personnes, ni des manifestations de mécanismes subjectifs et avant tout d’ordre émotionnel et irrationnel. Elles se forment dans des intentions volontaires, délibérées, critiques, pouvant être soumises à l’enquête-expérimentation, consistant à « valuer » ce qui, dans une situation existante crée une aversion ; et ce qui, dans une situation possible à venir, crée une attirance. Et cette « valuation » implique en outre « une relation spéciique et testable entre cette dernière en tant que in et certaines activités en tant que moyens pour l’atteindre »11 (Dewey, 2011, p. 87). Deux composantes trouvent ici leur complémentarité, celle des émotions manifestées dans des comportements de rejet ou d’attraction (aimer ou pas) ;12 et celle de la valuation consistant dans des propositions d’évaluation13 des ins souhaitées dans un continuum avec les moyens de les atteindre.14 A un tel niveau, la construction de savoirs professionnels s’associe à l’enjeu identitaire : il n’y a pas de savoir sans valeur et sans recherche de congruence dans la continuité de l’expérience. Cela implique les EF dans l’élaboration d’un éthos professionnel (« Ce qu’il convient que je fasse »), qui renvoie à la manière dont le stagiaire construit un « désir de métier » dans une « identité axiologique » ou « il déinit et redéinit son aire d’action… » (JORRO, 2011, p. 53). 11 - Souligné par l’auteur selon la traduction présentée par Bidet, Quéré et Truc. 12 ‑ Ibid., p. 88-96. 13 ‑ Ibid., p. 97-128. 14 ‑ Ibid., p. 129-145. SCRIPTA, Belo Horizonte, v. 15, n. 28, p. 145-169, 1º sem. 2011 155 Sabine Vanhulle 2. La recherche : décrire, comprendre, expliquer… 2.1. Quel type d’analyse de discours ? Notre recherche15 basée sur l’analyse des discours vise à décrire non seulement les énoncés de savoirs professionnels produits, mais surtout, à comprendre les processus de leur production dans l’écriture de récits. Ces processus discursifs de création de textes par les EF ne sont pas envisagés pour eux-mêmes à des ins de recherche de linguistique textuelle close, qui viserait par exemple l’évaluation des performances langagières des étudiants. L’analyse procède plutôt d’une linguistique pragmatique, qui incorpore une perspective herméneutique. Dans cette double perspective, l’ordre linguistique n’est pas autonome mais renvoie à l’expérience d’un monde saturé de culture et de signiications, dans lequel le sujet tente de se redéinir (ipséité) en termes de « que puis-je ? ». On l’a vu, cette question ne nous renvoie pas seulement au sens donné à leur profession par les étudiants à travers des énoncés de savoirs professionnels, mais aussi, à travers des débats de normes et de valeurs et la constitution d’un éthos. En termes rhétoriques (MAINGUENEAU, 2002), L’énonciateur doit légitimer son dire : dans son discours, il s’octroie une position institutionnelle et marque son rapport à un savoir. Mais il ne se manifeste pas seulement comme un rôle et un statut, il se laisse aussi appréhender comme un corps. (…) L’image discursive de soi est (donc) ancrée dans (…) un arsenal de représentations collectives qui déterminent en partie la présentation de soi (CHARAUDEAU ; MAINGUENEAU, 2002, p. 239). S’appuyant sur Appel (2002), Sarfati fait l’analyse d’une linguistique pragmatique dans laquelle : Le primat (…) accordé au paramètre discursif renouvelle de manière décisive notre compréhension du rapport que le sujet entretient avec le monde, avec les objets de connaissance, ou plus immédiatement avec autrui. Le point de vue pragmatique est ainsi constitué en prisme d’interprétation de toute praxis : l’activité scientiique, l’action historique, la relation interpersonnelle. Il situe ainsi la pragmatique à mi-chemin de l’herméneutique et de la praxéologie » (SARFATI, 2005, p. 46). 15 - La recherche a été menée par les membres suivants du groupe TALES : Kristine Balslev, Alexandre Buysse, Sandra Pellanda Dieci, Anne Perréard Vité, Edyta Tominska, Jean-Marc Tosi et Sabine Vanhulle. Elle a porté sur des récits produits en 2009-2010 et s’est étendue sur l’année 2010-2011. 156 SCRIPTA, Belo Horizonte, v. 15, n. 28, p. 145-169, 1º sem. 2011 Comprendre le développement professionnel par l’analyse des discours Quant à Bronckart, il démontre comment les types de discours constituent des produits de l’activité langagière à l’œuvre dans des formations historicosociales (BRONCKART, 1996). Ces types de discours traduisent des mondes discursifs, « c’est-à-dire des formations sémiotiques organisant les relations entre les coordonnées du monde vécu d’un agent, celles de sa situation d’action et celles des mondes collectivement construits » (BRONCKART, 2001, p. 150). Les textes relevant de ces discours, ils représentent « toute unité de production verbale véhiculant un message linguistique organisé et tendant à produire sur son destinataire un effet de cohérence » (BRONCKART, 1996, p. 137). Cet apport permet d’insister sur plusieurs idées essentielles : le monde discursif n’est pas le relet des phénomènes de la réalité et des évènements de l’expérience ; l’auteur du discours se dégage de cet ancrage dans le monde, ses traditions, préjugés, normes ou savoirs, par le travail de sémiotisation de ces paramètres : « Entre les deux se déploie le monde du texte, de signiié de l’œuvre, à savoir, dans le cas du texte-récit, le monde des trajets possibles de l’action réelle. » (RICŒUR, 1986, p. 187). La forme d’objectivation qui provient de la sémiotisation, ou reconiguration discursive de l’action sensée dans des signiications qui relèvent d’une mise en texte, fait que « l’action n’est plus une transaction à laquelle le discours continuerait d’appartenir. ».16 Quant aux textes, en tendant à provoquer un effet de cohérence vers autrui, recourant aux règles des types discursifs dont ils relèvent, ils s’inscrivent dans un agir communicationnel nécessairement orienté par des intentions de sens. 2.2 Indicateurs et méthode herméneuique Sur la base d’une « grille d’indicateurs du développement » (BUYSSE et VANHULLE, 2009) et des travaux antérieurs des chercheurs du groupe,17 cette recherche a porté sur un corpus de récits de trajectoires, sélectionnés de manière aléatoire et anonymisés, volontairement limité à une dizaine de textes de manière à éprouver la transférabilité et la validité de cette grille d’un chercheur à l’autre.18 16 ‑ Ibid., p. 213. 17 - Au total les analyses avec ces indicateurs – la grille ayant évolué au fur et à mesure des recherches empiriques – ont porté sur quelque deux cents récits analogues d’enseignants en formation primaire ou secondaire. 18 - Les chercheurs n’ont pas analysé les récits qu’ils avaient évalués dans le cadre des séminaires dont ils avaient la charge. SCRIPTA, Belo Horizonte, v. 15, n. 28, p. 145-169, 1º sem. 2011 157 Sabine Vanhulle Des indicateurs de sémioisaion A partir des prémisses évoquées au point 2.1, ces indicateurs doivent être compris comme des indicateurs de sémiotisation, de production de signiications qui puissent faire sens pour les lecteurs auxquels ils s’adressent autant que pour les auteurs eux-mêmes. Ces formes de sémiotisation de l’agir dans la construction des savoirs professionnels relèvent des « mondes représentés » (HABERMAS).19 Dans les termes de Grize, on pourrait aussi parler de schématisations (GRIZE, 1996). C’est dans cette ligne qu’est introduite l’analyse de modalisations du discours. Nous retenons comme grandes catégories les modalisations de type logique, qui consistent à proposer des lois générales, des règles idéales de fonctionnement, des vérités; des modalisations de type déontique, exprimant des valeurs, des opinions, des normes socialement légitimées, des références à l’ordre et au devoir; des modalisations de type pragmatique qui portent sur les raisons d’agir de telle ou telle manière selon les situations sociales ; et des modalisations appréciatives issues du monde de celui qui parle (d’après BRONCKART, 1996, pp. 132-133). Les termes et expressions qui relètent ces modalisations sont multiples. Ce sont les jugements, appréciations ou commentaires qui s’insinuent dans les auxiliaires de mode (pouvoir, devoir, vouloir), les verbes tels que « souhaiter », « croire », « douter », les temps du verbe au conditionnel, un sous-ensemble d’adverbes (certainement, sans doute, heureusement, etc.), certaines phrases impersonnelles (il est évident, il est possible, il faut, on doit). Ces modalisations dans des « mondes représentés » ne cherchent pas à simplement comprendre mieux le monde professionnel réel : elles tendent à conférer une validité aux signiications que le texte propose. Elles participent ainsi de cet ensemble de subjectivèmes (KERBRAT-ORECCHIONI, 1999), traces du sujet comme instance énonciative du texte, procédés « par lesquels l’énonciateur imprime sa marque à l’énoncé, s’inscrit dans le message (implicitement ou explicitement) et se situe par rapport à lui ».20 Ces traces impliquent notamment, en plus des modalisations, les déictiques de base – marqueurs personnels, temporels et spatiaux. Plus subtilement, ces marqueurs de subjectivité se manifestent dans les modes de traitement thématique des objets traités tout au long de la textualisation (reformulations, modes de connexion des éléments du raisonnement, aménagements de segments théoriques au il de la narration, mais 19 ‑ Op. cit. 20 ‑ Ibid., p. 34. 158 SCRIPTA, Belo Horizonte, v. 15, n. 28, p. 145-169, 1º sem. 2011 Comprendre le développement professionnel par l’analyse des discours aussi les ellipses, les formes de suspension et d’inachèvements, comme autant de lapsus calamni…). C’est aussi pour marquer les manières dont le texte réaménage des rapports à l’action que nous avons établi des indicateurs évoquant la sémiotisation de motifs (SCHÜTZ, 1987) attribués à l’action réalisée (motifs parce que) ou projetée (motifs en vue de). Bien entendu, il s’agit toujours de formes de construction interprétative de l’action, et non de relets de l’action elle-même et de l’intentionnalité effective du sujet (ANSCOMBE, 1957). Les savoirs professionnels s’enchevêtrent donc dans une prise en charge énonciative supposant la sémiotisation de soi, d’autrui, des interactions vécues dans des espaces-temps déinis ; et supposant la réélaboration de divers contenus de savoirs, de normes, de valeurs. Dans la mesure où ces contenus incorporent à leur manière des éléments issus de la réalité du travail, le discours signale divers aspects : contextuels (aspects temporels et spatiaux, personnes en présence), situationnels (circonstances dans lesquelles se déroulent l’activité, problèmes et obstacles rencontrés), intersubjectifs (origines des signiications proposées) et subjectifs (affects, questionnements, positions propres, etc.). Encore une fois, ces aspects sont passés au prisme d’une interprétation par le narrateur. De même, la prise en charge de points de vue d’autrui dans l’énonciation n’implique pas nécessairement que l’énonciateur les juge « vrais » et s’en serve comme points de départ à sa propre rélexion. Il est un autre cas de igure, bien soulevé par Rabatel, où l’énonciateur impute des points de vue à autrui, ce qui limite sa responsabilité, mais qui lui permet aussi de valider ses énoncés au regard non pas de critères de vérité, « mais par rapport à un critère épistémique qui porte avec lui la trace de l’histoire, ainsi que des relations intersubjectives et interactionnelles dans lesquelles les locuteurs sont pris » (RABATEL, 2009, p. 86). Ces différents indicateurs renvoient donc à des contenus de savoirs professionnels et aux procédés de leur prise en charge énonciative et de textualisation. Mais, si les textes-récits engagent leurs auteurs dans des reconigurations de leurs savoirs et expériences, alors l’écriture manifeste des indices de rélexivité et de régulation. Rélexivité et régulaions Nous avons ajouté à la liste des indicateurs, les « opérations rélexives » permettant de repérer les points d’appui cognitifs de la sémiotisation : actes langagiers de réminiscence, décision, délibération, etc. ; et des indicateurs relatifs aux empans rélexifs permettant de repérer sur quelles dimensions de l’enquête SCRIPTA, Belo Horizonte, v. 15, n. 28, p. 145-169, 1º sem. 2011 159 Sabine Vanhulle les discours se focalisent : en termes techniques (comment faire, les procédures) ; contextes (quelles caractéristiques des situations et en particulier des élèves prendre en compte) ; critiques (pourquoi est-ce ainsi, que faudrait-il changer) ; et autoréférencés (mes propres ressources de personne et d’enseignant). Enin, nous l’avons dit, notre présupposé est que le travail discursif-rélexif inluence potentiellement les systèmes de régulations des sujets. Cet indicateur permet de jauger jusqu’à quel point des concepts sont appropriés, amenant le processus de sémiotisation vers des redéinitions de l’agir professionnel (régulations portant sur des conceptions, des actions ou des sous-jacents). Des indicateurs au cercle herméneuique Ces indicateurs réunis et leurs convergences doivent permettre de saisir comment se jouent et se nouent les rapports texte/agir. Pour mieux comprendre ces dynamiques, il faut entrer en dialogue avec les textes. Dans ce sens, les indicateurs donnent des points d’appui vers une méthode herméneutique de recherche, entre compréhension et explication : J’entends par compréhension la capacité de reprendre en soi-même le travail de structuration du texte et par explication l’opération de second degré greffée sur cette compréhension et consistant dans la mise au jour des codes sous-jacents à ce travail de structuration que le lecteur accompagne (RICŒUR, 1986, p. 37). Pour procéder au repérage des indicateurs, systématiquement encodés, l’unité de base est la phrase. L’encodage est linéaire, synchronique. Il permet une première identiication des thématiques traitées, des types d’indicateurs discursifs, rélexifs et liés aux systèmes de régulation récurrents, des convergences dans les récurrences entre les types d’indicateurs. Cette analyse descriptive permet également de sélectionner des segments de texte saturés d’indicateurs. Il s’agit alors de dégager les sillons de sens qui se tissent dans les textes. Nous les nommons « topics » pour les distinguer des thèmes explicitement travaillés dans la textualisation. C’est « le moment du cercle herméneutique entre la compréhension mise en jeu par le lecteur et les propositions de sens ouvertes par le texte lui-même. ».21 L’analyse des topics s’attarde sur les textes dans leur diachronie. Elle peut prendre appui sur les segments de textes qui apparaissent comme des matrices 21 ‑ Ibid., p. 53. 160 SCRIPTA, Belo Horizonte, v. 15, n. 28, p. 145-169, 1º sem. 2011 Comprendre le développement professionnel par l’analyse des discours particulièrement investies de signiications. Mais elle nécessite également un large travail d’inférence. En effet, les topics manifestent des espaces mentaux et discursifs, ou sémiotiques, qui ont pour caractéristique d’évoquer « ce qui fait souci ». Cette évocation se cache dans l’implicite, les « blancs du texte », se dérobe dans des ellipses, se glisse dans des métaphores ou des catachrèses : pour autant, le « souci » n’est pas nécessairement conscientisé. Explicites ou implicites, ces préoccupations plus existentielles qu’instrumentales se manifestent dans des « valuations », pour reprendre le terme de Dewey. 3. Quelques résultats saillants Les indicateurs : pistes de compréhension sur l’appropriaion de savoirs professionnels Ces premiers résultats concernent l’appropriation de savoirs professionnels et les liens qu’elle laisse supposer avec des états actuels de développement. On peut cerner ces liens à partir des articulations entre usage énonciatif de concepts scientiiques dans le discours, rélexivité et régulation. Ces résultats conirment ce que nos précédents travaux ont commencé à mettre à jour. Les descripteurs (ou indicateurs) de l’écriture rélexive, du statut des savoirs dans le discours, des régulations et des niveaux de rélexivité tels qu’ils ressortent de l’analyse des textes nous permettent de dégager quatre formes d’appropriations (BUYSSE et VANHULLE, 2009). Schématiquement, on distingue : l’ « acquisition du savoir » : discours restitué ou reformulé avec faible cohérence et peu de liens conceptuels ; quasi absence de réélaborations thématiques ; régulations absentes ou portant uniquement sur l’action ; rélexivité peu présente ou alors limitée à l’empan technique. L’ « appropriation » : cohérence interne du savoir mais sans traces marquées de restructuration personnelle ; langage soutenu avec larges extraits importés des savoirs de référence, peu de problématisation à partir des situations vécues; régulations surtout de l’action, parfois des conceptions mais empreintes de prescriptions ; rélexivité surtout contextuelle. L’ « internalisation » : création d’un sens en lien avec les savoirs tant référentiels qu’expérientiels; intégration dans les situations ; cohérence des concepts souvent reformulés de manière originale ; régulations portant sur les actions, les conceptions ou les sous-jacents ; rélexivité contextuelle mais souvent critique. Enin, l’ « expertise » : expression de l’intentionnalité propre en plus de motifs attribués à l’agir ; un langage soutenu, SCRIPTA, Belo Horizonte, v. 15, n. 28, p. 145-169, 1º sem. 2011 161 Sabine Vanhulle reformulation consciente mais avec résurgence des formes intégrées du discours social ; cohérence des concepts, savoirs intégrés au système de pensée ; régulations de tous les systèmes selon les situations rencontrées ; rélexivité de niveau contextuel entraînant presque toujours l’esquisse d’une rélexivité au niveau critique. La méthode herméneuique : pistes explicaives quant aux méandres du sens Notre nouvelle recherche complète ces résultats par l’investigation des préoccupations qui se nouent dans la sémiotisation de l’agir. Qu’est-ce qui « fait souci » à l’appropriation de savoirs professionnels ? Dans tous les cas, les situations narrées précisent les préoccupations évoquées au point 1.1 : la gestion des apprentissages, souvent interrogée sous l’angle de la motivation des élèves ou de leurs rapports aux savoirs et à l’école, qui inluencent le système didactique ; la gestion de la classe souvent envisagée sous l’angle de l’autorité, de la sanction (ou punition) ou du climat à installer pour engager les élèves dans l’apprentissage ; se déinir identitairement, ce qui implique notamment la nécessité de développer des sentiments de compétence et de se faire reconnaître par les collègues, le directeur ou les parents ; se positionner lorsque l’on se sent en désaccord avec certaines pratiques scolaires tout en se conformant. Nous esquissons ici quatre cas de igure typiques où les textes sémiotisent des soucis sous-tendus par des normes, valeurs, un éthos où le soi se cherche encore comme sujet social (« valuations »). Tensions entre les idéaux et les moyens dont on dispose L’EF se situe par rapport à des valeurs transmises dans le milieu familial et social, qui confèrent à l’école d’amples missions : développer les esprits par l’éducation et l’acquisition des savoirs, former de futurs citoyens aux fondements de la démocratie. Ces idéaux trouvent des points d’attache dans la passion du savoir disciplinaire qu’il s’agit de transmettre et la formation disciplinaire première contribue à cet attachement au savoir; ou bien, aussi, dans des courants de pensée pédagogique. Par exemple, le socioconstructivisme, dont les EF retiennent des injonctions, ou des doxas convenues davantage, souvent, que les concepts scientiiques complexes qu’il contient, telles que : « Placer l’élève au centre des apprentissages », « installer la participation et les interactions entre pairs », « modiier les premières conceptions des élèves en les engageant SCRIPTA, Belo Horizonte, v. 15, n. 28, p. 145-169, 1º sem. 2011 162 Comprendre le développement professionnel par l’analyse des discours dans des résolutions de problèmes » et en les confrontant « à des obstacles épistémologiques ».22 Le choc de la réalité apparaît alors à beaucoup comme invivable – ce dont témoigne l’expression de nombreux affects renvoyant à des sentiments d’impuissance et d’incompétence : c’est qu’il faut faire face aux élèves rétifs à l’apprentissage, gérer le bruit et les pertes de temps, renoncer au travail en groupes, gérer des conlits, parfois punir ; se confronter à de faibles résultats de performances des élèves qui génèrent un sentiment d’ineficacité. Les régulations, dans de tels cas, devraient porter sur l’écart entre l’idéal et la réalité, la sémiotisation, sur ce qui constitue la teneur de l’écart. Mais cela implique des renoncements parfois vécus comme inacceptables ; les régulations s’attachent alors à des actions ajustées, à des techniques « qui marchent », au nom du réalisme (il faut bien survivre). La sémiotisation des sous-jacents – le système de valeurs en l’occurrence – est évitée, la régulation des affects est empêchée : renoncer à « ce à quoi on tient » en termes d’idéaux, faire « ce que l’on n’aime pas » (par exemple, se percevoir comme un enseignant coercitif) marque une trop forte rupture dans le désir de métier. Les métaphores de la noyade, de l’engloutissement et de la perte sous-tendent des topics attachés aux idéaux trop sacralisés pour les traduire en objectifs plus raisonnables. La valuation des rapports ins/moyens, dans ces cas, ne débouche pas forcément sur la construction énonciative d’une praxis équilibrée. Trouver dans la science des savoirs pour une éthique intègre La confrontation à ces réalités peut entraîner à rechercher dans la science des repères plus solides que les valeurs idéales. C’est la quête d’une doxa qui s’installe sous l’angle du « il faut » au nom de lois scientiiques. Se posent alors les questions du « comment faire » selon une logique de la « preuve ». L’écart entre la théorie et la pratique devient si grand qu’un rejet sourd des propos énoncés : la formation théorique ne sert à rien dans la pratique. Pire : les savoirs scientiiques ne permettent pas de déinir un éthos, tant la pratique nécessite de se contredire par rapport à ce qu’ils véhiculent ; l’expérience ne peut intégrer la science si l’on veut l’investir vraiment d’un sens éthique. En-dehors d’aspects allusifs (dans un topic du désenchantement), le récit s’arrime fortement à un argumentaire de déconstruction des théories. 22 - Pour des raisons de limites éditoriales, nous ne citons pas ici tous les auteurs convoqués par les EF pour soutenir par ces concepts leurs idéaux éducatifs. SCRIPTA, Belo Horizonte, v. 15, n. 28, p. 145-169, 1º sem. 2011 163 Sabine Vanhulle Imputer des points de vue à autrui pour limiter sa responsabilité La prise en charge énonciative peut aussi se limiter à la restitution pure et simple de grandes idées théoriques, avec force citations. Si cela « ne marche pas » dans l’expérience, c’est parce que les penseurs de l’éducation sont déconnectés du réel, et non soi-même. S’insinue alors un topic générant des effets d’ironie : « je vous dis ce que vous attendez que je dise ». Le langage est emphatique, le « je » se dérobe, le récit se résorbe dans un discours théorique non impliqué. Se senir otage dans des conlits de prescripions Dans la pratique, les dilemmes sont nombreux. Il faut avancer dans le programme, répondre aux exigences des référentiels de compétences ixés pour la scolarité obligatoire tout en différenciant les parcours d’apprentissages compte tenu des élèves en dificultés ; il faut maintenir le calme dans la classe tout en favorisant un maximum d’interactions entre les élèves et avec l’enseignant ; il faut s’aligner sur les pratiques courantes dans l’établissement mais se montrer novateur, etc. Les topics évoquent l’image d’un enseignant pris en otage entre toutes ces contradictions, tiraillé entre plusieurs devoirs d’allégeance. L’autojustiication des compromis opérés imprègne la sémantique du discours. L’identité pour soi se bat avec l’identité pour autrui. Le corps souffre (stress, fatigue, découragement sont des termes fréquemment utilisés). 4. Brève discussion en guise de conclusion Il faudrait, pour nuancer mieux nos propos et montrer davantage l’extraordinaire diversité des discours dans leurs singularités, les illustrer par de larges extraits de corpus,23 et montrer comment, de ce qui est dit, ressortent les soucis qui opaciient parfois dramatiquement l’engagement dans le faire, le pathos qui s’iniltre dans les valuations des rapports entre des ins et des moyens. Contentons-nous de conclure que l’analyse par les indicateurs discursifs ne peut se limiter à produire des analyses qui prétendraient que, par manque d’intériorisation des concepts scientiiques, le développement n’advient pas. Ce développement doit se penser avec la prise en compte de ce que représente le 23 - Ce qui est habituellement notre manière de faire, mais nous avons pour cet article choisi de proposer une vision plus générale et théorisée de ce qui pose problème à la compréhension des discours en formation. 164 SCRIPTA, Belo Horizonte, v. 15, n. 28, p. 145-169, 1º sem. 2011 Comprendre le développement professionnel par l’analyse des discours lux de l’expérience vécue et la dificulté de sa sémiotisation dans une écriture impliquant prise de distance et reconiguration véritable. Pour le chercheur, cela implique de construire un système de références théoriques qui puissent relier harmonieusement des conceptions du développement basées sur la restructuration des concepts spontanés par la médiation des concepts scientiiques, d’une part, et une épistémologie de l’apprentissage expérientiel, d’autre part. Cette articulation reste encore impensée, surtout pour l’analyse de processus de sémiotisation de l’expérience par un « corps-soi » qui ne soit pas limitée au seul langage verbal et à la seule rélexivité consciente. Pour le formateur, cela implique un retour critique fécond sur les dispositifs d’analyse des pratiques. D’abord, la construction des rapports dits « théoriepratique » nécessite un travail en profondeur sur les épistémologies dans lesquelles se constitue la fabrication des savoirs scientiiques. Ensuite, le paradigme rélexif en vigueur dans les formations, doit garder en point de mire ce que le pragmatisme américain dont il s’inspire suggère vraiment. Donnons à ce propos la parole à Dewey pour terminer : Les premières suggestions de larges et grandes réorientations du désir et de l’intention sont forcément issues de l’imagination (…) non pas directement, mais par la découverte, à travers la vision imaginative, adressée à l’expérience imaginative (non au jugement établi), de possibilités contrastant avec les conditions réelles. Un sens de possibilités qui ne sont pas réalisées, mais qui pourraient l’être, est, quand celles-ci sont mises en contraste avec les conditions réelles, la ‘critique’ la plus pénétrante qui puisse être faite de ces dernières. C’est par un sens des possibilités s’offrant à nous que nous prenons conscience des constrictions qui nous enserrent et des poids qui nous oppressent (cité par BIDET, QUÉRÉ et TRUC, in DEWEY, 2001, p. 58-59). Understanding professional knowledge through discourse analysis Abstract In a device dedicated to professional development, our future teachers for secondary school produce a portfolio. It ends with a narrative trajectory. Our research concerns the analysis of these narratives through a grid of linguistic indicators. These indicators tell us about the discursive and relexive processes at work in the development of professional knowledge. This irst level of description leads to a hermeneutic research method SCRIPTA, Belo Horizonte, v. 15, n. 28, p. 145-169, 1º sem. 2011 165 Sabine Vanhulle which highlights the concerns underlying these processes: value systems, motivations and intentions; tensions between scientiic knowledge and the confrontation with realities of the experience; conlicting identity constructions. We question the social and external context-speciic training that inluence the production of these stories. We disclaim methodological implications for the analysis of descriptive and speech understanding. On this basis, we discuss a few research indings. Keywords: Portfolio. Written professional knowledge. Indicators of development. Valuation. Hermeneutic. Compreender o desenvolvimento proissional por meio da análise dos discursos Resumo Num dispositivo consagrado ao desenvolvimento proissional, nossos fufuturos professores do ensino secundário constroem um portfólio. Este é concluído por um relato de trajetória. Nossa pesquisa consiste na análise desses relatos a partir de uma grade de indicadores linguísticos. Esses indicadores nos informam sobre os processos relexivos e discursivos em uso na elaboração de saberes proissionais. Esse primeiro nível de descrição conduz a um método de pesquisa hermenêutico. Trata-se então de iluminar as preocupações subjacentes a esses processos: sistemas de valores, de motivações e de intenções; tensões entre os saberes cientíicos e a confrontação com realidades vividas na experiência; construções identitárias conlituosas. Questionamos as condições sociais externas e próprias do contexto de formação que inluenciam a produção desses relatos. Extraímos daí as implicações metodológicas para a análise de discursos com inalidade descritiva e compreensiva. Com base nisso, discutimos alguns resultados da pesquisa. Palavras-chave: Portfólio. Saberes proissionais escritos. Indicadores de desenvolvimento. Formação dos valores. Hermenêutica. Références bibliographiques APPEL, Karel. Expliquer-comprendre. La controverse centrale des sciences humaines. Paris: Cerf, 2002. BECKERS, Jacqueline. Compétences et identité professionnelle. Bruxelles: De Boeck, 2007. BOURDIEU, Pierre. Science de la science et rélexivité. Paris: Raisons d’agir, 2001. SCRIPTA, Belo Horizonte, v. 15, n. 28, p. 145-169, 1º sem. 2011 166 Comprendre le développement professionnel par l’analyse des discours BOUTINET, Jean-Pierre. Préface. In: GUILLAUMIN, Catherine; PESCE, Sébastien; DENOYEL, Noël (Éds.). Pratiques rélexives en formation. Ingéniosité et ingénieries émergentes. Paris: L’Harmattan, 2009. p. 7-12. BRONCKART, Jean-Paul. Activité langagière, textes et discours. Pour un interactionnisme sociodiscursif. Neuchâtel: Delachaux et Niestlé, 1996. BUYSSE, Alexandre. Médiations contrôlantes et structurantes: une base pour penser la formation. Revue suisse des sciences de l’éducation, 3, 31ème année, p. 585-602, 2009. BUYSSE, Alexandre; VANHULLE, Sabine. Écriture rélexive et développement professionnel: quels indicateurs? In: MARCEL, Jean-François (Éd.). Le développement professionnel : quels indicateurs ? Questions vives, v. 5, n. 11. Université de Provence: Revue questions vives en Education et formation, p. 225-244, 2009. 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SCRIPTA, Belo Horizonte, v. 15, n. 28, p. 145-169, 1º sem. 2011 169 La formación de los profesores de Lengua y Literatura y la enseñanza de los géneros textuales Dora Riestra* Resumen Desde la formación docente y la investigación en Didáctica de la Lengua fueron analizadas las correcciones realizadas a los textos de los exámenes de ingreso a la universidad para encontrar lo no enseñado en los niveles previos. Las inferencias acerca de las automatizaciones con errores por ausencia de enseñanza de gramática del español en los niveles primario, medio y superior se reconvirtieron en objetos de enseñanza. Para esto se realizaron secuencias didácticas, organizadas desde géneros textuales literarios; las mismas fueron propuestas en el marco de la investigación a docentes de Lengua para ser aplicadas en los niveles primario y secundario del sistema educativo. La evaluación conjunta permitió profundizar el conocimiento en la situación estudiada y precisar el objetivo de la formación de los profesores de Lengua y Literatura en relación con los contenidos lingüísticos y literarios especíicos que necesita enseñar la escuela actualmente. Finalmente hemos analizado el sentido de la transposición didáctica de los géneros literarios como herramientas formativas en la profesión docente desde el marco teórico del interaccionismo sociodiscursivo. Palabras clave: Formación docente. Investigación didáctica. Errores gramaticales. Géneros literarios. Modelización. La formación docente y la invesigación en Didácica de las lenguas Desde la práctica docente de formación de profesores de Lengua y Literatura en la Universidad Nacional de Río Negro y la investigación en la Didáctica de las lenguas que concluimos en 2011 (el proyecto PI 35 UNRN. “La universidad y la intervención en el sistema educativo: la enseñanza de la lengua primera”) * Profesora Titular Ordinaria en Didáctica de la Lengua y la Literatura e Introducción a las Ciencias del Lenguaje y la Comunicación en el Profesorado en Lengua y Literatura y en Las Licenciaturas en Antropología y Letras. Departamento de Ciencias Sociales, Humanidades y Artes, Universidad Nacional de Río Negro – Sede Andina, Bariloche, Argentina. SCRIPTA, Belo Horizonte, v. 15, n. 28, p. 171-203, 1º sem. 2011 171 Dora Riestra encontramos en la enseñanza de los géneros textuales una temática para poner en discusión en nuestro campo especíico de la formación de formadores. Con los textos de los exámenes corregidos de los ingresantes a esta universidad de todas las carreras de la Sede Andina, en Bariloche, en 2009, nuestro objetivo fue relevar los errores recurrentes para inferir las posibles faltas de enseñanza de razonamientos lógico-gramaticales. La inalidad de intervenir desde la investigación en este problema y articular acciones con los otros dos niveles del sistema educativo: el primario y el secundario, obedece a que en esta universidad formamos profesores de Lengua y Literatura, tanto en la modalidad presencial como en la virtual. La reiteración de los errores en la planiicación de los textos y en las construcciones sintácticas de los alumnos nos llevó a preguntarnos por la enseñanza de los razonamientos en la enseñanza de la lengua primera, problemática que ya habíamos comenzado a investigar en la Universidad Nacional del Comahue. Esta preocupación, si bien estaba centrada en la enseñanza de los contenidos gramaticales, fue derivándose hacia otras direcciones en el transcurso de la investigación. ¿Por qué partir del análisis de los textos realizados por alumnos en exámenes de ingreso a al universidad? En Argentina no se toman exámenes al terminar el nivel secundario, por lo tanto, el ingreso a la universidad es el momento en el que se evalúa efectivamente el funcionamiento del sistema educativo y, en consecuencia, los niveles anteriores por los que han pasado los ingresantes. Nuestro interés pasa, como venimos planteándolo desde hace ya un tiempo (RIESTRA, 2006 y 2008) por lo que no saben los alumnos por no haberles sido enseñado oportunamente, según contenidos de documentos oiciales. Esta hipótesis va sosteniéndose con insistencia porque las diicultades de los alumnos no son únicamente errores sintácticos, sino evidencias de falta de razonamientos lógicos y prácticos precisos, como incapacidad maniiesta para sintetizar el tema en un texto leído, lo que implicaría poder hacer una autoevaluación del sentido del texto producido y, además, deberían poder establecer relaciones léxicas y lógicas en su propios textos. Con los resultados de los análisis obtuvimos información para elaborar unas secuencias didácticas de lengua para nivel primario y secundario y para el curso de ingreso a la universidad con objetos de enseñanza extraídos de las diicultades encontradas. Los recortes de contenidos fueron los siguientes: enseñanza de pronombres y correlación verbal en el secundario y las preposiciones y la relación 172 SCRIPTA, Belo Horizonte, v. 15, n. 28, p. 171-203, 1º sem. 2011 La formación de los profesores de Lengua y Literatura y la enseñanza de los géneros textuales entre presente y pasado en el nivel primario. Dichas secuencias fueron aplicadas por profesores de Lengua y Literatura y evaluadas junto con ellos en función de los tiempos de realización. De la intervención didáctica obtuvimos información más ainada acerca de diicultades teórico-prácticas actuales en la enseñanza de la lengua. En particular, nos interesa discutir aquí la propuesta formativa que estamos instrumentando en la formación universitaria de profesores de Lengua y Literatura. Pudimos abrir y conocer mejor la práctica de los profesores para indagar aspectos especíicos de las diicultades en la enseñanza de la gramática y detectamos posibles contenidos que no son enseñados y que deberían enseñarse en los tres niveles del sistema. Por otra parte, la escisión entre la enseñanza de los géneros textuales y la gramática continúa siendo un dilema del profesorado, que opta por presentarlos como dos objetos que no se pueden relacionar. Si bien la noción de género textual ha sido introducida con un sentido bastante cercano al que formulara Bronckart (1997), la enseñanza de la textualización como propuesta didáctica no ha sido divulgada desde los organismos oiciales, que simpliicaron las nociones de texto, género y secuencia, sin relacionar epistemológicamente las mismas. Es esta una situación actual en Argentina, donde se continúa practicando el aplicacionismo casual en la enseñanza de la lengua primera, incluidas estas propuestas de popularización de las nociones textuales mencionadas. Encuadramos la investigación en didáctica de las lenguas en el marco del estudio de las acciones formativas humanas. Como sostiene Bronckart (2002), si bien la inalidad más general de la didáctica es transmitir los mundos construidos y, en esa transmisión, construir las personas de la sociedad, el rótulo académico mayor que la incluye es el de Ciencias de la Educación que, a su vez, coniguran un campo perteneciente al conjunto de las Ciencias Humanas y Sociales. Esta pertenencia puesta de maniiesto entre los psicólogos de principio del siglo XX, como Vygotski, Claparède, Mead, Dewey, etc., quienes se centraron en los problemas educativos, contó con la referencia de Durkheim desde el campo de la sociología, preocupado por la problemática formativa. Fue a principios del siglo XX que se produjo la ruptura de la sociología, la psicología y la lingüística con los problemas educativos y, aunque parezca estar en vías de suturarse y, pese a que desde la sociología, principalmente, se está dando importancia al estudio de la problemática de la educación en nuestro país, no vemos que esto redunde en planteos epistemológicos nuevos. No se da una real articulación con las didácticas de las disciplinas, por lo tanto SCRIPTA, Belo Horizonte, v. 15, n. 28, p. 171-203, 1º sem. 2011 173 Dora Riestra se coloca el foco en “lo social” como generalización de lo que sucede en el ámbito educativo. Por otra parte, con el in de situar el debate en la didáctica de la lengua primera, puede airmarse que hoy las investigaciones apuntan mayormente al espacio cognitivo como enfoque dominante, centrado en el conocer o en el aprender humanos y, en menor medida, se estudia el enseñar y la formación docente especíica. Además, para investigar en las ciencias humanas actualmente es necesario hacer un recorte epistemológico muy preciso, debido a las múltiples perspectivas teóricas. En nuestro caso, en el marco teórico del interaccionismo sociodiscursivo (cf. BRONCKART, ob. cit., 2008) el enfoque se sitúa en una posición pragmática respecto del lenguaje humano como instrumento formador del pensamiento (VYGOTSKI, 1973). Desde esta perspectiva monista materialista, los objetos centrales de investigación de la interacción humana son la acción como mecanismo mayor de la construcción de los conocimientos (LEONTIEV, 1983) y la dialogicidad de la comunicación discursiva (VOLOSHINOV, 2009). Se trata de lo colectivo/individual como dos dimensiones simultáneas. Para Voloshinov (ob. cit., p. 29) “Los signos sólo surgen del proceso de interacción entre conciencias individuales. La misma conciencia individual está repleta de signos. La conciencia solo deviene conciencia al llenarse de un contenido ideológico, es decir, sígnico, y por ende, sólo en el proceso de interacción social”. El carácter dialógico del signo está presente en este autor, por lo que la conciencia en tanto espacio colectivo deine el carácter ideológico del signo. Para Vygotski (ob. cit.) las relaciones interpsíquicas mediadas por signos y signiicados determinan el proceso intrapsíquico en el que el signo como herramienta permite el desarrollo del lenguaje, puesto que la comunicación sólo es posible por vía indirecta. El pensamiento debe pasar por los signiicados y sólo después por las palabras. En la edición en español, retraducida en Argentina, de Pensamiento y habla (2007, p. 508) encontramos que “El signiicado media el pensamiento en su camino hacia la expresión verbal, es decir, el camino del pensamiento a la palabra es un camino indirecto e internamente mediado”. En el marco del interaccionismo sociodiscursivo, con las relecturas de Saussure (2004) se consideran los signos, así como los textos en los cuales se organizan, como productos de la interacción social, del uso; es que existe, deinitivamente, una dependencia de ese uso. Asimismo, los signiicados que movilizan los signos y los textos no pueden ser considerados sino como momentáneamente estables, en estado sincrónico (artiicialmente) dado. Además, debido a que a través de 174 SCRIPTA, Belo Horizonte, v. 15, n. 28, p. 171-203, 1º sem. 2011 La formación de los profesores de Lengua y Literatura y la enseñanza de los géneros textuales esos signos y esos textos en constante movimiento se construyen los mundos representados que deinen el contexto de las actividades humanas, sucede que los mismos mundos construidos se transforman permanentemente. El carácter dialógico puesto en las relaciones entre signiicado y sentido, que Voloshinov resume en el carácter ideológico del signo, sólo se constituye en la interacción social. Sin sospecharlo, este autor estaba muy próximo a lo que sostenía Saussure respecto del signo, una búsqueda epistemológica de comienzos del siglo pasado que tantas perspectivas de investigación sigue ofreciéndonos en el campo de las ciencias del lenguaje. La tesis central del Interaccionismo sociodiscursivo es que la acción constituye el resultado de la apropiación por el organismo humano de las propiedades de la actividad social mediatizada por el lenguaje. Es el accionar comunicacional (BRONCKART, ob. cit., p. 42) el que produce (considerando conjuntamente las teorías de Saussure y Habermas) formas semiotizadas que vehiculizan los conocimientos colectivos y sociales, que se organizan en los tres mundos del accionar humano. Es decir, la actividad de lenguaje es a la vez el lugar y el medio de las interacciones sociales constitutivas de todo conocimiento humano; es en esta práctica que se elaboran los mundos discursivos que organizan y semiotizan las representaciones sociales del mundo; en la intertextualidad resultante de esta práctica se conservan y reproducen los conocimientos colectivos, y es en la confrontación con esta intertextualidad sociohistórica que se elaboran, por apropiación e interiorización, las representaciones de que dispone todo agente humano (apud VYGOTSKI, idem, p. 337). Bronckart se reiere didácticamente a la doble esencia del lenguaje considerando los signos lingüísticos como “etiquetas sociales” que reagrupan, re-analizan y guardan una imagen primera junto con la imagen socialmente elaborada, es decir, se trata de una puesta en juego de dos clases de representaciones que se vuelven simultáneas, por lo que los mismos signos producirían un desdoblamiento generador de una capacidad de poner en juego estos dos órdenes y, por lo tanto, de la emergencia de la conciencia. Esta tesis del lenguaje como actividad humana que mediatiza y organiza las otras actividades colectivas, como eje epistemológico de esta teoría, en relación con el campo de la didáctica de la lengua (en tanto construcción de mundo de conocimiento objetivado y acumulado históricamente), tiene consecuencias prácticas para deinir el objeto de enseñanza. Se trata de la concepción de los textos como acciones y, a la vez, “objetos empíricos semiotizados”, productos de la capacidad de lenguaje. Éstos deben ser enseñados en el marco de su contexto SCRIPTA, Belo Horizonte, v. 15, n. 28, p. 171-203, 1º sem. 2011 175 Dora Riestra de producción, a la vez que en el recorrido de su arquitectura1 (lo que Bronckart caracteriza como hojaldre textual), es decir, deben enseñarse como construcciones correspondientes a las decisiones tomadas en distintos órdenes de saberes, que involucran nociones estudiadas por diversas disciplinas que, además, deben ser transpuestas de una manera pertinente en función de constituirse en objeto de conocimiento para los educandos. De acuerdo con este enfoque, los aportes teóricos de Vygotski y Saussure necesitan resituarse en la formación de formadores, volviendo sobre los textos originales de los autores. Para eso, es necesario considerar la dinámica y la creación verbal (textualización y enunciación) con los signos lingüísticos como dos aspectos simultáneos de la acción de lenguaje, para lo que disponemos de la referencia concreta de textos vygotskianos (cf. La psicología del arte y El instrumento y el signo en el desarrollo del niño). Asimismo, la necesidad de enseñar a leer y escribir como actividades centrales de la escuela, nos lleva a considerar la discretización del signo lingüístico como concepto referencial (enseñar morfología, sintaxis y ortografía), que signiica tener también el horizonte de la gramática como objeto de enseñanza, a partir de las nociones revisitadas de Saussure (BULEA, 2010). En la concepción de los textos como acciones de lenguaje y operaciones psicológicas, el interaccionismo sociodiscursivo sintetiza los estudios psicológicos y lingüísticos en una perspectiva integradora de dos campos disciplinares, en tanto delimita el objeto de estudio, el lenguaje, como práctica social, colectiva, de realización individual, es decir, como objeto de estudio de la Psicología. Esta actividad de lenguaje, que se realiza mediante las lenguas como construcciones históricas, también colectivas y, por ello, dinámicas y arbitrarias, es objeto de estudio de la Lingüística; el hecho de que sólo podemos interactuar verbalmente, entendiéndonos y transformándonos a nosotros mismos en el proceso de conocer, es un objeto de estudio ilosóico, especíico de la Epistemología. Vemos que estos tres campos referenciales para la formación de formadores nos ofrecen tres grandes ejes en los objetos de enseñanza que necesitan abordar 1 - El análisis del esquema de la arquitectura textual que propone Bronckart en Activité langagière, textes et discours, de 1997, distingue tres niveles estructurales superpuestos. El nivel más profundo, designado infraestructura, se deine, por una parte, por las características de la planiicación general del contenido temático y, por otra, por los tipos de discurso movilizados y sus modalidades de articulación, el segundo, el de los mecanismos de textualización, contempla las conexiones y relaciones anafóricas que construyen la coherencia temática del texto y el tercero, el más supericial, de la posición enunciativa, es el nivel de análisis de las voces y las modalizaciones. 176 SCRIPTA, Belo Horizonte, v. 15, n. 28, p. 171-203, 1º sem. 2011 La formación de los profesores de Lengua y Literatura y la enseñanza de los géneros textuales los futuros profesores de Lengua y Literatura en la universidad: el lenguaje, las lenguas y el carácter del conocimiento humano. Pero en la realidad, observamos que la transposición aplicacionista de la lingüística en la enseñanza de la lengua, que tuvo lugar alrededor de los años 70 y que perdura en nuestro país, tiene, además, la característica de atomizar los objetos de enseñanza, sin solidaridad epistemológica entre los mismos, como lo señalamos, por lo que se abordan los textos o se aborda la gramática de la lengua, como si se tratara de dos asignaturas. En esta encrucijada, es interesante la noción de género textual, tomada por Bronckart de Voloshinov, en el carácter de noción integradora de los contenidos de enseñanza de la lengua, la que, coherentemente con el enfoque descendente del interaccionismo, puede ayudar a sortear la aporía aplicacionista y sintetizar el abordaje de los contenidos textuales y lingüísticos en un orden progresivo. El nivel de los mecanismos de posición enunciativa y de textualización nos ofrece la articulación desde el texto y los conectores, con el punto de vista gramatical, como diversas clases de palabras a enseñar (por ejemplo: un conector temporal puede ser un adverbio o una frase verbal), que construyen la coherencia lineal o temática, más allá de la heterogeneidad infraestructural, por el juego de los procesos isotópicos de conexión, cohesión nominal y cohesión verbal; también son las pronominalizaciones de enunciación (las formas pronominales y los predicados, los pronombres enclíticos y proclíticos, las modalizaciones como enunciados que se construyen para evaluar con determinadas clases de palabras, etc.). Se trata de dos mecanismos operacionales, el mecanismo de enunciación que hace explícito el tipo de compromiso enunciativo obrante en el texto y que le coniere a este último su coherencia interactiva y el mecanismo de textualización que organiza la coherencia y la progresión temática. Análisis de los datos de la invesigación Las diicultades registradas en el eje de lectura y las diicultades en el eje de la escritura, en 158 exámenes del curso de ingreso de 2009 y en 120 exámenes del curso remedial del mismo año fueron analizadas con la metodología de la arquitectura textual del interaccionismo sociodiscursivo. A partir de los organizadores textuales y cómo se utilizaron los mismos, identiicamos los tipos de razonamientos realizados satisfactoriamente y los que no lo estaban. SCRIPTA, Belo Horizonte, v. 15, n. 28, p. 171-203, 1º sem. 2011 177 Dora Riestra Observamos los siguientes indicadores de errores: • uso exiguo de marcadores de progresión temática. • ausencia de relaciones lógicas entre ideas. • sustituciones incorrectas o ambiguas. Uso equívoco de pronombres y de léxico. • la concordancia verbal anómala. • puntuación aleatoria. Los datos siguientes nos parecieron relevantes por las diicultades reiteradas: • Se observó un 22% del uso erróneo de la preposición “a”, ya que se emplea dicha preposición en lugar de otras, mientras que en un 17% de los casos, se utiliza “en” en lugar de otras. Otro caso frecuente (20%) es el uso injustiicado de la preposición. Al observar los mecanismos de textualización, en relación con los errores del plano de la cohesión nominal, el desconocimiento de las proposiciones y de los pronombres como clases de palabra conlleva un alto porcentaje de formulaciones que impiden la recuperación de la cadena anafórica, generando de tal forma errores que aparecen señalados en la corrección bajo el ítem coherencia. Una primera conclusión obtenida: el uso incorrecto de las preposiciones produce, en primer lugar, la pérdida de sentido tanto en la comprensión como en la planiicación textual. Nos preguntamos también acerca del mal uso de los pronombres: ¿Por qué los usan mal? ¿Por qué no logran hacer sustituciones? Una primera hipótesis fue la falta de enseñanza de la articulación de las dimensiones discursivo-textuales en componentes de la relación sintaxis/ signiicado, tanto a nivel de infraestructura como en la coherencia local. Una segunda hipótesis: La ausencia/presencia de razonamientos lógicos y semilógicos (causalidades, progresión temática, conexión) guarda relación con los razonamientos gramaticales. Los indicadores son los conectores y las sustituciones. Respecto de los organizadores textuales en los tipos de discurso, que permiten inferir la lógica en los razonamientos prácticos (apud Bronckart), nos preguntamos qué faltó en el razonamiento causal y cómo enseñarlo. Observamos lo siguiente: • Las oraciones incompletas que no construyen razonamientos (causa y consecuencia separadas por punto). 178 SCRIPTA, Belo Horizonte, v. 15, n. 28, p. 171-203, 1º sem. 2011 La formación de los profesores de Lengua y Literatura y la enseñanza de los géneros textuales • En el razonamiento adversativo hay falta del conector, se reitera, se confunde con una adición. La falta de razonamiento de la causalidad lleva a la pérdida de sentido, por desconocimiento en cláusulas preposicionales: inversión causa-consecuencia, falta de conector, error de puntuación, confusión causa-inalidad. • De las confrontaciones teóricas deinimos (cf. SAUSSURE, 2004) que podemos distinguir gramaticalmente dos planos, que muestran cómo los signos lingüísticos se articulan en la lengua: a) plano de la sintaxis: oposiciones en el orden sintagmático. Es un plano operacional. b) plano semántico o sema : En este plano no hay lugar para la intervención didáctica. Para observar el plano de la sintaxis, debimos indagar en el subtexto, realizar una interpretación (hermenéutica del razonamiento). Consideramos que el plano sintáctico es una oposición formal en un nivel de construcción, mientras que el subtexto (cf. VYGOTSKI en LURIA, 1995) es el sentido que quiso darle quien escribió ese texto. Lo que encontramos frecuentemente es una distorsión entre lo que se quiso decir y lo que se dijo. En ello vemos una pista para enseñar a razonar: la intervención docente tendría que ubicarse en el plano gramatical y en el razonamiento con referencias léxicas. Como tercera hipótesis planteamos que las categorías gramaticales se están enseñando de forma estática, fuera del sintagma (por ejemplo, como clasiicación, en cuadros, agrupados por tipos de semantización). No parece estar claro qué se enseña en lengua, es notorio que no se enseña a razonar con las formas lingüísticas. Las transiciones entre texto y discurso que se realizan en los mecanismos de textualización y los mecanismos de posición enunciativa implican un objeto de enseñanza complejo con dos lógicas disjuntas y simultáneas que se deberían integrar en la enseñanza de la lengua, la lógica praxeológica del hacer comunicativo y la lógica formal de la selección y revisión gramatical. La lógica praxeológica tiene relación con el hacer del texto, es la actividad realizándose en el tiempo frente a determinado interlocutor. Está entre el USO y el SENTIDO; dicho de otro modo, la lógica de la textualización tiene que ver con previsualizar y planiicar la estructura del texto, cómo hacerlo, con qué parámetros prácticos. SCRIPTA, Belo Horizonte, v. 15, n. 28, p. 171-203, 1º sem. 2011 179 Dora Riestra En cambio, la lógica formal se da en la relación entre SENTIDO y FORMA. Está asociada a la lógica de oposiciones y asociaciones gramaticales en cada lengua y se desarrolla según los tipos de discursos heredados culturalmente. La lógica gramatical, como no puede ser de otro modo, en cada lengua presenta sus particularidades técnicas insustituibles. Por otra parte, cada lengua se rige por una lógica formal proposicional, que expresa lo que se puede y lo que no se puede. Es una posibilidad de existencia (Si esto, no esto. Si esto, esto). Por eso se basa en principios como la no contradicción, el tercero excluido. Esta lógica está implícita en acciones de lenguaje (ap. Luria, quien sostiene que el pensamiento lógico está en la base gramatical). De estos análisis surge una nueva pregunta de investigación: ¿puede enseñarse a razonar sin haber realizado un análisis previo del pasaje del texto al discurso y las coniguraciones lingüístico-gramaticales que lo componen? Es necesario revisar el plano textual (de autor individual, consciente) y el discursivo (de formato social, inconscientemente automatizado) como construcciones que son los posibles gramaticales en una lengua, en nuestro caso, el español. Lo praxeológico del lenguaje está situado a nivel del diálogo, mientras que la relexión sobre la forma gramatical se da en la lengua, en un nivel monologal, en el sentido vygotskiano de lenguaje interior, como función psíquica. La conclusión para la Didáctica de las lenguas tiene relevancia, puesto que al separar en la enseñanza estas dos dimensiones simultáneas: la dialógica y la monológica se nos impone elaborar un trayecto didáctico (uso-forma y sentidoforma) que es, en realidad, enseñar a considerar la complejidad de la textualización como proceso que se internaliza y, de este modo se operacionalizará con más o menos eicacia, según la propuesta didáctica organice el trayecto. Notamos que la conciencia del hacer textual (plano praxeológico) está fuertemente determinada por el “emocionar”, en términos de Maturana (1995), mientras que el “razonar” proviene necesariamente del emocionar y se presenta en el nivel monológico, en la conciencia de la propia acción de lenguaje, de la autorrelexión. Este nivel no constituye un objeto de enseñanza, lo que observamos como paradojal en un ambiente de profusas descripciones de la cognición abstracta y de la mente en los ámbitos educacionales. Para deinir la propuesta didáctica planteamos la intervención a docentes en ejercicio en los dos niveles del sistema. La inalidad más general fue enseñar en secuencias didácticas, a partir de un género de texto literario concreto, la causalidad como razonamiento lógico-gramatical. 180 SCRIPTA, Belo Horizonte, v. 15, n. 28, p. 171-203, 1º sem. 2011 La formación de los profesores de Lengua y Literatura y la enseñanza de los géneros textuales Para este artículo tomamos solamente la propuesta didáctica que se aplicó en el nivel medio con los docentes de 5º año, la que fue explicada en la lógica de la instrumentación de la secuencia (ver Anexos): 1) Planteamos que se trataba de una intervención individual en un proyecto colectivo. 2) Por qué trabajar lo textual para llegar a la gramática y luego volver al texto. 3) Ver los mecanismos de textualización en relación con la enseñanza de la gramática. 4) Propusimos evaluar la propuesta fue la siguiente manera: a) Asistemática de registro individual: se trataba de que los docentes escribieran acerca de la experiencia con la aplicación de la secuencia, especialmente qué había funcionado y qué no, por qué, qué modiicarían. b) Grupal de docentes con investigadores: puesta en común de qué había resultado y qué no, por qué, qué se modiicaría. c) Entrevistas dirigidas de investigación realizadas a cada docente de manera individual. La revisión de la evaluación de las secuencias instrumentadas en nivel medio se realizó también analizando los trabajos producidos por los alumnos. Se observó, en general, en la producción inal de los alumnos, una falta de sistematización o consolidación de las nociones gramaticales trabajadas en los talleres propuestos en la secuencia; pudimos notarlo, en particular, con el uso de los pronombres relativos. En este aspecto es evidente cómo la concepción sobre la gramática, así como las prácticas y la formación previa de los docentes inciden sobre su enseñanza, prácticamente sin búsqueda de nociones disciplinares referenciales; por ello, es necesario revisar no ya si es necesario o no enseñar gramática, sino cómo hacerlo para que los alumnos logren realizar sus actividades de escritura, es decir, textos con conocimientos explícitos de nociones gramaticales, que les permitan desarrollar mejor ese hacer textual escolarizado. Vimos que los errores frecuentes de correlación verbal no presentaron cambios signiicativos con posterioridad a la instrumentación de la secuencia. Incluso alumnos con pocas diicultades en sus trabajos de escritura, presentan problemas de este tipo con el uso del modo subjuntivo en la subordinación. Pese a que las docentes corrigieron los SCRIPTA, Belo Horizonte, v. 15, n. 28, p. 171-203, 1º sem. 2011 181 Dora Riestra errores, no hubo una enseñanza sistematizada prevista de estas nociones gramaticales, por lo que las correcciones fueron abstractas para los alumnos, no se llegó al nivel del análisis del razonamiento en el uso de la forma gramatical concreta. Evaluamos que para trabajar con una secuencia didáctica donde predominen los tipos de discurso del orden del contar es necesario incorporar tiempos y modos verbales sistematizadamente, como conocimiento lingüístico-gramatical que hoy no dominan los maestros ni los profesores. En las entrevistas dirigidas de investigación (EDI) realizadas a cuatro docentes que instrumentaron las secuencias propuestas, tanto de nivel medio como de nivel primario, observamos que sus evaluaciones daban cuenta de la articulación discursivo-textual, por haber analizado las consignas que consideraban signiicativas este sentido (apud RIESTRA, 2006). Frente a la pregunta: ¿Cómo se enseñó el pasaje de conector a categoría gramatical? las respuestas indicaron que hubo una relexión metalingüística a partir del hacer textual. Este dato fue signiicativo para el diseño del próximo proyecto de investigación. No obstante, notamos que el contenido epistémico no pudo articularse con las actividades de escritura a partir de los talleres de la secuencia. Observamos que la concepción tradicional de la gramática proposicional se conserva subyacente a la propuesta didáctica, con algunas vacilaciones entre categorías discursivas y categorías textuales, como en el uso de “conectores” identiicado con “clase de palabra”, sin diferenciar los términos y sus referencias disciplinares. Las concepciones previas sobre la enseñanza de la gramática y las representaciones acerca del objeto de enseñanza, que actuaron como los condicionantes epistemológicos y metodológicos desde los cuales se enseñó (o no) la gramática, no se habrían modiicado en las prácticas, por no haber intervenido los profesores en la discusión y en el diseño de la secuencia. En general, las evaluaciones de los docentes mostraron coincidencias con las hipótesis del proyecto, por lo están en elaboración nuevas propuestas didácticas para docentes de nivel medio y practicantes del Instituto de Formación docente (IFDC) de Bariloche, que serán evaluadas en el marco de otro proyecto de investigación. La formación docente frente a una disyuniva: los modelos aplicados y los modelos adaptados Hemos visto que las propuestas basadas en aplicar modelos teóricos hipotéticos en la formación de formadores, orientados desde la lingüística pragmática, las 182 SCRIPTA, Belo Horizonte, v. 15, n. 28, p. 171-203, 1º sem. 2011 La formación de los profesores de Lengua y Literatura y la enseñanza de los géneros textuales teorías textualistas de las tipologías, algunas gramáticas como la funcional, la generativa, etc, no tuvieron el efecto positivo esperado en el dominio del uso de la lengua. Asimismo, en este afán aplicacionista la noción de género discursivo también entró a las aulas sin transposición didáctica alguna, por lo que operó y opera como descriptor, del mismo modo que las nociones de las tipologías textuales. Sin embargo, el concepto de género de la palabra que fuera acuñado por Volóshinov, o género de texto según Bronckart (1997), quien lo rescató, pese a que nos llegó mal traducido al francés como “género discursivo” en los textos de Bajtin, es un concepto de especial interés para la Didáctica de las lenguas. El carácter praxeológico del género textual se percibe directamente en formatos que son reconocibles (los modelos de hacer textual según la actividad humana que lo genere). En esta dirección, la discriminación conceptual entre textos y discursos realizada por Bronckart, en particular, tiene derivaciones didácticas importantes, en la medida en que de un saber hacer práctico podemos adquirir los formatos discursivos y aprenderlos para enseñarlos a partir de procesos de modelización didáctica (RIESTRA, 2010). Desde nuestra perspectiva vemos que aún necesitamos delimitar lo siguiente: si bien los textos son unidades comunicativas globales, productos empíricos de la acción de lenguaje y los tipos de discurso son unidades lingüísticas infraordenadas, a la vez que operaciones psicológicas cristalizadas en los textos, es posible visualizar estos formatos como “segmentos” en la composición de los textos, según modalidades variables. Se trata de enseñar a enseñar estas formas segmentadas que nos permiten introducir el espacio gramatical como objeto de estudio y las categorías gramaticales como objeto a ser enseñado. Para la producción textual el agente dispone de un conocimiento personal (y parcial) del architexto de su comunidad verbal y de los modelos de géneros allí disponibles. Sobre esta base el agente adopta un modelo de género que parece pertinente para las propiedades globales de la situación de acción; al ser adaptado ese modelo a las propiedades particulares de esa situación, produce un nuevo texto que presentará las marcas del género elegido y las del proceso de adaptación a las particularidades de la situación (BRONCKART, 2007, p. 81). En esta perspectiva, la cuestión formativa pasa por cómo enseñar a los futuros profesores a trabajar en esta transición o pasaje [texto-discurso-gramática] la SCRIPTA, Belo Horizonte, v. 15, n. 28, p. 171-203, 1º sem. 2011 183 Dora Riestra transposición didáctica de cada género textual y, particularmente de los géneros literarios, que son los que debe transmitir la escuela como tarea histórico-cultural. Este desafío de la formación de profesores de Lengua y Literatura es el que nos ocupa y continuamos investigando. Los géneros, como lo señalara Bronckart (ob. cit.), se adoptan como modelos de hacer textual y siempre se adaptan a una nueva situación comunicativa, por lo que entre la adopción de un género en una situación comunicativa determinada, la adaptación es el espacio didáctico por excelencia; frente a un género se trata de imitar, crear y calcular cómo planiicar y elaborar el texto, lo que De Mauro (2003) deine como entidad del lenguaje: la capacidad de imitar‑repetir, la capacidad de inventar‑crear transformando y la capacidad de calcular‑crear combinando. Este concepto de género abordado desde el movimiento y el cambio, considerando la relativa estabilidad lingüística y composicional, permite situar la actividad de escritura confrontada a un concepto de modelo que no es una tipología, sino una posibilidad que abre nuevas posibilidades en las tres dimensiones del género que señalara Voloshinov y que formulara didácticamente Schneuwly (1994) como contenido temático, estilo y construcción composicional. Nos preguntamos desde la formación de formadores acerca de la dirección a seguir en la transposición didáctica: ¿qué nivel de adaptación de géneros literarios es posible en la escuela de hoy? ¿buscamos que nuestros alumnos escriban a la manera de un escritor? ¿para qué vamos a modelizar los géneros literarios y analizar sus regularidades composicionales textuales y lingüísticas? ¿caeremos en la aplicación reducida de los métodos de la teoría literaria? Sí sabemos que se trata de encontrar las temáticas universales que se actualizan en la era de la globalización, por lo que las evaluaciones sociohistóricas de los textos constituyen una tarea fundamental que debe realizarse también en el marco de la adaptación. Volvemos a la noción de género de Voloshinov (ob. cit.) que puede orientarnos en este sentido, en lo que hace a la relación de implicación entre lo colectivo y lo individual. Dirá que los “signos-ideas” no emanan de la actividad de una conciencia individual, son productos de la interacción social que los condiciona y, debido a ese estatus, siempre presentan un carácter dialógico, se inscriben en un horizonte social y se dirigen a un auditorio social. Lo interpsíquico como el espacio colectivo que forma lo intrapsíquico individual es el punto de ruptura epistemológica en el que la coincidencia con Vygotski es notoria. Esta perspectiva, si se piensa desde la selección de obras literarias como signos ideas, que permiten articular lo colectivo y lo individual, ofrece una tarea muy alentadora para la 184 SCRIPTA, Belo Horizonte, v. 15, n. 28, p. 171-203, 1º sem. 2011 La formación de los profesores de Lengua y Literatura y la enseñanza de los géneros textuales formación de los profesores, ya que la transposición deberá tener como objetivo esta tarea transmisora del signo ideológico, lo que se contrapone a las posiciones posmodernas que propusieron el “leer por leer” como horizonte colectivo. El papel que juegan los textos en la interacción entre dos generaciones como problema didácico El efecto formativo de los textos, tanto orales como escritos que circulan en la escolaridad no apunta a precisar de qué manera han sido elegidos los géneros, ni consideran la inalidad con un sentido dialógico en función de formar personas más o menos conscientes, críticas y, a la vez, solidarias. En realidad, no es tenido en cuenta el efecto político cultural de los géneros literarios, por lo menos no está actualmente presente como preocupación pedagógica la transmisión de valores como signos ideológicos en los textos escolares. La problemática cultural pasa por estéticas de la llamada literatura “infanto juvenil” que, por lo general se basa en intereses etarios y el “disfrutar” como meta del arte; no está presente la problemática de la condición humana ni la responsabilidad histórica sociocultural de la intencionalidad formativa de la futura generación, es decir, el carácter de lo estético y lo ético están disociados en estas propuestas literarias escolares. Del Río y Álvarez (2002) ya plantearon esto, acerca de que la problemática del diseño cultural humano consciente está alejada de la formación escolar, no obstante, se pone en juego un diseño, aún inconsciente, de futuros humanos. Frente a este concepto del diseño cultural, el valor formativo de los géneros en relación con el concepto de medio social o medio ambiente-social, tomado también de Volóshinov, conformado por los textos de la interacción, nos plantea la relación necesaria entre humanos de dos generaciones. Podemos decir que el diseño cultural y el medio ambiente-social se constituyen por efecto de la acción de lenguaje y, según las palabras textualizadas con un determinado sentido en la escolaridad, serán formadas las personas de la sociedad. Por lo tanto, la selección de los textos literarios, sin dudas, formará personas hacia una dirección más o menos solidaria de la civilización humana. Como señalamos más arriba, la enseñanza de los géneros textuales ha ido cobrando validez en tanto superación de la enseñanza de unas tipologías textuales abstractas. Pero aún no hay propuestas didácticas elaboradas secuencialmente para incorporar los contenidos lingüísticos a la vez que se enseña a textualizar en los géneros, sean literarios o géneros relacionados con prácticas sociales académicas en los diferentes niveles del sistema educativo. SCRIPTA, Belo Horizonte, v. 15, n. 28, p. 171-203, 1º sem. 2011 185 Dora Riestra A partir de las intervenciones didácticas formuladas para los cursos de ingreso a la universidad y en cursos de capacitación para docentes del Nivel Medio en articulación con el ingreso a la universidad, notamos que la gramática ha desaparecido prácticamente como objeto de enseñanza, que los textos se clasiican y se confunden la noción de texto y discurso, que los razonamientos prácticamente no se planiican en función de la enseñanza de la lengua, que los tipos de discurso no se reconocen como formatos cristalizados ni como composiciones lingüísticas, sino como productos textuales. Aquí radica el espacio de la didáctica de las lenguas que necesitamos sistematizar. El análisis descendente desde el texto a las formas gramaticales que lo conforman no es una práctica escolar habitual, por lo que los mecanismos de textualización y de enunciación como operaciones automatizadas en razonamientos mal realizados (espontáneos, no enseñados en la escuela) tampoco son considerados para reenseñarlos en las clases de la lengua. Por lo tanto, inferimos que el nivel de la infraestructura del texto, en particular en lo que se reiere al discurso teórico, que circula con la etiqueta de discurso académico en los niveles secundario, terciario y universitario, no es enseñado con una propuesta de intervenciones docentes diseñada previamente, por lo general se describen algunas marcas textuales y los contenidos gramaticales aparecen apenas aludidos en los textos, como conocimiento implícito o, si son enseñados, tienen un carácter prescriptivo y disociado de la textualización. En deinitiva, el problema didáctico está centrado, en primer lugar en la enseñanza de la textualización como acción de lenguaje con diversos niveles de decisiones simultáneas de arquitectura (cf. Bronckart). Pero, hay que considerar que este nivel de delimitación del problema didáctico continúa siendo abstracto si no lo encuadramos en el género como espacio sociodiscursivo-textual, la herramienta comunicativa, como producto interpsíquico, colectivo e individual a la vez, un modelo que está necesariamente asociado a una actividad extraverbal que lo determina. Dicho de otra manera, el objeto de enseñanza parte necesariamente del modelo genérico de la interacción para después enfocar el texto concreto como objeto empírico a leer o a planiicar y los formatos discursivos que lo componen para desentrañar esa composición lingüístico-gramatical y entender cómo las oposiciones de los signos permiten elaborar tantos textos posibles en un mismo género. Esta síntesis necesita desplegarse en programas de formación docente que logren presentar las diferentes diicultades y capacidades a desarrollar según los géneros en los distintos niveles de la formación básica (primario y secundario). 186 SCRIPTA, Belo Horizonte, v. 15, n. 28, p. 171-203, 1º sem. 2011 La formación de los profesores de Lengua y Literatura y la enseñanza de los géneros textuales Modelizar y secuenciar la enseñanza de los géneros como tarea de la Didácica de la Lengua y la literatura El análisis de un género determinado, que implica lo que llamamos una modelización, término acuñado por Bronckart e Schneuwly (1991), apunta a conocer los aspectos formales de los géneros, en particular los géneros literarios en la enseñanza de la lengua y la literatura. El concepto de modelo tiene una fuerte connotación de aplicación y medida en la cultura académica que, como tarea de la didáctica de las lenguas puede llevar a un malentendido conceptual. Hemos observado en algunos casos que los docentes “modelizaban géneros” en clase con los alumnos de secundario. Es decir, caían en un descriptivismo abstracto de las formas, casi en el borde de una teoría literaria improvisada. Por otra parte, sabemos que “es en la diversidad de los géneros donde se condensan todos los contenidos de enseñanza de una lengua, por lo que modelizarlos resulta una tarea de investigación necesaria de la Didáctica de las lenguas” (RIESTRA, 2010). Importa resaltar el carácter de herramientas de los géneros (cf. SCHNEUWLY, 1994) para abordar dese este concepto la noción de modelización como búsqueda de posibilidades para el desarrollo de las capacidades. Sin embargo, esas posibilidades de transformar en objetos de enseñanza las características de los géneros no pueden reducirse, de ninguna manera, a la descripción de formas. Apuntamos a una articulación didáctica entre la formación docente y la formación básica (primaria y secundaria). Se trata de dos niveles de conocimiento que se incluyen en la Didáctica de las lenguas y las literaturas pero que diieren en su tratamiento formativo. Esta aclaración es válida en la medida en que registramos que los profesores noveles reproducen el efecto formativo recibido en sus alumnos de primario o secundario, incluyendo nociones teóricas. La situación aludida tiene como referencia las clases de practicantes en Argentina, tanto en institutos de formación para el nivel primario como en las universidades que forman profesores para el nivel secundario. Si los docentes aplican teorías lingüísticas es porque esa fue la formación que recibieron en los profesorados. Por lo tanto, para revertir esta práctica institucional es necesario instrumentar propuestas que produzcan rupturas epistemológicas. Encontramos las siguientes posibilidades de ruptura en la noción de género textual: • Remitir a la relación entre las actividades humanas y la actividad verbal que las evalúa. SCRIPTA, Belo Horizonte, v. 15, n. 28, p. 171-203, 1º sem. 2011 187 Dora Riestra • Deinir la producción de un texto en una situación de acción verbal en sus representaciones sobre el contenido temático a semiotizar, así como por las propiedades materiales y sociosubjetivas del contexto de su actuar. Para modelizar un género en secuencia didáctica es necesario analizarlo desde tres aspectos que articulamos en la siguiente progresión: Tratamiento comunicativo: USO Tratamiento de contenido: SENTIDO Tratamiento lingüístico: FORMA En el trayecto de Uso-Sentido-Forma está planteado un dispositivo didáctico (RIESTRA, 2006) como correlato de lo formulado por Voloshinov (ob. cit., p. 154): Primero se genera la comunicación social (fundada sobre las infraestructuras), en ellas se generan la comunicación y la interacción discursiva y, inalmente, esta generación se releja en el cambio de las formas de la lengua. Se trata de que al enseñar las actividades de lectura y escritura en la escuela se realice un recorrido metodológico que busque producir ese efecto de adopción de un género y adaptación del mismo en la práctica comunicativa. Para utilizar una herramienta es necesario conocerla al usarla, si no, no es herramienta; por lo que sólo conocer algunas características de los géneros como práctica de enseñanzaaprendizaje, sería tomar otra vez el camino de las tipologías textuales, que no tuvieron la apropiación de las capacidades discursivo-textuales esperadas. Las herramientas del desarrollo de los alumnos necesitan modelizarse en el sentido de búsqueda de posibilidades de coniguraciones lingüísticas para el hacer textual de los alumnos. Esta noción de herramienta variará según abordemos géneros de divulgación cientíica, géneros institucionales de actuación pública en prácticas sociales diversas y los géneros literarios, que son los especíicos y que se han desvanecido en su tratamiento como herramienta de la producción verbal asociada a la palabra y la creación. En coincidencia con lo que plantea Marcuschi (2002), respecto de la falta de sistematización de géneros para la enseñanza escolarizada, observamos que son unos pocos géneros los que se enseñan efectivamente como tales en los dos niveles escolares. 188 SCRIPTA, Belo Horizonte, v. 15, n. 28, p. 171-203, 1º sem. 2011 La formación de los profesores de Lengua y Literatura y la enseñanza de los géneros textuales De aquí es que retomamos la propuesta de volver a enseñar a leer los géneros de la literatura como objetos estéticos y éticos, productos culturales que, si no se conocen en la escuela, difícilmente lleguen a conocerse por las generaciones siguientes. En este cruce entre didáctica y política reside la posibilidad de inluir desde la enseñanza de la lengua en las políticas públicas, ya que las historias del arte y, en ese marco, las literaturas son herramientas comunicativas entre los pueblos y entre los ciudadanos. Una de las tareas que nos planteamos en la investigación didáctica está en relación con las modelizaciones de los géneros. Se trata de encontrar las regularidades en el tratamiento temático, en el tratamiento comunicativo y en el tratamiento lingüístico, que desemboca básicamente en la enseñanza de la gramática de la lengua particular. De aquí se desprende la necesidad y la importancia de que en cada lengua, en cada nivel, incluso, puedan analizarse las características concretas de los géneros textuales en general y los literarios en particular en cada contexto nacional y regional para transmitir contenidos que son de carácter socio-histórico-cultural, de carácter comunicacional y de carácter lingüístico gramatical. Estos conocimientos teórico-prácticos que se condensan en los géneros por ser de distinta naturaleza, hacen que la investigación didáctica abreve en diversos campos disciplinares como la Historia (social, económica, del arte), la Sociología, la Lingüística (las corrientes contemporáneas), la Gramática del español, la Psicología y la Filosofía (del lenguaje), etc. Algunas conclusiones En las últimas investigaciones realizadas desde la perspectiva del interaccionismo sociodiscursivo nos detuvimos en el estudio del pasaje entre el texto y el discurso para desde allí abordar la identiicación de objetos de enseñanza en las formas gramaticales y sus sistemas normativos (en español rioplatense), que son los que permiten conocer el mecanismo de lenguaje, familiarizarse con la morfo-sintaxis y delimitar esas formas en tanto posibililidades semánticas de recursos a enseñar en el dominio de la propia lengua. El enfoque de la transición entre texto y discurso para la enseñanza de la asignatura escolar implica discriminar los dos niveles operacionales del texto en el mecanismo de lenguaje (cf. Bronckart). Estos dos niveles: el de textualización y el de la enunciación deben reconocerse relexivamente para poder razonar en la gramática de una lengua; en este proceso es necesario descontextualizar SCRIPTA, Belo Horizonte, v. 15, n. 28, p. 171-203, 1º sem. 2011 189 Dora Riestra las unidades lingüísticas para entender su funcionamiento en el mecanismo. La referencia disciplinar de la gramática se vuelve un eje indiscutible en los programas formativos de formadores. Esta tarea de la Didáctica de las lenguas constituye un desafío para el que las discusiones con gramáticos y psicólogos pueden aportar. Nuestra posición al respecto es que se trata de dos objetos de enseñanza diferenciados (uno praxeológico y otro epistémico), por lo tanto, la relexión metalingüística sobre los mecanismos de textualización no signiica enseñar conectores y relaciones anafóricas, sino reestructurar los contenidos gramaticales para lograr producir el efecto de coherencia relexiva sobre los textos como acciones en la actividad de lenguaje. Si bien hemos partido del análisis de los textos de los alumnos para analizarlos y conocer más a fondo las diicultades, no las abordamos como obstáculos en los propios alumnos, sino como falta de enseñanza de los contenidos lingüísticos en su complejidad. No buscamos un repertorio de errores corregidos para tipiicarlos, nos interesó encontrar algunas recurrencias que nos llevaron a hipotetizar sobre qué y cómo enseñar algunos contenidos de Lengua. Por eso sostenemos que los errores en los niveles de los mecanismos de textualización y de enunciación podrían deberse a operaciones automatizadas en razonamientos mal realizados (espontáneos, no enseñados en la escuela). La estrategia didáctica que nos planteamos en el marco de la investigación es la de introducir como objeto de estudio el género literario y, desde la literatura llegar a las formas lingüísticas. No se trata de volver a enseñar usando los textos como “ejemplos de gramaticalidad”, sino que planteamos el camino descendente de la producción textual a los formatos discursivos y en ellos relexionar y sistematizar la gramaticalidad encontrada, que nos permitirá entrar y salir de los textos en los géneros para reformular sentidos diversos. Por otra parte, la “comunicación verbal literaria”, en términos de Voloshinov, es “un momento del proceso continuo y multilateral generativo de un colectivo social determinado” que nos presenta múltiples razonamientos, explícitos e implícitos, un desafío para la comprensión y la interpretación, aún cuando los mundos construidos parezcan ajenos y lejanos. La diversidad de tipos de discurso que circulan en las obras literarias es un desafío para la investigación didáctica y para recuperar, desde ese espacio, la enseñanza de las leguas. En deinitiva, después de los planteos de la deconstrucción y el criticismo posmoderno en la formación de formadores, se trata de retomar los géneros literarios situando los criterios de selección entre la estética y la ética, como dos 190 SCRIPTA, Belo Horizonte, v. 15, n. 28, p. 171-203, 1º sem. 2011 La formación de los profesores de Lengua y Literatura y la enseñanza de los géneros textuales ejes culturales que sólo se transmiten por conocimiento artístico que, además y necesariamente, incluye la técnica de la lengua como objeto de estudio. La literatura como consumo o estética del “disfrutar” no tiene nada que ver con el conocimiento y el placer estético frente a las obras de arte, aún las producidas en otros contextos; es lo que entendemos por “comunicación verbal literaria”, cuyas claves deben enseñarse y transmitirse a los jóvenes para formar la conciencia histórica, un proceso colectivo e individual a la vez que se produce (o no) en la escuela primaria y secundaria. En deinitiva, aunque estemos transitando actualmente una cultura de la imagen con la valoración positiva de lo efímero – que sería motivo de otro análisis – nuestra identidad colectiva se transmite en gran medida a través de los relatos históricos con las representaciones de mundo, que continúan vigentes y el orden del contar es necesario en la constitución de los humanos. Eso no parece estar en discusión, pero sí la transmisión de los géneros literarios como “momento del proceso continuo y multilateral generativo”; es decir, la transmisión del valor de las obras de arte y la democratización del conocimiento artístico como una tarea especíica formativa de la educación pública. The formaion of language and literature teachers and the teaching of text genres Abstract University entrance examination texts corrections have been analyzed by those working in teacher training and researchers in Language Didactics to look for concepts that have not been previously taught in different levels of education. Inferences about the automation of mistakes due to lack of Spanish grammar language teaching in elementary, high school or tertiary level have become the objective of our teaching. Therefore, didactic sequences have been organized based on literary texts of different genres. Then, Language teachers have been provided these proposals within the research framework to be applied in elementary and high school education systems. The joint evaluation has helped to go deeper in the studying of the situation and to come out with a speciic teaching objective for those who would graduate as Teachers of Language and Literature so that their teaching objectives in the current school are the needed ones. Lastly, we have analysed the sense of didactic transposition of the literary genres as formative tools in the teaching profession from the theoretical framework of socio-discursive interaction. Keywords: Teacher training. Didactic research. Grammar mistakes. Literary genres. Modelling. SCRIPTA, Belo Horizonte, v. 15, n. 28, p. 171-203, 1º sem. 2011 191 Dora Riestra A formação dos professores de língua e literatura e o ensino dos gêneros textuais Resumo A partir da formação docente e da investigação em didática da língua foram analisadas as correções realizadas nos textos dos exames de entrada na universidade para encontrar o não ensinado nos níveis prévios. As inferências acerca das automatizações com erros por ausência de ensino de gramática do español nos níveis primário, médio e superior se converteram em objetos de ensino. Para isso, realizaram-se sequências didáticas, organizadas a partir de gêneros textuais literários; as mesmas foram propostas no marco da investigação a docentes de língua para serem aplicadas nos níveis primário e secundário do sistema educativo. A avaliação conjunta permitiu aprofundar o conhecimento da situação estudada e precisar o objetivo da formação dos professores de língua e literatura em relação com os conteúdos linguísticos e literários especíicos que a escola necessita ensinar atualmente. Finalmente, analisamos o sentido da transposição didática dos gêneros literários como ferramentas formativas na proissão docente a partir do marco teórico do interacionismo sociodiscursivo. Palavras-chave: Formação docente. Investigação didática. Erros gramaticais. Gêneros literários. Modelização. Bibliograía BRONCKART, Jean-Paul; SCHNEUWLY, Bernard. La didáctica de la lengua materna: el nacimiento de una utopía indispensable. Textos de Didáctica de la Lengua y de la Literatura, n. 9. Barcelona: Graó, 1991/1996. BRONCKART, Jean-Paul. Activité langagière, textes et discours. Pour un interactionisme socio-discursif. Paris: Delachaux et Niestlé, 1997. BRONCKART, Jean-Paul. Entrevista a D. Riestra. Propuestas 7, CELA, Universidad Nacional de Rosario, 2002. BRONCKART, Jean-Paul. Los géneros de texto y su contribución al desarrollo psicológico. In: BRONCKART, Jean-Paul. Desarrollo del lenguaje y didáctica de las lenguas. Buenos Aires: Miño & Dávila, 2007. BRONCKART, Jean-Paul. Genres des texte, types de discours et « degrés » de la langue Hommage à François Rastier. Texto!, v. 13, n. 1, jan. 2008. 192 SCRIPTA, Belo Horizonte, v. 15, n. 28, p. 171-203, 1º sem. 2011 La formación de los profesores de Lengua y Literatura y la enseñanza de los géneros textuales BULEA, Ecaterina. 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SCRIPTA, Belo Horizonte, v. 15, n. 28, p. 171-203, 1º sem. 2011 193 Dora Riestra ANEXO Secuencia didácica presentada a los docentes de 5° año del secundario en el marco de la invesigación Para enseñar y evaluar en conjunto una intervención didáctica cuyo objeto de enseñanza son contenidos textuales y gramaticales. El método de trabajo implica el siguiente trayecto: 1) partimos de la situación comunicativa de cada texto (contexto de producción) – USO, 2) nos centramos en la comprensión e interpretación del texto – SENTIDO, 3) observamos las unidades lingüísticas de la construcción sintáctica del texto (relexión metalingüística) – FORMA Cuando hablamos de secuencia didáctica nos referimos a una instancia de trabajo de alrededor de quince/veinte días con los alumnos de primario y secundario. La secuencia comienza con la lectura de varios textos de un género. Después de la lectura, les proponemos escribir espontáneamente un texto en el género leído. En varias clases trabajamos el trayecto uso-sentido-forma introduciendo las nociones gramaticales al revisar la forma. Un último texto, realizado con posterioridad a la serie de talleres o clases en los que se trabaje con el método presentado, será puesto en relación con el primer texto elaborado espontáneamente y servirá como evaluación del trayecto didáctico realizado. La secuencia está organizada de la siguiente manera: 1) Actividad de lectura: relato espontáneo. 2) Taller 1. “La puerta”, E. Galeano. 3) Taller 2. “Rutinas”, M. Benedetti. 4) Taller 3. “Por el sendero venía avanzando el viejecillo”, A. Castillo. 5) Taller complementario (optativo). “El sistema”, E. Galeano. 6) Actividad de escritura. Evaluación Secuencia didácica en el género relato breve 194 SCRIPTA, Belo Horizonte, v. 15, n. 28, p. 171-203, 1º sem. 2011 La formación de los profesores de Lengua y Literatura y la enseñanza de los géneros textuales 1. Acividad de lectura: relato espontáneo. Después de realizar una clase de lectura con los textos, se pedirá a los alumnos que escriban un relato breve. A través de esta actividad de escritura espontánea se notarán los razonamientos empleados por los alumnos para guardar la coherencia entre las partes del relato, organizar la progresión temática y lograr conexión entre las diferentes partes. Consignas para los alumnos: Escribir un relato breve, con características semejantes a las de los textos leídos. Temas sugeridos: • Un viaje • Un encuentro con una persona particular. • Un objeto muy importante para su dueño. • Un sueño. 2. Taller 1. “La puerta”, E. Galeano. Conversar con los alumnos sobre el contexto del texto de Galeano: quién es el autor, cuál es la situación comunicativa que da origen al texto, su inalidad. Explicarles las consignas para que enuncien el tema y para que realicen una reformulación que dé cuenta del sentido del texto. Al pedirles que elaboren un relato de una salida utilizando los inicios, se pretende que los alumnos comiencen por ver qué es un adverbio, para qué sirven los adverbios2 y para reconocerlos. A continuación, puede hacerse notar que los adverbios subrayados (Después, allí, ahora) funcionan en este caso como conectores, y se puede ampliar mostrando otras clases de palabras que pueden cumplir la función de conectores, por ejemplo, las conjunciones3. 2 - Tomamos la noción de adverbios de Borrego Nieto, J. y A. Di Tullio (2010). Nueva Gramática de la Lengua española. Manual. Buenos Aires: Espasa. El adverbio es una clase de palabra invariable: morfológicamente no presenta lexiones. Sintácticamente, los adverbios modiican a los verbos, a los adjetivos y a otros adverbios. Se pueden indicar los siguientes ejemplos: ...la puerta estaba siempre. El adverbio “siempre” modiica al verbo “estar”. El ratón no era muy consecuente... “muy” es un adverbio que está modiicando al adjetivo “consecuente”. 3 - Las conjunciones, morfológicamente, son invariables. Pueden relacionar entre sí, coordinando (equiparando) o subordinando (relacionando jerárquicamente), palabras, grupos sintácticos u oraciones. (Borrego Nieto y Di Tullio, 2010). SCRIPTA, Belo Horizonte, v. 15, n. 28, p. 171-203, 1º sem. 2011 195 Dora Riestra Eduardo Galeano (2004). Bocas del iempo. La puerta Carlos Fasano había pasado seis años conversando con un ratón y con la puerta de la celda número 282. El ratón no era muy consecuente, se escabullía y volvía cuando quería, pero la puerta estaba siempre. Después, la cárcel se convirtió en un shopping center de Montevideo. El centro de reclusión pasó a ser un centro de consumo y ya sus prisiones no encerraban gente, sino trajes de Armani, perfumes de Dior y videos de Panasonic. Las puertas de las celdas fueron a parar a la barraca que las compró. Allí, Carlos encontró su puerta. No tenía número, pero la reconoció en seguida. Esos eran los tajos que había cavado con la cuchara. Esas eran las manchas, las viejas manchas de la madera, los mapas de los países secretos adonde él había viajado a lo largo de cada día de encierro. Ahora la puerta se alza, a la intemperie, en lo alto de una loma donde está prohibido cerrar. Consignas para los alumnos: Actividad de lectura: ¿Cuál es el tema de este relato breve? Indicar por escrito el conlicto (nudo) del relato. Actividad de escritura: Elaborar un relato de salida al lago o a la montaña que, realmente, cada uno haya realizado. Utilizar los inicios subrayados en el texto de Galeano. 3. Taller 2. “Ruinas”, M. Benedei. Desarrollar oralmente el contexto de producción, la situación que da origen al texto y su inalidad. Discutir el sentido del título del texto “rutinas”, observando los signiicados de las palabras “rutina”, “bomba”. Explicar el efecto de “trueno” en relación con los signiicados y con el ámbito en el que transcurren los hechos narrados. Sería oportuno, al revisar las actividades, introducir el concepto de ironía: se trata de una ironía del autor quien muestra en la voz del niño cómo el trueno asusta en esa 196 SCRIPTA, Belo Horizonte, v. 15, n. 28, p. 171-203, 1º sem. 2011 La formación de los profesores de Lengua y Literatura y la enseñanza de los géneros textuales época, mientras que las bombas se han naturalizado y no son consideradas por el niño en su dimensión terrible. Luego, explicar los pronombres4 y los mecanismos de cohesión nominal que se realizan mediante ellos. Los pronombres permiten la cohesión nominal, porque recuperan (sustituyendo o repitiendo) un antecedente a lo largo del texto. Por ejemplo: Un amigo porteño empezó a tomar conciencia de esa adaptación… Esa: indica la adaptación de considerar las explosiones de bombas como hechos rutinarios. Al revisar grupalmente la actividad de escritura, se puede trabajar sobre la relación entre el pronombre y la voz que enuncia en el texto, por una parte, y sobre la concordancia y la relación sujeto /verbo. Puede proponerse, además, como actividad complementaria, la rescritura en plural (nosotros/los padres). Mario Benedei (1989). Despistes y franquezas. Ruinas A mediados de 1974 explotaban en Buenos Aires diez o doce bombas por noche. De distinto signo, pero explotaban. Despertarse a las dos o las tres de la madrugada con varios estruendos en cadena era casi una costumbre. Hasta los niños se hacían a esa rutina. Un amigo porteño empezó a tomar conciencia de esa adaptación a partir de una noche en que hubo una fuerte explosión en las cercanías de su apartamento y su hijo, de apenas cinco años, se despertó sobresaltado. “¿Qué fue eso?”, preguntó. Mi amigo lo tomó en brazos, lo acarició para tranquilizarlo, pero, conforme a sus principios educativos, le dijo la verdad: “Fue una bomba”. ¡Qué suerte!, dijo el niño. “Yo creí que era un trueno”. 4 - En la explicación de pronombres seguimos a Borrego Nieto, J. y A. Di Tullio (2010). Nueva Gramática de la Lengua española. Manual. Buenos Aires: Espasa. Los pronombres personales presentan rasgos gramaticales de persona, que se expresan asimismo en la lexión verbal, lo que repercute en la concordancia. Designan a los participantes del discurso, adoptando formas diferentes según se reieran al hablante (yo), al oyente (tú) o a ninguno de los dos (él/ella). Los pronombres demostrativos son determinantes, pronombres o adverbios que identiican a algo o alguien por la distancia en la que se encuentra en relación con el hablante o el oyente. Los pronombres posesivos (determinantes y adjetivos) expresan posesión o pertenencia. Los pronombres relativos hacen referencia a una variable lógica. El valor es aportado por el antecedente. Interrogativos y exclamativos hacen referencia, igualmente, a una variable. SCRIPTA, Belo Horizonte, v. 15, n. 28, p. 171-203, 1º sem. 2011 197 Dora Riestra Consignas para los alumnos: Actividad de lectura: 1) Explicar por escrito por qué, para el niño, la bomba es un elemento rutinario y el trueno es un factor que da miedo, en esa época. 2) Identiicar los referentes de los pronombres señalados (Recuperar los antecedentes). Otras consignas posibles: ¿por qué dice esa rutina y no la o una rutina? Identiicar la clase de palabra. ¿Por qué en un caso se usa qué y en otro que? ¿Cómo y por qué se diferencian? ¿Cuándo usamos lo y cuándo usamos le? Explicar desde lo que entendiste y desde tu conocimiento gramatical del castellano. Actividad de escritura: -Escribir la última parte del cuento como el amigo porteño lo narró: “Yo empecé a tomar conciencia…” -¿Qué cambios debieron realizarse? 4. Taller 3. “Por el sendero venía avanzando el viejecillo”, A. Casillo. Comenzar por la explicación acerca del contexto de producción: quién es el autor, el origen del texto, la inalidad. Para ello, tener presente que Ser escritor es una recopilación de relatos y relexiones que se reieren al escritor y al acto de escribir, escritos por Castillo a lo largo de tres décadas. Observar los razonamientos empleados por el autor para construir la progresión temática del texto: la introducción del relato, la digresión sobre B. Arnaes y el relato en sí mismo. En particular, la digresión donde se narran situaciones vividas por Bosio Arnaes sirve para caracterizar a través de sus actos al personaje, y de este modo busca acentuar su rol de profesor y de conocedor de la literatura: era lector y escritor. Por lo tanto, lo que en apariencia es una digresión, construye la igura del personaje como parte de la coherencia textual. Al trabajar sobre el sentido del texto se puede ver cómo el relato es una explicación de lo que se airma en la primera oración: “Puedo decir que asistí a un solo taller literario en mi vida, que duró alrededor de cinco minutos.” La progresión temática se sostiene mediante el uso del adverbio “ahí” en “…y ahí terminó todo”. Al revisar grupalmente la actividad de lectura, volver sobre la explicación del sentido teniendo en cuenta la alternancia de los tiempos verbales entre el presente y el pasado: hacer notar la diferencia entre “Puedo decir” y “Recuerdo” (el uso del 198 SCRIPTA, Belo Horizonte, v. 15, n. 28, p. 171-203, 1º sem. 2011 La formación de los profesores de Lengua y Literatura y la enseñanza de los géneros textuales presente en relación con el autor que recuerda un hecho ocurrido en la década del ´50) y “asistí”, “duró”. Asimismo, indicar que el sentido del texto se construye cuando se iniere una relación causal entre la consideración del episodio narrado como un taller literario, y el hecho de que haya sido el “único”. Esta relación causal está señalada en el texto por el conector consecutivo “de modo que”. Los conectores, como ya se habrá explicado en el taller 1, permiten la organización textual y el avance de la progresión temática. Hay distintas clases de palabras que pueden tener la función de conectores (los adverbios y locuciones adverbiales, las conjunciones y locuciones conjuntivas- éste último es el caso de “de modo que”). En este texto se pueden ver, desde la forma, diferentes organizadores que introducen relaciones lógicas de causa y consecuencia: “¿por qué “el” viejecillo y no “un” viejecillo?, ya que aún no conocíamos al personaje” “Lo único que atiné a decir, fue: “Bueno, señor, porque ése es mi estilo”.” Mediante la actividad de rescritura de oraciones, los alumnos utilizarán mecanismos para mantener el sentido mientras razonan sobre la selección de palabras. Este trabajo sobre la forma se continuará al revisar la actividad de escritura realizada por los alumnos, que busca que puedan parafrasear las causas por las cuales, para el autor, no fue necesario otro taller literario. Revisar el uso y la introducción de relaciones de causa-consecuencia, en las respuestas de los alumnos que han de reformular el texto poniendo en juego, simultáneamente, los conocimientos gramaticales sobre adverbios, pronombres (transformarán la voz que enuncia de una primera a una tercera persona) y conjunciones. Abelardo Casillo (2007). Ser escritor. Por el sendero venía avanzando el viejecillo Puedo decir que asistí a un solo taller literario en mi vida, que duró alrededor de cinco minutos. Yo tenía dieciséis o diecisiete años, había escrito un cuento muy largo llamado “El último poeta” y consideraba que era, naturalmente, extraordinario. Se lo fui a leer, una tarde, a un viejo profesor sin cátedra que vivía en las barrancas de San Pedro, un hombre muy extraño. Bosio Arnaes se llamaba. Leía una cantidad de idiomas. Recuerdo que tenía un búho, papagayos, un enorme mapamundi en su mesa. Él mismo se parecía a un búho, pájaro, dicho sea de paso, SCRIPTA, Belo Horizonte, v. 15, n. 28, p. 171-203, 1º sem. 2011 199 Dora Riestra que fue el de la sabiduría entre los griegos. La penúltima vez que lo vi, el viejo estaba casi ciego, pero se había puesto a aprender ruso para leer a Dostoievski en su idioma original. Eso la penúltima vez. La última, estaba leyendo a Dostoievski, en ruso, con una lupa del tamaño de una ensaladera. Era un hombre misterioso y excepcional. En San Pedro se decía que era el verdadero autor del libro sobre los isleros que escribió Ernesto L. Castro y del que se hizo la famosa película. La novela original era una novela vastísima de la que, se decía, Castro tomó el tema de Los isleros.5 No importa si esto es cierto; era una de esas historias míticas que ruedan y crecen en los pueblos. De modo que fui a la casa de la barranca y comencé a leer mi cuento, que empezaba exactamente con estas palabras: Por el sendero venía avanzando el viejecillo ... y ahí terminó todo. Bosio Arnaes me interrumpió y me preguntó: ¿Por qué “sendero” y no “camino”?, ¿por qué “avanzando” y no “caminando”?, en el caso de que dejáramos la palabra sendero, ¿por qué “el” viejecillo y no “un” viejecillo?, ya que aún no conocíamos al personaje; ¿por qué “viejecillo” y no “viejecito”, “viejito”, “anciano” o simplemente “viejo”? Y sobre todo: ¿por qué no había escrito sencillamente que el viejecillo venía avanzando por el sendero, que es el orden lógico de la frase? Yo tenía diecisiete años, una altanería acorde con mi edad y ni la más mínima respuesta para ninguna de esas preguntas. Lo único que atiné a decir, fue: “Bueno, señor, porque ése es mi estilo”. Bosio Arnaes, mirándome como un lechuzón, me respondió: - Antes de tener estilo, hay que aprender a escribir. Consigna para los alumnos: Actividad de lectura: ¿Por qué el autor airma que asistió a un solo taller literario en toda su vida, que duró sólo cinco minutos? 5 - “Los isleros es una película argentina de 1951, dirigida por Lucas Demare, con guión de Ernesto L. Castro sobre una novela homónima escrita por él mismo. Fue protagonizada por Tita Merello y Arturo García Buhr. Estrenada el 20 de marzo de 1951, en el cine Ópera de Buenos Aires. Recibió ocho premios, entre ellos dos considerándola la mejor película de 1951. La actuación de Tita Merello como la Carancha, está considerada como una de las interpretaciones más destacadas de su carrera, y una de las interpretaciones femeninas más importantes de la historia del cine argentino. Los Isleros es una historia que trata de la sacriicada y rudimentaria vida de las personas que viven en las islas del delta del Río Paraná, en la década del 40, y en particular de una pareja, Rosalía, apodada la Carancha (Tita Merello) y su compañero Leandro (Arturo García Buhr). Su hijo (Roberto Fugazot) lleva a la casa a una mujer (Graciela Lecube), que desencadena un conlicto debido a los celos que la joven despierta en la Carancha. La película muestra también el drama social de las inundaciones del Río Paraná. Fue íntegramente ilmada en San Pedro.” [http://es.wikipedia.org/wiki/Los_isleros_(película)] 200 SCRIPTA, Belo Horizonte, v. 15, n. 28, p. 171-203, 1º sem. 2011 La formación de los profesores de Lengua y Literatura y la enseñanza de los géneros textuales ¿Por qué es importante la construcción del personaje Bosio Arnaes? ¿Cuál es el tema del relato y cuál es la opinión del autor sobre ese tema? Rescribir las siguientes oraciones (a partir de los comienzos dados), integrándolas en una sola oración y cambiando el orden sin alterar el sentido: - Se lo fui a leer, una tarde, a un viejo profesor sin cátedra que vivía en las barrancas de San Pedro, un hombre muy extraño. Bosio Arnaes se llamaba. Bosio Arnaes… - La penúltima vez que lo vi, el viejo estaba casi ciego, pero se había puesto a aprender ruso para leer a Dostoievski en su idioma original. Eso la penúltima vez. Cuando vi… - La novela original era una novela vastísima de la que, se decía, Castro tomó el tema de Los isleros. No importa si esto es cierto; era una de esas historias míticas que ruedan y crecen en los pueblos. No importa si… ¿Qué clases de palabras fue necesario modiicar para poder realizar este ejercicio? Actividad de escritura: Rescribir el relato continuando la introducción dada: Abelardo Castillo cree que su primer y único taller literario fue con un profesor de San Pedro. Considera que en su vida no fue necesario otro taller literario porque… Una vez terminado reconocer las palabras que operan como conectores e identiicar qué clases de palabras son gramaticalmente o desde el punto de vista de la gramática castellana. 5. Taller complementario (optaivo). “El sistema”, E. Galeano. Después de leer el texto y de explicar la situación que le da origen, los alumnos pueden discutir en pequeños grupos acerca de la forma del texto; explicar cómo se relaciona el sentido del texto con la forma que se selecciona para transmitirlo. El docente puede guiar la discusión por medio de preguntas: -¿qué se repite en el texto?, ¿cómo se construye? -¿qué diferencia se va estableciendo en relación con las personas que son nombradas? -¿qué gradación se ve? SCRIPTA, Belo Horizonte, v. 15, n. 28, p. 171-203, 1º sem. 2011 201 Dora Riestra -¿cómo se relaciona esto con el título? Se puede leer este texto para trabajar con el pronombre relativo; identiicar que introduce subordinadas con un efecto estilístico. Observar que el texto continúa al título, se puede ver aquí la ruptura de las normas gramaticales para provocar un efecto de sentido: la cadena de subordinadas parte del título y arma una estructura arbórea que puede representarse en el pizarrón de la siguiente manera: … empleado obrero mujer hijo perro Los personajes nombrados se ubican en el eje del poder y de la violencia; cada uno somete a alguien subordinado a ese poder. En la actividad de escritura, los alumnos deberán rescribir el relato desarmando la cadena de subordinadas; para ello deberán utilizar los signos de puntuación y diferentes formas de conexión: adverbios y conjunciones como conectores entre las oraciones, pronombres que retomen las relaciones anafóricas. Eduardo Galeano (1984/2005). Días y noches de amor y de guerra El sistema que programa la computadora que alarma al banquero que alerta al embajador que cena con el general que emplaza al presidente que intima al ministro que amenaza al director general que humilla al gerente que grita al jefe que prepotea al empleado que desprecia al obrero que maltrata a la mujer que golpea al hijo que patea al perro. Consigna para los alumnos: Actividad de escritura: Reformular el texto construyendo diez oraciones sin que se altere el sentido. 202 SCRIPTA, Belo Horizonte, v. 15, n. 28, p. 171-203, 1º sem. 2011 La formación de los profesores de Lengua y Literatura y la enseñanza de los géneros textuales 6. Acividad de escritura. Evaluación El objetivo de esta actividad es que los alumnos puedan producir un texto con sentido, donde la progresión temática dé cuenta de los razonamientos empleados para seleccionar y utilizar las herramientas teóricas brindadas en la secuencia. Consigna para los alumnos: Actividad de escritura: Escribir un relato sobre un hecho muy importante que te haya ocurrido cuando eras chico, poniendo en juego las nociones teóricas aprendidas durante las clases. SCRIPTA, Belo Horizonte, v. 15, n. 28, p. 171-203, 1º sem. 2011 203 A autoconfrontação simples aplicada à formação de docentes em situação de trabalho Ada Magaly Matias Brasileiro* Resumo Este trabalho traz como tema a autoconfrontação, metodologia desenvolvida pela Clínica da Atividade (FAÏTA, 2002; CLOT, 2000, 2010) e utilizada pelos adeptos do Interacionismo Sociodiscursivo (AMIGUES, 2004; BRONCKART, 2003, 2006, 2008), cujo princípio é fazer da atividade passada o objeto da atividade presente, por meio da linguagem. O objetivo desta pesquisa é apresentar os fatores que devem ser levados em consideração para que uma instituição escolar utilize esse instrumento na formação contínua de seus professores. Esse investimento se justiica pela necessidade institucional de ferramentas capazes de formar os professores em ambiente de trabalho e pela carência dos docentes de receberem retornos sobre suas ações. Por meio de leituras e de 10 sessões de autoconfrontação, foi possível elaborar um roteiro prático para a aplicação da metodologia. Palavras-chave: Formação docente. Procedimentos de autoconfrontação. ISD. Clínica da Atividade. A contextualização da pesquisa Há cerca de seis décadas, grupos vinculados à Psicologia do Trabalho, especialmente à Clínica de Atividade, representada por Clot (2010), Faïta (2002) e Nouroudine (2002), têm se dedicado à análise do trabalho, buscando intervir em situações de atividade e restabelecer o poder de agir da coletividade. Em seus métodos de estudo, a linguagem, numa perspectiva dialógica e interacionista, é o objeto fundamental de análise. Sendo a linguagem o mesmo foco investigativo da Linguística, tais estudos provocaram uma aproximação entre as duas áreas cientíicas, especialmente, entre os pesquisadores do Interacionismo * Faculdade Pitágoras. SCRIPTA, Belo Horizonte, v. 15, n. 28, p. 205-224, 1º sem. 2011 205 Ada Magaly Matias Brasileiro Sociodiscursivo (ISD), cujo interesse tem se acentuado nos estudos acerca do trabalho docente, impulsionados por Amigues (2004) e Bronckart (2006). Dentre as várias metodologias exploradas e aplicadas pela Clínica da Atividade, uma tem merecido atenção especial por parte dos adeptos ao ISD: a autoconfrontação. Tal proposta metodológica associa concepções de linguagem a fatos ergonômicos e analisa a descrição que o trabalhador faz de sua atividade (SOUZA-E-SILVA; FAÏTA, 2002; CLOT et al., 2001). No Brasil, o grupo Análise da Linguagem e do Trabalho Educacional e suas Relações (ALTER-LAEL),1 composto por Machado (PUC-SP), Lousada (USP), Souza-e-Silva (PUC-SP) e outros, tem estimulado pesquisas que apliquem tal metodologia ao trabalho do professor, na tentativa de contribuir para a compreensão do fazer docente, bem como apontar caminhos para a formação continuada dos professores. Tais pesquisas2 revelam o potencial da autoconfrontação na tarefa a que se propõe, mostrando que, ao analisar o fato vivido, os professores fazem alusão ao trabalho prescrito e ao real, para poderem interpretar suas ações. E que, ao interpretá-las, eles realizam um movimento de busca de autoconsciência a partir da alteridade, além de um interesse veemente de ressigniicação do fazer. Tais fatos evidenciam a oportunidade de abrangência de aplicação do método, o qual deveria ultrapassar as fronteiras das pesquisas acadêmicas e chegar às instituições escolares, como prática na formação contínua dos professores. Ao suscitar essa possibilidade, coloco-me diante de um desaio, que é o de contribuir para a viabilização de tal proposta. Eis, portanto, o questionamento que proponho para o presente estudo: que fatores devem ser levados em consideração para que uma instituição escolar utilize a metodologia da autoconfrontação como um instrumento de formação continuada de seus professores? Coniando na condição de as escolas lançarem mão desse instrumento para o desenvolvimento do coletivo docente, sem a interveniência de sujeitos externos ao grupo, como pesquisadores, especialistas ou consultores, é que pretendo, com este trabalho, apresentar os procedimentos de aplicação da metodologia da autoconfrontação em ambiente de trabalho docente, bem como suscitar relexões sobre aspectos sociointeracionais associados a essa metodologia, suas potencialidades e fragilidades. Este estudo se justiica, principalmente, pela necessidade que há nas instituições escolares de metodologias aplicáveis no próprio ambiente de trabalho que possam auxiliar na formação do trabalhador e na melhoria contínua da sua atuação. Por 1 - Grupo vinculado ao LAF (Langage, Action, Formation), coordenado por Jean-Paul Bronckart, na Universidade de Genebra. 2 - Destaco: Buzzo (Tese, 2008); Drey (Dissertação, 2008); Tognato (Tese, 2009). 206 SCRIPTA, Belo Horizonte, v. 15, n. 28, p. 205-224, 1º sem. 2011 A autoconfrontação simples aplicada à formação de docentes em situação de trabalho outro lado, seria uma oportunidade de suprir a carência de instrumentos capazes de fornecer retorno aos professores sobre o seu trabalho. Assim, a autoconfrontação seria uma ocasião de aplicar as evoluções conquistadas pela aliança entre a Clínica da Atividade e o Interacionismo Sociodiscursivo (ISD) na melhoria do processo produtivo docente, possibilitando que o proissional se veja em atuação, reveja e reformule conceitos, teste hipóteses sobre seu agir proissional, avalie métodos/ estratégias didáticos e reconstrua a sua ação. Campos teóricos da pesquisa Para melhor compreender a complexidade do agir docente, busquei concepções convergentes entre a Clínica da Atividade e o ISD, sobre as noções acerca do trabalho e sua relação com a linguagem; os determinantes do trabalho docente e as categorias de análise apontadas para essa atividade. Em seguida, trouxe à tona os mecanismos da autoconfrontação, foco especíico desta pesquisa. A associação entre os dois campos de estudos se faz coerente, pelo fato de ambos terem em comum a ancoragem epistemológica nos fatores de desenvolvimento humano de Vygotsky e na dialogia bakhtiniana. De um lado, temos a Ergonomia da Atividade, originária na França, em 1958, com o intuito de produzir conhecimentos especíicos sobre o trabalho humano, sendo seus estudos baseados na decomposição/recomposição da atividade (por meio da linguagem) a ser transformada e melhorada. Alinhada a esse ramo cientíico, a Clínica da Atividade, conduzida principalmente por Clot (2010) e Faïta (2002), desenvolveu relevantes conceitos e métodos de observação e geração de dados sobre o agir. No outro elo dessa aliança teórica está o ISD, o qual, originado do interacionismo simbólico, fortaleceu-se na Universidade de Genebra, em 1973, com um curso de Linguística ministrado por Bronckart a professores formadores. Em seu projeto, baseado no interacionismo social, a linguagem, entendida como forma de interação, assume papel central, tanto na constituição do pensamento consciente, quanto no desenvolvimento das pessoas. Para Bronckart (2003, p. 42), a ação, mediada pela linguagem, é o resultado da apropriação das propriedades da atividade social humana (verbais ou não verbais). Com base em Habermas, o autor toma o agir comunicativo como condutor de conhecimentos coletivos, que são historicamente construídos e avaliados pelos saberes elaborados sobre o meio físico, as normas, valores e símbolos construídos para regular as interações entre grupos ou entre indivíduos, assim como as expectativas de um agente humano. SCRIPTA, Belo Horizonte, v. 15, n. 28, p. 205-224, 1º sem. 2011 207 Ada Magaly Matias Brasileiro Aportes conceituais sobre linguagem e trabalho Na perspectiva da Clínica da Atividade, o trabalho é analisado sob três dimensões: o que é prescrito, o que é realizado e o que é real. Ao observar o trabalho prescrito, o pesquisador se atém à análise da tarefa que deve ser feita, considerando suas condições de realização, seus objetivos e meios utilizados. Quando se trata do trabalho realizado, o foco do analista é o que o trabalhador efetivamente faz para realizar a tarefa. Vincula-se ao termo atividade, que, apesar de não ser diretamente observável, é interpretável a partir da ação realizada pelo trabalhador (AMIGUES, 2004, p. 35-41, passim). Quanto à terceira dimensão, o trabalho real, refere-se também às “atividades contrariadas”, destacando as tensões sofridas pelo trabalhador, quando é impedido, por diferentes fatores, de realizar o trabalho prescrito (CLOT, 1999, p. 23). O aporte teórico do ISD acrescenta uma quarta dimensão para essa análise: o trabalho interpretado. Essa importante contribuição considera a atividade “a partir da análise dos textos de descrição do trabalho real produzidos pelos pesquisadores” (BRONCKART, 2006, p. 217) e chama a atenção para a necessidade de distinguir as vozes presentes no discurso interpretativo, que tanto podem ser do pesquisador, quanto do protagonista do trabalho. Diante disso, é necessário que o pesquisador atente para os valores éticos da pesquisa, esforçando-se para proteger a voz do trabalhador, distinguindo-a da de quem a interpreta. Tão importante como as dimensões de análise do trabalho é a relação existente entre este e a linguagem, também vista pela Clínica da Atividade sob três ângulos: a linguagem como trabalho, a linguagem no trabalho e a linguagem sobre o trabalho (NOUROUDINE, 2002, p. 17). A linguagem como trabalho ocorre quando ela “funciona como parte legitimada da atividade, (...) não é somente uma dimensão, dentre outras, do trabalho, mas ela própria se reveste de uma série de dimensões”, sendo usada para gerir o tempo, para evidenciar a dialogia do discurso e para revelar saberes e valores que modelam as relações sociais e possibilitam a cooperação entre os sujeitos (NOUROUDINE, 2002, p. 21). A linguagem no trabalho ocorre em situação de atividade e pode veicular conteúdos de natureza variada, às vezes, até externa à atividade executada pelo coletivo. Nouroudine defende que a análise da linguagem no trabalho é tão relevante quanto a da linguagem como trabalho, pois possibilita a construção de saberes (2002, p. 25). Já a linguagem sobre o trabalho vincula-se ao trabalho interpretado e, por isso, procura decifrar a atividade em desenvolvimento. Esse discurso pode ser 208 SCRIPTA, Belo Horizonte, v. 15, n. 28, p. 205-224, 1º sem. 2011 A autoconfrontação simples aplicada à formação de docentes em situação de trabalho originado por exigências da empresa ou por um motivo da equipe de comentar, avaliar, justiicar, corrigir, etc. (op. cit., p. 25-28). O autor ainda adverte que, para se compreender a validade e a pertinência desse discurso, é necessário se questionar sobre os elementos dele constitutivos: “quem fala?”; “de onde se fala?”; “em que contexto fala?”. Essa categorização da relação linguagem/trabalho fortalece as pesquisas voltadas à compreensão do trabalho docente e evidencia o fator da interação verbal, tão caro ao ISD. Para os sociointeracionistas, é na interação com o outro que o autoconhecimento se constitui, pois “a consciência, que parece estar centrada no Eu” (HABERMAS, 1990, p. 212), ao contrário, forma-se através da relação mediada por um parceiro de interação, ou seja, o sujeito se reconhece a partir da alteridade, por meio da linguagem, isto é, a intersubjetividade. O trabalho docente: consituição e contexto Tomar o trabalho docente como tema de discussão é, antes de tudo, tomar consciência da sua amplitude e complexidade, pois tal proissão não se restringe ao domínio que o professor apresenta sobre o programa e os conteúdos temáticos da aula, ou sobre as capacidades e limitações de seus alunos, mas, sobretudo, “(...) na capacidade de conduzir seu projeto didático, considerando múltiplos aspectos (sociológicos, materiais, afetivos, disciplinares, etc.), frequentemente subestimados e que, entretanto, constituem o ‘real’ mais concreto da vida de uma classe.” (BRONCKART, 2006, p. 227). Assim, para que um professor seja bem-sucedido, não basta o domínio do conteúdo, ele deve saber gerir a aula e seu percurso, balizando-a pelas expectativas e objetivos institucionalmente prescritos e atentando para as características e reações dos alunos. Bronckart ainda lembra que esse proissional deve estar atento aos diversos contextos nos quais o seu fazer está inserido: desde o sistema didático adotado pela instituição, incluindo o sistema de ensino, o educacional e o contexto sócio-histórico particular do qual a instituição faz parte, pois “o trabalho do professor nem sempre depende dele mesmo para sua realização, mas somam-se outras dimensões que também são constituintes de seu trabalho (2006, p. 207)”. Entendendo que o trabalho do professor não se reduz às ações mediadoras de ensino nem se restringe ao ambiente da sala de aula, é natural que o docente veja, em seu trabalho real, um ambiente de tensão que, de acordo com Buzzo (2008, p. 28), coloca-o entre o desejo de ser eiciente e o de manter uma boa saúde proissional, tendo de “camular o estresse” e controlar seus sentimentos. Para SCRIPTA, Belo Horizonte, v. 15, n. 28, p. 205-224, 1º sem. 2011 209 Ada Magaly Matias Brasileiro ela, o centro das questões da formação docente deveria se relacionar à exigência da comunidade educacional: a qualidade de ensino. Isso evidencia a necessidade de investimento na formação do professor, cuja tarefa tem sido muito individual, cabendo-lhe a responsabilidade de identiicar suas necessidades de formação e empreender o esforço necessário para realizar sua parcela de investimento no próprio desenvolvimento. Mais do que conhecer o seu trabalho, o professor deve saber mobilizar conhecimentos em sala de aula e, para isso, dominar competências. A expectativa que se aponta para os educadores e para a sociedade, no momento, é de que seja possível propor alternativas curriculares capazes de auxiliar o docente no aprimoramento da sua formação contínua. Tomando o fator de autoconhecimento que perpassa essa questão, ica evidente a necessidade de o professor ter acesso a instrumentos que lhe forneçam informações sobre o seu fazer, que lhe proporcionem condições de veriicar como ele atua, que aspectos ou competências já desenvolveu e quais ainda carecem de aperfeiçoamento. O investimento dos estudos sociointeracionistas no trabalho do professor traz algumas contribuições para a compreensão desse labor. Dentre elas, destaco: (i) os elementos constitutivos e (ii) as categorias de análise do trabalho docente. No primeiro caso, Machado e Lousada (2010, s/p), esquematizam os elementos que constituem a atividade do professor, considerando-a em três polos: professor, objeto de aprendizagem e outrem (todos os sujeitos e instâncias enunciativas envolvidos no contexto), perpassados pelos artefatos/instrumentos (recursos materiais e simbólicos necessários à aplicação da aula). Tais polos encontram-se em interação, inluenciando-se mutuamente, e estão inseridos em instâncias superiores, as quais caracterizam o trabalho docente como uma atividade que não se limita à sala de aula, às interações com os alunos. Consiste em: Uma mobilização de seu ser integral, em diferentes situações de planejamento, de aula, de avaliação, com o objetivo de criar um meio que possibilite aos alunos a aprendizagem de um conjunto de conteúdos de sua disciplina e o desenvolvimento de capacidades especíicas relacionadas a esses conteúdos, orientando-se por um projeto de ensino que lhe é prescrito por diferentes instâncias superiores e com a utilização de instrumentos obtidos do meio social e na interação com diferentes outros que, de forma direta ou indireta, estão envolvidos na situação (MACHADO, 2007, p. 93). Outra contribuição apontada pelo ISD, baseada nos elementos constitutivos do trabalho docente, são categorias mais estáveis de análise. Bronckart (2008) propõe três planos de observação para o pesquisador: SCRIPTA, Belo Horizonte, v. 15, n. 28, p. 205-224, 1º sem. 2011 210 A autoconfrontação simples aplicada à formação de docentes em situação de trabalho • • • O plano motivacional = composto por determinantes externos (de origem coletiva ou da ordem das representações sociais) e motivos (interiorizados pelo sujeito); O plano intencional = composto por inalidades (origem coletiva e socialmente validadas) e intenções (os ins do agir interiorizados pelo sujeito); O plano dos recursos para o agir = composto por instrumentos (artefatos concretos e “modelos de agir” disponíveis no meio social) e capacidades (recursos mentais e comportamentais atribuídos ao sujeito). Com esses apontamentos, o ISD, aliado aos pressupostos da Clínica da Atividade, propõe instrumentos de análise da atividade real do professor, os quais, mediados pela linguagem como trabalho, no trabalho e sobre o trabalho, poderão iluminar a realidade da sala de aula. A premissa na qual se acredita é que é possível melhorar aquilo que se compreende bem. A autoconfrontação: a provocação da linguagem sobre o trabalho Utilizada em intervenções de procedimentos em situações de trabalho, a autoconfrontação é uma metodologia cujo princípio é fazer da atividade vivida o objeto de outra experiência, ou a atividade presente, por meio da linguagem, provocando o sujeito a pensar sobre sua atividade e ressigniicá-la (CLOT et al. 2001, p. 8). Esse procedimento pode ser concretizado de duas formas: a autoconfrontação simples e a autoconfrontação cruzada. Na primeira versão, autoconfrontação simples, o pesquisador forma o grupo de pesquisa e faz as gravações dos pesquisados durante a realização de sua tarefa. Posteriormente, ele seleciona algumas cenas signiicativas e assiste a elas juntamente com o trabalhador, suscitando nele a descrição do que ele vê no vídeo e propiciando uma relação dialógica com o objeto ilmado, com os sujeitos envolvidos na atividade e com o próprio pesquisador. Na modalidade de autoconfrontação cruzada, há o encontro de dois trabalhadores com o pesquisador. Ambos os trabalhadores, cujas atividades foram ilmadas, assistem aos vídeos um do outro e comentam sobre suas ações. Essas sessões devem ser gravadas em áudio ou vídeo pelo pesquisador, que faz perguntas, quando julgar necessário, conduzindo as relexões e tomadas de consciência sobre o que fazem. A autoconfrontação se estabelece com a construção de sentidos por meio da imagem para a confrontação e ressigniicação do eu através do outro. Tais procedimentos permitem a reinterpretação das dimensões do trabalho, já que o SCRIPTA, Belo Horizonte, v. 15, n. 28, p. 205-224, 1º sem. 2011 211 Ada Magaly Matias Brasileiro real transparece e permite que se estabeleçam relações com o trabalho prescrito. Surge, assim, o trabalho representado, através da relexão do trabalhador sobre sua atuação. Souza-e-Silva (2004, p. 104) argumenta que se estabelece “um ciclo entre o que os trabalhadores fazem, aquilo que eles dizem sobre o que fazem e o que eles fazem daquilo que eles mesmos dizem”, já que, ao se confrontar com o que faz, o sujeito, normalmente, se estranha e é absorvido em um diálogo com vozes internas e externas, responsáveis por sua formação, que instigam um desejo de recriação do seu objeto de trabalho e do seu sentido. A autoconfrontação gera uma tomada de consciência da alteridade, pois o sentimento desencadeado pela experiência da mediação da imagem provoca o estranhamento de algo que é familiar. “O sujeito se dá conta daquilo que nele é diferente, não reconhecível como parte de si próprio” e, posteriormente, isso lhe permite assimilar e incorporar essa visão em sua consciência como algo familiar (SOUZA, 2003, p. 85). Outro aspecto relaciona-se à distinção de papéis entre o analista e o protagonista da atividade, pois o analista não deve confundir o seu papel com o dos protagonistas diretos do trabalho. A “atividade sobre a atividade em que se constitui a autoconfrontação não pode substituir a atividade mesma, uma vez que, nessa segunda fase, o processo de produção de sentido é realizado a partir do trabalho observado no suporte vídeo” (VIEIRA; FAÏTA, 2003, p. 33). Essa metodologia, que tem sido aplicada em pesquisas relacionadas ao trabalho docente, busca compreender e descrever tal atividade e tem sido vista como uma oportunidade para o desenvolvimento contínuo do professor. O percurso da pesquisa Esta pesquisa é parte de um estudo de maior abrangência que compõe a minha tese de doutorado, na qual estudo a emoção na interação em sala de aula. A pesquisa de natureza qualitativa e etnográica3 possibilitou-me a inserção no ambiente pesquisado, conferindo-me, além de qualidade de observação e conhecimento do contexto e dos sujeitos estudados, melhor condição de compreensão dos dados. Em estudo concomitante a este, pude veriicar as potencialidades da autoconfrontação como metodologia a ser usada em processo de formação contínua 3 - A pesquisa etnometodológica, segundo Minayo (2007, p. 150), refere-se a um conjunto de estratégias de pesquisa voltadas à descrição minuciosa dos objetos que investiga, preconizando a “observação direta e a investigação detalhada dos fatos no lugar em que eles ocorrem, com a inalidade de produzir uma descrição minuciosa e detalhada dos fatos (...), das pessoas, suas relações e sua cultura” no lugar em que eles ocorrem. 212 SCRIPTA, Belo Horizonte, v. 15, n. 28, p. 205-224, 1º sem. 2011 A autoconfrontação simples aplicada à formação de docentes em situação de trabalho do professor, tendo alcançado os objetivos propostos em 80% dos proissionais. Diante desse fato e do percurso vivido com os professores de uma escola estadual de ensino fundamental, no centro de Belo Horizonte (MG), os quais se ressentem da ausência de retorno com relação a seu trabalho, lancei-me ao desaio que aqui me proponho: o de apresentar a metodologia da autoconfrontação às instituições de ensino como um instrumento eicaz na formação contínua de seus professores, bem como fornecer os mecanismos do seu funcionamento de modo objetivo. Esses fatores caracterizam a inalidade deste estudo como metodológico, uma vez que se dedica a “indagar por instrumentos, por caminhos, por modos de se fazer ciência, ou a produzir técnicas de tratamento da realidade, ou a discutir abordagens teórico-práticas” (DEMO, 2009, p. 13). No período em que se deu a pesquisa de campo, entre fevereiro e novembro de 2010, pude assistir às aulas, elaborar relatórios de observação, aplicar questionários a alunos e professores, gravar 28 aulas em vídeo, transcrevê-las e gravar em áudio e transcrever 10 sessões de autoconfrontação simples. Para este artigo, o corpus que me interessa são as sessões de autoconfrontação, seus mecanismos e seu contexto de produção e de aplicação. Destaco que meu trabalho nas duas turmas tomadas como amostra iniciou-se logo nos primeiros dias de aula do ano letivo de 2010, fator que contribuiu para a minha presença na sala de aula ser encarada com maior naturalidade. Aos poucos, fui ganhando a coniança dos sujeitos envolvidos no processo de ensino/ aprendizagem da escola, de modo que, quando chegou o momento da gravação das aulas, entre 15 e 19/3, o processo ocorreu sem diiculdades. Tento em vista os objetivos propostos, na análise a seguir, direcionei o olhar mais para o processo de aplicação em si do que para os resultados do método. Procurei focalizar as lentes para o contexto sócio-histórico da gravação, a constituição dos sujeitos envolvidos no processo, a estrutura da sessão, as ações necessárias para a execução de cada uma das fases, os temas focalizados e os cuidados a serem tomados pelo condutor do processo. Para efeito de identiicação das vozes aqui apresentadas, utilizo a letra P para pesquisadora e P1, P2, P3... para os professores, na ordem em que foram realizadas as sessões de autoconfrontação. A reconstrução do vivido por meio da linguagem O livre trânsito que me foi concedido na escola possibilitou-me conhecer o seu contexto sócio-histórico e os discursos nele constituídos. No tempo em que lá permaneci, foi possível observar a linguagem em seus diversos contextos: SCRIPTA, Belo Horizonte, v. 15, n. 28, p. 205-224, 1º sem. 2011 213 Ada Magaly Matias Brasileiro como trabalho, nos momentos de realização das aulas; no trabalho, nos diversos espaços e tempos extraclasse; e sobre o trabalho, especiicamente, no momento da aplicação da autoconfrontação. Minhas observações, marcadas pelos preceitos sociointeracionistas, buscavam iltrar os dados usando critérios contextuais: “quem fala?”, “para quem fala?”, “em que contexto fala?” Inicialmente, constatei o orgulho dos corpos docente, discente e administrativo de fazerem parte da história de uma escola centenária, tombada como patrimônio histórico e artístico de Minas Gerais, cuja preservação era assunto recorrente em seus discursos. Veriiquei também que a escola contava com a dotação completa do quadro de pessoal e que se tratava de um ambiente dinâmico, vivo, com projetos escolares sempre em funcionamento. Pude testemunhar ocorrências tanto de parcerias entre os colegas de trabalho, quanto de estranhamento e tensão. Esses últimos, mais associados à greve dos professores estaduais, que estava sendo anunciada e provocava dissidências entre os professores e entre estes e elementos da gestão escolar. Eles manifestavam insatisfações associadas a determinantes externos ao trabalho: o sistema educacional, o salário e a própria gestão da escola. Pude também veriicar as relações linguagem/trabalho, tendo acesso às normas prescritas pela escola, assistindo ao trabalho realizado, relatando-o e constatando as diiculdades do real da atividade. Uma das diiculdades apontadas por membros do grupo docente e que aqui merece destaque foi a ausência de retorno sobre o seu fazer. Os professores sentiam carência de avaliação sobre os seus modelos concretos e mentais de agir. P6: “A gente tem muito pouco retorno... né? eu falo assim/ às vezes... a gente recebe um estagiá::ário ele ica aí seis meses assistindo aula da gente... ele preenche fOlhas e fOlhas e vai embora.” Tendo, então, realizado a gravação, assisti aos ilmes, transcrevi os textos, selecionei as cenas marcadas pela interação e marquei as entrevistas com os professores, os quais aceitaram o convite sem restrições e compareceram ao local deinido por eles, no horário marcado. Quando chegaram, já me encontraram com o equipamento de vídeo ligado e a disposição da mesa e das cadeiras (uma ao lado da outra) deinida. Novamente, expliquei o procedimento, antes de ligar o gravador, e começamos a sessão, sempre num ambiente marcado pela parceria, sendo que um clima de coniança foi sendo ratiicado ao longo da sessão. Por ser uma dinâmica nova para os sujeitos envolvidos, analista e proissional, fomos, durante o processo, reconhecendo, constituindo e conirmando os nossos papéis. O meu papel foi bem deinido como a gestora do evento, abrindo-o: “P: 214 SCRIPTA, Belo Horizonte, v. 15, n. 28, p. 205-224, 1º sem. 2011 A autoconfrontação simples aplicada à formação de docentes em situação de trabalho então vamos começar aquI... a sessão... já está gravando/ viu?”; conduzindo-o: “P: ok/ muito boa essa relexão/”; P: você quer comentar?; e encerrando-o: P: eu é quem agradeço/ viu? então vamos encerrar aqui nossa sessão/”. Entretanto, em alguns momentos, quis me fazer reconhecer como par da docente, destacando também o meu papel de professora: P: “a sala de au:la é o nOSSo espaço/ é onde nós podemos fazer algUma coisa/ não é?” Nesses momentos, eu conseguia mais espontaneidade dos entrevistados e, embora tenha zelado para não interferir, avaliar ou sobrepor-me à descrição do proissional em foco, não me furtei à emissão do meu ponto de vista. Assim, contando também com o conhecimento prévio que já tínhamos uns dos outros, fomos estabelecendo uma relação de coniança e produtividade nas sessões. Durante os eventos, procurei ouvir mais do que falar, icar atenta aos detalhes contextuais e procedimentais do entrevistado, conirmar o que o professor dizia, usando marcadores conversacionais, para indicar atenção, concordância ou continuidade do discurso: P: hum... hum/; P: legAl/; P: Hã hã/. Isso os deixou mais à vontade em seus relatos. Em uma intervenção, entretanto, iz perguntas mais diretas e temi pela contaminação do dado a ser gerado: P: e você fez com Essa intenção/ nÉ? Ao transcrever os dados dessa passagem, revelei as condições contextuais em descrições paralelas, no intuito de esclarecer as intenções e o resultado das ações linguageiras. Aliás, esforcei-me em registrar os dados contextuais do encontro o mais brevemente possível, por considerá-los essenciais à análise das informações. Quanto à constituição dos sujeitos protagonistas da atividade, é digno de registro o fato de todos eles terem demonstrado interesse pela dinâmica e boa vontade em participar do trabalho. Ao cruzar as informações dadas com o conhecimento prévio que tinha a respeito deles, pude veriicar o esforço de cada um em atingir o objetivo da autoconfrontação, descrevendo as cenas com honestidade. Apesar disso, em duas das 10 sessões realizadas, não pude veriicar a ressigniicação da atividade, por meio da qual o proissional retornará ao trabalho pronto para transformar o seu fazer. Mesmo nesses casos, contudo, icaram evidentes conceitos estruturantes da autoconfrontação: o dialogismo, a intersubjetividade e a alteridade. P5: “Ada/ a gente nUnca sAi com aquEla sensação de devEr cumprIdo/ vocÊ tenta tOda aula/ mas vocÊ sa:be que nUnca fEz aquIlo que pretendIa... ou pelo ME:nos prÓximo/”. P7: “é::é mas agora o problema... essa turma que você pegou/ a 19/ esse menI:no é muito/ eles... é::é... você não pode fazer um barulhinho que dispersa a atenção/ presta atenção em outra coisa... isso foi até falado no conselho de cla:sse/” SCRIPTA, Belo Horizonte, v. 15, n. 28, p. 205-224, 1º sem. 2011 215 Ada Magaly Matias Brasileiro Nesses dois exemplos, as professoras me tomam como interlocutora do seu discurso e apontam outros sujeitos como foco ou causas para o não êxito do objetivo da aula. A linguagem sobre o trabalho constitui e revela o EU a partir do outro, embora, nesses casos, não tenha possibilitado uma evolução para reconhecer, em seu trabalho, o que poderia ser transformado, pois as duas docentes restringiram-se a abordar temas associados a determinantes externos, destacando o sistema educacional e a família: P5: “mas eu acho que essa mudança/ a/ o própri::io sistEma/ a prÓpria educação/ contribui prA chegar nesse ponto/” P7: “os pAis não tÊm autoridade em cAsa e soltam o menino na escola/ Aí... quando a bomba estOura... sempre estOura/ é na escola/” É nítido aí, certo distanciamento do problema, como se o professor estivesse tentando entender as questões internas, olhando para fora. Apesar disso, é também notório que ambas as professoras exercitaram a interpretação de suas atividades. Quanto ao direcionamento temático dos discursos do grupo com um todo, foi possível veriicar percursos que se construíram da alteridade para a intersubjetividade e desta para a ressigniicação da atividade. Alguns docentes demonstraram maior rigor em sua autoanálise, outros focalizaram o olhar para os alunos, o método, o contexto, e apenas um dos professores pesquisados tomou a interação na turma como foco primeiro do seu olhar. P3: “a gente assistindo assim... dá aquela sensação meio ruim assim... que você vÊ/ né? que... não sei ah/ ela mexe pra lá/ mexe pra cá não sei se eu sou assim mesmo... se era a ilmadora/ mas devo ser assim mesmo/ né? porque assIm/ é uma postura meio que... desconcentra as pessoas/ né?”. P8: “ai ai! ó::ó/ eu... nOssa sinhó/ porque quando eu estOu assistindo aqui/ eu ico assim... será que era por aí/ né? que eu tinha que começar?” Além disso, esses trechos exempliicam o discurso do estranhamento do professor diante do seu fazer. Enquanto P3 estranha a sua imagem que, para ela, move-se muito e desconcentra as pessoas, P8 questiona a forma como inicia a aula, que é a chamada, um artifício rotineiro. Em outros momentos, os docentes assumem suas opções didáticas, justiicando os seus lugares. Especiicamente, no exemplo a seguir, a entrevistada, em uma estratégia de meta-análise, tenta direcionar o olhar da pesquisadora: 216 SCRIPTA, Belo Horizonte, v. 15, n. 28, p. 205-224, 1º sem. 2011 A autoconfrontação simples aplicada à formação de docentes em situação de trabalho P9: “você já notou/ quando eu chego/ eu:eu nunca chego gritan:do com eles/” P8 e P3 também fazem o discurso de justiicativa, deixando transparecer ao interlocutor o quanto familiares escolhas didáticas lhes causaram estranhamento. Em seus discursos, elas tentavam se convencer, num exercício de autoconhecimento pelo viés do outro. Isso se evidencia pela fala reticente, cujas pausas são usadas para processar o dito e o a ser dito. P8: “eu entendo assim... só: só me justiicAr um pouco/ eu entendo assim... que as experiências que eu tenho é que/ QUANdo você ica muito próxima dEles... parece que eles estão tÃo caren:tes/ que Eles misturam demais o papel e você aca:ba não conseguindo... e eu acAbo não conseguindo controlar/ sabe?...” P3: “não sei se é por essa turma ser à tarde... não sei se isso afeta... se afeta o calor... se afeta a sala muito cheia/ (...) eles são muito amIgos, então um enche o saco do outro o tempo inteiro/ Um brinca, um levanta vai na carteira aqui/, tá vendo?/ eles se mo::vem o tempo inteiro/” (...) não sei se foi a minha atividade... se foi a minha atitude... talvez se eu tivesse chamado alguns para conversar individualme::ente/ não sei se mudaria/” Tais relexões demonstram preocupação com o “domínio da turma” e com as atitudes dos alunos. À medida que o evento avançava, a tendência foi de o professor tentar olhar os dados relativos ao plano intencional, muitas vezes, revelando frustrações, diiculdade de atingir os ins interiorizados e propostos para a aula. P10: “tá/ o/ eu... eu... vamos ver se eu entendi/ eu acredito que é::é... a minha intenção com... com esse direcionamento é:::é puxAr deles/ puxAr da memó:ria deles aquilo conhecimento que ele/ pré:vio que eles já TÊM/” P5: “eu ico olhan::do ISSO/ (...) porque assim... eles teriam que estAr assenta:dos/ acomodOu/ professor entrou/ acomodou/ a chama::da... todo mundo já com o material na cartEira... começar a/ a aula/ é o que a gente sOnha e o que a gente não tEm/” (...) a aula que a gente faz é i:sso”. Enquanto fazem suas descrições sobre o que pretendiam fazer e o que conseguiram, as professoras também revelam a origem sócio-histórica de suas ações docentes e as concepções de aula que sustentam. Na descrição de P5, por exemplo, emerge o conceito de aula tradicional, baseada na passividade do aluno e na transferência do conhecimento do professor para o aluno. Ao mesmo tempo, SCRIPTA, Belo Horizonte, v. 15, n. 28, p. 205-224, 1º sem. 2011 217 Ada Magaly Matias Brasileiro demonstram esforço e boa vontade para contribuir para o processo ali vivenciado. Já em outros momentos, os proissionais vincularam os seus comentários aos recursos utilizados na ação docente, comentando sobre os instrumentos (modelos de agir) utilizados em sua aula: P6: “estou fazendo uma diversiicação do: do: do trabalho educativo em sala de aula/ não é? é::é... le/levando mais um instrumento/ né? diferente de...de... de aprendizAgem/ aquele que trabalha com/ com os mapas conceituais/ eu acho que... (...) que a gente tem que demonstrar... que... que eu tenho conhecimento da:da: do trabalho que vai ser executado.” P10: “eu percebo que já nos primEiros dias de aula... sem eles nem me conhecE:REM/ eles já terem esse efeito/ porque eu desde o primeiro dia de aula/ eu coloco pra eles que... que eu estOu ali pra/ pra ensinar e tal... que estOu aberta a tudo/ eu brinco com eles e tal ma::as tudo tem limite... tudo tem ho:ra...” No primeiro exemplo, o professor conirma a eiciência do instrumento didático usado e, no segundo, tenta entender e explicar o motivo pelo qual a turma, considerada indisciplinada, não se comporta assim em suas aulas. P8: “eu estOu achan:do aqui estranho outra coisa/ eu ia comentar com você por quê/ Eu falei: “você”/ né? é que... às vezes... se eu falasse o no::me/ né? agora é a sua ve/ é::é... “ô fulano/ você quer falar”/ né? mAs eu acho que eu não sei/ é a minha formalidade... eu sou super formal/”. Ao questionar sua atitude, a docente busca construir um novo paradigma sobre sua prática. Ela admite o estranhamento que lhe causou o fato de não chamar os alunos pelo nome e atribui isso à formalidade, emocionando-se ao falar. Em seguida, P6 comenta sobre o contexto da sala de aula. P6: “a gente percebe isso... porque se for perguntar que aula é essa/ já é/ é caracterÍstico/ já é o Último horário de sexta... né? você tá/ você tem que organizar um pouquinho prá não dispersar... e aí colocar de forma... postura adequada... né? de frente pro... pro quadro pra podEr... começar/(...) mas você tem que saber lidar com/ com e principalmente com essa faixa etária/ então tem que dialogar muito/ embora a gente saia extenuado/ o diálogo tem que prevalecEr/” Mesmo não sendo parte do roteiro elaborado para as sessões, os professores se sentiram à vontade para avaliar o método: 218 SCRIPTA, Belo Horizonte, v. 15, n. 28, p. 205-224, 1º sem. 2011 A autoconfrontação simples aplicada à formação de docentes em situação de trabalho P4: “uma oportunidade inédita de conirmar algumas coisas que eu pensava sobre minha aula e de reletir sobre outras. É bem diferente!” P8: “o método eu estou achando interessan:te da gente ter essa oportunidAde de ver/ falar a verda:de/ agraDÁ:vel não é não/” Além de todas essas temáticas e sentimentos, o fato de o proissional confrontar-se consigo mesmo, estranhar o seu fazer familiar e, muitas vezes, rever os seus procedimentos paradigmáticos, gerou momentos de emoção difíceis de serem gerenciados, como o abaixo transcrito, em que a professora parou de falar, reletiu e chorou, momento em que eu me senti insegura com relação a que atitude tomar. P8: “porque assim... a gente se vê/ né? mas assim... que é muito ri:co daqui pra frente... né? eu sempre/ né? que eu vou agora... que eu for dar aula/ logicamente/ isso aqui vai ser uma outra VOZ que vai falar aqui dentro... né? Coloquei-me na posição de ouvinte, demonstrei cumplicidade com o sentimento vivido e, após um tempo, prosseguimos. Essa voz a que se refere a professora é a do trabalho interpretado por ela mesma. É a docente dialogando com os discursos de sua formação e instigando o desejo da recriação da atividade. É a voz de quem ressigniica a sua ação e deseja transformá-la. A linguagem funcionou, de fato, na constituição do pensamento consciente e no desenvolvimento desses proissionais, e a autoconfrontação como um instrumento que instiga a linguagem sobre o trabalho. Mas para que seja adotado por instituições educacionais e seja usado como instrumento de formação docente em situação de trabalho, é necessário que elas tenham segurança sobre os mecanismos de sua execução. Eis a contribuição que forneço. Roteiro de aplicação da autoconfrontação em insituições escolares Pelo que foi possível vivenciar durante o percurso vivido, a aplicação da metodologia em análise depende fundamentalmente de um clima de coniança entre os sujeitos envolvidos. Assim, apresentada a proposta ao grupo, um cuidado inicial a ser tomado é com relação à deinição do proissional que mediará o processo, que deve contar com o crédito dos sujeitos envolvidos. Aliás, esse clima de coniança deve perpassar todo o ambiente institucional, pois, diicilmente, os proissionais se abrirão para a autoconfrontação, sem que estejam certos de que se trata de uma ação positiva para sua carreira. Assim, tomados os devidos cuidados exigidos para uma gravação, o condutor do processo deve seguir os seguintes procedimentos: SCRIPTA, Belo Horizonte, v. 15, n. 28, p. 205-224, 1º sem. 2011 219 Ada Magaly Matias Brasileiro A n t e s I n í c I o D u r A n t e F I m A p ó s o b s. 220 1. Grave as aulas, de preferência, com duas câmeras, localizadas na frente e atrás da sala; 2. selecione as cenas considerando os objetivos a serem alcançados com a dinâmica; 3. marque as sessões, deixando o entrevistado livre para escolher o local; 4. prepare o material antes de o entrevistador chegar; 5. assegure-se de que o lugar esteja silencioso, para não prejudicar a gravação. 1. Teste o gravador antes de começar a sessão; 2. posicione o gravador entre os interlocutores e o mais distante possível da saída de áudio do DVD; 3. posicione as cadeiras dos interlocutores, de preferência, uma ao lado da outra; 4. mantenha-se próximo ao professor; 5. explique como funciona a autoconfrontação; 6. peça ao entrevistado para falar com um tom de voz alto para possibilitar qualidade de áudio. 1. Fique alerta para ligar o gravador assim que alguém começar a falar; 2. ique atento para fazer intervenções necessárias, caso haja fuga do foco pretendido; 3. contenha os comentários apreciativos/avaliativos, isso pode retrair o proissional, deixando-o arredio, na expectativa de que o seu trabalho será julgado por outro e não por si mesmo; 4. seja simpático na condução da sessão, evite ser invasivo e cuide para não direcionar respostas; 6. seja espontâneo, solidário e ouvinte, principalmente, em momentos de emoção. Conforte o outro, sem fazer julgamentos ou apresentar conselhos. Lembre-se de que as conclusões devem surgir do próprio docente. 1. Agradeça a disponibilidade do proissional; 2. desligue o gravador; 3. conirme se a gravação se efetivou. 1. Salve o material em mais de um dispositivo; 2. registre impressões e aspectos contextuais merecedores de registro, para que não se percam; 3. explore os dados e, caso ache necessário, dê continuidade ao trabalho com a autoconfrontação cruzada. 1. É fundamental estabelecer um ambiente de coniança entre pesquisador e pesquisado; 2. o tempo médio de duração de cada sessão é de 30 minutos; 3. as cenas selecionadas devem variar quanto à representatividade dos momentos vividos em sala e seus recortes devem ser curtos – em média 2 minutos; 4. a quantidade de falas se equivalem, em função da interação, mas a voz do protagonista da atividade deve constituir o maior tempo do discurso; 5. seja aberto e franco com o proissional, sem se confrontar com ele. A coniança mútua, a cumplicidade facilita a coleta de dados mais idedignos; 6. caso perceba alguma contradição durante a sessão, você pode fazer alguma intervenção, sem, contudo, julgar o proissional. SCRIPTA, Belo Horizonte, v. 15, n. 28, p. 205-224, 1º sem. 2011 A autoconfrontação simples aplicada à formação de docentes em situação de trabalho Esses procedimentos se referem à autoconfrontação simples, entretanto, como vimos nos dados, nem sempre ela será suiciente para provocar a desconstrução/ reconstrução da atividade. Para esses casos, é necessário dar continuidade ao processo com a autoconfrontação cruzada, convidando um colega de trabalho para, juntos, verem os ilmes um do outro. Espera-se que esse processo provoque o estranhamento desejado e, a partir dele, os colegas de trabalho consigam se ajudar, mutuamente, na melhoria de suas atividades. Apontamentos inais Neste trabalho, procurei apresentar a metodologia da autoconfrontação como uma ferramenta cuja aplicação é possível de ocorrer em instituições escolares, sem a intervenção de consultores ou pesquisadores externos. Tentei construir todo o texto com uma voz avaliativa do percurso, do instrumento e das minhas atitudes de pesquisadora, a im de expor aos leitores tanto as potencialidades do método, quanto suas diiculdades. Além do fato de que a autoconfrontação permite a reinterpretação do ato vivido pelo trabalhador e, consequentemente, o aperfeiçoamento do seu fazer, icou evidenciada a exequibilidade da ferramenta, cuja aplicação demanda muito mais fatores contextuais do que investimentos tecnológicos e cuja necessidade foi ratiicada pelos sujeitos envolvidos. Com base, portanto, em minhas aplicações e nas leituras realizadas, advindas do ISD e da Clínica de Atividade, apresentei um esboço de procedimentos práticos, no intuito de subsidiar os proissionais formadores que se interessarem por uma metodologia de boa aceitação entre os docentes e que não demanda afastamento do trabalho. The simple autoconfrontaion applied to the formaion of teachers in a workplace situaion Abstract The theme of this work is autoconfrontation. A methodology developed by the Clinic of Activity (FAÏTA, 2002; CLOT, 2000, 2010) and it is utilized by the adepts of Sociodiscursive Interactionism (AMIGUES, 2004; BRONCKART, 2003, 2006, 2008), whose principle is to make the past activity the object of the present activity, by means of the language. The goal of this research is to present the factors that must be taken into consideration so that an educational institution can use that instrument in the continuous formation of its teachers. This investment is justiiable SCRIPTA, Belo Horizonte, v. 15, n. 28, p. 205-224, 1º sem. 2011 221 Ada Magaly Matias Brasileiro because of the institutional necessity of tools that make possible to qualify teachers in the work environment and by the need of the educators to receive returns from their actions. By means of readings and 10 sessions of autoconfrontation, it was possible to elaborate a practical path for the application of the methodology. Keywords: Teachership majoring. Autoconfrontation procedures. SDI. Clinic of Activity. L’autoconfrontaion simple appliquée à la formaion d’enseignants en situaion de travail Résumé Ce travail a pour theme l’autoconfrontation, methodologie développée par la Clinique de l’Activité (FAÏTA, 2002; CLOT, 2000, 2010) et utilisée par les adeptes de l’Interactionnisme socio-discursif dont le principe est faire de l’activité passée l’objet de l’activité presente, au moyen du langage. L’objectif de cette recherche est de présenter les facteurs qui doivent être pris en considération pour qu’une institution d’enseignement utilise cet instrument pour la formation continue de ses professeurs. Cet investissement se justiie par le besoin institutionnel d’outils capables de former les professeurs dans une ambience reèlle de travail et par le besoin des enseignants de pouvoir observer les resultats de leurs actions. Au moyen de lectures et de dix sessions d’autoconfrontation, il a été possible de créer une procedure pratique pour l’application de la méthodologie. Mots-clés: Formation d’enseignants. Procedures d’autoconfrontation. ISD. Clinique de l’Activité. Referências AMIGUES, René. Trabalho do professor e trabalho de ensino. In: MACHADO, Anna Rachel. (Org.). O ensino como trabalho: uma abordagem discursiva. Londrina: Eduel, 2004. BRONCKART, Jean-Paul. Atividade de linguagem, discurso e desenvolvimento humano. Campinas, SP: Mercado de Letras, 2006. BRONCKART, Jean-Paul. Atividade de linguagem, textos e discursos. Por um interacionismo sócio-discursivo. Tradução de Anna Rachel. Machado. 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A partir dos pressupostos do Interacionismo Sociodiscursivo (ISD), conjugados com a Teoria das Representações Sociais (TRS), discutiremos os efeitos dessas representações para a (re)formulação do agir do professor de LP em sala de aula sob a avaliação do estagiário/futuro professor. O corpus é constituído de excertos retirados de relatórios produzidos por estagiários ao observarem aulas de professores da rede privada e pública do município de Fortaleza. Palavras-chave: Representações sociais. Identidade do professor de LP. Prática formativa. Introdução A proposta deste trabalho1 é abordar as representações sociais (RS) relacionadas à igura do professor de LP, depreendidas de relatórios, elaborados para a disciplina de Estágio de Ensino de Língua Oral e Escrita e Estágio em Leitura.2 Essa escolha teórico-metodológica nos permite compreender e signiicar não só como o indivíduo referencia a si como futuro professor, mas também como essa igura é delineada pela coletividade ao longo da História. Defendemos que todo o processo de mobilização/ atualização das RS é determinante para a construção identitária do fazer docente. * Professora Adjunta do Departamento de Letras Vernáculas da Universidade Federal do Ceará. 1 - Este texto se baseia nas pesquisas relacionadas ao projeto Representações do Professor de Língua Materna no/para o curso de Letras, aprovado pelo colegiado do Departamento de Letras Vernáculas da UFC. 2 - Os alunos observam aulas de Língua Portuguesa nas escolas públicas e privadas de Fortaleza. SCRIPTA, Belo Horizonte, v. 15, n. 28, p. 225-244, 1º sem. 2011 225 Pollyanne Bicalho Ribeiro Ao analisar a reconstituição identitária do professor de Língua Portuguesa (LP), importa considerar o quadro interacional instaurado entre o professor, o aluno e o objeto do conhecimento a ser trabalhado em sala de aula, ou seja, a linguagem e o estagiário. Na interação, transparecem os conlitos resultantes de diferentes discursos que se fazem acerca do ensino de LP, múltiplas acepções e abordagens, além, é claro, as diiculdades de integração de velhos saberes aos novos. O sujeito docente, no seu agir, reformula representações sobre a linguagem, sobre o que seja certo ou errado, as noções de gênero, as concepções de gramática, as diferenças entre oralidade e escrita, enim, há um processo contínuo de ressigniicar o que deve ser ensinado. Objetivamos veriicar as implicações das RS sobre a linguagem para a identidade proissional do professor de LP. Na primeira seção do artigo, discutiremos, brevemente, os pressupostos teóricos concernentes à TRS atrelados aos estudos do interacionismo sociodiscursivo (ISD). Na segunda seção, analisaremos os sujeitos da pesquisa, focando os efeitos da relação estagiário/professor, a função social do gênero relatório e o papel da universidade na promoção da formação do futuro professor de LP. Na terceira e última seção, analisaremos excertos retirados de alguns relatórios, elaborados pelos estagiários como requisito das disciplinas Estágio em Ensino de Língua Oral e Escrita e Estágio em Leitura, buscando compreender a (re)formulação identitária do professor de LP. A (re)negociação idenitária nas práicas discursivas É preciso considerar as práticas discursivas deinidoras do objeto linguagem quando se objetiva abordar a constituição identitária do professor de LP, ou seja, é notório que a igura do professor ganha determinados contornos na medida em que a concepção desse objeto é ressigniicada, revista, reavaliada. Em meio ao agir na aula de língua, o professor deixa transparecer o quadro representacional esboçado nos processos enunciativos, na escolha de materiais, na postura estabelecida na relação professor/aluno. A sala de aula, por sua vez, apresenta-se como o locus ideal para que se possam identiicar as mudanças e as resistências que permeiam a natureza do objeto de conhecimento com o qual se opera, possibilitando-nos compreender e analisar o cenário atual instaurado pelo ensino de LP. As atitudes, crenças, expressões apreendidas a partir da prática educativa comporão o acervo representacional mobilizado para a coniguração da mentalidade de ensino de língua. Entendendo mentalidade de ensino como 226 SCRIPTA, Belo Horizonte, v. 15, n. 28, p. 225-244, 1º sem. 2011 As representações como processo de signiicação do (futuro) professor de Língua Portuguesa “vinculações teóricas do professor, conscientes ou não, sobre o que é interagir com aprendizes, sobre como encaminhar amostras de conhecimento ou, ainda, sobre o que se constrói com a exposição crítica a essas amostras na relação com esses aprendizes” (SANTOS, 2000, p. 225). Tal acervo representacional é garantido pela prática comunicativa, visto que é a única via válida de acesso e, ao mesmo tempo, de revitalização das RS. A constituição identitária do ser social e, consequentemente, do grupo social ao qual esse ser pertence, deve-se ao sistema discursivo viabilizado pelas práticas linguageiras. Na mesma razão, Bronckart e Machado (2004, p. 135) sustentam a tese de que a análise desse sistema pode resultar em um maior entendimento da relação entre linguagem e proissão docente. Esse sistema se conigura por gêneros diversos, os quais prescrevem, avaliam e interpretam determinada atividade humana (cf. BRONCKART, 2006). Toda ação empreendida no cotidiano se realiza a partir de um conjunto de convicções internalizadas, de juízos pré-construídos, de RS que ativamos diante de uma situação concreta. Inegável que essas representações não são tão somente de ordem individual, já que elas devem ser compartilhadas com os membros do grupo social para que haja um mínimo de coordenação entre as ações e de entendimento face à unidade e identidade desse grupo. Conforme Jodelet (1989, p. 36), a representação social pode ser entendida como “uma forma de conhecimento, socialmente elaborado e compartilhado, tendo uma inalidade prática e concorrente à construção de uma realidade comum a um conjunto social”. A realidade é, portanto, construída socialmente, assim como os saberes que atribuirão traços a uma determinada esfera social. As RS traduzem os códigos estabelecidos pela comunidade; elas possibilitam a ação interpretativa do indivíduo em sociedade. Abric (1986, p. 15-18) enumera quatro funções essenciais para as RS: (i) função do saber, que possibilita aos atores sociais assimilar conhecimentos diante do quadro de valores aos quais eles aderem; (ii) função identitária, que confere ao grupo social traços identitários, colocando-se como referência para as ações dos membros desse grupo; (iii) função de orientação, que se presta a guiar as ações e, por conseguinte, a deinir inalidades e antecipar reações; (iv) função justiicativa, que permite aos atores sociais explicar e justiicar comportamentos, opiniões, tomadas de posicionamentos. As RS são, portanto, produtos simbólicos que tanto cooperam para a compreensão do mundo como viabilizam o agir nesse mundo. As RS importam tanto para a compreensão e construção do indivíduo, como para a compreensão e construção da sociedade; importam por serem um sistema sociocognitivo. SCRIPTA, Belo Horizonte, v. 15, n. 28, p. 225-244, 1º sem. 2011 227 Pollyanne Bicalho Ribeiro De acordo com Bronckart (1999, p. 22), “a investigação interacionista se interessa, em primeiro lugar, pelas condições sob as quais, na espécie humana, se desenvolveram formas particulares de organização social, ao mesmo tempo que (ou sob o efeito de) formas de interação de caráter semiótico”. Quando o estagiário se envolve com a prática escolar, inevitavelmente se valerá de conhecimentos, normas, símbolos construídos coletivamente em diversas esferas sociais, os quais balizarão o quadro avaliativo que lhe permitirá julgar o agir do outro, nesse caso, o agir do professor, em relação ao mundo representado. Do processo de avaliação decorrem “capacidades de ação (um provável poder‑fazer), intenções (um querer‑fazer mais ou menos sincero) e motivos (razões de agir mais ou menos credíveis) e que os dota [os agentes], mais geralmente, dessa responsabilidade particular na intervenção ativa, na qual se resume o estatuto agente” (BRONCKART, 1999, p. 44). Na condição de agente, o estagiário avalia as ações ocorridas em sala de aula, inscrevendo-se, muitas vezes, no lugar do professor, sendo comuns falas como “Eu (não) faria assim...”. Nessa dinâmica social, o estagiário passa a ser membro e, por conseguinte, revê seus traços, comparando-os com os dos demais, e constrói signiicados. No contexto da negociação, haverá condições propícias para a promoção do desenvolvimento do estagiário, ou seja, “no âmbito de transações entre as representações individuais (isto é, as que têm sua sede numa pessoa) e as representações coletivas, veiculadas pelos pré-construídos” (BRONCKART, 1999), instaurar-se-á o acervo referencial para a (re)formulação de capacidades de atuação. A interação com o outro, reconhecido, muitas vezes, como membro, desencadeia processos de objetivação e subjetivação decorrentes de movimentos de convergência, “eu + outro”, e divergência, “eu - outro”. A assunção de papéis sociais é determinada pela alternância do sujeito, que é aluno e professor em formação, sendo que o estagiário, investido desses papéis, ora nega traços identitários, ora reairma. Tais enfrentamentos produzem efeitos tanto no plano individual, quanto no plano coletivo, visto que “o sujeito reconhece-se (a si mesmo e ao outro), do ponto de vista social e pessoal/psicológico, como um ser distinto do outro, como aquele que se investe de uma identidade social – professor, aluno, leitor, escritor, pesquisador, estagiário” (MATENCIO; SILVA, 2005, p. 253). 228 SCRIPTA, Belo Horizonte, v. 15, n. 28, p. 225-244, 1º sem. 2011 As representações como processo de signiicação do (futuro) professor de Língua Portuguesa O sujeito professor-aluno-estagiário: papéis sociais imbricados A posição do estagiário diante da prática escolar, geralmente, é complexa, uma vez que se deve agir (estágio de regência) ou pensar (estágio de observação) como professor, sem, de fato, sê-lo deinitivamente. Há, na verdade, papéis sociais (aluno e professor) imbricados, que conferem traços contingenciais à atuação desse sujeito na prática formativa. Inegável, no entanto, a importância dessa etapa para a constituição identitária do futuro professor. Através da experiência, o estagiário poderá avaliar percursos, assumir a possibilidade de erros (seus e dos seus pares!), lidar com planejamentos e imprevistos, enim, é ali, naquela prática social, que se poderão ancorar conhecimentos, historicizar saberes, coletivos e particulares. Ela [a professora] fez a transição de seu posto e nos deu total apoio nos meses de nosso estágio, mesmo que sempre nos lembrasse de que éramos suicientemente jovens para procurar outra proissão, pois ser professor não valeria o esforço. 1. CA e HO3 O estágio, creio, é um misto de frustrações e alegrias. Desde o primeiro contato com a escola, estive receosa quanto a voltar para aquele ambiente que já sentia desconhecer, principalmente por acreditar tê-lo desconstruído no curso superior. Após três anos como estudante universitária, ter de voltar aos bancos escolares como uma igura ímpar, um curinga, que não se assemelha a nenhuma das outras cartas do baralho, não foi tarefa fácil. 2. GMM A mediação da academia na relação estabelecida entre o estagiário e o professor regente possibilitará a potencialização das relexões, das tomadas de posicionamento, da migração de dados entre as esferas sociais envolvidas. A partir também da atuação do coordenador do estágio, conhecimentos serão partilhados e revistos, RS tornam-se intercambiáveis. Se é “na e pela mediação social que se constroem as regularidades constitutivas dos esquemas de ação” (BRONCKART, 1999, p. 22), é possível pressupor que, a partir do acervo referencial sobre o ser/ fazer docente mobilizado no processo interacional, insurgirá também o acervo 3 - Os excertos foram retirados de relatórios de observação elaborados em dupla ou individualmente. As sequências de letras expostas são as iniciais dos estagiários envolvidos na elaboração do relatório. SCRIPTA, Belo Horizonte, v. 15, n. 28, p. 225-244, 1º sem. 2011 229 Pollyanne Bicalho Ribeiro particular do qual o estagiário se valerá para identiicar, orientar, justiicar e interpretar ações concernentes ao ensino de LP. Bronckart (2006, p. 146) aduz que as representações que o agente constrói para si podem ser identiicadas de acordo com três conjuntos: a) as representações referentes ao quadro material ou físico da ação, a saber: a identiicação do emissor, de eventuais co-emissores e do espaço/tempo da produção; b) as representações referentes ao quadro sociossubjetivo da ação verbal, a saber: o tipo de interação social em jogo, o papel social que dela decorre para o emissor (estatuto do enunciador), o papel social que dela decorre para os receptores (estatuto dos destinatários), e, enim, as relações de objetivo que podem se estabelecer entre esses dois tipos de papel no quadro interativo em jogo; c) as outras representações referentes à situação e também os conhecimentos disponíveis no agente, referentes à temática que será expressa no texto (macroestruturas semânticas elaboradas sobre um determinado domínio de referência e disponíveis na memória). Observa-se que representações relativas à situação de produção (onde/ quando), os papéis sociais assumidos e conferidos na prática discursiva e, ainda, a temática a ser expressa no texto produzido importam para a composição do acervo particular revitalizado em práticas de linguagem. O estagiário, portanto, fará uso das representações da escola, da sala de aula, da aula de LP, da universidade, do aluno, do gênero relatório, do próprio professor da escola, além, é claro, da disciplina de estágio, para expressar suas apreciações, suas avaliações e para efetuar suas escolhas linguísticas, textuais e discursivas a im de construir sua imagem na interação verbal. Em uma relação horizontal entre o coordenador do estágio e o aluno, diante de relexões decorrentes de relatos de experiências, garantidas por um diálogo, haverá boas chances de a fase do estágio ser profícua e signiicativa para a formação. Desse modo, tanto conhecimentos elaborados no âmbito da academia poderão chegar à escola, através de trocas de saberes teórico-metodológicos entre o estagiário e o professor titular, quanto aqueles, pertinentes à rotina da escola, poderão chegar à universidade, alimentando discussões, pesquisas e colaborando para o peril do aluno que se quer formar na graduação. Assim, o estágio passa a ser visto, sobretudo, como um lugar de pesquisa. A sensação do estagiário de estar à deriva, perdido, inseguro vai, paulatinamente, cedendo lugar à satisfação do encontro com o que se escolheu ser, ou seja, ser professor. Ao coordenador do estágio caberá mediar aquele que, em breve, será 230 SCRIPTA, Belo Horizonte, v. 15, n. 28, p. 225-244, 1º sem. 2011 As representações como processo de signiicação do (futuro) professor de Língua Portuguesa professor, ajudá-lo a enfrentar desaios, reparar descaminhos, incentivar, prestar-se à condição de “ponte” quando de um lado está o estagiário e, do outro, o professor titular. O relatório na práica formaiva O relatório é o gênero acadêmico de maior prestígio em meio às práticas formativas relacionadas ao estágio. Matencio (2006, p. 140) airma que “os gêneros do discurso são um artefato simbólico de mediação entre o sujeito e o outro, entre o sujeito e o objeto, entre o sujeito e uma dada atividade e, enim, entre o sujeito e uma certa esfera social”. Como consequência dessa airmação, não há, então, como desatrelar a história da constituição do ser social, já que o sujeito se constitui como tal através da mediação simbólica dos gêneros do discurso engendrados nas situações sociais. O gênero do discurso é instrumento, artefato (cf. SCHNEUWLY, 2004; MATENCIO, 2001, 2003, 2006), que, do ponto de vista da dimensão social, é estruturante do meio e estruturado por ele e, da mesma forma, do ponto de vista individual, é estruturante do pensamento como também é estruturado por ele. Então, ele não se fecha nem na condição de relexo das experiências coletivas, nem das experiências individuais; ele é fruto da tensão das duas dimensões e daí resulta a sua dinamicidade pulsante, como também sua heterogeneidade e sua movência. Tal comportamento, por sua vez, não compromete o caráter regulador, que é da natureza do gênero. Ele exerce o poder de ordenar semioticamente esferas sociais e de transparecer dialogicamente propriedades dessas esferas. Há, portanto, dois traços presentes na composição dos gêneros: por um lado, tendem a uma relativa estabilidade nas práticas sociais, possuem “unidade genérica”; por outro lado, possuem uma tendência natural a inovar, a im de se adaptar à demanda comunicativa. O entendimento, portanto, da natureza do gênero tomado para análise passa, inevitavelmente, pelo reconhecimento de características peculiares a determinada esfera social, como também por movimentos de rupturas, mudanças de paradigmas, (trans)formações ocorridas no interior dessa esfera. Dito de outra forma, analisar os inindáveis gêneros produzidos na sociedade seria, sem dúvida, reconhecer propriedades dessa sociedade, ou seja, ao se investigarem os gêneros, examina-se, sob certo ângulo, a identidade de uma determinada comunidade. Segundo Machado (2005, p. 249), devem-se compreender os gêneros como “reguladores e como produtos das atividades sociais da linguagem”. Considerando o relatório dessa perspectiva, ele representa, (re)apresenta e materializa as SCRIPTA, Belo Horizonte, v. 15, n. 28, p. 225-244, 1º sem. 2011 231 Pollyanne Bicalho Ribeiro condições socioistóricas concernentes à esfera educativa. Evidentemente que tal aspecto também determina e regula a discursivização das RS, como também dos posicionamentos identitários (re)elaborados no percurso enunciativo. Quando se instauram movimentos de iliações, de exposição de opiniões a partir da assunção de papéis sociais (conigurados em instâncias mais íntimas ou coletivas), evidencia-se também a movência do sujeito na construção identitária. Essa dinâmica, garantida por índices ideológicos, haja vista as implicações das normas sociais, é tanto incorporada quanto reiterada pelo gênero. O gênero relatório, dada a sua propriedade avaliativa, conduz à metacognição, uma vez que o estagiário, ao verbalizar suas experiências, reorganiza-se, objetiva-se, analisa a si próprio e ao outro como membro do grupo de docentes. Desse processo, decorrem ações relexivas; o estagiário, portanto, passa a questionar a prática em que irá atuar, se ela se afasta da situação idealizada por ele enquanto aluno da graduação, seu papel nessa dinâmica, o que diiculta, o que facilita a atividade docente, percebe os possíveis desaios e limites que enfrentará. Sentimentos diversos emergirão, e o futuro professor deverá geri-los a im de ir, continuamente, construindo sua identidade de professor de LP. Chegamos mesmo a pensar que talvez aquele aluno tivesse sentido algo parecido e que talvez nós tivéssemos plantado ali a semente que muitos professores daquela escola nos quiseram tirar, o gosto pela proissão. 3. HE e CA Pudemos observar o quanto a professora estava desiludida com o magistério, ao ponto de realizar a contagem regressiva, mês após mês, para saber quanto tempo falta para ela poder se aposentar. 4. JTLS e LCM Para Signorini (2006, p. 8), gêneros catalisadores são “gêneros discursivos que favoreceram o desencadeamento e a potencialização de ações e atitudes consideradas mais produtivas para o processo de formação, tanto do professor quanto de seus aprendizes”. Conforme pretendemos demonstrar, o gênero relatório cumpre papel catalisador, porque potencializa operações de natureza linguístico-discursiva, como também sociocognitiva. Pode-se citar, por exemplo, a conscientização da importância do registro para a (re)construção dos sujeitos, futuros professores, na promoção de sua formação. 232 SCRIPTA, Belo Horizonte, v. 15, n. 28, p. 225-244, 1º sem. 2011 As representações como processo de signiicação do (futuro) professor de Língua Portuguesa No âmbito da universidade, o relatório também pode se tornar um importante recurso para o alinhamento de objetivos educacionais traçados pelo projeto do curso, as diretrizes oiciais e as expectativas dos alunos. Obviamente que, para tanto, ele precisa ser encarado como um espaço dialógico, mediador e de pesquisa, propulsor de discussões em torno do que é ser docente. Entretanto, sabemos que, na prática, o que às vezes ocorre é a elaboração de relatórios excessivamente descritivos, pouco críticos, visando tão somente cumprir o protocolo para nota inal da disciplina. Esses, por sua vez, acabam ocupando estantes de gabinetes ou arquivos mortos nas instituições de ensino. Enfrentamentos do (futuro) professor na práica formaiva Reletir sobre a discursivização do estagiário nos possibilita conhecer um pouco mais sobre a pertinência, a eicácia, ou, ainda, a adequação e satisfação dos objetivos traçados para e pela prática formativa. É importante salientar que todo signo se encontra indexado a um contexto social, uma vez que “a compreensão de cada signo, interior ou exterior, efetua-se em ligação estreita com a situação em que ele toma forma” (BAKHTIN, 2004, p. 62). No âmbito do estágio, modos de dizer as experiências, as vivências, as impressões ganham signiicação tanto em relação aos aspectos do plano mais imediato da enunciação (eu/aqui/agora), quanto aos concernentes à linguagem, à sociedade e à ideologia. Vale ressaltar que a situação de ação de linguagem torna-se operante em razão das representações que o agente mobiliza e que acabam por preigurar modelos da comunidade verbal da qual participa, bem como dos gêneros nela acessíveis. De acordo com essa perspectiva, os textos e os gêneros aos quais eles estão vinculados são o “lugar” onde a linguagem se materializa e representa o mundo. Desse ponto de vista, “a noção de linguagem recobre tanto a capacidade humana de representar o mundo e simbolizá-lo na interação como o processo de simbolização” (MATENCIO, 2001, p. 52-53). A autora acrescenta, ainda, que a linguagem deve ser vista, ao mesmo tempo, como “re(a)presentação e interação (inter-ação, o que não implica a ausência de conlito entre interlocutores); não há, pois, anterioridade, mas reciprocidade de constituição do sujeito e das relações sociais que se manifestam na atualização do sistema”. Objetivando entender os efeitos da ação de linguagem para a construção identitária do (futuro) professor de LP, ao se deparar, no estágio, com o espaço da sala de aula, destacaremos e discutiremos alguns excertos retirados de relatórios de observação. SCRIPTA, Belo Horizonte, v. 15, n. 28, p. 225-244, 1º sem. 2011 233 Pollyanne Bicalho Ribeiro Quanto à ação de ensinar, os estagiários descrevem, no relatório, a confecção de um convite para comemoração do dia das mães, a se realizar na escola. Após o destaque da fala de uma aluna quanto ao que ocorrerá depois daquela atividade, eles avaliam a representação de ensino que emerge da situação relatada, explicitando que a aluna não reconhece o momento da confecção do convite como de ensino, sendo a “tarefa” algo mais característico dessa prática. “Professora, depois do convite vai ter tarefa?” A aluna não relaciona prazer a ensino. 5. CPG e RSP O que nos chamou atenção é que a professora não utilizou a palavra “erro” e sim “desvio” ao se referir aos plurais grafados fora da norma, nos revelando que a professora tem conhecimento das novas perspectivas no ensino de língua portuguesa, em que não se concebe a ideia de certo/errado pregada pela gramática normativa. 6. ASRM e GKSS No excerto 6, é possível notar que os estagiários julgam a adequação da professora a um grupo, ao qual também intencionam demonstrar pertencer (movimento de convergência), compatível com as “novas perspectivas no ensino de língua portuguesa”. Chama a atenção o quanto a substituição da palavra “erro” por “desvio” é determinante para a coniguração e classiicação do grupo e, por consequência, para elucidar iliações. Após fazer a chamada e iniciar a aula, uma funcionária do colégio chega à sala e pede para a professora de língua portuguesa ir para o laboratório de informática acompanhar outra turma que estava sem professor e perguntou se eu, estagiária, poderia icar com a turma da sala em que estávamos. 7. EGCS A situação narrada é recorrente na fala de estagiários que devem acompanhar aulas como requisito das disciplinas relacionadas ao estágio de observação. Instaura-se aí um impasse. Se, por um lado, eles foram orientados a só assumirem a regência no momento adequado, sob orientação e planejamento, por outro, sabem o quanto é constrangedor e negativo indisporem-se com o professor titular que os 234 SCRIPTA, Belo Horizonte, v. 15, n. 28, p. 225-244, 1º sem. 2011 As representações como processo de signiicação do (futuro) professor de Língua Portuguesa recebeu. Não são raros relatos de que o estagiário é visto como “quebra-galho”, “tampa-buraco”, no dia a dia das escolas. Muitos professores titulares não fazem distinção entre o estágio de regência e o de observação, demandando e exigindo a colaboração do estagiário. O papel do estagiário é, a todo momento, colocado em xeque quando ele está diante da sala observada. Há comparações por parte dos alunos sobre as duas iguras ali presentes (professor titular e estagiário), jogos de poder tornam-se mais evidentes, exigindo segurança e clareza quanto à ação que cada um irá desempenhar, sob pena de comprometer o bom andamento da aula e da experiência do estágio. Depois que a professora passou por ela e deu-lhe as costas, levantou-se novamente para devolver o livro. Nesse momento, ela olhou para mim e viu que eu a observava. Abriu um sorriso travesso, como se soubesse que eu não diria nada por ter estado um dia em seu lugar e sentou. Não disse nada, de fato, por pensar que eu não poderia intervir mais do que já intervia estando ali. 8. GMM Quanto à aula de LP, é frequente a crítica à separação em áreas: Literatura, Redação ou Produção Textual e Gramática. Em geral, os estagiários posicionam-se contrariamente a tal prática porque acreditam que ela comprometa a visão de língua que se deseja construir, imperando uma representação de algo descontínuo, fragmentado e estático. Ressaltam, ainda, que, muitas vezes, proissionais diferentes atuarão nessas áreas, o que diicultaria o continuum da aula, bem como uma visão de língua condizente com os pressupostos da Linguística Aplicada. O problema consiste em que, embora a apostila não seja dividida, a escola divide as quatro ou cinco aulas de Português semanais em: duas ou três aulas de Português (Gramática), uma aula de Produção Textual e uma aula de Literatura, e, além disso, muitas vezes é um professor diferente que leciona cada uma dessas “subdisciplinas”, o que diiculta muito o trabalho dos mesmos, bem como a utilização das apostilas. 9. JTLS e LCM SCRIPTA, Belo Horizonte, v. 15, n. 28, p. 225-244, 1º sem. 2011 235 Pollyanne Bicalho Ribeiro Acredito vir da divisão entre as disciplinas de língua portuguesa a maior diiculdade dos professores: é preciso dividir também o raciocínio, pois, se o assunto da aula de produção textual não foi concluído, não pode ser retomado na aula de literatura na mesma semana, correndo o risco da matéria da última icar atrasada, tendo de ser retomado na semana seguinte. Isso é agravado quando são professores e livros diferentes para cada disciplina. 10. GMM Especiicamente sobre o ensino da gramática, os estagiários salientam a maneira equivocada com que ela é trabalhada em sala de aula, avaliam tratar-se de uma perspectiva de ensino tradicional, na qual predomina o excesso de regras, a ideia de erro e a necessidade de memorização. Tal abordagem acabaria acarretando aulas maçantes, pouco criativas. A língua, segundo os relatos, é vista como a própria gramática normativa. De acordo com os PCN (1998, p. 28), não se justiica tratar o ensino gramatical desarticulado das práticas de linguagem (...) Em função disso, discute-se se há ou não necessidade de ensinar gramática. Mas essa é uma falsa questão: a questão verdadeira é o que, para que e como ensiná-la. Ao que parece, muito há a se fazer para que, de fato, os objetivos educacionais traçados pelos PCN possam se tornar realidade nas escolas. Inúmeros são os apontamentos depreendidos dos relatórios que nos fazem reletir sobre até que ponto houve mudanças efetivas no ensino da análise linguística. Foi desse grupo que uma aluna perguntou o que era gramática normativa, se referindo ao enunciado da questão que foi mencionada acima. A professora responde que gramática normativa é uma lei a qual devemos nos adequar, asseverando assim o caráter ditatorial associado ao ensino de língua portuguesa. Isso é tão verdade que após a resposta da professora a aluna não ousou questionar nada mais durante o restante da aula. 11. ASRM e GKSS 236 SCRIPTA, Belo Horizonte, v. 15, n. 28, p. 225-244, 1º sem. 2011 As representações como processo de signiicação do (futuro) professor de Língua Portuguesa O que averiguamos é que o que se estuda durante anos na faculdade não é muito aplicado nas salas de aula: são esquecidas as discussões acerca de como incrementar o ensino de Língua Portuguesa nas escolas públicas e particulares; são esquecidas as possibilidades de relacionar o conhecimento prévio do aluno com o que será lecionado sobre o ensino da disciplina de Língua Portuguesa; é esquecido, inclusive, que o estudo da Língua Portuguesa vai bem além do “decorar” regras gramaticais. 12. AASS e TVP O ensino da gramática ainda continua sendo prioridade máxima do ensino escolar desprovido, portanto, de uma funcionalidade para as práticas efetivas de uso da língua. 13. MOS Texto é trabalhado como pretexto para o tratamento de aspectos gramaticais 14. MML De acordo com os PCN (1998, p. 19), o texto deve conigurar a unidade de ensino nas aulas de LP, de forma que “durante os oito anos do ensino fundamental, cada aluno se torne capaz de interpretar diferentes textos que circulam socialmente, de assumir a palavra e, como cidadão, de produzir textos eicazes nas mais variadas situações”. Contudo, conforme as impressões de alguns estagiários, o trabalho com o texto é desenvolvido de forma equivocada, escamoteando uma prática arraigada da busca incessante por aspectos gramaticais. Os estagiários, como se pode veriicar nos excertos, descrevem situações de ensino, as quais avaliam serem distantes daquelas pretendidas pelas discussões sobre o ensino de LP promovidas pelas instâncias formativas, pela doutrina, pelos documentos oiciais, enim, pelas pessoas envolvidas com a prática educativa de LP. O discurso defendido nesses âmbitos é de que a escola deve primar pelo aprimoramento da competência comunicativa de seus alunos, visando ao uso eiciente da língua nas diversas práticas sociais. Nesse sentido, Travaglia (2003, p. 17) aduz que o ensino de língua materna “se justiica prioritariamente pelo objetivo de desenvolver a competência comunicativa dos usuários da língua (falante, escritor/ouvinte, leitor), isto é, a capacidade de empregar adequadamente a língua nas diversas situações de comunicação”. SCRIPTA, Belo Horizonte, v. 15, n. 28, p. 225-244, 1º sem. 2011 237 Pollyanne Bicalho Ribeiro Para pensar o desenvolvimento da competência comunicativa, não há como prescindir da noção de gênero, uma vez que aprender a lidar com a língua não implica ter consciência somente de aspectos cognitivos, gramaticais, mas também culturais. Através do contato e da análise crítica dos diversos gêneros (orais e escritos), os alunos terão oportunidade de se apropriar do funcionamento da língua, de reconhecer a variação e a mudança linguísticas e de perceberem os múltiplos e intrigantes efeitos de sentido no(s) outro(s) que a expressão pode provocar. Assim, o aluno poderá reavaliar representações sobre a língua, entender que ela é dinâmica e heterogênea. Vejamos os apontamentos dos estagiários sobre a relação entre gênero e ensino nas aulas de LP observadas. O ensino dos gêneros textuais é abordado de forma bastante supericial, pois os professores não levam os alunos à relexão da realidade em que vivem, tampouco são ensinados os propósitos comunicativos e a importância destes. 15. MML Todavia, cremos que tal orientação pode ser válida, uma vez que a professora passe a ressaltar mais a importância pragmática dos gêneros estudados e construídos. Não presenciamos nenhum questionamento no que diz respeito às relexões nos usos dos gêneros, havendo, sim, maior destaque somente para as diferenças no uso de linguagem formal e/ou informal. 16. BRO O professor trabalha com o gênero de maneira tradicional. 17. CPR Apesar de os estagiários relatarem ocorrências relativas ao trabalho com os gêneros, eles salientam que o ensino, muitas vezes, não é satisfatório, porque o professor privilegia gêneros escolarizados, como é o caso da redação, e, quando varia, a abordagem é supericial, tradicional e estruturalista. Contudo, é preciso airmar que há, com uma frequência menor, relatos de situações bem-sucedidas de ensino de gêneros. 238 SCRIPTA, Belo Horizonte, v. 15, n. 28, p. 225-244, 1º sem. 2011 As representações como processo de signiicação do (futuro) professor de Língua Portuguesa O docente optou por trabalhar um pouco com as características do gênero notícia jornalística. O docente airmou que uma notícia poderia ser veiculada por outros meios [suportes], o que, em determinados casos, desencadearia uma mudança no gênero. Ele exempliicou airmando que uma notícia poderia ser dada através de uma carta, mas já se trataria de outro gênero (...) Depois, solicitou aos grupos que construíssem uma notícia com um tema da atualidade. 18. LKT e LPC Sobre os gêneros orais, vários foram os relatos ressaltando a quase inexistência de um plano de aula cujo foco seja a oralidade. Quando questionados, pelos estagiários, sobre como é feito o trabalho acerca dessa modalidade da língua, os professores titulares responderam, por exemplo, que, eventualmente, corrigem oralmente os exercícios propostos ou solicitam aos alunos que façam a leitura em voz alta. Segundo os estagiários, pensar os gêneros orais (seminários, mesas-redondas, comunicações orais, debates, entre outros) como objeto de ensino é algo que raramente ocorre, e, caso observado, há críticas quanto a sua execução e análise. Nota-se, além do pouco espaço dado à oralidade, que o foco da atenção, como diz PLANTIN (2008) recai apenas no produto. O processo, que contém as estruturas típicas da oralidade, não é enfocado. 19. AME A língua oral continua em segundo plano no processo de ensino – aprendizagem de língua portuguesa, sendo confundida muitas vezes com leitura de textos ou mesmo das respostas feitas de forma escrita. 20. METP e MNN A professora airma que não se pode, especiicamente, ensinar oralidade, visto que ‘os alunos já entram na escola sabendo falar. 21. BRU Tais relatos sinalizam que a escrita ainda é valorizada em detrimento da oralidade (grafocentrismo) e que, portanto, o ensino da oralidade deve ser ressigniicado, já que “não há uma dicotomia real entre fala e escrita, seja do ponto de vista das SCRIPTA, Belo Horizonte, v. 15, n. 28, p. 225-244, 1º sem. 2011 239 Pollyanne Bicalho Ribeiro práticas sociais ou dos fenômenos linguísticos produzidos” (MARCUSCHI, 2008, p. 47). Vale destacar o que os PCN (1998, p. 25) preconizam quanto ao ensino dessa modalidade, ao delegar à escola o papel de “ensinar o aluno a utilizar a linguagem oral no planejamento e realização de apresentações públicas: realização de entrevistas, debates, seminários, apresentações teatrais etc.”. Acrescentam, ainda, que “a aprendizagem de procedimentos apropriados de fala e de escuta, em contextos públicos, diicilmente ocorrerá se a escola não tomar para si a tarefa de promovê-la”. Quanto às atividades de leitura em sala de aula, os estagiários apontaram algumas práticas que também remetem ao ensino tradicional. Eles criticaram o fato de que a leitura, no cotidiano escolar, esteja mais voltada para a decodiicação do que para a compreensão. Tal prática contrariaria também os PCN (1998, p. 19), tendo em vista que “a razão de ser das propostas de leitura e escuta é a compreensão ativa e não a decodiicação e o silêncio”. A aula de leitura se resume em aula de Literatura. Há um privilégio dos gêneros literários nas atividades de leitura em sala. 22. HE e KA Na leitura, não houve exploração da imagem. A professora só se preocupou em ir logo para o texto e, em seguida, que os alunos izessem os exercícios de interpretação do livro. 23. CPG e RSP A professora não preparou a turma para a leitura das charges. 24. CS e LF Vocês devem ler 3X o texto entregue. 25. LR e TVA Para Solé (1996, p. 33), a problemática do ensino de leitura na escola não se limita ao nível do método, mas ao nível da conceituação do que é leitura, da maneira como é avaliada pelos professores, do espaço que ocupa nos projetos curriculares da escola, das estratégias para aprimorá-la e, portanto, das propostas metodológicas que se adotam para ensiná-la. Para que a leitura não se torne algo metódico, cansativo, desinteressante, necessário se faz reconhecer os propósitos dessa atividade, o que se quer daquele texto, ou seja, “a leitura que não surge 240 SCRIPTA, Belo Horizonte, v. 15, n. 28, p. 225-244, 1º sem. 2011 As representações como processo de signiicação do (futuro) professor de Língua Portuguesa de uma necessidade para chegar a um propósito não é propriamente leitura” (KLEIMAN, 2004, p. 35). Considerações inais As representações sobre o ser e o fazer docente possibilitam-nos desenhar um quadro identitário, embora sucinto, relacionado a esse grupo e, ainda, reconhecer percursos de pertencimento e de afastamento do (futuro) professor. A partir desse quadro, revelam-se sentimentos diversos – expectativas, frustrações, satisfações, inseguranças –, os quais sinalizam aspectos concernentes à esfera educativa, seja considerando a instância formativa (adequação dos propósitos curriculares do curso à demanda com a qual o graduando irá se deparar), seja considerando a instância escolar (possíveis resistências à mudança, diiculdades na implementação de ações, problemas recorrentes, experiências bem-sucedidas). A aproximação dessas duas instâncias se faz imperiosa porque elucida aspectos relevantes para a promoção de ajustes na política educacional voltada para a formação inicial e continuada de professores. É preciso dar vazão às vozes para poder compreendê-las. O estagiário, sujeito polifônico, fala por si, mas também pelo outro que ele observa. Acreditamos que as representações, atualizadas pelos textos que compõem a rede discursiva da atividade do estágio, podem ser reveladoras de indícios da identidade proissional do grupo de pertença. Diante do quadro preocupante em que a educação se encontra neste país, não há como negarmos a necessidade de mudanças efetivas, reais, no cotidiano escolar. Não podemos nos esquivar da nossa responsabilidade como educadores nesse processo. Para promovermos (trans)formações, é preciso “repararmos”, tomando o verbo reparar em duas de suas acepções, ou seja, aquela que envolve o sentido de vermos, identiicarmos, e aquela de consertar, de fazer reparos. Claro que sabemos que sempre haverá o por fazer, o por mudar, mas, como bem disse Mário Quintana, “se as coisas são inatingíveis... ora! Não é motivo para não querê-las... Que tristes os caminhos, se não fora a mágica presença das estrelas!”. Representaions as a signifying process of the (future) Portuguese Language teacher Abstract We propose, in this article, a discussion about the identity reconstruction of the PL teacher, seeking to analyze representations about the teacher and the work attributed to him, as well as the impacts of these representations SCRIPTA, Belo Horizonte, v. 15, n. 28, p. 225-244, 1º sem. 2011 241 Pollyanne Bicalho Ribeiro on the teaching/learning process. From the premises of Socio-discursive Interactionism (SDI), together with the Social Representations Theory (SRT), we shall discuss the effects of these representations for (re) formulating the acting of the PL teacher in the classroom under the evaluation of an intern / future teacher. The corpus is made up of excerpts taken from reports produced by interns when observing classes of teachers of private and public schools of the city of Fortaleza. Keywords: Social representations. Identity of the PL teacher. Formative practice. Les représentaions comme processus de signiicaion du (futur) professeur de Langue Portugaise Résumé Nous proposons, dans cet article, une discussion sur la reconstitution de l’identité du professeur de LP et cherchons à analyser des représentations de l’enseignant et le travail de qui lui est assigné, ainsi que les impacts de ces représentations sur l’enseignement/apprentissage. À partir des hypothèses de l’Interactionnisme Socio-Discursif (ISD), en conjonction avec la théorie des représentations sociales (TRS), nous discuterons des effets de ces représentations pour la formulation de l’action du professeur de LP dans la classe selon l’évaluation du stagiaire / futur enseignant. Le corpus est constitué d’extraits de rapports produits par les stagiaires sur leur analyse des leçons offertes dans des écoles privées et publiques dans la ville de Fortaleza. Mots-clés: Représentations sociales. Identité du professeur de LP. Pratique formative. Referências ABRIC, Jean-Claude. Pratiques sociales et représentations. Paris: Presses Universitaires de France, 1986. BAKHTIN, Mikhail. Marxismo e ilosoia da linguagem. São Paulo: Hucitec, 2004. 242 SCRIPTA, Belo Horizonte, v. 15, n. 28, p. 225-244, 1º sem. 2011 As representações como processo de signiicação do (futuro) professor de Língua Portuguesa BRONCKART, Jean-Paul. Atividade de linguagem, textos: por um interacionismo sociodiscursivo. São Paulo: EDUC, 1999. BRONCKART, Jean-Paul; MACHADO, Anna Rachel. Procedimentos de análise de textos sobre o trabalho educacional. In: MACHADO, Anna Rachel. O ensino como trabalho: uma abordagem discursiva. Londrina: EDUEL, 2004. BRONCKART, Jean-Paul. Atividade de linguagem, discurso e desenvolvimento humano. In: MACHADO, Anna Rachel; MATENCIO, Maria de Lourdes Meirelles (Org.). Campinas, SP: Mercado de Letras, 2006. (Coleção Ideias sobre a Linguagem) FILLIETTAZ, Laurent. Une semiologie de l’agir au service de l’analyse des textes procéduraux. 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Os resultados revelaram uma maior congruência de regularidades entre as representações sociais dos sujeitos professores observados nas situações interativas “aula”, apontando esse gênero de atividade como importante expediente para o estudo e investigação do fazer docente. Palavras-chave: Fazer-docente. Representação. Agir. Interação. As reticências usadas no título deste artigo têm a função discursiva de, a um só tempo, apontar, omitir, indicar, insinuar possibilidades... Possibilidades de representações de um fazer docente de um sujeito professor que, em seu agir, vela, desvela e revela vozes de um “eu” em relação a si e aos outros. Vozes que se entrelaçam e ecoam lugares e de lugares vários, experiências e de experiências vividas (e que se vivem) consigo mesmo e com o(s) outro(s), através das quais se fundem as dimensões individual e social. Para se pensar o professor como sujeito e objeto de pesquisa, é preciso, necessariamente, reletir sobre o processo de funcionamento da atividade “ser professor”. E algumas questões, advindas do confronto entre o meu próprio “fazer de professora” e o meu “fazer pesquisa” sobre o “fazer docente”, sempre se * Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). SCRIPTA, Belo Horizonte, v. 15, n. 28, p. 245-266, 1º sem. 2011 245 Anneliese Maria Bento Gama de Carvalho colocavam para mim, tais como: (i) Quais as representações que o sujeito professor possui acerca do seu fazer docente e da sua atividade proissional de forma geral? (ii) Quando o sujeito professor está em sala de aula, agindo e executando o seu trabalho, que representações sociais sobre o seu próprio agir e sobre a sua própria atividade podem ser lagradas e deinidas como constitutivas e características desse fazer e dessa atividade? Após ingressar no Grupo de Pesquisa “Leitura Produção de Textos e Construção de Conhecimento” (LePTeCCo), criado em 2003 na PUC Minas, que se preocupava com a formação do proissional professor no que se refere ao ensino de leitura e produção de texto, decidi investir na instigante tarefa de tentar compreender mais claramente como o sujeito professor entende o que é “ser professor” e o que é “ser professor de língua materna”, observando o agir de dois professores dos primeiros anos do ensino fundamental em duas realidades culturais diferentes: Portugal e Brasil. Com o intuito de contribuir para as pesquisas sobre o agir proissional, mais especiicamente, sobre o agir do proissional “professor” (fazer docente), pretendo, neste artigo, apresentar alguns dos resultados principais do meu estudo de doutorado intitulado “Ser professor é... Representações do fazer docente (des/ re)veladas no discurso e na ação do professor” (CARVALHO, 2010), pois acredito que é fazendo pesquisa acerca do fazer docente que podemos melhor entendê-lo e melhor formar futuros professores. No percurso de realização da referida pesquisa, tomei a faculdade humana da linguagem como principal meio de acesso ao estudo do sujeito humano e de sua capacidade de produzir efeitos de sentido e de se comunicar (HABERMAS, 1987; BRONCKART, 1999; GOFFMAN, 2007; VYGOTSKY, 1989). E, levando em conta que o sujeito professor (“eu”) se deine e se constitui em relação ao sujeito “outro” (aluno e pesquisador) bem como às suas experiências pessoais e com o grupo social, acredito que, ao analisarmos situações de interação face a face entre o professor e outros sujeitos, no intuito de compreender como se processa o fenômeno da linguagem e da comunicação humana nessas situações, estaremos, consequentemente, na direção de um melhor entendimento de como se dá a atividade do professor e de como esse proissional representa o seu fazer e a sua atividade. Decidi observar duas situações de interação diferentes (aula e entrevista) porque cada situação de ação se constitui como parte integrante do ambiente em que se encontra o sujeito e funciona como o conjunto das possibilidades de agir signiicativas para o projeto de ação no qual o mesmo se encontra imbuído 246 SCRIPTA, Belo Horizonte, v. 15, n. 28, p. 245-266, 1º sem. 2011 “Ser professor é...” Representações do fazer docente (HABERMAS, 1987). Sob essa perspectiva, observando o agir de dois sujeitos professores em dois gêneros diferentes (aula e entrevista), foi-me possível delinear representações sociais acionadas, provavelmente, devido às restrições dos gêneros de discurso e dos sujeitos envolvidos na interação, bem como mapear representações ativadas em ambas as situações, explicitando certa independência destas em relação aos aspectos genéricos do evento discursivo. Nas cenas interativas observadas, “aula” e “entrevista”, pode-se dizer que as ações do sujeito professor ecoam pistas de representações sociais oriundas das suas experiências vividas (pensando, aqui, o indivíduo na interface entre as suas dimensões individual e social) e das representações sociais dos alunos e do pesquisador na própria interação, o que possibilita a assunção de representações outras resultantes do embate, confronto, imbricação, fusão, transformação e/ou redimensionamento entre elas, a depender dos motivos, intenções e planos de agir de cada um dos sujeitos envolvidos, os quais são possuidores de uma “identidade que está sempre em movimento, em constante mutação”, ou seja, uma identidade de “constituição heterogênea” (CORACINI, 2003, p. 15). Acredito que alguns dos resultados delineados nessa pesquisa podem ajudar a mostrar caminhos para um melhor entendimento do que é e de que se constitui o trabalho do professor de língua materna e, principalmente, apontar para o ato de investigar e analisar o agir do professor atuando no gênero de atividade “aula” como um importante instrumento metodológico de pesquisa, na medida em que o sujeito professor atualiza para os sujeitos interlocutores alunos, isicamente presentes na sala de aula, representações acerca do seu fazer docente e da sua atividade proissional, as quais devem se aproximar mais daquelas que ele, ao exercer sua proissão no dia a dia da sala de aula, mobiliza e (re)atualiza. O objetivo principal da pesquisa era investigar como o sujeito se constrói “professor”, agindo no evento interativo “aula” e falando sobre o seu agir em situação de “entrevista” (semidiretiva), de modo que fosse possível delinear prováveis representações que o mesmo tivesse acerca do seu fazer docente em práticas de ensino/aprendizagem de língua materna e da sua atividade proissional como um todo. O quadro teórico-metodológico da pesquisa envolveu as abordagens da Teoria da Atividade (HABERMAS, 1987); do Interacionsimo Sociodiscursivo (BRONCKART, 1999; 2008; FILLIETTAZ, 2004); da Teoria das Representações Sociais (ABRIC, 1994; JODELET, 1989; MOSCOVICI, 2003; PY, 2000); além da Linguística de Textos e Estudos sobre referenciação e enunciação (SILVA; MATENCIO, 2005) e da Análise do discurso (CHARAUDEAU, 1999), bem como SCRIPTA, Belo Horizonte, v. 15, n. 28, p. 245-266, 1º sem. 2011 247 Anneliese Maria Bento Gama de Carvalho uma postura metodológica característica da Abordagem etnográica (ERICKSON, 1993; SPRADLEY, 1980). A metodologia de caráter qualitativo utilizada para a coleta de dados enfocou a interpretação dos processos e dos signiicados do fenômeno investigado, pressupondo o contato direto do pesquisador com a situação e uma relação direta com o dia a dia dos sujeitos pesquisados. O corpus selecionado para análise foi retirado das aulas e das entrevistas gravadas com câmera de vídeo1 e gravador de áudio, envolvendo duas professoras dos primeiros anos do ensino fundamental lecionando aulas de língua materna (português): uma professora portuguesa (PP),2 que dava aula para o 4º ano do Ciclo Básico (total de 16 alunos na turma), com alunos de 10 anos; e outra professora brasileira (PB), que lecionava para a turma do 5º ano do Ensino Fundamental (turma com 28 alunos), com alunos cuja faixa etária também era de 10 anos. As entrevistas foram realizadas com as mesmas professoras que tiveram as aulas ilmadas. Cada entrevista durou cerca de 30 minutos. Tanto em Portugal quanto no Brasil, iquei na escola durante cinco dias, de segunda a sexta-feira, ilmando as aulas e gravando a entrevista, a qual era realizada na própria escola, em horário escolhido pelas professoras. Eu mesma realizei a gravação das aulas e das entrevistas, utilizando um tripé para manter o controle da câmera e, durante o momento de gravação, tinha comigo um caderno para tomar notas de alguns detalhes, que, no meu entender, escapavam do alcance da câmera. Agir, ação e aividade Considerando a minha pretensão de mapear pistas de representações sociais orientadoras do agir docente em práticas de sala de aula, bem como presentes, em situação de entrevista, no discurso do professor, quando este é levado a discorrer sobre aspectos de sua história e atuação proissional, é essencial apresentar, aqui, as categorias conceituais referentes ao agir, à ação e à atividade humana das quais me vali. Recorri a Habermas (1987), que airma ser a ação humana a realização de um projeto, ou um plano de ação (possibilidades signiicativas de agir) que se origina da compreensão e interpretação que o sujeito faz da situação em que se encontra. 1 - As professoras autorizaram a ilmagem e veiculação de suas imagens. Os pais dos alunos ilmados também consentiram a ilmagem e a veiculação das imagens ilmadas durante as aulas gravadas. 2 - Para ins de não identiicação dos sujeitos de pesquisa, utilizei as letras PP para designar “professora portuguesa” e PB para “professora brasileira”. 248 SCRIPTA, Belo Horizonte, v. 15, n. 28, p. 245-266, 1º sem. 2011 “Ser professor é...” Representações do fazer docente Quando dois sujeitos mobilizam suas ações a im de realizarem uma ação comum, uma atividade social se constitui. Por isso, para se compreender uma ação humana, é preciso buscar deinir as questões que sejam capazes de indicar as condições nas quais o “outro” conjuga as suas ações com as do “eu” (HABERMAS, 1987). É possível, então, airmar que, quando um professor age em interação com um grupo de alunos, a atividade de ensino se realiza, e se constitui, portanto, como um exemplo de atividade social. Vale destacar, ainda, o fato de que uma pesquisadora dentro da escola, ilmando aulas e entrevistando professoras, conigura outra atividade social, a atividade da pesquisa – aqui, mais especiicamente, da pesquisa do fazer docente. Para a realização da análise do agir dos sujeitos professores, considerei: (i) agir como sinônimo de “qualquer forma de intervenção orientada de um ou de vários seres humanos no mundo” (BRONCKART, 2008, p. 120); (ii) atividade como a leitura e interpretação do agir em suas dimensões motivacionais e intencionais no nível coletivo; (iii) e ação como a leitura e interpretação do agir em suas dimensões motivacionais e intencionais no nível individual dos sujeitos em particular (BRONCKART, 2008). Tomando as professoras, especialmente no gênero “aula”, como “pilotos” da ação em desenvolvimento, é possível notar que, embora elas pareçam seguir um modelo que possuem do referido gênero, situações inesperadas ocorrem e elas precisam continuar “pilotando” a atividade. Por exemplo, o próprio fato de eu estar presente dentro da situação de ação das professoras e dos alunos, em sala de aula, pode ter provocado algumas alterações no desenvolvimento do agir dos mesmos. Por exemplo, uma situação característica dessa possibilidade de transformação do desenvolvimento do agir pôde ser percebida quando, em uma das aulas, PP transformou, explicitamente, o plano da sua ação. Um dos alunos da turma se ausentou de uma das aulas para participar de um concurso de dicionário no agrupamento das escolas da região e ganhou o primeiro lugar. Quando retornou à escola,3 a professora, provavelmente mudando seu plano inicial de ação (uma vez que não se sabia que o aluno seria o vencedor), pediu que o mesmo contasse aos colegas como havia sido o concurso. O aluno ganhara, como prêmio, um livro de contos e a professora decidiu – juntamente com os alunos, naquele momento – ler uma história do livro para toda a sala. Foi possível verificar que PP deve ter alterado seu 3 - O aluno deixou a escola no período da manhã para participar do concurso, por volta das 10 horas, e retornou à tarde. SCRIPTA, Belo Horizonte, v. 15, n. 28, p. 245-266, 1º sem. 2011 249 Anneliese Maria Bento Gama de Carvalho projeto inicial de ação naquela aula, mas não deixou de seguir as restrições da atividade “aula de Língua Materna (LM)”. Ela não usou o livro didático, como havia feito na aula anterior, e tomou o livro de contos que o aluno trouxera para o ensino de leitura na aula de LM. Os agentes envolvidos (professor, alunos e pesquisador), nas situações de interação (aula e de entrevista), mobilizam, além do sistema da língua natural e do gênero, outros sistemas semióticos, tais como expressões faciais, sorrisos, movimentação dos olhos, das mãos e do corpo, etc. Sobre isso, é válido ressaltar que as palavras, os gestos, a movimentação no espaço, etc. podem trazer para os sujeitos envolvidos na situação de interação traços signiicativos e conceitos de outras situações enunciativas, de outros eventos discursivos, podendo indiciar representações sociais que contribuíram no processo de referenciação e produção de efeitos de sentido, uma vez que os discursos não resultam do nada, ou de alguma invenção inédita, mas advêm dos gêneros e modelos intertextuais sócio-historicamente elaborados (FILLIETTAZ, 2004). Em uma das aulas ilmadas em Portugal, quando um aluno pergunta à PP se poderia começar a fazer um exercício em sala de aula, PP responde com um tom de voz baixo, mas com uma expressão facial muito séria, contribuindo para indicar ao aluno que, naquele momento, ele não poderia fazer o que solicitava. PP age, linguageiramente, demarcando o seu papel de gestora do evento discursivo, o papel daquela que gerencia as ações dos alunos em sala, deixando transparecer a representação que possui acerca da sua função como professora. Vale destacar, ainda, o fato de o referido aluno ser um dos mais agitados da sala,4 o que pode explicitar a ação de PP com aqueles alunos que, no seu entender, atrapalham o desenvolvimento da aula. A expressão facial da professora para o aluno pode fazer com que o mesmo ative um determinado modelo de experiência anterior que indica para ele o momento de não atrapalhar a aula ou de fazer somente o que a professora solicita (conforme pode ser visto no Exemplo 1 e na Figura 1). Exemplo 1 – Aula 1, Portugal PP: [...] quem é que ainda não acabou isto? ((alguns alunos levantam a mão para demonstrar que ainda não acabaram)) 4 - Durante as outras aulas, esse aluno foi repreendido várias vezes pela professora, além de ser colocado de castigo em uma das aulas. 250 SCRIPTA, Belo Horizonte, v. 15, n. 28, p. 245-266, 1º sem. 2011 “Ser professor é...” Representações do fazer docente Aluno: oh professora posso começar a fazer a icha? PP: não/ não podes ((professora faz uma expressão facial séria))5 FIGURA 1: Expressões faciais feitas pela professora ao produzir o trecho em negrito no Exemplo 1. Fonte: Fotos da autora Na entrevista realizada com PB, quando questionada por mim6 a respeito do tempo que exercia a proissão de professora, é possível observar outro caso de conjugação entre a expressão facial e verbal, quando ela sorri ao dizer que começou a trabalhar como professora no “tempo em que era bom dar aula”. A ação de sorrir de PB pode apontar para o fato de a professora ter querido conquistar a adesão da pesquisadora ao ponto de vista explicitado, que se constrói a partir de uma concepção negativa da proissão docente na atualidade (que ela supõe conhecida e mesmo compartilhada por mim), em oposição a um período anterior, no qual já foi bom dar aula no Brasil, conforme mostram o Exemplo 2 e a Figura 2. Exemplo 2 – Entrevista com PB PB: deixa eu pensar..eu eu ..((risos)) olha.. com carteira assina::da\... parece que já tá dando vinte e três anos..é: eu trabalhei mais de um a:no sem carteira assinada eu comecei a trabalhar eu tinha dezesseis anos.. então.. eles acharam. por bem não assinar minha carteira.. na 5 - Para a leitura da transcrição das aulas, considerar: a) entonação ascendente: / entonação descendente: // b) pausa breve: . pausa média: .. pausa longa: ... c) comentários descritivos do transcritor: ((minúsculas)) d) entonação enfática: MAIÚSCULAS e) prolongamento de vogal e de consoante: :: , podendo aumentar para ::: ou mais f) indicação de que a fala foi tomada ou interrompida em determinado ponto (não no seu início): [...] g) indicação de simultaneidade de falas: sublinhados h) indicação de trecho inaudível: /.../; i) dúvida acerca da palavra escutada: itálico 6 - Nas transcrições (das aulas e entrevistas), usei as letras AC para referenciar a mim, Anneliese Carvalho (pesquisadora). SCRIPTA, Belo Horizonte, v. 15, n. 28, p. 245-266, 1º sem. 2011 251 Anneliese Maria Bento Gama de Carvalho verdade foi uma bobeira né.. aí eu acabei perdendo esse um ano.. é... mas tem muito tempo.. no tempo que era bom dar aula FIGURA 2: PB sorrindo ao falar o trecho em negrito no Exemplo 2. Fonte: Foto da autora Mundos representados e mundo vivido: ângulos para interpretação do agir A ação, o agir e a atividade se desenvolvem a partir das representações humanas que estão organizadas em três mundos formais ou representados, a saber: o mundo objetivo, o mundo social e o mundo subjetivo (HABERMAS, 1987), sócio-historicamente construídos e que se constituem em sistemas sincrônicos de coordenadas que regulam os agires, as ações e as atividades do homem (HABERMAS, 1987; BRONCKART, 1999, 2008). O “mundo objetivo” reúne os signos que acessam os conhecimentos referentes ao mundo material, às representações do meio físico, construídas sócio-historicamente pelos sujeitos. Por exemplo, um professor que pretende dar aula de língua materna para uma turma de 28 alunos, não irá, muito certamente, usar uma sala de aula que possua apenas 10 carteiras, pois, objetivamente, ele perceberá o limite físico que o impede de usar o local para a atividade de aula. O “mundo social” engloba aqueles signos referentes às formas de organização e de cooperação entre os membros do grupo, ou seja, às regras, às normas, às convenções e ao sistema de valores de um determinado grupo. Ao realizar a atividade de aula de língua materna, o sujeito professor agirá sob a orientação de algumas normas, valores e regras elaborados socialmente e que permitem a realização coletiva dessa atividade. Por exemplo, parece fazer parte das normas e regras das aulas aqui observadas o fato de o professor fazer a correção dos 252 SCRIPTA, Belo Horizonte, v. 15, n. 28, p. 245-266, 1º sem. 2011 “Ser professor é...” Representações do fazer docente exercícios em sala de aula. PB, além de fazer a correção, veriicou se todos os alunos haviam feito a lição de casa, escrevendo bilhete na agenda dos alunos que não izeram, para que os mesmos mostrassem aos pais. Isso denota que as regras sociais seguidas na sala de aula são de conhecimento não somente do professor e dos alunos, mas também compartilhados pela mãe, pai ou responsáveis dos alunos. O “mundo subjetivo” é resultado dos conhecimentos coletivos compartilhados entre os mundos objetivo e social construído e elaborado pelo sujeito. É aquele mundo referente à imagem de si que o sujeito possui, a partir do que ele pensa a respeito de si mesmo, e a partir do que ele pensa que os outros pensam dele. O professor, por exemplo, ao estar em sala de aula agindo e sendo ilmado pelo pesquisador, possui uma imagem própria a respeito de si, bem como uma visão do que ele projeta pensar o pesquisador acerca dele. O cruzamento desses conhecimentos sobre si mesmo (em relação ao próprio “eu” e ao(s) “outros(s)”) constitui o seu mundo subjetivo. Ao agir, o sujeito se reporta e toma atitudes típicas e referentes a cada um dos três mundos representados. É possível pensar, então, que o agir do sujeito e as representações que governam esse agir são resultado da inter-relação de variáveis conceituais e experiências advindas dos mundos objetivo, social e subjetivo. Essas variáveis e experiências se interpenetram mutuamente e simultaneamente, juntamente com as representações e ações do sujeito no planejamento e execução do seu próprio agir e do agir do outro. Tento, no esquema a seguir, materializar visualmente, nas elipses que se interpenetram, o caráter dinâmico e plástico do funcionamento das representações humanas, advindas das diferentes possibilidades de combinação e conjugação dos mundos representados, que, somadas às intenções e motivações humanas, gerenciam o agir dos sujeitos: Mundo Objetivo Intenções e Motivações Mundo Social Mundo Subjetivo Representações → Realização do agir pelo sujeito FIGURA 3: Caráter plástico e dinâmico das representações humanas. Fonte: Elaborada pela autora SCRIPTA, Belo Horizonte, v. 15, n. 28, p. 245-266, 1º sem. 2011 253 Anneliese Maria Bento Gama de Carvalho Representações sociais: da construção de conhecimentos ao agir Considerando-se a importância do conceito de “representação” para a análise do agir humano em qualquer situação de interação, vali-me também da Teoria da Representação Social (TRS). As representações sociais (RS) se constituem, se formam e se interpenetram como partes de um todo dinâmico, como produtos e processos de atividades mentais, através das quais um indivíduo ou um grupo (re)constitui a realidade com a qual ele se confronta e para a qual ele atribui um signiicado especíico (ABRIC, 1994; MOSCOVICI, 2003). Abric (2000) destaca que toda realidade é representada, ou seja, estruturada cognitivamente pelo indivíduo e integrada, simultaneamente, ao sistema de valores, aos elementos sócio-histórico-culturais que o circundam e ao seu contexto social e ideológico. Para ele, toda representação é “uma forma de visão global e unitária de um objeto, mas também de um sujeito” (ABRIC, 2000, p. 29). As RS exercem, nessa medida, uma função importante na orientação do agir dos sujeitos, uma vez que são formas de conhecimento compartilhadas socialmente, que orientam e organizam modelos de conduta e pensamento, socialmente inculcados ou transmitidos pela comunicação social (JODELET, 1989). Investigar o agir do professor durante a execução de sua atividade oferece, portanto, a oportunidade de localizar pistas das RS que esse sujeito possui acerca do seu fazer e da sua atividade proissional, uma vez que elas estão “necessariamente inscritas dentro de um referencial de um pensamento preexistente; sempre dependentes, por conseguinte, de sistemas de crenças ancorados em valores, tradições e imagens do mundo e da existência” (MOSCOVICI, 2003, p. 216). Por isso, ao estudar o agir do professor, nas situações de aula e de entrevista, mapeando as RS acerca do seu fazer e da sua atividade, foi possível localizar elementos constitutivos da sua história de vida, de alguns de seus sistemas de valores e da sua construção identitária. Durante a interação, os sujeitos acionam as experiências vividas – “mundo vivido” para Habermas (1987) – e utilizam na sua fala signos que acionam esquemas conceituais coletivos (PY, 2000). Abric (2000) airma que uma RS é constituída de um conjunto de informações, de crenças, de opiniões e de atitudes a propósito de um dado objeto, sendo organizada em um núcleo central circundado por elementos periféricos. Esse núcleo central, ou estruturante, constitui-se na porção mais estável da RS, aquela que dá signiicado à mesma. Em torno desse núcleo central, encontram-se os elementos periféricos, responsáveis pela essência do conteúdo da representação, 254 SCRIPTA, Belo Horizonte, v. 15, n. 28, p. 245-266, 1º sem. 2011 “Ser professor é...” Representações do fazer docente correspondendo aos “seus componentes mais acessíveis, mais vivos e mais concretos” (ABRIC, 2000, p. 32). Dessa maneira, ao investigar as RS dos professores, fui à procura dos elementos periféricos que indiciavam, na situação de interação, elementos pertencentes ao núcleo central de possíveis RS acerca do fazer docente e da sua atividade como proissão. Ser professor é... Usando a metáfora do teatro, o sujeito “professor” poderia ser deinido como um ator que representa um personagem possuidor de várias facetas (atravessadas por uma multiplicidade de vozes) ativadas no momento de encenação no palco do gênero de discurso, aqui, especiicamente, “aula” ou “entrevista”, a depender da atuação dos outros personagens em cena – alunos e pesquisador – ou de outros fatores que constituem ou podem vir a constituir uma cena. Tais facetas são aqui pensadas como papéis. Dentre eles, poder-se-iam elencar os seguintes, certamente imbricados no todo da cena de aula ou de entrevista: ensinar os objetos de ensino relativos à série, corrigir os exercícios do livro didático, gerenciar e dirigir a atuação dos alunos, repreender os alunos que atrapalham a aula ou não fazem as atividades, ser autoridade na interação e permitir ou não que os alunos saiam da sala, educar, cuidar, ser amigo, ser colega, ser mãe, responder às questões da entrevista, impressionar e/ou conquistar o pesquisador/entrevistador, ser simpático... Listar e deinir todos esses papéis e intenções? Missão impossível. Ser professor é... ofício que se (des/re)vela através das ações do(s) sujeito(s) em cena. Apresento a seguir um exemplo de PP, em que ela parece acionar a RS ser professor é aquele que educa e que cuida: um aluno reclama que estava sentindo dor no joelho, PP lhe pergunta o que havia acontecido. Nesse momento, a conversa entre a professora e o aluno se assemelha à de um médico atendendo um paciente, conforme mostra o Exemplo 3. Exemplo 3 – Aula 1, Portugal PP: anda põe aqui o pé ((PP pede que o aluno ponha o pé no seu colo)) ((Aluno JP reclama que dói)) PP: vamos lá dá cá a perna ((PP estica a perna do aluno no seu colo e ele faz expressão de muita dor)) onde é que te dói? aqui? não se pode carregar? Aluno JP: não PP: quem já acabou tudo? ((alguns alunos levantam a mão)) TJ vai SCRIPTA, Belo Horizonte, v. 15, n. 28, p. 245-266, 1º sem. 2011 255 Anneliese Maria Bento Gama de Carvalho lá baixo faz favor e pede à dona Fátima gelo pra pôr aqui na perna do rapaz À medida que PP faz perguntas sobre a dor que o aluno sente, ela apalpa-lhe o joelho, explicitando uma ação de exame e análise, parecendo pretender fazer um “diagnóstico” para, depois, decidir como agir. Vale destacar, aqui, a assunção de pistas da RS de que cabe ao professor atender e cuidar do aluno, não só no que se refere a dúvidas relativas ao objeto de ensino e aprendizagem, mas a questões relativas a problemas físicos e de saúde que o mesmo apresenta. É possível, no curso da ação de PP, observar a transformação do seu agir de professora que ensina e corrige exercícios’ para ‘aquela que faz diagnóstico e providencia atendimento de saúde ao aluno. Pode-se dizer que os “agires” de diagnosticar e atender, a princípio, parecendo fazer parte das ações esperadas de um médico, ou enfermeiro, são passíveis de realização no evento interativo “aula” por fazerem parte, mesmo que na região periférica (MATENCIO, 2008; PY, 2000) da RS do “fazer” do professor compartilhada pelos sujeitos na interação – vale dizer, aqui, inclusive da pesquisadora, que permanece ilmando toda a cena e não se mobiliza para chamar ou pedir ajuda especializada, seja procurando um médico na escola, seja ligando para algum serviço de emergência. Pensando nos diferentes ângulos de avaliação para o agir (BRONCKART, 2008; HABERMAS, 1987), o fato de o aluno JP estar com o joelho doendo impõe-se como uma realidade do mundo objetivo da professora, que, diante da situação, investe-se do papel que lembra aquele de “médica”, de “enfermeira” e atende e cuida do aluno – papel que parece também constituir-se como parte do seu “fazer docente” (principalmente, na medida em que ela não se mostra receosa nem se nega a agir). Com a intenção de não atrapalhar o curso da “aula”, PP pergunta à turma: “quem já acabou tudo?” e manda um aluno (TJ), que já havia inalizado toda a tarefa, buscar gelo para colocar no joelho de JP. Interessante observar que o ambiente físico é a sala de aula, a instituição é a escola, e que é pressuposto haver gelo nesse lugar social – o que faz ativar a ideia de que a escola deve estar preparada para situações como essa e que a professora, além de exercer o papel de ensinar objetos conceituais e acadêmicos, deve estar preparada para auxiliar os alunos não somente com problemas relativos à aprendizagem de um determinado tema escolar, mas também desempenhar fazeres característicos de outros personagens sociais, tais como “médico”, “enfermeiro”, “mãe”, “pai”, entre outros. Vale dizer, também, que essa conduta da professora pode ser, talvez, uma característica do fazer dos professores que lecionam nas séries iniciais do ensino fundamental, uma vez que seus alunos são crianças, com idades entre 7 e 10 anos. Vejam-se as Figuras 4 e 5: 256 SCRIPTA, Belo Horizonte, v. 15, n. 28, p. 245-266, 1º sem. 2011 “Ser professor é...” Representações do fazer docente FIGURA 4: Momentos em que PP pega o joelho do aluno e o apalpa, perguntando-lhe se doía. Fonte: Fotos da autora FIGURA 5: PP pegando o gelo e um pano para colocar no joelho do aluno. Fonte: Fotos da autora Os papéis da “professora que ensina” e da “professora que cuida do joelho” se interpenetram: enquanto PP espera o gelo chegar, corrige o texto no caderno do aluno JP. O aluno TJ traz o gelo e PP enrola-o com um pano sobre o joelho de JP. Nesse momento, PP comenta que o aluno já não mais poderá fazer “asneiras” naquele dia (pois icará sentado com o gelo no joelho por volta de meia hora). Ao falar “asneiras”, pode-se inferir que PP se desveste do papel de “médica”, que cuida, assumindo a fala da “professora-mãe”, que repreende, aconselha. PP solicita a um dos alunos que saia da cadeira ao lado do aluno JP e pede que este coloque a perna em cima dela. JP pergunta se poderá fazer aula de educação física e PP diz que ele não poderá. Ela pede que ele ique “quietinho” e comenta: “que bom que o JP vai icar sossegadinho durante o intervalo todo”. Depois de deixar o aluno bem acomodado nas duas cadeiras, PP continua a corrigir o seu texto e a fazer comentários com ele sobre o que havia escrito de modo incorreto: “não existe o verbo tar”, referindo-se ao fato de o aluno não ter escrito “estar”, mas sim “tar”. Percebe-se, claramente, que o agir da professora se guia pela RS de professor como alguém que, além de investir na tarefa de ensinar, também cuida, protege, aconselha, aspecto que parece ser constitutivo do fazer docente dessa professora. Em outro momento, na situação de entrevista com PB, observa-se o acionamento da RS para ser professor é preciso ter vocação, presente em várias esferas sociais: SCRIPTA, Belo Horizonte, v. 15, n. 28, p. 245-266, 1º sem. 2011 257 Anneliese Maria Bento Gama de Carvalho Exemplo 4 – Entrevista com PB AC: então.. assim..quando..tem pessoas que falam né..que que se:r professor é vocação..então o que cê pensa dessa frase.. ser professor é vocação? PB: é vocação..porque é uma proissão difÍcil..é uma proissão desvaloriza::da.. vo a gente investe mUIto na proissão.. professor que não recicla.. ele não dá conta de dar au::la..e no inal..eu acho que é uma realização mesmo somEnte da pessoa.. proissional.. em termos inanceiros né..num tem esse retorno..então tem que ser uma vocação me:smo..senão não ica na área não ((risos)) Exemplo 5 – Entrevista com PB AC: tá. ok. é:: bom..na sua opiniÃO/..como é que você deiniria então.ser professor? PB: ser professor é:/ ter vocação. é um dom né: e ter né a arte mesmo de ensinar.porque ensinar por ensinar num num vale a pEna.tem que saber chegA::r essa mensagem né: aos alunos.e acreditar que você né.que que é sua função ((proissão?)) é importante mEsmo No Exemplo 4, a pesquisadora solicita a PB que diga o que pensa a respeito da concepção de que para ser professor, é preciso ter vocação, estruturante da RS de professor que circula em vários grupos sociais atualmente. A professora demonstra sua adesão à RS e elabora o seu agir buscando justiicá-la. Isso se prova no enunciado “é vocação porque é uma proissão difícil..é uma proissão desvaloriza::da..vo a gente investe mUIto na proissão” com o elemento “porque”. PB investe num movimento argumentativo, elencando motivos que expliquem e justiiquem a RS acerca da necessidade de se ter vocação para o exercício da proissão de professor. As razões apresentadas por PB são a diiculdade da proissão, a desvalorização social desse trabalho, a falta de retorno “em termos inanceiros”; ela deixa pistas, no modo como enuncia, de um posicionamento identitário em que demarca a sua crença (“eu acho”) em relação ao fato de a proissão “professor” ser “uma realização somEnte da pessoa” e, como não existe retorno inanceiro, “tem que ser uma vocação me:smo”. Observa-se, nessa sequência interativa, que a professora se constrói como um sujeito professor que possui vocação, já que exerce a proissão, e como um sujeito que investe na proissão, mesmo não recebendo um bom salário (retorno inanceiro). PB aponta, no evento, para elementos constitutivos da RS de “vocação”, tais como entrega pessoal, renúncia a bens materiais (inanceiros), por exemplo. Pode-se dizer, então, que PB relaciona a ideia de vocação ao exercício de algum trabalho não bem valorizado inanceiramente, destacando o fato de que, se 258 SCRIPTA, Belo Horizonte, v. 15, n. 28, p. 245-266, 1º sem. 2011 “Ser professor é...” Representações do fazer docente o professor não tiver vocação, não ica na área. Reconhece-se, aqui, a assunção da RS de que as proissões atraentes são aquelas que possibilitam uma recompensa inanceira e de que a proissão de professor não seria atrativa, na medida em que não é inanceiramente reconhecida; por isso, para ser professor o sujeito precisa, necessariamente, ter vocação. Tanto no Exemplo 4 quanto no 5, observam-se marcas de aumento na ênfase dada em algumas sílabas, bem como o prolongamento de outras. Isso pode indiciar a intenção de PB em reforçar a sua argumentação acerca da desvalorização do professor, do investimento que faz e do fato de ser uma proissão que pressupõe vocação, uma vez que não existe retorno inanceiro, como em: “desvaloriza::da”, “a gente investe mUIto”, “vocação me:smo”, “realização somEnte da pessoa”, “saber chegA::r essa mensagem”. Mais adiante, quando solicitada a deinir a expressão “ser professor”, PB traz novamente à cena a RS acerca da vocação para exercer a proissão, além de deinir “ser professor” como “dom”, como “arte”, recorrendo, mais uma vez, a argumentos referenciados por ela quando respondeu à pergunta acerca do motivo de sua escolha proissional, como pode ser visto no exemplo seguinte: Exemplo 6 – Entrevista com PB PB: é.. é dom mesmo.. eu gosto.. sabe.. eu tentei fazer outras coisas.. eu vi.. que que num num não era a mInha Área.. e a área mesmo.. eu gosto do magistÉrio.. eu acho interessANte.. eu acho que dar aula realmente..é é:: arte.. né... é o dom de ensinar mesmo [...] olha.. eu tentei ser dona de loja.. .. é.. eu e minha irmã.. nós abrimos uma loja.. né em sociedade.. mas aí depois eu deixei só pra ela.. q’eu num num achei interessANte/.. trabalhei como secretária também.não gostEI..é::.. tentei fazer direito também.. mas num.. num.. num era a minha Área.. mEsmo/.. então.. eu gosto mesmo é de magistério Atentando-se para os recursos adotados por PB na construção dos objetos de discurso, principalmente no que se refere aos vocábulos destacados nos trechos “é dom mesmo”, “dar aula é realmente.. é é:: arte [...] é o dom de ensinar mesmo”, ao falar sobre o porquê de ter escolhido a proissão de ser professora, a professora elabora a metáfora dar aula é uma arte, acionando, aqui, provavelmente, a RS correspondente ao fato de todo sujeito artista possuir um dom, receber um presente divino, o que pode, também, acionar a RS típica da sociedade ocidental cristã de que um dom é dado por Deus, e que, por isso, consequentemente, o professor seria um artista possuidor de um dom, na medida em que, segundo PB, é preciso SCRIPTA, Belo Horizonte, v. 15, n. 28, p. 245-266, 1º sem. 2011 259 Anneliese Maria Bento Gama de Carvalho ter dom para ser professor. Para assinalar que a escolha da proissão se pauta por aquilo que chama de “dom”, PB descreve diferentes tentativas em outras áreas, ao seu olhar, fracassadas, como em, por exemplo, assim registradas: “eu tentei ser dona de loja [...] mas não achei interessante”, “trabalhei como secretária [...] mas também não gostei”, “tentei fazer Direito [...] mas não era a minha área mesmo”. O fato de a professora elencar várias outras investidas proissionais que não deram certo na sua vida possibilita inferir, talvez, que ser professor era algo que já estava traçado no destino de PB. Essa pista possibilita compreender como PB entende sua escolha proissional por um viés do dom, de um talento, embora por ela não explicado, de que goza. É possível notar, no enunciado, a imbricação de diferentes RS e a materialização da RS ser professor é uma arte, a partir do acionamento de outra RS: a arte é um dom. Regularidades de RS sobre o fazer docente no gênero “entrevista” e “aula” Sumulando as RS das duas professoras acerca do seu fazer docente, mapeadas na entrevista, poder-se-ia dizer que “Ser professor é...”: PP PB 1. Seguir as orientações da instituição governamental e escolar. 2. Possuir autonomia para dar aula da maneira que quiser. 3. Ter vocação. 4. Educar os alunos. 5. Exercer uma proissão consagrada. 6. Fazer cursos de formação e especialização. 7. Gostar de crianças. 8. Viver o problema dos alunos. 260 1. Seguir as orientações da instituição governamental e escolar. 2. Possuir autonomia para dar aula da maneira que quiser. 3. Ter vocação, ter dom, ter a arte de ensinar. 4. Educar os alunos. 5. Não ser valorizada, não ter retorno inanceiro. 6. Preparar-se, estudar, reciclar. 7. Enriquecer as aulas com atividades extras que não se encontram no livro didático. 8. Usar o livro didático somente como norte. 9. Ser autoridade, sem ser autoritário. 10. Dar liberdade de opinião aos alunos. 11. Decidir o melhor momento e modo para se ensinar determinado objeto. 12. Aceitar a condição humana de errar e aprender. SCRIPTA, Belo Horizonte, v. 15, n. 28, p. 245-266, 1º sem. 2011 “Ser professor é...” Representações do fazer docente Considerando a estrutura composicional das RS, apresento, a seguir, um esquema das regularidades de RS mapeadas e delineadas entre as duas professoras observadas (na entrevista), distinguindo aquelas que parecem constituir o núcleo central da RS Ser professor é... (representadas pela cor cinza): Seguir as orientações da instituição escolar (PP/PB) Ter vocação (PP/PB Educar (PP/PB) Possuir autonomia e dar aula do jeito que quiser (PP/PB) Ter dom (PB) Ser Professor é... Fazer cursos, preparar-se, estudar (PP/PB) Ter a arte de ensinar (PB) Exercer uma proissão consagrada (PP) Não ter retorno inanceiro (PB) Não ser valorizada (PB) FIGURA 6: Representações de PP e PB mapeadas na situação interativa “entrevista” Fonte: Elaborada pela autora No que concerne às situações de interação “aula” gravadas, as ações linguageiras das professoras apontaram para RS acerca do fazer docente de LM e da atividade do professor como um todo. As regularidades aqui delineadas revelam fortes indícios da força coercitiva da atividade “aula” sobre as ações individuais dos sujeitos professores. Ao mesmo tempo, a natureza essencialmente interativa e discursiva da atividade possibilita a assunção de uma multiplicidade de papéis e SCRIPTA, Belo Horizonte, v. 15, n. 28, p. 245-266, 1º sem. 2011 261 Anneliese Maria Bento Gama de Carvalho posicionamentos identitários assumidos pelo sujeito humano, quando do exercício da proissão de “professor”. Levando isso em conta, e tomando como referência a estrutura composicional das RS, apresento, a seguir, um esquema das regularidades de RS mapeadas, durante as situações de aula, considerando que as RS compartilhadas tanto por PP quanto por PB (representadas pela cor cinza) devem estar localizadas no núcleo central da RS Ser professor é... desses dois sujeitos professores observados. Autorizar a saída dos alunos (PP/PB) Gerenciar e controlar o agir dos alunos (PP/PB) Não poder ir ao banheiro quando dando aula (PP) Deter o saber, ensinar, orientar, corrigir exercícios, avaliar (PP/PB) Usar o livro didático (PP/PB) Cuidar do joelho machucado; colocar de castigo (PP) Ser Professor é... Educar (PP/PB) Resolver conlitos entre os alunos (PP/PB) Repreender os alunos (PP/PB) Passar de mesa em mesa esclarecendo dúvidas (PP/PB Não dar a resposta certa diretamente (PP/PB) FIGURA 7: Representações de PP e PB mapeadas nas situações interativas “aulas de leitura e compreensão de texto em LM” Fonte: Elaborada pela autora Considerações inais Pretendi, neste artigo, apresentar alguns dos resultados principais da minha pesquisa de doutorado, com o intuito de contribuir para o campo dos estudos que 262 SCRIPTA, Belo Horizonte, v. 15, n. 28, p. 245-266, 1º sem. 2011 “Ser professor é...” Representações do fazer docente se voltam para as práticas formativas, especiicamente para o agir do professor. A partir das análises empreendidas no referido trabalho, pode-se dizer que o sujeito interlocutor professor, na situação interativa “aula”, deva ter realizado ações muito próximas daquelas que caracterizam seu agir docente no dia a dia do seu fazer, vez que seus interlocutores “alunos”, coparticipantes do evento, demonstraram estar plenamente à vontade nas situações ilmadas. As ações linguageiras e RS do sujeito professor e, portanto, os papéis discursivos e posicionamentos identitários por ele assumidos e desempenhados durante a execução do seu agir no gênero de discurso “aula”, em que seus sujeitos interlocutores usuais “alunos” encontram-se em cena, além do pesquisador, são diferentes daquelas que se veriicaram no gênero “entrevista” e, por isso, é possível airmar, conforme mostraram os dados, que, na cena da “aula”, o sujeito professor parece executar ações que realiza normalmente, atualizando, assim, papéis e RS mais próximas àquelas que genuinamente corresponderiam ao seu fazer docente. Diante desse fato, é pertinente pensar que o expediente “aula” pode ser um instrumento frutífero para o mapeamento das RS que orientam o agir dos professores em sala de aula, especialmente se comparado à “entrevista”. Investigar o agir do professor em diferentes situações discursivas nos possibilita lagrar as apropriações que esse sujeito faz daquelas que seriam as propriedades constitutivas da sua atividade (“ser professor”). Buscar conhecer a especiicidade daquilo que constitui o seu fazer pode nos ajudar a deinir, de forma um pouco mais clara, elementos estruturantes desse ofício, permitindo delinear alguns requisitos necessários para o sucesso e aprimoramento dessa atividade. Por isso, arrisco-me a dizer que o fazer do professor é o que ele, em sentido amplo, acredita fazer ao agir e ao narrar o seu próprio agir. Mas, em alguma medida, aquilo que ele diz sobre o que faz ou pensa estar fazendo, se não integra esse fazer, pelo menos o atravessa e orienta a sua realização. É importante lembrar que esse fazer será sempre deinido a partir da interpretação do(s) sujeito(s) outro(s): pesquisador e alunos. Há que se considerar, ainda, que esse “fazer” pode ser interpretado a partir das mesmas RS compartilhadas pelo grupo, o que levaria à mesma avaliação sobre o agir do professor, logo sobre o seu “fazer”. Entretanto, a conjugação de variáveis pertencentes ao mundo vivido de cada integrante do grupo, das coordenadas dos seus mundos representados e da sua própria atuação no processo enunciativo corrobora a cristalização ou corrosão dessas RS, que, simultaneamente, orientam as avaliações acerca das ações observáveis do professor. Vale, então, destacar que pesquisas sobre o fazer docente, sobre o trabalho do professor, exercem papel fundamental no caminho para o entendimento do agir SCRIPTA, Belo Horizonte, v. 15, n. 28, p. 245-266, 1º sem. 2011 263 Anneliese Maria Bento Gama de Carvalho desse proissional: o professor. Agir este que se (des/re)vela de diferentes formas, (re)atualizado por diferentes sujeitos, em diferentes espaços e tempos, a depender das representações que atuam como pano de fundo e como constituintes desses sujeitos e, portanto, desse agir humano. “Being a teacher is...” Representaions of the teaching acivity Abstract In this article, I present in a consolidated way the main results of my doctorate research, where I analyze two basic education teachers in two interactive situations: “classes” and “interview” (semi-directive one), in order to investigate how the human being builds up himself (herself) as “teacher”, acting in the genre “class” and talking about their teaching act in the genre “interview”. The theoretical and methodological framework of this doctorate research, whose results are in this thesis here presented, is based on the Activity Theory; Sociodiscursive Interactionism; Social Representations Theory, besides Linguistic of Text and Referent Building Process and Enunciation Studies; and Discourse Analysis. The corpus of this research is constituted by audio video camera recorded lessons and interviews, involving two basic education teachers, in Portugal and Brazil. The results showed a major congruence of regularities between the teachers’ social representations in the “lesson” interactive situation, revealing this genre as an important tool for the study and investigation of the teaching acting. Keywords: Teacher acting. Representation. Act. Interaction. “Être professeur est...” Représentaions du faire de l’enseignant Résumé Dans cet article je présente, de manière consolidée, les principaux résultats de ma recherche de doctorat, dans laquelle j’ai analysé l’agir de deux sujets professeurs de l’enseignement fondamental en situations interactives de “cours” et d’entretien demi-directive, investiguant le sujet pour savoir comment il se construit comme “professeur”, agissant dans le genre “cours” et en conversant sur son agir dans le genre “entretien”. Le cadre teorico-méthodologique de la recherche a inclu: Théorie de l’Activité; Interactionnisme Socio-discursif; Théorie des Représentations Sociales; Linguistique de Textes; Études sur la référentiation et sur l’enonciation et L’Analyse du discours. Le corpus a été constitué par des cours et entretiens enregistrés de deux maîtresses des premières années de l’école primaire au 264 SCRIPTA, Belo Horizonte, v. 15, n. 28, p. 245-266, 1º sem. 2011 “Ser professor é...” Representações do fazer docente Portugal e au Brésil. Les résultats ont montré une plus grande congruence de régularités entre les représentations sociales des sujets professeurs observés dans les situations interactives “cours”, indiquant ce genre d’activité comme un important moyen pour l’étude et la recherche du faire de l’enseignant. Mots-clés: Faire de l’enseignant. Représentation. Agir. Interaction. Referências ABRIC, Jean-Claude. Pratiques sociales et Représentations. Paris: Presses Universitaires de France, 1994. ABRIC, Jean-Claude. A abordagem estrutural das representações sociais. In: MOREIRA, Antonia Silva Parede; OLIVEIRA, Denize Cristina de (Org.). Estudos interdisciplinares de representação social. Tradução de Pedro Humberto Faria Campos. 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Os resultados parecem indicar que esse gênero auxilia o processo de formação de professores de maneira signiicativa, especialmente pela ressigniicação de experiências que propicia. Palavras-chave: Memorial de formação. Formação de professores. Escrita de professores. Introdução Se há certeza de que não é a categoria proissional do professor a responsável pela atual situação da educação brasileira – cujas qualiicações não precisam ser citadas –, é certo também que as instituições de ensino superior precisam assumir sua responsabilidade no processo formativo proissional, pois a “formação” é um elemento importante a ser considerado. Nesse sentido, além de romper a tradicional dicotomia entre teoria e prática e valorizar a formação pedagógica, dando a ela o mesmo status das disciplinas consideradas como especíicas do curso, é necessário que se criem alternativas que abarquem outras dimensões da formação. É nessa perspectiva que algumas instituições de ensino superior têm utilizado textos autobiográicos como um instrumento importante de formação * Universidade Federal de Minas Gerais. SCRIPTA, Belo Horizonte, v. 15, n. 28, p. 267-284, 1º sem. 2011 267 Adriane Teresinha Sartori proissional. Diários, narrativas pedagógicas, memoriais de formação, entre outros, são exemplos desses gêneros que entram na esfera acadêmica, nestes últimos anos, com ins formativos. Visando contrapor-se à perspectiva de formação técnica em voga a partir de anos 70 e iliando-se a correntes que preconizam a formação de um professor relexivo, esses gêneros entram no sistema de atividades acadêmicas (BAZERMAN, 2005) e disputam lugar entre textos já consagrados e legitimados nessa esfera: relatórios e monograias, especialmente. Este artigo, síntese de relexões desenvolvidas em tese de doutorado em Linguística Aplicada defendida em 2008, na Unicamp, volta-se para um desses gêneros autobiográicos, o memorial de formação, a partir do olhar da Linguística Aplicada, tendo por suporte de análise a teoria delineada pelo Círculo de Bakhtin, pretendendo apontar qual o potencial de sua utilização na formação de docentes da educação básica. Para a realização da pesquisa, foram selecionados aleatoriamente do site do Programa Especial para Formação de Professores em Exercício na Rede de Educação Infantil e Primeiras Séries do Ensino Fundamental da Rede Municipal dos Municípios da Região Metropolitana de Campinas (Proesf), coordenado pela Faculdade de Educação da Unicamp em parceria com prefeituras da região de Campinas, quarenta memoriais de formação, vinte produzidos em 2005 e vinte, em 2006, em relação aos quais se procedeu a investigação quanto à forma composicional, ao tema e ao estilo, conforme perspectiva bakhtiniana de gênero. Do Círculo advém também a orientação procedimental da pesquisa. Conforme Bakhtin/Volochinov (1929/1986), a ordem para o estudo da língua deve ser da esfera de produção do discurso ao gênero propriamente dito e, inalmente, às formas dos atos de fala. Não se trata de uma ordem ixa, mas de um princípio orientador, para que a linguagem não seja estudada fora de seu contexto de produção, pois “[...] a língua como sistema estável de formas normativamente idênticas é apenas uma abstração cientíica que só pode servir a certos ins teóricos e práticos particulares. Essa abstração não dá conta de maneira adequada da realidade concreta da língua” (p. 123). Assim, optamos por aliar essa orientação bakhtiniana a abordagens de base qualitativo-interpretativistas, indispensáveis aos estudos de Linguística Aplicada. A análise que ora apresentamos, após breve deinição do gênero “memorial de formação”, concentra-se na investigação da forma composicional, do estilo e dos temas dos textos – as três dimensões de um gênero discursivo, segundo Bakhtin (1952-53/2003) –, tendo em vista a sistematização didática que buscamos privilegiar, embora tenhamos clareza da indissociabilidade das três dimensões, 268 SCRIPTA, Belo Horizonte, v. 15, n. 28, p. 267-284, 1º sem. 2011 O memorial de formação e a graduação de (futuros) professores preconizada pelo autor. Ao inal, após tentativa de resposta à questão norteadora – qual o potencial do gênero em estudo na formação de professores? –, buscamos reiterar alguns cuidados que podem ser observados pelos formadores, ao solicitar a produção do texto e durante o encaminhamento do trabalho, visando tornar a utilização desse gênero em processos formativos ainda mais profícua. O memorial de formação na esfera acadêmica O memorial de formação parece ter origem no diálogo que se estabelece entre memoriais acadêmicos (PASSEGGI, 2008) e os tradicionais TCC (Trabalhos de Conclusão de Curso). Os primeiros são exigidos em processos seletivos de ingresso ou ascensão na carreira do magistério superior, cuja “escrita de si” privilegia vivências signiicativas articuladas à proissão, e os segundos, solicitados normalmente em inal de graduação de cursos de bacharelado, primam por apresentar pesquisa sobre um tema de interesse do autor. Os memoriais de formação, no nosso país, constituem-se na conluência da escrita autobiográica, produzida como trabalho acadêmico entregue ao inal de um curso de licenciatura, especialmente Pedagogia. Em um dos primeiros trabalhos acadêmicos a discorrer especiicamente sobre o memorial de formação, Carrilho et al. (1997) airmam que é um texto no qual o autor “descreve a sua trajetória estudantil e proissional de forma crítica e relexiva” (p. 4). Essa deinição carrega a ideia de que o relato deve pautar-se por relexões sobre duas áreas determinadas: a formativa e a proissional. Nessa perspectiva, esse gênero parece ganhar relevância quando produzido por estudantes já professores, caso dos memoriais de formação que analisamos neste trabalho. Prado e Soligo (2005, p. 59-60) assim se posicionam em relação a essa questão: Quando os autores são proissionais já em exercício, a questão principal é tratar, articuladamente, da formação e da prática proissional porque, nesse caso, quem está escrevendo o texto é um sujeito que ao mesmo tempo trabalha e está em processo de formação. Isso possibilita a emergência de um conjunto de conhecimentos advindo da ação, de um conjunto de conhecimentos advindos da formação e a inter-relação de ambos. Qualquer que seja o formato (mais livre ou mais circunscrito), o essencial é relatar o que, do trabalho de formação, interferiu de alguma maneira na atuação proissional e o que, da experiência proissional, colocou elementos ou interferiu no trabalho de formação. Assim, trata-se de um texto relexivo de crítica e autocrítica. SCRIPTA, Belo Horizonte, v. 15, n. 28, p. 267-284, 1º sem. 2011 269 Adriane Teresinha Sartori No entanto, nem sempre a produção desse gênero tem envolvido alunos-professores. Em algumas situações, discentes de graduação, cursando estágio docente, momento em que há a experiência de prática proissional, têm sido convidados a escrevê-lo, permitindo que a essência do memorial seja mantida, qual seja, o estabelecimento de relações entre formação e proissão. Resumindo, então, o memorial de formação é “uma forma de registro de vivências, experiências, memórias e relexões” (PRADO; SOLIGO, 2005, p. 61), em cujo texto o autor deverá demonstrar a habilidade de articular as experiências de sua prática pedagógica (proissionais ou referentes ao período do estágio curricular) às suas experiências de formação, destacando, é claro, os momentos signiicativos da graduação em curso. Como dissemos, ao inserir-se na esfera acadêmica, o memorial de formação concorre com outros gêneros já legitimados nesse campo de circulação e produção de conhecimento, embora carregue uma concepção particular: A escrita do memorial democratiza as narrativas de fatos memoráveis, substituindo o personagem ilustre, o notável, pelo narrador-autor que se coloca em cena como herói de sua própria história, inserindo sua vida intelectual no conjunto da vida cientíica da academia. Finalmente, a escrita do memorial populariza a autoria pela inscrição de autores não consagrados no discurso acadêmico canônico. (PASSEGGI, 2008, p. 37) Esse é o princípio que sustenta (ou deve sustentar) a utilização de autobiograias em instituições de ensino superior. Ao nos reportarmos à universidade, é também importante frisar que essa esfera é marcada por relações assimétricas entre os participantes, já que estes possuem direitos e deveres diferentes. Esse fato não é questão menor na análise dos textos selecionados no site do Proesf, visto existirem diferenças significativas entre os textos de 2005 e os de 2006, justificadas pela publicação, por parte da coordenação do Programa, de um documento intitulado Normas para Apresentação dos Memoriais de Formação. Normas elaboradas por professores determinam os textos-resposta dos alunos; afinal, como afirma Bakhtin (1930/1981), o laço social e hierárquico existente entre o locutor e o interlocutor determina o enunciado. A publicação das Normas altera os textos produzidos, conforme poderemos perceber através da análise apresentada a partir de agora. 270 SCRIPTA, Belo Horizonte, v. 15, n. 28, p. 267-284, 1º sem. 2011 O memorial de formação e a graduação de (futuros) professores A forma composicional dos memoriais de formação Bakhtin (1924/1988, p. 25) diferencia as formas arquitetônicas e as formas composicionais de um gênero. As primeiras são as formas dos valores morais e físicos do homem estético, as formas da natureza enquanto seu ambiente, as formas do acontecimento no seu aspecto de vida particular, social, histórica etc. [...] são as formas da existência estética na sua singularidade.” As segundas têm um caráter teleológico, utilitário, como que inquieto [...] A forma arquitetônica determina a escolha da forma composicional: assim, a forma da tragédia (forma do acontecimento, em parte, do personagem – o caráter trágico) escolhe a forma composicional adequada – a dramática. A forma composicional vincula-se às formas da língua e às estruturas textuais, enquanto a forma arquitetônica, conforme Sobral (2009), vincula-se ao projeto enunciativo do autor. Esse “projeto de dizer” pode realizar-se composicionalmente de várias maneiras, de acordo, inclusive, com a relação que o locutor estabelece com o interlocutor. Bakhtin (1924/1988) airma que as formas arquitetônicas não podem ser realizadas independentemente das formas composicionais; as primeiras acabam dissolvidas nas composicionais, sendo, portanto, impossível uma diferenciação entre elas. Narrativa é a forma composicional predominante nos memoriais de formação, embora algumas professoras-alunas – os quarenta textos selecionados foram escritos por mulheres – no(s) primeiro(s) capítulo(s) resenhem autores sobre determinado tópico para, somente em capítulos subsequentes, relatarem experiências de vida. Em outros memoriais, acontece o inverso: os primeiros capítulos estão estruturados a partir de relatos do percurso de vida e, nos últimos, há descrição de teóricos signiicativos estudados no Proesf. Uma autora opta por organizar seu texto conforme a sequência das disciplinas no curso do Proesf e suas experiências pessoais estarão nas páginas inais de seu memorial. É possível observar que diferentes unidades de composição, embora todas sejam predominantemente narrativas, são mais frequentes em 2005, pois a não existência de Normas permite uma maior “liberdade” na tomada de decisões. Assim, a constituição dos memoriais de 2005, mais do que os textos de 2006, é bem variada. Para “se dizerem”, as alunas-professoras lançam mão de todo o cabedal de conhecimentos que têm a respeito de gêneros de prestígio na academia. O memorial de formação adquire, então, uma coniguração a mais próxima SCRIPTA, Belo Horizonte, v. 15, n. 28, p. 267-284, 1º sem. 2011 271 Adriane Teresinha Sartori possível de outros textos que também circulam e estão legitimados nessa esfera, pois a autora agencia vários conhecimentos adquiridos durante a vida acadêmica e aproxima-se do que considera que seja adequado para circular nesse contexto. Elaborar resumos, palavras-chave, justiicativas e objetivos para participar do texto revela uma atitude autoral de aproximação a discursos de prestígio nessa esfera e, portanto, a procura de um lugar de inclusão para o próprio dizer. Parece compreensível, portanto, que os primeiros textos, em maior número do que os entregues no ano posterior, apresentem uma constituição “mista”, variações e releituras de gêneros até então conhecidos. No entanto, há uma particularidade nos memoriais de formação de 2005 que também os distingue dos produzidos em 2006, por apresentarem um movimento discursivo totalmente oposto ao anterior. Nos memoriais de formação de 2005, algumas vezes a autora não busca nos gêneros da esfera acadêmica, no discurso de prestígio, uma forma de (se) dizer. Ao contrário, traz, de suas lembranças, uma variedade de textos (a letra de música, o extrato literário, o pensamento de autoajuda, a cantiga de roda, a quadrinha popular) e a apresenta na composição de seu memorial de formação. A origem desses dizeres, portanto, não está na voz da academia, mas nos momentos signiicativos de sua vida pessoal. Assim, uma composição heterogênea marca a mancha gráica dos memoriais de formação de 2005. Em 2006, o desenho da página é mais homogêneo e “formal”. Como resultado da “obediência” às normas, não há mais resumo no início dos memoriais, nem palavras-chave. Ainda há poemas e letras de canções, mas, se comparados os dois grupos, quantitativamente há pouca intercalação nos últimos. Nessa airmação, reportamo-nos ao conceito bakhtiniano de “intercalação”. Segundo o autor, uma das formas mais substanciais de organização do plurilinguismo no romance são os gêneros intercalados, ou seja, aqueles que, ao serem introduzidos, conservam habitualmente a “sua elasticidade estrutural, a sua autonomia e a sua originalidade linguística e estilística.” (BAKHTIN, 1934-35/1988, p. 124). Os memoriais de formação de 2006 têm pouca intercalação e nenhum discurso não legitimado, já que os chamados discursos de cultura popular não são mais ouvidos. Até mesmo ruínas de gêneros (CORRÊA, 2006) da esfera acadêmica iguram em menor número nesse último grupo. O esilo em memoriais de formação A questão do estilo – “seleção dos recursos lexicais, fraseológicos e gramaticais da língua” (BAKHTIN, 1952-53/2003) – é muito importante para o 272 SCRIPTA, Belo Horizonte, v. 15, n. 28, p. 267-284, 1º sem. 2011 O memorial de formação e a graduação de (futuros) professores Círculo. Em praticamente todos os textos de autoria desse grupo, há referência a ela. O Círculo critica os estudos tradicionais sobre a questão, visto que eles deinem estilo apenas do ponto de vista da relação expressiva do falante com o conteúdo de seu enunciado e, segundo os estudiosos, não é possível estudar “as harmônicas individuais e orientadoras do estilo, ignorando-se o seu tom social básico” (193435/1998, p. 71). Dessa forma, “a estilística ocupa-se não com a palavra viva, mas com o seu corte histológico, com a palavra linguística e abstrata a serviço da mestria do artista” (1934-35/1998, p. 71). Para os autores russos, o outro grande equívoco da estilística tradicional é isolar estilo e gênero. Impossível, portanto, conceber tal separação. Ao olhar para a tessitura de um enunciado, para o “como” o autor diz o que diz, sobressaem-se algumas marcas que lhe são peculiares e que dependem fundamentalmente do próprio gênero em produção: “selecionamos as palavras segundo a sua especiicação de gênero” (BAKHTIN, 1952-53/2003, p. 293). Por tratar-se de gênero autobiográico, uma marca estilística do memorial de formação é a utilização da primeira pessoa do singular. A observação da utilização do pronome “eu” nos textos produzidos revela que há uma clara mudança de autorreferenciação ao longo da narrativa: nas primeiras seções, quando a professora-aluna relata suas experiências na infância e adolescência, ou seja, nos momentos mais pessoais, utiliza o “eu”; nas seções em que o discurso mais objetivo-conceitual é utilizado, na tentativa de articulação de experiências de vida com a sua formação, aparece o “nós” inclusivo e também a “terceira pessoa” (um suposto “ele”), apresentada através da utilização das expressões “o professor”, “o educador”. Como nos memoriais de formação de 2005 os capítulos têm mais relação com a trajetória vital, visto que as professoras-alunas falam menos do curso do que nos memoriais de 2006, o “eu” é mais utilizado, o pronome de primeira pessoa salienta-se mais no texto. Relação inversa aparece nos segundos, de 2006, ou seja, a presença do “nós” e do “ele” é mais intensa em relação aos textos anteriores, embora o “eu” continue conduzindo a escrita explicitamente. Ao utilizar “o professor”, “o educador”, o uso do verbo “dever” é muito frequente, ou seja, a modalidade deôntica acompanha essa escolha lexical. “Deve” indica alto grau de imperatividade e, neste caso, o “dever” deve ser cumprido pelo professor. Se deve ser cumprido, é porque não o é no presente, o que nos faz pensar que, ao apontar para o “outro” o que esse “outro” deve fazer, a professora-aluna revela que ainda não participa de suas práticas, embora reconheça que devesse SCRIPTA, Belo Horizonte, v. 15, n. 28, p. 267-284, 1º sem. 2011 273 Adriane Teresinha Sartori participar. Assim, por exemplo, ao prescrever que “o professor deve alfabetizar letrando”, a autora investe-se de autoridade, cria um efeito de quem sabe do que fala e, em um discurso autoritário, imputa “novas” ações a seu destinatário (ao outro, seu colega), (re)produzindo o que alguns dos textos da academia dizem a ela, já que é uma estratégia discursiva percebida em algumas obras que são a ela direcionadas. Em igualdade de condições, ela agora prescreve ações a seus colegas. É importante perceber que a alternância de “eu” para “nós” ou “ele” (o professor) não é uma questão linguística simplesmente. A forma pela qual as professoras-alunas se dizem, inscrevem-se no seu falar, revela como se situam frente ao próprio dizer. Nesse sentido, há três movimentos básicos criados pela maioria delas: o do “eu”, que se assume, que delega a si o direito autoral do texto – mesmo que crie um personagem em primeira pessoa (BAKHTIN, 1920-23/2003) –, o do “nós”, que partilha angústias e deveres com sua categoria estudantil e profissional, e o do “ele”, que se afasta do dizer, direcionando a outrem (embora esse outrem também seja participante da categoria profissional do “eu” que fala) responsabilidades e tarefas. Esses diferentes movimentos discursivos revelam diferentes posições discursivas ou enquadramentos autorais e dizem muito de como o próprio professor se vê na profissão. O “eu” assume seu dizer; o “nós”, fracionando o “eu”, dilui sua força com outros da mesma classe, embora o mantenha nela; e o “ele” (o professor) designa uma categoria tão abrangente que quase não implica o “eu”. Se essa forma de analisar a questão é plausível, a alternância de “eu” para “o professor” reveste-se de enorme importância, porque, então, há, no discursivo dessas autoras, um jogo dinâmico de falar de si/falar de outrem. E falando de outrem, sempre falam de si mesmas. O sujeito autoral sempre está presente, mais ou menos implicado, conforme a escolha de autorreferenciação que resolver adotar. Nesse sentido, também, sempre há escolha, porque sempre há um sujeito produzindo o tecido discursivo, e as estratégias utilizadas para dizer ou não dizer, mostrar/esconder, afirmar/ negar inegavelmente o revelam. Como apontamos anteriormente, é muito frequente a presença da expressão “o professor deve” no inal dos memoriais de formação (tanto nos de 2005 quanto nos de 2006), quando as professoras-alunas falam do curso e da sua prática pedagógica, embora esta última ocupe pouco espaço de seus textos, conforme veremos a seguir. 274 SCRIPTA, Belo Horizonte, v. 15, n. 28, p. 267-284, 1º sem. 2011 O memorial de formação e a graduação de (futuros) professores Os temas dos memoriais de formação A infância, a adolescência, o casamento, a vida proissional e a formação acadêmica são assuntos recorrentes nos memoriais de 2005 e de 2006, mas essa síntese de trajetória não revela a complexidade na qual a questão “tema” está envolta na perspectiva bakhtiniana. Para o autor, “cada signo constituído possui seu tema. Assim, cada manifestação verbal tem seu tema” (1929/1986, p. 45). Essa colocação do estudioso é encontrada no capítulo 7 de “Marxismo e Filosoia da Linguagem”, no qual, ao analisar a utilização de um único substantivo por seis pessoas diferentes no Diário de um Escritor, de Dostoievski, conclui que “cada uma das enunciações dos seis operários tinha um tema próprio” (p. 134), ou seja, “o tema da enunciação é, na verdade, assim como a própria enunciação, individual e não reiterável” (p. 128). Essa perspectiva de que cada indivíduo “acentua” as palavras que profere já está delineada no texto “Para uma ilosoia do ato responsável” (BAKHTIN, 1919-21/2010), no qual o autor defende que o mero fato de mencionar um objeto signiica expressar uma atitude valorativa sobre ele: [...] pelo simples fato de que eu comecei a falar dele [um objeto], já entrei em uma relação que não é indiferente, mas interessado-afetiva, e por isso a palavra não somente denota um objeto como de algum modo presente, mas expressa também com a sua entonação (uma palavra realmente pronunciada não pode evitar de ser entoada, a entonação é inerente ao fato mesmo de ser pronunciada) a minha atitude avaliativa em relação ao objeto [...]. (p. 85) Para Bakhtin, no interior de cada tema, há uma signiicação, ou seja, “elementos da enunciação que são reiteráveis e idênticos cada vez que são repetidos” (p. 129). Assim, segundo o autor: “a signiicação da enunciação: ‘Que horas são?’ é idêntica em todas as instâncias históricas em que é pronunciada [...] é um aparato técnico para a realização do tema.” (p. 129). A signiicação representa a estabilidade da palavra, garante a possibilidade de interação entre os diferentes falantes de uma língua. Essa posição bakhtiniana afasta a interpretação de tema como assunto ou conteúdo central de uma obra, já que essa atitude reduziria a temática a uma síntese que não considera o “tom” impresso pelo sujeito ao que é dito. Com base nessa consideração, analisamos os relatos dos memoriais de formação relacionados ao recorte “formação”/“proissão” e justiicamos essa delimitação da seguinte forma: se extraíssemos os diversos temas dos memoriais SCRIPTA, Belo Horizonte, v. 15, n. 28, p. 267-284, 1º sem. 2011 275 Adriane Teresinha Sartori de formação, seria o mesmo que transcrever os textos praticamente na íntegra, o que inviabilizaria a pesquisa. Resolvemos, então, realizar um recorte especíico: analisar apenas aqueles que se referem diretamente aos dois eixos sobre os quais o memorial se organiza. Nesse sentido, investigar o que dizem as professoras-alunas sobre sua própria formação signiica buscar compreender suas convicções e inquietações sobre a proissão, à medida que o próprio processo formativo estará sendo objeto de discurso por parte das autoras. Tendo como foco de atenção, então, os enunciados nos quais as autoras relatam aspectos da formação, constatamos que, tanto nos textos de 2005 quanto nos de 2006, elas se concentram prioritariamente nas experiências vividas no tempo escolar. Há detalhes minuciosos das experiências de sucesso ou fracasso na infância escolar, muitas vezes determinados (o sucesso e o fracasso) pela conduta de seus antigos professores. Uma análise um pouco mais vertical desses relatos pode nos ajudar a compreender por que motivo as autoras se debruçam sobre essa fase da vida. Se é no tempo de escola, como discente, que o professor aprende a “cultura escolar” (CHERVEL, 1990), porque a vivencia, é esse tempo também que será necessário para a agora professora-aluna ressigniicá-la, de forma a poder se contrapor àquilo que avalia como negativo a partir dos conhecimentos construídos na formação em graduação. Nesse sentido, o curso de ensino superior é tido por elas como o mais importante (o “verdadeiro”) formador. Em outras palavras, as experiências vividas na graduação são as propulsoras do movimento de olhar para o que foi vivido no tempo de escola, desencadeando um processo de ressigniicação das experiências vividas, afastando-se de procedimentos pedagógicos considerados tradicionais. Vejamos o que nos diz R. em seu memorial escrito em 2005: Recordo-me da Dª Judith que nos ensinava coordenação motora “... onda vai onda vem... onda miúda não mata ninguém...”, ou seja, um modelo de alfabetização tradicional. Em seu livro Alfabetização e Letramento Sérgio Leite (2001), enfoca que no modelo tradicional a escrita era entendida como um simples relexo da linguagem oral, ou seja, mera representação da fala. Nesta perspectiva, ler e escrever são atividades de codiicação e decodiicação, onde se resume o processo de alfabetização ao ensino do código escrito. [...] Tão diferente do modelo de alfabetização que encontramos, ou pelo menos desejamos encontrar hoje, o modelo de alfabetização emancipador, que pressupõe o uso social da escrita através das diversas formas pelas quais a sociedade efetivamente se utiliza dela. (p. 11) 276 SCRIPTA, Belo Horizonte, v. 15, n. 28, p. 267-284, 1º sem. 2011 O memorial de formação e a graduação de (futuros) professores Também C., em 2006, discorre sobre o modelo tradicional de alfabetização que vivenciou como aluna: Não freqüentei a educação infantil, ingressando diretamente no ensino primário, do qual recordo que, o tipo de educação que tive contato, era centralizado no modelo tradicional, onde havia a mecanização da escrita, a decoração e memorização de conteúdos, entre outros pontos, que hoje através da minha formação superior, realizada no curso do PROESF (Programa Especial de Formação de Professores em Exercício da Região Metropolitana de Campinas), releti e questionei muito sobre isso e muito mais. (p. 9) Mecanização da escrita, memorização de conteúdos, coordenação motora, fragmentação de palavras, uso de cartilha, descontextualização entre o escolar e o real, essas são expressões utilizadas pelas professoras-alunas para se referirem às práticas vivenciadas no tempo escolar quando aprenderam a ler e a escrever, características do modelo tradicional de ensino, segundo elas próprias. Ao rememorar essas experiências, as práticas vivenciadas aparecem imediatamente justapostas ao curso do Proesf, que possibilitou às autoras avaliá-las como pertencentes a um modelo não emancipador (utilizando ideia de R., 2005). O curso foi o responsável, então, por uma reavaliação dessas práticas, e a escolha lexical (“releti” e “questionei”) revela dois momentos: o de aluna, na infância, e o atual, de discente do Proesf. A contraposição estabelecida na superfície textual entre um passado (como se dissesse: “antes eu vivi isso”) e um presente (“hoje tenho consciência”) parece marcar o abandono de uma concepção em favor de outra, uma nova iliação teórico-prática. Os memoriais de formação estão repletos de enunciados que estabelecem essa contraposição entre o vivido e o hoje “sabido”. Nesse sentido, o curso de Magistério, ensino médio, também é caracterizado como tradicional, e a graduação é referenciada como a propulsora dessa forma de avaliar a formação anterior. Na busca por relatos sobre a formação proissional, esperávamos que houvesse um conjunto signiicativo de enunciados sobre a prática pedagógica, ainal, é exigência do próprio gênero que haja articulação entre experiências da formação e da proissão. No entanto, o que observamos, nos textos de 2005 e nos textos de 2006, é que há pouco sobre o fazer pedagógico, e os relatos que iguram nos memoriais icam restritos ao início da proissão. Dois exemplos serão transcritos. Inicialmente o de J. (2005, p. 25-26), que airma: Esse primeiro ano como professora foi muito difícil. A turma era terrível, a escola não tinha material para trabalhar, nem jogos, SCRIPTA, Belo Horizonte, v. 15, n. 28, p. 267-284, 1º sem. 2011 277 Adriane Teresinha Sartori bolas, nem canetinha e lápis de cor. [...] Comprei bastante material para poder trabalhar. E a cada dia que passava, eu ia me frustrando e desanimando do trabalho. O pior de tudo foi a falta de orientação. Eu era uma professora nova, sem experiência em sala de aula. A orientadora pedagógica não orientava, não ensinava, só cobrava trabalho e disciplina da turma. Eu não tinha com quem conversar e nem para quem pedir ajuda, pois as colegas de trabalho eram extremamente individualistas e competitivas, não havia lugar para a solidariedade, nem para a coletividade. Com essa falta de orientação e de coleguismo eu sofri muito. Não conseguia sequer dominar a minha turma, não tinha idéia de quais atividades eu poderia oferecer para a turma, sem que a orientadora fosse contra. Agora C. (2006, p. 31) nos revela como foram seus primeiros tempos de prática proissional: Minhas primeiras aulas foram um desastre. A insegurança batia forte e o coração saia fora. Minha aparência de boazinha e a voz tímida punha tudo a perder. Eu não conseguia manter a disciplina na sala. As crianças só não subiam nas cadeiras, mas queriam me ensinar como ensiná-las, falavam que eu devia brigar, contavam para a Coordenadora. Só sei que eu pensava em desistir [...]. O desabafo, a conidência sobre suas atuações, permite perceber o quanto foram angustiantes as primeiras experiências em sala de aula para essas alunasprofessoras. As escolhas lexicais revelam o panorama negativo dos primeiros momentos: “muito difícil”, “desastre”. A quantidade de “nãos” nos enunciados é também uma marca das diiculdades do momento: “não tinha material”; “não tinha com quem conversar”; “não tinha ideia”; “não conseguia sequer dominar a minha turma”; “não conseguia manter a disciplina na sala”. Ao lado da falta de material e preparo, é recorrente a referência à disciplina da sala de aula, ou seja, à diiculdade de criar um clima harmonioso de trabalho. Ao descrever esse momento, as autoras airmam a necessidade de: “manter a disciplina”; “dominar a turma”; “dar um jeito na turma”. Mas como fazer isso em um momento de insegurança? A não orientação (as professoras-alunas falam em falta de orientação, mais uma expressão com sentido negativo) de diretores, coordenadores pedagógicos e dos próprios colegas contribui para a manifestação do desejo de desistência. Nem mesmo colegas de proissão, muitos deles na mesma situação que as autoras, foram solidários nesse 278 SCRIPTA, Belo Horizonte, v. 15, n. 28, p. 267-284, 1º sem. 2011 O memorial de formação e a graduação de (futuros) professores momento de diiculdade; ao contrário, foram extremamente individualistas e competitivos. Os primeiros momentos da prática proissional são registrados pelas autoras em alguns memoriais de formação, mas há escassos relatos sobre o que fazem em sala de aula no tempo presente, quando vivem a graduação em curso. Ou seja, registram consideravelmente o tempo de infância, de adolescência, algumas primeiras experiências proissionais e, nos poucos discursos sobre o presente, quando discorrem sobre o que fazem no espaço de sua sala de aula, utilizam exemplos de experiências já consagradas ou lançam mão de relatos vagos, sem explicações ou detalhes. Observemos, por exemplo, o que diz P. (2005, p. 45): Nesse semestre as disciplinas dadas foram muito relevantes e aprendi muito com as novas leituras e os novos conceitos adquiridos. Li mais sobre Piaget, Vygostky e outros autores que falavam sobre afetividade, inteligência e principalmente os problemas trazidos pelos nossos alunos para a sala de aula, que antes eu não entendia. E o tempo? Esse tempo que nós vivemos por intermédio dele e nem mesmo conseguimos lidar com isso. O tempo permeia o nosso vocabulário, nossas idéias, nosso dia-a-dia e a maneira como encaramos nossa existência e a natureza como a conhecemos e a interpretamos. P. discorre sobre Piaget e Vygotsky no primeiro parágrafo e muda radicalmente de tópico no segundo. Essa estratégia permite que seu interlocutor se pergunte sobre os problemas dos alunos que a autora passou a compreender depois da leitura dos autores estudados. Não há resposta no memorial de formação para essa questão, já que não há aprofundamento. A professora-aluna registra que foi importante aprender sobre afetividade e inteligência, mas não registra os problemas enfrentados na situação com seus alunos. Constatamos, então, que as professoras-alunas dos memoriais de 2005 e de 2006 praticamente não escrevem sobre experiências de sucesso ou fracasso da vida proissional. Esse fato pode ser explicado pelo discurso recorrente da mídia e da sociedade em geral de que o professor é responsável pela situação de má qualidade do ensino. Essa fala o retrai. Por que falar de uma prática que não é “boa”? Por que expor seu dia a dia se é voz corrente que ele não sabe ensinar? Como airma Andrade (2003, p. 1301): É preciso lembrar que, ao dar voz aos professores em nossas pesquisas, constatamos que estes estão sem voz, envergonhados em se dizer. Não arriscam dizer o que parece ser considerado que não deve ser dito, já que tanto se tem falado da escola e de suas SCRIPTA, Belo Horizonte, v. 15, n. 28, p. 267-284, 1º sem. 2011 279 Adriane Teresinha Sartori diiculdades. O que ica para os professores é que, para dizerem algo sobre a escola, apenas dizeres teóricos são legitimamente enunciáveis. Escrever sobre a própria prática exige expor-se, mostrar-se ao outro. Falar sobre a prática pedagógica é também falar de si mesmo. Narrar o que acontece é mostrar ao outro as próprias convicções, os acertos, os erros. Não é tarefa fácil escrever sobre a prática pedagógica porque, ao fazer isso, as contradições entre o que se pensa e o que se faz podem deixar à mostra o sujeito-autor. E o outro a quem se escreve, no caso das professoras-alunas que produzem um memorial de formação para um docente de uma instituição de ensino superior, é alguém que pode julgar/avaliar o que é dito e o que é feito. Dessa forma, o processo de ressigniicação de experiências, propiciado pelo Proesf, parece restrito ao passado, parece não atingir o presente ou aquilo que se faz em sala de aula ou na escola. Nesse sentido, o memorial de formação parece contribuir para uma reavaliação do que se viveu, não do que se vive. Memorial e formação proissional O memorial de formação tem relevância na formação de professores por propiciar ao sujeito a oportunidade de fundar novos sentidos para experiências pessoais/ proissionais. Lembramos das palavras de Nóvoa (2001, p. 4): “experiência, por si só, pode ser mera repetição, uma mera rotina, não é ela que é formadora. Formadora é a relexão sobre essa experiência, ou a pesquisa sobre essa experiência”. Se relexão é fundamental para a experiência, o processo de escrita do memorial de formação é uma oportunidade ímpar de o sujeito reletir sobre o vivido. Todavia, o memorial de formação parece ser mais do que isso, já que, como sentencia Bakhtin: “a narração sobre a minha vida pode ser forma de conscientização, visão e enunciação da minha própria vida” (BAKHTIN, 1920-23/2003, p. 139). O memorial de formação, então, é um modo de relexão sobre a experiência e também de conscientização da experiência. Conscientização envolve “um novo sentido (a última palavra da consciência)” (BAKHTIN, 1920-23/2003, p. 111). O movimento de revogação do passado envolve uma reavaliação do vivido. A “visão” de que nos fala Bakhtin e as próprias professoras-alunas quando dizem que o Proesf propiciou-lhes um “novo olhar” é materialização linguística do processo de dar novo/outro tom para a experiência. Assim, o memorial de formação é um importante instrumento na formação de professores, porque mais do que o registro de um processo relexivo é o registro de reavaliações de um percurso experienciado. 280 SCRIPTA, Belo Horizonte, v. 15, n. 28, p. 267-284, 1º sem. 2011 O memorial de formação e a graduação de (futuros) professores Não será (e não pode ser) o gênero discurso “salvador” do processo formativo proissional; ainal, ele se insere em um sistema de atividades/gêneros da esfera acadêmica, mas pode ser um importante instrumento para docentes universitários interessados em construir alternativas no árduo processo de formar (bons) professores. Algumas palavras aos formadores Se a análise aqui relatada parece nos indicar que o memorial de formação é instrumento importante nos cursos de graduação, a utilização desse gênero discursivo nas práticas de letramento acadêmico parece exigir alguns cuidados por parte dos formadores. Conforme nossa análise, como consequência de alterações de alguns aspectos da situação enunciativa oferecida às alunas-professoras para que escrevessem seus textos, produziram-se diferenças signiicativas nos memoriais de 2005 e de 2006. Isso signiica que as condições de produção do texto são determinantes do resultado obtido, tanto no que se refere à forma composicional, quanto aos temas e ao estilo. Portanto, ao inserirem o memorial de formação no letramento acadêmico, as instituições de ensino superior devem ter clareza da inalidade da proposta, evitando que esse gênero seja apenas mais um instrumento avaliativo do discente. Nesse sentido, simplesmente substituir os trabalhos de conclusão de curso pelo memorial de formação não parece trazer grandes benefícios aos envolvidos, porque, entre outros motivos, isso acaba por obrigar o aluno a escrever suas memórias, tarefa complexa e nem sempre agradável. O objetivo precípuo da exigência de memoriais de formação na universidade deve ser o de potencializar a reavaliação de experiências. Nessa perspectiva, estimular os autores a relatarem o que fazem (não só o que viveram) parece ser fundamental, para que as contradições entre objetivos e formas de experienciá-los para atingi-los possam ser analisadas, ressigniicadas e, assim, paulatinamente, novas práticas possam ir sendo construídas. Essa perspectiva de trabalho se enriquece, se pensarmos na vantagem da reescrita de um texto após discussões coletivas de experiências vivenciadas. Se a escrita do memorial possibilitasse revisões e reescritas sempre que algo do curso fosse ressigniicando a prática pedagógica (do tempo escolar e/ou do ser professor), teríamos o processo mais valorizado do que o produto inal, e isso poderia criar demandas importantes para o próprio curso, não apenas para os discentes. SCRIPTA, Belo Horizonte, v. 15, n. 28, p. 267-284, 1º sem. 2011 281 Adriane Teresinha Sartori Educaional development memorials in undergraduate courses of (future) teachers Abstract Worried about inding productive alternatives in teacher development for Portuguese language, we decided to investigate the potential of discourse memorial genre in the development of this process. In the research, we used forty development memorials produced at Proesf, a program of the Education Faculty at Unicamp, as the object of the investigation, to analyze them in their constitution of themes, compositional form and style, taking a Bakhtinian theory as the foundation of the study, seen from the perspective of Applied Linguistics and anchored in a qualitative methodological approach. The results seem to indicate that this genre helps the teacher development process in a signiicant way, especially in the resigniicance of the experiences that it provides. Keywords: Development memorial. Teacher development. Teacher writing. Le mémoire de formaion et la graduaion de (futurs) enseignants Résumé Préoccupés dans la recherche d’alternatives productives pour la formation de professeurs de langue portugaise, nous avons décidé de sonder le potenciel du genre discoursif “mémoire de formation” au cours de cette procedure. Pour réaliser cette recherche, nous avons pris comme objet d’étude quarante mémoires de formation produits dans le Proesf, programme de la Faculté d’Éducation de l’Unicamp, pour analyser leur constitution thématique, leur forme compositionnelle et leur style, ayant la théorie bakhtinienne comme base d’étude, vue sous la perspective de la Linguistique Appliquée et ancrée en approche méthodologique qualitative. Les resultats semblent indiquer que ce genre facilite le procès de formation de professeurs de manière signiicative, spécialement pour la resigniication d’expériences qu’il rend possible. Mots-clés: Mémoire de formation. Formation d’enseignants. Écrit de professeurs. 282 SCRIPTA, Belo Horizonte, v. 15, n. 28, p. 267-284, 1º sem. 2011 O memorial de formação e a graduação de (futuros) professores Referências: ANDRADE, Ludmila Thomé de. A escrita dos professores: textos em formação, professores em formação, formação em formação. Educação e Sociedade, Campinas, v. 24, n. 85, p. 1297-1315, dez. 2003. BAKHTIN, Mikhail. Para uma ilosoia do ato responsável. Tradução de Valdemir Miotello e Carlos Alberto Faraco. São Carlos, SP: Pedro e João Editores, 1919-21/2010. BAKHTIN, Mikhail. O autor e a personagem na atividade estética. In: BAKHTIN, Mikhail. Estética da criação verbal. Tradução de Paulo Bezerra. São Paulo: Martins Fontes, 1920-23/2003. BAKHTIN, Mikhail. O problema do conteúdo, do material e da forma na criação literária. In: BAKHTIN, Mikhail. Questões de literatura e de estética: a teoria do romance. 4. ed. Tradução de Bernardini et al. São Paulo: Ed. UNESP, 1924/1988. BAKHTIN, Mikhail. Marxismo e ilosoia da linguagem. 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As análises desenvolvidas partem de um conjunto de dados coletados a partir de textos (memoriais, comentários críticos, diários de leitura, relatos de experiência) produzidos por alunos de um programa de pós-graduação em Estudos de Linguagens, no decurso da disciplina ‘Análise do Discurso e Ensino’. De natureza interpretativa e qualitativa, a investigação ratiica o papel determinante que têm os discursos na signiicação das ações coletivas e individuais, constitutivas do processo intrincado e conlituoso de construção de identidade(s) do proissional do ensino, no contexto brasileiro. Palavras-chave: Semântica da ação. Discurso. Representações sociais. Ensino. Ao delinear um projeto curricular para uma linha de mestrado em um programa de pós-graduação em Estudos de Linguagens e Mediações Tecnológicas, muitos desaios se apresentaram para que se chegasse à proposição de uma disciplina voltada para a compreensão de práticas de linguagem do âmbito proissional, especialmente da área educacional. Visando contribuir para a realização de estudos e pesquisas na área de Letras com ênfase na Análise do Discurso e Ensino de Línguas e Literatura, o Mestrado em Estudos de Linguagens almeja a formação acadêmica de pesquisadores em * Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais. ** Centro Federal de Educação Tecnológica de Minas Gerais. Trabalho apresentado no II Fórum Internacional de Análise do Discurso, na área temática Linguagens, discurso e ensino. SCRIPTA, Belo Horizonte, v. 15, n. 28, p. 285-302, 1º sem. 2011 285 Maria Angela Paulino Teixeira Lopes e Ana Maria Nápoles Villela áreas de aplicação e desenvolvimento de metodologias ligadas à produção e edição de textos em diversos suportes, à formação de críticos literários, de assessores culturais, de revisores de textos. Nesse escopo, têm-se como área de concentração os processos discursivos e suas tecnologias. Trata-se de um campo de investigação amplo, o que demanda um conjunto de pesquisas inter-relacionadas e abordadas a partir de diversos estudos interdisciplinares, envolvendo as áreas da Ciência da Informação, Linguística, Filosoia da Linguagem, Cognição, Educação, Estudos Literários e Semiologia. Assim, o público-alvo do curso de Mestrado em Estudos de Linguagens envolve egressos de vários cursos de graduação (Letras, Comunicação, História, Pedagogia, Ciências da Informação, entre outros) com interesse nas possibilidades de interface entre as diversas linguagens e a tecnologia contemporânea (CEFET, 2010). Preliminarmente, vale ressaltar a importância da articulação dos saberes quando se trata de um empreendimento voltado para a compreensão dos fenômenos ligados ao homem. Por essa razão, consideramos de grande relevância pôr em interface as contribuições de campos do conhecimento que mobilizam ações relexivas essenciais à análise dos discursos, na sociedade. A leitura dos pré-projetos apresentados pelos alunos selecionados ao programa do mestrado, pelas estratégias discursivas e pelos modos de dizer dos sujeitos, conirmava a necessidade de pensarmos a oferta de uma disciplina que se pautasse por uma análise dos discursos situada na interseção de contribuições dos estudos da semântica da ação (HABERMAS, 2002; BRONCKART, 2006, 2008), das teorias que tratam das representações sociais (ABRIC, 1994; JODELET, 1989; MOSCOVICI, 2003; PY, 2000, 2004; WAGNER, 2000) e dos estudos sobre os processos de constituição do ethos (AMOSSY, 2005, 2006). Para atender às expectativas dos alunos, e em consonância com os objetivos do programa, foi proposta uma ementa cujas questões teóricas estivessem relacionadas à linguagem como atividade e ao discurso como prática social. Nesse sentido, as práticas de análise de gêneros textuais de domínios diversos (administrativo, jornalístico, publicitário, político, didático, iccional, etc.), sobretudo os do campo proissional, deveriam privilegiar as estratégias enunciativas, os mecanismos de textualização e os processos de referenciação. No entanto, tal exame não se concretiza sem a consideração de abordagens que permitam alcançar os processos de constituição dos sentidos do ponto de vista das ações signiicativas dos enunciadores (alunos-autores e alunos-leitores) e as representações sociais que estão na base desses processos. Nesses termos, pretendia-se que os alunos desenvolvessem relexões acerca dos processos discursivos a serem analisados, em função das demandas institucionais, 286 SCRIPTA, Belo Horizonte, v. 15, n. 28, p. 285-302, 1º sem. 2011 Signiicando a prática docente – uma análise de discursos, ações e representações sociais e pessoais, como também das motivações, intenções e inalidades dos interlocutores, em contextos situados, tendo em vista as representações que delineiam o ethos do aluno-proissional em questão, isso é, pelos valores e crenças que estão na base dos processos de constituição das identidades desses sujeitos. Neste trabalho, em uma perspectiva sociointeracionista de constituição de discursos, apresentamos um recorte das ações discursivas desenvolvidas no percurso da disciplina “Análise do Discurso e Ensino”,1 objetivando empreender um exame que leva em conta relações intertextuais, interdiscursivas e intergenéricas. Passagens e excertos de textos produzidos pelos alunos (memoriais, comentários críticos, artigos acadêmicos, relatos de experiência, projetos de pesquisa) ilustrarão os movimentos analíticos resultantes dessa proposta. Percursos e trajetórias do fenômeno linguísico – por uma agenda de trabalho Diante da heterogeneidade das práticas sociais e proissionais dos alunos ingressantes no mestrado, sentimos a necessidade de fazer uma revisão histórica dos estudos que deram origem às várias possibilidades de integração da linguística, proporcionada pela análise do discurso (AD), com outros campos do saber que se ocupam da compreensão dos fatos e das práticas de linguagem que envolvem, principalmente, atividades de leitura. O que nos movia, de fato, era a possibilidade de interlocução com outras vozes – com a linguística do texto, com as análises discursivas de base social e interacionista – para a capacitação de um proissional leitor. Para abordarmos a evolução dos estudos linguísticos, orientamo-nos, principalmente, pela sintética radiograia feita por Marcuschi (2008, p. 26-46), no capítulo “Breve Excurso sobre a Linguística do século XX”, em que o autor busca “introduzir o núcleo epistemológico que conduziu a linguística até este momento, em particular no século XX”. Assim sendo, tratamos da construção do objeto dos estudos linguísticos no século XX; das dicotomias fundacionais – langue e parole, competência e desempenho –; do surgimento das perspectivas funcionalistas; da derrocada do behaviorismo e do surgimento dos cognitivismos e, por último, das novas tendências, a partir dos anos 1950-1960, responsáveis por observar a linguagem em seus usos efetivos. Nesse panorama, foi possível reletir sobre o deslocamento do ponto de vista do sistema para a atividade comunicativa, em que o sentido torna-se algo situado, negociado, produzido, fruto de efeitos enunciativos. 1 - Disciplina ministrada no segundo semestre de 2009. SCRIPTA, Belo Horizonte, v. 15, n. 28, p. 285-302, 1º sem. 2011 287 Maria Angela Paulino Teixeira Lopes e Ana Maria Nápoles Villela Para ilustrar esse percurso dos estudos do campo da linguagem, cotejamos a exposição de Marcuschi (2008) com posicionamentos encontrados nos memoriais dos alunos, solicitados na primeira semana do curso. Vejamos a passagem a seguir, que relete trajetória semelhante vivenciada por uma aluna, formada em Letras: Apesar de ter lido, antes de ir para a prática, autores como Paulo Freire e Magda Soares, que ressaltavam a importância de propor um ensino de língua pautado em práticas discursivas de leitura e escrita, infelizmente, eu não fui capaz, naquele momento, de aproximar a teoria da prática. Dessa forma, durante o meu estágio adotei uma concepção de ensino e de língua como produto pronto e acabado, mesma concepção adotada pela professora regente. Minha didática estava voltada para concepção de língua como estrutura, pois propunha atividades descontextualizadas de Gramática normativa, trabalhava pouco com a leitura, veriicando apenas a leitura em voz alta. Raramente apresentava propostas de produção textual com as condições de produção: o que escrever (gênero), para quem (interlocutor), para que (objetivo), e a esfera de circulação. A escrita era pautada em tipos textuais (narração, descrição) e não em gêneros do discurso. (S – M)2 Observe-se que a autora do memorial põe em cena uma situação bastante recorrente em outros relatos: a impossibilidade de signiicar a prática a partir das leituras feitas na instância de formação. As práticas tradicionais eram fortemente hegemônicas para abrir espaço a uma transformação da ação docente da aluna-estagiária. Essa constatação ratiica a ideia de que os avanços promovidos pelos estudos do discurso, tendo em vista sua visão mais ampla, suas condições enunciativas e também seu caráter eminentemente interdisciplinar (linguística de texto; análise do discurso; análise da conversação; psicolinguística; etnograia da comunicação; etnometodologia e as várias vertentes de análise do discurso), como aponta Marcuschi (2008), nem sempre são suicientes para fomentar a alteração das práticas dos sujeitos. O exemplo (2) pode ilustrar melhor a impossibilidade de o sujeito em formação agir diante das representações de trabalho com a língua e com a linguagem que permeavam sua prática e das concepções que começa a construir, mediante novas relações com os saberes: (2) A priori poderia dizer que nunca trabalhei de maneira direta com práticas discursivas. Mas, como mencionei anteriormente, percebo agora que todo o tempo estive envolvido em práticas 2 - Os textos estão identiicados com a letra inicial do nome do autor, seguida da letra inicial do gênero produzido na disciplina (M – Memorial; CC – Comentário Crítico; R – Relato de experiência; A – Artigo; PP – Projeto de Pesquisa). 288 SCRIPTA, Belo Horizonte, v. 15, n. 28, p. 285-302, 1º sem. 2011 Signiicando a prática docente – uma análise de discursos, ações e representações discursivas. O meu conceito anterior só percebia práticas discursivas dentro de uma sala de aula, com um professor de línguas. Entretanto, seja ao pensar intervenções interdisciplinares com adolescentes infratores cumprindo medidas sócio-educativas previstas pelo Estatuto da Criança e do Adolescente, seja planejando e conduzindo formações com a equipe docente de uma escola, a opção por um discurso, o exercício da linguagem sempre se fez presente. (G – M) O diálogo entre as linhas de estudo no campo da linguagem possibilitado pelas discussões na disciplina abria espaço para se lagrarem as concepções e representações trazidas pelos alunos. Note-se que, na passagem do exemplo (2), o conceito de práticas discursivas era balizado por uma doxa que restringia a visão das ações linguageiras ao espaço da sala de aula. De posse dos discursos produzidos pelo grupo, partimos para uma retomada das concepções de linguagem, de sujeito e de texto implicadas nos percursos realizados pelos estudos da língua e da linguagem. Nesses termos, foi possível traçar uma agenda de leituras que focalizasse os estudos linguísticos – do enunciado para a enunciação, em que o texto não poderia ser considerado fora das condições contextuais (e tudo o que o termo “contexto” abriga!) –, os processos discursivos em seus aspectos pragmáticos e cognitivos, incluindo as estratégias intertextuais responsáveis pela polifonia e pela interdiscursividade, e os aspectos interacionais e discursivos, considerando-se o contínuo dos gêneros textuais e o funcionamento desses nas trocas sociais. Após os encontros iniciais com o grupo, os primeiros comentários críticos produzidos pelos alunos evidenciavam os avanços em relação aos posicionamentos frente às ações discursivas, quer as de âmbito acadêmico, quer as que se referem ao cotidiano do fazer proissional. É possível observar uma preocupação com as condições de produção dos discursos na sociedade, isto é, com os “parâmetros de ação de linguagem” (BRONCKART, 1999). Em geral, as análises apresentadas passaram a considerar: (i) os aspectos ligados à situação da interação, como os níveis de formalidade e a funcionalidade dos textos; (ii) os fatores relacionados à constituição de contextos, ou seja, os elementos de ordem física (lugar/momento de produção, enunciador, enunciatário), social (valores e normas do mundo social) e sociossubjetiva (lugar/posição social do enunciador e/ou enunciatário); (iii) os procedimentos composicionais que implicam a escolha dos gêneros e tipos de discurso; (iv) os mecanismos de textualização e os mecanismos enunciativos. Nota-se também uma familiaridade com as questões que envolvem a ativação de índices de base intertextual, bem como com os procedimentos do sistema da SCRIPTA, Belo Horizonte, v. 15, n. 28, p. 285-302, 1º sem. 2011 289 Maria Angela Paulino Teixeira Lopes e Ana Maria Nápoles Villela língua, não obstante se perceba uma concepção formalista e tradicionalista do fenômeno linguístico, na maior parte das relexões.3 No tocante aos mecanismos enunciativos, ou seja, às estratégias que permitem pôr em cena posicionamentos enunciativos do locutor, pode-se apreender – pelo agenciamento de vozes – não somente a voz do autor empírico, mas as vozes sociais que falam por intermédio do locutor engendrado pelo discurso – e por meio de modalizações e avaliações sobre o conteúdo temático de discursos e até mesmo sobre as práticas sociais, as representações que estão na base das percepções desses sujeitos acadêmicos em processo de formação proissional. Merecem especial atenção as manifestações de valores e crenças que permeiam os processos de constituição dos sentidos atribuídos às ações de linguagem dos sujeitos: (3) Eu estou fazendo essa disciplina para dar um rumo à minha pesquisa. Talvez a minha pesquisa não seja interessante ou eu deveria trabalhar com outros fatores: livro didático, políticas públicas. O campo de educação é muito grande e, principalmente, na modalidade Educação de Jovens e Adultos é pouco explorado. Gostaria de fazer alguma diferença. (M – R) Ao atribuir pouca importância ao recorte da pesquisa em desenvolvimento, o locutor (exemplo 3), na passagem retirada de um relato de experiência, manifesta os princípios de regulação que cercam os discursos, na coletividade. O uso do “talvez” traz em seu bojo uma voz que parece traduzir um consenso construído na uniformidade de modos de pensar que acaba projetando uma identidade da disciplina em curso: locus de relexão sobre temas ligados obrigatoriamente às questões escolares, de “instrumentalização didática”. O ethos projetado no relato é o de alguém inseguro em relação à própria escolha feita, calcada nesse espaço de restrições e possibilidades. No decurso da disciplina, as discussões passaram a ser alimentadas por considerações de ordem sociodiscursiva e muitas indagações permeavam a relexão sobre a constituição de sentidos: por quais parâmetros se orientam os sujeitos para construir as signiicações atribuídas aos eventos e práticas analisados no âmbito de uma disciplina que pretende analisar discursos? Que princípios e pressupostos estão na base das representações entrevistas nas análises discursivas? Que representações lagradas nas análises linguísticas permitem vislumbrar o ethos do sujeito – acadêmico e proissional – em atividades diversas de interação? 3 - As concepções em questão serão examinadas na seção que tratará das representações sociais e das restrições e injunções por elas impostas aos fenômenos em exame. 290 SCRIPTA, Belo Horizonte, v. 15, n. 28, p. 285-302, 1º sem. 2011 Signiicando a prática docente – uma análise de discursos, ações e representações As relexões geradas por tais questionamentos nos levavam a considerar que as atividades humanas não são determinadas somente pelos resultados que podem ser obtidos (a clareza e a eiciência na comunicação ou a consecução dos objetivos dos interlocutores), mas pelos três sistemas, chamados por Habermas (apud BRONCKART, 2008) de “mundos formais” ou “representados”: “mundo objetivo, mundo social e mundo subjetivo”. Ao mundo objetivo pertencem as atividades que se desenvolvem no mundo físico e sobre as quais se constituem conhecimentos adequados construídos na própria evolução histórica da sociedade. O mundo social é constituído pelas regras e valores construídos por um grupo singular, cujos princípios recaem especialmente sobre as “condições de organização das tarefas e sobre as formas de cooperação entre os membros nelas implicados” (BRONCKART, 2008, p. 22). O resultado dos processos experimentados na interface entre as experiências vividas na dimensão da singularidade, do pessoal e na dimensão dos conhecimentos construídos coletivamente constitui o mundo subjetivo. Esses três mundos imbricados funcionam como um sistema de coordenadas que baliza o agir das pessoas, embora concordemos com Bronckart que falta a essa tipologia a explicitação do agir linguageiro do indivíduo por meio de tipos e gêneros de textos, isto é, a “a análise do mundo vivido e suas relações com os mundos formais”. Nesses termos, a ação por meio das “construções semióticas” permite construir e transformar os mundos representados (idem, p. 27). É preciso deixar claro que, neste trabalho, a ação é deinida em termos de uma intervenção de um agente, “dotado de capacidades de ação”, isto é, que age movido por motivos e intenções. Essa ação, portanto, não pode, como assinala Bronckart (2006, p. 67-68), ser explicada em termos de causalidade (desprovida de motivos), e deve ser considerada também em relação às representações que o agente constrói acerca das intenções para o próprio agir. A “ação de linguagem”, possibilitada pelos gêneros analisados em nossa investigação, desenvolve-se, portanto, entre os modos de representação sobre a situação de interação, as próprias convicções acerca das coisas no mundo vivido e os valores construídos a partir das normas fornecidas pelo grupo social, entre estas as relacionadas aos temas, às informações sobre o tema, etc. Acreditando, pois, que as ações discursivas, materializadas nos tipos e nos gêneros de texto, reorganizam nosso agir no mundo, fornecendo meios para interpretar as atividades de que participamos e nas quais nos envolvemos, demos continuidade a uma metodologia de trabalho que permitisse signiicar as práticas discursivas. Para dar conta das concepções e das visões de mundo que estão na SCRIPTA, Belo Horizonte, v. 15, n. 28, p. 285-302, 1º sem. 2011 291 Maria Angela Paulino Teixeira Lopes e Ana Maria Nápoles Villela base dos discursos analisados, propusemos aos alunos alguns textos, produzidos por proissionais do campo do ensino ou publicados pela mídia impressa, que deveriam ser interpretados pelo viés de teorias que tratam das representações sociais. Na próxima seção, demonstraremos como os estudos acerca das representações sociais (RS) podem trazer subsídios para compreender o processo de signiicação do vivido. Representações sociais – pistas para o monitoramento da construção de senidos Uma das maiores contribuições da teoria das representações sociais para a compreensão dos processos que envolvem a constituição dos sentidos dos textos e, consequentemente, para o fornecimento de subsídios para uma análise dos discursos encontra-se na possibilidade de ampliar o campo de entendimento dos fenômenos da esfera humana. Por mais que se concebam os discursos como determinados pelas formações sociais, os sistemas de valores e crenças são marcados pelas diferenças individuais. Exemplo disso é a multiplicidade de posicionamentos ocorrida nos relatos e discussões promovidos no decurso da disciplina. Os estudos das representações sociais permitem alorar o lugar da subjetividade da experiência que se alcança no espaço atribuído à objetividade pretendida e possibilitam ir além do “visível” ou dos conhecimentos declaradamente “objetivos”. Por pertencer ao mundo do conhecimento construído nas interações, ou seja, nas trocas sociais, as representações são mais facilmente apreendidas nos gêneros textuais em que o sujeito ocupa um lugar central como enunciador do seu discurso. Assim, propusemos a produção de gêneros de textos – memoriais, comentários críticos, relatos de experiências, diários de leitura – que permitissem ao sujeito signiicar o vivido, interpretar a experiência e compreender a emergência das subjetividades dos lugares sociais ocupados pelos sujeitos. Ao mesmo tempo, a perspectiva sociointeracionista que orientava as práticas de análise de textos desenvolvidas na disciplina “Análise do discurso e ensino” possibilitava ainda capturar as relações existentes entre as representações trazidas pelos alunos não somente acerca do papel dos textos e dos discursos na sociedade, mas também das determinações que as ações linguageiras desempenham na articulação entre as práticas sociais de diversas esferas: escolar, acadêmica, proissional, seja em nível individual, seja coletivamente. Uma das tarefas propostas aos alunos envolvia a leitura de matérias da mídia impressa e eletrônica a respeito de práticas sociais e linguageiras da esfera escolar, 292 SCRIPTA, Belo Horizonte, v. 15, n. 28, p. 285-302, 1º sem. 2011 Signiicando a prática docente – uma análise de discursos, ações e representações especialmente relacionadas à educação básica. Assim, foram levados para a sala de aula gêneros diversos veiculados em periódicos e sites da internet que ora tratavam de fatos, eventos (notícias, reportagens) e resoluções do campo educacional (boletins institucionais, documentos oiciais), ora manifestavam posicionamentos, opiniões acerca desses fatos e eventos (cartas de leitor, artigos de opinião, entrevistas, editoriais, comentários, etc.). A partir de referencial teórico alicerçado nas teorias do discurso (Bakhtin, Volochinov, Benveniste, Bronckart, Charaudeau, Maingueneau, Amossy), iniciava-se a análise desses gêneros, considerando-se o lugar de onde falam os sujeitos, as estratégias presentes no enunciado que permitem vislumbrar pistas da enunciação, seja pelas escolhas lexicais, estratégias sintáticas e efeitos semânticos, seja pelas crenças e valores projetados por essas estratégias de dizer dos sujeitos que remetiam aos processos identitários entrevistos nas práticas sociais em foco. A passagem do artigo produzido por um dos informantes, a seguir, pode revelar os saberes construídos ao longo das atividades desenvolvidas e o diálogo entre os autores, no âmbito da disciplina: (4) Dentro desse contexto, podemos dizer que o MSN, juntamente com outros gêneros digitais instaura um novo espaço discursivo. Um espaço intimista pautado na relação direta com o “outro” do discurso, no qual esse “outro” ocupa na construção intimidade do “eu” um lugar de destaque. Diante disso, o ethos vai, portanto, carregar a dimensão do “outro” discursivo, dos co-enunciadores, uma vez que a imagem do enunciador é criada e recriada numa perspectiva interativa, através de processos de esteriotipização, podendo ou não ser conirmada pelo processo discursivo. Representante de uma era de transformação, essa nova variedade lingüística vem desaiar os padrões já pré-estabelecidos induzindo-nos a um novo pensar. Não temos como tapar os olhos e ignorar essa mudança que bate em nossa porta. Um novo capítulo da história da linguagem está surgindo, cabendo aos pesquisadores a árdua missão de desvendar os mistérios que circunda esse novo gênero. (R – A) No decorrer das discussões, tornava-se mais claro para os sujeitos envolvidos nas tarefas investigativas (professoras-regentes da disciplina e alunos-pesquisadores) que as representações sociais emergiam de ações de uma comunidade, manifestadas nas atitudes e comportamentos dos sujeitos e nas ações linguageiras características desse grupo. Nesse sentido, não era possível pensar em representações sociais desvinculadas da materialidade discursiva. Esse primeiro passo contribuía para que o grupo se fortalecesse na busca de SCRIPTA, Belo Horizonte, v. 15, n. 28, p. 285-302, 1º sem. 2011 293 Maria Angela Paulino Teixeira Lopes e Ana Maria Nápoles Villela um aparato teórico capaz de ultrapassar as estratégias discursivas de nível linguístico e textual. Ao longo dos debates, efetivava-se a compreensão de que os conhecimentos construídos pelos sujeitos trazem embutidas as representações sociais do grupo ao qual pertencem. Nas rodas de discussão propiciadas pelos seminários da disciplina, os sistemas de crenças e valores da turma, traduzidos nas falas dos sujeitos, explicitavam as visões de mundo e de pessoa construídas nesse mesmo movimento de projeção e de circulação dos conhecimentos. Exemplo disso foi a multiplicidade de representações socioculturais apreendida na discussão em torno da polêmica entrevista concedida por Ronaldo Nazário, jogador de futebol, ao jornal Folha de S.Paulo. O excerto a seguir suscitou forte reação por parte de alguns alunos: “Ele [Ronald] é uma criança doce, que não fala palavrão, é educado. É praticamente um europeu”, disse o jogador, que logo em seguida ouviu alguém na plateia gritar: ‘É brasileiro’”. (Folha de São Paulo, 15/5/2009) Partindo de um atleta de renome internacional, a fala a respeito da educação que pretende dar ao ilho foi lida de diversas maneiras pelo grupo. Em geral, os alunos que atuam em áreas não ligadas ao ensino manifestaram-se de acordo com o depoimento do jogador, embora tivessem concordado que houve uma atitude preconceituosa em relação ao povo brasileiro e à escola, pela força de uma doxa, cujos efeitos podem levar a uma generalização falseadora. A interpretação da fala do craque do futebol foi construída por outro grupo – o de professores que atuam na educação básica – a partir de realidades vivenciadas no dia a dia: por um lado, alguns compactuavam, em certa medida, com a posição assumida pelo jogador de que também, se pudessem, não iriam matricular seus ilhos em escolas públicas, tendo em vista que essas não têm favorecido uma educação de “boas maneiras”; por outro lado, professores que atuam no ensino fundamental e médio repudiaram irmemente o discurso do entrevistado, julgando-o preconceituoso em relação ao próprio grupo social ao qual pertence. As discussões exteriorizavam as relações sempre conlituosas entre as representações e a necessidade de o pesquisador, ao tentar explicar e justiicar, procurar fazê-lo do ponto de vista de um analista do discurso e não de um militante apaixonado. Para tentar compreender as representações frequentes nas práticas cotidianas, seja no âmbito proissional ou acadêmico, não basta identiicar os pré-construídos, os estereótipos, nem a força destes sobre os sujeitos e suas ações; é necessário 294 SCRIPTA, Belo Horizonte, v. 15, n. 28, p. 285-302, 1º sem. 2011 Signiicando a prática docente – uma análise de discursos, ações e representações alcançar, de fato, como as representações se constituem e como elas guiam a percepção do sujeito sobre o próprio fazer. Nesse sentido, seria conveniente reletir sobre os modos de materialização dos discursos e dos espaços em que estes circulam, permitindo a apreensão dos movimentos de “objetivação” e de “ancoragem” expostos por Moscovici (2003, p. 71). Para muitos alunos-pesquisadores, signiicar as representações não era tarefa das mais fáceis, uma vez que, pela feição prosaica e familiar que assumiam ao se ancorar em sistemas de valores e de crenças, elas atingiam um patamar de objetividade cuja força impunha a atribuição de verdade a esses valores e crenças. Ao ressigniicar as práticas discursivas, na tentativa de apreender as forças subjacentes aos discursos, provenientes de condições históricas e sociais, os alunos passavam a relativizar os conhecimentos e saberes envolvidos nos processos de engendramento de valores e normas de uma dada comunidade. Ao lançar um novo olhar sobre os processos de constituição dos discursos examinados à luz das representações sociais que os produzem, os alunos passavam a reconhecer a variedade de representações de trabalho educacional e acadêmico, especialmente as que delineiam o proissional docente. Na esteira dessas representações, era possível apreender as múltiplas identidades desses sujeitos acadêmicos e proissionais. (5) Assim sendo, acredito que meu trabalho vem ao encontro de uma necessidade a cada dia maior que é a apropriação das tecnologias digitais pelo ensino e, principalmente, pelo ensino da Língua Portuguesa. A utilização de um suporte legítimo, real e atual pode levar os alunos a reletirem sobre a linguagem nos seus mais diversos modos de utilização, propiciando-lhes a vontade de serem produtores textuais num ambiente que, de certa forma, já é utilizado por muitos deles para a interação social e o entretenimento, mas não como produção analítica, com inalidade relexiva. É também um bom momento para que aqueles alunos que não têm um contato maior com o computador possam aprender a utilizá-lo, havendo com isto até mesmo uma forma de inclusão e letramento digital. (GC – PP) Ressalte-se que o amadurecimento desse percurso interpretativo não se efetivava de forma tranquila, sem conlitos. As representações de trabalho, instituição escolar, proissional da docência, entre outros, construíam-se no confronto e ganhavam amplitude no movimento que ora se deinia pelo consenso, manifestando-se, nesses momentos, a pretensa objetividade das interpretações hegemônicas – a nosso ver presumidamente objetivas e ilusórias –, ora se SCRIPTA, Belo Horizonte, v. 15, n. 28, p. 285-302, 1º sem. 2011 295 Maria Angela Paulino Teixeira Lopes e Ana Maria Nápoles Villela desdobravam no dissenso, revelando a oscilação de elementos contraditórios. O exemplo 5, retirado do projeto de pesquisa elaborado por uma aluna após a conclusão da disciplina, parece ainda apontar para uma representação de escola como o lugar da ausência, onde falta relexão, daí a necessidade de um trabalho que também pretende promover a inclusão. O ethos de professor de língua portuguesa projetado parece ser o de um proissional incapaz de assumir essa tarefa, o que justiica o investimento em um projeto de pesquisa que possa contribuir para solucionar essa lacuna. Interessante observar que o sujeito que assume a autoria do projeto é também professora de língua portuguesa. Nesses percursos interpretativos do grupo, alcançavam-se também os processos de constituição das identidades dos sujeitos: as imagens projetadas delineavam sujeitos-proissionais que, ou abonavam os discursos em circulação na mídia, ou rejeitavam as crenças defendidas pelos textos em análise. O aspecto mais relevante a salientar relaciona-se ao fato de as representações serem colocadas “à prova”, na discussão coletiva, após a apresentação da análise do texto pelo grupo incumbido pela condução da tarefa. Quando o grupo, no processo de amadurecimento de suas leituras e discussões, percebia a mudança de foco para encarar as contradições ou o aparente consenso (muitas vezes o próprio senso comum), alcançava-se a atitude relexiva ensejada por uma semântica da ação. A percepção da interferência das próprias crenças nas representações emergentes nos discursos – construídos coletivamente ou não – permitia a busca da responsabilidade pela ação e da explicitude das intenções dos sujeitos discursivos. A interpretação dos discursos que permeiam as práticas passa a ser realizada considerando-se não somente as formações discursivas em que se inscrevem os sujeitos e seus discursos, mas também os motivos e intenções que os levam a agir de forma consciente, a se responsabilizar pelo dito, portanto, pelas ações de dizer. Essa capacidade de atribuir intenções e sentido à própria ação (Bronckart, 2006, p. 196-99), de modo a assumir as próprias decisões como sujeito social pode ser mais bem compreendida no excerto a seguir, retirado do comentário crítico de uma aluna a partir de textos lidos na disciplina: (6) A partir daí fui descobrindo que a linguagem é social, por isso possui convenções, sendo essas na verdade contratos e identiicações sociais. Leitura e escrita então seriam atividades sociais, podendo ser apreendidas em um contexto social e não somente escolar, já que poucas são as escolas que conseguem ensinar ao aluno ler e escrever, permitindo-os ir além do que os recursos que a estrutura aparente oferece. (S – CC) 296 SCRIPTA, Belo Horizonte, v. 15, n. 28, p. 285-302, 1º sem. 2011 Signiicando a prática docente – uma análise de discursos, ações e representações O exemplo (6) revela o movimento argumentativo construído sobre novas representações acerca da linguagem, ao mesmo tempo em que expõe o caráter dialógico dessa construção de imagens entrecruzadas. Nesses termos, reitera-se o papel das representações sociais como construtos sociais, possíveis pelas ações discursivas engendradas no grupo social. Nesse sentido, sabe-se que as RS assumem condições de fatos, em determinado mundo social (WAGNER, 2000). Em relação à esfera educacional, especialmente nos diálogos travados entre os textos veiculados pela mídia brasileira – notadamente entre artigos e crônicas de colunistas com as cartas de leitor –, ica evidente como as representações de escola e de ensino trazem não somente sentido(s) construído(s) por um determinado grupo social, mas assumem uma realidade compartilhada pelos sujeitos – leitores ou representantes de instituições educacionais. Agindo no sistema de representação, os membros de um grupo criam o objeto representado, dão-lhe signiicado e realidade. A interação entre as pessoas expressa e conirma suas crenças subjacentes; de fato, a representação social é sempre uma unidade do que as pessoas pensam e do modo como fazem. Assim, uma representação é mais do que uma imagem estática de um objeto na mente das pessoas; ela compreende também seu comportamento e a prática interativa de um grupo (WAGNER, 2000, p. 11). Ao mesmo tempo em que concebem o mundo segundo seus valores e suas crenças, as representações dos grupos sociais – particularmente os hegemônicos como os da mídia – vão delineando também as imagens dos sujeitos que deverão ocupar espaços nesse mundo. É o caso das identidades de professor e de proissional do ensino projetadas pelas representações emergentes nos discursos midiáticos. Um dos textos levados para a relexão do grupo, o editorial “A escola pública que ensina”, publicado pelo jornal O Estado de S. Paulo (26/3/2008), trazia uma análise dos resultados de uma avaliação governamental – Redes de Aprendizagem – cujo objetivo consiste em identiicar “boas práticas de municípios que garantem o direito de aprender”. O título do editorial já fornece pistas de um discurso que se constrói nos interditos e pressupostos: a existência de uma escola que ensina, apesar de pública; ou ainda, de uma escola pública que ensina, isto é, de uma exceção à regra, materializada na representação de escola pública construída contrariamente ao dito e posto pelo enunciado: não se espera que a escola pública seja lugar de ensino e de aprendizagem. Por que enunciados como esses circulam no imaginário coletivo? Por que a ressalva contida no título? Ao mesmo tempo em que essas e outras questões iam SCRIPTA, Belo Horizonte, v. 15, n. 28, p. 285-302, 1º sem. 2011 297 Maria Angela Paulino Teixeira Lopes e Ana Maria Nápoles Villela sendo discutidas sob a perspectiva discursiva, com base em teorias e autores que se voltam para o estudo das relações estabelecidas entre os discursos, as formações discursivas que os engendram e os campos discursivos a que pertencem, percebíamos que, municiados pelas contribuições das pesquisas sobre identidades e ethos, os alunos ampliavam o horizonte de análise. À medida que avançávamos nas relexões, percebíamos que a identidade desenhada para os proissionais, especialmente os da área educacional, alicerça-se e legitima-se sobre representações construídas não somente pela mídia, mas também pelos discursos que circulam nos campos discursivos ains, como as próprias agências formadoras, nos discursos acadêmico-cientíicos e governamentais, entre os quais os documentos de parametrização (cf. LOPES, 2009, 2010). Quando tornados públicos, os discursos passam a ter maior valor de verdade, como é o caso dos discursos midiatizados. Segundo Wagner (2000, p. 13), “para ter efeito, o discurso grupal que elabora representações sociais como conhecimento do senso comum precisa ser público”. Somente sendo publicizado, o discurso pode também assumir o núcleo da identidade social de um coletivo. Além disso, é necessário que o grupo não só compartilhe, mas reconheça os limites de validade para as representações do grupo. Essa característica da validação das RS apontada por Wagner também nos interessa como analistas de discursos, pois ela implica a compreensão dos limites das representações de um grupo e da existência de sistemas de pensamento divergentes e próprias de outros grupos, como nas discussões experienciadas a partir da entrevista do jogador Ronaldo. Nessa direção, reitera-se a importância de práticas discursivas em que os sujeitos avaliam o agir por meio de movimentos interpretativos, ao mesmo tempo em que organizam e regulam suas atividades coletivas. A respeito do memorial, um dos gêneros produzidos pelos estudantes, informantes deste estudo, assim se expressa SILVA (2010, p. 616): O memorial se apresenta como um gênero marcadamente dialógico, em cuja escrita emergem-se vozes que se digladiam ou se completam. Parecem instalar na composição textual ios dialógicos que em redes tecem, ora de forma explícita mostrada, ora de forma não mostrada, os discursos, oriundos dos domínios ali presumíveis (ciências da linguagem, literatura, pedagógico, didático etc.), apropriados, conforme, Bakhtin (2003) ou internalizados, Vygotsky (1991), pelos estudantes, ao longo de seu percurso de formação acadêmica. O excerto abaixo permite lagrar as expectativas do sujeito diante das possibilidades oferecidas no programa de pós-graduação em Estudos de 298 SCRIPTA, Belo Horizonte, v. 15, n. 28, p. 285-302, 1º sem. 2011 Signiicando a prática docente – uma análise de discursos, ações e representações Linguagens e a projeção de um ethos de proissional que, pela apropriação da ação possibilitada pelo gênero memorialístico, mostra-se apto a reletir sobre o antes e o depois, sobre o vivido e o permanente compromisso com a relexão sobre o fazer docente. (7) Sinto-me gratiicada com as escolhas que iz e vejo que após sete anos de licenciatura estou preparada para desenvolver novos projetos de trabalho e investir em minha formação acadêmica, pois objetivo aprimorar meus conhecimentos lingüísticos e aumentar minhas possibilidades de atuação no campo da docência. (C – M) Para concluir A complexidade do contexto da prática docente e das atividades nela envolvidas demanda uma relexão que, necessariamente, ultrapassa um determinado campo de estudos, exigindo que o exame das ações e de seus agentes seja empreendido na articulação entre diversas áreas que se ocupam do desenvolvimento do humano. Se se considera que a linguagem é essencial para promover o desenvolvimento e o conhecimento do/sobre o homem, também a relexão sobre as práticas discursivas que permeiam a atividade educacional deve valer-se de teorias cujo foco volta-se para a compreensão dos discursos e valores, crenças e representações nela imbricados. Fazer análise de discurso(s) signiica considerar as dimensões social e histórica dos textos para examinar tanto os processos de constituição discursiva quanto as representações que deles emergem. O exame das condições em que se efetivam essas dimensões nas práticas discursivas demonstra a importância da disciplina para investigar os processos que engendram as representações responsáveis também pela constituição das identidades dos sujeitos. Signifying the teaching pracice – An analysis of discourses, acions and representaions Abstract Seeking to understand the relationships of a praxeological and epistemic nature which constitute the educational praxis, we have proposed, under a socio-discursive and interactionist perspectives of analysis, an interface between the contributions of studies of the action semantics (HABERMAS, 2002; BRONCKART, 2006, 2008) and the theories dealing with social representations (ABRIC 1994; JODELET, 1989; MOSCOVICI, 2003; PY, 2004; WAGNER, 2000) to investigate actions and discourses involved in SCRIPTA, Belo Horizonte, v. 15, n. 28, p. 285-302, 1º sem. 2011 299 Maria Angela Paulino Teixeira Lopes e Ana Maria Nápoles Villela the practice of professionals working in education. The analysis developed start from a data set collected from texts (memorials, critical commentaries, reading diaries, experience reports) produced by students in a graduate program in Studies of Languages in the course of the discipline ‘Discourse Analysis and Teaching’. Of an interpretative and qualitative nature, this research conirms the crucial role that the speeches have in the meaning of collective and individual actions, which constitute the intricate and conlictuous process of building identity(ies) of professional of education in the Brazilian context. Keywords: Action Semantics. Discourse. Social representations. Teaching. Signiiant la praique d’enseignement – une analyse de discours, acions et représentaions Résumé En cherchant à comprendre les relations d’ordre praxéologique et épisthemique qui constituent l’action educative, nous avons proposé, sous une perspective interactionniste et socio-discursive d’analyse, une interface entre les contributions des études de la sémantique de l’action (HABERMAS, 2002 ; BRONCKART, 2008) e des théories qui traitent des représentations sociales (ABRIC, 1994 ; JODELET, 1989 ; MOSCOVICI, 2003 ; PY, 2004 ; WAGNER, 2000) pour rechercher des actions e des discours relationnés à la pratique de professionnels qui travaillent dans le domaine éducationnel. Les analyses realisées partent d’un ensemble de données collectées en textes (mémoires, commentaires critiques, journaux de lecture, récits d’expériences) produits par des étudiants d’un programme de post -graduation en Études de Langages, au cours de la discipline ‘Analyse du Discours et Enseignement’. De nature interprétative e qualitative, la recherche ratiie le rôle déterminant qu’ont les discours pour la signiication des actions collectives e individuelles, constitutives du processus complexe et conlictuel de construction d’identité(s) du professionnel de l’enseignement, dans le contexte brésilien. Mots-clés : Sémantique de l’action. Discours. Représentations sociales. Enseignement. Referências ABRIC, Jean-Claude. Les représentations sociales: aspects théoriques. In: ABRIC, Jean-Claude (Org.). Pratiques sociales et représentations. Paris: Presses Universitaires de France, 1986. p. 11-36. 300 SCRIPTA, Belo Horizonte, v. 15, n. 28, p. 285-302, 1º sem. 2011 Signiicando a prática docente – uma análise de discursos, ações e representações AMOSSY, Ruth. O ethos na interseção das disciplinas: retórica, pragmática, sociologia dos campos. Tradução de Dílson F. da Cruz. In: AMOSSY, Ruth (Org.) Imagens de si no discurso – a construção do ethos. São Paulo: Contexto, 2005. p. 119 -144. 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Luzia Bueno* Anna Rachel Machado** Resumo Este artigo visa discutir a importância de se olhar a prescrição da produção textual do aluno para se compreender melhor os textos produzidos na situação acadêmica. Para isso, retomamos os resultados de análise de um documento prescritivo e dos projetos de estágio feitos por estudantes do curso de Letras. Para a análise e relexão sobre os resultados, adota a perspectiva teórica do Interacionismo Sociodiscursivo e de Ciências do Trabalho – Ergonomia da Atividade e Clínica da Atividade, particularmente, assim como as pesquisas do grupo ALTER-LAEL. Palavras-chave: Prescrição. Produção textual. Trabalho de aluno. Formação de professores. Interacionismo Sociodiscursivo. Introdução No mundo do trabalho, encontramos as prescrições constantemente a normatizar o agir dos trabalhadores, e tal situação não é diferente no trabalho docente. O professor tem seu agir prescrito e, a partir da reconcepção dessas prescrições, ele prescreve um agir para os seus alunos. Sabemos que existe uma distância entre o que foi prescrito e o que foi realizado, mas não podemos deixar de considerar a relação que existe entre os dois, já que o trabalhador reagirá à prescrição e isso poderá ser visto no seu trabalho realizado, ∗ Grupo ALTER-LAEL/USF. Grupo ALTER-LAEL/PUC-SP. ** SCRIPTA, Belo Horizonte, v. 15, n. 28, p. 303-319, 1º sem. 2011 303 Luzia Bueno e Anna Rachel Machado como nos mostram as pesquisas sobre o trabalho na abordagem da Ergonomia da Atividade e da Clínica da Atividade. Mas, no caso do aluno, que relação haveria entre o agir que lhe foi prescrito para a sua produção textual e o agir realizado em seus textos, por exemplo? Será que as prescrições orientam o seu agir, contribuindo para que possa fazer um trabalho de mais qualidade, ou, na verdade, restringem esse agir, impedindo ações que poderiam levá-lo a um desenvolvimento? Visando discutir essa questão, neste artigo, analisaremos a relação entre a prescrição dada a um grupo de estudantes de Letras, em um texto prescritivo da universidade, para a produção de um projeto de estágio, e os projetos produzidos por esse grupo. Dessa forma, esperamos contribuir para uma relexão sobre a importância de se analisar a prescrição da produção textual do aluno para se compreender melhor os textos produzidos na situação acadêmica. Retomaremos aqui os resultados de algumas pesquisas desenvolvidas pelo grupo ALTER-LAEL, especialmente de Bueno (2009) e Bronckart e Machado (2005), procurando articular os postulados do Interacionismo Sociodiscursivo, conforme Bronckart (1999, 2006, 2008), com as Ciências do Trabalho, Clínica da Atividade (CLOT, 1999, 2010) e Ergonomia da Atividade (AMIGUES, 2002, 2004; SAUJAT, 2003, 2004). Nessa perspectiva de pesquisa, centrando-nos em Vygotsky (1934/1996) e Volochinov (1981), assumimos a relevância do papel da linguagem no agir e no desenvolvimento humano em nosso mundo social. Para apresentar a nossa discussão, organizamos o nosso artigo em cinco seções. Na primeira, apresentamos a nossa concepção de trabalho do professor e de aluno; na segunda, as prescrições; na terceira, uma prescrição para o trabalho de aluno; na quarta; os textos produzidos em resposta à prescrição. Para encerrar, na quinta seção, faremos nossas considerações inais. Trabalho do professor e trabalho de aluno Em nossas pesquisas do Grupo ALTER-LAEL, assumimos a concepção de trabalho, conforme exposta por Clot (1999), que defende que o trabalho pode ser deinido como uma atividade triplamente dirigida, já que se dirige ao comportamento do sujeito trabalhador, ao objeto da tarefa (guiar um ônibus, cozinhar em um restaurante, etc.) e também aos outros (os passageiros do ônibus, os clientes do restaurante, os colegas de trabalho, os chefes, a própria família, a sociedade, etc.). Para realizar o trabalho, o sujeito poderá recorrer a artefatos materiais (ônibus, panelas, giz, apagador) e/ou simbólicos (prescrições, placas de trânsito, cadernos de receitas, etc.), que poderão ser transformados em instrumentos 304 SCRIPTA, Belo Horizonte, v. 15, n. 28, p. 303-319, 1º sem. 2011 A prescrição da produção textual do aluno: orientação para o trabalho de aluno ou restrição do seu agir? de desenvolvimento se forem apropriados pelo trabalhador, o qual passará a vê-los como úteis para a realização de sua tarefa, mas continuarão a ser simples artefatos se os trabalhadores não os incorporarem. Mas a relação entre o sujeito, o objeto, os outros e os artefatos não é tranquila. Ao contrário, ela é bastante conlituosa, uma vez que os sujeitos, durante a atividade, “lutam” contra a própria atividade e sua prescrição, contra os seus destinatários, contra si próprios, contra o objeto, contra os artefatos, etc. para conseguirem realizar uma atividade. Imaginemos um professor que tenha preparado uma aula para discutir com seus alunos um certo texto, mas eles não leram e não izeram as cópias do texto; então o que fazer? Reprogramar a sua aula, buscando, na hora, saídas sobre como se reorganizar para poder fazer o seu trabalho ou o trabalho que for possível. Nota-se, assim, que há todo um conlito, que não perceberemos se apenas observarmos o trabalho efetivamente realizado. Por isso, Clot (1999) propõe uma visão de trabalho que ultrapassa aquilo que é visível, observável, ou seja, assume-se que o trabalho real envolve também o trabalho pensado, desejado, impedido, possível, etc. Dessa forma, amplia-se a distinção inicial da Ergonomia entre o trabalho prescrito e o realizado, que nos levava a falar de uma atividade prescrita e outra realizada, acrescentando, assim, o real da atividade. Com isso, teremos: a) atividade prescrita: é a tarefa, o que deve ser feito; b) atividade realizada: é a atividade efetivamente feita, realizada, em uma situação, que pode ser observada; c) o real da atividade: é tanto o que se faz como aquilo que não se faz, que se procura fazer sem conseguir, aquilo que tenhamos querido ou podido fazer, aquilo que pensamos que podemos fazer em outro lugar, ou seja, tudo o que foi feito, mas também tudo o que icou impedido de ser realizado. Retomando e reformulando a concepção de Clot (1999), Machado (2007) propõe que o trabalho docente, como pode ser visto no esquema abaixo, realiza-se a partir de uma série de prescrições: do sistema educacional, do sistema de ensino, do sistema didático, da instituição (escola) em que se encontra, etc.; mobiliza o uso de inúmeros artefatos disponíveis no coletivo de trabalho, que podem ou não se transformar em instrumentos para sua ação; é dirigido a “outrem”, que não é apenas o aluno, mas também seus pais, a sociedade e mesmo o próprio professor; é um trabalho contínuo de reconcepção das prescrições em função do contexto particular de ensino e se realiza dentro da sala de aula (o que é visível) e fora da sala de aula, o que muitas vezes é invisível. SCRIPTA, Belo Horizonte, v. 15, n. 28, p. 303-319, 1º sem. 2011 305 Luzia Bueno e Anna Rachel Machado Trabalho do professor Contexto sócio-histórico particular Sistema educacional (prescrições) Sistema de ensino (prescrições) Sistema didático (prescrições) Professor Instrumentos Objeto – Na aula, organizar um meio de trabalho coletivo que propicie a aprendizagem de determinados conteúdos e o desenvolvimento de determinadas capacidades Artefatos: -Obj. materiais ou simbólicos sociohistoricamente construídos e disponibilizados (prescrições, modos de agir, ferramentas etc.) Outrem – alunos, pais, colegas, diretor, outros não presentes, outros “dentro do P”, as outras atividades do P, as atividades dos outros. Esquema I – A concepção de trabalho docente (MACHADO, 2007) Nas diversas atividades em que se engaja, o professor relaciona-se com um objeto, com os outros, com ele próprio e tem seu agir mediado por artefatos que podem ser apropriados por ele, tornando-se, assim, seus instrumentos de desenvolvimento. E o aluno frente a isso? Pode-se dizer que ele também, assim como o professor, faz um trabalho? Segundo La Borderie (1991), o ofício de ser estudante é o primeiro que se tem na vida em nossa sociedade, constituindo, assim, o primeiro momento em que a criança tem contato com o mundo do trabalho e com as limitações/ restrições impostas por ele. Mas o “trabalho” de estudante não é um trabalho como os outros da sociedade capitalista, em que se produz algo a im de receber um salário; na vida escolar, a produção do aluno visa à aprovação/avaliação do adulto professor, como airma Perrenoud (1995), que procurou fazer uma análise do ofício de estudante. Nesse trabalho de aluno, podemos, à semelhança do trabalho do professor, encontrar um trabalho prescrito (pelo professor), um trabalho realizado pelo aluno, que recorre aos artefatos, entre eles, a própria prescrição, e provavelmente um real da atividade. Neste artigo, gostaríamos de reletir um pouco sobre as prescrições no trabalho do aluno. 306 SCRIPTA, Belo Horizonte, v. 15, n. 28, p. 303-319, 1º sem. 2011 A prescrição da produção textual do aluno: orientação para o trabalho de aluno ou restrição do seu agir? As prescrições As prescrições podem ser deinidas como as limitações/coerções/regras/normas explicitamente tematizadas em textos, que são direcionadas aos trabalhadores e produzidas por uma instância hierarquicamente superior, segundo Berthet e Cru (2002). Elas podem ser internas ou externas a uma empresa e compreender: os objetivos (quantidade ou serviço, limites, qualidade...); os procedimentos (modos operatórios, ordem das tarefas...); as diversas regras (segurança, etc.); etc. E elas estão presentes nos diferentes gêneros proissionais. As prescrições fazem parte de todos os trabalhos e, no caso do trabalho de aluno, elas têm uma grande importância, já que o agir deste é prescrito constantemente pelos professores, a partir das reconcepções que eles fazem das prescrições que eles também recebem. Veyrac (2001) airma que os textos prescritivos têm algumas especiicidades em situações proissionais, as quais, segundo nossa posição, também podem ser aplicadas às prescrições feitas aos alunos: – os prescritores que os elaboram têm um estatuto deinido na hierarquia da organização proissional. O professor ocupa uma posição hierarquicamente superior à do aluno; – as prescrições têm um caráter jurídico, que engaja o empresário e seus funcionários. Assim, as situações em que há desrespeito a elas têm implicações no nível do contrato de trabalho e são passíveis de ser julgadas pela justiça. Do mesmo modo, quando o aluno não segue as prescrições, ele também poderá sofrer penalidades, como as baixas notas e até a reprovação no ano escolar; – as prescrições provêm de diferentes fontes (governo, empresa, chefe, etc.) e são transmitidas por vários meios: texto escrito ou oral, etc. Apesar dos vários meios e dos problemas que isso pode criar, há que se ressaltar também que a prescrição pode ir sendo completada nesse processo de comunicação. Na escola, apesar de dar uma prescrição escrita, o professor poderá complementá-la no decorrer da realização da tarefa pelo aluno. Ainda não encontramos trabalhos analisando as prescrições construídas em textos voltadas para os alunos. Por isso, vamos apresentar as características que temos das prescrições dos professores para vermos, depois, com a análise, se essas características também se repetem em prescrições para os alunos. Apesar de serem constitutivas do trabalho docente, as prescrições, muitas vezes, são vagas, não explicitando exatamente o que os professores devem fazer, obrigando-os, assim, a redeinirem-nas para si próprios a im de construir as suas SCRIPTA, Belo Horizonte, v. 15, n. 28, p. 303-319, 1º sem. 2011 307 Luzia Bueno e Anna Rachel Machado tarefas e poder, então, também prescrever as tarefas dos alunos, de acordo com Saujat (2003). As prescrições veiculadas pelos textos oiciais dirigidas ao professor são um elemento bem claro do trabalho docente, todavia ainda se encontram poucos estudos sobre o modo como elas são construídas e como a igura do professor aí aparece. Bronckart e Machado (2005), em um desses poucos estudos, analisam as mensagens introdutórias dos ministros da Educação em textos oiciais prescritivos sobre o trabalho do professor no Brasil (Parâmetros Curriculares Nacionais) e em Genebra (Les objectifs d’apprentissage de l’école primaire genevoise). Nessas prescrições, o professor não é colocado como um ator real, com seus motivos, intenções e capacidades. Constatações semelhantes são feitas por Abreu-Tardelli (2004) e Plazaola-Giger (2004). Abreu-Tardelli (2004, 2006) fez a análise do Decreto n° 2.494, de 10 de fevereiro de 1998, para compreender como o trabalho do professor de educação a distância é apresentado na legislação brasileira. Nessa análise, a autora constata que o presidente da República é colocado como ator do agir prescritivo; os cursos e as instituições, como os agentes do processo de regulamentar a Educação a Distância; e o professor nem é posto em cena. Já Plazaola-Giger (2004), ao estudar textos oiciais sobre o ensino de alemão na escola primária de Genebra, também constata esse apagamento da igura do professor como um agente do ensino nas prescrições. Nos lugares em que seria esperado aparecer a igura do professor como centro de uma ação, havia, na verdade, formas de neutralização, como o uso de frases na voz passiva ou de ininitivos. Correia (2007) e Barricelli (2007) também chegaram a essas conclusões sobre o apagamento da igura do professor, ao analisarem, respectivamente, os PCN para o 1º e 2º ciclo (antigas 1ª a 4ª séries) e o Referencial Curricular Nacional para a Educação Infantil. Como conclusão da análise de diferentes textos prescritivos (Decreto da EaD; Mensagem do Ministro da Educação que inicia os PCN; PCN de Ciências), Machado e Cristóvão (2009, p. 112) apontam que: ... ou nos encontramos diante de um total ocultamento ou negação do trabalho do professor, como é o caso do decreto, ou diante da construção de sua “igura” como um simples adjuvante ou instrumento de um processo que se apresenta como tendo caráter inelutável e quase mecânico, pois bastaria que o professor aplicasse os princípios sugeridos para que os objetivos da atividade fossem alcançados. Assim, nega-se o papel de ator ao professor (MACHADO; CRISTÓVÃO, 2009, p. 112). 308 SCRIPTA, Belo Horizonte, v. 15, n. 28, p. 303-319, 1º sem. 2011 A prescrição da produção textual do aluno: orientação para o trabalho de aluno ou restrição do seu agir? Dessa forma, o professor não aparece nesses textos oiciais como o ator do trabalho educativo, ainda que, na realidade, ele o seja. Esse apagamento do professor como um sujeito que age no trabalho educacional parece, então, ser uma característica das prescrições dirigidas ao professor. E no caso do aluno, como serão as prescrições dirigidas a ele? Na próxima seção, procuraremos expor um texto prescritivo dirigido ao aluno. Uma prescrição dirigida ao aluno Em uma pesquisa realizada sobre os projetos de estágio produzidos por estudantes do curso de Letras em uma disciplina de estágio supervisionado, procuramos analisar também o texto prescritivo que orientava a produção desses projetos, para compreender melhor os resultados obtidos com a análise. Na análise do documento de prescrição e dos projetos, recorremos aos procedimentos teórico-metodológicos do grupo ALTER (MACHADO; BRONCKART, 2009; BUENO, 2009), procurando analisar os textos no nível da situação de produção, da arquitetura interna (infraestrutura textual, mecanismos de textualização, mecanismos enunciativos) e da semântica do agir, detectando os actantes e o agir a eles atribuído nos textos. Os projetos de intervenção, analisados nesta pesquisa, foram produzidos na disciplina de Estágio Supervisionado em Língua Portuguesa, seguindo as indicações do documento “Instruções Gerais para o Estágio Supervisionado em Língua Portuguesa e em Língua Inglesa”. Escrito pelos professores responsáveis pela disciplina de estágio, visando aos alunos e também a instâncias avaliadoras do curso de graduação, o documento “Instruções Gerais para o Estágio Supervisionado em Língua Portuguesa e em Língua Inglesa” tem o objetivo de normatizar as atividades ao aluno no estágio e na produção textual sobre essas atividades. Esse documento não apresenta a formulação linguística convencional de uma prescrição, com verbos no imperativo e marcas de segunda pessoa, mas faz a preiguração do agir futuro do estagiário. Como um texto preigurativo, ele acaba normatizando o agir do estagiário durante o estágio e durante a produção do projeto de intervenção. Sabemos, é claro, que entre a prescrição e o trabalho realizado existe uma distância; logo, o projeto de intervenção produzido pelo aluno não será o resultado da obediência cega a uma prescrição, mas uma reação a essa prescrição junto a seu conhecimento de mundo, de sua formação, de sua situação de produção, etc. Assim, estudar essa prescrição, ainda que não nos explique mecanicamente a produção do projeto de intervenção realizada por cada aluno, pode nos ajudar a SCRIPTA, Belo Horizonte, v. 15, n. 28, p. 303-319, 1º sem. 2011 309 Luzia Bueno e Anna Rachel Machado compreender o contexto em que o estagiário produziu o seu texto e a interpretar melhor a sua forma de organização, além de nos permitir perceber algumas representações sobre o trabalho do professor que são construídas em textos nessa universidade. Esse documento pode ser encontrado impresso ou na internet, no site da universidade, icando sob a responsabilidade do professor-supervisor de estágio a sua distribuição e apresentação para os alunos-estagiários a cada semestre. Normalmente, na primeira aula, o professor-supervisor apresenta o seu programa de ensino e esse documento. Em todas as suas páginas, há um cabeçalho, em que aparece, primeiramente, o nome da universidade, depois a área e o curso em que ele circula, além do nome do documento: “Instruções gerais para o Estágio Supervisionado em Língua Portuguesa e em Língua Inglesa”. Dessa forma, parecenos que ele se coloca como documento oicial sob a responsabilidade maior da direção, que quer dar as instruções sobre o processo de realização do estágio. Apesar de o nome ser “Instruções”, o documento é constituído por artigos, treze, o que faz com que sua forma se assemelhe a uma lei, com estatuto jurídico. Após os artigos, há os anexos, quatro, nos quais são apresentadas as grades de correção dos textos escritos (projeto de intervenção e relatório) que os alunos produzirão para o Estágio em Língua Portuguesa ou Língua Inglesa, conforme a sua opção de curso. O documento apresenta o seguinte plano global: Artigos 1° a 7° Conteúdo Determinação das condições gerais do estágio: onde, em que quantidade de horas, com quem deve ser feito o estágio. 8° Determinação dos objetivos das 3 etapas do estágio. 9° Determinação detalhada da etapa 1, com a realização de estágio de observação, que tem por objetivo a coleta de informações para a confecção do projeto de intervenção. 10° a 11° Determinação detalhada da etapa 2, com a realização de estágio de participação, que tem por objetivo a produção de um projeto de intervenção, baseado nas necessidades identiicadas na etapa anterior. 12° a 13° Determinação detalhada da etapa 3, com a realização de estágio de regência, que tem por objetivo a aplicação do projeto deinido e preparado nas etapas anteriores, além da produção do relatório inal. Quadro 1 – O plano global do conteúdo temático do documento 310 SCRIPTA, Belo Horizonte, v. 15, n. 28, p. 303-319, 1º sem. 2011 A prescrição da produção textual do aluno: orientação para o trabalho de aluno ou restrição do seu agir? Não há marcas de primeira ou segunda pessoa do discurso, e os tempos verbais são o futuro do presente e o presente, portanto com a predominância do discurso teórico, o que contribui para que esse documento se assemelhe a uma lei que é válida para todos. Contribuindo, assim, para esse caráter de norma, encontramos no texto todo um modo de dizer o agir construído com a igura de “ação canônica”, conforme Bulea e Fristalon (2004) e Abreu-Tardelli (2006), expondo a regra, a prescrição, feita por alguém externo ao actante. Há predominância de frases com relações predicativas indiretas, com forte presença do metaverbo de valor deôntico “dever”, o que reairma o seu caráter de prescrição. Há muitos verbos na voz passiva sem a presença dos agentes correspondentes (ora o professor-supervisor, ora o aluno) e nominalizações das ações que o aluno deve fazer (“elaboração de roteiro”; “observação direta ou indireta”, “diagnóstico de algumas das principais diiculdades dos alunos”), o que faz ressaltar mais o próprio agir que seus actantes. Encontramos nesse texto três actantes: o estagiário, o professor-orientador (observado) e o professor-supervisor. O estagiário é o protagonista principal nesse documento, já que se atribui um agir a ele 75 vezes, ou seja, 67,57%, no documento todo. Mas ele não aparece explicitamente em todo o texto, sendo, assim, identiicado também por meio de pronome ou de elipse. Em relação ao agir linguageiro esperado do estagiário, ou seja, a produção do projeto de intervenção e do relatório, há uma descrição detalhada da forma de apresentação dos textos. No caso do projeto de intervenção, por exemplo, encontramos detalhes tanto sobre a forma quanto sobre o conteúdo e até mesmo sobre a capa, o tipo de letra, tamanho do papel e do texto, além de se elencar o que deve tratar cada seção do texto. Contudo, ainda que os dois artigos anteriores (artigos 9º e 10º) anunciem a necessidade de que se escolha um tema sobre o ensino de língua, nenhuma informação sobre ensino aparece na prescrição do conteúdo do projeto. O que vemos, na realidade, é uma descrição bem genérica do plano global que o texto deve ter, que serviria para qualquer projeto de pesquisa. Segundo o documento, o estagiário pode agir individualmente ou em grupo, devendo seguir corretamente as instruções, ou sofrerá as penalidades também apresentadas no texto. Contudo, na atribuição de um agir ao estagiário, não se apresentam seus motivos, intenções ou capacidades. As prescrições que lhe são feitas são constituídas somente do agir esperado. Dessa forma, o estagiário é posto nesse documento como protagonista do agir, mas com papel de agente e não de ator, assim como vimos nas prescrições dirigidas aos professores. Ele é SCRIPTA, Belo Horizonte, v. 15, n. 28, p. 303-319, 1º sem. 2011 311 Luzia Bueno e Anna Rachel Machado o agente que deverá acatar as ordens. Nos vários artigos, recomendam-se, para o estagiário: o lugar em que ele poderá agir; o tempo em que ele deverá agir; com que destinatários; que escolhas deverá fazer, que responsabilidades são suas; quais são seus direitos; que penalidades poderão lhe ser imputadas; que documentos deve escrever e como deve fazê-lo para ser aprovado no estágio. Entretanto, pouco se fala sobre sua relação com o professor observado na escola e com os elementos constituintes do seu trabalho. De acordo com as instruções, o estagiário é levado a observar a escola, o professor, os alunos, o trabalho, sem interagir com a igura principal, que é o professor, e o trabalho de ser professor. Note-se ainda que nada se diz sobre a preparação da aula, sobre seu desenvolvimento, a relação do professor com o objeto de ensino e seus alunos, nem sobre as conversas que o aluno poderia ter com o professor. Os itens relativos à observação são apresentados separadamente e não se faz menção à inter-relação que há entre eles, a não ser no começo do item (“condições de produção do ensino-aprendizagem”; “condições de produção do ensino-aprendizagem de Língua Portuguesa”). Nos dez aspectos que o aluno deve observar, somente em cinco se explicita um olhar sobre o professor. Entretanto, nesse olhar sobre o professor, o estagiário é posto no papel de um avaliador que deve se centrar em três elementos constitutivos do trabalho do professor: os alunos e os artefatos (materiais didáticos e estratégias de ensino), incluindo-se também nestes as prescrições (adequação aos PCN). Nada se fala sobre o coletivo de trabalho ou as regras do ofício, ou, ainda, sobre o fato de que ele pode aprender com esse professor, observando e discutindo sobre a experiência dele a partir das aulas observadas, por exemplo. Nem se sugere que haja um respeito por esse proissional que o recebeu e que se tente ajudá-lo durante o período do estágio. Em suma, o documento “Instruções Gerais para o Estágio Supervisionado em Língua Portuguesa e em Língua Inglesa”, como pudemos constatar, centra-se nos aspectos formais, apresentando onde, quando, durante quanto tempo, com quem deve ser o estágio, além de como devem ser feitos os textos, projeto e relatório que serão avaliados. O estagiário é apresentado como um agente, desempenhando inclusive o papel de avaliador de alguns elementos do trabalho do professor: os artefatos e a obediência às prescrições. Dessa forma, notamos que há uma simpliicação do trabalho do professor, já que outros elementos nem foram sugeridos. Esse subdimensionamento do trabalho docente pode passar para o estagiário uma visão 312 SCRIPTA, Belo Horizonte, v. 15, n. 28, p. 303-319, 1º sem. 2011 A prescrição da produção textual do aluno: orientação para o trabalho de aluno ou restrição do seu agir? incompleta de sua futura proissão, além de ajudar a perpetuar a ideia, já corrente no senso comum, de que basta ao professor seguir as regras, ter um programa e um material didático adequado às prescrições institucionais para que a educação brasileira melhore. Assim, a leitura atenta do documento e a obediência a suas regras pode levar o estagiário a reproduzir a visão do senso comum sobre o trabalho do professor em vez de ajudá-lo a saber agir para aprender mais sobre a sua futura proissão, podendo, com isso, desenvolver-se proissionalmente. Como nas indicações sobre a produção dos projetos não há referências sobre o trabalho do professor, em geral, nem mesmo sobre os elementos desse ofício, corre-se um sério risco de que o estagiário acabe realmente por reproduzir essa visão. Mas será que é isso que encontramos nos projetos de estágio feitos? Os textos produzidos em resposta à prescrição O resultado da análise do conjunto de dez dos projetos permitiu-nos perceber que entre eles há muitas semelhanças, que nos levam às conclusões que apresentaremos a seguir. Notamos que, na produção desses projetos de intervenção, houve grande preocupação com os aspectos formais, uma vez que todos os textos apresentaram capa, folha de rosto, tamanho do texto, divisão em seções, conforme prescrição do documento de orientação. Além disso, ainda que o documento de prescrição não enfatize como deveria ser a linguagem empregada, os textos seguiram o padrão cientíico, usando predominantemente o discurso teórico, construindo-se um discurso em 3ª pessoa, objetivo e impessoal. Essa preocupação com a forma pode signiicar que o estagiário não está diferenciando o projeto de intervenção dos outros textos que produz nas várias disciplinas teóricas da graduação, ou seja, ele não é o texto em que um futuro professor analisa a sala de aula e propõe alternativas para resolver as diiculdades encontradas. Na verdade, o projeto parece ser mais um texto que deve seguir corretamente a prescrição dada para ser bem avaliado. Provavelmente, considerando a situação de avaliação como a inalidade principal do projeto, o estagiário não encontra razões para se colocar no projeto. Ainal, revendo o contexto de produção, se estamos na universidade e queremos ser bem avaliados pelo professor, o importante é trazer a voz da ciência e não de um simples graduando – quantas vezes esse estagiário não teria sido lembrado da importância de fundamentar as airmações com o discurso cientíico? SCRIPTA, Belo Horizonte, v. 15, n. 28, p. 303-319, 1º sem. 2011 313 Luzia Bueno e Anna Rachel Machado Partindo-se dessas representações do contexto de produção e revendose o documento de orientação para a construção dos projetos, ica mais fácil compreender por que a voz predominante nos projetos é a dos teóricos e dos documentos oiciais lidos na disciplina. Parece-nos que, visando a construir um texto “bem-sucedido”, o estagiário procurou trazer a voz legitimada na universidade para analisar o trabalho do professor. O próprio documento de orientação do estágio coloca, no artigo 10º, a necessidade de que o estagiário, após selecionar um tema para fazer a intervenção, faça uma “pesquisa bibliográica sobre o tema eleito, em gramáticas pedagógicas e em textos cientíicos”. E depois, no artigo seguinte, sobre a produção do projeto de intervenção (artigo 11, parágrafo terceiro, sobre a seção de Fundamentação teórica), coloca-se a necessidade de que se considere o que os teóricos já disseram sobre o tema. Logo, para ser bem-sucedido na produção de mais esse exercício escolar, a saída encontrada pelo estagiário é a prescrição dada. Ainda seguindo a prescrição dada, nota-se que os estagiários assumiram o papel proposto no documento de orientação, ou seja, avaliadores dos professores, usando o discurso dos teóricos e dos PCN como critérios. Essa avaliação é percebida claramente, já que as vozes dos PCN e teóricos dominam os textos, contribuindo para se expor qual seria o agir “errado”, a ser descartado nos segmentos de trabalho realizado pelo professor observado ou por qualquer outro, e qual seria o agir a ser adotado, nos segmentos de trabalho preigurado para o professor. Portanto, essa preocupação em retomar as vozes dos PCN e dos teóricos pode indicar que o estagiário quer passar a imagem de bom aluno, que lê os textos indicados e sabe quando os utilizar. O uso do discurso teórico junto a essas vozes corrobora a ideia de que o estagiário, ao produzir o projeto, parece fazer apenas mais um exercício escolar e não uma relexão sobre o seu futuro trabalho. Ainal, o discurso teórico marca o discurso cientíico lido, discutido e utilizado como modelo na universidade. Provavelmente, na visão do estagiário, o uso dessas vozes e do discurso teórico seria, então, também o esperado pelo professor-supervisor. Entretanto, ao construir a sua avaliação, o estagiário enfoca somente dois elementos do trabalho do professor: o artefato e o destinatário (o aluno), descartando vários outros que poderiam ser tratados, como vimos no “triângulo” proposto por Machado (2007). Mantém-se a ideia de que a inserção de um novo artefato seja capaz de resolver todos os problemas, desconsiderando-se o fato de que esse novo artefato pode, por si, causar mais problemas. Pode-se ver tal discurso em textos oiciais sobre os PCN ou sobre a Educação a Distância (ABREU-TARDELLI, 2006). Dessa forma, apesar de leituras atualizadas na disciplina de Estágio, 314 SCRIPTA, Belo Horizonte, v. 15, n. 28, p. 303-319, 1º sem. 2011 A prescrição da produção textual do aluno: orientação para o trabalho de aluno ou restrição do seu agir? a análise desses projetos nos mostra que representações cristalizadas sobre o trabalho do professor ainda estão em vigor no texto produzido pelos estagiários. Contudo, essa visão subdimensionada do trabalho docente apresentada pelos estagiários nos obriga a fazer um questionamento: se os estagiários seguem tanto as prescrições, os textos teóricos e os documentos oiciais para produzirem as suas avaliações, será que essa visão que eles apresentam em seus textos não seria depreendida desses vários textos? Sendo assim, não seriam só os projetos desses estagiários que estariam focando somente alguns aspectos do trabalho do professor e menosprezando outros, mas isso já seria, talvez, uma característica do discurso legitimado sobre o trabalho docente. Considerações inais A análise do documento de prescrição e dos projetos produzidos nos permite perceber a importância da relação entre eles, que não pode ser descartada, uma vez que, apesar de os textos resultantes apresentarem características não determinadas pelas prescrições, como o emprego do discurso teórico e a ausência da 1ª pessoa, notamos que várias outras indicações foram seguidas. Como resultado disso, vimos o estagiário se colocar como avaliador do professor observado a partir de parâmetros externos ao trabalho deste, desconsiderando o contexto em que tal professor trabalhava e as condições que o faziam trabalhar de uma certa maneira e não de outra. Nesse sentido, o documento prescritivo funcionou como orientador, mas também como restringidor do agir do aluno, não lhe dando a possibilidade de veriicar e/ou reletir sobre a complexidade do trabalho docente. Assim, os textos prescritivos, mais que indicar a forma de um agir, podem contribuir também para o modo como se olha o agir do outro e o próprio agir. Nesse sentido, caberia maior atenção à elaboração desses textos, principalmente no espaço da formação de professores, já que, junto com uma prescrição, estamos transmitindo nos textos também as representações sobre como deve ser visto, avaliado e – por que não? – julgado um professor. The prescripion of the student’s text producion: orientaion for the student work or restricion to his acion? Abstract The purpose of this article is to discuss the importance of the close observation of a student textual production regarding a given textual prescription in SCRIPTA, Belo Horizonte, v. 15, n. 28, p. 303-319, 1º sem. 2011 315 Luzia Bueno e Anna Rachel Machado order to seek a better understanding of the texts produced in an academic environment. For that matter this article revisits the results of both the analysis of a prescription document and trainee’s projects produced by university graduate students in language course. The theoretical perspective of socio-discursive interactionism, the sciences of work (ergonomics of the activity and clinic of the activity), and ALTER-LAEL research group results were used to analyse and relect upon the results. Keywords: Prescription. Textual production. Students’ production. Teachers’ formation. Socio-discursive interactionism. La prescripion de la producion textuelle de l’élève : orientaion pour le travail de l’élève ou restricion de son agir ? Résumé Cet article a pour but de discuter l’importance d’envisager la prescription de la production textuelle de l’élève pour mieux comprendre les textes produits en situation académique. Pour cela nous reprenons les resultats d’analyse d’un document prescriptif et des projets de stage élaborés par des étudiants du cours de Lettres. Pour l’analyse et la rélexion sur les résultats, nous adoptons la perspective théorique de l’Interactionnisme socio-discursif et des Sciences du Travail – Ergonomie de l’activité et Clinique de l’Activité, en particulier, ainsi que les recherches du groupe ALTER-LAEL. Mots-clés: Prescription. Production textuelle. Travail de l’élève. Formation des enseignants. Interactionnisme socio-discursif. Referências ABREU-TARDELLI, L. O trabalho do professor em EAD na lente da legislação. In: MACHADO, Anna Rachel (Org.). 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