ABEH e a construção de um campo de Pesquisa e Conhecimento:
desaios e potencialidades de nos re-inventarmos
CULTURA GAY, MULTIDÃO E ORGULHO:
OS SIGNIFICADOS POLÍTICOS DA PARADA LGBT
NAS PÁGINAS DA REVISTA SUI GENERIS
Remom Matheus Bortolozzi
Mestre em Educação - UnB
Universidade Estadual do Rio de Janeiro - UERJ; Acervo Bajubá
remombortolozzi@gmail.com
Rodrigo Cruz
Mestre em Ciências Sociais – Unifesp
Universidade de Lisboa; Acervo Bajubá
contatorodcruz@gmail.com
GT 23 - Imprensa gay em questão
Resumo
O artigo investiga, por meio de matérias jornalísticas, entrevistas e artigos publicados ao longo das 55 edições da revista Sui Generis, os diversos significados
políticos das Paradas do Orgulho no Brasil entre os anos de 1995 e 2000. A
revista Sui Generis apresentava a cultura gay como nova forma de fazer política.
Seu conteúdo buscava afirmar uma comunidade que produz cultura, que possui identidade, aliados, história e orgulho próprio. Na análise dos significados
políticos das Paradas nas páginas da Sui Generis, alguns vocabulários políticos
dão corpo a essa política comunitária gay dos anos 90: visibilidade, orgulho e
multidão.
Palavras-chave: Parada LGBT, Sui Generis, Cultura Gay, Multidão, Orgulho.
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1. Introdução:
As Paradas do Orgulho LGBT surgem no Brasil em meados da década
de 1990, período em que o movimento de gays, lésbicas e travestis brasileiro
encontrava-se focado, principalmente, no enfrentamento à epidemia do Hiv/
Aids. Graças à intensa interação com agentes estatais, atores privados e organismos multilaterais internacionais, que passaram a incluir grupos de ativistas
e ONG nos processos de implementação de políticas públicas, o movimento
assumiu uma configuração diferente daquela observada nos anos 1980, com
maior predomínio de organizações formais, agora mais abertas ao diálogo com
o Estado e o mercado. Paralelamente, a consolidação, nas grandes cidades brasileiras, de um mercado direcionado ao público gay, constituído não somente
por bares, saunas e boates, mas também por veículos de mídia, eventos culturais
e agências de viagem, contribuiu para dar visibilidade às diversas expressões de
gênero e sexualidade que emergiam na cena gay nacional, bem como expandir o alcance das produções culturais da comunidade LGBT (Facchini, 2005;
Facchini e Simões, 2009).
Foi nesse contexto que, em 1995, por ocasião da XVII Conferência da
ILGA (International Lesbian and Gay Association), realizada na cidade do Rio de
Janeiro, ocorreu a primeira Parada de Orgulho LGBT do país. No encerramento
da Conferência, a Marcha pela Cidadania de Gays, Lésbicas e Travestis reuniu ativistas de vários países, que caminharam em clima de festa pela Avenida
Atlântica, em Copacabana, com uma enorme bandeira do arco-íris. No ano
seguinte, no dia 28 de junho de 1996, data que marcava o aniversário de vinte
e sete anos da Rebelião de Stonewall, (Butterman, 2011), ocorreu a primeira tentativa de organização de uma manifestação de afirmação do orgulho LGBT em
São Paulo, por meio de um ato que contou com a participação de aproximadamente 200 pessoas no centro da cidade. Embora esse ato, que ficou conhecido
como Parada Zero, tenha sido esvaziado e quase sem impacto na mídia e na
rotina da cidade, sua realização ajudou a impulsionar a construção da Parada
que aconteceria no ano seguinte. Em 1997, a primeira Parada Gay de São Paulo,
realizada na Avenida Paulista, contou com a participação de 2 mil pessoas,
número que cresceria vertiginosamente nos anos seguintes.
Quase simultaneamente à realização das primeiras Paradas, em 1994, saía
o número zero da revista Sui Generis, produzida de forma artesanal pelo jornalista Nelson Feitosa. Inicialmente, a publicação foi concebida para circular
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apenas na Zona Sul do Rio de Janeiro, mas após ter causado burburinho na
grande mídia, a revista alcançou repercussão nacional, tornando-se a publicação direcionada ao público homossexual de maior impacto desde o Lampião
da Esquina, tabloide editado na virada dos anos 1970 para os 1980. Lançada
no bojo da popularização do conceito mercadológico GLS (gays, lésbicas e
simpatizantes, idealizado pelo empresário André Fischer, do Mercado Mundo
Mix e do Festival de Cinema Mix Brasil), a Sui Generis se destacava por focar
na produção de conteúdo sobre cultura, moda e comportamento, fugindo da
pornografia predominante nas revistas homoeróticas em circulação. Outra novidade era a aposta na valorização do sentimento de auto estima do leitor, com
artigos e reportagens que buscavam reforçar a necessidade de “sair do armário”,
tomar posição frente ao preconceito e mostrar-se orgulhoso em relação à própria homossexualidade.
Conforme frisa Monteiro (2002), a Sui Generis assumiu, nesse sentido,
uma certa “militância de mercado”, não apenas por trabalhar a autoestima dos
leitores e divulgar um certo “estilo de vida” gay que florescia no Brasil dos anos
1990, mas também por fazer o registro dessa nova etapa do movimento LGBT,
cuja expressão mais vibrante eram as Paradas do Orgulho que se disseminavam
pelo país. Este artigo propõe investigar, por meio de registros historiográficos da
comunidade LGBT, os diversos significados políticos das Paradas do Orgulho
entre os anos de 1995 e 2000. A pesquisa se apoia na análise de matérias
jornalísticas, entrevistas e artigos publicados na revista Sui Generis no período
supracitado.
2. O orgulho Gay representado nas páginas da Sui Generis
Para o presente realizamos análise sistemática das 55 edições publicadas da revista Sui Generis, selecionando colunas e reportagens que abarcam
a questão das paradas de orgulho ou outras marchas ou passeatas registradas
pelas edições. Essa sistematização, está sintetizada na tabela abaixo contendo
os seguintes registros: edição da revista, paginação, nome da reportagem, apresentação do que é abordado na reportagem, e análise do significado político
para a parada, passeata ou marcha.
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Signiicado Político
da marcha, parada ou
passeata
A Associação brasileiA passeata é referenciara de Gays, Lésbicas e
Reportagem da coluna
da como o ato político.
Travestis foi aprovada em contraponto com regis- As imagens mostram a
8 e 9 meio à polêmica durante tros de fotos da passeata presença marcante de
o I Encontro Brasileiro
que ocorreu em fevereiro organizações que trabade Gays e Lésbicas, em de 1995.
lhavam na prevenção à
Curitiba.
Aids.
Fala-se em um relorescimento do movimento
A reportagem apresenta o
homossexual, que se
cenário no Rio de Janeiro
expressaria pelo número
20-22 Pride in Rio
em meio a 17a Conferênde grupos organizados
cia Mundial da
no Brasil e na criação da
ILGA.
Associação Nacional de
Gays e Lésbicas.
A edição traz registros
A coluna contraponto
fotográicos da Marcha
celebra o sucesso da 17a pela Cidadania Plena de
conferência da ILGA no Gays e Lésbicas. Neles
Visibilidade para quem quesito visibilidade. A
observa-se a presença de
8-9
precisa
coluna também denúncia políticos como Fernando
a cobertura desigual dos Gabeira e Marta Suplicy,
quatro maiores jornais de além de faixas de mães
circulação nacional.
e pais de gays e lésbicas
“saindo do armário”.
Edição Página
Ed. 3
Ed.4
Ed. 5
Nome da
Reportagem
Ed. 13 40-41 Orgulho tem cara
ISBN 978-85-61702-44-1
Apresentação da Reportagem
As imagens com diferentes atores que compõem
a parada (pessoas com
Registros fotográicos da faixas, drag queens,
Parada nova-iorquina de pessoas fantasiadas,
1995 para convocação sadomasoquistas, muda Parada em comemo- lheres lésbicas com seios
ração ao dia do Orgudesnudos) explicitam a
lho Gay e Lésbico que
amplitude dos repertórios
ocorreria no dia 30/06
de ação coletiva, que
em Copacabana.
podem variar entre ações
de protesto tradicionais
e performances mais
irreverentes.
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Ed. 14
Ed. 21
Ed. 22
Quadro na coluna
contraponto que registra
a Segunda Marcha pela
Cidadania Plena de Gays
e Lésbicas.
9
Pride in Rio
52
A coluna Contraponto
apresenta a organização
Marchando com orgulho
da 3ª Marcha pela Cida- gays, lésbicas e travestis
dania de Gays, Lésbicas
unem as forças em prol
e Travestis (agora incluído 28 de julho.
das na sigla) do Rio de
Janeiro.
43
Convocatória para a III
marcha pela cidadania
de Gays, Lésbicas e Travestis do Rio de Janeiro.
Venha participar do
maior evento gay –
lésbico do país.
A coluna reforça a
posição da política de
visibilidade: um ato político, “mas também de
celebração”.
Com vistas a trazer mais
pessoas às ruas, os organizadores propõem que a
marcha não tenha apenas
caráter militante, mas
seja também uma grande
festa como o Carnaval
do Rio.
Convocatória com
registros fotográicos da
marcha anterior com
bandeiraço do arco-íris
e bandeiras de Partido
Político.
Ed. 24 60-61 Gay Pride
A edição apresenta Festas
organizadas em BrasíBrasília comemora a gay lia para celebrar a Gay
Pride
Pride: “não será uma parada, mas sim uma mega
festa beneicente”.
Ed. 25 40-41 Consciência leve
Há na coluna uma relação direta entre a Parada
e o cenário clubber, teA pequena coluna faz
chno, house e de DJs da
chamamento aos eventos
cidade. A presença dos
em celebração do dia do
trios elétricos na “Parada
Orgulho Gay.
Gay”(sic) foi negociada pelos donos desses
clubes.
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Ed. 34 40-41
Igualdade, liberdade e
festa
A reportagem celebra a
maior receptividade das
paradas por todo o país.
A parada de São Paulo
alcança a marca de 7 mil
participantes, conforme
a organização. Há ainda
registros narrativos das
paradas de Salvador,
Porto Alegre, Curitiba e
Brasília.
A reportagem ressalta a
mobilização de setores
não-gays na parada. A
“pelada” (jogo de futebol) com drag queens
é apontada como uma
ação política de visibilidade.
A estratégia da visibiliMatéria debate a questão
dade é debatida: “Não
da visibilidade de gays e
Ed. 41 27-33 A invasão do bizarro
podemos promover a
lésbicas na mídia, frente
visibilidade a qualquer
a difusão da cultura gay.
preço (...)”.
A matéria chama a atenção para a pluralidade
de atividades realizadas
durante a celebração do
Programação nacional
Orgulho de Gays e Léspara celebração do Dia
30 anos, mas com corpibicas em várias cidades:
Ed. 45 40-41
Internacional do Orgulho
nho de 16, tá?
beijaços, missas em hode Gays e Lésbicas.
menagens às vítimas da
Aids, alas temáticas nas
Paradas, shows, passeios,
audiências públicas e
conferências.
Ed. 46
66
O ensaio fala sobre a estratégia por trás das paraEnsaio crítico sobre a
das: sem renunciar a miliFesta política e cidadania banda de Ipanema e a
tância, mas incorporando
GLT
marcha pelos pela cida- a festividade e conjugandania de gays e lésbicas. do ações de visibilidade
com a autoafirmação dos
sujeitos.
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Grande novidade, o grande número de entidades
e estabelecimentos que
deram suporte inanceiro
e logístico ao evento,
Texto de João Silvério
além de vários sindicaTrevisan sobre a 3a Para- tos. A diversidade de
Enim, a parada do
da GLBT de São Paulo, atores na Parada de São
Ed. 47 40-43 Milênio
airmado o êxtase do
Paulo (jovens, mulheevento ter reunido 20 mil res, senhores, senhoras,
pessoas.
crianças, pais e mães de
homossexuais e simpatizantes em geral, além
claro de drags, S&M,
grupos de HIV+) também
chama a atenção.
Vinculação do cenário
Texto apresenta um DJ
techno e clubber com a
Ricardo ganha o mundo carioca convidado para comunidade e a cultura
Ed. 48 58
participar da Love Parade gay, bem como a relação
na Alemanha.
com os atores que organizam a Parada.
Entrevista com Érika
Palomino, estilista, colunista da noite e ícone
gay dos anos 1990, a
qual lança seu primeiro
livro, “Babado forte”, no
qual descreve e comenta
a cena jovem e gay nos
anos 1990 na cidade.
Foto de Érika na Parada
de 1999 com Daniel
Almeida, representando a
importância dos aliados e
dos produtores da cultura
gay nos anos 1990.
Uma matéria que traz
entrevistas de ativistas,
O século XXI anos nossos
Ed. 51 34-39
estudiosos gays e lésbipés
cas sobre os últimos 100
anos de história gay.
O ano de 1995 é destacado como importante
para a linha do tempo da
história GLBT, como: “o
movimento gay promove
a primeira parada gay no
Brasil.
Ed. 50 24-26
Finíssima
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Ed. 52 26-27
Ed. 55
45
Nobres colegas?
Hora de levantar a
bandeira
A matéria mostra a reação contrária do plenário
da Câmara Federal à
apresentação do projeto
de lei que dá ao grupo
gay Arco-Íris (um dos
principais
articuladores da parada
do Rio de Janeiro), a
condição de entidade de
utilidade pública.
Além de registrar a reação homofóbica às organizações do movimento,
a matéria traz um quadro
com todas as ações do
grupo Arco-Íris.
Convocação para a parada do orgulho de 2000,
para a qual são esperadas
100 mil pessoas. Ao inal
a Coluna informa como
o leitor pode ajudar para
inanciar a parada.
O objetivo é repetir o sucesso da parada anterior.
Um balanço da Revista
enumera os motivos
pelos quais a edição de
1999 foi um sucesso.
3. Considerações Finais:
A revista Sui Generis traz a cultura gay como nova forma de fazer política,
uma forma de afirmar uma comunidade com identidade, com aliados, com história, que produz cultura e que tem orgulho disso. A propagação das culturas
musicais da noite gay, como clubber e techno, aparece na revista como pano de
fundo do processo de expansão da comunidade. Em 1997, na semana seguinte à
primeira Parada de São Paulo, aconteceu também a primeira parada de música
eletrônica brasileira, intitulada “1ª Parada do Amor de São Paulo” (Fischer, 1997).
Diferente da Parada do Orgulho, a Parada do Amor não era organizada por ativistas, mas por uma produtora que, em articulação com cenário nascente dos
clubes de música eletrônica e moda alternativa de São Paulo, tentava criar no
Brasil um evento semelhante à Love Parade alemã, que acontecia desde 1989.
Tal qual a Parada alemã, a versão brasileira se afirmava a partir de valores da
diversidade e cultura de paz, tanto que ano seguinte se uniu a uma campanha
de desarmamento promovida por movimentos estudantis e passou a se chamar
Parada da Paz. A afirmação da diversidade, a valorização da criatividade contra
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hegemônica por meio da moda alternativa, o enfrentamento à Aids e a manifestação política pacífica através de uma festa de multidão faziam da Parada do
Amor um espaço acolhedor para a comunidade LGBT.
Na análise dos significados políticos das Paradas nas páginas da Sui
Generis, alguns vocabulários políticos dão corpo a essa política comunitária gay
dos anos 90: visibilidade, orgulho e multidão. Em artigo publicado na revista,
Trevisan define o sentido político das paradas: “a afirmação que existimos,
gostem ou não, é que somos milhares. Vencemos nosso pior inimigo, a invisibilidade, e afirmamos nossa existência (...) agora terão que se defrontar com uma
multidão de homossexuais com rosto e identidade, que tem capacidade de ir às
ruas em nome de seus direitos” (p.43). Em outras palavras, a parada foi o instrumento que permitiu que a comunidade LGBT brasileira se apresentasse como
uma das muitas multidões nacionais, criando um sujeito político impossível de
ser ignorado e que se constituía a partir da afirmação da pluralidade e apresentando a diversidade como valor cultural, social, ético e político.
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________________; SIMÕES, Júlio Assis. Na trilha do arco-íris: Do movimento
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Fischer, André (1997). Paradas param tudo. Revista da Folha, 06 de julho de 1997, 60.
MONTEIRO, Marko. O homoerotismo nas Revistas Sui Generis e Homens. In: SANTOS,
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Sui Generis, Rio de Janeiro, ano I a VI, n. 1 a 55, 1995-2000
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