MÚSICA POPULAR E TROPICALISMO: CONEXÕES
Rodrigo Pardini Corrêa
História da Música Popular Brasileira, 2015
A discussão da definição do conceito de “música popular brasileira” se estende há
quase um século. Muitas vezes esteve relacionada com a identidade nacional. Os discursos
referentes à esta questão foram influenciados por diversos meios durante as décadas que se
sucederam. Uma de suas principais influências pode ter sido o movimento tropicalista, que
usava da dicotomia estabelecida entre “erudito versus popular” para promover mudança
social, ocorrido na segunda metade da década de 1960, que alterou os padrões estéticos
populares estabelecidos até aquele período.
Encontrar um termo que defina parâmetros musicais é algo altamente complexo,
sobretudo quando se trata de classificação de um determinado repertório em um parâmetro
maior, e mais abrangente. Sandroni (2004) tenta relacionar os termos (como musica popular,
folclórica, etc.) usados na França, traduzindo-os para o português, entretanto sua
nomenclatura e conotações, segundo ele, não são as mesmas. O autor faz também uma breve
citação dos conceitos utilizados pelos estudiosos brasileiros, como Oneyda Alvarenga e Mário
de Andrade, porém o que se observa é que eles não lidam com destreza suficiente a música
popular presente nos centros urbanos.
A partir dos anos trinta, a música divulgada nas rádios e posteriormente na televisão
passa a não somente incorporar-se à música popular, mas também a se tornar a maior parte da
produção musical, transformando, na visão dos pesquisadores como Ari Barroso e Francisco
Guimarães, na música do povo brasileiro (Sandroni, 2004, p. 28).
Ainda segundo Sandroni (2004, p. 30), prevaleceu, durante a segunda metade do
século XX, o conceito defendido por Alvarenga, uma divisão entre música “popular” e
“folclórica”, cuja última representante a manutenção da tradição, enquanto a primeira,
possuidora de influências cosmopolitas e de cunho mais comercial. Um exemplo citado pelo
autor é a Enciclopédia da música brasileira, de 1977, onde se observa a subdivisão da música
entre “erudito, folclórico e popular”, apresentando ainda, segundo ele, caráter valorativo, dada
a ordem em que se encontram.
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A partir da década de 1960, ocorre então, no Brasil, segundo Sandroni (2004, p. 29), o
fato de que “as palavras música popular brasileira, [passam a ser] usadas sempre juntas como
se fossem traços de união, passaram a designar equivocadamente as músicas urbanas
veiculadas pela rádio e pelos discos”, deixando em segundo plano a música que anteriormente
era mais enfatizada, dita “folclórica”, que nesse período se torna para a época, relacionada
com o ambiente rural, muitas vezes visto como atrasado. Nesta nova perspectiva, a música
popular brasileira passava a possuir diferentes tipos de música, englobando neste termo, desde
os primeiros sambas à bossa nova.
Neste novo conceito, tal gênero, agora com uma sigla, a MPB, se consolidava como a
representação da música do povo brasileiro, substituindo a música “folclórica” que até então
recebia tal crédito. Escutar MPB, portanto, significava passar a acreditar, para Sandroni
(2004, p. 29), em certa ideal de “povo brasileiro”, como já ocorrera anos antes com a música
de Heitor Villa-Lobos e de Antônio Carlos Gomes.
Tal ideal pode estar relacionado à resistência por parte dos brasileiros, e
principalmente por parte de alguns compositores, em relação aos primeiros anos do
tropicalismo que, em 1967, rompendo com a estética dita de “qualidade musical”, propunha a
expansão musical de forma a conectar diversas correntes musicais, inclusive internacionais.
Tais conexões futuramente permitiriam a adesão quase sem resistência do público às
manifestações culturais vindas do exterior, como o rock nos anos 80.
Para Cunha (2015), o tropicalismo foi um movimento inovador e um grande
representante de sincretismo entre as diversas correntes musicais no Brasil. Ainda segundo
ele:
o tropicalismo foi um movimento musical surgido no Brasil no final da década de 1960,
que atingiu outras esferas culturais (artes plásticas, cinema, poesia) [...]. Sofreu grande
influência da cultura “pop” – brasileira e internacional - e de correntes da vanguarda
artística (como o concretismo que se instalou na poesia e nas artes plásticas e visuais)
(CUNHA, 2015)
Durante o período conhecido como tropicália, a influência de novas formas de música, como
o uso da guitarra elétrica e o experimentalismo deixaram traços extremamente marcantes na
produção musical popular do Brasil.
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O uso da mídia foi também inovador. As emissoras de televisão se tornaram o
principal veículo de divulgação do tropicalismo. Foi através de programas e de eventos
(shows e, sobretudo festivais) patrocinados por este novo veículo de informação que se
consolidou como um eficaz instrumento de divulgação em massa. Uma vantagem obtida na
divulgação do movimento tropicalista foi a não adesão, em primeira fase, do uso de letras de
crítica social e política de forma aberta e que, posteriormente criticado, na época recebeu o
aval do regime militar.
Tal movimento foi encabeçado por alguns intérpretes como Gilberto Gil, Caetano
Velozo, Maria Bethânia, Tom Zé, dentre outros, se espalhando em diversas outras artes, como
teatro e as artes plásticas. Entretanto, muitos dos artistas envolvidos nesta corrente foram
perseguidos pelo regime militar, devido ao fato de que muitas das letras continham elementos
de criticidade em relação à situação político-social do Brasil daquele período.
Esta segunda fase do movimento trazia letras que tratavam do estado político nacional,
livre de caráter elitista, que se alinhava às tendências inovadoras de poetas como Oswald
Andrade e Torquato Neto, unindo-se à musica erudita, através de maestros como Rogério
Duprat e promovia um sincretismo nunca antes ocorrido, pelo menos não de forma tão intensa
(Oliveira, 2015).
Teve em seu ápice o disco Panis et Circences, ou Tropicália, de 1968, que confere o
nome ao movimento musical, entretanto, como afirma Coelho (2002, p. 6), já se gestava desde
1964, data em que chegou Torquato Neto ao Rio de Janeiro, os princípios entre os pares do
poeta e letrista, sendo eles Gal Costa, Gil, Velozo, dentre outros que em breve tomariam a
dianteira do tropicalismo. Ainda segundo o autor,
ao contrário do Torquato que todos conhecem – libertário e antenado com o rock e a música
internacional de sua época –, criticava com veemência as músicas de inspiração americana,
não aceitava a igualdade entre públicos e demonstrava certa impaciência com as
experiências do iê- iê- iê nacional (COELHO, 2002, p.6)
Ainda sim, Coelho (2002) afirma que o artista passou em pouco tempo a rever as
posições radicais tomadas por alguns, como Geraldo Vandré, contra as guitarras elétricas e os
programas da jovem guarda, passando também a criticar seguidamente a “ingenuidade” dos
músicos da MPB, contrários às novas tendências que o público universitário e de classe média
passava a consumir naqueles tempos.
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É justamente na segunda metade da década de 1960, segundo Cysne (1993), que
ocorre o auge do regime militar brasileiro e, consequentemente, da censura às mídias. Em
1968 é instalado o AI-5, que garantia plenos poderes aos militares, principalmente no que se
refere à circulação de informação no rádio, nos jornais e na televisão. É neste período que
ocorre também o ápice do “milagre econômico” no Brasil. Em consequência do último, a
classe média teve um leve aumento em seu poder de compra, garantindo o grande número de
venda de discos.
Inicialmente, como já apresentado aqui, o movimento não possuía cunho social.
Porém, este elemento foi agregado de forma a se tornar também (em conjunto à vários outros)
representante da resistência ao regime político, resultando na prisão de vários de seus adeptos,
como Caetano Veloso e Gilberto Gil.
Foi a partir de 1968 que o movimento tropicalista perdeu força, devido ao controle
militar cada vez mais rigoroso, fazendo com que muitos dos compositores e artistas de modo
geral migrassem do Brasil em busca de não sofrerem retaliações.
Fato é, que o movimento tropicalista foi um marco musical brasileiro, que fez uso e
moldou para seus propósitos as barreiras e dicotomias entre a música “popular” e “erudita”,
entre a “nacional” e a “estrangeira”, bem como é proposto por Sandroni (2004).
O autor, em sua busca para definir os diversos termos (inclusive alguns deles citados
anteriormente), luta em unir concepções diversas e de difícil delimitação. Ele não é o primeiro
a tentar delimitá-las, como o próprio Sandroni cita. Entretanto é válido mais uma vez, assim
como muitos outros já fizeram, afirmar que a música não é passível de tal compartimentação,
justamente por seu caráter sincrético.
REFERENCIAS BIBLIOGRÁFICAS
CUNHA, Arnaldo Marques da. Tropicalismo na arte brasileira (década de 1960). Disponível
em: <www.raulmendessilva.com.br/brasilarte/temas/tropicalismo.html> Acesso em: 25 nov.
2015
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COELHO, Frederico Oliveira. A formação de um tropicalista: um breve estudo da coluna
“Música Popular”, de Torquato Neto. Disponível em: <http://bibliotecadigital.fgv.br/ojs/inde
x.php/reh/article/viewFile/2171/1310> Acesso em: 14 nov. 2015
CYSNE, Rubens Pereira. A economia brasileira no período militar. Fundação Getúlio Vargas:
São Paulo. 1993. v.23, n.2, p. 185-225
DICIOÁRIO CRAVO ALBIN DA MÚSICA POPULAR BRASILIRA. Disponível em:
<http://www.dicionariompb.com.br/tropicalismo/dados-artisticos> Acesso em: 14 nov. 2015
SANDRONI, Carlos. Adeus à MPB. In: CAVALCANTE, Berenice; STARLING, Heloísa;
EISENBERG, José. Decantando a República: inventário histórico e político. Editora Nova
Fronteira: Rio de Janeiro. 1ª Ed. 2004, v.1, p. 25-35.
OLIVEIRA, Ana de. Movimento. Disponível em: <http://tropicalia.com.br/identifisignif
icados/movimento> Acesso em 14 nov. 2015