XXIII Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação – Intercom 2000
Grupo de Trabalho de Políticas de Comunicação
Lei de Comunicação de Massa:
avanços e retrocessos para a TV segmentada
Juliano Maurício de Carvalho (FAV)1
Angela M. Grossi2
Resumo
A pesquisa analisa a formulação do anteprojeto de uma lei para a comunicação
eletrônica de massa no Brasil, enfocando seus impactos no sistema regulatório dos
serviços de televisão por assinatura. Os anteprojetos da lei, elaborados pelo Ministério
das Comunicações, conceituam/reconceituam os serviços eletrônicos de radiodifusão no
cenário de re-regulação do setor das comunicações no período de fusões, globalização e
pós-privatização.3
O trabalho procura explicitar os avanços e retrocessos da nova legislação em
relação aos grupos de interesses, atores sociais e instituições envolvidos na formulação
de políticas públicas de comunicação no país.
Palavras-chave: políticas de comunicação; Lei de Comunicação Eletrônica de
Massa; TV por assinatura.
Introdução
O Brasil poderá ter em breve uma nova legislação para a comunicação de massa.
Dois anteprojetos da Lei de Comunicação Eletrônica de Massa foram gestados no
Ministério das Comunicações desde o início do primeiro governo Fernando Henrique
Cardoso. A nova legislação trará mudanças para a radiodifusão (rádio e televisão) e para
a comunicação eletrônica segmentada, aqui compreendidos os serviços de TV por
assinatura (cabo4, MMDS5 e DTH6).
Para que uma nova legislação? Dois argumentos são apontados pelo próprio
governo. A reestruturação do setor das telecomunicações, com a privatização, gerou a
necessidade de atualização da legislação, neste caso, em especial para a radiodifusão
que não foi contemplada
nas leis do setor. O segundo motivo é a adaptação da
regulação das comunicações ao cenário de competitividade, fusões e globalização.
Compreender os avanços e retrocessos contidos nas versões do anteprojeto da
Lei de Comunicação Eletrônica de Massa é o objeto desta análise. Utilizamos para isto a
abordagem teórico-metodológica 7 do estudo de caso e, como método descritivo, a
análise documental8. Para uma aproximação criteriosa do objetivo com a conceituação
proposta, buscamos identificar os interesses das instituições e dos atores
sociais
envolvidos, procurando relacionar estas determinações com a noção de controle
público9 da mídia.
É uma preocupação desta abordagem não reduzir a capacidade descritiva sobre o
objeto à mera especulação ou mesmo ao engajamento “ militante” desta ou daquela
vertente, comportamento evidenciado em várias produções sobre as políticas públicas
de comunicação da década de 1980, conforme relata Melo:
... algumas mudanças começavam a ocorrer na segunda metade dos anos 80. A
mais significante era sem dúvida a desilusão de muitos pesquisadores com os rumos
assumidos pela “politização” dos estudos em nossa área. Se tal caminho fora
determinado durante o regime militar pela ausência ou dissimulação de várias políticas
nos projetos realizados, ele estava criando impasses, nos anos de abertura, pela
dificuldade de estabelecer fronteiras entre a “análise política” e a “ militância política”.
Muitos estudiosos começaram a perceber que o viés politizante deixava de ter sentido
na nova conjuntura institucional e ameaçava desvirtuar a natureza do trabalho
acadêmico.10
2
Procuramos adotar, entre as teorias políticas existentes para explicar o
processo de decisão política, o neoinstitucionalismo por apresentar-se como uma linha
analítica que interpreta as críticas centradas no Estado e na sociedade a partir de
variáveis de estudos históricos e conjunturais dos fenômenos políticos. Para os
neoinstitucionalistas, o olhar se volta para o fato de que as relações entre as instituições
e a sociedade ocorrem nos dois sentidos e o que se pretende é contextualizar os atores,
seus interesses e suas ações estratégicas. 11
Segundo Immergut,
(..) a não ser que as estruturas do Estado mudem toda vez que novas
políticas forem apresentadas, é difícil entender porque as estruturas administrativas ou
a capacidade do Estado ora limitam, ora ampliam o campo das decisões. (...) Não
existe um vínculo
direto entre um dado conjunto de instituições políticas e o
resultado de uma dada política pública. As instituições não permitem prever as
soluções resultantes de disputas em torno de políticas. Mas, ao definirem as regras do
jogo, elas realmente criam condições que permitem predizer a maneira pela qual esses
12
conflitos deverão se desenrolar.
Notadamente, as freqüentes disputas ocorrem em arenas onde os conflitos e os
acordos muitas vezes ganham dimensões incompatíveis com o verniz políticoideológico utilizado para externar as posições dos diferentes grupos. Deter o olhar e
analisar de modo mais aprofundado possibilitaria, no entanto, perceber que os conflitos
relacionam-se numa escala de valores. 13
A percepção e a complexidade desses conflitos aguçam-se ainda mais em um
sistema neoliberal, que vive a transição entre o modelo de estatização de setores
estratégicos do Estado e um modelo privatizado e controlado por órgãos reguladores.
14
Some-se a isto o processo de globalização da economia e das comunicações , que no
caso brasileiro encontra ressonância na formulação de políticas públicas orientadas pela
lógica de mercado e de barganha política.15
Há, sobretudo, uma relação entre os atores sociais: a sociedade civil, os
empresários (emissoras de TV, rádio, prestadoras de serviço de TV por assinatura) e
parlamentares e governo (deputados, senadores, Ministério das Comunicações e
governo federal), mensurada na garantia de ações políticas executadas por meio da
3
consumação de fatos16, nem sempre conexos ao caráter público dos meios de
comunicação de massa e suas determinações na cultura e na economia.
Breve histórico das políticas de comunicação no Brasil
A legislação das telecomunicações vigente no Brasil desde a década de 1960 até
a Lei do Cabo, em vigor desde 1995, estava disposta no Código Brasileiro de
Telecomunicações,17 que trazia resoluções básicas para este serviço no país.
Desde a era Vargas começou-se a trabalhar os conceitos de empresas
estratégicas e de segurança nacional, como no caso da criação da Petrobrás, da CSN –
Companhia Siderúrgica Nacional, entre outras. Este nacionalismo encontra seu apogeu
no governo militar e tem sua queda, materializada na década de 1980, com o fim deste
regime.
Durante o processo de definição de uma política de telecomunicações para o
Brasil, no início da década de 1960, os militares tiveram relevante participação no que
diz respeito ao conceito de estatização e monopólio dos serviços de telecomunicações.18
Foi com este mesmo conceito que os militares passaram cinco anos – de 1957,
quando o projeto do Código começou a tramitar no Congresso, a 1962, ano de sua
publicação – atuando para que o código fosse orientado para “dotar o país de um
sistema integrado capaz de satisfazer as necessidades de desenvolvimento e segurança
nacionais”.19
Com a publicação do Código, foi possível criar e organizar a estrutura composta
pelo Minicom (Ministério das Comunicações), Embratel e Telebrás, além das
operadoras estaduais que existia até 1998, ano em que as telecomunicações no Brasil
foram privatizadas. As empresas estatais mencionadas foram desestatizadas.
Outras leis sobre as telecomunicações foram publicadas posteriormente, mas
todas apoiadas no Código que se limitava a definir os meios de comunicação, de que
forma as concessões se davam, definir a telefonia fixa e determinar que esta era de
monopólio da União, estabelecendo que as normas operacionais deveriam estar
subordinadas ao Minicom.
Fica evidente que o Estado definia tudo o que dizia respeito às telecomunicações
no Brasil, as discussões estavam limitadas ao governo e aos empresários, parte mais
interessada, e estes faziam suas proposições que podiam ou não ser aceitas pelo
4
governo. Em nenhum momento a sociedade civil pode estar inserida neste debate, até o
processo da revisão constitucional, ocorrida cerca de 30 anos depois da publicação do
Código.
Fadul aponta para o papel censório e ideológico que o Estado cumpriu no
período que sucedeu a promulgação do Código:
Se poderia dizer que a verdadeira política de comunicação nesse
período resultou do esforço em se conseguir ampliar o acesso à comunicação
através das telecomunicações, mas com o controle ideológico nas mãos do
Estado, que além da censura ainda tinha outras formas de controle, como a
política de concessão de emissoras de rádio e televisão20.
Na mesma perspectiva Caldas, chama a atenção para a ausência de uma política
de comunicação, resumindo-se as ações do Estado na definição de formas reguladoras
da mídia, como mero apêndice dos interesses do setor empresarial.
Até o início dos anos 60 não havia uma política clara de comunicação no
país. A regulamentação do Código Brasileiro de Telecomunicações em 1962 com
a prerrogativa da concessão exclusiva ao presidente da República, possibilitou que
a mídia eletrônica fosse usada como moeda de troca dos interesses políticos. A
legislação autoritária permitiu que o governo militar instalado em 1964,
promovesse o desenvolvimento tecnológico nacional com a expansão das
telecomunicações, área considerada estratégica para o controle político do país. Ao
mesmo tempo possibilitou a concessão de emissoras de rádio e de televisão aos
amigos do sistema. Com isso os proprietários da mídia eram invariavelmente
empresários vinculados ao governo ou políticos acostumados à prática do
clientelismo21.
Em uma leitura complementar está o escopo da análise de Melo, ao reduzir a
função do Estado, na definição das políticas de comunicação, à condição de mero
árbitro dos interesses do capital.
No caso latino-americano, a Política de Comunicação prevalecente tem
sido a de assegurar a propriedade e o uso dos meios de comunicação de massa
às classes dominantes (iniciativa privada), atuando o Estado como árbitro
5
(controle político) das pendências entre as forças econômicas em competição e
como provedor (anunciante, financiador) de recursos para sua manutenção, (...)
a burguesia explora os meios de comunicação de massa como reprodutores de
capital, cabendo ao Estado o controle da propriedade e do seu funcionamento
político.22
Não se pretende com estas proposições iniciais problematizar a conceituação de
políticas públicas de comunicação23 que vem sendo exercida ao longo dos últimos 40
anos no Brasil, mas evidenciar que o produto da legislação da comunicação é,
sobretudo, o estreitamento das relações entre o Estado e o empresariado do setor das
comunicações, especialmente no que se refere à política de concessões/permissões da
mídia de massa. Observemos ainda nesta perspectiva que novos fatores, como a cultura,
devem ser incorporados ao debate da formulação das políticas regulatórias. Há, para
além, das motivações econômicas, a imanência da cultura ao poder da indústria
midiática, conforme alerta Mattelart.
(...) No momento em que as políticas governamentais de democratização
cultural e a idéia de serviço de monopólio públicos são confrontadas com a lógica
comercial num mercado em vias de internacionalização, trata-se de penetrar na
complexidade dessas diversas indústrias para tentar compreender o processo crescente
de valorização das atividades culturais pelo capital.24
O mercado de TV por assinatura espera que o país tenha mais de 16 milhões de
assinantes até o ano de 2005. A estatística isoladamente não explica o contexto da
produção simbólica da mídia segmentada. Os investimentos nas três modalidades de TV
por assinatura, cabo, MMDS e DTH, mostram a compreensão que o setor tem do
potencial da população para o consumo do produto televisão e de seus serviços de valor
agregado, como a Internet.
Nos últimos anos, vários pesquisadores têm se debruçado sobre as temáticas
oriundas da política cultural e regulatória dos serviços de TV por assinatura. A TV a
cabo provocou diversos debates em virtude da excepcionalidade da lei que
regulamentou o serviço25. As tecnologias MMDS (Carvalho, 199826; Herz, 199527) e
DTH, considerados serviços especiais pela Lei Geral28 e Mínima 29, experimentarão uma
6
legislação detalhada em uma nova regulação de comunicação de massa 30, que
analisaremos a seguir.
O cenário regulatório
As mudanças regulatórias nos serviços de MMDS e DTH tiveram início com a
promulgação da
Lei Mínima,
que criou a
Anatel (Agência
Nacional de
Telecomunicações) e as bases para o oferecimento de serviços privados em
telecomunicações; e a Lei Geral de Telecomunicações (LGT) que normatizou a política
de satélites e o DTH. No final de 1997, o ex-ministro das Comunicações, Sérgio Motta
dá início ao processo de elaboração do projeto que poderá se tornar a Lei de
Comunicação Eletrônica de Massa.
Pela proposta original a nova lei, englobará a área da radiodifusão (rádio e
televisão), ainda regulamentada pela parte não revogada do CBT – Código Brasileiro de
Telecomunicações, juntamente com as modalidades de TV por assinatura. Por perceber
a necessidade de atualizar a radiodifusão e por não ser caracterizada como modalidade
de telecomunicações, a radiodifusão ficou de fora da Lei Geral de Telecomunicações.
Em 1998, a equipe concluía o anteprojeto da lei de comunicação eletrônica de
massa. De acordo com o calendário proposto pelo Ministério das Comunicações o
anteprojeto deveria ser enviado ao Congresso Nacional em abril daquele mesmo ano,
para que a votação acontecesse após as eleições do 1º turno, devendo ser discutido antes
em audiências públicas por todo o país. O prazo não foi cumprido. A consulta pública
se reduziu a algumas perguntas disponibilizadas no site do Ministério das
Comunicações.
Toda a elaboração do projeto foi feita à margem da sociedade, não tendo as
consultas públicas sido realizadas conforme estavam previstas. No entanto,existe a
esperança de que esse quadro mude quando o anteprojeto chegar ao Congresso
Nacional, onde a atuação dos partidos poderá
gerar o debate não ocorrido até o
momento.
Foram divulgadas duas versões do anteprojeto, conhecidas como quinta versão31
e sexta versão 32. Mesmo com o Minicom negando que a sexta versão seja a oficial, ela
tem uma tendência maior a privilegiar o setor empresarial das comunicações.
7
A divulgação via Internet do teor do projeto atrapalhou os planos do governo.
À medida que grupos organizados tomaram ciência das mudanças que estavam por vir
no setor das comunicações, iniciou-se um debate nacional, ainda que não organizado ou
reconhecido pelo Poder Executivo, através dos pesquisadores da área. Segundo Alberto
Dines, “a sociedade – destinatária do processo de comunicação social mais uma vez fica
de fora, sem voz e voto para manifestar seus interesses. Como tantas vezes já
aconteceu”.33
Diante dos fatos, o Minicom procurou se justificar dizendo que o anteprojeto
ainda se encontrava em vias de elaboração e que não iria para o Congresso Nacional
sem antes passar por consultas públicas.
As mudanças
Especificamente no campo da TV por assinatura, objeto de nosso estudo, são
propostas alterações importantes no anteprojeto. A Lei 8.977, que regulamenta o serviço
de TV a cabo, é revogada no anteprojeto, embora seu conteúdo permaneça no teor do
anteprojeto da Lei de Comunicação Eletrônica de Massa. Os serviços de MMDS e
DTH, até então considerados serviços especiais são incorporados à lei de forma tímida.
Os principais avanços conquistados na legislação do serviço de TV a cabo não
são estendidos às demais tecnologias. Apenas as especificações contidas na Lei da TV a
cabo, como os canais de utilização gratuita serão oferecidos pelo MMDS e DTH. A
intenção do Ministério das Comunicações é focar-se no serviço prestado independente
da tecnologia empregada, nesse sentido, os aspectos tecnológicos foram suprimidos.
A aplicação das penalidades no caso de descumprimento da legislação também
foi flexibilizada. A mudança do valor da multa que na quinta versão era de R$ 50
milhões, foi reduzida para R$ 10 milhões no anteprojeto mais recente. A alteração
suscita a correlação de forças dos grupos de pressão empresariais na alteração do
anteprojeto.
Os capítulos V e VII que se referiam a prestação de serviços, dos prazos e da
extinção da autorização, simplesmente foram suprimidos de uma versão para outra.
Esses capítulos tratavam de questões da propriedade nacional dos serviços de TV por
assinatura, conforme mencionado no Artigo V.97 da 5ª versão:
8
A autorização para prestação dos serviços de TV a cabo e de [distribuição via
satélite] será dada exclusivamente a pessoa jurídica de direito privada na qual, no
mínimo, cinqüenta e um por cento do capital social com direito a voto pertença, direta
ou indiretamente, a brasileiros ou a sociedade sediada no País, cujo controle pertença a
brasileiros.
Para uma compreensão dos aspectos
legais em vigor e que poderão sofrer
alterações com a nova legislação, apresentamos o quadro comparativo a seguir. A
comparação não tem a pretensão de esgotar a análise das intencionalidades dos projetos,
mas incrementar a observação dos cenários possíveis na re-regulação.
Quadro comparativo da legislação em vigor e a proposta pelo governo
Regulamentação atual
TV a cabo: regulamentada pela Lei 8.977
Princípio da participação da sociedade. A
regulamentação da TV a cabo deverá ser apreciada
pelo Conselho de Comunicação Social.
Prevê a existência de canais básicos de utilização
gratuita (canal universitário, canal comunitário, canal
educativo/cultural,
canal
legislativo
municipal/estadual, canal reservado ao Senado e
canal reservado à Câmara dos Deputados).
O Poder Executivo estabelecerá normas sobre a
utilização dos canais de prestação eventual e
permanente de serviço.
Garante 2 canais para as prestação de serviço
eventual. (cabo)
30% dos canais disponíveis serão utilizados para a
prestação de serviços permanentes
Compete ao Poder Executivo a outorga, por
concessão, do serviço de TV a Cabo, a entidade de
direito privado que pelo menos cinqüenta e um por
cento do capital social, com direito a voto, pertença a
brasileiros natos ou naturalizados há mais de dez anos
ou a sociedade sediada no País, cujo controle pertença
a brasileiros natos ou naturalizados há mais de dez
anos.
Modificações previstas no anteprojeto da Lei da
Comunicação Eletrônica de Massa
A Lei 8.977 é revogada, mas parte de seu conteúdo
passa a integrar a Lei da Comunicação Eletrônica de
Massa.
Não menciona o Conselho de Comunicação Social
em nenhum item dos anteprojetos, ficando o Poder
Executivo e o órgão regulador responsável por toda e
qualquer regulamentação dos serviços.
Mantém os canais básicos de utilização gratuita no
artigo que trata do transporte obrigatório no serviço
de TV a cabo.34
Transfere para o órgão regulador o poder de
estabelecer normas sobre a utilização dos canais
destinados a prestação eventual e permanente de
serviço.
Fica assegurado apenas 1 canal para prestação de
serviço eventual. (cabo)
Cai para 15% a reserva de canais disponíveis.
Pela versão 5 as concessões são de responsabilidade
do órgão regulador e serão dadas para entidades de
direito privado cujo capital seja de pelo menos 51%
pertencente a brasileiros. A versão 6 retira o capítulo
VI que trata da autorização no regime privado, não
mencionando a propriedade cruzada.
MMDS e DTH não possuem regulamentação para a A prestadora de serviço de distribuição de sinais
utilização dos canais básicos.
multicanal terrestre e satélite com capacidade superior
a 48 canais fica obrigada ao transporte dos canais
básicos de utilização gratuita, referidos no do serviço
de TV a cabo.
9
As versões divulgadas apresentam pontos divergentes. Talvez a mudança mais
surpreendente fique por conta da Anatel. Será ela quem regulará o setor, em ambas as
versões, embora tenham sido retiradas algumas de suas responsabilidades da quinta para
a sexta versão. Não é objeto deste trabalho compreender a extensão do poder que o
órgão regulador terá a partir da lei, mas denotar que o governo Fernando Henrique
Cardoso sedimentará na área das comunicações, a prática de atribuir aos organismos
“externos” ao governo, a competência para a fiscalização e controle de setores
estratégicos do Estado.
Conclusão
É ainda prematuro absolutizar qualquer inferência sobre o caráter que a Lei de
Comunicação Eletrônica de Massa terá no atendimento ao interesse público, mesmo
constatando-se o fato de que os documentos ora analisados foram produzidos pela
burocracia do Ministério das Comunicações, e se constituem em cenários possíveis.
Esta configuração hipotética tornaria qualquer abordagem sobre o processo regulatório
mera especulação.
Não obstante, é preciso identificar nos anteprojetos tornados públicos, não
apenas as intenções dos formuladores, mas um olhar atento pode remeter vários
aspectos das versões em debate à convergência do modelo de Estado e de relações que o
governo federal tem esboçado na configuração das políticas públicas.
A compreensão mais significativa que podemos estabelecer desta convergência
é a incapacidade de diálogo do governo com a sociedade. A evidência do fato pode ser
atribuída à forma como os anteprojetos chegaram ao conhecimento público, por meio
dos serviços de informação “Acessocom” e “Telecom”. Apesar das missivas do ministro
Pimenta da Veiga de que a lei será exaustivamente debatida com os setores da sociedade
civil, o que se observa é a intenção maculada de que chegue ao Parlamento um projeto
sacramentado apenas pelos setor empresarial, que historicamente tem seus interesses
assegurados na formulação das políticas de comunicação.
Outra opção que se apresenta para a transparência do debate seria a retomada
dos mecanismos de consulta pública por meio de audiência, com conhecimento prévio
dos interessados do teor dos atos normativos propostos pelo governo e por conseguinte,
10
o estabelecimento de negociação entre as proposições em debate, a exemplo do modelo
mediador conquistado na elaboração da Lei da TV a Cabo.
É possível reconhecermos a partir da análise proposta avanços nos anteprojetos
no atendimento às finalidades públicas das concessões/permissões dos serviços de TV
por assinatura. O estabelecimento dos canais educativos-culturais, a produção original
de parte da programação,
a disponibilização destes serviços aos estabelecimentos
públicos de ensino, a produção de 15% do conteúdo em Língua Portuguesa e a
manutenção dos canais de utilização gratuita previstos na legislação da TV a cabo
podem ser vistos na perspectiva de acesso público dos serviços.
No entanto, vários pontos dos anteprojetos permanecem obscuros como a
ausência de definição dos direitos dos usuários, política de estímulo ao desenvolvimento
tecnológico e industrial do setor e a delimitação de condições e prazos para as
atribuições delegadas ao órgão regulador.
Assiste-se ainda de maneira controversa as definições de caráter econômico da
nova legislação, especialmente na caracterização da participação do capital estrangeiro,
na não obrigatoriedade da realização de licitação para as autorizações e na criação de
mecanismos inibidores do monopólio. Neste último aspecto constata-se uma mudança
de rumos entre a quinta e a sexta versão, com a supressão do princípio da propriedade
cruzada.
Os anteprojetos não consubstanciam a discussão em torno do conteúdo da
programação. A tímida iniciativa da criação de receptores eletrônicos para os programas
considerados inadequados não problematiza com a densidade devida a questão cultural
da televisão. Despreza-se assim, a oportunidade de elaborar uma lei que constitua-se em
um referencial para o aperfeiçoamento do controle público da informação, objeto do
pensamento contemporâneo sobre as determinações das políticas culturais e suas
implicações no nível da produção de comportamentos, ideologia e relações sociais.
Enfim, sem espelharmos em clichês e modismos é preciso elevarmos o debate da
formulação de políticas públicas de comunicação no país ao patamar que o diálogo
democrático construiu em outros países, com a oxigenação dos organismos burocráticos
do Estado e a incorporação da noção da função pública da mídia construída a partir da
participação da sociedade, visando a assimilação da pluralidade que contribui para
diluir o abismo social e cultural do país.
11
1
Jornalista. Professor das Faculdades de Valinhos, PUC Campinas e Universidade de Sorocaba.
Coordenador
do Grupo de Trabalho de Políticas de Comunicação da
Intercom.
Email:
juliano.carvalho@uol.com.br
2
3
Jornalista. Pesquisadora em Novas Mídias. Email: angelagrossi@uol.com.br
A pesquisadora Roseli de Cássia Marinho, também participa da pesquisa sobre os
desdobramentos regulatórios da TV por assinatura no cenário da nova legislação de comunicação de
massa e contribuiu na produção do presente trabalho. Email: roselica@uol.com.br
4
A TV a Cabo é um sistema de telecomunicações que transporta unidirecionalmente sinais de
TV, com distribuição a assinantes, geralmente através de cabos coaxiais. O serviço é distribuído a
assinantes e prevê retransmissão de programas de terceiros, produção e transmissão de programas gerados
na própria estação de transmissão, bem como outros serviços de caráter unidirecional.
5
MMDS: do inglês Multipoint Multichannel Distribution Service. Distribuição de Sinais
Multiponto Multicanal. O serviços é operado em várias cidades brasileiras.
6
DTH: do inglês Direct to the Home (Direto ao Lar).
7
Sobre a definição de modelos metodológicos, optamos em trabalhar com a abordagem proposta
por LOPES, Maria Immacolata Vassalo. Pesquisa em comunicação: formulação de um modelo
metodológico. São Paulo: Loyola, 1990. 148p.
8
Para uma categorização das possibilidades metodológicas e sua aplicabilidade na pesquisa em
comunicação no Brasil ver o artigo de Sérgio Capparelli: CNPQ. A pesquisa em comunicação no Brasil:
avaliação e perspectivas – CNPQ. Intercom – Revista Brasileira de Comunicação. São Paulo, n. 62/63,
p. 5-45, 1990.
9
A definição de controle público sobre o conjunto dos sistemas de comunicação é originária da
formulação do documento: BASES DE UM PROGRAMA PARA A DEMOCRATIZAÇÃO DA
COMUNICAÇÃO NO BRASIL: Proposta de caminhos e atitudes para transformações revolucionárias
na esfera pública do país, publicado pelo Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação em 31
de julho de 1994, em Salvador-BA. O texto conceitua o controle público como “...uma resposta
estratégica (...) ao conteúdo, a essência do que os meios produzem e veiculam. O controle será exercido
para desbloquear a política como o trânsito das essências. (...) Graças a este sentido politizado das
relações multilaterais envolvendo o controle público que se pode relativizar a natureza da propriedade dos
meios de comunicação como fator de condicionamento e determinação exclusiva da sua operação e
cumprimento do seu papel social. Sejam estes submetidos a formas privadas, estatais ou mistas, os meios
de comunicação sempre cumprem funções que são objeto de interesse público. E o controle público deve
ser um fator de configuração desta natureza pública. Trata-se de um impulso que, se bem sucedido,
poderá ser vertebrador do desenvolvimento consciente da cultura nacional e de uma nova esfera pública.
O Público, assim entendido, não é um lugar especial, como pretendem alguns, associado mecanicamente
a alguma forma de propriedade, mas é uma qualidade das relações. (...) O controle público constitui
instrumento para o enfrentamento de questões e problemas que não encontram representação e não são
acolhidos pelas formas institucionais próprias da era moderna e da tradição republicana. Pretende ser,
12
portanto, uma resposta contemporânea aos problemas da contemporaneidade, como é o caso das
determinações dos meios de comunicação sobre a cultura, a política e a economia”.
10
MELO, José Marques. Desafios da pesquisa brasileira de comunicação nos anos 90. Intercom
- Revista Brasileira de Comunicação. São Paulo, n. 62/63, p. 179-81, 1990.
11
TELLEN, K. E STEIMO S. Historical institucionalism in corporative politics. In SEVEN. S.:
THELEN, K. e LONGSTRETH, F. Struturing Politics: Historical Institucionalism in Corporative
Analysis.: New York : Cambridge University Press. 1992.
12
IMMERGUT, Ellen M. As regras do jogo: a lógica da política de saúde na França, na Suíça e
na Suécia. RBSC. n. 30, ano 11, p. 143, 1996.
13
BRAYBROOKE, David e LINDBLOM, Charles. Uma Estratégia de Decisão Social, Rio de
Janeiro: Zahar, 1972.
14
O termo comunicações, no plural, é usado para caracterizar a convergência entre meios de
comunicação de massa, telecomunicações e informática, apud RAMOS, Murilo Cesar & MARTINS,
Marcus. A TV por Assinatura no Brasil; conceito, origens, análise e perspectivas. p. 1.
15
Barganha: concebida aqui como “comércio de interesses” de acordo com Easton e como uma
modalidade de intercâmbio ou troca de vantagens como foi definido por Lindblom.
16
HERZ. Daniel. A renúncia a uma política de telecomunicações, em nome da telefonia e da
radiodifusão. In: XX CONGRESSO BRASILEIRO DE CIÊNCIAS DA COMUNICAÇÃO – INTERCOM, 1997,
Santos – SP. Anais...Santos, 1997.
17
Brasil, Lei nº 4117, de 27 de agosto de 1962. Código Brasileiro de Telecomunicações. Diário
Oficial da União, Brasília, 1962. Seção 1.
18
MACULAN, Anne-Marie. Processo decisório no setor de telecomunicações. Tese de
Mestrado – UFRJ, Rio de Janeiro, 1981. p. 36-37.
19
Ídem, MACULAN, Anne-Marie. p. 42.
20
FADUL, Anamaria. Comunicação, cultura e informática no Brasil: desafios atuais. Intercom -
Revista Brasileira de Comunicação. São Paulo, n. 61, p. 13-30, jul./dez. 1989.
21
CALDAS, Graça. O Latifúndio do Ar (Mídia e Poder na Nova República). Tese de
Doutorado em Ciências da Comunicação, apresentada à Escola de Comunicações e Artes da USPUniversidade de São Paulo, 1995.
22
MELO, José Marques de. Comunicação: teoria e política. São Paulo: Summus, Novas buscas
em comunicação, v.1, 1985. 139p.
23
Optamos pela assunção do conceito de políticas de comunicação como o “programa de
intervenções realizado pelo Estado, instituições civis, entidades privadas ou grupos comunitários, com o
objetivo de satisfazer interesses e processos”, observado por CAPPARELLI, Sérgio. Das políticas de
comunicação à comunicação política (e vice versa). PreTextos, 8 dez. 1997
24
MATTELART, Armand, MATTELART, Michèle. História das teorias da comunicação.
São Paulo: Loyola, 1999. 220p.
25
RAMOS, Murilo Cesar & MARTINS, Marcus. A TV por Assinatura no Brasil: conceito, origens,
análise e perspectivas. In: XVIII CONGRESSO BRASILEIRO DE CIÊNCIAS DA COMUNICAÇÃO INTERCOM, 1995, Aracajú. Anais... Aracajú, 1995.
13
26
CARVALHO, Juliano Maurício de. TV por Assinatura: mercado e processo regulatório do MMDS.
In: XXI CONGRESSO BRASILEIRO DE CIÊNCIAS DA COMUNICAÇÃO - INTERCOM, 1998, Recife. Anais...
Recife, 1998.
27
HERZ. Daniel. Proposta para a regulamentação do MMDS: estatuto público, complementaridade e
competitividade. In: XVIII CONGRESSO BRASILEIRO DE CIÊNCIAS DA COMUNICAÇÃO – INTERCOM,
Aracajú – SE. Anais...Aracajú, 1995.
28
BRASIL. Lei Geral de Telecomunicações n. 9.472. Dispõe sobre a organização dos serviços
de telecomunicações, a criação e funcionamento de um órgão regulador e outros aspectos institucionais,
nos termos da Emenda Constitucional n. 8, de 1995. Diário Oficial da União. Brasília. 17 jul. 1997.
29
BRASIL. Lei Mínima
n. 9.295. Dispõe sobre os serviços de telecomunicações e sua
organização, Serviço Móvel Celular, Órgão regulador e dá outras providências. Diário Oficial da União.
Brasília. 19 jul. 1996.
30
BRASIL. Anteprojeto da Lei de Comunicação Eletrônica de Massa: 6ª versão. Dispõe
sobre serviços de radiodifusão, demais serviços de comunicação eletrônica de massa, e dá outras
providências.
Capturado
em
03
maio
2000.
Online.
Disponível
na
Internet.
http://www.acessocom.com.br/lei_comunica6.asp
31
Divulgada na Internet pelo EPCOM (Instituto de Pesquisas em Comunicação) e capturada no
site http://www.acessocom.com.br . A informação é de que esta versão do anteprojeto tenha sido
divulgada no dia 10 de dezembro de 1998.
32
Divulgada pelo Telecom e capturada no site http://www.anatele.com.br
33
DINES, Alberto. E a Sociedade Civil?. Capturado em 23 maio 2000. Online. Disponível na Internet.
http://www2.uol.com.br/observatorio/obsabril/soccivil.html
34
A única alteração fica na redação do canal comunitário. Na Lei do cabo era: um canal
comunitário aberto para utilização livre por entidades não governamentais e sem fins lucrativos; a
redação da LCEM diz: um canal de acesso comunitário aberto, para uso compartilhado por entidades
não governamentais, sem fins lucrativos.
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