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ELEGIA Como o Espírito de Deus usa o conceito de ELEGIA nas Escrituras Wellington José Ferreira 1 Funeral do Imperador Pedro II do Brasil. Seu corpo está sendo carregado sobre as escadas da Igreja da Madeleine, Paris, France 2 INTRODUÇÃO A palavra "cosmogonia" emana do grego antigo, composta por duas raízes: Cosmos: Significa "universo", "mundo ordenado" ou "sistema". Gonia: Traduzida como "nascimento", "origem" ou "geração". Cosmogonia é o conjunto de lendas, mitos, crenças, lugares ou dimensões celestiais, poderes ou divindades que dão origem ao universo, segundo a religião, ou folclore mágico de determinado povo. As cosmogonias celebravam a criação do universo e os eventos, normalmente trágicos que deram origem à morte. O mundo espiritual não é uma percepção exclusiva dos profetas hebreus. Paulo declara na epístola de Romanos: “pois o que de Deus se pode conhecer é manifesto entre eles, porque Deus lhes manifestou. Os atributos invisíveis de Deus, seu eterno poder e sua natureza divina, têm sido vistos claramente, sendo compreendidos por meio das coisas criadas”. A religião antiga tem insights, revelações, conceitos espirituais que têm origem em Deus. Quando as Escrituras bíblicas concedem visões, símbolos e tipos das coisas espirituais e estas visões possuem semelhança com histórias, cenas, conceitos de visões egípcias, gregas, ou das antigas religiões, o que está acontecendo não é mera coincidência. Porque tais insights possuem a mesma fonte. O Espírito de Deus que concedeu revelações para profetas de muitas nações, mas que por estarem envolvidos em práticas mágicas e influenciados pela religiosidade e ignorância espiritual, perderam o sentido último, envolveram a revelação em idolatria, em ritualismo e em situações que envolviam as famílias reais do passado, e suas superstições. Salomão disse isso de outro modo: Ele fez tudo belo a seu tempo. Também pôs a eternidade no coração do homem, sem que este consiga compreender a obra que Deus fez do começo ao fim. Então, parte do que os xamãs e sacerdotes entenderam, sonharam, era sombra, um esboço, uma inspiração da parte de Deus, cujo verdadeiro sentido e significado só teriam lugar quando Jesus se manifestasse na terra. Isso é importante frisar porque o Espírito de Deus não necessita pagar direitos autorais à imaginação religiosa, e as acusações de plágio dirigidas pelos críticos às Escrituras, são caluniosas. Porque o que nas religiões antigas possui semelhança com as revelações bíblicas, procedem do mesmo autor. Deus. A palavra “celestial” neste estudo engloba a dimensão espiritual, o além, o porvir, as dimensões e lugares invisíveis de um modo geral. Por 3 exemplo, a dimensão da morte, o reino dos mortos é parte do “celeste” ou de outro modo a região da morte, como um lugar para onde migram, descem, sobem, passam, chegam as almas, pertenceria à esfera do “celestial”. Antes de dar início a esse estudo, para que o leitor possa ter mais fluidez na leitura dos conceitos expostos, o excesso nas explicações, os eventos diversos que corroboram a argumentação, foram devidamente desviados para o anexo no final do estudo. E o outro ponto, após reunir uma gama de informações consideráveis em algum capítulo, compreendi que era melhor tecer considerações bíblicas neste mesmo capítulo. O ROTEIRO SIMPLIFICADO DESSE ESTUDO É: - - - Uma visão sobre como os antigos entendiam a morte Uma visão sobre a mágica e a religiosidade, como a espiritualidade dos povos dependia do modo como tratavam seus mortos Uma visão de como o homem da antiguidade desejou mudar seu destino eterno Uma visão sobre os significados presentes nos rituais de elegia Uma visão sobre como os deuses da antiguidade foram gerados a partir de seres humanos falecidos, porém divinizados Uma visão sobre as almas sem morada, os fantasmas Um aprofundamento sobre a arte da carpideira Uma visão de como a paixão, morte e ressurreição de Jesus desconstrói, ressignifica e modifica maravilhosamente o ritual de Elegia. Na qual o último movimento da Elegia, é nele alcançado. Porque é Cristo que substituirá a canção da Elegia pela canção da ressurreição. Rio de Janeiro, mais ou menos 09 de maio de 2024, O autor 4 CAPÍTULO I - SOBRE A MORTE A revelação das Escrituras não é de caráter particular, nem temporal. Ela não foi escrita para o judeu ou para o grego e sim para a toda a humanidade de todas as épocas. Ela é riquíssima em tradições espirituais de TODOS OS POVOS, em especial dos egípcios, cuja civilização teve a oportunidade de acompanhar de perto o desenvolvimento das Escrituras, a manifestação dos profetas e o impressionante tabernáculo, em atos religiosos que poderia fazê-los REPENSAR todo o escopo de suas crenças. Porque nelas, nas liturgias do sacerdócio levita, na pedagogia dos milagres e profecias dos profetas, seu mundo mágico de adoração à morte ficava desnudado. A nação politeísta foi tocada de modo profundo. Israel carrega uma vocação monoteísta clara, desde sua escravidão no Egito. A revolução de Aquenáton, o faraó que acabou com 2 mil deuses e instaurou o monoteísmo no Egito, só aconteceu centenas de anos após a saída de Israel do Egito. Não foi o Egito que influenciou Israel. Muitas vezes o orgulho dos egiptologistas não permite que não compreendam a PROFUNDIDADE do cataclisma que conduziu um faraó a mudar sua própria religião, MILENAR. O evangelho foi escrito para que todas as religiões cujo misticismo herdou sua essência do esoterismo, da mágica, do ritualismo e da mítica egípcia, enxergassem sua imperfeição, e que todos os mistérios são uma sombra vaga, uma leitura ruim, indefinida, esfumaçada, da maravilhosíssima e abrangente pessoa de Cristo. Porque a pessoa de Cristo TRANSCENDE e ilumina significados, dá sentido ao mistério, que não se cumpre na ficção mágica. É simplesmente DESLUMBRANTE o ministério, os atos, os gestos, o ensino e a profecia de Cristo, ao vermos como REVERBERAM na religião, nas artes, na cultura egípcia. Posso afirmar em número, grau e gênero que a PESSOA DE JESUS é a única chave capaz de abrir os mistérios da religião do Egito. Pelo fato de desconhecerem, tanto a pessoa de Cristo como a profundidade do Evangelho. Muitos deixam de perceber a realidade espiritual que inspira a Teologia egípcia. E que está ESCONDIDA dentro de sua linguagem sacerdotal, a língua sagrada, leia-se, hieróglifos. Para exemplificar esse conceito, de que as coisas espirituais tem origem em Deus, que os mistérios da religiosidade humana se cumprem, se desvendam, se desnudam em Cristo, vou trazer uma visão 5 (literalmente falando) de uma revelação que Jesus concedeu através do Espírito de Deus na ilha de Patmos ao apóstolo João: O NOME RISCADO Apocalipse 3.5 O vencedor será assim vestido de vestiduras brancas, e de modo nenhum apagarei o seu nome do Livro da Vida; pelo contrário, confessarei o seu nome diante de meu Pai e diante dos seus anjos. Ainda neste contexto mágico-religioso de uso de palavras para substituir ações e garantir um bom destino no Além, de acordo com Schneider (1977:302-303), a presença do nome do morto nas estatuetas teria a função específica de servir como um meio de sua preservação no Além, pois é sabido da importância do nome como um dos constituidores do ser humano como tal e como ser vivo, sendo que, sem o seu nome, o morto é esquecido e condenado à destruição absoluta, sem direito a uma vida após a morte na “Terra do Deus”, sendo que o mesmo aconteceria caso houvesse um julgamento desfavorável no tribunal de Osíris, condenando o morto a ser devorado por Aman, isto é, à aniquilação ou segunda morte. Nas estatuetas funerárias a inscrição mAa-xrw (JUSTIFICADO, ou EM VERDADE, SEGUNDO A VERDADE), pode ser encontrada sempre após o nome do morto, desde o Segundo Período Intermediário. Deve-se levar em conta, que o uso do termo maA-xrw seguindo o nome do morto expressa o desejo do mesmo em ser considerado “justo de voz”, isto é, alguém que está de acordo com a maat, o que seria verificado durante a cerimônia descrita no Capítulo 125 do Livro dos Mortos, momento em que o morto é julgado no tribunal de Osíris e tem seu coração pesado. Portanto, de acordo com a lógica mágico-religiosa dos egípcios o fato do termo maA-xrw aparecer escrito no artefato juntamente com o nome do morto garantiria que a absolvição fosse atribuída, permitindo que o falecido goze dos atributos de um pós-vida osiríaco, nos Campos do Além, sempre de acordo com a maAt, por ser um “justo de voz”, um “justificado” perante Osíris. Apagar o nome do morto para o egípcio é o equivalente aos gregos a cessar a oferenda mortuária. Sem o nome o espírito/alma do morto deixaria de existir. Pois haveria um feitiço sem endereçamento, dirigido a ninguém, porque só o corpo não basta para averiguar quem é quem no julgamento final. Seus “caixões” seriam lidos, consultados. Apagar ou RISCAR o nome do sarcófago era desejar que o morto JAMAIS VIESSE A RESSUSCITAR. Que jamais tornasse a viver. Nome sendo apagado num sarcófago: 6 É dessa representação que o Espírito de Deus EXTRAI A IMAGEM para O LIVRO DA VIDA. Do temor extremo que os egípcios tinham de ter, LITERALMENTE, seus nomes RISCADOS, porque assim não seriam RECONHECIDOS, não seriam tido como JUSTIFICADOS, e mesmo que conduzidos ao TRIBUNAL ou JUÍZO DIVINO, não estariam PROTEGIDOS de suas próprias maldades. 7 A VISÃO DA MORTE NA ANTIGUIDADE A sociedade vitoriana fez do corpo morto um objeto de culto e o celebrou em requintadas cerimônias fúnebres nas quais a ostentação e o luxo expressavam, mais do que qualquer outra coisa, a exata dimensão da dor. (Três lições da história da morte / Juliana Schmitt. -- Rio de Janeiro : Ed. UFRJ, 2023.) Não somos senhores de nossa morte, ela não nos pertence. Estamos condenados a interrogá-la desde sempre como se se tratasse de uma estrangeira. Somente os outros morrem. No entanto, se nos é impossível “dizer” a morte, o que nos resta, consola Jankélévitch, é “pensar a propósito dela, ou em torno dela; obliquamente e deslizando pelas laterais” (Jankélévitch, 2021, p. 230). Não há, porém, mito humano sobre a origem da morte Ela simplesmente tem início espontâneo, brota, surge, aparece, é manifestada, a partir de algum evento, sem que haja em algum mito, uma revelação, um esclarecimento sobre sua natureza, ou ao evento primário que culminou em sua CRIAÇÃO. Então, numa simplificação mítica, ela surge de um erro de um animal fantástico, num ato de desobediência aos deuses, como punição por violar uma lei sagrada, como fruto da destruição de um objeto sagrado. O homem é mortal porque um ancestral mítico perdeu, estupidamente, a imortalidade, ou porque um ente sobrenatural decidiu privá-lo da imortalidade ou porque, após um determinado evento mítico, ele se encontrou dotado simultaneamente de sexualidade e mortalidade etc. Alguns mitos explicam a origem da morte por um acidente ou por uma inadvertência: o mensageiro dos deuses, um animal, esquece a mensagem ou, por preguiça, chega tarde demais, etc. É uma maneira pitoresca de exprimir o absurdo da morte - (Mito e Realidade Mircea Eliade) Os gregos possuíam o mito das Moiras. Onde os mortais sofrem ação direta das Moîras — as fiandeiras responsáveis pelo destino; filhas de Thêmis, (deusa da justiça divina) com Zeus ou de Nix com Zeus. O destino humano é filho da Noite porque nasce do simbólico. Essas entidades são assim caracterizadas: A primeira, Cloto, é responsável por preparar o fio. É aquela que segura o fio e o puxa. Preside o nascimento dos homens. A segunda, Láquesis, é a que estende o fio e deixa-o retilíneo. É também aquela que sorteia o nome de quem vai morrer, porém sem definir quando. Ela é identificada também como aquela que 8 preside o casamento. A terceira, Átropos, é quem corta o fio da vida. É chamada de “a inflexível” porque preside a morte. A partir do que as antigas civilizações compreendiam como a morte, podemos compreender muito do ritualismo que envolve os ritos de “passagem”, os simbolismos e expectativas dos vivos em relação aos mortos, e assim compreender a motivação dos atos fúnebres, alguns de caráter mágico. E a partir disto compreender o que significava para eles a elegia e finalmente compreender como o Espírito de Deus através da boca de seus profetas usará até mesmo a celebração da morte para anunciar o sentido da vida. Observando que a finalidade deste estudo não é definir o quanto as visões sobre a morte dos povos antigos refletem uma revelação divina ou até que ponto concordam com aquilo que as Escrituras declaram sobre as regiões da morte. Quem melhor IMAGINOU a morte, certamente, foram os egípcios. A morte era vista como uma passagem para a Duat, o mundo dos mortos, onde o julgamento de Osíris determinava o destino da alma. Mas isso não era tudo. A geografia do Duat é similar em linhas gerais para o mundo que os egípcios conheciam. Há características realistas, como rios, ilhas, campos, lagos, montes e cavernas, juntamente com lagos fantásticos de fogo, paredes de ferro e árvores turquesa. No livro de duas maneiras, um dos Textos de Coffin, há até mesmo uma imagem do mapa-como do Duat. Localizados no Duat, o reino dos mortos egípcios, os Campos de Aaru eram o destino das almas que viviam de acordo com os princípios de Maat (ordem, justiça e equilíbrio). O acesso era concedido por Osíris, deus do submundo, após pesagem do coração na Balança da Justiça. Os Campos de Aaru eram retratados como campos férteis e extensos, onde os habitantes podiam cultivar, colher e desfrutar dos frutos de seu trabalho em um ambiente tranquilo e harmonioso. Ao contrário do submundo grego, onde as almas vagavam sem contato com seus entes queridos, os Campos de Aaru permitiam a reunião com familiares e amigos falecidos, proporcionando conforto e alegria na vida após a morte. A vida nos Campos de Aaru era livre de preocupações, sofrimentos, doenças e angústias. As almas desfrutavam de saúde perfeita, paz interior e felicidade eterna. Os habitantes dos Campos de Aaru teriam a oportunidade de interagir com os deuses benevolentes e outras almas justas que viveram de acordo com Maat. Possuindo similaridades ao Hades grego, e com similaridades do Sheol hebraico. Há similaridade com as regiões celestiais mostradas em Apocalipse. O termo Duat reflete a cosmogonia egípcia. 9 A REGIÃO DA MORTE O mundo dos mortos era imaginado como um local, ora de sofrimento ora de descanso, porém similar ao reino dos vivos. O lugar de descanso era imaginado como semelhante aos locais onde os povos viveram, sem possuírem as dores, enfermidades da terra. Era um mundo além do mundo, um mundo subterrâneo, onde se poderia viver uma vida no além. Esse além de vários nomes era um lugar onde se viveria uma vida comendo, se vestindo, bebendo, festejando, havendo a necessidade para continuidade da existência acordado, consciente, de alimentos, ar, etc. Sendo um lugar, o reino dos mortos possui uma geografia, um mapa, possui também uma entrada e essa entrada deveria estar localizada no mundo dos vivos. OS PORTÕES DA MORTE (1) Portões para o Submundo na Antiguidade: Ao longo da história, diversas civilizações contemplaram a existência de um reino além da vida, um submundo que servia como morada das almas após a morte. Locais que permeiam a mitologia, religiões e folclore de diferentes povos seriam esses portais e entradas para este outro plano. A PRETENSÃO HUMANA - A EXTENSÃO DA VIDA NO PÓS-VIDA (2) Sendo a morte uma extensão da vida no pós-vida, logo haveria necessidade de coisas, roupas, bens, dinheiro, valores, móveis e possivelmente escravos. Houve uma sinistra época da religião antiga em que os reis e dignitários desejavam MANTER suas regalias na vida pós-túmulo. Os Egípcios entre (3100 a.C. - 30 a.C.): Os Faraós eram sepultados em pirâmides ou em mastabas (mastaba ou "pr-djt" ("casa para a eternidade" ou "casa eterna") é uma forma de túmulo egípcio antigo, emblemático do início da era Dinástica, em que eram sepultados faraós e nobres importantes do Egito antigo) junto com seus servos, concubinas, animais de estimação e objetos valiosos, acreditando que os acompanhariam na vida após a morte. A SUBSTITUIÇÃO No desenvolvimento da religião e da mentalidade mágica dos povos, teve origem ou disseminação do conceito da REPRESENTAÇÃO, do símbolo, do tipo. Podemos compreender como princípio da SUBSTITUIÇÃO. A substituição de sacrifícios de animais e humanos por oferendas de objetos ou representações nos templos é um processo gradual e complexo que varia de acordo com a cultura e o período 10 histórico. Podemos observar essa mudança em diversas civilizações antigas: No Egito (3100 a.C. - 30 a.C.): No Império Antigo (2686-2181 a.C.): Os sacrifícios reais de animais eram comuns, mas com o tempo, foram substituídos por estatuetas de animais e oferendas de alimentos. (3) O JUÍZO VINDOURO (4) Era também comum na visão sobre a morte da antiguidade a expectativa do julgamento da alma/espírito humano pelos atos praticados em vida. Haveria de algum modo um julgamento, uma pesagem do coração, um confronto entre aquilo que as divindades esperavam de um ser humano e o modo como eles viveram. E essas memórias dos atos cometidos seriam lembrados ou o resultado deles no espírito do morto, onde as injustiças cometidas ao longo da existência se apegariam, corromperiam a essência do falecido. Haviam duas correntes que dominaram a religião antiga sobre o destino humano. Havendo um juízo, uma destinação, fosse o abandono dessa alma, fosse sua destruição, fosse sua recompensa e a possibilidade de viver num mundo semelhante àquele em que viveu, sem as dores e necessidades, ou então um ciclo interminável de reencarnações. Nas doutrinas reencarnacionistas, o falecido retornaria de modo humano, ou na forma de uma animal ou inseto, dependendo dos atos cometidos, e a figura do juízo se tornava no domínio de uma lei espiritual geral, razoavelmente autônoma, denominada normalmente de Carma ou Karma. A recompensa ou punição ficaria a cargo dessa lei universal, substituta do juízo divino. Vez por outras as divindades cósmicas agiriam para mudar o destino das pessoas, a magia, ou a oração aos deuses, contribuíriam para evitar um destino pior, mas NADA, absolutamente NADA poderia evitar a RETRIBUIÇÃO do mal cometido. O mal cometido por alguém contra seu próximo o alcançaria de modo brutal, fosse agora, ou numa vida futura, pagando com juros o grau da maldade ou injustiça cometida. No Egito Antigo, no julgamento de Osíris, após a morte, o coração da pessoa era pesado contra a pena de Maat (verdade e justiça) por Osíris. Se o coração fosse mais leve que a pena, a pessoa seguia para o paraíso, o Campo de Juncos. Caso contrário, era devorada pelo monstro Ammit, sofrendo a aniquilação. (4) Nessas considerações sobre a morte, vale a pena entender sobre a mais profunda concepção religiosa do antigo Egito. Maat. Maat, como diz Giselle Marques Camara, é o princípio regulador da Cosmologia egípcia. A Wikipédia possui um excelente resumo sobre o tema: 11 Maat é a mãe de Rá, como também sua filha (e esposa). Ela é irmã do faraó mítico (Osíris ou de Hórus, dependo da época religiosa do antigo Egito), assegura o equilíbrio cósmico e graças a ela, os egípcios consideravam que o mundo funciona perfeitamente. "Ela é a luz que traz Rá ao mundo". Posteriormente, é retratada como esposa de Toth. Toth era o patrono dos escribas e é descrito como "aquele que revela Maat e reconhece Maat, que ama e dá Maat para o criador de Maat". Em textos como a Instrução de Amenemope os escribas são instruídos a seguir os preceitos de Maat em sua vida privada, bem como no seu trabalho. As exortações para viver de acordo com Maat são tais que esses tipos de textos têm sido descritos como "Literatura de Maat".De acordo com a religião egípcia, no julgamento dos mortos, ela pesava as almas de todos que chegassem ao Salão de Julgamento subterrâneo com a pena da verdade. Colocava a pluma na balança, e no prato oposto o coração do falecido. Se os pratos ficassem em equilíbrio, o morto podia festejar com as divindades e os espíritos dos mortos. Entretanto, se o coração fosse mais pesado, ele era devolvido para Ammit para ser devorado. MA’AT Maat é associada à determinação final e funciona tanto como deusa quanto como conceito. Ela é a PERSONIFICAÇÃO DA VERDADE. Ela é praticamente a SABEDORIA apresentada no livro de Provérbios. A deusa Maat não é mencionada nas Escrituras. Porém o livro de Jó diz: e te revelasse os segredos da sabedoria, da verdadeira sabedoria, que é multiforme! Sabe, portanto, que Deus permite seja esquecida parte da tua iniqüidade. Jó 11:6 A palavra verdade em hebraico é (‫ )אמת‬Emet composta por 3 letras: Aleph, Mem e Tav. Sendo: Aleph a primeira letra; Mem a letra do meio; Tav a última letra do. A palavra para real é A palavra para real é ‫( אֲ ִמִּת י‬amití). A palavra Ma’at, possui uma sonoridade muito próxima ao hebraico das palavras verdade e real. Não temos a completa verbalização egípcia, a maior parte dos sons da língua egípcia se perderam, tendo noção a partir de palavras egípcias transliteradas, ou 12 pronunciadas por falantes de outras línguas, palavras emprestadas de outras línguas para o egípcio e vice-versa, e extensiva comparação com o Copta. Um sistema de escrita e pronúncia que surgiu no século III d.C., utilizando o alfabeto grego adaptado para representar os sons do egípcio. Tornou-se a língua da Igreja Cristã Copta e ainda é falada por uma pequena minoria no Egito hoje em dia. Basicamente, a palavra VERDADE em hebraico seria traduzida para o egípcio como Maat, e provavelmente o conceito e a palavra Ma’at egípcia foi transliterada, importada do egípcio, hebraizada e incorporada à língua hebraica. A sonoridade similar de palavras é utilizada de varia No antigo Egito os princípios de Maat eram parte integrante da sociedade, e garantia de ordem pública. Para atender às necessidades complexas do estado emergente egípcio, que abraçava diversos povos com interesses conflitantes, Maat passa a ser representada como o princípio da ordem, para afastar o caos e manter a harmonia cósmica. Os princípios de manutenção da ordem, que eram seguidos pelos egípcios em obediência a Maat, tornaram-se a base da lei egípcia. Desde os primórdios, o rei é descrito como "Senhor de Maat", que decretava com sua boca a Maat que concebia em seu coração. Podemos inferir, biblicamente falando, na Maat que vem da boca do Senhor, que é superior a Maat que o Egito um dia conheceu. Jesus é de modo literal, corporal, metafísico, espiritual, profético, filosófico e ontológico o que a deusa Ma’at representou para os egípcios: E o Verbo se fez carne e habitou entre nós, cheio de graça e de verdade, e vimos a sua glória, glória como do unigênito do Pai. João 1:14 Porque a lei foi dada por intermédio de Moisés; a graça e a verdade vieram por meio de Jesus Cristo João 1:17 Cristo acrescenta na realidade espiritual algo que Ma’at não tinha condição de prover - a graça. Então, retornando ao assunto, o significado de Maat se desenvolve a ponto de abarcar todos os aspectos da existência, incluindo o equilíbrio básico do universo, o relacionamento entre suas partes constituintes, o ciclo das estações, movimentos celestes e observações religiosas, bem como negociações justas, honestidade e confiança nas interações sociais. A harmonia cósmica era conseguida através de uma vida ritual e pública correta. Qualquer distúrbio na harmonia cósmica poderia ter consequências para o indivíduo, assim como para o estado: um rei ímpio poderia trazer fome ao povo. 13 O REINO DOS MORTOS A estrutura administrativa da época, cultura e tipo de domínio ou governança na qual o falecido viveu é transportada para o pós-vida. Logo haverá, assim como existiu em vida, um governo, um domínio de algum gênero, um rei no abismo, um reino no tártaro, uma figura divina que governará ou que comandará a região dos mortos, sendo normalmente a autoridade que entrevistará ou decidirá o destino do falecido. Então podemos pensar num reino, o reino dos mortos. Temos os “governantes dos mortos” conforme diferentes culturas da antiguidade, Hades para os gregos, irmão de Poseidon que governa os mares; Anúbis para os egípcios, era frequentemente retratado como um homem com cabeça de chacal. Anúbis era responsável por pesar os corações dos mortos e determinar se eles eram dignos de entrar no paraíso; Osíris: deus do submundo, da agricultura e da ressurreição. Ele foi morto por seu irmão Seth, mas foi trazido de volta à vida por sua esposa Ísis. Yama para o hinduísmo, frequentemente retratado como um homem com cabeça de búfalo. Yama era responsável por julgar os mortos e decidir para onde eles iriam após a morte. Yama também é crido no budismo, retratado de outro modo. Havia também Kalki: Décimo e último avatar de Vishnu. No Budismo havia Ksitigarbha, um ser denominado de “Bodhisattva” ou iluminado, que não governava, mas possui uma história única: jurou “permanecer no reino dos mortos até que todos os seres fossem libertados do sofrimento”. Ele é frequentemente retratado como um monge budista segurando um cajado e uma joia. Por isso, também no “folclore sobre o submundo” que envolve as Escrituras bíblicas, a maioria originada na idade média, haveria também um “reino dos mortos” e o diabo foi o ser “eleito” como “regente” deste reino sombrio. O “inferno” é na verdade uma tradução pseudo-cristã, uma assimilação dos lugares tenebrosos do paganismo, ou da parte ruim do reino dos mortos da antiguidade, onde havia sofrimento e punição. PROVAÇÕES PÓS-MORTEN Não bastava ao morto morrer. Segundo o pensamento mágico da antiguidade era somente através de provações, de esforço e disciplina que uma alma alcançaria a iluminação, numa fala budista, ou o aperfeiçoamento espiritual, numa fala taoísta, ou acumularia beneplácito - boa condição, uma excelente aceitação diante das divindades, o reconhecimento por uma vida virtuosa, para que pudesse obter a chance de alcançar os Campos Elíseos, aos Campos de Aaru, ao Valhalla, ao Paraíso, ou quaisquer que fossem os nomes da parte agradável da região celestial almejada. Por esforço e disciplina 14 significava ter que cumprir os ritos da religião vigente, de modo perfeito. O ritualismo da religião antiga substituirá muitas vezes a santidade e a piedade que deveriam ser os ideais. Muitos sacerdócios da antiguidade conscientes da incapacidade humana de se afastar do mal, ou conscientes da natureza pecaminosa humana, substituíram a necessidade de amor ao próximo pela obrigação de cumprimento de ritos. Em outras palavras, a religião da antiguidade almejava alcançar a eternidade, a bem aventurança no pós-vida, através de atos de liturgia, simbólicos, religiosos e mágicos. O que tornava a vida de muitos uma prisão ritual, sendo os maiores prisioneiros tanto os sacerdotes como os participantes da realeza de uma nação. Esse ritualismo exacerbado vai cruzar as fronteiras da morte. Ele necessitará ter continuidade no reino dos mortos. A religião da antiguidade incorporou o mistério e o dilema da morte, enigma que não se resolvia, gerando OBRIGAÇÕES ao morto. O trabalho para alcançar um “renascimento” ou uma vida além da vida, ainda iria requerer esforço, para vencer os “perigos” ainda não vencidos que também existiriam no “amanhã” do morto. No submundo egípcio antigo, o falecido enfrentava uma série de perigos e obstáculos em sua jornada para alcançar a vida após a morte. Era um caminho árduo e cheio de desafios, e apenas aqueles que se preparassem adequadamente durante a vida teriam a chance de sucesso. O submundo era povoado por criaturas horríveis e perigosas, como Ammit, a devoradora de corações, e Sutekh, o deus do caos. O falecido precisava recitar encantamentos e usar amuletos mágicos para se proteger dessas criaturas. O caminho para o julgamento final era cheio de lagos e rios de fogo que o falecido precisava atravessar. Acredita-se que essas águas purificassem a alma e removessem qualquer impureza remanescente. Se chegasse ao final da jornada, o falecido chegaria finalmente às Salas de Julgamento, onde era julgado por Osíris e um conselho de 42 deuses. Seu coração era pesado contra a pena de Maat, a deusa da verdade e da justiça. Se o coração fosse mais leve que a pena, o falecido era considerado digno e recebia a vida eterna. Se fosse mais pesado, era devorado por Ammit e sua alma era condenada à aniquilação. Por isso também a necessidade da mumificação, o corpo do falecido era mumificado para preservá-lo para a vida após a morte. Acreditava-se que a alma precisava de um corpo físico para existir no submundo. Os sacerdotes e xamãs que preparasse o funeral deveriam invocar feitiços e encantamentos, parte conhecida pelos egiptólogos modernos a partir do “Livro dos Mortos”, apelido moderno de textos cujo título original era aproximadamente “o livro do amanhecer” que condensava feitiços e encantamentos que ajudariam o falecido a navegar pelo submundo e superar os perigos que o aguardavam. Os egípcios usariam ainda 15 amuletos mágicos para se protegerem de demônios e outras criaturas malignas. Na maioria das religiões antigas, haveria obstáculos a serem enfrentados no pós-morte. No caminho para o Hades, as almas poderiam enfrentar monstros como Cérbero, o cão de três cabeças que guardava a entrada do submundo, e a Hidra de Lerna, Para os vikings a alma da pessoa precisava atravessar a ponte Gjallarbrú, que era guardada por Modgudr. A ponte era estreita e coberta de gelo, e muitos caíam no rio Gjöl abaixo, indo para Helheim (inferno). No caminho para Valhalla ou Helheim, as almas podiam ser atacadas por lobos gigantes como Fenrir e Jörmungandr, a serpente do mar que circundava o mundo. Na religião Celta para alcançar Tír na nÓg, o paraíso insular de eterna juventude e felicidade, a alma precisava encontrar uma passagem secreta ou ser convidada por um dos habitantes. No caminho para Tír na nÓg ou Celi, as almas podiam enfrentar criaturas mágicas como fadas, elfos e dragões, além de perigos como tempestades e armadilhas. FANTASMAS E DEMÔNIOS (5) A tragédia da morte para as civilizações poderia não ser o fim do sofrimento. Na antiguidade somamos a falta de conhecimento sanitário e práticas salutares de higiene à completa ignorância quanto a fatores genéticos, quanto ao tratamento de enfermidades fruto de patologias infecciosas, ou quanto o uso de fármacos capazes de combater bactérias, vacinas, quanto a contaminação de fuligem, produtos químicos, venenos diversos. Muitos povos eram afligidos por diversas patologias, pela falta de uma alimentação rica em nutrientes, pela deficiência de vitaminas, pelo abuso das bebidas fermentadas e pelo uso do ópio. O mapa das nações era mutante, a paz era uma situação provisória, povos buscavam recursos através da guerra continua. Por toda parte, escombros de cidades incendiadas, escravagismo de nações inteiras e ainda os terrores dos governantes regionais, normalmente impostos, a dominação da riqueza, o desprezo pelos grupos sociais tidos como inferiores. A falta de direitos humanos e cenas de crueldade dignas de filmes de terror. Isso significa termos cadáveres expostos ao ar livre, algumas vezes milhares deles, em centenas de lugares. Dificilmente um habitante do mundo antigo deixaria de ter presenciado em algum momento, a visão de ossos humanos amontoados em algum lugar. Fora os inúmeros sacrifícios humanos e de animais em altares sobre centenas de montanhas, os postes-ídolos com representações de divindades arcanas, carrancas, representações assustadoras e terríveis, feitas com o intuito de intimidar, de causar assombro no rosto dos viajantes. Os sacerdotes, magos, xamãs da antiguidade representavam 16 o poder divino, a severidade, a capacidade de julgar, ou de amaldiçoar dos deuses através de sua feiura. Se as crianças chorassem ao avistarem as representações, seus objetivos de “representatividade” teriam sido satisfeitos. Não era fácil sobreviver nos tempos antigos. Fosse na Europa, na África, na Mesopotâmia, na Ásia, no Extremo Oriente, ou no Ártico, todas as regiões eram habitadas por animais selvagens, em quantidade impressionante na antiguidade (estima-se que haviam mais de 10000 leões na Ásia em 2000 a.C.). A morte por animais em alguns momentos da história foi maior para a humanidade que por enfermidades. A pobreza sempre foi uma generalidade das nações. Um grupo social dominante, a realeza, a família real, apoiada por uma classe de nobreza, os serviçais do palácio, os administradores das vilas e cidades e o exército à serviço do rei, o sacerdócio em alguns momentos, possuíam as melhores condições, as riquezas, os benefícios legais, e diferente dignidade de todas as demais classes sociais, agricultores, tecelões, artífices, mercadores, escravos, etc. Essa dignidade se estenderia aos rituais de luto. Porém era justamente essa “dignidade” estendida ao ritual de luto que concederia aos falecidos a POSSIBILIDADE de uma vida melhor, no pós-vida. E os que não alcançassem o direito de um ato funeral decente, que necessitavam de condições financeiras, estaria fadado ao um “enterro indigno”, fosse pela falta dos ritos necessários, pela falta dos preparativos do corpo do falecido, fosse pela ausência do luto, da demonstração de pesar necessária, fosse pela falta dos objetos ou até do esquife, ou local “sagrado” para depositar os restos mortais. E se, tais preparativos, imaginou-se que os mortos não poderiam DESCANSAR. E que ficariam vagando em meio ao mundo, terrível, sinistro, que se apresentava ao antigo. O morto desalojado, sem destinação, sem o”envio” sem o “encaminhamento” já não poderia subir, descer, ou ser “recebido” por alguma divindade. Porque os vivos não tiveram os “recursos” necessários para que isso acontecesse ou porque a “desgraça” em virtude da morte inesperada, na guerra, da enfermidade, da morte por dilaceramento por animais, não permitisse ao enterro do cadáver. O morto sem casa era por contingência religiosa, por pensamento mágico, um amaldiçoado. Condenado a vagar nas proximidades de seus restos mortais, ou no local onde foi assassinado. Isso englobava também o lugar onde ocorrera uma grande mortandade, um desastre natural, uma batalha sanguinária, um lugar de punição de prisioneiros, de sacrifícios humanos ou de destruição. Locais assombrados na terra, fruto da crueldade humana. E também, os cemitérios. E até palácios. A crença em fantasmas e em outras entidades sobrenaturais é um tema presente em diversas culturas ao redor do mundo, e os palácios e 17 locais de governo não são exceção. Importante frisar que tais aparições ficaram REGISTRADAS nos canais OFICIAIS de determinados reinados. Significa frisar que a experiência sobrenatural foi tão impactante, tão vívida (ironia, o contraste de encontrar um falecido) que esse registro foi tornado parte da história desse reino O morto que morrera de morte cruel, injusta e que não recebia as homenagens devidas corria o risco de se tornar, pelo abandono, pelo desrespeito e logo pela VERGONHA, que possui um efeito muito doloroso na índole oriental, em um espírito vingativo, causador de tragédias, enfermidades e mortes. Que buscaria dar um fim a quem cruzasse seu caminho, cooperando para que essa pessoa sofresse um FIM igual ou PIOR que o dele. O morto sem funeral se tornaria um espírito maligno, um demônio, uma entidade amaldiçoada. O conceito de maldito da antiguidade era muito amplo, mas basicamente significava algo ou alguém que a partir de um ato mágico se torna odiado por uma divindade, ou por uma entidade, esse ódio ou ressentimento tornará sua vida num tormento, numa sucessão de desgraças e infortunios. A pessoa amaldiçoada poderia estar nessa situação pela presença, por estar “presa” a um espírito maligno, no qual habita a má sorte, o qual causa toda espécie de infortúnio. A coisa maldita é a coisa rejeitada pelos deuses, o espírito de um morto que os ofendeu, por exemplo, ou a coisa a que se apegou um poder espiritual maligno. Há então uma relação entre o morto transformado em demônio, fantasma, entidade sobrenatural maligna, espírito maligno, que além de se tornar um “ser de trevas” é ao mesmo tempo uma criatura espiritual amaldiçoada, maldita. Isso vai de encontro a diversas tradições religiosas da antiguidade que entendem que os demônios um dia tiveram origem humana. O livro de Apocalipse no capítulo 18:2 nos concede uma visão aterradora, que complementa a visão sobre os espíritos que vagavam na terra da antiguidade. “E clamou fortemente com grande voz, dizendo: Caiu, caiu a grande Babilônia, e se tornou morada de demônios, e covil/coito de todo espírito imundo, e covil/coito de toda ave imunda e odiável.” Esse texto assustador em Apocalipse nos conduz em forma de poesia, como toda profecia do Velho Testamento, a uma visão assustadora. O covil de ‘aves imundas e odiáveis’ nos fala de aves que eram consideradas impuras pelas leis mosaicas e que procuram locais 18 bem inóspitos, úmidos, lúgubres para realização do acasalamento e o fazem de noite, no topo de árvores, em locais assustadores. Os pavões, por exemplo, passam a noite no topo das árvores, e quando ameaçados, é para as árvores que eles fogem. Ao cair da noite, costumam gritar, sendo que na época do acasalamento, seus gritos noturnos se tornam extremamente desagradáveis. As aves sempre mexeram com as emoções do ser humano e o fantástico ou o inexplicável muito devem a esses seres emplumados que, dos mais recônditos pontos da mata, lançam os seus cantos diversos com a simples intenção natural de chamar a atenção do ambiente para a sua presença. O homem, na busca incessante pelo conhecimento, ora e meia se esbarra no fantástico para desvendar os pontos obscuros para o alcance de sua época. O canto de acasalamento de determinadas aves de hábitos noturnos pode ser algo assustador. E os pássaros como os corvos podem imitar ainda a voz e o choro humano, incluindo o choro de mulheres e de crianças. Na visão do homem da antiguidade uma cidade abandonada era a visão de um cemitério, porque dados os poucos recursos das civilizações, o abandono de uma cidade só poderia ter ocorrido como o fruto de uma guerra, de uma praga, de um desastre natural e em todas essas situações essa cidade abandonada também seria um cemitério improvisado. A cena apresentada em Apocalipse é digna de filme de terror. O texto em Apocalipse fala-nos dessa imagem assustadora causada pela escuridão onde habita e povoam coisas malditas, aves agourentas, certamente amaldiçoadas, gritando como se ali fosse um pedaço do inferno na terra. Somos levados a imaginar uma cena horrível, em virtude dos gritos assustadores, com grande proximidade da voz humana – em tormento - parecem gritos de dores. Outras vezes, risadas sinistras. A visão da destruição de Babilônia nos indica a destruição de uma realidade espiritual maligna, simbolizada nesta antiga capital da mesopotâmia, ricamente adornada com jardins e cercada de dezenas de Zigutares, antigos templos dedicados a Tamuz, Marduque e Ishtar, completamente adornada de divindades, nas paredes, nos alto-relevos, nas portas dos prédios oficiais, nas suas praças, nas esquinas, nas entradas das casas, em diversos formatos. Seus valores religiosos deturpavam e corrompiam a exclusividade de um amor divino que deveria ser único, profundo, romântico, permanente, benigno, afetuoso e transcendente. Paulo ainda acrescenta sacrificial quando fala do amor dos esposos pelas suas esposas, ao recomendar que elas devam ser amadas como Cristo amou sua Igreja. 19 A Babilônia Histórica foi destruída, mas uma outra ESPIRITUAL permanece de pé. Assim como a Jerusalém terrestre é símbolo de uma Jerusalém celestial, Babilônia é símbolo de uma realidade espiritual que envolve o mundo espiritual humano. Para compreender o que ela é, o que o seu símbolo representa é necessário olharmos para a Jerusalém Celestial. Hebreus 12.22 Mas vocês chegaram ao monte Sião, à Jerusalém celestial, à cidade do Deus vivo. Chegaram aos milhares de milhares de anjos em alegre reunião, à igreja dos primogênitos, cujos nomes estão escritos nos céus. Vocês chegaram a Deus, juiz de todos os homens, aos espíritos dos justos aperfeiçoados, Babilônia é a antítese deste texto. Veja como o texto se apresenta se eu substituir os termos por seus contrastes, ou por sua antítese:: Mas, vocês chegaram ao abismo, à Babilônia espiritual, à cidade do deus deste século. Chegaram aos milhares de milhares de espíritos malignos em infeliz reunião, à Sinagoga de Satanás, filhos das trevas, cujos nomes NÃO estão escritos nos céus. Vocês chegaram ao diabo, enganador de todos os homens, aos espíritos dos injustos pervertidos. Creio que isso dá uma ideia razoável sobre o que significa o termo. Basicamente, um retrato das trevas, uma cidade que simboliza as potestades do mal, o reino passageiro, a operação maligna. E eventualmente aos espíritos amaldiçoados. Em outro momento em Apocalipse Babilônia será representada por uma PROSTITUTA com um cálice na mão, bêbada, sentada sobre uma besta escarlate, um dragão. Veja que a realidade espiritual que ela representa de novo trafega dentro ‘das águas da sexualidade humana deteriorada’. Importante frisar que a prostituição é a deterioração do ROMANCE, é o cumulo do egoísmo sexual humano, é a coroação do estado de devassidão. Quando uma pessoa é destituída de identidade sendo tornada um OBJETO de prazer nas mãos de quem a usa e paga pelo ato sexual. O ato sexual é uma das coisas mais importantes da vida humana, por isso também um bem PRECIOSO, que envolve o segredo, a virtude, o desejo, o amor, a paixão, os afetos, carinhos e intimidade. Ao ser pago como ‘prestação de serviço’ para um posterior abandono ele é totalmente descaracterizado. 20 O prostíbulo é uma pequena casa dos horrores, onde moços e moças vão perdendo sua identidade, sua história, sua inocência e a beleza da intimidade é transformada num ato de insanidade –em nome da DEVASSIDÃO. Essa cena evoca ao mesmo tempo a cidade assombrada por espíritos de fantasmas de mortos, onde aves entoam cantos assustadores. Texto no qual leremos, ao menos em português, pela primeira e última vez nas Escrituras a mais fatídica das expressões: ● Apocalipse 18:2 E clamou fortemente com grande voz, dizendo: Caiu, caiu a grande Babilônia, e se tornou morada de demônios, e covil/coito de todo espírito imundo, e covil/coito de toda ave imunda e odiável. “coito de todo espírito imundo” O termo acima se encontra somente em algumas bíblias na língua portuguesa. Ela interpreta a palavra φυλακὴ - prisão, aprisionamento, masmorra, confinamento, lugar vigiado por um guarda. A palavra coito (escrita couto) aparece na bíblia tradução do Padre Almeida a partir de 1850 em diante. Antes era usado o termo arcaico – repairo, prisão. Não é uma TRADUÇÃO LITERAL, é uma interpretação do tradutor português. Esse termo é IMAGINADO (o que um bando de aves estaria fazendo no meio da escuridão). As traduções em língua estrangeira seguem o texto grego original: ● Apocalipse 18:2 E clamou fortemente com grande voz, dizendo: Caiu, caiu a grande Babilônia, e se tornou morada de demônios, e masmorra de todo espírito imundo, e prisão de toda ave imunda e odiável. O termo evoca, insinua, ‘’monstros” que estão fazendo sexo ou alguma coisa esquisita na escuridão, representados pelas ‘aves odiosas’ que gritam no meio da escuridão. Os espíritos não possuem corpo, e anseiam por ter, habitar, conectar-se a um corpo – conforme a parábola da casa desocupada falada por Cristo. "Quando um espírito imundo sai de um homem, passa por lugares áridos procurando descanso e, não o encontrando, diz: 'Voltarei para a casa de onde saí'. Quando chega, encontra a casa varrida e em ordem. Então vai e traz outros sete espíritos piores do que ele, e entrando passam a viver ali. E o estado final daquele homem torna-se pior do que o primeiro". As Escrituras NÃO DECLARAM A ORIGEM DOS DEMÔNIOS. Embora possamos ter convicção de sua origem não humana, pois não 21 há texto bíblico que possa subsidiar essa possibilidade, não há texto que defina o que são, ou quando se originaram. Orígenes, Agostinho de Hipona, estudos de padres ao longo da Idade Média, e obras como a "Summa Theologica" de Tomás de Aquino sistematizaram as crenças sobre os demônios, incluindo sua origem como anjos caídos. Ou seja, são pensamentos de teólogos, interpretações teológicas que inferem, que sistematizaram esse conceito de demônios serem os anjos que caíram. Não foi do interesse do Espírito de Deus esclarecer essa questão, assim como não foi sobre a ORIGEM da morte. Mas, é importante conhecer a visão sobre os demônios da antiguidade para compreendermos aspectos sobre o modo como Jesus se posiciona sobre o assunto, qual era as crenças que os contemporâneos de Cristo possuíam sobre o assunto. Significa que para alguns povos, Jesus estava tratando com espíritos de pessoas mortas transmutadas em espíritos malignos. 22 A DIFERENCIAÇÃO ENTRE A MÁGICA A A RELIGIÃO (6) Sir James George Frazer, antropólogo britânico, teve um papel fundamental na compreensão da magia e seu lugar nas sociedades humanas. Sua obra seminal, O Ramo de Ouro, publicada em 1890, propôs uma classificação da magia que influenciou profundamente os estudos subsequentes. I. Magia Simpatética: A Lei da Similaridade e da Contigüidade em Ação A Magia Simpatética se fundamenta em dois princípios básicos: 1. Lei da Similaridade: "Semelhante gera semelhante". Ou seja, ações ou objetos que se assemelham a um resultado desejado podem, magicamente, causar esse mesmo resultado. Exemplos: ● Bonecos voodoo: Perfurados ou queimados para causar dano à pessoa que representam. ● Rituais com água: Simulando chuva para trazer a precipitação real. ● Uso de imagens: Queimadas ou enterradas para trazer má sorte ao inimigo. 2. Lei da Contigüidade: "Coisas que estiveram em contato físico no passado continuam magicamente conectadas, mesmo quando separadas". Exemplos: ● Peças de roupa ou objetos: Usados para influenciar a pessoa a quem pertencem. ● Madeixas de cabelo: Guardadas como forma de fortalecer a ligação com um ente querido. ● Amuletos: Tocados por pessoas ou objetos sagrados para adquirir suas propriedades mágicas. II. Magia Contagiosa: Imitação e Transferência de Propriedades A Magia Contagiosa se subdivide em duas categorias: 1. Magia Imitativa: Baseada na imitação dos resultados desejados através de gestos, sons ou encenações. 23 Exemplos: ● Danças para trazer chuva: Imitando a queda da água do céu. ● Pantominas de caça: Encenando o sucesso da próxima expedição. ● Rituais de fertilidade: Simulando o ato sexual para garantir prole abundante. 2. Magia Contagiosa propriamente dita: Baseada na crença de que a transferência de substância de uma pessoa ou objeto para outro pode transmitir suas propriedades mágicas. Exemplos: ● Uso de cinzas de uma fogueira sagrada: Para proteção e bênçãos. ● Beber sangue de um animal forte: Para adquirir sua força e vitalidade. ● Oferendas de comida aos deuses: Para garantir a benevolência e a ajuda divina. Essa classificação nos auxilia a interpretar o significado dos atos mágicos, o que eles representam. Porém aquilo que diferencia a mágica da religião é um patamar mais profundo que suas ações. As Escrituras bíblicas brotam, qual ramos de uma videira, num mundo absurdamente mágico. O homem buscava dominar as forças naturais desde o início das civilizações. Ele não somente se curvava em adoração às divindades da antiguidade, antes desejava em muitos casos receber dela poderes, virtudes, forças para destruição de seus inimigos. Lemos a batalha de Moisés contra os magos do Egito instruídos em artes mágicas, em manuais desconhecidos por nós no qual invocaram os poderes com os quais realizavam seus atos de magia. Lemos sobre o encontro com Balaão e sua invocação em meio a rituais desconhecidos de espíritos para lhe concederem o poder de amaldiçoar. Balaão utilizava-se de uma antiga crença em que cada nação possuía seus espíritos protetores, e que para que uma nação sobrepujasse a outra na guerra deveria ter deuses mais poderosos, ou negociar através de TRAPAÇA, COMPRANDO a tal divindade da outra nação mediante sacrifícios (irresistíveis) para que a mesma deixasse de proteger sua nação. Não havia entre os povos na maioria dos sacerdócios e crenças vigentes a figura de um Deus supremo, antes de um panteão de divindades que se equivaliam em força e poder. Mesmo as deidades ou divindades consideradas as chefes, maiores, as que reinavam sobre as 24 outras de uma determinada mitologia, egípcia, suméria, acádia, babilônica, persa, grego-romana, semita, védica, nórdica, não eram soberanas no sentido em que consideramos Deus. O nível de poder entre elas era muito próximo, dando origem a toda sorte de semideuses, deuses intermediários e poderes que poderiam até impedir a atuação de determinadas divindades. Grande parte das oblações, ofertas, sacrifícios da antiguidade tinham um caráter de SEDUÇÃO. Os magos, os pajés, os sacerdotes de toda espécie usavam de artifícios para “seduzir” os deuses, inebriar seus sentidos, mudar suas sentenças, perverter suas ameaças, distraindo-as, comprando-as, e em último caso, controlando-as. (6) 25 CAPÍTULO II- A MORTE DOS DEUSES Nas diversas culturas do mundo antigo, como na Ásia, Mesopotâmia, Babilônia e Grécia, existiam rituais fúnebres que envolviam o lamento feminino pela morte de divindades. Os deuses da antiguidade refletem um paradoxo, poder inconcebível e uma certa fragilidade, porque na verdade, como veremos adiante, a maioria dos deuses nascem da divinização dos homens, e os “céus” da antiguidade, a morada dos deuses era somente o palácio real elevado a estatura do divino, como se a casa do rei se tornasse uma moradia celestial. Nesse palácio celestial eram refletidos os dramas da antiguidade, traições, envenenamentos, discórdias, inimizade, paixões humanas e até assassinatos. A teogonia egípcia dará então início a um drama cósmico e provavelmente será a primeira a representar a morte de um ser divino, no caso Osíris. A idéia de um “deus que morre” foi transportada ou influenciou toda a cosmogonia da antiguidade, e logo em várias partes do mundo ocorrem celebrações, lamentos dos deuses que morriam. Estes rituais eram uma forma de expressar luto, dor e sofrimento pela perda de uma figura poderosa e importante para a comunidade. A celebração do deus que morria era grandiosa como um culto, abrangente e com a dignificação equivalente, com cânticos, choro, lamentação nacional, demonstrações de desespero, teatralização, queima ostensiva de incenso, sendo basicamente o momento em que TODAS AS MULHERES DE UMA NAÇÃO TORNAVAM-SE CARPIDEIRAS. O principal e mais antigo rito documentado, provavelmente que influenciou todas as demais religiões, foi o mito de Osíris. Na mitologia egípcia Osíris era o deus da agricultura e do submundo. Foi morto por seu irmão Seth em uma disputa pelo poder. Seu corpo foi desmembrado e espalhado pelo Egito, mas sua esposa Ísis o remendou e ele foi ressuscitado, tornando-se o deus do submundo. Os detalhes são muito mórbidos, porém é uma história de inimizade, de traição, poder, paixão. Um drama que refletia a esperança de um renascimento futuro, a possibilidade de voltar a viver. E era interpretado como o ciclo da natureza, das sementes, do plantio, das estações que se renovam. A idéia da morte e ressurreição era simbolizada, representada pelas sementes, que aparentemente mortas, eram enterradas na terra, embebidas em água, logo romperiam de seu “túmulo” de terra, brotaram, com uma nova forma, diferente da semente que foi enterrada, crescendo cheia de vigor. Na Mesopotâmia uma história de amor e traição, de morte e renascimento era representada pela lamentação anual que celebrava ou lamentava a morte, Dumuzi deus da agricultura e da fertilidade, mais tarde denominado de Tammuz. Durante o ritual, as mulheres se reuniam em templos e ruas, chorando, rasgando suas roupas e batendo no peito em sinal de luto. A lamentação era 26 acompanhada por música triste e canções que narravam a morte e o sofrimento de Tammuz. Outra vez, era sua consorte, a deusa Inanna, sua amada, que desceria até o submundo para resgatar o falecido. Inanna é uma antiga deusa mesopotâmica associada ao amor, ao erotismo, à fecundidade e à fertilidade. Apesar de ser alvo de culto em todas as cidades sumérias, era especialmente devotada em Ur. Ela foi originalmente adorada na Suméria e mais tarde foi adorada pelos acadianos, babilônios e assírios sob o nome de Ishtar Era conhecida como a "Rainha do Céu" e era a deusa padroeira do templo de Eana na cidade de Uruque, que era seu principal centro de culto. Ela estava associada ao planeta Vênus e seus símbolos mais importantes incluíam o leão e a estrela de oito pontas. Seu marido era o deus Dumuzi (mais tarde conhecido como Tammuz) Inana-Istar é mencionada na Bíblia Hebraica e ela influenciou bastante a deusa fenícia Astarte que mais tarde influenciou o desenvolvimento da deusa grega Afrodite. Outras divindades: Além de Tammuz, outras divindades mesopotâmicas também eram homenageadas com rituais fúnebres que envolviam lamentação feminina. Por exemplo, a morte de Inanna, deusa do amor e da guerra, era lamentada em um ritual chamado "Ascensão de Inanna". Na Grécia, o culto ao deus Adônis também incluía rituais de lamentação feminina. Adônis era um deus da vegetação e da beleza que morria a cada ano e depois ressuscitava. As mulheres se reuniam em templos para lamentar sua morte, cantando canções tristes e decorando estátuas dele com flores e frutos. Muitos outros deuses egípcios também podiam morrer, como por exemplo Anúbis, o deus da mumificação, que era filho de Osíris e Ísis. Acredita-se que ele tenha morrido após completar a mumificação de seu pai. Maat: A deusa da verdade e da justiça, que era filha de Rá. Diz-se que ela morreu quando o caos se apoderou do mundo. Sobek: O deus dos crocodilos, que era frequentemente associado à guerra e à destruição. Acredita-se que ele tenha morrido em uma batalha contra outro deus. Zagreu:O filho primogênito de Zeus, que foi morto pelos Titãs e depois renascido como Dionísio. Sua morte e renascimento simbolizavam o ciclo da vida e da morte. Ereshkigal: A deusa do submundo, que era conhecida por sua crueldade e impiedade. Ela foi morta pelo deus Marduk em uma batalha, mas depois foi ressuscitada. Abzu:O deus das águas doces, que foi morto pelo deus Marduk em uma batalha. Sua morte simbolizava a criação do mundo. A deusa Ísis, tal como a conhecemos no Reino Novo, é, ela própria, resultado de milênios de tradições em torno de uma mesma potência divina. Ísis era uma das deusas mais antigas do panteão egípcio. Nos Textos das Pirâmides aparecem uma série de epítetos ligados à deusa: Irmã do Rei (tornado Osíris); provedora de leite; barca do dia (que ostenta o Uraeus, o diadema portador da magia); Senhora de Pe (cidade sagrada 27 no Delta associada a Uadjet a deusa cobra); Mãe; a Grande; a Carpideira. O traço marcante de deusa-mãe se destaca, bem como o de irmã-esposa de Osíris. Elementos básicos da história de Ísis e Osíris conhecidos em Plutarco já aparecem nestes textos, mas, como é característico desta fonte, sem uma organização clara de início-meio-fim. Numa síntese - Osíris é abrangentemente reimaginado, seu mito será adaptado cultural, literariamente, religiosamente, magicamente em Dumuzi, em Tammuz, ou Adonis, em Dioniso. A consorte, a esposa, amante deusa Ísis, se tornará Inanna, Ishtar, Astarte e Afrodite. O grande MOTIVO de suas celebrações será uma ELEGIA cósmica, que retrata um drama ancestral, uma reminiscência, uma memória de evento trágico ocorrido numa família real da antiguidade, cujas origens se perdem nas areias do tempo, cujos nomes e histórias originais não podem ser invocadas, e sem uma origem, se tornam personagens eternos, etéreos, sem um início definido, recebem novas identidades, habitam agora um mundo espiritual e são adorados como deuses. Sendo ao mesmo tempo uma história de tragédia, de traição, que mostra o esforço do amor para resgatar além dos portais da morte o amado que foi arrancado à força do reino dos viventes. Resumindo os temas abordados até este momento: De modo geral na antiguidade esse tema envolve todas as práticas humanas, toda a religião, sendo uma crença fundamental arraigada na psique dos povos, impactando a cultura, as expectativas, o comportamento, moldando a sociedade da antiguidade. A morte moldou a sociedade, seus medos, seus valores. Podemos listar os principais aspectos estudados: - A morte era vista como uma região celestial, um lugar, um local para onde os espíritos, almas ou essências dos falecidos entrariam ao morrer. - Havia a expectativa de um julgamento vindouro pelos atos praticados na terra - Os deuses ou poderes espirituais mediriam, levariam em conta as ações humanas para determinar os destinos - Os reis e autoridades, as pessoas de classes sociais abastadas ansiavam em continuar possuindo a mesma classe social após a morte, gozando dos mesmos prazeres quando vivos - Para que isso acontecesse, quanto mais caminhamos para o início das civilizações, mais haverão exemplos mórbidos, terríveis, de reis que ao morrerem assassinaram a toda corte real, para que pudessem continuar sendo servidos pela mesma equipe que os servia quando vivos. - Até que a substituição mágica, religiosa mudou aspectos arcaicos da religião da antiguidade 28 - - - - - - Mesmo após a morte, o morto teria que continuar “lutando” batalhas contra poderes, monstros, passando por provas e obstáculos para conseguir o direito a uma vida pacífica Além do juízo da alma, haveria ainda as provações da alma no além A vida imaginada no porvir da antiguidade declarava que o morto entendia possuir memória das coisas vividas, manutenção de sua personalidade, e que, ainda que estivesse morto, teria necessidade de comer, beber e se vestir. A tragédia do morto que não obteve os rituais de luto devido o condenaria a um estado fantasmagórico, a um estado em que vagaria no mundo dos vivos, podendo se tornar até mesmo um espírito vingativo. Para alcançarem seus objetivos pós-morte os falecidos e seus familiares através da feitiçaria, da magia, da oração, ora da maldição, interferir no destino do morto, ENGANANDO os deuses, mudando a sentença futura A religião é diferente da mágica, na primeira os homens se curvam diante da vontade divina, dependendo da graça, favores, dos poderes espirituais e divinos dos deuses a quem agradam: enquanto que a mágica era o movimento no qual os homens interferem no cosmos, para alterar seu destino, influenciar os deuses, por sua própria vontade através de rituais, feitiços, magias, das quais não dependia a interferência dos deuses, mas de poderes concedidos pelo ato mágico. E a carpidaria, a lamentação, a elegia, teria um lugar até nos ritos da religião, mesmo QUE NÃO EXISTISSE A MORTE HUMANA, porque o lamento dos povos celebraria a morte de seus deuses. 29 CAPÍTULO III- AS CARPIDEIRAS Assim como a carpideira de Tecoa, contratada por Joabe, existiam muitas outras em Israel cujo ofício era hereditário, conforme Jeremias 9.20: Ouvi, pois, vós, mulheres, a palavra do SENHOR, e os vossos ouvidos recebam a palavra da sua boca; ensinai o pranto a vossas filhas; e, cada uma à sua companheira, a lamentação. As pranteadoras contratadas são chamadas de “mulheres hábeis” (’iššâ hakāmôt): Assim diz o SENHOR dos Exércitos: Considerai e chamai carpideiras, para que venham; mandai procurar mulheres hábeis (’iššâ hakāmôt), para que venham (Jr 9.17). O termo hakāmôt que é o plural feminino de hakāmâ (sabedoria), significa “sábia”, entretanto, à luz do contexto, não se trata de “mulheres sábias”, tal qual traduzido pela Septuaginta (LXX) e seguido pela ARC, mas de “mulheres habilidosas”. A TEB traduz por “melhores” (9.16), isto é, “melhores em sua arte”, “em sua profissão”, “hábeis na lamentação fúnebre”. Brenner, comentando sobre a expressão em apreço afirma: Uma carpideira profissional, portanto, tinha de aprender e ser versada na poesia peculiar à sua ocupação. A “sabedoria” das mulheres carpideira consistia em sua habilidade vocacional (isso surge da estrutura poética do versículo 16 [17]: “mulheres carpideiras” na primeira coluna do verso, comparadas com hakāmôt, na segunda coluna). Portanto, o termo hakāmôt, aqui deveria ser traduzido por “mulheres habilidosas”, e não “mulheres sábias”. [1] As celebrações fúnebres costumavam durar cerca de sete dias (Gn 50.10). Essas profissionais permaneciam durante todo o tempo em que durasse o luto, a elegia. A habilidade das carpideiras não se circunscrevia apenas a chorar, mas eram também exímias cantoras fúnebres (aquelas que entoavam cantigas fúnebres), especialistas em compor e cantar cânticos fúnebres. Atualmente, os cânticos fúnebres entoados pelas carpideiras têm nomes variados de acordo com a cultura local. Muitas canções fúnebres se popularizaram tornando-se parlendas infantis, pelas quais as crianças brincavam nas praças (Mt 11. 16,17): Mas a quem compararei esta geração? É semelhante a meninos que, sentados nas praças, gritam aos companheiros: ‘Nós vos tocamos flauta, e não dançastes; entoamos lamentações, e não pranteastes. As habilidades das carpideiras iam além do pranto e das endechas. Essas profissionais se aperfeiçoaram tanto em sua arte que aliaram à técnica do choro e do cântico fúnebre, artes cênicas. Eram especialistas 30 em representar, encenar situações que visavam entre outras coisas ludibriar a outrem. As qualidades cênicas de algumas dessas mulheres são facilmente perceptíveis em 2 Samuel 14.1-24. mandou trazer de Tecoa uma mulher sábia e lhe disse: Finge que estás profundamente triste, põe vestidos de luto, não te unjas com óleo e sê como mulher que há já muitos dias está de luto por algum morto. 2 Samuel 14:2 Este texto de 2 Samuel nos evidencia uma relação fantástica entre as meretrizes, a arte, a literatura, a sabedoria e a arte da lamentação. Neste texto vemos o general Joabe realizando uma trama com apoio de uma mulher especializada na arte teatral, com invulgar capacidade de oratória. Ela se apresenta diante do rei Davi com a missão de sensibilizá-lo, como uma hábil contadora de histórias, representando uma nobre israelita da antiguidade, na busca de justiça, sem que Davi soubesse que na verdade era uma “apresentação lúdica” da situação do filho que ele havia exilado há cerca de 3 anos. Nessa “atriz” da antiguidade podemos enxergar as Sasaengs, também chamadas de ginyeo, que eram mulheres coreanas de classes baixas, muitas vezes consideradas escravas, que recebiam treinamento para se tornarem cortesãs. Elas atuavam como artistas talentosas, entretendo homens da alta sociedade coreana. Podemos ver nela as cortesãs indianas, também conhecidas como tawaifs, desempenharam um papel importante na sociedade indiana por séculos. Elas eram mulheres talentosas e cultas que se destacavam em diversas áreas, como dança, elas dominavam diferentes estilos de dança clássica e folclórica indiana, como Bharatanatyam, Kathak e Odissi; Tocavam instrumentos musicais tradicionais com maestria, como sitar, tabla e sarangi; Compunham e recitavam poemas com elegância e expressividade; Escreviam com beleza e precisão, utilizando a caligrafia urdu ou persa; Eram conhecidas por sua inteligência, humor e capacidade de manter conversas estimulantes sobre diversos assuntos; Além de suas habilidades artísticas, as cortesãs também eram educadas em etiqueta, filosofia e religião. Frequentemente, frequentavam as cortes dos reis e nobres, onde entretinham seus convidados com suas performances e conversas. Essa condição de “entretenimento” de nobres e mesmo reis lhe impunha a obrigação de conhecer a arte da escrita. No mundo da antiguidade as moças de famílias humildes não sabiam 31 ler ou escrever, tendo uma noção básica sobre registros de algarismos para realizar contas nos mercados. Por isso, por mais estranho que nos pareça, eram consideradas “sábias”. Por possuírem a capacidade de ler, escrever e até compor. A teatralização era uma condição essencial na representação da dor, porque deveriam imitar, fingir, retratar o choro compungido, sentido, com intuito de causar comoção das pessoas que assistiam ao espetáculo fúnebre. O registro bíblico associa de modo esclarecedor a Carpideira, ao ofício de Cortesã e ao mesmo tempo considerando tais mulheres como Artistas, Poetisas e CONSELHEIRAS. Não que as carpideiras não tivessem outras origens, não eram todas cortesãs, não tinham todas a capacidade da leitura ou da escrita, mas a maioria delas era essencialmente versadas nas artes cênicas e exímias cantoras. José das Candeias Sales da Universidade Aberta; Centro de História da Universidade de Lisboa realizou o excelente trabalho denominado “As carpideiras rituais egípcias: Entre a expressão de emoções e a encenação pública". A importância das lamentações fúnebres”. Nesse estudo ele usa a iconografia e representação do ofício das carpideiras do antigo Egito, as diversas pinturas encontradas em inúmeros sítios arqueológicos, nos concedendo uma ampla gama de significados e desvendando vários aspectos da antiquíssima profissão. Ele inicia sua abordagem desse modo: «Estar triste» (nxrxr, nekherkher) ou «fazer o luto» (irj.Akb, iri-akeb) foram estados e experiências que atingiram praticamente todos os Egípcios, de todas as camadas sociais, em todas as épocas. A forma mais comum e mais natural de experienciar a morte de um familiar ou amigo para aqueles que lhe sobrevivem é o enorme sentimento de trágica perda provocado pela separação. Heródoto, já numa época relativamente avançada da história egípcia (século VI a.C.), no Livro II da sua História, onde são feitas alusões, descrições e comentários sobre a organização religiosa, a religiosidade e os costumes rituais dos antigos Egípcios, alude aos costumes fúnebres egípcios, escrevendo: «Com relação aos funerais e ao luto, os Egípcios procedem da seguinte forma: quando morre um alto funcionário, os elementos femininos da família cobrem-se de pó da cabeça aos pés, descobrem os seios, prendem as vestes com um cinto e, deixando o morto em casa, põem-se a percorrer a cidade, batendo no peito, acompanhadas dos demais parentes. Por sua vez, os homens desnudam também o peito e põem-se a bater nele. Terminada essa cerimônia, levam o corpo para embalsamar» 32 Muitas cenas pintadas e esculpidas em paredes tumulares egípcias ou pintadas em ilustrações de papiros, de épocas anteriores ao comentário de Heródoto, nomeadamente do Império Novo, mostram-nos que à participação direta dos familiares (nomeadamente viúvas, irmãs e filhas do defunto) se associavam amigos, conhecidos e serviçais. Os seus gestos de dor e lamento são sugeridos pelas poses em que são representados. Entre lamentos, mais ou menos lancinantes, e orações fúnebres, a viúva, a irmã e/ ou a filha do defunto surgem habitualmente descalças, ajoelhadas, de cócoras, prostradas, de mãos sobre as cabeças ou erguidas em direcção ao céu, seios desnudados, com abundantes lágrimas escorrendo pelas faces. As vestes de linho que envergam estão frequentemente amarrotadas, vendo-se nesta expressão exterior um sinal claro das convulsões emocionais internas que percorriam o círculo próximo do defunto. Em sinal de luto, atiram poeira sobre as suas cabeças. É um momento de profundo abatimento, de desalento contido e de comiseração. Expressam-se, assim, em público, as emoções íntimas dos familiares do morto. (José das Candeias Sales da Universidade Aberta; Centro de História da Universidade de Lisboa realizou o excelente trabalho denominado “As carpideiras rituais egípcias: Entre a expressão de emoções e a encenação pública". A importância das lamentações fúnebres”) Figs. 1 e 2. Lamentação da viúva, acocorada e de mão sobre a cabeça. Túmulo dos escultores Nebamon e Ipuki, El-Khokha, XVIII Dinastia (Fig. 1) e Túmulo de Roy , XIX Dinastia (Fig. 2). Nos funerais participavam também homens encarregados de puxar o sarcófago do defunto até junto do túmulo e de entoar cânticos e orações apropriadas ao momento. Eram chamados os «Nove Amigos», podendo tratar-se efetivamente de «amigos» (semeru) do morto ou tão só de seus serviçais . Esta cena dos «Nove Amigos» nos cerimoniais funerários está 33 patente em numerosos túmulos tebanos. Fig. 3. Os «Nove Amigos» do defunto. Túmulo de Roy. XIX Dinastia. os «amigos» representados cumprem as funções práticas, litúrgicas e simbólicas estipuladas para os rituais e recitações de transição para o Além “Desde logo, a nossa compreensão e interpretação da importância funcional e ritual das lamentações públicas das carpideiras e dos carpideiros egípcios é sublinhada pelo arquétipo simbólico-mitológico da lenda osiriana, em que as irmãs divinas Ísis e Néftis passam pela experiência da separação de Osíris, induzindo uma demanda pelo ser amado e lamentando-se, por fim, sobre o seu corpo recuperado. Ísis («a grande carpideira») e Néftis («a carpideira menor»), sempre representadas nas extremidades do sarcófago de Osíris, lugares canónicos que a iconografia respeitou (Ísis aos pés do defunto e Néftis à cabeceira), demonstraram arquetipicamente a eficácia performativa dos seus gestos e da sua mágica energia ao conseguirem um milagroso renascimento de Osíris no mundo do Além.” (José das Candeias ) Cenas nos túmulos de Ramose Fig. 4. Um dos grupos de carpideiras do túmulo de Ramose Abd el-Gurna: lágrimas abundantes, mãos erguidas para o céu, cabelo solto, peito descoberto, descalças. 34 Fig.6. Mais carpideiras do túmulo de Ramose (umas acocoradas e outras de pé, mas a mesma demonstração pública de afeto e sentimento pelo morto. “No caso da cena pintada dos funerais do túmulo de Ramose, há dois grupos de carpideiras, relativamente afastadas, que parecem «competir» na morte do proprietário do túmulo. O primeiro grupo, com 21 mulheres, entre a juventude e a idade madura, de vestes desalinhadas, choram abundantes lágrimas e gritam, aparentemente desesperadas, pelo vizir morto: «O grande pastor partiu e passa por nós. Vem, regressa para nós!». No segundo grupo (20 carpideiras), nove são representadas acocoradas em dois registos (quatro em cima e cinco em baixo), lançando poeira do solo sobre as suas cabeleiras e chorando também abundantemente, e as restantes estão de pé, parecendo bater-se a si próprias, nos antebraços, no ventre e nas coxas. A «competição» é uma forma de mostrar muitas e profundas emoções” (José das Candeias ) As carpideiras rituais egípcias: Entre a expressão de emoções e a encenação pública. A importância das lamentações fúnebres Fig. 7. Outro grupo de carpideiras: mãos sobre a cabeça, desalinho das vestes, pés descalços, seios nus, cabelos atados, lágrimas abundantes. Vinheta do Papiro de Ani XIX Dinastia. “Simultaneamente, a demonstração pública de afeto e sentimento pelo morto pretendia evitar que este regressasse à terra para inquietar ou maltratar os seus familiares. A lamentação fúnebre das carpideiras, com base num repertório de textos e cânticos fúnebres mais ou menos padrão, cumpria, assim, um desígnio superior, destinado a acalmar o espírito do defunto. Mas a sua ação não se ficava por aqui: dirigia-se também, ainda, às divindades, apelando à sua piedade, com o objectivo de conseguir que estas premiassem o defunto com uma aprazível vida extraterrena.” “A função das carpideiras cumpria, pois, vários objectivos e tinha diferentes destinatários: a sociedade (na expressão pública e encenada de tristeza e lamento), o morto (agradando-lhe de forma a aplacar o 35 seu espírito) e as divindades (procurando o seu favor para com o defunto). (José das Candeias ) De facto, a análise dessas representações permite identificar esses «gestos obrigatórios» das profissionais do lamento e do choro. É possível, assim, estabelecer-se uma dramaturgia codificada do luto, assente no catálogo de atitudes das carpideiras. Desde logo, gestos bruscos, contorcidos, pouco habituais no dia-a-dia, para expressar a dor e o desregramento dos sentidos. Cabeças rápida e violentamente projectadas para trás, desmaios simulados, joelhos no chão, de cócoras ou deitadas com a cabeça em terra, de tudo um pouco se encontra nas cenas de carpideiras para transmitir a noção da profunda perturbação emocional de que estão dotadas no momento em que elas exercem publicamente as suas funções. A expressão obrigatória dos sentimentos colectivos passa por essas atitudes. São essas atitudes que (melhor) expressam esses sentimentos.” (José das Candeias ) “Quando, no final do ritual, as carpideiras afastam/recolhem os cabelos e descobrem os seus olhos, isso significa que o defunto recuperou a sua faculdade de ver o acesso à luz da ressurreição. A carpideira, qual medium, agiu pelo defunto para lhe garantir o acesso ao mundo da luz. Aquilo que o gesto ritual pretende é a regeneração do cadáver para a sua consequente entrada no mundo do Além. Nos Textos dos Sarcófagos, a cabeleira/ os cabelos são associados do ponto de vista simbólico à água, à vegetação e ao sopro de vida. Sendo o gesto nwn e a lamentação signos de desordem, os cabelos podem ser associados à água de um momento caótico e desordenado: a água do momento da criação, a água primordial do caos primordial. As águas do caos são água de morte, que contém em si os princípios criadores que estão na origem de todas as coisas e que, no contexto funerário, podem fazer começar a nova vida do defunto (da mesma forma que o ano egípcio começava com a água da inundação). As águas são também, por isso, símbolos de vida/ de nova vida. Os cabelos são ainda assimilados à água através das lágrimas de Ísis. São identificadas, dessa forma, às águas da inundação.” (José das Candeias ) Os cabelos são associados à vegetação, na medida em que crescem como as plantas, aspecto que é relacionado também com o começo da vida. As abundantes lágrimas vertidas pelas carpideiras são simbólicas das águas da inundação e os seus cabelos das duas margens do Nilo e da sua vegetação. São uma metáfora para a paisagem nilótica: as lágrimas eram o rio; as mechas de cabelo caídas, para os dois lados do rosto, as suas duas margens.” (José das Candeias ) 36 CAPÍTULO IV- SOBRE A ELEGIA ELEGIA Na literatura, Elegia é uma poesia triste, melancólica ou complacente, especialmente composta como música para funeral, ou um lamento de morte. (Wikipédia). De modo mais genérico o termo elegia abrange ao ritual funerário, ao rito de despedida, da última homenagem a à pessoa falecida, que se manifesta nas mais diversas formas, religiosas, mágicas, cívicas, políticas, de múltiplas dimensões lúdicas, a partir dos costumes e tradições dos povos. Com a morte da pessoa querida, a dor da perda foi conjugada com a lamentação; as lamentações foram unidas à música e à melodia; O canto de lamentação, a cantiga fúnebre foi incorporado ao cerimonial de luto. A partir de algum momento da antiguidade surgiria a carpideira, a princípio fruto da reunião espontânea das mulheres da aldeia, expressão comunitária da dor. E num segundo momento, a profissão da arte da lamúria, a carpideira profissional. As carpideiras eram mulheres que entoavam canções acompanhando ao féretro, procissão que acompanhava ao falecido até sua destinação e que chorava abundantemente, copiosamente. Algumas vezes gritavam e até, literalmente, uivavam, incorporando a voz humana imitando o uivo de lobos, ou dos cachorro, .à representação da dor pungente, O canto é sempre algo emocional, não haveria modo mais dramático para expressar a perda humana que seu uso nos funerais. Não temos idéia de como os rituais de luto, as elegias, tiveram início. Porém, elas refletem muitos conceitos míticos, mágicos, religiosos e culturais que nos ajudam a entender profundas crenças dos povos. A elegia da antiguidade até os dias atuais, independentemente da civilização ou da época, não somente expressa a dor pela perda, ou pela morte, ela declara a dignidade do falecido. Para os povos da antiguidade a elegia era importantíssima, porque ela caracterizava a importância dada pela família à pessoa falecida, caracterizava a importância que os súditos davam ao falecido monarca, representava a nobreza, ao status social do morto. O choro, o drama da perda, que era ampliado até a esfera teatral, refletia o grau de apreço à pessoa falecida. O choro em todas as épocas, em especial o feminino, sempre evidenciou apreço, saudade, o afeto legado a quem morreu, e em muitas sociedades era tido como o termômetro, como o “medidor” o “aferidor” de afeto pelo falecido. E tinha como propósito, como veremos adiante, não somente sensibilizar aos presentes, mas se possível, 37 sensibilizar até as divindades e poderes espirituais que estivessem assistindo a cena. O mundo da antiguidade era essencialmente mágico. Os mortos não perderiam suas essências, ou almas, poderiam segundo a imaginação vigente, permanecer habitando o mundo dos vivos, ainda que mortos, poderiam perder-se ao sair dos corpos e não avançar em direção às regiões espirituais, celestes, para onde deveriam dirigir-se ou serem levados. O enterro com dignidade segundo os ritos era então essencial, porque se o corpo do falecido não fosse tratado com dignidade, a essência do falecido não poderia “renascer” ou sequer ter continuidade no mundo espiritual. A dignidade concedida no enterro, que era representada de modo diferente em cada civilização, dependendo da religião ou crenças, iria influenciar decisivamente a “continuidade” ou a “destruição” da essência do falecido. A maior parte das tribos indígenas do mundo, incluindo as brasileiras, capturavam os inimigos nas guerras e por vingança (Como escreveu em história do Brazil, o visconde José Bonifácio) elas praticavam a antropofagia, para que os inimigos capturados não só perdessem a vida, não só tivessem suas habilidades ou capacidades espirituais capturadas (os participantes do festival macabro acreditavam que os poderes ou forças vitais que habitavam o guerreiro agora seriam absorvidas pela ingestão do corpo do inimigo capturado) mas também anular qualquer possibilidade de continuidade espiritual no mundo do porvir ou na região dos mortos. A destruição dos corpos dos adversários visava dar fim à “eternidade” do inimigo vencido. O ódio pelo inimigo era tão grande que determinadas tribos brasileiras arrancavam os ossos que enterraram, anos após o enterro, para quebrá-los, transformando em ferramentas. Ainda sobre a dignidade dos mortos, os grandes e épicos funerais eram uma necessidade. Às vezes a necessidade da afirmação de poder de um reino. Nos dias atuais alguns ditadores se utilizam do expediente do aplauso, da celebração, da honraria forçada para auto-dignificação, obrigatória por parte dos compatriotas. Muitas cenas de celebrações militares, culturais, esportivas de países dominados pelo poder concentrado na mão de um líder autoritário, as manifestações de alegria, de júbilo na passagem do líder é uma imposição do governo, não são realistas, não é aprovado o sinal de desagravo, a vaia seria punida com a morte ou com campos de concentração forçada. A manifestação emocional é exigida para impressionar os estrangeiros, para influenciar a toda comunidade. Parte dos aplausos é verdadeira, fruto da influência e contágio emocional de milhares que sabem que a oposição, ainda que emocional, é ato proibido. 38 Podemos compreender na antiguidade a importância de festejar a realeza, o domínio, de exaltar a grandeza de um reino, para validar o domínio de um soberano. A família real era legitimada por uma descendência divina, por uma eleição sobrenatural. Ou pela união com a divindade do estado por ritos religiosos e mágicos em que o sacerdote ou sacerdotisa, agindo em êxtase, num estado de consciência alterado, se dizia “incorporado” pela divindade principal, normalmente uma deusa, onde um “casamento” místico ou mágico era consumado, tornando o rei o “consorte” ou o esposo de uma divindade. Sendo o rei ou os familiares possuidores de uma dinastia divina, de uma ascendência ou condição oriunda de uma “casamento” sacerdotal, sagrado, mágico, logo a morte de um faraó, por exemplo, era equivalente à morte de UMA DIVINDADE. Os reis imitavam os banquetes oferecidos às suas divindades protetoras ou tutelares, e claro, em sua morte, aguardavam, esperavam, era expectativa da família real que o soberano fosse velado com a DEVOÇÃO que se esperaria para uma divindade. Como se deus tivesse morrido. A APOTEOSE Etimologia de “apoteose”. A palavra “apoteose” vem do latim APOTHEOSIS, de APOTHEOUN, que significa “divinizar”, ou “transformar em Deus” de “APO - mudança”, mais “THEOS - Deus”. Representando a elevação de alguém ao estatuto de divindade. Algumas tradições da antiguidade, chinesas, japonesas, egípcias, romanas celtas, africanas, mesopotâmicas, em determinada época realizaram cerimoniais grandiosos para figuras notáveis, heróis e reis após sua morte no intuito de elevá-los À condição de deuses. Uma vez divinizados, os túmulos se tornaram local de peregrinação perene, sujeitos a oferendas, rituais, celebrações contínuas daquela nação. Ao ganharem a dignidade divina, seriam cultuadas como os demais deuses do panteão daquela cultura. Os romanos No mundo grego, o primeiro líder, reconhecido atualmente, a dar a si próprio honras divinas foi Filipe II da Macedônia, que era um príncipe, quando os gregos já tinham afastado as monarquias, mas que mantinha ainda ligações econômicas e militares, com a Pérsia Aquemênida, na qual os reis eram considerados como divinos - por apresentarem uma genealogia na qual descendiam de personagens míticos. No seu quinto casamento, uma imagem de Filipe, assentado num trono, foi levada em procissão, entre outras dos deuses do Olimpo. Esse exemplo, que ocorreu na cidade de Aigai, tornou-se um hábito, 39 passado aos reis da Macedónia que mais tarde seriam venerados na Ásia Grega e a partir daí para Júlio César e para os imperadores de Roma. Ou seja, a partir do encontro da religião grega com a egípcia, os líderes helenísticos poderiam ser elevados a um estatuto igual ao dos deuses antes da sua morte (como, por exemplo, Alexandre, o Grande) ou depois (por exemplo, os membros da dinastia ptolemaica). O culto aos heróis similar à apoteose era também uma honra concedida a alguns artistas do passado distante, como Homero. Os romanos, mestres da organização e da grandiosidade, também aplicavam esses princípios aos seus rituais fúnebres. Mais do que um simples adeus, os funerais romanos eram verdadeiros espetáculos públicos, marcados por elaboradas cerimônias, procissões solenes e demonstrações de luto grandiosas. Os funerais de personalidades foram inspirados nos funerais de APOTEOSE. A listagem dos atos simbólicos de um funeral romano de uma autoridade nos ajuda a visualizar as tradições funerárias dos dignitários, presidentes, autoridades, governantes, líderes, até os dias atuais. No funeral, após o falecimento, o corpo era lavado e ungido com perfumes. Era vestido com as melhores togas, de acordo com a posição social do falecido. Uma moeda era colocada na boca para pagar a passagem para o submundo. O corpo era colocado em um féretro ricamente decorado ou em uma pira funerária. Uma procissão solene percorria as ruas da cidade, ostentando a riqueza e o status do falecido. Músicos tocavam instrumentos fúnebres, enquanto enlutados carregavam tochas e oferendas. Imagens de cera ou retratos do falecido eram exibidos, junto com estátuas representando seus ancestrais. Em alguns casos, atores contratados encenavam cenas da vida do falecido. Um orador proeminente proferia um discurso fúnebre, exaltando as virtudes, conquistas e legado do falecido. O corpo era cremado em uma pira funerária em um campo especial fora da cidade. As cinzas eram coletadas em uma urna e depositadas em um mausoléu familiar ou em um columbário. Em alguns casos, o corpo era sepultado em um túmulo individual ou familiar. Após a cerimônia fúnebre, um banquete era oferecido aos familiares e amigos do falecido. Podia ser um evento opulento, com comida farta, vinho e entretenimento. A elegia refletia a classe social do indivíduo morto, ora ela possui a pompa, a grandiosidade do palácio, realçando a dignidade do falecido, caminhando na direção da divinização, em direção da consideração nacional à família da realeza, ora ela caminha em direção ao desprezo, àquele miserável que em virtude da pobreza, da marginalização ou do desprezo por crimes, crueldade ou atos de indignidade, recebe como punição a anulação do ato de elegia e até mesmo a o impedimento ao enterro, sepultamento e às homenagens póstumas, em virtude dos atos 40 que trouxeram vergonha à comunidade, aos deuses ou à família da antiguidade, O desrespeito aos mortos foi considerado um ato abominável por muitos povos, justamente porque era onde repousava o corpo que os familiares levariam oferendas, roupas, alimento ritual. Os gregos entendiam como dever eterno dos filhos a manutenção das ofertas votivas, a oferta de alimentos, porque adquiriram dos egípcios a essência de sua religiosidade. 41 CAPÍTULO V - ELEGIA - CONSIDERAÇÕES O Ramo de Ouro é uma obra escrita pelo antropólogo escocês Sir James George Frazer e que teve sua primeira publicação em 1890, cita diversos atos fúnebres e elegíacos de diferentes culturas. Muitas culturas expressaram sua tristeza pela morte por meio de lamentos, cantos fúnebres e choro ritual. Isso é visto em culturas como a babilônica, onde as mulheres lamentavam anualmente a morte de Tamuz, e na Grécia antiga, onde as mulheres choravam por Adônis; Na Grécia antiga, as donzelas ofereciam seus cabelos a Hipólito antes do casamento, e na Fenícia, onde as mulheres raspavam a cabeça durante o luto por Adônis; Sacrifícios de animais ou humanos: Algumas culturas faziam sacrifícios de animais ou até mesmo humanos como parte dos rituais fúnebres. Isso é visto entre os citas, que sacrificavam seu rei em tempos de fome, e os khonds da Índia, que sacrificavam vítimas humanas para garantir boas colheitas e proteção contra doenças. A preservação do corpo do falecido era crucial em muitas culturas, como no Egito antigo, onde os corpos eram mumificados para garantir a sobrevivência da alma. Após a morte de alguém, muitas culturas realizavam rituais de purificação para afastar os maus espíritos e proteger os vivos de qualquer influência maligna. Em muitas culturas, eram realizadas festas dedicadas aos mortos, durante as quais os vivos ofereciam comida, bebida e outras oferendas aos espíritos dos falecidos. Isso é visto em culturas como a chinesa, onde alimentos e bebidas são oferecidos aos ancestrais durante o festival Qingming. Os ritos funerários muitas vezes eram realizados para garantir a passagem segura do falecido para o outro mundo. Na Babilônia e na Síria, a morte do deus Tamuz (conhecido pelos gregos como Adônis) era lamentada anualmente, especialmente pelas mulheres. Imagens do deus morto eram carregadas em procissão e depois lançadas ao mar ou em fontes. Na Grécia antiga, os mistérios de Elêusis eram rituais secretos realizados em homenagem à deusa Demeter e sua filha Perséfone. Os ritos estavam relacionados ao mito do rapto de Perséfone por Hades, o deus do submundo, e seu subsequente retorno ao mundo dos vivos. Os mistérios envolvem elementos como jejum, procissões de tochas, vigílias noturnas e uma comunhão com a divindade. Em muitas partes da Europa, o Carnaval terminava com o "enterro" de uma efígie que personificava a estação festiva. Isso geralmente envolvia uma procissão mock-fúnebre, seguida pela queima ou destruição da efígie. Em algumas culturas eslavas, a primavera era celebrada com a expulsão ritual da Morte, representada por uma efígie 42 que era carregada para fora da aldeia e destruída. Em toda a Europa, as festas dos fogos eram realizadas em diferentes épocas do ano, particularmente na primavera e no solstício de verão. Em algumas dessas festas, efígies eram queimadas nas fogueiras, o que pode ter sido um substituto para antigos sacrifícios humanos. Na antiga Babilônia, a festa do Sacaea envolvia a inversão temporária de papéis sociais e a execução de um prisioneiro que era vestido com roupas reais. Acredita-se que essa festa estivesse relacionada à festa do Ano Novo e à renovação do poder do rei. E rogou-lhe um dos fariseus que comesse com ele; e, entrando em casa do fariseu, assentou-se à mesa. E eis que uma mulher da cidade, uma pecadora, sabendo que ele estava à mesa em casa do fariseu, levou um vaso de alabastro com ungüento; E, estando por detrás, aos seus pés, chorando, começou a regar-lhe os pés com lágrimas, e enxugava-lhos com os cabelos da sua cabeça; e beijava-lhe os pés, e ungia-lhos com o ungüento. Ao ver isso, o fariseu que o havia convidado disse a si mesmo: "Se este homem fosse profeta, saberia quem nele está tocando e que tipo de mulher ela é: uma ‘pecadora’ ". E, voltando-se para a mulher, disse a Simão: Vês tu esta mulher? Entrei em tua casa, e não me deste água para os pés; mas esta regou-me os pés com lágrimas, e os enxugou com os cabelos de sua cabeça. Não me deste ósculo, mas esta, desde que entrou, não tem cessado de me beijar os pés. Não me ungiste a cabeça com óleo, mas esta ungiu-me os pés com ungüento. Por isso te digo que os seus muitos pecados lhe são perdoados, porque muito amou; mas aquele a quem pouco é perdoado pouco ama. E disse-lhe a ela: Os teus pecados te são perdoados. Lucas 7:36...49 Desde o antigo Egito o cabelo representava diversas realidades espirituais e humanas. 43 Para os egípcios, o cabelo possuía um poder mágico. Ou era o meio da realização de práticas de magia. Os cabelos mais mágicos de todos seriam então os da deusa da magia, da própria Isis. Os longos cabelos de Isis na tradição egípcia - desarrumados e cobrindo o rosto de luto ou caindo em pesadas e escuras mechas sobre os ombros - seriam o predecessor do famoso Véu de Ísis da tradição posterior. No antigo Egito, era um costume de luto para as mulheres egípcias desfiarem seus cabelos. Usaram-no por muito tempo e desalinhado, deixando-o cair em seus rostos manchados de lágrimas, cegando-os em solidariedade com a cegueira experimentada pela primeira vez pelos mortos. Como um “Enlutado Divino Supremo”, isso era particularmente verdadeiro para Ísis. Em Koptos, onde Ísis foi notavelmente adorada como uma deusa do Luto, uma oração de cura feita “perto do cabelo em Koptos” é registrada. Estudiosos consideram isso uma referência ao Luto da deusa Ísis, com seu cabelo despenteado e ainda assim, poderosamente mágico 44 CAPÍTULO IV - A DESCONSTRUÇÃO DA MORTE Eu sou o que vive; estive morto, mas eis que estou vivo por toda a eternidade! No Egito Antigo, a realização dos rituais funerários era fundamental tanto para que a perda fosse demarcada (para os vivos) quanto para evitar que o morto se tornasse uma assombração - se os rituais não ocorressem, o morto vagava como um fantasma assombrando os vivos, crença que exportou para todo o mundo da antiguidade, ainda vigente em muitas partes do mundo até hoje. Em suma, os ritos eram imprescindíveis para que a continuação da vida no mundo dos mortos - domínio do deus Osíris - ocorresse em sua plenitude. O morto dependia dos vivos, que faziam oferendas em sua tumba e preservavam-lhe o nome, fazendo com que sua existência fosse perpetuada, mas também dependia de si mesmo: para que sua memória fosse eternizada era fundamental que ele, o morto, contivesse memória. É nesse contexto que o Livro dos Mortos pode ser considerado um guia essencial, pois se tratava de uma mídia fundamental no sentido de fazer o morto lembrar-se dos encantamentos necessários ao sucesso de sua caminhada na Duat. Mas, os mortos não tinham como ler o livro do defunto. Porque estavam mortos. Jesus então seria, ele mesmo, o verdadeiro Livro dos VIVOS, e quem o lesse, não morreria, viveria eternamente. E sua palavra teria o poder que nunca foi dado aos feitiços jamais pronunciados pelos mortos. João 5:24 Em verdade, em verdade vos digo: quem ouve a minha palavra e crê naquele que me enviou tem a vida eterna, não entra em juízo, mas passou da morte para a vida. A INTUIÇÃO DE UM JUÍZO VINDOURO O morto egípcio necessitaria NECESSARIAMENTE que entrar em juízo. Todos eles, até mesmo o mais nobre deles, o faraó. A luta pela eternidade começava nos ritos pós-morte; no choro das carpideiras; na mágica preparação mortuária; nos ritos de magia; no embalsamento; nos feitiços recitados; nos encantamentos escritos; com a finalidade de dar uma chance, garantindo uma oportunidade do morto, nessa 45 odisseia fúnebre, de alcançar o tribunal. Mas, até chegar nesse tribunal, essa luta pela eternidade estava MUITO longe de acabar. A ORIGEM DOS DEUSES Os templos, as divindades do Olimpo, os deuses da cidade, da religião oficial conviviam com crenças arraigadas e antiquíssimas, comum a todos os povos, de que os parentes, avós, bisavós, ao morrerem tornar-se-iam “manes” ou “demons” basicamente espíritos protetores e espíritos guardiões da família, DESDE QUE devidamente alimentados. As Escrituras denominam a esse tipo de manifestação espiritual de “espíritos familiares” Isaías 8:19 Quando, pois, vos disserem: Consultai os que têm espíritos familiares e os adivinhos, que chilreiam e murmuram: Porventura não consultará o povo a seu Deus? A favor dos vivos consultar-se-á aos mortos A ORIGEM DOS DEUSES da antiguidade tem COMO PONTO DE PARTIDA aos espíritos familiares. Apocalipse 1.18 Eu Sou o que vive; estive morto, mas eis que estou vivo por toda a eternidade! E possuo as chaves da morte e do inferno No cerne das religiões que veneram entidades milenares está o CORAÇÃO DA TEOLOGIA EGÍPCIA. É ELA QUE exporta SUA ESSÊNCIA de veneração aos mortos para grande parte do mundo da antiguidade. Suas principais divindades foram espelhadas em casas da realeza do passado. As divindades da época antiga, 4000 a.C. à 1200 d.C. foram comuns a muitas nações. Os cultos se fundiam com sacerdócios locais, os povos “importavam” deuses estrangeiros, deuses estranhos ou exóticos de terras distantes. Babilônia, Pérsia, Egito, Grécia e Índia compartilharam de diversas divindades. Muitas divindades persas um dia foram hindus ou mesmo babilônicas, despidas de seus “saris” e vestidas de trajes persas. ORIGEM DO SINCRETISMO RELIGIOSO A “fusão” de religiões e a criação de novos cultos é uma característica fundamental da religião da antiguidade, e tal prática NASCERIA NAS TERRAS EGÍPCIAS. E tal característica ainda serve de base para muitos movimentos religiosos mágicos da atualidade. Atualmente concedem um nome simplista de “sincretismo religioso” a 46 essa “fusão” de costumes, ritos, crenças, mas a realidade espiritual que isso traduz é muito maior que aparenta. Essa “mutação” dos deuses antigos em novas crenças, com novos rituais, realizado em novas culturas por outras famílias sacerdotais esconde uma trágica verdade, terrível constatação. Muitos “deuses” se tornaram deuses num processo de evolução. Os primeiros deuses dos povos foram seus próprios ancestrais transformados em espíritos protetores. Os demônios foram ancestrais que se tornaram malignos. Almas, fantasmas, espectros ou entidades da maldade nas quais os espíritos dos falecidos se transformaram, alimentados pelo desejo de vingança de suas mortes cruéis. Na imaginação mágica dos povos os demônios se originam em três ou quatro categorias de falecidos. Pessoas maltratadas, que sofreram injustiças e seus malfeitores permaneceram impunes. Pessoas que sofreram uma morte cruel. Pessoas que viveram uma vida de crueldade, de más obras, de más ações, possuidoras de má índole. Pessoas amaldiçoadas pelos deuses. Pessoas amaldiçoadas por feitiçaria. E mesmo espíritos guardiães, protetores da família, poderiam se tornar espíritos malignos ou demônios malévolos. Esclarecendo o conceito de demônios do bem - os povos classificavam como daimons (grego), ou demônios aos espíritos/essências dos falecidos que não MIGRAVAM para algum lugar celestial ou que permaneciam no mundo dos mortos, na região da morte, que a maioria compreendia ser embaixo da terra, e seu caráter, bom ou mau, benigno ou maligno, seria definido por seu comportamento. Mesmo espíritos “bons”, ou benignos, poderiam se tornar em maus, se do “outro lado da vida”, na região dos mortos passasse FOME. Essa era a maior de todas as funções das ofertas, das oferendas nos sepulcros familiares da antiguidade. ALIMENTAR aos mortos, uma vez que a oferta de dons, bens, alimentos, daria aos mortos condição espiritual de se alimentar a partir dessas ofertas. Jesus irá definir de uma vez por todas o caráter dos demônios: Mateus 4:24: "E a sua fama se espalhou por toda a Síria; e trouxeram-lhe todos os que estavam enfermos, acometidos de várias enfermidades e atormentados por demônios; e ele os curou." E em outra passagem: Lucas 8:2 “e também algumas mulheres que haviam sido curadas de espíritos malignos e de enfermidades: Maria, chamada Madalena, da qual saíram sete demônios;” Essa associação em Lucas é finalística, espíritos malignos são demônios. 47 Mas, a imaginação mágica dos povos não compreendia a natureza dos poderes espirituais. Importante frisar que parte dos ritos de elegia envolvia tais conceitos. Os ritos mortuários e a dedicação contínua de comida ou alimentação sagrada, oferendas, e a ADORAÇÃO os transmutava em seres mais poderosos, de espíritos protetores em chefes de espíritos, daí em semideuses, criaturas com poderes divinos, mas sem o status de deuses e finalmente em divindades que estavam sobre o domínio de um panteão superior ou da mais antiga delas. Na medida que os séculos passavam, os pais de um clã, os mortos mais antigos, perdiam sua ascendência humana. Perdiam a história de suas famílias originais, perdiam os laços humanos das gerações a qual pertenceram um dia, também esquecida. Os sacerdotes então criaram uma COSMOGONIA. Concediam a estas divindades uma origem divina, uma família celestial. As famílias de deuses da antiguidade possuíam histórias, onde aconteciam como na humanidade terrena, diversas tragédias. Ao olhar para a história das divindades, sejam egípcias, babilônicas ou gregas, nós leremos nas entrelinhas histórias de paixões e de desvarios humanos, unidos a contos assombrosos e de magia, que retratam de modo fidedigno a VIDA PALACIANA, as intrigas da família real, da antiguidade. Incesto, assassinato, luta pelo poder, rebeliões, traições, filhos ilegítimos, paixões proibidas e licenciosidade dos deuses eram um retrato do acontecia, da Joseon coreana ao palácio egípcio, da oligarquia de Atenas aos 16 reinos da Índia antiga, e também um retrato dos costumes dos antigos reinos africanos. A família real africana, de Gana à Aksum, de Mandika ao Congo, de Songhai ao Zimbábué, de Yourubá ao reino de Benin. Muitos dos deuses de milhares de nações da antiguidade foram um dia somente seres humanos, homens e mulheres mortos, de origem esquecida, desumanizados, divinizados. Isso é essencial para você compreender a opressão maligna contida em cultos de origem arcana, iniciados na antiguidade. Os céus da antiguidade eram baseados nas casas reais da antiguidade, habitados pelos ancestrais míticos, que perdendo sua identidade se tornaram deuses. A começar por OSÍRIS. No Brasil, divindades adoradas em diversos terreiros de religião africana são baseados em VUDUM, ou VODUNS, que se originaram em espíritos de ancestrais divinizados. 48 Basicamente, mortos transformados em deuses. Vodum, vodun, voodoo ou vodu são termos que se referem aos vários ramos de uma tradição religiosa baseada nos ancestrais que tem as suas raízes primárias entre os povos Ewe-Fon do Benin, onde é, hoje, a religião nacional, com mais de 7 milhões de adeptos. Além da tradição fon, ou do Daomé, que permaneceu na África, existem tradições relacionadas que lançaram raízes no Novo Mundo durante a época do tráfico transatlântico de escravos (século XVI - século XIX) e que persistem até hoje, como o candomblé brasileiro, o vodu haitiano, a santeria cubana, o vodu da Louisiana (Estados Unidos), etc. "Vodum" pode designar tanto a religião quanto os espíritos centrais nessa religião. A tradição e a cultura dos escravos jejes, ewés, fons, minas, fantes e axântis deram origem no Brasil às tradições conhecidas como: - Candomblé jeje: teve início em Salvador e no Recôncavo baiano, nas cidades de Cachoeira e São Félix e outras, depois migrou para o Rio de Janeiro, São Paulo em maior número. - Tambor de Mina: ficou restrito a São Luís do Maranhão com a única casa de Jeje-Mina no Brasil que é a Casa das Minas - Xangô do Nordeste, Xangô do Recife, Xangô de Pernambuco ou Nagô-Egbá ou Jeje-Nagô: teve início na Região Nordeste do Brasil. Uma parte migrou depois para outros estados. - Tambor do Golfo Como a origem dos Voduns é de espíritos ancestrais, suas histórias refletem também as histórias ancestrais das paixões e deturpações humanas das tradições e intrigas da vida da família mais importante num sistema de governo baseado na monarquia da antiguidade. Na língua Yorubá, Egun tem o significado de ancestral divinizado. As religiões da antiguidade passam por processos de sincretismo, de fusão, de mudança, de incorporação de novos sacerdócios, de novos ritos. Essa mutação é essencial para você entender que muitos deuses ancestrais, arcanos, divindades que já foram adoradas na Índia, no Egito, em Babilônia e na África, PERMANECEM HOJE SENDO ADORADAS, sob a sombra de novos nomes, de novas formas de culto, abraçadas por novas formas de sacerdócio, servidas através de novos tipos de sacrifícios, votos e oferendas. As vestes, a aparência, os atributos, os sacerdotes mudaram, mas a essência dessas divindades ou espíritos de pessoas mortas, adorados, permanece exatamente o mesmo que possuíam quando uma sacerdotisa egípcia se curvava num templo de Hathor. Em Benin da Antiguidade, até os ossos de reis ou poderosos guerreiros vencidos em batalhas se tornaram em objetos sagrados, 49 detidos de poder espiritual. Por séculos, famílias reais realizavam cultos em santuários que continham objetos fabricados a partir de crânios humanos, que se tornavam mágicos. Em Abomé, os ossos do ancestral mítico, colocados num recipiente de cerâmica e cobertos por um montículo de terra, constituem o altar do vodum Aizan (Ayizàn), responsável pela proteção da coletividade. Relíquias sagradas, a maior parte de pedaços mumificados, pedaços de ossos, partes mumificadas, cinzas guardadas em vasos especiais, pedaços de indumentária ou objetos pessoais tidos como relicários – pertencentes a ancestrais míticos, foram trazidos ao Brasil e muitos destes são guardados em templos e sacralizados, sendo usados de modo mágico. Ao fazer uma oferenda em uma encruzilhada, é a um espírito de um morto que o homem contemporâneo está concedendo dignidade. Ao curvar-se a uma entidade arcana, é a um usurpador que essa pessoa está se curvando. Todo espírito que ousa invocar para si domínio ou poder, posição ou adoração, desafia aquele que o verdadeiro Senhor de todas as coisas, cujo nome aterroriza a todo poder. Porque só Ele possui a legitimidade de receber a adoração. Porque está vivo. E finalmente, DESTRUINDO A MORTE, permanecerá vivo, para todo o sempre. A ressurreição de Jesus significa que nenhum morto será jamais venerado novamente, porque sendo a partir DELE é gerada uma CASA, ele se torna o PRIMOGÊNITO entre seus irmãos, é ele que dará origem ao RENASCIMENTO, iniciando uma verdadeira FAMÍLIA DIVINA. Jesus é o ANCESTRAL de toda a família de Deus, é o primeiro a ressuscitar dos mortos e a permanecer vivo para sempre. Pelo fato de ser ETERNO, estando junto a Deus quando ele fazia todas as coisas, ele se torna ANTERIOR A CRIAÇÃO. Jesus não tem início no ventre de Maria. Ele é ANTERIOR então ao nascimento do primeiro ser humano, estando vivo antes de sua encarnação. Sendo uma dimensão divina, o primeiro ser humano foi criado a partir DELE. Porque sem Ele, nada do que foi feito, se fez, já dizia Paulo. Significa dizer que a humanidade recebe de CRISTO parte de sua dimensão ou natureza. Ela está viva, porque foi da vontade de Cristo, que estava em Deus, que ela vivesse. É por empréstimo de seu sopro que a vida humana foi manifestada. Pode-se dizer que o primeiro ancestral humano divinizado, por mais antigo que seja, não possui nem SOMBRA da primazia de Cristo. Não só porque ele é anterior a todas as coisas. Mas principalmente, porque ele é o doador da vida, da nephesh, do fôlego 50 humano. Mesmo os antepassados longínquos, que se tornaram “deuses”, só nasceram, só viveram e morreram, porque neles a vida, que CRISTO legou, neles habitava, os sustentava. Porque são todos, criações divinas. São todos, criações de Cristo. Que, sendo em forma de Deus, não teve por usurpação ser igual a Deus, Filipenses 2:6 Os espíritos dos antepassados divinizados tornaram-se os deuses pagãos da humanidade, tendo aprendido essa ciência perversa como os egípcios. Porém isso é USURPAÇÃO de uma posição que pertence a Jesus. Os “mortos” usurparam adoração indevida por se tornarem “deuses” em contraste que Jesus, sendo parte, dimensão de Deus, enquanto num corpo humano, agiu como se fosse um servo, de suas demais dimensões, do Pai e do Espírito. A encarnação é uma revolução espiritual sem precedentes, virando do avesso toda a religião da antiguidade. A partir da ressurreição, Jesus possui o direito de reivindicar PERFEITA adoração divina. De retomar seu lugar no coração da humanidade, EXONERANDO substitutos não autorizados, que até o dia do Julgamento, permanecerão mortos. 51 DESCONSTRUINDO A MORTE II O mundo moderno e sua religiosidade, cultura, e sociedade tem uma indiscutível herança greco-romana. O homem moderno pensa e comercializa como os gregos, agindo de modo jurídico, político e militarmente como os romanos. Mas culturalmente e em especial, religiosamente, ele é essencialmente egípcio. Num nível inimaginável. O Egito então TIPIFICA, representa, ao “mundo”, esse “cosmos” que é o mundo humano somado ao universo físico, manchado pelo pecado. Na maior parte do tempo a palavra “cosmos” é traduzida para designar “o mundo” no Novo Testamento. A palavra “cosmos” vem de “ordenação” ou “ordenado”, ou ORDEM. O grego via a harmonia das coisas em contraste com a desordem, a desarmonia ou o caos. O caos era um conceito que os gregos HERDARAM dos egípcios. E que os egípcios, os hindus, os caldeus, os sumérios e vários povos que já não existem mais, herdaram das narrativas de Babel. Para os egípcios o princípio do universo se dava num mar primordial, num mar cósmico, sem vida, imerso na escuridão. Nun, ou Nu, são as águas abismais ou primordiais, o oceano universal que deu origem a todas as coisas, segundo a mitologia egípcia, que representava bem o Caos. Os céus egípcios também adquiriam, literariamente, espiritualmente falando, a capacidade aquática. Os céus eram como um imenso mar, onde os deuses usavam barcos celestiais para navegar. Essa imagem celeste-marítima permanece na ficção científica até hoje, nas “naves” espaciais, nos cargos das “tripulações” das naves famosas nos filmes, tais como a Enterprise de Star Trek (Jornada nas Estrelas). O Livro de Apocalipse vai fazer algo extraordinário. Na época que o apóstolo João teve a visão na ilha de Patmos, os hieróglifos já estavam extintos, assim como quase que totalidade da religião egípcia. Egípcio arcaico (antes de 2600 a.C., a língua do Período Arcaico) Egípcio antigo (2600 a.C. – 2000 a.C., língua do Império Antigo) Egípcio médio (2000 a.C. – 1300 a.C., do Império Médio até a XVIII dinastia egípcia: continuou em uso como língua literária até o século IV d.C.) Egípcio tardio (1300 a.C. – 700 a.C., da XVIII dinastia egípcia até o Terceiro Período Intermediário) 52 Demótico (século XII a.C. - século X d.C., da Época Baixa até o período romano) Copta (século IV d.C. – século XIV d.C., do período romano até a Idade Moderna) João era judeu, desde sua juventude fora evangelista, e fora dos símbolos que VIU na visão de Apocalipse, não teria como ter contato com a antiga religião egípcia. O mundo faraônico não existia mais. Após os domínios babilônios, persas, gregos e romanos, o que restou era um vestígio das antigas religiões. O conhecimento da escrita hieróglifa, já não existia mais. O livro de Apocalipse vai de encontro a um impressionante mistério. O Espírito Santo usa figuras que João desconhece, mas que são REPLETAS DE REFERÊNCIAS a aspectos da religião egípcia, que neste momento está COBERTA DE AREIA enterrada em túmulos e pirâmides, cujos mistérios só começarão a ser revelados com o surgimento da arqueologia e o desvendamento da língua egípcia arcaica. João está escrevendo sob a luz da cultura grego-romana. Suas cartas são endereçadas a igrejas asiáticas dentro do império romano. Significa que, quem lhe concedeu a revelação conhecia de modo profundo e íntimo a antiga religião egípcia. Mas, para possuir tal conhecimento, conforme você lerá nas páginas deste estudo, esta testemunha que lhe concedeu a visão teria que estar vivo, a mais de mil anos. Graças a Deus, pela imortalidade...de Jesus... e da parte de Jesus Cristo, a Fiel Testemunha, o Primogênito dos mortos e o Soberano dos reis da terra. Àquele que nos ama, e, pelo seu sangue, nos libertou dos nossos pecados, Jesus será tudo aquilo que nenhum faraó jamais alcançaria. Realizará todos os feitos imaginários e realizará literalmente todos os atos mágicos, míticos e religiosos imputados aos faraós da antiguidade. Os faraós ansiavam a eternidade mais que outra coisa qualquer. E ele ressuscitaria com ajuda de outros por meio de rituais mágicos para encontrar-se com um juízo divino no qual mentiria desesperadamente, para conseguir o direito de um dia se tornar uma estrela na vastidão celestial. A preservação do corpo pela mumificação era parte preciosa do processo, pois sem o corpo ele não poderia acordar no reino do além. O coração do faraó era substituído por um escaravelho-coração, um amuleto, para evitar que seu próprio coração se levantasse, revoltado 53 contra ele, o contradizendo diante do tribunal de Osíris. Jesus não necessita substituir seu coração por nada, pois seu espírito é perfeito. Não necessitava de aprovação de ninguém porque já tinha alcançado a perfeição espiritual e a aprovação divina ainda no início de seu ministério quando a voz divina declara: este é meu filho amado, a ele escutei”. O faraó assumia uma identidade divina que jamais possuiu, acrescia nomes das divindades tutelares para exaltar sua pessoa, para ratificar sua ascendência divina, falsa, enquanto Jesus trazia desde nascimento a grandeza e a honra divina, a verdadeira natureza da divindade, porque o verbo se fizera carne, e habitava entre nós. Os atos de faraó representavam domínio sobre a natureza e o caos, repetia rituais todos os anos como se por sua causa exclusiva o Nilo produzisse as cheias, em celebrações de auto-glorificação como se dominasse sobre o caos como Deus. Contudo é Jesus que ordena: Mar, aquieta-te! Vento, cala-te!” e estes lhe obedecem. Jesus demonstrou em vida o poder representado de modo fictício, mítico e teatral por faraó, personificando em verdade aquilo que era somente uma ilusão de grandeza egípcia. Os atos de faraó o tornavam escravo de sua religião, pois já que não possuía a perfeição moral ou espiritual a representava através de atos cerimoniais. A religião transformou em alegoria o que para ela era impossível realizar, o aperfeiçoamento do espírito humano. Os cerimoniais realizados meticulosamente, concediam aos seus realizadores a aceitação divina. Vários reis da antiguidade eram vigiados de dia e de noite, seus atos eram representativos, suas roupas possuíam cores e padrões imutáveis, seus passos eram contados, suas palavras e a atos controlados por sacerdotes. Faraó significava palácio. E ele era na verdade um escravo de sua própria condição e casa. Era um prisioneiro do palácio. Jesus também teria seus atos medidos, não pela religião, mas pelo Espírito de Deus. Cada palavra, cada gesto era fruto de uma antiga profecia, suas palavras não eram mantras ou escritos de livros mágicos, mas provinham do próprio Deus. Não havia um script escrito, mas cada ato e palavra eram cheios de significados e refletiam uma solenidade tremenda porque o evangelho na boca de Cristo mudava o universo inteiro. O faraó imaginava poder controlar poderes espirituais, mas foi Jesus que manifestou na terra a verdadeira Autoridade sobre os espíritos. O faraó e a religião egípcia ansiavam a possibilidade de voltar a viver espiritualmente dentro do reino dos mortos através de artes mágicas e rituais que poderiam despertar o morto no outro mundo. Mumificado o faraó dependia da intervenção de um filho que lhe abrisse a boca por meio de um instrumento para ter voz, para abrir seus olhos no mundo 54 espiritual. Para isso não poderia perder seus ossos, não poderia reviver, ainda que num universo paralelo, sem a intervenção mágica e humana. O cerimonial da abertura da boca na terra, dentro do túmulo que era a pirâmide, deitado e amarrado no sarcófago era a possibilidade de retornar a viver, mesmo que uma outra vida. Jesus não teve seus ossos tocados. Não teve um cerimonial de enterro. E não necessitou que abrissem sua boca para ter voz em outro mundo. Porque ele mesmo abriu sua boca no meio do mundo humano, e proclamou segredos inauditos de um lugar celestial. E não necessitou que houvesse intervenção humana em sua morte, pois acima de tudo que uma religião ou mago egípcio poderia esperar, ele voltou por seu próprio poder do reino dos mortos ao terceiro dia. E voltou de um modo tão definitivo que a morte nunca mais poderá tocá-lo. Quando Jesus pede peixe e come após sua ressurreição, quando lhe dão um favo de mel e ceia na frente de seus discípulos vai de encontro a aspiração de uma vida no além na qual os egípcios, nos campos elíseos poderiam voltar a respirar e a comer. Faraó é tido como o grande guerreiro, nos túmulos estão exaltadas para sua memória as grandiosas batalhas. Suas derrotas, porém, não são nomeadas. Jesus então também vencerá. Vencerá a maior guerra de todas, a da salvação humana, contra o pior inimigo de todos, o reino das trevas e até mesmo a própria morte será vencida no dia de sua ressurreição. Os faraós necessitavam de feitiços, conjurações e mágicas para proteção de suas almas. Eles criam no poder mágico da Palavra. Imaginavam o poder criador da palavra de seus deuses. A palavra de Jesus é o que basta, não necessitando de feitiços pois ele mesmo é a fonte de todo o poder, sendo ele UNGIDO, tem autoridade sobre poderes, sobre enfermidades e sobre todas as coisas. Os antigos egípcios imaginavam que se conhecessem os nomes secretos de suas divindades, coisa que só determinados sacerdócios ou deidades tinham acesso, poderiam controlar os deuses. Em Apocalipse é Jesus que declara que por sua própria vontade e como recompensa manifestaria algo que até este momento não sabíamos da existência, um nome que ele possui e não temos ciência. (7) Jesus declara a si mesmo como portador de um nome secreto, a similaridade das deidades do Egito. Mas, seu nome público é suficiente para manifestar toda sua autoridade. Os faraós colocavam o nome de suas divindades em seus nomes, para enaltecerem a si mesmos, para legitimar-se como divinos, como parentes da divindade tutelar vigente. 55 O que a religião egípcia representava como anseio humano, é concedido gratuitamente à Igreja de Cristo por vontade de Deus. O Nilo era a fonte da vida para o Egito, Cristo é a fonte da vida para o mundo inteiro, e a partir dele, da fé nele, rios de água viva fluem do interior de quem nele crê. Seu poder nos faz Nilos. Os egípcios chamavam seus hieróglifos de "palavras de Deus" e reservavam o seu uso para fins de exaltá-los, como se comunicar com divindades e os espíritos dos mortos por meio de textos funerários. Cada palavra hieroglífica representava um objeto específico e encarnava a essência do objeto, reconhecendo-o como divinamente feito e pertencente dentro do grande cosmos. Através de atos de ritual sacerdotal, como a queima de incenso, o sacerdote autorizava que espíritos e divindades lessem os hieróglifos decorados nas superfícies dos templos. Em textos funerários do início e após a XII dinastia, os egípcios acreditavam que desfigurar, e até mesmo omitir certos hieróglifos, trazia consequências, boas ou más, para o ocupante falecido de um túmulo cujo espírito contava com os textos como uma fonte de alimento na vida após a morte. Mutilando o hieróglifo de uma cobra venenosa, ou outro animal perigoso, removia-se uma ameaça potencial. No entanto, a remoção de todas as instâncias dos hieróglifos que representam o nome de uma pessoa falecida privaria a alma dele ou dela da capacidade de ler os textos funerários e condená-la a uma existência inanimada. Jesus nos manifestará a palavra da vida. Sua palavra é espírito e Vida, sua palavra é aquela que VIVIFICA o ser humano porque suas palavras são verdadeiramente revelação divina, são palavras do próprio Deus Vivo. Porém os paralelos com as Escrituras são muito mais abundantes do que uma primeira leitura pode revelar. Jesus é como um hieróglifo que sai de uma parede, ele é a representação mais perfeita da divindade tanto que é denominado em Apocalipse de “a Palavra de Deus”. Os discípulos dizem que suas mãos tocaram na “Palavra da Vida”. I Jo 1. 2 O QUE era desde o princípio, o que ouvimos, o que vimos com os nossos olhos, o que temos contemplado, e o que nossas mãos tocaram da Palavra da vida, 2 (Porque a vida foi manifestada, e nós a vimos, e testificamos dela, e vos anunciamos a vida eterna, que estava com o Pai, e nos foi manifestada). A mágica do Egito, fruto da ficção religiosa, do misticismo e da revelação de entidades espirituais, se baseava na “escrita mágica”. Os hieróglifos não tinham somente o caráter linguístico, embora também fossem usados de modo secular, como uma língua moderna. Sua 56 origem é sacerdotal, sua essência a magia, seu caráter religioso, sua função ritualística, sua razão maior de ser, a comunicação com o mundo do além, sua finalidade a proteção, ou a maldição. O Egito profetizava pela escrita faraônica, ou pelos hieróglifos. Quando Jesus anuncia a essência verdadeira da Palavra divina, vai confrontar todos os conceitos filosóficos, mágicos e espirituais contidos nos hieróglifos. Confronta sua transitoriedade com a eternidade da palavra de Deus, que é sobretudo, SUA PALAVRA: “O céu e a terra passarão, mas as minhas palavras jamais passarão” O egípcio imagina que ter seu nome apagado da parede de um túmulo o destina ao nada, a desintegração. Essa função pertence a escrita sagrada de um livro muito superior à da sabedoria egípcia, o livro da VIDA, cujo poder de escrever ou apagar mais uma vez é delegado ao Senhor Jesus: O vencedor será igualmente vestido de branco. Jamais apagarei o seu nome do livro da vida, mas o reconhecerei diante do meu Pai e dos seus anjos. Apocalipse 3:5 O egípcio imaginava oferecer, em parte, como oferenda ou alimento, as palavras tumulares, os textos das pirâmides e dos sarcófagos como arte mágica para alimentar, sustentar ou evitar o retorno em forma maligna de um morto. Jesus confronta tal pensamento quando afirma que: Disse Jesus: "A minha comida é fazer a vontade daquele que me enviou e concluir a sua obra. João 4:34 Pois a minha carne é verdadeira comida e o meu sangue é verdadeira bebida. João 6:55 Um morto egípcio necessitava sustento de palavras mágicas para continuar sendo sustentado na caminhada no mundo do além. Tanto os vivos como os mortos egípcios necessitavam de uma cobertura de palavras mágicas, feitiços, conjurações, maldições, encantamentos para serem protegidos dos poderes de espíritos malignos e da ira das suas próprias divindades inconstantes. O favor de Hathor hoje poderia ser a desgraça do amanhecer. A graça de Isis é transformada numa tempestade de dor. 57 Jesus é um “combo”, concentra em si o fato de ser o autor, o escritor, a divindade, a oferta, a manifestação viva da VERDADEIRA palavra escrita de Deus, sendo ele o cumprimento das profecias antigas, sendo ele mesmo alimento espiritual para todos os que nele creem. Sendo ele mesmo uma manifestação incondicional e perene de Favor divino imutável. Sendo ele mesmo um ato mágico e profético que anula todas as maldições. Bendito seja Deus e Pai de nosso Senhor Jesus Cristo, que nos abençoou com todas as bênçãos espirituais nas regiões celestiais em Cristo. Efésios 1:3 O faraó, desde que confundem seu cargo com o palácio em que morava (faraó era o nome antigo do palácio onde morava o regente do antigo Egito), é um escravo de suas tradições, preso a uma infinidade de rituais. Ele é uma espécie de deus-homem, e seu papel é dar ordem na ordem das coisas. O cosmos, por assim dizer, depende de seus atos. O Nilo, feito das lágrimas de Isís/Ashet, era convocado nas cheias que nutriam os campos de trigo, arroz e cevada através de um rito anual presidido pelo faraó. O mundo egípcio dependia, literalmente, dele. Porém o faraó era somente humano. Como tal se apaixonava, como tal padecia e tinha um medo monstruoso da morte e do amanhã. Mais propriamente do amanhã do que da morte. A honra buscada pelos gregos que queriam ser imortalizados em poemas homéricos talvez fosse só uma sombra da preocupação em manter o nome vivo contra as águas do esquecimento, ter uma imagem que permanecesse na história, até para que ele, depois de morto, ter a possibilidade de continuar sua história. Os túmulos elevados a quintessência do descalabro, de gigantismo inédito e que inspirou outros tantos mausoléus pelo mundo afora, tinham uma função escatológica, eram memorial para choro eterno, deviam servir de futuros templos para os novos deuses, que seriam os faraós transformados em estrelas no azul de Nut, deusa que representava a noite e os céus estrelados, a constelação feito “gente” da antiguidade. Mais do que um Pop Star da atualidade, ser estrela a brilhar nos céus, era uma meta que exigia um célebre esforço pós-morte, além da ajuda de uma carpideira eterna, ou que durasse o suficiente para que o recém, chegado aos Campos Elíseos egípcios pudessem ser julgados e se possível absolvidos no tribunal de Osíris. 58 Era esse o verdadeiro motivo porque havia tanto feitiço escrito nas paredes dos túmulos, e a razão do choro incessante de um grupo original – o das carpideiras – profissão que nasce justamente no Egito. Quando Jacó morreu certamente houve uma ciumeira incontinente no coração da família real egípcia. O choro pela morte de Jacó é de tal monta que se tornou célebre. É um momento de dor que deixou para sempre na imaginação dos futuros regentes das duas terras aquilo que se devia esperar pela morte de um representante divino. Como dito antes, o mais poderoso dos homens, temia a morte, o esquecimento, a morte depois da morte, a SEGUNDA MORTE, que seria quando deixaria finalmente de existir. Era tanto desejo de existir que o egípcio contava pelo menos 9 partes que compunham a essência espiritual humana. Não duas e nem três, antes nove. Outro contraponto, talvez não seja sem referência que o Espírito de Deus concede 9 DONS ESPIRITUAIS. O faraó frequentemente se apaixonava. As mulheres egípcias eram de beleza extraordinária, que o diga Marco Aurélio e toda “trabalheira” para conquistar Cleópatra. A maquiagem nasce ou se firma como arte no Egito. Os corações dos adolescentes egípcios eram romantizados, desde muito jovens. Os templos eram recheados de imagens cujo erotismo era tamanho que uma das declarações que o morto deveria expressar no tribunal da morte é que “não cometi nenhum ato abominável ou vergonhoso dentro do templo dos meus deuses” e que na verdade escondia o fato de que muitos destes adolescentes se masturbaram pela primeira vez em suas vidas diante da iconogravura, erótica ao extremo, do antigo Egito. As histórias das divindades eram de sexo, traição, tragédia e morte, não necessariamente dentro desta ordem, e os cânticos que inspirariam os romances dos Vedas indianos, que hoje são conhecidos de modo modernizados através do cinema de Bollywood, cantavam romances e eram realizados com ajuda de danças com pouca roupa de sacerdotisas que inventaram passos ousados e acrobáticos, ainda representados nas paredes de templos, e ainda presentes como tradições nas danças do ventre e similares. Diga-se de passagem, que a dança dos sete véus era uma teatralização de um evento que envolvia o “strip-tease de Isis”, que em busca de resgatar do reino da morte seu amado Osíris, vai obedecendo às divindades que ordenam que a cada passo se desfaça de uma das partes de suas vestes, que no total somam sete. Não recordo se ainda sobrou ao menos seu colar, ao chegar no fundo do abismo. Esse erotismo exacerbado até mesmo presente nos enterros. O que era 59 terrível para alguns, para os jovens, nem tanto assim. As antigas carpideiras, normalmente o grupo das mais jovens, realizava sua triste cantoria e a seus atos fúnebres com os seios à mostra. Ou seja, não é necessário dizer que ao redor do grupo de mulheres chorando, havia sempre um grupo de adolescentes, chorando mais alto ainda. Então quando lemos nas Escrituras que um faraó se apaixona por Sara, e que ele a introduz no palácio, não estamos distantes da realidade. O rei se apaixonou pela camponesa. Só que ela era a mulher de um profeta. Essa realidade de folhetim era próxima à de todas as eras. Não é sem razão que a mulher do eunuco e capitão do exército de faraó se aproxima do jovem israelita. A mulher casada vivia envolta num mundo de romance e sensualidade espiritual. Se ela era uma sacerdotisa, então conhecia de cor os cânticos de Isís, que um dia inspirariam os de Inanna, Ishtar, Afrodite, e todas as demais. E ainda tinha o fato de ser uma esposa insatisfeita sexualmente. Pelo fato de viver numa sociedade carnal (fato reclamado numa profecia em Ezequiel). José disse não, pela sua posição, pela sua lealdade ao seu senhorio. Por causa do temor divino. Potifar deriva de Ptah, deus da sabedoria egípcio. Após a libertação, ele receberá como esposa a filha de um sacerdote, a Potífera. São variações do mesmo nome em egípcio. “E nasceram a José dois filhos (antes que viesse um ano de fome), que lhe deu Azenate, filha de Potífera, sacerdote de Om” A esposa de um guerreiro o trai e a filha de um sacerdote o consola. Seu nome era Azenate. Significa “aquela que salva”. Ainda que considerado de natureza divina, o faraó, por sua natureza humana, estava sujeito à morte. Por isso existia um ritual, originado nos tempos pré-históricos e que perdurou até o Período Ptolomaico (304 a 30 a.C.), cujo objetivo era a de renovar a força do rei. Conhecido como festival Heb-Sed, ou Festa da cauda, era celebrado, teoricamente, após os trinta primeiros anos de reinado e a seguir em intervalos variáveis a cada três ou quatro anos. Nessa festividade, dramática e sombria, o rei passava por um sacrifício simbólico e público de morte e depois renascia para assegurar a fertilidade da terra. Por esse ritual se regenera a força física e mágica do rei envelhecido, força com a qual ele poderia ainda, e por mais outro longo período, exercer seu papel de criador, como acontecia quando subiu ao trono. Tratava se de um ritual altamente significativo para os egípcios, como atesta sua representação nos templos funerários reais desde o 60 tempo do faraó Djoser (c 2630 a 2611 a.C.) até o Império Novo (a, 1550 a 1070 a. C.) e o elevado número de tais festas que a tradição nos transmitiu. Em essência a festa consistia de procissões e cortejos diversos dos quais o faraó e seu séquito participavam, visitando os santuários do país. Os relevos mostram cenas nas quais o soberano, já rejuvenescido, acolhe e recebe as homenagens de delegações vindas de todos os cantos do Egito. Também se executavam determinados ritos que deveriam atestar o novo domínio do rei sobre o mundo. Entre eles destacavam-se o lançamento de flechas nas quatro direções do céu e a corrida ritual do rei, paramentado com as insígnias da soberania, rito pelo qual o faraó demonstrava a recuperação da sua força. O faraó já havia praticado essa maratona durante a cerimônia de sua entronização e agora repetia o exercício. A corrida do rei acontecia num local apropriado, construído ao redor de seus edifícios funerários. Ao público presente era, assim, revelada a força física do rei e sua habilidade para governar usando suas capacidades corporais e mentais. Entre as cenas mais conhecidas dessa festividade estão as do faraó Djoser correndo ao redor de seu complexo mortuário. Podemos exemplificar a necessidade faraônica da relação de proximidade entre divindade e poder. Nas campanhas do faraó Kamés contra os hicsos (reis pastores vindos da Palestina), o rei egípcio os repeliu conforme as ordens do deus Amon, que era considerado "famoso" por seus conselhos. Outro caso interessante é o da rainha e faraó Hatshepsut (1473 – 1458 a.C.), que imortalizou uma das formas utilizadas para estabelecer a sua legitimidade no trono. Em seu templo mortuário em Deir-el-Bahari, ela ordenou que fosse descrito o seu nascimento divino por desejo do deus Amon. Segundo a história, o deus toma a forma do faraó Tutmés I (seu pai) e faz amor com a rainha Ahmés (sua mãe), concebendo, assim, Hatshepsut de forma divina. Amon-Ra então diz que essa filha de seu corpo será a legítima governante do reino. A experiência de Hatshepsut nos permite dizer que o acesso de mulheres à posição de faraó era possível. Entretanto o cargo tinha caráter masculino, provavelmente em função das práticas mágicas e religiosas que envolviam tal posição 61 CAPÍTULO VI - O FIM DO CERIMONIAL DO LUTO “Ele enxugará dos seus olhos toda lágrima. Não haverá mais morte, nem tristeza, nem choro, nem dor, pois a antiga ordem já passou". Apocalipse 21:4 E uma grande multidão seguia a Ele, inclusive muitas mulheres que choravam e pranteavam em desespero. Porém, Jesus, dirigindo-se a elas, as preveniu: “Filhas de Jerusalém, não choreis por mim; antes, pranteai, por vós mesmas e por vossos filhos! Porquanto eis que estão chegando os dias em que se dirá: ‘Felizes as estéreis, os ventres que jamais geraram e os seios que nunca amamentaram! Lucas 23:..27-29 As carpideiras da antiguidade, como apontado em um excelente estudo do egiptólogo José das Candeias Sales no tratado “AS CARPIDEIRAS RITUAIS EGÍPCIAS: ENTRE A EXPRESSÃO DE EMOÇÕES E A ENCENAÇÃO PÚBLICA. A IMPORTÂNCIA DAS LAMENTAÇÕES FÚNEBRES” tinham tripla função: 1) Seu choro convulsivo apontava para o público a perda de um regente querido, que merecia ser dignificado e honrado mesmo após sua morte; 2) Seu lamento fúnebre cerimonial era uma apresentação póstuma às divindades como prova de que o mundo humano havia perdido uma grande, importante pessoa, que as divindades pudessem ser misericordiosas e aceitá-lo, já que em vida foi muito amado. Era um clamor pela misericórdia futura. 3) E um terceiro e nefasto propósito. Acalmar o morto. Apaziguá-lo, para que não ficasse envergonhado por não ter apreço ao morrer, por desconsiderado e resolver voltar como um demônio ou entidade maligna, um espectro ou fantasma amaldiçoado a comunidade ingrata que não teve afeição ao grande legado que o regente/faraó/sacerdote/oficial ou general havia deixado. O morto deveria parir tranquilo, para que não voltasse para se vingar. Esse processo deveria ter continuidade nos rituais futuros. 62 Lançada aqui a base da oferenda, dos manjares aos mortos, das oferendas volitivas que estariam presentes em inúmeras religiões e que ainda fazem parte dos costumes fúnebres de muitos povos, com especial ênfase na cultura asiática. Ao ler a “A cidade Antiga” de Fustel de Colanges, nós teremos a noção da importância para o mundo antigo da oferenda aos mortos: (Da cidade Antiga) - Essas crenças logo deram lugar a regras de conduta. Desde que o morto tinha necessidade de alimento e de bebida, pensou-se que era dever dos vivos satisfazer as suas necessidades. O cuidado de levar alimentos aos mortos não foi abandonado ao capricho, ou aos sentimentos mutáveis dos homens; era obrigatório. Estabeleceu-se desse modo uma verdadeira religião da morte. SOBRE DEUSES QUE MORREM Você deve se perguntar, sobre o que as carpideiras religiosas que choravam a morte dos deuses, pranteavam, se não havia um “corpo” físico da divindade a ser enterrado? As religiões erguiam locais sagrados, bosques, árvores, altares, que representavam o “corpo” do deus morto. Também totens, postes esculpidos e imagens de diversos materiais, pedras, tijolos, madeira e até estatuetas de prata ou ferro, eram enterradas e desenterradas, ou visitadas anualmente com oferendas de manjares, como túmulos de familiares, representando assim os deuses que morriam e reviviam, num drama eterno. O pranto “cósmico”, religioso era por natureza, ETERNO. Se dependesse das religiões antigas, jamais iria terminar. Era uma LAMENTAÇÃO ETERNA. Por exemplo, o mito de Osíris, que é “assassinado” pelo irmão divino Seth: ● Seu irmão invejoso, Seth, deus do caos e da guerra, trama para matá-lo. ● Seth afoga Osíris em um caixão e o joga no Nilo. ● Ísis, esposa e irmã de Osíris, busca incansavelmente por seu corpo fragmentado, guiada pelo amor e devoção. ● Com a ajuda de outras divindades, ela reúne os pedaços de Osíris e os reconstrói. ● Usando magia e seus poderes divinos, Ísis revive Osíris, mas não completamente. ● Osíris torna-se então o deus do submundo, julgando os mortos e guiando-os na vida após a morte. ● Seu filho, Hórus, deus do céu e da realeza, vinga a morte de seu pai e assume o trono do Egito. 63 Essa mitologia possui variações, mas, o resumo geral é esse. O CABELO DESGRENHADO AS PRANTEADORAS OU CARPIDEIRAS usam vários gestos de luto e despenteando os cabelos. É em seu estado de luto desgrenhado que Isis finalmente encontra Osíris. Ela reagrupa Ele, alimenta a vida com Ele e faz amor com ele. O capítulo 17 do Livro de Chegando de Dia (também conhecido como o Livro dos Mortos) descreve os cabelos desgrenhados de Ísis quando Ela chega a Osíris: “Eu sou Ísis, você me achou quando eu tive meu cabelo desordenado em cima da minha face, e minha coroa estava desgrenhada. Eu a concebi como Ísis, procriei como Nephthys”. (Capítulo 17; tradução de Rosa Valdesogo Martín , que estudou extensivamente a conexão dos cabelos com os costumes funerários do antigo Egito. ) Uma mulher de luto com o cabelo no rosto do túmulo de Minnakht O cabelo nesse contexto simboliza a cegueira da morte e a nova vida; o cabelo das deusas é, na verdade, parte da magia para realizar o renascimento. Isis e sua irmã, Nephthys, são chamadas especificamente de os dois cabelos compridos. O cabelo comprido das deusas é associado a amarração, envolvimento, tecelagem, tricô. A tecelagem celestial, é um símbolo da reconstrução, necessária para produzir o grande mistério do “renascimento” egípcio. 64 Na gravura, enlutadas, provavelmente Isis e Nephthys, lançam seus cabelos sobre o Osíris Em algumas iconografias egípcias, vemos mulheres de luto, bem como as deusas Ísis e Nephthys, com os cabelos jogados para a frente no que é conhecido como o gesto do casamento, de submissão, de luto. Às vezes elas puxam uma mecha de cabelo para a frente, especialmente em direção ao falecido. Alguns egiptólogos acreditam que esse gesto, especialmente quando feito por deusas, tenha a intenção de transferir uma nova vida para o falecido, assim como o cabelo de Isis deu vida nova a Osíris (Em algumas versões do mito, Ísis utiliza seus cabelos como parte do processo de reanimação. Ela os transforma em asas para voar pelo mundo em busca dos pedaços de Osíris, ou os usa para criar um vento mágico que sopra vida em seu corpo reconstruído). É interessante notar que os egípcios chamavam a vegetação de “os pêlos da terra” e que a terra nua era chamada de terra “calva”, que simplesmente reitera a ideia de que o cabelo é uma expressão da vida. O feitiço 562 dos textos dos sarcófagos registram a habilidade do cabelo de Ísis e Néftis de unir coisas, dizendo que o cabelo das Deusas está unido e que o falecido veio para “ser unido às Duas Irmãs e ser fundido nas Duas Irmãs, porque elas nunca morrerão. 65 Isis e Nephthys puxam, estendem uma mecha de cabelo para o falecido Os Textos da Pirâmide instruem os mortos ressuscitados a soltar suas amarras, “pois eles não são laços, eles são as tranças de Nephthys”. Assim, o cabelo mágico das deusas é apenas um elo ilusório. Seu cabelo não é um elo de contenção, mas sim o agente de ligação necessário para o renascimento. Como a placenta que contém e alimenta a criança, mas não é mais necessária quando a criança nasce, a nascida de novo solta as tranças das Deusas que a haviam envolvido anteriormente em segurança. O CHORO DAS CARPIDEIRAS - CURIOSIDADE - RELICÁRIO A Igreja Católica Romana, ou alguns de seus grupos constituintes, afirmou guardar relíquias, objetos, até mesmo partes que pertenceram a personalidades bíblicas, em especial itens pertencentes a Cristo. As principais relíquias de Cristo deixadas após sua ascensão seriam poucas – o prepúcio cortado do recém-nascido ao oitavo dia de sua circuncisão;, os dentes de leite do infante Jesus, gotas do sangue derramado na cruz, pedaços de unhas e porções de seus cabelos – e a mais efêmera entre elas, uma lágrima derramada pela morte de Lázaro. Essas “relíquias” sabemos serem fruto da superstição da idade média. Várias igrejas francesas afirmaram possuir a lágrima descrita. Na Idade Média, o santuário de Vendôme, na abadia beneditina La Trinité, foi o mais eficaz na promoção do culto a “lágrima” denominada “Sainte Larme”. A relíquia, agora perdida, estava aninhada como uma boneca russa dentro de quatro caixas de tamanhos variados, sua transparência capturada e refratada por um invólucro de rocha de cristal. A lágrima era considerada como “um lembrete da humanidade de Cristo”. Desde a antiguidade as lágrimas eram consideradas um liquido poderoso e eficaz: podiam curar males e “libertar as almas do purgatório”, apontavam para a santidade e a falsidade identificada, eram 66 vistas como um excesso de humores e como sinais de santidade, eram derramadas em devoção afetiva e imitação espiritual de objetos sagrados, eram companheiras da experiência visionária e agentes que obscurecem a visão. As lágrimas eram vistas como um instrumento de disciplina e como donum lacrimarum – um presente para Deus e de Deus. Este dom de lágrimas era precioso: o choro, em certos contextos, era visto como estampando uma marca de mérito e distinção em quem chorava. Sagrado e profano, público e privado, emotivo e ritualístico, interno e corporificado, o choro medieval serviu como um prisma culturalmente carregado para uma série de performances sociais, visuais, cognitivas e linguísticas. Uma homilia anônima do século XII usou o texto do Salmo 126:6 – "Indo eles foram e choraram, lançando suas sementes. Mas vinham com alegria, carregando seus feixes" – para classificar quatro tipos de lágrimas: lágrimas que são como a água salgada da compunção (lacrimae compunctionis); lágrimas que são como a água da neve do arrependimento em nome dos outros (lacrimae compassionis); lágrimas que são como a água do poço do desprezo mundano (lacrimae contemplationis); e lágrimas que são como a água de orvalho da saudade do céu (lacrimae peregrinationis). Esse sermão católico sugere que o choro estava aberto a uma variedade de interpretações e, como tal, era entendido como um ato intrinsecamente ambíguo. Percebe-se então a necessidade do choro das carpideiras e a posterior a necessidade dos banquetes dos mortos. São duas faces de uma mesma história sinistra. A religião de todos os povos bebeu abundantemente nas águas doutrinárias da religiosidade egípcia. A morte de um soberano do Egito ou de oficiais gerava os mais extraordinários ritos funerários. Dezenas de carpideiras, jovens e adolescentes choravam a morte do faraó, com gritos, com canções fúnebres, com representações de dor e morte que possuíam três funções, evitar que o defunto sentindo-se abandonado voltasse a assombrar os vivos, demonstrar afeto público diante de toda a comunidade e demonstrar apreço ao morto, dentro da esfera celestial, para que comovessem os deuses, demostrando a perda de uma grande figura humana, pedindo deste modo, misericórdia para este no futuro julgamento divino. O choro de carpideiras só cessava após o enterro do morto, quando não, dependendo da grandeza de quem estava sendo velado, até 30 dias após a finalização dos ritos mortuários. Os ritos mortuários 67 com choro das carpideiras era um ritual que nascera ou se fundira com o “choro pela morte dos deuses”, pois na antiguidade as estações da natureza, a renovação das plantações após a colheita, a morte dos cereais e a recriação da vida, o renascimento da flora a partir das sementes, era como um memorial para a morte e renascimento de Osíris, Frazer citou os exemplos de Osíris, Damuz, Thamuz, Adônis, Átis, Dionísio. Havia rituais de pranto pela morte dos deuses, que duravam semanas, em várias religiões. Na procissão de falsos deuses, "Thamuz veio logo atrás, cuja ferida anual no Líbano seduziu as donzelas sírias lamentam seu destino, na melancolia amorosa todo o dia de verão. Tammuz na Babilônia era o jovem amor de Ishtar. Cada ano ele morria e passava para baixo da terra, para o lugar de poeira e morte, "a terra da qual não há como voltar, a casa das trevas, onde o pó jaz na porta trancada". E a deusa foi atrás dele, e enquanto ela estava abaixo, a vida cessava na terra, nenhuma flor florescia e nenhum filho de animal ou homem nasceria. Conhecemos Tammuz, "o verdadeiro filho", melhor por um de seus títulos, Adonis, o Senhor ou Rei. Os Ritos de Adonis eram celebrados no meio do verão. Isso é certo e memorável; pois, na época que a frota ateniense estava embarcando em sua malfadada viagem a Siracusa, as ruas de Atenas estavam apinhadas de procissões fúnebres, em toda parte eram vistas as imagens do deus morto, e o ar estava cheio de lamentações de mulheres chorosas. Plutarco nos diz que aqueles que levaram em consideração os presságios estavam cheios de preocupação pelo destino de seus compatriotas. Iniciar uma expedição no dia dos ritos fúnebres de Adônis, o “Senhor” cananeu, era péssimo. Os ritos de Tamuz e Adônis, celebrados no verão, eram mais ritos de morte do que de ressurreição. A ênfase está no desbotamento e na destruição da vegetação, e não na sua expansão. A razão disso é simples. Por enquanto só temos que notar que enquanto no Egito os ritos de Osíris são representados tanto pela arte quanto pelo ritual, na Babilônia e na Palestina nas festas de Tamuz.Há um antigo relato de um historiador que participa de uma campanha militar numa viagem marítima, quando o navio para numa região na época dos rituais de pranto. Ele relata que por toda parte via mulheres chorando, como se todo o país onde chegaram estivesse em luto. Todos os anos, as mulheres das religiões da antiguidade, se tornariam CARPIDEIRAS, de mitos, por cerca de uma semana. Não conhecemos a origem das carpideiras de Jerusalém. Não sabemos se foi um ato espontâneo de um grupo de mulheres piedosas, se era um serviço religioso pago promovido pelo templo de Jerusalém ou se as mulheres pertenciam a uma ordem religiosa da época, 68 separada, que possuía essa prática. As Escrituras mencionam o uso da flauta em um funeral judaico. O Evangelho de Mateus diz que um governante judeu pediu a Jesus que curasse sua filha, que estava quase morrendo. No entanto, quando Jesus chegou à casa do governante ele ‘avistou os flautistas e a multidão em confusão barulhenta’, pois a criança já havia morrido. — Mateus 9:18, 23. Na maior parte do mundo antigo, em Roma, na Grécia, na Fenícia, na Assíria e na Palestina, o som de lamento da flauta estava inseparavelmente ligado à morte e a tragédia. Segundo o Talmude, até mesmo o judeu mais pobre que ficava viúvo nos primeiros séculos contratava dois flautistas e uma mulher para chorar a morte de sua esposa. Flávio Josefo, historiador que viveu no primeiro século, registrou que, quando chegou a Jerusalém a notícia sobre os romanos terem conquistado Jotapata, na Galileia, e sobre o massacre de seus habitantes em 67 dC, muitos dos que pranteavam contrataram flautistas para acompanhar os cantos fúnebres em seus funerais. O choro das carpideiras era então, na época de Jesus, nos domínios romanos, acompanhado de flautistas, e realizado sempre para gente falecida. Jesus estava condenado a morte certa, as carpideiras faziam algo ANTECIPADO, como se fosse um CHORO PROFÉTICO na certeza da morte do condenado. Era uma viagem só de ida para o calvário, nunca alguém havia voltado vivo de lá. O outro motivo da antecipação da lamentação era que era necessário um corpo sobre o qual se lamentar. E o destino dos corpos era um lugar que não teriam acesso, denominado vale de Hinon, o “vale do monturo”, onde corpos de condenados eram lançados, como indigentes, para serem comidos por cachorros e abutres. Era o “lixão” de Jerusalém. Ou elas choravam antes, ou não teriam um “corpo” sobre o qual derramar lágrimas. Jesus também será seguido de carpideiras (ainda vivo) elas choram enquanto ele caminha em direção ao calvário, como se morto ele já estivesse. Mas, ele não permite que elas continuem seu trabalho de dores porque bem sabe que ressuscitará (“Filhas de Jerusalém, não choreis por mim; antes, pranteai, por vós mesmas e por vossos filhos!”). E o trabalho delas, será em vão. Durante a morte de Cristo, a própria natureza agira como sua CARPIDEIRA CÓSMICA. Os céus ficaram de luto, as trevas tomaram conta do mundo durante o instante de sua morte. A própria terra tremerá quando o herói falecer, se contorcendo e rompendo sepulcros. Sua vida é semente que trará a luz a Nova Criação, Jesus transtorna a existência dos poderes. 69 Por diversas vezes Jesus irá PARAR o trabalho das pranteadoras nas Escrituras. Mas, NUNCA NA HISTÓRIA HUMANA O TRABALHO DE UMA CARPIDEIRA FOI CESSADO ANTES DE FINALIZAR O ENTERRO DO MORTO. Até que Jesus ressuscitou o filho da viúva a caminho nde seu próprio enterro. Ele inicia a paralisação de serviços fúnebres no séquito do filho de uma viúva, parando o enterro, as canções de lamentação e o som das flautas, tocando o esquife e ressuscitando o filho morto. Ele paralisa os serviços que já haviam iniciado quando ressuscita a filha do chefe da sinagoga. Ele ANULA o serviço prestado por dias, quando ao quarto dia ordena que Lázaro saia de dentro do túmulo. E por fim, chegada a hora de sua morte, as carpideiras vão seguindo-o até onde podem, na subida para o calvário. E ainda que saiba que irá morrer, Jesus impede-as de continuar. Ele não necessitava daquilo. Porque a morte não poderia detê-lo. Não era uma despedida. Era uma até breve. Jesus iria CESSAR O CHORO para SEMPRE. O culto a Deus, a expressão religiosa, a adoração perfeita não careceriam de choro anual por ficção romântica religiosa. O pranto das carpideiras religiosas, o luto das nações pelos seus deuses mortais, tinha uma razão romântica oculta. Desde Osíris, era sempre o papel da “deusa consorte” da deusa esposa do deus morto, geralmente por intriga, inveja ou ciúme de uma divindade rival, realizar um ritual mágico para trazer o “amado” de volta do reino dos mortos. Dos mistérios de Osíris egípcio ao Mahabharata indiano, era um romance que movia o desespero da deusa, perfeitamente representado pelas sacerdotisas e fiéis de toda a terra. Afinal, o motivo do choro era a destruição de um grande amor, era a dramatização de uma tragédia amorosa cósmica. Então, de modo LÚDICO, fazendo referência PROPOSITAL aos mitos de outrora, Jesus metamorfoseia a antiga história de Osiris. Também vivencia um “romance espiritual”, possui uma AMADA, que irá chorar a sua morte, e que se alegrará com sua ressurreição. Cristo, de modo análogo, possui também uma “consorte celestial”, que na verdade é a humanidade redimida que denomina de sua IGREJA, com o intuito de retirar dela, para sempre, o choro de carpideira. Todos os encontros de Jesus com as carpideiras são PROFÉTICOS. O último encontro, avassalador. Dramático. Porque nesse momento, na sexta-feira de sua paixão, Jesus estava vivo, mas condenado à morte por crucificação, num lugar em que as mulheres não tinham acesso, porque 70 os crucificados poderiam ser crucificados nus. Pelo menos com a roupa de baixo, já que temos certeza que a túnica de Jesus, a coisa mais preciosa em valor monetário que ele possuiu em vida, foi sorteada entre os guardas que o conduziram até a cruz. As carpideiras então só iriam até parte do caminho, então tinham que “apressar” seu expediente. Nesse momento trágico, em que as carpideiras choram, batem em si mesmas, gritam, e choram, elas EVOCAM a um grupo de mulheres em especial, que são denominadas nas Escrituras, personagens de uma canção de amor composta por Salomão: As filhas de Jerusalém. As “filhas de Jerusalém” eram no passado as filhas dos aristocratas, nos nobres, em algum momento da história do reino de Israel, as PRINCESAS, as filhas dos reis e dos irmãos dos reis de Israel, que certamente “ditavam” ou orientavam a moda, o prêt-à-porter da época, com belos vestidos, de beleza singular, sendo tratadas com especiarias, cobertas de joias e enfeites, enfeites cuja lista parcial pode ser verificada no livro do profeta Isaías. Essas moças altivas, provavelmente cantoras e dançarinas, aparecem contrariando a heroína do livro de Cantares, sendo reconhecidas no livro de Lamentações de Jeremias, num estado de luto após a queda da cidade tomada pelo exército de Babilônia. E nesse momento da crucificação, são REPRESENTADAS pelas carpideiras que choram a morte próxima de Jesus. A reprimenda às “filhas de Jerusalém”. Essa expressão é muito conhecida num CÂNTICO ROMÂNTICO, em Cantares de Salomão, que é o canto de amor divino por excelência. Por diversas vezes em Cantares um grupo de adolescentes esnobes, meninas da cidade grande, filhas de nobres, ficam irritando, perturbando a heroína de Cantares, a Sunamita. “Conjuro-vos ó filhas de Jerusalém, não desperteis ao meu amor, até que ele queira!”. Em certo momento as amigas galhofeiras, que não são de todo más, perguntam “quem é esse teu amado, mais que outro amado que tanto nos conjurastes?” Levou 1000 anos até que as “filhas de Jerusalém”, poeticamente falando, se encontrassem com o “amado, mais que outro amado”, aquele que está acima de todas as tradições religiosas, mais formidável que todas elas. E claro, ganham uma SEGUNDA e PROFÉTICA “reprimenda”. “Filhas de Jerusalém, não choreis por mim; antes, pranteai, por vós mesmas e por vossos filhos!” Porque a Jerusalém das filhas de Jerusalém havia rejeitado vultosamente a salvação anunciada pelos “amigos do noivo”, os profetas, que lhe alertaram desta visitação desde a antiguidade. Só que ela não se 71 preparou para recebê-lo, e ainda o expulsou quando chegou. Jerusalém deixaria de existir como cidade 40 anos após este episódio, os judeus mortos aos milhares, o templo queimado e o povo exilado para todo o mundo na infame diáspora. Não, não era por ele que elas deviam estar prestando seu serviço. E nesse gesto absurdo e estupendo Jesus cessa a contradição de ser “velado” ainda vivo, ele contradiz sua “profecia chorada”, a lamuria das carpideiras – esse pobre homem vai morrer e virar saudade daqui a pouco – contrastando com a esperança verdadeira e próxima de sua concreta ressurreição. E finalmente, quando ainda VIVO, e VIVO para sempre, Jesus conceder a revelação sobre o amanhã ao profeta João, ele terminará a história da salvação, que se iniciou antes do nascimento do primeiro homem e que se estenderá após a morte do último, com a seguinte frase: “Ele enxugará dos seus olhos toda lágrima. Não haverá mais morte, nem tristeza, nem choro, nem dor, pois a antiga ordem já passou". Apocalipse 21:4 Carpideiras, vocês estão, definitivamente, DEMITIDAS. 5 e da parte de Jesus Cristo, a Fiel Testemunha, o Primogênito dos mortos e o Soberano dos reis da terra. Àquele que nos ama, e, pelo seu sangue, nos libertou dos nossos pecados, Jesus então é o primeiro ser humano a ressuscitar dos mortos e a permanecer VIVO para todo o sempre. O que desconstrói Osiris, e a todos os outros deuses que morrem, que necessitam de luto e lamentação eternos. Jamais seria necessário o retorno ao mundo dos mortos. E para deixar bem claro isso, no final de Apocalipse, Jesus ainda DESTRÓI definitivamente a morte. Quando a morte e o inferno são lançados no lago de fogo e enxofre. O livro de Apocalipse revela o fim da Elegia, a substituição da canção de dor pelo cântico de adoração, de júbilo de um novo universo no qual a morte é agora somente uma lembrança E vi um novo céu e uma nova terra. Porque já o primeiro céu e a primeira terra passaram, e o mar já não existe. E ouvi uma grande 72 voz do céu, que dizia: Eis aqui o tabernáculo de Deus com os homens, pois com eles habitará, e eles serão o seu povo, e o mesmo Deus estará com eles e será o seu Deus. E Deus limpará de seus olhos toda lágrima, e não haverá mais morte, nem pranto, nem clamor, nem dor, porque já as primeiras coisas são passadas. A identificação do ofício da Carpideira que muitas vezes era formado por mulheres com dons teatrais, que possuíam dotes musicais e a identificando com Cortesãs, quando estas, eventualmente, a convite de dignitários, nobres, oficiais e reis, exerciam um lado conhecido por poucos estudiosos, o de pranteadoras profissionais, nos conduzirá a uma visão lúdica. As cortesãs trabalhavam como carpideiras em várias sociedades antigas, incluindo o Egito Antigo onde as cortesãs eram contratadas para lamentar a morte de pessoas importantes, como faraós e membros da elite. Cantavam, dançavam e se batiam no peito em demonstrações de luto; Acreditava-se que suas lágrimas e emoções ajudavam a guiar a alma do falecido para o mundo pós-morte. O "Livro dos Mortos" e o "Livro da Vaca Celestial" mencionam o papel das cortesãs como carpideiras, e descrevem suas responsabilidades em detalhes. São denominadas Senut nehet, Imet-khet, Shebtet khet mulheres que choram, danças de lamentação, e também Seni, cortesã ou meretriz, citada em textos litúrgicos egípcios e em contos literários tais como “Os Contos de Sinuhe”. (Os Contos de Sinuhe e Ramessés II são uma coleção de histórias egípcias antigas que narram as aventuras de dois personagens fictícios. Uma das histórias menciona o papel das mulheres que lamentavam a morte de um herói, e descreve como elas lamentaram a morte dele.) Na Grécia Antiga as cortesãs, conhecidas como hetairai, também eram contratadas para lamentar a morte de entes queridos, eram consideradas profissionais de luto e podiam ser contratadas para lamentar em funerais públicos e privados. Além de lamentar, as hetairas também podiam oferecer companhia e consolo aos enlutados. na Roma Antiga as cortesãs, conhecidas como meretrices, também trabalhavam como carpideiras. Eram contratadas para lamentar a morte de pessoas de todas as classes sociais. O luto era um ritual importante na Roma Antiga, e as cortesãs eram vistas como parte essencial desse ritual. As cortesãs também trabalhavam como carpideiras em outras sociedades antigas, como a Mesopotâmia, a China e a Índia. 73 As carpideiras deixarão de lamentar, quando a humanidade deixar de morrer. Apocalipse mostra poeticamente, essa coisa espantosa, maravilhosa, a morte da morte, a extinção da morte. Profeticamente declara a MORTE das Carpideiras, o fim de seu ofício, quando a Suprema Cortesã, Babilônia, é destituída, demitida de seu ofício e espiritualmente, ludicamente, morta: Em seu coração ela se vangloriava: ‘Estou sentada como rainha; não sou viúva e jamais terei tristeza’. Por isso num só dia as suas pragas a alcançarão: morte, tristeza e fome; e o fogo a consumirá, pois poderoso é o Senhor Deus que a julga "SATI" OU "SUTTEE" - RITUAL MACABRO COM AS VIÚVAS DA ÍNDIA 74 Havia na Índia ANTIGA, um cerimonial macabro, o Cerimonial “Sati” - antigo costume entre algumas comunidades hindus. Quando o marido morria, o defunto era colocado sobre uma pilha de lenha para ser queimado e, a esposa do defunto, ou a viúva, era amarrada junto ao cadáver, sendo preparada para ser queimada com o defunto marido. (ainda há possibilidade de ocorrer em certas comunidades – em 2006 ocorreu um caso de Sati) O termo “Sati” tem origem mítica no sacrifício de Sati, a primeira esposa do deus Shiva, que se matou, numa demonstração de fidelidade ao amado e por ter sido incapaz de suportar a humilhação de seu pai Daksha por viver enquanto seu marido Shiva morreu. Esporadicamente, ainda é praticado em algumas regiões mais tradicionais e pobres da Índia, ainda que esteja expressamente proibido por lei. A Carpideira de Apocalipse, que faz lembrança do choro entoado pelas artistas e profissionais, que da dor alheia fizeram sua profissão, das cortesãs sábias, das meretrizes, choro teatralizado, que não era sincero, que viveu do pagamento de seu teatro de dor, (Em seu coração ela se vangloriava: ‘Estou sentada como rainha; não sou viúva e jamais terei tristeza’. é finalmente desfeita num gigantesco sati simbólico e espiritual. CARPIDEIRAS EGÍPCIAS 75 CAPÍTULO VII - O LIVRO DE LAMENTAÇÕES Jeremias 9:17 Almeida Revista e Corrigida (ARC) Assim diz o Senhor dos Exércitos: Considerai e chamai carpideiras, para que venham; e mandai procurar mulheres sábias, para que venham também. A visualização das Escrituras - A imagem e a Palavra de Deus Escrita Como está sentada solitária aquela cidade, antes tão populosa! Tornou-se como viúva, a que era grande entre as nações! A que era princesa entre as províncias, tornou-se tributária! Chora amargamente de noite, e as suas lágrimas lhe correm pelas faces; não tem quem a console entre todos os seus amantes; todos os seus amigos se houveram aleivosamente com ela, tornaram-se seus inimigos. Judá passou em cativeiro por causa da aflição, e por causa da grande servidão; ela habita entre os gentios, não acha descanso; todos os seus perseguidores a alcançam entre as suas dificuldades. Os caminhos de Sião pranteiam, porque não há quem venha à festa solene; todas as suas portas estão desoladas; os seus sacerdotes suspiram; as suas virgens estão tristes, e ela mesma tem amargura. Poucos livros são tão visuais ou tão adornados com imagens e cenas como as Escrituras. A Palavra divina na boca dos antigos profetas era conhecida muitas vezes como visão. Diversas profecias das Escrituras se iniciam com uma visualização, com uma imagem e depois uma aplicação daquilo que o profeta havia visualizado em seu espírito. Essa identificação da profecia é tão intensa quanto seu relacionamento com a poesia, elas caminham de mãos dadas por toda a extensão do Novo e do Velho Testamento. Os antigos profetas anteriores a Samuel eram 76 conhecidos por essa característica, a da visualização da revelação divina, como Videntes. Isso pode ser observado quando o jovem Saul, atrás das jumentas desgarradas, é aconselhado por um viajante a consultar ao profeta mais antológico da Palavra, o indefectível Samuel. Samuel é aquele que é a figura histórica real que servirá de inspiração para o Merlin da fábula do rei Artur, aquele que é retratado no desenho "O aprendiz de feiticeiro" da Disney, ele é o "Gandalf do Senhor dos anéis", o "Albus Percival Wulfric Brian Dumbledore de Hogwarts"; A cena do momento memorável em que o profeta, que jamais errou, se aposenta declarando seu juramento de inocência, quando resigna seu cargo como juiz de Israel, assim como os prodígios que se seguem, são uma das coisas mais mágicas que a terra dos homens pode contemplar. Mágica de Deus. Voltando ao assunto, cada palavra dos profetas parece ter sido escrita para ser cantada, recitada. Elas possuem ritmo, cores e matizes. São absurdamente sinestésicas. Sinestesia é a capacidade que algumas pessoas possuem de misturar os sentidos, sentindo cheiro de chocolate ao ver uma barra, ou de ouvirem determinados sons ao verem certa cor, ou VEREM coisas ao ouvirem determinados sons ou palavras. Essa linguagem de imagens hoje em dia é uma realidade intensa e multifacetada, presente em cada representação gráfica na área de marketing, teatro, televisão e cinema. Nós associamos imediatamente um logotipo, um símbolo, a uma determinada marca. Bastam silhuetas ou sombras para identificarmos um personagem. Porque a linguagem carregada de imagens dos dias que vivemos são muito semelhantes à linguagem evocada pelos profetas. Jeremias possui em suas profecias essa tremenda capacidade de carregar o que diz com cenas e imagens. Expressando de outro modo: O Espírito de Deus o leva, ao profeta, a expressar-se quase que continuamente em cenas, em parábolas visuais, em expressão de seus fortíssimos sentimentos através de quadros, impressionantes quadros e visões. É essencial para aquele que anseia conhecer as Escrituras, aprender a ver. Ver as profecias, imaginar, ser conduzido pelas imagens a cada significado mais profundo, a uma experiência vivida e a um encontro marcado com as emoções e sentimentos que tais cenas provocam. Jeremias é um dos profetas das Escrituras cuja linguagem é quase um roteiro cinematográfico. 77 Não é possível ler o livro de Lamentações sem antes visualizar o livro de Lamentações. O livro de Lamentações é uma ELEGIA, um cântico funerário contido nas escrituras, um lamento fúnebre, uma das poesias mais tristes que o ser humano pode compor. Ou ser coautor. Por anos o profeta redarguiu, vaticinou, ralhou, brigou, reclamou, pressentiu, gritou, representou, teatralizou, vociferou, admoestou, amargurou-se, pregou, exortou uma geração incrédula, sabendo de modo claro que seria plenamente rejeitado e que a rejeição de seus sobre-humanos esforços para corrigir a conduta de seu povo seriam realizados em vão. Jeremias prega o futuro próximo, terrível, desastroso, fruto da impenitência, da injustiça, da indiferença, que levaria milhares a morte, ao exílio, á escravidão. Sabia desde que iniciou que sua causa era perdida e mesmo assim recebeu ordens expressas de não parar de dizer o que tinha que ser dito, mesmo sob risco de morte, escárnio, zombaria e prisões. O Espírito de Deus não permitiu que ele desistisse, não permitiu que a incredulidade reinante o silenciasse, mesmo quando os exércitos de Babilônia invadiram a cidade de Jerusalém, nada foi forte ou trágico o suficiente para forçá-lo a deixar de persuadir sua geração a uma conduta melhor. E a tragédia veio, conforme prevista; a cidade de Jerusalém foi destruída; as crianças e bebês morreram de fome; milhares morreram das enfermidades causadas pela destruição. Ainda quando, arrastado por um grupo de rebeldes, vivendo em desobediência contra 40 anos de profecias, NÃO PAROU DE PROFETIZAR. Sujeito absurdamente teimoso. Ele viu o fim desde o princípio e era como um farol aceso no meio da escuridão que jamais parava de brilhar. E deu tudo errado, como ele já sabia. Mas, mesmo estando preparado por anos para a destruição de tudo que lhe era tão querido, quando vê a sua amada cidade destruída, o coração dele desaba. Lamentações é esse desabafo. É a reclamação final do profeta. Jeremias era um sacerdote; o templo era o início de sua vida. E agora o templo, o famoso templo construído por Salomão, era só um monte de pedras incendiadas. Lamentações é esse desabafo. 78 Agora veja as cenas que retratam a destruição de Jerusalém: A cidade é retratada como uma moça, linda moça, sentada solitária, sozinha, abandonada, deixada para trás. Totalmente esquecida. Logo ela, que antes estava rodeada de amigas e cercada de gente que (ao menos afirmavam) a amava. Ela é apresentada vestida de tal modo, que é imediatamente reconhecida como uma viúva. Como as indianas que vestem-se de branco após a morte do esposo. Ela que era uma moça riquíssima agora é reduzida a uma assalariada. Então cai a noite sobre a moça, a jovem que perdeu seu esposo e ouve-se de longe seu choro, copioso, sentido. Ao aproximar-se de sua face, enxergamos as lágrimas escorrendo copiosamente, abundantemente, incessantemente pelo seu rosto. Então, o seu drama interior é apresentado aos leitores. A moça possuía inúmeros amantes, mas era o verdadeiro marido dela, aquele que lhe dava o sobrenome que está morto. E nenhum destes, ilegítimos, aproxima-se dela para que seja consolada. Seus inúmeros amigos já não a procuram, afastam-se dela, como se eles estivessem com nojo. No pior momento de sua vida, a abandonam, a deixando pesarosa, abatida. Como se não bastasse esse triste abandono, pelas suas costas falam mal dela, tornando-se inimigos da pobre moça. O nome Yehudah (Judá) compartilha a raiz hodah (‫ )הודאה‬com outros nomes femininos hebraicos da época, como Adah (‫ )אדָ ה‬e Naamah (‫)נעמה‬. 79 Na canção fúnebre a moça recebe o nome de Judá. O que é bem interessante. Judá é um nome que deriva de uma palavra feminina, mas comumente era usado para nomear aos do sexo masculino, desde a antiguidade; O Espírito resgata a origem, a sonoridade do nome, feminino em sua essencia, para batizar a princesa-carpideira do texto de Lamentações. Não é incomum o Espírito retratar por uma mulher cidades, nações, poderes espirituais ou mesmo a humanidade; logo é dito que ela, a ex-princesa, é somente uma prisioneira a partir deste instante. A qual, em virtude dos duros trabalhos a que é submetida, não consegue descansar. E que agora vive meio de pessoas que já não falam a sua língua natal. A próxima cena vai da moça aos antigos caminhos que conduziam os peregrinos às festas de Israel, quando centenas de milhares vinham dançando e cantando salmos para a Páscoa, para a festa das Tendas e tantas outras que já não podem mais ser comemoradas. Esses caminhos tão cheios de alegria, agora pranteiam. Pois, por toda sua extensão existem pessoas de luto. As portas que finalizaram esses caminhos agora são ruínas, pedaços engastados em trechos do antigo muro que circundava Jerusalém. Na próxima cena da elegia, Jeremias vê sacerdotes, destituídos de seu templo, suspirando; as meninas sobreviventes, adolescentes e crianças, em absoluto e paradoxal silêncio. Então a cena retorna para Judá. Ela testemunha toda essa dramática e angustiante cena, estando cheia de profunda tristeza. É belíssimo o amor que Jeremias possui pela cidade, por seus habitantes, por aquilo que ela representava. Porque existe um livro tão triste e doloroso dentro das Escrituras? você deveria se perguntar. Porque há um mistério no que diz respeito ao sofrimento humano causado pela sua impenitência, pela incapacidade de assumir seus erros, pela incapacidade de abandonar o ódio e a vocação para destruição do outro. Há um mundo de pessoas que como diz parte da letra da canção de Renato Russo - Mais uma vez, "tem gente que não sabe amar" vivendo como se pudesse usufruir dos outros para seu próprio proveito. Desde a exploração sexual das crianças escravizadas e vendidas pelos seus próprios pais, até as mentiras internacionais que condenam milhões a fome e a indignidade pela exploração comercial e financeira. Esse livro é o suspiro divino, quando a dor de Jeremias pela perda das coisas que ele tanto amava se encontram com os gemidos inexprimíveis do Espírito de Deus pela perda de milhões que amaram 80 mais as trevas do que a luz. Esse lamento é o lamento profético pela forma com que milhões destruíram a si mesmos pelas drogas, pela avareza, pela inimizade, pela contaminação pelo poder. Não significa necessariamente dor pela perdição humana. Embora haja muita perdição nessa história. Mas, significa necessariamente dor espiritual pela destruição humana, pela destruição de sonhos, dos projetos maravilhosíssimos que não se concretizaram na vida de muitos, porque não ouviram que deviam amar ao seu próximo, que deviam ter amado a seus corpos e que deviam ter amado a Deus. Essa é a verdade oculta por detrás do livro de Lamentações. 81 CONCLUSÃO A elegia é um tema que a partir da leitura do Espírito de Deus sobre a condição humana, é diversas vezes abordados no contexto da revelação divina, tendo em vista que a essência das Escrituras traduz uma contradição fantástica, que é a esperança da aniquilação da morte e logo a finalização da elegia. Jesus vai seguir um roteiro que transpassa o mítico, que vai além da imaginação religiosa, e mesmo mágica, conduzido por uma propósito escondido, um mistério que envolve o propósito da humanidade e responde aos mais profundos anseios psicológicos que dizem respeito à eternidade. Se a morte moldou a sociedade como a mais poderosa e onipresente força, mistério, destino, fim, Cristo resgata a esperança jamais cumprida, sonhada, de que o ser humano tornasse a respirar, não numa dimensão estranha, num mundo imaginário, num universo diferente, mas pudesse tornar a viver no corpo onde um dia habitou, provando da vida através dos sentidos, sem o ônus da dor. E a elegia celebra a morte, a dor da morte e uma esperança num amanhã, como se entoasse um canto profético, que anseia ter seu cumprimento ainda que longe dos olhos dos viventes. Então Jesus irá mais longe, será mais transcendente, realizará feitos mais contundentes que todos os deuses que um dia foram imaginados pelo ser humano. Vai ser traído pelos contemporâneos, vai ser injustiçado com uma morte dolorosa, destituído de sua dignidade, e no processo de sua condenação, terá como testemunha e carpideira ao próprio universo. Mateus 27:45 Então, profundas trevas caíram por sobre toda a terra, do meio-dia às três horas da tarde daquele dia Os céus e a terra se enlutaram, revestiram-se de cores mortuárias, porque ninguém é mais digno de ser velado do que o justo que ali era transpassado. Quando Jesus morreu, em meio às trevas que envolvem o mundo, a sua morte é refletida no cosmos, a terra treme, rochas se partiram, o terror toma conta dos oficiais que assistem a cena, e para deixar bem claro o status, a grandeza, a dignidade elevada de quem está entrando na região dos mortos, o próprio mundo dos mortos sofrerá igual abalo Mateus 27:51 82 No mesmo instante, o véu do santuário rasgou-se em duas partes, de alto a baixo. A terra estremeceu, e fenderam-se as rochas. Os sepulcros se abriram, e os corpos de muitos santos que haviam morrido foram ressuscitados. E, deixando as sepulturas, logo após a ressurreição de Jesus, entraram na cidade santa e apareceram para muitas pessoas. A morte, em sua consistência, em sua aparente transcendência, em sua sua normalidade, é abalada, sepulcros são abertos, evento que jamais aconteceu em algum momento, inimaginável, mesmo de modo mítico. O testemunho é tão incrível que até hoje poucas vezes o evento é comentado nos foros religiosos. A elegia é desconstruída pela primeira manifestação, operação de ressurreição múltipla. Os detalhes desse milagre mostram que os mortos que ressuscitaram só entraram na cidade após o sábado passar. Porque eram judeus piedosos que ao se perceberem vivos novamente, voltaram a cumprir as leis judaicas sob as quais haviam vivido, obedecendo a instrução da tradição oral que regulava o número de passos que poderiam dar sem violar ao sábado. Os detalhes da narrativa importam. A cada detalhe da ressurreição, o mundo mágico da antiguidade está sendo revisitado, está sendo relido, está sendo resignificado. Ao morrer na cruz, o destino do corpo de Jesus seria um depósito de entulho, o vale de Hinom, onde havia carcaças de animais, corpos de criminosos, e o lixo da cidade de Jerusalém era queimado. Parte do plano dos acusadores de Cristo é que até seu corpo fosse completamente descartado. Porém seu plano foi frustrado, porque de modo corajoso e inesperado uma das pessoas mais ricas de Jerusalém solicitou ao governador, de modo não usual, o corpo do falecido. Haviam profecias sobre a pessoa de Cristo que declaram desde o destino de suas vestes, até a preservação de seus ossos e o mistério de que ele não entraria em putrefação. José de Arimatéia contrata homens que conduziram o cadáver de Jesus a uma caríssima sepultura, provavelmente na mesma região do afamado cemitério judaico, onde os restos mortais dos sacerdotes deveriam ser colocados. Podemos imaginar o ódio dos sacerdotes ao receberem tal afronta. 83 Os que haviam assassinado a Jesus ouviram sua promessa de ressurreição. Dizendo: Senhor, lembramo-nos de que aquele enganador, vivendo ainda, disse: Depois de três dias ressuscitarei. Manda, pois, que o sepulcro seja guardado com segurança até ao terceiro dia, não se dê o caso que os seus discípulos vão de noite, e o furtem, e digam ao povo: Ressuscitou dentre os mortos; e assim o último erro será pior do que o primeiro. E disse-lhes Pilatos: Tendes a guarda; ide, guardai-o como entenderdes. E, indo eles, seguraram o sepulcro com a guarda, selando a pedra. Solicitaram a ajuda ao império romano que colocou uma águia na entrada da pedra; guardas romanos guardariam de dia e noite ao túmulo para não ser violado, até que os sacerdotes em manobra próxima, arrumassem uma desculpa válida para transportar os o corpo do falecido para algum lugar ermo. Do mesmo modo que os deuses que morriam desciam as regiões da morte, no mistério da morte de Jesus ele não permaneceu vagando pelo mundo, apesar da crueldade e injustiça de sua morte. Aquele homem era senhor do seu próprio destino. E nisso desbancaria, seria superior até mesmo aos deuses que mortos, recorrem ao apoio de alguém para tornarem a viver. Não era o caso de Jesus: Por isso o Pai me ama, porque dou a minha vida, para tornar a tomá-la. Ninguém a tira de mim, mas eu de mim mesmo a dou; tenho poder para a dar, e poder para tornar a tomá-la. Este mandamento recebi de meu Pai. Ele voluntariamente entrou no “reino dos mortos” sabendo que tinha a promessa do Pai de retomar sua vida. A morte não poderia PRENDER a Jesus, nenhum poder espiritual poderia impedir a Jesus de RESSUSCITAR. Não havia ninguém para chamar Jesus de entre os mortos. Não havia um profeta vivo para orar por ele. Não houve nenhum intercessor. O último profeta segundo a lei, João Batista, havia morrido por causa de uma mulher traiçoeira. Os discípulos estavam em sua maior crise de fé, desde que tinham nascido. 84 Porque não poderia contar com a oração dos seus discípulos ou com a fé alheia. Deixou essa declaração profética antes de vir ao mundo, escrita 600 anos antes que nascesse: Isaías 59:16 Ele viu que não havia ninguém, admirou-se de que ninguém tivesse coragem de intervir e fazer o que é certo; então usou o seu próprio braço para trazer-lhe livramento e a sua retidão como apoio. Através de uma intercessão Jesus no Getsêmani encontra forças para ir até o mais profundo dos abismos. Entretanto, outra intercessão foi feita na região da sombra e da morte. Nenhum outro homem poderia ter o mesmo Direito, alcançado pela obediência absoluta a Deus. Jesus ainda é a “semente de mulher”, ainda é o Filho do homem, mesmo morto. Mas, não foi por reclamar sua Divindade que ele ressuscita. Não foi por declarar sua Deidade que ele torna a viver. Ele volta a viver porque recebeu de Deus a promessa que ressuscitaria, e com base na promessa ele faz a mais poderosa e grandiosa intercessão já feita por um ser humano. Este momento único é profetizado no Velho Testamento em Jonas: e disse: Na minha angústia clamei ao senhor, e ele me respondeu; do ventre do Seol gritei, e tu ouviste a minha voz. Pois me lançaste no profundo, no coração dos mares, e a corrente das águas me cercou; todas as tuas ondas e as tuas vagas passaram por cima de mim. E eu disse: Lançado estou, de diante dos teus olhos; como tornarei a olhar para o teu santo templo? As águas me cercaram até a alma, o abismo me rodeou, e as algas se enrolaram na minha cabeça. Eu desci até os fundamentos dos montes; a terra encerrou-me para sempre com os seus ferrolhos; mas tu, Senhor meu Deus, fizeste subir da cova a minha vida. Quando dentro de mim desfalecia a minha alma, eu me lembrei do Senhor; e entrou a ti a minha oração, no teu santo templo. CAPÍTULO 2 85 Deus cumpriria a maior promessa de sua Palavra. O abismo rodeou a Cristo. No ventre do Sheol (para os hebreus), nas recâmaras do Hades (para os gregos), e na dimensão da morte (para nós), Jesus gritou. E Deus o ouviu. Porque a Fé sem medida fora dada a Cristo. Jamais ser humano algum teve a fé que Jesus exerceu no mistério de sua morte. E nunca foi revelado ao ser humano ou através dos profetas os mistérios da região da morte. Continua como um lugar desconhecido, somente imaginado. Porém é revelado que Jesus desceu até essa região sombria, que lá encontrou ao espírito dos que pereceram. Todos os homens que morreram antes da vinda de Jesus, que não fizeram parte do povo da aliança, que não ouviram o “evangelho de Moisés e dos Profetas” ou a Lei e os Profetas, viveram de acordo com suas consciências e adorando aos deuses que a eles foram apresentados por sua cultura. Então o autor pondera que todas as similaridades, todas as semelhanças, todas as histórias divinas, nele, em Cristo, fazem MAIS SENTIDO para os povos da antiguidade do que para o homem moderno. Porque também Cristo padeceu uma vez pelos pecados, o justo pelos injustos, para levar-nos a Deus; mortificado, na verdade, na carne, mas vivificado pelo Espírito; No qual também foi, e pregou aos espíritos em prisão; Os quais noutro tempo foram rebeldes, quando a longanimidade de Deus esperava nos dias de Noé, enquanto se preparava a arca; na qual poucas (isto é, oito) almas se salvaram pela água; Acrescento, (por minha conta e risco) aos que nasceram antes do dilúvio e que preceram nele, a todos os demais que estavam na mesma condição de ignorância. Que se curvaram a Osíris, que choraram por Adonis, que prantearam Ishtar, que lutaram para ter seu coração tão leve, que pesasse menos que a pena de Ma’at. Contudo procuraram viver de acordo com suas consciências. E imagino JESUS declarando o evangelho a esses espíritos, demonstrando que ELE é na verdade o CUMPRIMENTO e o ENIGMA que os convida a um lugar de descanso. Acredito que tenha mais “morto convertido” nessa pregação, que todos os vivos que se converteram na pregação de Pedro naquele dia de Pentecostes. Observando que esse momento da história do universo é único e que dificilmente se repetirá. 86 A morte não era forte o suficiente para conter a Cristo e isto está DEVIDAMENTE profetizado no livro de Cantares de Salomão: Põe-me como selo sobre o teu coração, como selo sobre o teu braço, porque o amor é forte como a morte, e duro como a sepultura o ciúme; as suas brasas são brasas de fogo, com veementes labaredas. Jesus irá CUMPRIR de modo magnífico e maravilhoso essa canção. E eis que houvera um grande terremoto, porque um anjo do Senhor, descendo do céu, chegou, removendo a pedra da porta, e sentou-se sobre ela. E o seu aspecto era como um relâmpago, e as suas vestes brancas como neve. E os guardas, com medo dele, ficaram muito assombrados, e como mortos. Os terremotos na antiguidade são tidos como presságios, e também como uma manifestação de IRA divina. Eram vistos SEMPRE como evento sobrenatural que anunciava uma mudança espiritual pelos nativos de diversas tribos indígenas ao redor do mundo. Como fruto de uma manifestação de poder divino ou do poder dos espíritos do SUBMUNDO, da região dos mortos. E como não poderia deixar de acontecer no maior evento profético da história da eternidade, um terremoto tremendo abalou a região fazendo com que a pedra de duas toneladas se movesse e deixasse aberto o sepulcro recém usado. Todos os habitantes do mundo antigo das diversas religiões que ouviram o relato sobre a ressurreição de Jesus compreenderam como um grande sinal ao terremoto que antecede sua ressurreição. Pois apontava para a manifestação de uma divindade, para o abalo de regiões da morte. O herói retorna. O preparo do corpo de Jesus ficou a cargo de uma Carpideira Profissional, se Maria Madalena viveu como prostituta paga em sua época, provavelmente também fora ensinada como cortesã. Conhecida do alto escalão dos religiosos, que a condenam na casa do fariseu, demonstra que era afamada na cidade cosmopolita de Jerusalém, o que indica sua formação em letras, artes, musica - porque assim se preparavam para o ofício as cortesãs da antiguidade. 87 Quando Jesus ressuscita dos mortos, é para essa Carpideira, improvisada ao menos, que ele PRIMEIRO se apresentará: Maria, porém, ficou à entrada do sepulcro, chorando. Enquanto chorava, curvou-se para olhar dentro do sepulcro, e viu dois anjos vestidos de branco, sentados onde estivera o corpo de Jesus, um à cabeceira e o outro aos pés. Eles lhe perguntaram: "Mulher, por que você está chorando?" "Levaram embora o meu Senhor", respondeu ela, "e não sei onde o puseram". Nisso ela se voltou e viu Jesus ali, em pé, mas não o reconheceu. Disse ele: "Mulher, por que está chorando? Quem você está procurando?" Pensando que fosse o jardineiro, ela disse: "Se o senhor o levou embora, diga-me onde o colocou, e eu o levarei". Jesus lhe disse: "Maria!" Então, voltando-se para ele, Maria exclamou em aramaico: "Rabôni!" (que significa "Mestre!"). Jesus disse: "Não me segure, pois ainda não voltei para o Pai. Vá, porém, a meus irmãos e diga-lhes: Estou voltando para meu Pai e Pai de vocês, para meu Deus e Deus de vocês". Até a morte “teve de comer das mãos dele”. Para concretizar a Salvação, Jesus destruiu o império da morte. Subverteu as suas leis. Essa capacidade de trânsito livre dentro do império da morte, essa liberdade absoluta de um espírito, que deveria estar em prisão (afinal de contas, os mortos não agem como fantasmas, segundo a doutrina das Escrituras. Não ficam passeando, não recebem visitas etc...) anunciava ruidosamente, o que os céus cansaram de proclamar por bastante tempo... Que o CRISTO era invencível… Como se não bastasse, esse morto revoltado, ainda morto, já se preparava para desdenhar a tragédia de sua condição. Certamente, absolutamente, toda a força das trevas foi ordenada a resistir à primeira ascensão de Jesus, a sua “ascensão” da morte para vida. Tamanha foi a resistência das trevas contra a ressurreição de Jesus, tanto poder tenebroso foi usado, tinha tantos demônios, poderes, domínios e principados envolvidos neste afã de IMPEDIR sua ressurreição, que o apóstolo Paulo diz que Deus exerceu O MAIOR 88 MOMENTO DE SEU PODER, até o tempo em questão, (desde que existe o universo) para que Cristo ressuscitasse. No livro de Efésios lemos: 1.19 “Conforme a SUPREMA GRANDEZA DE SEU PODER, para conosco, segundo A FORÇA DE SEU PODER, que operou em CRISTO RESSUSCITANDO-O dos mortos...”. 89 ANEXO OS PORTÕES DA MORTE (1) Na Grécia e Roma: Segundo a mitologia grega, o rio Estige era a principal passagem para o submundo, guardada pelo barqueiro Caronte. As almas dos mortos precisavam pagar um óbolo para atravessar, moeda que os vivos frequentemente colocavam na boca do falecido. Localizado na Campânia, na Itália, o lago Avernus, considerado pelos romanos como uma entrada para o submundo. Virgílio em sua obra Eneida o descreve como um local sombrio e cercado por pântanos, onde aves com penas escuras cantavam lamentos fúnebres. No Egito o reino dos mortos e mais o celestial era denominado Duat. O reino dos mortos egípcios era um lugar complexo e multifacetado, com diversas regiões e portais. Um dos mais importantes era a entrada para a Sala do Julgamento, onde Anúbis pesava o coração do falecido para determinar seu destino. Havia ainda o Portal de Nut. Como deusa do céu, Nut era vista como a protetora dos mortos. Acreditava-se que as almas passavam por seu portal celeste para alcançar o Duat. Na Mesopotâmia havia Kur. O submundo mesopotâmico era um lugar sombrio e árido, governado pelo deus Irkalla. A entrada para o Kur era frequentemente descrita como uma caverna ou um portão, por onde as almas passavam para serem julgadas e receberem seu destino. Segundo algumas crenças, o rio Eufrates servia como um portal para o Kur. As almas dos mortos precisavam atravessá-lo em uma barca, pagando um pedágio ao barqueiro. Ao norte da Europa, mitologia nórdica, o Hel era o nome da deusa do submundo e também do próprio reino dos mortos. A entrada para Hel era vista como uma caverna escura e gelada, guardada por cães ferozes. Os vikings imaginavam um local celestial chamado de Ginnungagap. Uma dimensão primordial na cosmologia nórdica, Ginnungagap era considerado a origem de tudo e também a porta de entrada para o submundo. Na América Central e do Sul havia a região da morte Xibalba. O submundo maia era um lugar de nove níveis, governado pelos senhores da morte. A entrada para Xibalba era frequentemente descrita como uma caverna com um rio de sangue que precisava ser atravessado. O reino dos mortos asteca era um lugar árido e dividido em nove níveis. A entrada para Mictlante era guardada por ossos e monstros, e as almas precisavam passar por diversos desafios para alcançar seu destino final. O submundo chinês era um lugar vasto e burocrático, dividido em dez distritos governados por reis Yama. A entrada para Diyu era frequentemente descrita como um portão com juízes que avaliavam as ações do falecido em vida. Criam ainda na Ponte 90 Huangquan. Segundo algumas crenças, a ponte Huangquan servia como um portal para Diyu. As almas dos mortos precisavam atravessá-la, pagando um pedágio ao demônio Meng Po, que lhes oferecia uma bebida que lhes fazia esquecer suas vidas passadas. No Japão havia Yomi. O submundo japonês era um lugar sombrio e nebuloso, governado pela deusa Izanami. A entrada para o Yomi era frequentemente descrita como uma caverna ou um portão, por onde as almas passavam para serem julgadas e receberem seu destino. Criam ainda no rio Sanzu: O rio Sanzu servia como um portal para Yomi. As almas dos mortos precisavam atravessá-lo em uma ponte, com a ajuda de um barqueiro. A PRETENSÃO HUMANA - A EXTENSÃO DA VIDA NO PÓS-VIDA (2) A tumba de Tutancâmon, por exemplo, continha um rico tesouro de artefatos, incluindo carruagens, móveis, jóias e até mesmo comida. Os Chineses entre (2070 a.C. - 220 d.C.): Os Imperadores da Dinastia Shang e Zhou eram enterrados com seus servos, concubinas e animais de sacrifício. E por pouco o exército do imperador Qin Shi Huang, não foi enterrado com ele, quando seguindo um bom conselho, enterraram um exército de terracota do com cerca de 8.000 soldados em tamanho real, no lugar de sacrifício dos generais. Os Incas entre (1438 - 1533): Os imperadores incas, eram mumificados e enterrados com seus servos, esposas e objetos de valor. Acreditava-se que os servos continuariam servindo o rei na vida após a morte. Entre os Maias (2600 a.C. - 900 d.C.): Os reis maias eram sepultados em pirâmides ou tumbas subterrâneas junto com seus servos, sacrifícios humanos e objetos de valor. A tumba do senhor Pakal, em Palenque, México, apresenta afrescos detalhados que retratam o rei e sua jornada para o submundo. Os chefes Citas (800 a.C. - 200 d.C.) eram enterrados em túmulos elaborados com seus cavalos, armas, servos e sacrifícios humanos. Os conhecidos como "túmulos de ouro" da Crimeia, por exemplo, continham artefatos de ouro maciço e outros objetos preciosos. A SUBSTITUIÇÃO (3) No Novo Império (1550-1069 a.C.): O culto aos deuses se intensificou, e oferendas de objetos como joias, perfumes e papiros se tornaram mais frequentes. No Período Tardio (712-332 a.C.): A adoração a divindades específicas se popularizou, e os templos se tornaram centros de oferendas votivas, com representações de animais, pessoas e objetos em miniatura. Na Mesopotâmia (3500 a.C. - 539 a.C.): Os Sumérios 91 (3500-1900 a.C.): Os sacrifícios de animais e oferendas de alimentos eram práticas comuns para apaziguar os deuses. Porém, para os babilônios (1894-539 a.C.): O culto aos deuses se tornou mais elaborado, com oferendas votivas de objetos como estátuas, inscrições e modelos de templos. Os Assírios (911-612 a.C.): Sacrifícios em larga escala de animais e até mesmo humanos eram realizados em momentos de guerra ou crises. Com o tempo, oferendas de objetos e representações se tornaram mais comuns. Na Grécia Antiga (800 a.C. - 146 a.C.): No Período Arcaico (800-480 a.C.): Sacrifícios de animais eram realizados regularmente nos templos para obter favores dos deuses; No Período Clássico (480-323 a.C.): A filosofia e a racionalidade ganharam espaço, e a crença na necessidade de sacrifícios sangrentos diminuiu. Oferendas de objetos como vasos, estátuas e frutos se tornaram mais frequentes. No Período Helenístico (323-31 a.C.): O culto às divindades se diversificou, e oferendas votivas de objetos exóticos e representações de divindades e heróis se tornaram comuns. Na Roma Antiga (753 a.C. - 476 d.C.): Na antiga República Romana (509-27 a.C.): Sacrifícios de animais eram realizados para obter proteção divina em guerras e rituais religiosos. No Império Romano (27 a.C. - 476 d.C.): O culto ao imperador se intensificou, e oferendas de objetos como moedas, estátuas e inscrições se tornaram comuns para homenageá-lo. O JUÍZO VINDOURO (4) Na Antiga Grécia, Caronte e o Rio Estige: As almas dos mortos eram transportadas pelo barqueiro Caronte através do Rio Estige até o Hades. Aqueles que não podiam pagar a passagem eram obrigados a vagar pelas margens por cem anos. Havia ainda o julgamento por Hades e de outros juízes: Hades era o nome da região onde os mortos habitavam, e ao mesmo tempo o nome da divindade subterrânea que dominava sobre o império grego da morte. No Hades, a alma era julgada por Hades e outros juízes, como Minos e Éaco. O destino da alma era determinado com base em suas ações em vida, podendo ser enviada para os Campos Elíseos (paraíso), o Tártaro (inferno) ou outras áreas como os Campos Asfódelos (para os que viveram vidas sem glória ou infâmia); Na mitologia celta, Tír na nÓg era um paraíso insular de eterna juventude e felicidade. O acesso era concedido apenas a heróis e pessoas de grande favor divino. Para aqueles que não alcançaram Tír na nÓg, a alma passava por uma série de reencarnações até ser purificada e poder se unir aos deuses. Para a religião nórdica, o Valhalla era o paraíso para guerreiros mortos em batalha, onde eram recebidos por Odin e treinavam para a batalha final de Ragnarok. Helheim era o reino da 92 deusa Hela, destinado àqueles que morriam de causas naturais ou doenças. Antes de chegar ao seu destino final, a alma era julgada por Rán, a deusa do mar. FANTASMAS (5) Ao longo da história, diversos registros históricos e nos anais de diferentes civilizações mencionam a presença de fantasmas nesses lugares de poder. As obras épicas de Homero, compostas no século VIII a.C., narram histórias de heróis gregos e seus encontros com o sobrenatural, incluindo aparições de fantasmas. Por exemplo, na Ilíada, o fantasma de Pátroclo aparece para Aquiles após sua morte. O historiador grego Heródoto (484-425 a.C.) relata em seus escritos diversas histórias de fantasmas, incluindo aparições em templos e locais públicos. Uma história famosa é a do fantasma de um fantasma que assombrava a cidade de Larissa, na Tessália. Um texto funerário egípcio que contém instruções para navegar no submundo e alcançar a vida após a morte. O Livro dos Mortos menciona a existência de fantasmas e outras entidades sobrenaturais que podem auxiliar ou obstruir o processo de julgamento da alma. Diversas histórias e lendas egípcias narram histórias de fantasmas, incluindo aparições em tumbas e palácios. Uma história famosa é a do fantasma da Rainha Hatshepsut, que assombrava seu templo mortuário no Vale dos Reis.O poema épico de Virgílio, escrito no século I a.C., narra a história de Enéias e sua jornada para fundar Roma. A Eneida menciona a aparição do fantasma do pai de Eneias, Anquises, que o guia em sua missão.O naturalista romano Plínio, o Velho (23-79 d.C.), menciona em seus escritos diversas histórias de fantasmas, incluindo aparições em casas e locais públicos. Uma história famosa é a do fantasma de um fantasma que assombrava uma casa em Atenas. A Epopéia de Gilgamesh menciona a aparição do fantasma do amigo de Gilgamesh, Enkidu, após sua morte.Um poema épico acádico que narra a criação do mundo e o dilúvio universal. O Epos de Atrahasis menciona a aparição do fantasma do deus Enki, que avisa Utnapishtim sobre o dilúvio iminente. Nos Anais da Dinastia Joseon (1392-1897):Mencionam aparições fantasmagóricas em diversos palácios reais, como o Gyeongbokgung e o Changdeokgung. As histórias descrevem aparições de antigos reis, rainhas e outros membros da corte que morreram tragicamente ou em circunstâncias misteriosas. Os Hyangdan (Contos Folclóricos Coreanos): Diversos contos populares coreanos narram histórias de fantasmas em palácios e outros locais históricos. Um exemplo famoso é o conto "O Fantasma da Rainha Janggyeol", que relata a aparição fantasmagórica da Rainha Janggyeol, que foi acusada 93 de traição e morta por envenenamento. Nihon Shoki (Crônicas do Japão):Menciona a aparição de um fantasma no Palácio Imperial de Heian durante o reinado do Imperador Kanmu (781-806). O fantasma era supostamente o espírito de um antigo ministro que havia sido assassinado. Nos Konjaku Monogatari (Contos de Agora e Antigamente), coleção de contos japoneses que inclui diversas histórias de fantasmas em palácios e mansões. Há por exemplo o conto "A Mulher Fantasma de Kiyomizu", que relata a aparição fantasmagórica de uma mulher que foi assassinada por seu marido. No épico hindu que narra a história da Guerra de Kurukshetra é mencionado a aparição de fantasmas no campo de batalha após a guerra, incluindo os espíritos dos soldados que morreram em combate. No Panchatantra, coleção de contos indianos que inclui diversas histórias de fantasmas em palácios e outros locais, há o conto "O Fantasma do Rei", que relata a aparição fantasmagórica de um rei que foi assassinado por seu irmão. O Đại Việt Sử Ký Toàn Thư (História Completa do Grande Vietnã) menciona a aparição de um fantasma no Palácio Imperial de Thăng Long durante o reinado do Imperador Lý Thái Tổ (974-1028). O fantasma era supostamente o espírito de um antigo imperador que havia sido deposto. No texto Truyền kỳ Việt Nam (Lendas do Vietnã), coleção de lendas vietnamitas há a lenda "O Fantasma da Mulher de Três Maridos", que relata a aparição fantasmagórica de uma mulher que foi traída e assassinada por seus maridos. Nas Preah Enen (Crônicas Reais do Camboja) é narrado a aparição de fantasmas no Palácio Real de Phnom Penh durante o reinado do Rei Norodom Sihanouk (1955-1970). Os fantasmas eram supostamente os espíritos de antigos reis e rainhas que morreram violentamente. No Neak Ta (Contos Folclóricos Cambojanos) Existe o conto "O Fantasma da Princesa", que relata a aparição fantasmagórica de uma princesa que foi assassinada por seu pai. Nos registros chineses Zizhi Tongjian (Espelho Completo da História) é mencionada a aparição de um fantasma no Palácio Imperial de Chang'an durante o reinado do Imperador Han Wudi (140-86 a.C.). O fantasma era supostamente o espírito de um antigo oficial que havia sido executado injustamente. Alguns escritos coloniais europeus sobre a África mencionam a crença em fantasmas entre os povos africanos. Um exemplo é o livro "Travels in West Africa" (1807) de Mungo Park, que relata a história de um fantasma que assombrava o palácio do rei de Segu, no Mali. A DIFERENCIAÇÃO ENTRE A MÁGICA A A RELIGIÃO (6) A base da magia antiga e mesmo moderna é uma tentativa humana de controlar os poderes espirituais. Através de palavras, atos, 94 gestos, rituais. Os egípcios criam, assim como muitas civilizações no “poder oculto” das palavras. Evitavam citar os seus nomes pessoais na presença de estranhos porque o nome das pessoas estava conectado a sua essência e se a outra soubesse seu nome e fosse inimiga poderia usar o “nome” para invocar uma praga ou maldição sobre a pessoa. Palavras especiais deveriam ser escritas nas paredes dos túmulos para proporcionar ao morto poderes para ultrapassar os perigos do mundo dos mortos. Eram essas palavras mágicas escritas que seriam mais fortes que os delitos cometidos, fazendo com que a balança da justiça divina pendesse a seu favor. Veremos a Saul consultando uma pitonisa, uma necromante, uma moça espírita que consultava entidades que julgavam falecidas, num macabro ritual. Leremos um estranho ritual praticado por “bruxas israelitas” ou “falsas profetizas” no livro de Ezequiel que faziam trabalhos de crochê e as amarravam às suas mãos e invocavam forças para “prender” ou “amarrar” almas às suas mãos (!), significava que elas realizavam atos mágicos para mudar o comportamento dos que as consultavam de maneira que elas fizessem aquilo que a “falsa profeta” as induzia, escravizando-as espiritualmente às suas vontades. A Religião é um movimento no qual o homem se CURVAVA diante dos deuses, invocando seus favores e pedindo, suplicando, realizando rituais, oferecendo dádivas, presentes, no intuito de DIRIGIR ou alcançar FAVORES nas quais as divindades exerceriam seu PODER divino na direção do suplicante. A magia é a tentativa da independência, onde o homem deseja MAGICAMENTE dominar sobre os poderes, sobre seu destino e mesmo sobre OS DEUSES se possível for. Como o homem exercia então seu poder sobre os poderes cósmicos dos deuses? Qual a fonte do poder que poderia realizar coisas, tais como destruir inimigos, através de maldições e atos mágicos? Os povos da antiguidade acreditavam, imaginavam que “enganaram”, em algum momento, aos deuses, demônios, entidades, conseguindo deles o “segredo” alcançando a “fonte” de seus poderes. Ou seja, os deuses “faziam algo” para exercer seu domínio sobre a natureza, e a magia declarou possuir esse conhecimento oculto, “fazendo o que os deuses faziam” em forma de declarações e fórmulas mágicas. Há em determinado momento da antiguidade a visão de que os deuses eram na verdade similares a “magos poderosíssimos” e que o poder que exerciam era um poder MÁGICO, como se agissem como feiticeiros poderosos. A magia antiga então buscava agir utilizando o poder divino, conectando o homem através de rituais ou atos de magia, ao poder divino. A origem da magia seria então, de modo ludico, um “roubo”, o uso da arte do engano para obter poderes dos espíritos ou 95 deuses e após isso, tal poder poderia ser exercido através da COMUNICAÇÃO dessas práticas mágicas, como por exemplo o uso de um MANUAL DE MAGIA, nos tempos modernos, ou via comunicação ORAL nos tempos da antiguidade. Chega um momento em que ocorre a independência completa. Onde os “deuses” já não são necessários em muitas práticas mágicas. É importante frisar essa diferenciação para entendermos como os povos utilizavam as práticas mágicas até mesmo para mudar o comportamento dos deuses, ou obter “favores” de modo forçado, impondo à divindade a obrigação de fazer algo, por estar “enfeitiçada”. Um nome que ele possui e não temos ciência. (7) Texto oriundo de - Ensaio sobre a gênese da mitologia Lourenço Leite MUDANÇA DE NOME — Somente ocorre quando o herói realiza os seus feitos e trabalhos. Herácles, por exemplo, chamava-se Alcides. Mudar o nome é se integrar ao sagrado. Nada pode existir sem nome, porque o nome é a forma e a substância vital. Deus, após criar os animais e plantas, deixa que o homem os denomine (Livro de Gênesis). Conhecer o nome de alguém e usá-lo é dispor da pessoa, participando-lhe dá vida mais íntima. Moisés morreu sem saber o nome de Deus. Para o islamismo, Alah possui cem nomes, mas apenas noventa e nove são conhecidos. O centésimo era secreto, inefável. Mutilar o nome de uma pessoa, de um animal, de uma planta é condená-lo à impotência ou à morte. Este nome, é o nome pelo qual o herói será reconhecido no mundo do desconhecido. Ele entrará no mundo desconhecido e lá será chamado pelo seu nome, não aquele nome que houvera recebido, mas o novo nome. O seu Mystagogo ou o sumo sacerdote desse novo mundo, dessa realidade, responsável por guardar os mistérios e ritos, o chamará pelo seu nome. Este novo nome é um nome que, a depender do culto, se pronunciado sem autorização, pode impedir o herói de continuar sua jornada. Porque ele ficaria completamente exposto e manipulável. Seu poder está na preservação e no ocultamento do seu próprio nome. Só poderá ser pronunciado pelo desconhecido, por Aquele que o chama ou por Aquilo que o chama. Esta nomeação é deveras importante. Tanto que a filosofia, de forma analógica, no pensamento socrático, por exemplo, ou no de Platão, retrata a identificação das coisas como nomeação. Apesar de que já se pode antever essa nomeação das coisas nos filósofos pré-socráticos gregos. Nomear alguma coisa é identificar a sua singularidade, é retirá-la do genérico. Ao se nomear uma coisa, singulariza-a de modo a se tornar única perante todo o Universo. O herói, portanto, ao mudar de nome, é resingularizado, de 96 modo que a comunidade possa identificá-lo quando do seu retorno como alguém que possui uma função diferente da de todos os que lá ficaram. Mudar de nome é também poder entrar na categoria do Universal que, antes, com o antigo nome, estava restrito ao particular. Podemos compreender melhor o significado de: Quem tem ouvidos, ouça o que o Espírito diz às igrejas: Ao que vencer darei a comer do maná escondido, e dar-lhe-ei uma pedra branca, e na pedra um novo nome escrito, o qual ninguém conhece senão aquele que o recebe. Apocalipse 2:17 e Também lhes darei na minha casa e dentro dos meus muros um lugar e um nome, melhor do que o de filhos e filhas; um nome eterno darei a cada um deles, que nunca se apagará. Isaías 56:5 e E os gentios verão a tua justiça, e todos os reis a tua glória; e chamar-te-ão por um nome novo, que a boca do SENHOR designará. Isaías 62:2 e finalmente: A quem vencer, eu o farei coluna no templo do meu Deus, e dele nunca sairá; e escreverei sobre ele o nome do meu Deus, e o nome da cidade do meu Deus, a nova Jerusalém, que desce do céu, do meu Deus, e também o meu novo nome. Apocalipse 3:12 97