ISSN 2359-6082
2018, v.5, n.3
METODOLOGIAS ÁGEIS PARA O GERENCIAMENTO DO
DESENVOLVIMENTO DE EAD EM UMA UNIVERSIDADE CORPORATIVA
Silas Queiroz Silva - silasqs@gmail.com - UFRJ
Nikiforos Joannis Philyppis Jr. - nikiforos@facc.ufrj.br – FACC-UFRJ
RESUMO. Este trabalho buscou relacionar as necessidades do gerenciamento do
desenvolvimento de soluções educacionais a distância com as características das
metodologias ágeis de gerenciamento de projetos a fim de possibilitar o seu uso
para maximizar o sucesso dos treinamentos desenvolvidos. Foi realizada uma
pesquisa qualitativa exploratória, em uma universidade corporativa, utilizando a
documentação dos procedimentos da instituição, pesquisas internas e trabalhos
científicos. Foram analisadas algumas abordagens ágeis de gerenciamento de
projetos e a sua aplicabilidade no desenvolvimento de treinamentos a distância e,
a partir das informações coletadas na instituição, foi possível definir o problema
do gerenciamento do desenvolvimento de soluções educacionais e indicar
possível solução.
Palavras-chave: Desenvolvimento de e-learning, Métodos ágeis, Educação
corporativa.
ABSTRACT. This study tried to correlate Distance Learning development with Agile
Methodologies in order to use these methodologies to maximize the success of
managing educational projects. An exploratory qualitative research was run inside
a Corporate University using documental analysis, reading of other scientific
papers on the same institution and a survey of employees. The main Agile
Methodologies were listed in order to evaluate their applicability in educational
solutions projects management and propose a possible solution to manage
distance educational projects.
Keywords: e-learning development, Agile Methodologies, Corporate Education.
Submetido em 14 de março de 2018.
Aceito para publicação em 05 de setembro de 2018.
POLÍTICA DE ACESSO LIVRE
Esta revista oferece acesso livre imediato ao seu
conteúdo, seguindo o princípio de que disponibilizar
gratuitamente o conhecimento científico ao público
proporciona sua democratização.
585
1. INTRODUÇÃO
Apesar de terem se mostrado importantes diferenciais competitivos das
empresas, as universidades corporativas devem cumprir o seu papel utilizando os seus
recursos de forma consciente. O ensino a distância e os modelos de gerenciamento
são ferramentas fundamentais para esse uso racional dos recursos. Segundo Pantazis
(2002), na universidade on-line da General Motors, para cada dólar investido em elearning são economizados dois dólares em relação ao custo com o treinamento em
sala de aula e mais um dólar em relação ao tempo de viagem ou de pessoal
despendido. Mello (2011) afirma que as empresas iniciaram a disseminaçao do ensino
a distancia.
Influenciadas pela demanda constante por atualização no atual modelo de
trabalho e, principalmente, em função da competitividade do mercado e da
necessidade de redução de custos, pode-se dizer que as corporações foram
pioneiras na utilização da EAD em seus programas de capacitação. (MELLO,
2011, p. 52).
Para Trentin (2013), não é possível afirmar que existe uma única teoria de
gerenciamento de projetos, porém, existem conhecimentos técnicos, métodos e
ferramentas para gerenciá-los. Segundo o mesmo autor, não existe uma solução
universal e cabe ao gerente de projeto e sua equipe determinarem qual metodologia,
processos e ferramentas serão adotados. Sendo assim é necessário avaliar qual das
técnicas de gerenciamento atuais melhor de adequam aos projetos de
desenvolvimento de e-learning na universidade.
Para Galeote (2014), o modelo ágil é indicado para projetos onde há algum
baixo nível de certeza ou falta consenso sobre o produto final. Nesses projetos, o
solicitante entende o que quer em linhas gerais, mas novos detalhes e requisitos irão
surgir ao longo do tempo. Para Silva (2015), projetos com complexidade político-social
e emergente elevadas, além de complexidade estrutural baixa, podem ser conduzidos
com o uso da metodologia Scrum, uma metodologia ágil, ou da abordagem de Design
Thinking.
O desenvolvimento dos treinamentos em EaD se assemelha muito com a
criação de softwares, consequentemente, é esperado que o seu gerenciamento possua
adversidades semelhantes. Sendo assim, serão analisadas formas de utilizar técnicas
de gerenciamento de projetos empregadas na engenharia de software para a agilizar
produção de cursos de Educação a Distância, além de prover ferramentas para
melhorar a monitoração e controle do desenvolvimento.
Este trabalho busca relacionar as necessidades do gerenciamento do
desenvolvimento de soluções educacionais a distância com as características das
metodologias ágeis de gerenciamento de projetos, com o intuito de possibilitar o uso
desse tipo de abordagem para maximizar o sucesso dos treinamentos desenvolvidos.
Vale ressaltar que existe um número limitado de trabalhos seja em livros,
artigos ou sites, que relacionem o gerenciamento de projetos à realidade educacional.
Cita-se, como exemplos existentes, o livro “Gerência de projetos aplicada a gestão de
586
conhecimento”, de Nihad Bassis (2009), e o trabalho sobre um plano para
gerenciamento de projetos no contexto da Educação a Distância no ambiente público,
de Buchele (2015), que buscaram a união dos dois temas.
1.1 Universidade coorporativa
Para conseguir atender às expectativas dos seus clientes, várias empresas ao
redor do mundo investem em educação corporativa a fim de capacitar seus
funcionários e colaboradores para essa tarefa. No Brasil, o número de universidades
corporativas saltou de apenas 10, na virada do século, para mais de 500 em 2013.
Segundo Murashima (2011), houve uma mudança no desenho da aprendizagem
organizacional intermediada pelas universidades corporativas (UC), quando as
empresas passam a assumir o papel proativo no desenvolvimento de sistemas
educacionais e no estabelecimento de parcerias corporativas com o mundo
acadêmico, tendo em vista a criação de uma força de trabalho capaz de atuar, com
sucesso, na economia do conhecimento.
Diferente de uma universidade comum, que visa agregar os mais diversos tipos
de conhecimento, uma universidade corporativa tem como objetivo dar suporte em
áreas estratégicas de determinada companhia, aumentando as competências dos seus
funcionários. De acordo com Murashima (2011), o principal objetivo de uma
universidade corporativa é dar suporte às principais estratégias da organização, por
meio do desenvolvimento e da formação de seus colaboradores, fornecedores e
clientes. Segundo Santos et al. (2011), a universidade corporativa representa uma
importante iniciativa das organizações na formação e no desenvolvimento de seus
funcionários para melhor exercerem suas atividades. Esse mesmo trabalho de Santos
et al. (2011) apresenta a educação corporativa como uma das possibilidades de
aumentar a competência dos profissionais das organizações e, sendo ela uma forma de
educação direcionada à realidade empresarial, pode representar uma maneira de tal
organização potencializar a formação de competências necessárias às suas atividades.
Para Vieira (2011), a universidade corporativa surgiu devido à dinamicidade provocada
pelos avanços constantes no ambiente dos negócios, que requer das organizações e
dos trabalhadores um esforço integrado na busca de mecanismos eficazes que
atendam, em tempo real, às lacunas apresentadas.
Apesar de terem se mostrado com um importante diferencial competitivo das
empresas, as universidades corporativas devem cumprir o seu papel utilizando os seus
recursos de forma consciente. A maior parte das empresas que têm a capacidade de
montar uma universidade corporativa é de médio a grande porte, em quase todas
utiliza-se a tecnologia da informação, que se firmou como principal forma de
comunicação, e têm funcionários especializados e os equipamentos necessários para
manter essa atividade. Nesse quadro, o e-learning surge como uma solução de
propagação de conhecimento menos dispendiosa para as companhias. De acordo com
Morgan (2000), 16% dos custos de um curso de Educação a Distância da universidade
de Marshall vinham de tecnologia da informação e infraestrutura. O grande desafio de
587
uma universidade corporativa é prover os conhecimentos cruciais para a sua empresa,
no tempo necessário e com um custo inferior ao das instituições externas.
1.2 Gerenciamento ágil
As metodologias ágeis foram criadas nos anos 90 com o intuito de diminuir os
prejuízos causados pelos projetos de software não entregues, aqueles que, mesmo
concluídos, apresentavam falhas e os que, mesmo entregues, não conseguiam resolver
os problemas para os quais foram desenvolvidos. Os pilares do gerenciamento ágil de
projetos foram consolidados em uma reunião de engenheiros de software realizada
em 2001. Ao decorrer da reunião surgiu um consenso comum sobre as práticas de
sucesso implementadas pelos membros da reunião. Umas das principais saídas dessa
reunião foram os quatro valores fundamentais do gerenciamento ágil:
1.
Os indivíduos e suas interações acima de procedimentos e ferramentas;
2.
O funcionamento do software acima de documentação abrangente;
3.
A colaboração dos clientes acima da negociação de contratos;
4.
A capacidade de resposta a mudanças acima de um plano préestabelecido.
Segundo o Standish Group (2012), em pesquisa feita com cerca de 1000
empresas entre os anos de 2002 e 2010, 42% dos projetos que utilizaram métodos
ágeis foram entregues no prazo, custo e escopo corretos, enquanto apenas 14% dos
que utilizaram o método incremental de cascata obtiveram o mesmo sucesso. Por
outro lado, 9% dos projetos que utilizaram metodologia ágil foram cancelados ou seus
resultados nunca foram utilizados, enquanto 29% dos que utilizaram o método de
cascata tiveram o mesmo destino.
1.2.1 Principais abordagens de gerenciamento ágil de projetos
Documentada em 1993 por Jeff Sutherland e formalizada em 1995, a
abordagem Scrum é um dos modelos de gerenciamento ágil mais utilizado atualmente,
sua flexibilidade permite que a mesma seja utilizada em diversas áreas. As principais
instituições encarregadas em manter o Scrum são a ScrumAlliance, scrum.org e Scrum
inc. Para Schimiguel (2014), o Scrum é uma metodologia ágil de trabalho usada para
estabelecer conjuntos de regras e práticas de gestão para conseguir o sucesso de um
projeto. Com o foco no trabalho em equipe, ocorre uma melhora na comunicação e
maximiza o apoio de todos, fazendo com que todos do time se esforcem e se sintam
bem com o que estão fazendo e isso acaba gerando um aumento de produtividade. A
Figura 1 demonstra o processo básico dessa abordagem. Santos (2009) afirma que o
Scrum pode utilizado em areas fora da engenharia de software.
O Scrum não está limitado ao desenvolvimento de software já que o
processo de gerenciamento que ele apoia é independente das práticas de
engenharia utilizadas, sendo aplicado inclusive em produtos de áreas
distintas como financeira, médica e Internet. Segundo Sutherland, constitui
uma abordagem baseada em equipe para desenvolver sistemas e produtos
de maneira iterativa e incremental quando requisitos estão em mudança
588
rápida, controlando o caos nos conflitos de interesse e necessidades e
maximizando a comunicação e cooperação entre as pessoas envolvidas no
projeto. (SANTOS, 2009, p. 39).
Figura 1 - Processos do Scrum.
Fonte: Elaborado pelos autores com base na pesquisa realizada.
Segundo Pacheco (2009), a abordagem Feature driven development, FDD, foi
criada por Jeff de Lucca em 1997. O FDD (Figura 2) é um método que prega a
visibilidade do estado do projeto de forma consistente e honesta. Consegue-se saber
quantas funcionalidades já foram desenvolvidas e quantas faltam ser desenvolvidas,
porque tudo é orientado às funcionalidades. Peter Coad e Jeff de Lucca publicaram
seus estudos em 1999, no livro “Java Modelling in Color with UML”, após sua utilização
em um projeto para uma agência do United Overseas Bank, em Cingapura. Jeff de
Lucca ainda hoje se encarrega de manter a sua metodologia e criou um sistema de
certificações.
Figura 2 - Processos do FDD.
Fonte: Elaborado pelos autores com base na pesquisa realizada.
589
Segundo Barbosa et al. (2008), no processo de detalhamento da
funcionalidade, a parte do modelo abrangente referente à funcionalidade que será
desenvolvida deve ser mais bem especificada. Após ser melhor definida, a
funcionalidade começa a construção, que tem como objetivo entregar um módulo
funcional do produto final. O processo de construir a funcionalidade começa com a
definição dos responsáveis por cada funcionalidade e os respectivos testes de uso. A
figura 2 ilustra, de forma resumida, o processo do FDD.
A Extreme Programming, ou simplesmente XP, foi criada por Kent Beck e Ward
Cunningham enquanto trabalhavam na Tektronixs, Inc. como consultores de
problemas em SmallTalk. Os marcos iniciais da metodologia foram o payroll Project,
iniciado em 1996, e o livro Extreme Programming Explained: Embrace Change, lançado
no ano de 1999. Segundo Soares (2014, p. 3) “[a] maioria das regras da XP causa
polêmica à primeira vista e muitas não fazem sentido se aplicadas isoladamente. É a
sinergia de seu conjunto que sustenta o sucesso de XP, encabeçando uma verdadeira
revolução no desenvolvimento de software”. A XP Magazine, mantida por Ron Jeffries,
é, atualmente, uma das principais referências sobre a metodologia.
Segundo Sousa et al. (2011), a metodologia Crystal foi criada no ano 2000 após
uma análise dos projetos da empresa IBM, que, mesmo seguindo a rigor as
metodologias da empresa, ainda assim fracassavam. De acordo com os mesmos
autores, a família de metodologias Crystal foca em interação, comunidade,
habilidades, talentos e comunicação, pois esses são os fatores que mais afetam no
desempenho, entretanto, outras fontes de retardo no ritmo do projeto também
podem ser gerenciadas com a abordagem. O seu criador, Alistair Cockburn, mantém a
documentação da abordagem através de seu instituto, o International Consortium for
Agile.
Um projeto gerenciado com o Crystal é bastante modularizado, ele é dividido
em várias entregas, essas entregas são divididas em interações, essas interações são
compostas de reuniões de planejamento e diárias, as diárias são compostas de
integrações de código e cada integração é composta de episódios e testes, conforme
pode ser visualizado na Figura 3.
Figura 3 - Etapas do crystalclear.
Fonte: Elaborado pelos autores com base na pesquisa realizada.
590
1.3 Complexidade de projetos
A teoria da complexidade de projetos visa compreender e classificar as
dificuldades de gerenciar e executar um projeto. Ao longo dos anos, diversas
características foram utilizadas para realizar essa tarefa, entre elas: dinâmica social,
capacidade de liderança, competências da equipe, quantidade de atividades,
compreensão sobre os objetivos, motivação da equipe, possibilidade de mudanças,
quantidade de áreas de conhecimento envolvidas etc. Nos últimos anos, diversos
estudos visam relacionar a complexidade de um projeto com uma metodologia de
gerenciamento adequada.
Segundo Silva (2015), um dos poucos elos entre gerenciamento e a teoria da
complexidade foi proposto por Ralph D. Stacey em seu livro “Gerenciando o que não
pode ser conhecido”. Stacey é professor de administração na Business School da
universidade de Hertfordshire e pesquisador na área de teoria das organizações,
utilizando implicações das ciências naturais de complexidade para ampliar a
compreensão sobre o tema. Segundo o site gp-training, a arte da gestão e da liderança
tem uma série de abordagens para resolver os problemas e estar ciente de quando
usar cada abordagem é o grande desafio. Ralph Stacey propôs, em 1996, uma matriz
que oferece um método para selecionar as ações de gerenciamento apropriadas em
um sistema adaptativo complexo com base no grau de certeza e no nível de acordo
sobre o assunto em questão.
O modelo proposto por Stacey define a complexidade baseando-se em duas
dimensões: o grau de concordância das partes e o grau de certeza sobre as atividades.
O pesquisador dividiu a complexidade em 4 grandes zonas. Caso as partes estejam de
acordo e compreendam perfeitamente o que deve ser feito, o projeto pode ser
considerado simples. Caso exista desacordo ou desconhecimento, o projeto passa a ser
declarado como complicado. Caso existam desavenças e incompreensão ao mesmo
tempo, entra na zona dos complexos. Por fim, se houverem grandes conflitos e
grandes incertezas, o projeto pode ser considerado um caos. A Figura 4 mostra
graficamente o diagrama de Stacey.
Figura 4 - Matriz de Stacey adaptada.
Fonte: Lemos (2012).
591
2. METODOLOGIA
Foi realizada uma pesquisa qualitativa exploratória no período entre julho de
2016 e fevereiro de 2017, com o intuito de compreender as características e
dificuldades em gerenciar a criação de cursos a distância, com enfoque em uma
universidade corporativa. Foi analisado, dentre algumas abordagens de gerenciamento
ágil de projetos, qual mais se adequa a realidade da instituição. Para tal, foi realizado
um estudo documental dos procedimentos atuais da universidade, das pesquisas
internas da instituição e dos trabalhos científicos que analisam a aplicabilidade do
gerenciamento ágil de projetos.
3. RESULTADOS E DISCUSSÃO
Foi feito um estudo dos padrões e procedimentos da universidade pesquisada.
Logo após, foi realizada uma análise da complexidade dos projetos de
desenvolvimento de e-learning. Com a análise concluída, foram comparadas as
principais abordagens de gerenciamento ágil e, por fim, foi proposto um modelo
teórico para ser aplicado na instituição.
3.1 Modelo da universidade corporativa
A universidade corporativa estudada pertence a uma grande empresa nacional
com mais de 50.000 funcionários próprios. Ela faz parte do setor de recursos humanos
da companhia e é dividida em escolas, que agrupam as áreas de conhecimento
consideradas relevantes para a corporação. As principais funções desempenhadas da
instituição estão listadas no Quadro 1.
Quadro 1 - Principais papeis da universidade corporativa estudada.
Papel
Competências
Gerente das
escolas
Cuida da gestão financeira e administrativa da escola, decide sobre o
atendimento das demandas recebidas, designa o orientador didático responsável
pelo treinamento e autoriza recursos e situações especiais.
Orientador
didático
Planeja e acompanha os treinamentos, seleciona instrutores, realiza a análise
crítica dos cursos sob sua tutela e especifica recursos e infraestrutura necessária
para os eventos.
Responsável
administrativo
Providencia os recursos e infraestrutura para os treinamentos, realiza as
comunicações pertinentes e registra as informações nas ferramentas de suporte.
Secretaria
Administrativa
Garante a governança da atividade de responsabilidade administrativa, assegura
o controle e guarda os registros dos cursos e desdobra as orientações
corporativas para a universidade.
Fonte: Elaborado pelos autores com base na pesquisa realizada.
Silva (2014) estudou o processo de desenvolimento de treinamentos da
universidade Petrobras e dividiu o mesmo em duas grandes etapas: Necessidade de
Desenvolvimento de Empregados e Projeto de Solução Educacional e comenta:
592
Na primeira etapa são identificadas e analisadas as necessidades de
desenvolvimento, a partir de necessidades de negócio, e quando
identificado o potencial de tratamento educacional das mesmas, elas são
encaminhadas para validação, onde todas as necessidades são validadas e
priorizadas. Já na etapa de Projeto de Solução Educacional, são realizadas as
atividades de planejamento do projeto, elaboração de conteúdo e
desenvolvimento da solução educacional. (SILVA, 2014)
Desde o início dos anos 2000, a universidade corporativa estudada vem
desenvolvendo internamente soluções do tipo e-learning. Entre os anos de 2002 e
2013, os esforços da universidade estavam focados em cursos presenciais de formação
profissional para preparar os novos funcionários que foram admitidos nesse período. A
partir de 2014, uma crise financeira assolou o Brasil e houve redução nas admissões,
corte de custos e investimentos. Com a diminuição nas admissões e nos gastos de
transporte, o modelo de treinamento mudou de foco e passou a investir em EaD. O
corte de custos atingiu os contratos de desenvolvimento de e-learning fazendo com
que fosse usada força de trabalho interna no desenvolvimento das novas soluções. O
quadro 2 define os principais papeis do setor de desenvolvimento de EaD.
Quadro 2 - Principais papeis do setor de desenvolvimento de EaD.
Papel
Competências
Designer
instrucional
Orienta os detentores do conhecimento sobre a forma de organizar o conteúdo
para maximizar o aprendizado
Designer visual
Cria os recursos visuais necessários ao treinamento, além de gravar aulas e
explicações sempre que necessário.
Programador
Une todo o material didático em um pacote scorm e disponibiliza o material no
servidor de gerenciamento de e-learning.
Revisor
Verifica todas as funcionalidades do treinamento em um servidor de homologação
antes de disponibilizá-lo para os alunos.
Fonte: Elaborado pelos autores com base na pesquisa realizada.
No ano de 2014, foram conduzidas por Silva (2014) entrevistas individuais
semiestruturadas com 43 funcionários pertencentes ao RH da empresa a qual pertence
a universidade. Segundo o mesmo autor, a pesquisa ofereceu grande flexibilidade,
permitindo explorar novas hipóteses que surgiam durante a prática investigativa. O
intuito foi de obter dados para estruturar o processo de desenvolvimento de soluções
educacionais da universidade.
Nessa pesquisa, 86% dos respondentes não acreditam que existe um padrão no
desenvolvimento de treinamentos, 74% entendem não possuir todas as informações
necessárias ao iniciar o desenvolvimento e 81% relatam não realizar etapas de
planejamento do desenvolvimento. Em relação aos recursos, 95% dos respondentes
acreditam que possuem recursos financeiros suficientes, ao mesmo tempo que 91%
relataram não contar com os recursos humanos necessários dentro sua a área
funcional. Em relação ao monitoramento e controle, 86% informaram não existir
documentos que formalizam as etapas do projeto e 74% indicam a inexistência de
593
instrumentos de medição e controle. Por fim, apenas 67% dos respondentes acreditam
que a soluções desenvolvidas atendiam às necessidades do negócio, o que é um
resultado abaixo do esperado para uma universidade corporativa dedicada a encontrar
soluções educacionais específicas para a companhia. Com base nessa pesquisa, é
possível afirmar que a universidade dispõe de recursos financeiros para realizar seus
projetos, porém a falta de uma metodologia padrão dificulta o monitoramento e
controle do desenvolvimento.
Entrevistas informais feitas com os membros da equipe de desenvolvimento de
EaD da universidade estudada, executadas entre julho de 2016 e fevereiro de 2017,
corroboram com a pesquisa de Silva (2014). Ainda não existiam metodologias de
planejamento e controle, o tempo de resposta da universidade para as necessidades
dos demais órgãos continuava insatisfatório e a presença de recursos humanos em
diversas áreas funcionais ainda atrasa o desenvolvimento do curso. Adicionalmente
aos problemas encontrados em 2014, devido à crise política ocorrida no Brasil a partir
do mesmo ano, parte da equipe de desenvolvimento foi desligada da universidade
levando consigo tanto o conhecimento técnico quanto sobre o processo. Em
contrapartida, a presença de uma nova e reduzida equipe era uma oportunidade de
propor um novo modelo de trabalho.
3.2 Análise da complexidade
Dentre os diversos fatores que contribuem para o aumento da complexidade
no desenvolvimento de soluções de Educação a Distância na universidade corporativa
estudada, é possível destacar: nem todos os membros da equipe conhecem os
objetivos para desenvolver o treinamento; a quantidade de áreas e atividades
relacionadas ao desenvolvimento de uma solução é vasta; a variedade de soluções
possíveis gera dúvidas sobre qual deve ser adotada; existem mudanças freqüentes do
contexto organizacional; e a migração da forma de ensino presencial para a distância
causa aversão de alguns membros do time de desenvolvimento e fere interesses
pessoais, o que gera desmotivação.
Silva (2015) sugeriu uma lista de 39 questionamentos para mensurar
numericamente o grau de complexidade para cada uma das dimensões propostas pelo
mesmo. O questionário é dividido em 2 blocos, no primeiro, referente aos problemas
político-sociais, destacam-se o desacordo de interesses entre os parceiros do projeto, a
pressão para reduzir os prazos e a agressão à costumes ou cultura. No segundo bloco,
referente aos problemas estruturais, ressaltam-se o desconhecimento dos critérios de
sucesso, dúvidas sobre o escopo e indisponibilidade de recursos. Para cada pergunta é
atribuído um índice de variabilidade que serve para definir a complexidade emergente.
Após a aplicação dos questionamentos, é possível determinar o nível de complexidade
em uma escala de valores que varia de 0 a 255, na qual quanto maior a gradação maior
o grau de complexidade. Para os projetos de desenvolvimento de e-learning da
instituição, foram encontrados os seguintes resultados: 133 (52%) de complexidade
político-social, 92 (36%) de complexidade estrutural e 88 (35%) de complexidade
emergente.
594
Apesar do próprio Silva (2015) não definir com precisão as fronteiras de cada
área, é possível afirmar que os projetos de desenvolvimento de e-learning estudados
se encontram na região 2, onde é indicada a utilização de Scrum, uma metodologia de
gerenciamento de projetos ágil. A Figura 5 representa as áreas de atuação das
abordagens de gerenciamento propostas por Silva (2015).
Figura 5 - Áreas de abordagem dos modelos de gerenciamentos de projetos
Fonte: Adaptado pelos autores a partir de Silva (2015)
Silva (2015) também faz uma relação entre o seu modelo de complexidade e o
modelo proposto por Stacey em 1996. O autor indica que a sua dimensão políticosocial pode ser equiparada com a dimensão social do Stacey, assim como a dimensão
emergente se assemelha com a de incerteza. Cruzando os resultados encontrados no
questionário com o diagrama de Stacey, é possível inferir que os projetos de
desenvolvimento de e-learning pesquisados encontram-se na região do diagrama em
que Murali (2013), indicando uma abordagem de gerenciamento de projetos ágil e
adaptável para projetos que se encontram nessa região.
A partir de experiência própria, por ter atuado na área de desenvolvimento de
diversos cursos a distância na universidade corporativa estudada, foi possível
mensurar a complexidade da instituição. Silva (2015) afirma que cada indivíduo,
incorporado em um determinado contexto, percebe e analisa a complexidade de uma
forma diferente, além disso, a determinação dos níveis de complexidade varia ao longo
do tempo.
3.3 Análise comparativa das metodologias
O Scrum tem como foco a comunicação, e essa comunicação tem o potencial
para alinhar as expectativas dos envolvidos, principalmente porque grande parte das
equipes que desenvolve treinamentos na universidade é composta por membros de
diferentes áreas funcionais. As reuniões propostas pela abordagem permitem que,
diariamente, sejam coletados dados para atualizar o progresso da equipe, aumentando
a sensação de monitoramento e controle do desenvolvimento pelas partes
595
interessadas, além de permitir que o projeto sempre priorize aquilo que o cliente mais
esteja valorizando no momento. A obrigatoriedade das diversas reuniões proposta
pelo Scrum, somadas às reuniões funcionais comuns da universidade, é algo que exige
cautela, pois, se as reuniões forem mal conduzidas, fazem com que a equipe de
desenvolvimento desperdice o tempo de produção, além de perderem o foco das
atividades. Outro problema é a dificuldade de conseguir reunir todos os envolvidos no
projeto, devido aos calendários distintos de cada membro.
Desde a fase de concepção e planejamento do feature-driven development,
FDD, é criado um modelo do que se pretende alcançar, permitindo que todas as partes
interessadas tenham uma visão única do projeto, e a cada novo ciclo de planejamento
o modelo passa a ser mais detalhado e serve como uma documentação. A lista de
funcionalidades priorizadas é feita junto ao cliente, o que facilita o alinhamento com as
expectativas do mesmo. Cada funcionalidade entregue ou em desenvolvimento tem
um responsável, o que facilita o rastreio das causas de atrasos ou fracassos. Os ciclos
curtos propostos pelo FDD podem não ser suficientes para a entrega de uma
funcionalidade nova em um treinamento. Não foram encontradas referências do uso
do FDD fora da área de desenvolvimento de softwares.
As reuniões diárias com a equipe, propostas pela abordagem Crystal, permitem
que sejam feitas atualizações constantes do progresso do desenvolvimento. As
reuniões de reflexão fornecem um momento para a equipe reavaliar o seu
desempenho e propor melhorias. A criação dos testes de aceitação ajuda a equipe a
avaliar a qualidade do que está sendo desenvolvido sem a necessidade de convocar o
cliente, apesar da universidade não possuir um ambiente de testes automatizado. Nem
sempre a equipe de desenvolvimento pode trabalhar no mesmo espaço físico, como
sugere a abordagem, principalmente, pelas equipes multidisciplinares e multissetoriais
formadas pela universidade.
O extreme programming é uma metodologia ágil bastante adotada e com
diversas fontes e referências. O desenvolvimento é feito em pares, o que permite que
o conhecimento sobre o projeto seja distribuído de uma forma orgânica. A integração
é feita praticamente de forma contínua, permitindo que falhas sejam encontradas
mais rapidamente. Caso seja encontrado um erro, a propriedade coletiva do código,
proposta pela abordagem, permite que qualquer membro da equipe do projeto faça a
correção imediatamente, mantendo a versão atual com o mínimo de falhas possível.
Algumas práticas propostas pelo XP vão de encontro à cultura da universidade,
principalmente o desenvolvimento em pares e a propriedade coletiva do projeto. A
documentação da metodologia é precária e baseada no conhecimento coletivo que a
programação em pares proporciona, gerando dificuldades de manutenção em caso de
mudança drástica da equipe de projetos.
3.4 Abordagem recomendada para a universidade estudada
A abordagem FDD é mais adequada à linha de atuação atual da universidade.
As suas etapas do desenvolvimento de treinamentos podem ser adaptadas para se
aproximar as duas fases propostas pela metodologia (Figura 6). Os processos do FDD
596
são bem definidos e interdependentes tornando mais simples o acompanhamento do
desenvolvimento das soluções. A abordagem Scrum também é recomendada, por ser
bastante focada em comunicação. As reuniões de retrospectiva e de revisão seriam
feitas mensalmente, aproveitando o cronograma de encontros das escolas, de modo a
fornecer um melhor direcionamento para a equipe de desenvolvimento e a agilidade
necessária para suprir as necessidades da empresa.
Figura 6: Modelo misto de Scrum com FDD
Fonte: Elaborado pelos autores com base na pesquisa realizada.
4. CONSIDERAÇÕES FINAIS
A análise de complexidade realizada pelo trabalho indicou que o empecilho do
desenvolvimento desses treinamentos a distância na instituição pesquisada não é a
sua complexidade estrutural, mas sim fatores político-sociais e o nível de incerteza que
existe no início do desenvolvimento. Recomenda-se a aplicação do questionário
proposto por Silva (2015) para verificar se essa percepção persiste em outras
instituições de ensino.
A adoção de uma abordagem ágil de gerenciamento de projetos para
coordenar o desenvolvimento de soluções educacionais a distância tem potencial para
diminuir o tempo de resposta às necessidades, além de fornecer ferramentas de
monitoramento e controle eficazes durante a criação do treinamento. Dessa forma, a
universidade corporativa poderá entregar as demandas da empresa em um prazo
aceitável e com um custo razoável, que justificam a manutenção da mesma. As
análises feitas servem como base para a escolha de uma metodologia de
gerenciamento para a elaboração de cursos a distância.
A impossibilidade de testar a aplicabilidade das abordagens estudadas no
período da pesquisa dificultou uma análise mais precisa com relação à adequação das
metodologias. As dificuldades encontradas foram minimizadas devido ao extenso
estudo exploratório aliado à experiência do autor com o desenvolvimento de
597
treinamentos. Recomenda-se, como trabalho futuro, a aplicação dos princípios do
gerenciamento para coordenar o desenvolvimento de um treinamento e verificar a sua
efetividade. Também é indicado executar outros estudos sobre a complexidade de
gerenciar a criação de treinamentos com a finalidade de comparar os resultados com
os encontrados neste estudo.
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