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História através da história Pesquisas do PPGH/UFF Vol. 2 1 2 Caio Rodrigues Schechner Elizabeth Silva Ribeiro Lucas Ninna Koritzky Falconiere Lopes Thaís Rodrigues dos Santos Vitória de Oliveira Barroso Abunahman História através da história Pesquisas do PPGH/UFF Vol. 2 3 Copyright © Autoras e autores Todos os direitos garantidos. Qualquer parte desta obra pode ser reproduzida, transmitida ou arquivada desde que levados em conta os direitos das autoras e dos autores. Caio Rodrigues Schechner; Elizabeth Silva Ribeiro Lucas; Ninna Koritzky Falconiere Lopes; Thaís Rodrigues dos Santos; Vitória de Oliveira Barroso Abunahman [Orgs.] História através da História (vol. 2): pesquisas do PPGH/UFF. São Carlos: Pedro & João Editores, 2023. 697p. 16 x 23 cm. ISBN: 978-65-265-0581-6 [Digital] 1. História. 2. Pesquisa. 3. PPGH-UFF. I. Título. CDD – 900/370 Capa: Petricor Design Ficha Catalográfica: Hélio Márcio Pajeú – CRB - 8-8828 Revisão: Zaira Mahmud Diagramação: Diany Akiko Lee Editores: Pedro Amaro de Moura Brito & João Rodrigo de Moura Brito Conselho Científico da Pedro & João Editores: Augusto Ponzio (Bari/Itália); João Wanderley Geraldi (Unicamp/Brasil); Hélio Márcio Pajeú (UFPE/Brasil); Maria Isabel de Moura (UFSCar/Brasil); Maria da Piedade Resende da Costa (UFSCar/Brasil); Valdemir Miotello (UFSCar/Brasil); Ana Cláudia Bortolozzi (UNESP/Bauru/Brasil); Mariangela Lima de Almeida (UFES/Brasil); José Kuiava (UNIOESTE/Brasil); Marisol Barenco de Mello (UFF/Brasil); Camila Caracelli Scherma (UFFS/Brasil); Luís Fernando Soares Zuin (USP/Brasil). Pedro & João Editores www.pedroejoaoeditores.com.br 13568-878 – São Carlos – SP 2023 4 O PENSAMENTO POLÍTICO DE AZEVEDO AMARAL: UM BALANÇO DOS ESTUDOS SOBRE A OBRA DO FUNDADOR DE DIRETRIZES Yuri Barbosa Resende Em abril de 1938, o jornalista e pensador político Antônio José Azevedo do Amaral (1881-1942) fundou, na cidade do Rio de Janeiro, a revista Diretrizes: Política, economia, cultura. Ele ambicionava pôr em circulação uma publicação alinhada ao Estado Novo e à defesa de uma “democracia autoritária” de inspiração corporativista, criando um espaço de discussão intelectual na imprensa carioca, afinado com o novo regime e capaz de refletir sobre os rumos do Brasil. Municiado de um subsídio mensal de dois contos de réis, o intelectual convidou seu então secretário pessoal para entrar como sócio na empreitada: Samuel Wainer (1910-1980). Uma disputa entre duas linhas editoriais distintas foi travada, a partir de então, nas páginas de Diretrizes. Uma delas pode ser verificada, sobretudo, nas seções fixas assinadas por Amaral, diretor do periódico, as quais exaltavam a “democracia autoritária” estadonovista. Um outro programa editorial, por sua vez, está presente nas colaborações do diretor-secretário Samuel Wainer e de outros redatores regulares, nas quais encontramos um jornalismo crítico às medidas levadas a cabo pelo governo brasileiro, além de engajado nas lutas antifascista e nacionalista. Essa contenda editorial terminou em outubro de 1938, após sete edições, com a saída de Amaral da revista e Wainer assumindo seu comando formalmente. A despeito da conjuntura adversa,  Doutorando no Programa de pós-graduação em História da Universidade Federal Fluminense (PPGH/UFF), sob orientação da professora Drª. Angela Maria de Castro Gomes. Bolsista da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES). 359 Diretrizes sobreviveu por seis anos: tornou-se semanal no fim de 1940 e manteve-se regularmente em circulação até 1944, quando sua cota de papel foi suspensa pelo Departamento de Imprensa e Propaganda (DIP). Ao longo de sua existência, a revista publicou nomes notáveis da intelectualidade brasileira de inclinação progressista: Astrojildo Pereira, Octávio Malta, Jorge Amado, Graciliano Ramos, Carlos Lacerda (então militante comunista), Joel Silveira, Osório Borba, Álvaro Moreyra, Moacir Werneck de Castro, Francisco de Assis Barbosa e Rubem Braga. Nosso objetivo neste artigo é apresentar um sucinto balanço da literatura acadêmica sobre o pensamento político de Azevedo Amaral. Intentamos demonstrar como os escritos deste intelectual, publicados tanto em livros quanto na imprensa, suscitaram o interesse dos pesquisadores, resultando em estudos que analisaram diferentes características de seu pensamento político. Isso posto, pretendemos, também, situar nossa pesquisa, a qual contempla as colaborações deste intelectual para Diretrizes, ainda pouco estudadas, entre esses trabalhos. Cabe assinalar que, tendo em vista os limites deste trabalho, não tivemos a pretensão de abarcar todos os estudos sobre Azevedo Amaral, bem como optamos por concentrar nossas leituras, sobretudo, nas contribuições oriundas dos campos da História, Ciências Sociais e Ciência Política. Este artigo é um dos frutos da nossa pesquisa de doutorado, desenvolvida no Programa de pós-graduação em História da Universidade Federal Fluminense (PPGH/UFF), intitulada “Diretrizes e o Estado Novo: uma revista de oposição à ‘democracia autoritária’ (1938-1944)”, a qual investiga os limites e as possibilidades da atuação da revista Diretrizes e de seu(s) editor(es) como oposição à ditadura varguista. Um dos ideólogos da “democracia autoritária” Nascido em 26 de março de 1881 no Rio de Janeiro, Antonio José Azevedo do Amaral era filho de Angelo Thomaz do Amaral, cujos 360 negócios no ramo da construção de estradas estavam associados aos de Visconde de Mauá no século XIX. Azevedo Amaral – como assinava – diplomou-se em Medicina no ano de 1903, após estudar no Rio de Janeiro e em Berlim, defendendo sua tese nesta cidade. Jamais exerceu a profissão, contudo; optou por dedicar-se exclusivamente ao mundo das letras. Conquistou destaque nos meios intelectuais pela qualidade da sua atividade jornalística a partir de 1906, atuando como correspondente do Correio da Manhã na Inglaterra: ele assinava a coluna “Carta de Londres”, na qual tecia análises sobre a política internacional e informava sobre conflitos na Europa. Após ser acometido por uma doença, que provavelmente se agravou nos primeiros anos da década de 30, passou a se dedicar à escrita de livros: Ensaios brasileiros (1930), O Brasil na crise atual (1934), A aventura política do Brasil (1935) e O Estado autoritário e a realidade nacional (1938) – os dois últimos editados pela casa José Olympio. Em 1941, publicou ainda uma biografia do presidente-ditador em exercício, intitulada Getúlio Vargas, estadista. Concomitantemente, Amaral continuou assinando artigos para a imprensa carioca até o fim da vida, investindo na defesa e divulgação de seu pensamento político. No ano de seu falecimento, escrevia, embora sem regularidade, para os diários A Manhã e Jornal do Brasil. Contrário ao liberalismo e ao marxismo, o intelectual rejeitava a possibilidade do Brasil se deixar levar tanto pelos ventos fascistas, oriundos da Alemanha e Itália, quanto pelo “bolchevismo russo”. Propunha, na contramão, uma espécie de “quarta via” para o país: somente um regime autoritário centralizador, inspirado no corporativismo e liderado por um político como Getúlio Vargas, poderia colocar o Brasil no rumo da industrialização, compreendida como sinônimo de modernidade civilizacional e independência econômica. Para tanto, defendia uma experiência democrática que recusasse, simultaneamente, a falência política perpetrada pelos liberais e a hipertrofia estatal característica dos “totalitarismos” fascista e comunista. 361 Amaral, em suma, advogava a favor de uma “democracia autoritária”, termo que soa como um oxímoro para nós, na contemporaneidade, mas muito presente no discurso de diferentes ideólogos estadonovistas. Esse novo modelo democrático, defendido por diferentes intelectuais, como Azevedo Amaral, Almir de Andrade e o ministro Francisco Campos, visava a superação da “falsa dicotomia entre democracias (sempre entendidas como liberais) e ditaduras, na medida em que se abria a possibilidade de existir um Estado forte e democrático, através da revitalização do sistema presidencialista de governo” (GOMES, 2005, p. 112). Visitas ao pensamento político de Azevedo Amaral Podemos situar a obra de Amaral em uma leva de produções dos anos 1930 que intentavam diagnosticar os problemas nacionais e apresentar soluções para as “causas do atraso” do Brasil. Esses escritos estão circunscritos a um campo que convencionou-se chamar de “estudos brasileiros”, integrado por intelectuais cujas obras abraçavam áreas como literatura, história, geografia, etnografia, sociologia, direito, arte, educação, folclore, música e teatro, por exemplo. Tais estudos, como o nome indica, respondiam a questionamentos fundamentais sobre o que era e, principalmente, o que deveria ser o Brasil, buscando fundamentação no conhecimento das “raízes” do processo de formação histórica do país, para uma melhor orientação quanto ao traçado de diretrizes que permitissem ultrapassar nossos “males” (GOMES, 2012, p. 186). Parece-nos ter havido uma reserva por parte das produções acadêmicas posteriores ao fim do Estado Novo no que concerne ao estudo do pensamento de Amaral e de outros ideólogos autoritários. Alguns pesquisadores, como veremos, só examinariam os escritos 362 de Amaral a partir da década de 19601, e uma efetiva “redescoberta” de seu pensamento político só parece ter se concretizado após 1981, centenário de nascimento do autor, quando O Estado autoritário e a realidade nacional foi reeditado pela Universidade de Brasília (UnB) e ganhou um prefácio de Bolívar Lamounier. Os anos 1980, vale anotar, abrangem um período de transformações no cenário sociopolítico brasileiro, comportando desde a abertura gradual promovida pelos militares, no poder desde o golpe de 1964, e movimentos de apelo democrático, como as “Diretas Já”, à promulgação da Constituição de 1988. À luz desses fatos, parece-nos plausível inferir que a saída gradativa de um regime autoritário em direção a um retorno à democracia liberal tenha favorecido a reflexão sobre as bases do autoritarismo no Brasil. Guerreiro Ramos, em obra dos anos 1960, reservou algumas páginas a Azevedo Amaral, introduzindo-o como um “daqueles que mais se preocuparam com a nossa crise na década de trinta” e “de todos os escritores desse período, o mais complexo e completo” (RAMOS, 1961, p. 173). O sociólogo destaca a perspectiva de Amaral de que a evolução da sociedade brasileira foi deturpada a partir da vinda da corte portuguesa, em 1808, e que o Estado deveria retomar seu sentido econômico, proeminente durante o século XVIII. Ramos sublinha a aplicação dos saberes sociológicos nos escritos de Amaral e o elogia pelo enfrentamento das questões prementes em seu tempo2. Justifica ainda a falta de interesse acadêmico pelos escritos de Amaral em virtude do seu conhecido alinhamento ao Estado Novo, pontuando que sua ligação com o DIP e o teor de suas obras renderam-lhe a fama de “régulo do regime”. O sociólogo pondera, contudo, que Amaral adotou um posicionamento condizente com o que expunha em seus livros, além de ter oferecido um diagnóstico Possivelmente a exceção é a obra de Nelson Werneck Sodré, Orientações do Pensamento Brasileiro, a qual contempla o pensamento de Amaral. O livro, todavia, foi publicado em 1942, ainda durante o Estado Novo. 2 Nas palavras de Ramos, “Oliveira Viana mesmo não alcança a profundidade dos estudos de Azevedo Amaral, nem a sua segurança intelectual na aplicação ao estudo do Brasil do saber sociológico” (RAMOS, 1961, p. 178). 1 363 preciso no que tange ao Estado Novo ter inaugurado um período positivo da economia brasileira, com predomínio dos interesses nacionais por meio do intervencionismo econômico estatal. A demanda por um olhar mais amplo e sistematizado sobre o pensamento de Amaral seria suprida alguns anos depois pelo trabalho de Aspásia Camargo (CAMARGO, 1967). Cabe destacar que a pesquisadora, a exemplo de Ramos, reconhece no pensamento político de Amaral a antecipação de questões que só se tornariam presentes, no debate acadêmico brasileiro, muitos anos após sua morte, como os aspectos que caracterizavam a condição de subdesenvolvimento do Brasil. Nos anos 70, Jarbas Medeiros examinou os textos publicados por Amaral na revista Cultura Política no início da década de 40, ultrapassando a fronteira dos livros. O pesquisador sublinha o caráter antiliberal dos escritos do intelectual e sua defesa de que a noção de democracia havia sido sequestrada pelos dogmas liberais (MEDEIROS, 1975, p. 31). Medeiros destaca, ainda, dois aspectos do pensamento de Amaral: a perspectiva de que uma “comédia liberaldemocrática” teria engendrado noções deturpadas de igualdade na sociedade brasileira, o que seria corrigido pelo regime estadonovista; e a necessidade de industrializar o país, o que se consubstanciava com a promoção de um ideal moderno de civilização. O pesquisador sustenta que a retórica de Amaral é marcadamente nacionalista e elitista, característica que compartilhava com alguns de seus contemporâneos, como Oliveira Viana, e predecessores, como Alberto Torres. O projeto de industrialização de Amaral, explica Medeiros, estava relacionado à demanda de que os trabalhadores nas cidades desfrutassem de melhores condições de vida e se engajassem na atividade das corporações – ou seja, sindicatos, conselhos técnicos e órgãos de controle (MEDEIROS, 1975, p. 32-42). Na década de 1980, encontramos algumas contribuições de vulto. Em Estado Novo: ideologia e poder, Lucia Lippi de Oliveira se debruça sobre o pensamento político de Azevedo Amaral ao longo 364 de um capítulo, sintetizando-o como “uma combinação de preocupação científica, de interpretação evolucionista, de racismo e elitismo”, a qual lança mão de metáforas biológicas a fim de aludir a uma enfermidade que impede a sociedade brasileira de caminhar em direção ao progresso natural (OLIVEIRA, 1982, p. 49). A despeito dessa retórica evolucionista assimilada pelo intelectual, segundo a autora, há uma particularidade que a difere: a proeminência da questão econômica e a defesa da intervenção direta do homem no rumo ao progresso que, embora seja concebido como natural, poderia ter seu ritmo acelerado ou avagarado. A socióloga postula que os anos residindo na Inglaterra devem ter influído decisivamente na proposta industrializante concebida por Amaral, de modo que ele “não se mantém saudoso do país agrário, nem mesmo se ocupa em modernizar o campo, já que não será por esta via que o Brasil haverá de alcançar a forma superior da civilização” (OLIVEIRA, 1982, p. 49). No prefácio ao livro de Amaral reeditado em 1981, Bolívar Lamounier sublinha que o escritor enxergava na via permanentemente autoritária um caminho condizente com a formação sociopolítica do Brasil, que seria hostil desde suas origens às ideais liberais. Para Lamounier, Amaral foi “um dos mais articulados expositores de um determinado diagnóstico a respeito da formação histórica brasileira. E também um dos mais argutos analistas da conjuntura dos anos trinta” (LAMOUNIER, 1981, p. 6). José Murilo de Carvalho, por sua vez, ao esquadrinhar o pensamento de Oliveira Viana em um artigo, comparou-o diretamente com Azevedo Amaral: embora compartilhasse com o primeiro algumas características basilares – como a opção por uma saída autoritária em molde corporativista –, Amaral defendia ideias que visavam a implementação de um tipo de “engenharia social” capaz de promover o capitalismo industrial na sociedade brasileira. Desse modo, o corporativismo da proposta de Amaral seria menos uma resolução da questão da representatividade política, e muito mais um método da organização econômica 365 hierarquizada viabilizadora da modernização econômica do país (CARVALHO, 1991, p. 95). Nesse sentido, Maria Izabel Braga Weber Vanderlei se debruçou sobre os principais trabalhos que inspiraram a construção do pensamento político de Azevedo Amaral, de Herbert Spencer a Auguste Comte, intentando demonstrar como o intelectual se valeu, em especial, de conhecimentos provenientes das Ciências da Natureza, os quais acabaram incorporados pelas Ciências Sociais nas primeiras décadas do século XX. A pesquisadora argumenta que o evolucionismo organicista de Amaral, ao contrário do que defendiam pensadores dos séculos XVIII e XIX, admitia a existência de interferências do homem, que poderia impactar o caminho para o progresso. Ressalta, dessa forma, que, na ótica de Amaral, “a democracia não é igual para todos, mas o que a faz universal (...) é a sua finalidade – o bem comum ou, em outras palavras, o progresso econômico da coletividade” (VANDERLEI, 2000, p. 41). A exemplo de Oliveira, Vanderlei sustenta que o intelectual transportava uma lógica própria das ciências naturais para os estudos sociológicos, o que guardava proximidade, por exemplo, com as teses eugênicas em voga à época. Não é fortuito, portanto, que Amaral tenha participado ativamente do I Congresso Brasileiro de Eugenia de 1929, ocasião na qual apresentou uma tese intitulada “O problema eugênico da imigração”. Um dos argumentos centrais do trabalho antecipa uma posição que viria a ser reafirmada por ele em O Estado autoritário... e em Diretrizes anos mais tarde, isto é, a necessidade de branqueamento do povo brasileiro, marcado pela presença de uma mestiçagem degenerada, por meio da execução de uma política imigratória que vedasse a entrada de “não brancos”3. A defesa reiterada do autoritarismo associado a uma proposta de verve industrializante e nacionalista constitui, na leitura de Angela de Castro Gomes, uma originalidade de Amaral na medida Vanderlei afirma também que o trabalho defendido por Azevedo Amaral serviu como base para a composição das diretrizes da Comissão Central de Eugenismo na ocasião de sua criação, em 1931. 3 366 em que nenhum dos seus contemporâneos se dedicou tão vigorosamente a discussão desta questão a partir da análise de fatores econômicos, visando essencialmente a superação das “razões do atraso”. Em A invenção do trabalhismo, Gomes examina as colaborações de Amaral para Cultura Política e explica como o autoritarismo defendido pelo intelectual comporta, sem prejuízos para a coerência de seu pensamento, a construção de uma democracia que privilegie direitos sociais em detrimento dos políticos. A partir deste raciocínio, era formulada a ideia de “democracia autoritária”, a qual propunha a prevalência do princípio da autoridade, não como um obstáculo à liberdade individual, mas como o único meio legítimo de sua realização. Devia haver uma sincronia perfeita entre os ideais da coletividade nacional e o espaço de movimentação individual. O conceito de liberdade subsistia, associado à dimensão dos direitos civis individuais, mas apenas como uma categoria capaz de integrar os ideais de realização do interesse coletivo, sob os auspícios de uma autoridade ordenadora da sociedade. (GOMES, 2005, p. 203-204) O autoritarismo democrático de Amaral almejava, segundo Gomes, a superação da “falsa dicotomia entre democracias (sempre entendidas como liberais) e ditaduras, na medida em que se abria a possibilidade de existir um Estado forte e democrático, através da revitalização do sistema presidencialista de governo” (GOMES, 2005, p. 112). A historiadora ocupar-se-ia da discussão sobre o corporativismo associado à democracia autoritária também em trabalhos posteriores. Ela sustenta que as ideias de Azevedo Amaral apresentam inspiração nas proposições do pensador romeno Mihail Manoilescu, em particular nas exposições presentes em O Século do Corporativismo4. O escritor brasileiro teria encontrado neste livro Gomes assinala que, possivelmente, O Estado autoritário... foi escrito antes do golpe do Estado Novo e de modo concomitante à tradução de O Século do corporativismo por Azevedo Amaral, tendo em vista as datas dos prefácios assinados pelo intelectual brasileiro nas obras. 4 367 “sólidos argumentos analíticos para defender sua proposta”, sobretudo na formulação da chamada “teoria dos câmbios internacionais” (ou “trocas desiguais”) (GOMES, 2012, p. 194). Amaral, contudo, condena as relações observadas entre o fascismo e o modelo corporativista na Itália. Ele acreditava que a proposta corporativista fora desvirtuada pelo Duce e seus partidários, transformando as corporações em mero aparato burocrático de um Estado já hipertrofiado, de modo a não permitir, portanto, a realização dos objetivos principais do modelo, a saber: a organização pacífica da sociedade e a representatividade popular. Atualmente, o pensamento de Amaral continua despertando o interesse dos pesquisadores5. Maria Fernanda Lombardi Fernandes, por exemplo, examinou a revista Novas Diretrizes, fundada por Amaral após a saída conturbada de Diretrizes. Na publicação, o intelectual tratava de tópicos variados a partir de uma tônica que preconizava a promoção do regime estadonovista e o debate das estratégias a serem adotadas em face dos desafios nacionais e internacionais – uma postura editorial, portanto, bastante próxima daquela que vislumbrara originalmente para o mensário criado com Wainer. Fernandes comparou, ainda, a contribuição de Amaral para o Almanack Israelita de 1937, intitulada “A questão judaica no Brasil”, com os editoriais de Novas Diretrizes a fim de demonstrar como o pensador promoveu um giro de 180 graus em suas posições no que concerne ao antissemitismo, passando a atribuir a culpa pela guerra aos judeus, e responsabilizá-los pela aliança das potências ocidentais com a União Soviética. “Não são poucos os editoriais de Novas Vale destacar a tese de Tamyres Ravache Alves de Marco a qual, em linhas gerais, sustenta que Azevedo Amaral, a partir de suas considerações em defesa de um desenvolvimento econômico nacional planejado, pode ser considerado um dos teóricos pioneiros daquilo que viria a ser chamado de desenvolvimentismo. Outro trabalho que merece atenção é o artigo de Guilherme Fernandes Reis das Chagas, o qual se debruça sobre as contribuições de Amaral para a revista distribuída pela Light & Power entre seus funcionários. As referências completas de ambas as obras estão no fim deste artigo. 5 368 Diretrizes que trazem críticas tanto aos ‘judeus capitalistas’ quanto aos ‘judeus comunistas’”, explica (FERNANDES, 2015, p. 40). Além de ostentar um fervoroso antissemitismo na nova revista, o jornalista discorria sobre outros tópicos, como a organização, consolidação e funcionamento do Estado Novo; a necessidade de manutenção de uma postura de neutralidade do Brasil diante da guerra; o perigo de infiltração de comunistas no território nacional; e a crise da democracia liberal nas nações ocidentais (FERNANDES, 2018, p. 54). Em suma, o cerne do pensamento político de Amaral, explica Fernandes, era rotineiramente exposto nos editoriais do periódico, de modo que os textos do intelectual em Novas Diretrizes ecoavam teses e bandeiras que iam além da defesa do Estado autoritário: o industrialismo como saída para o desenvolvimento do Brasil, a ênfase na necessidade da educação do povo e da elite, a retomada do modelo de “Estado econômico” para o Brasil, a defesa de uma política de “neutralidade” frente ao conflito internacional que, num primeiro momento, se avizinhava e, posteriormente, foi deflagrado (FERNANDES, 2018, p. 59). Todos esses temas abordados pelo jornalista na publicação, vale ressaltar, guardam semelhanças com aqueles sobre os quais já se debruçava em suas colaborações para Diretrizes. Em virtude dos limites deste trabalho, todavia, não poderemos avançar aqui sobre este tópico. Considerações finais Azevedo Amaral foi um profícuo autor de estudos sobre a sociedade brasileira, os quais apresentavam diagnósticos e propunham prognósticos para o atraso econômico e cultural do Brasil. Muitos de seus textos para a imprensa, contudo, ainda carecem de estudos mais aprofundados. No que diz respeito às suas colaborações para Diretrizes, um primeiro esforço foi empreendido por Joëlle Rouchou (ROUCHOU, 2015). Parece-nos, todavia, que a continuidade do exame das seções fixas assinadas por Amaral nesse 369 periódico pode revelar as estratégias empreendidas pelo intelectual para comunicar suas ideias nas páginas de uma revista que, apesar de não se dirigir a um amplo e diversificado público atingia um número de leitores muito maior do que seus livros. Essa é uma das contribuições que almejamos oferecer por meio da nossa pesquisa de doutorado em curso. Nosso trabalho, nesse sentido, contempla o estudo da articulação que Azevedo Amaral estabelece entre a solução autoritária e noções como democracia, corporativismo, industrialização, nacionalismo e personalismo nas páginas de Diretrizes. Em linhas bastante gerais, ao entendermos a atuação de Amaral como um intelectual mediador, intentamos levar a cabo uma análise que se volta para sua ação como diretor/editor do periódico e também como autor de matérias voltadas para o grande público. A partir dessa perspectiva, tentaremos apreender não apenas o exercício intelectual levado a cabo por Azevedo Amaral ao examinar suas colaborações para Diretrizes, mas também as narrativas editorialmente construídas nas sete edições pelas quais foi, ao menos formalmente, responsável. Referências CAMARGO, Aspásia B. A. A teoria política de Azevedo Amaral. Revista Dados, Rio de Janeiro, n. 2/3, p. 195-224, 1967. CARVALHO, José Murilo de. A utopia de Oliveira Viana. Estudos Históricos, Rio de Janeiro, vol. 4, n. 7, p. 82-99, 1991. CHAGAS, Guilherme Fernandes Reis das. O corporativismo na construção do discurso da Revista Light (1928-1940). Revista Cantareira, Niterói, n. 34, p. 387-405, jun. 2021. DE MARCO, Tamyres Ravache. Origens do Desenvolvimentismo no pensamento político brasileiro – Azevedo Amaral, um desenvolvimentista das origens. 2020. Tese (Doutorado em Ciência Política), Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2020. 370