História através da história
Pesquisas do PPGH/UFF
Vol. 2
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Caio Rodrigues Schechner
Elizabeth Silva Ribeiro Lucas
Ninna Koritzky Falconiere Lopes
Thaís Rodrigues dos Santos
Vitória de Oliveira Barroso Abunahman
História através da história
Pesquisas do PPGH/UFF
Vol. 2
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Copyright © Autoras e autores
Todos os direitos garantidos. Qualquer parte desta obra pode ser reproduzida,
transmitida ou arquivada desde que levados em conta os direitos das autoras e dos
autores.
Caio Rodrigues Schechner; Elizabeth Silva Ribeiro Lucas; Ninna Koritzky
Falconiere Lopes; Thaís Rodrigues dos Santos; Vitória de Oliveira Barroso
Abunahman [Orgs.]
História através da História (vol. 2): pesquisas do PPGH/UFF. São Carlos:
Pedro & João Editores, 2023. 697p. 16 x 23 cm.
ISBN: 978-65-265-0581-6 [Digital]
1. História. 2. Pesquisa. 3. PPGH-UFF. I. Título.
CDD – 900/370
Capa: Petricor Design
Ficha Catalográfica: Hélio Márcio Pajeú – CRB - 8-8828
Revisão: Zaira Mahmud
Diagramação: Diany Akiko Lee
Editores: Pedro Amaro de Moura Brito & João Rodrigo de Moura Brito
Conselho Científico da Pedro & João Editores:
Augusto Ponzio (Bari/Itália); João Wanderley Geraldi (Unicamp/Brasil); Hélio
Márcio Pajeú (UFPE/Brasil); Maria Isabel de Moura (UFSCar/Brasil); Maria da
Piedade Resende da Costa (UFSCar/Brasil); Valdemir Miotello (UFSCar/Brasil);
Ana Cláudia Bortolozzi (UNESP/Bauru/Brasil); Mariangela Lima de Almeida
(UFES/Brasil); José Kuiava (UNIOESTE/Brasil); Marisol Barenco de Mello
(UFF/Brasil); Camila Caracelli Scherma (UFFS/Brasil); Luís Fernando Soares Zuin
(USP/Brasil).
Pedro & João Editores
www.pedroejoaoeditores.com.br
13568-878 – São Carlos – SP
2023
4
O PENSAMENTO POLÍTICO DE AZEVEDO AMARAL:
UM BALANÇO DOS ESTUDOS SOBRE A OBRA DO
FUNDADOR DE DIRETRIZES
Yuri Barbosa Resende
Em abril de 1938, o jornalista e pensador político Antônio José
Azevedo do Amaral (1881-1942) fundou, na cidade do Rio de
Janeiro, a revista Diretrizes: Política, economia, cultura. Ele
ambicionava pôr em circulação uma publicação alinhada ao Estado
Novo e à defesa de uma “democracia autoritária” de inspiração
corporativista, criando um espaço de discussão intelectual na
imprensa carioca, afinado com o novo regime e capaz de refletir
sobre os rumos do Brasil. Municiado de um subsídio mensal de dois
contos de réis, o intelectual convidou seu então secretário pessoal
para entrar como sócio na empreitada: Samuel Wainer (1910-1980).
Uma disputa entre duas linhas editoriais distintas foi travada,
a partir de então, nas páginas de Diretrizes. Uma delas pode ser
verificada, sobretudo, nas seções fixas assinadas por Amaral,
diretor do periódico, as quais exaltavam a “democracia autoritária”
estadonovista. Um outro programa editorial, por sua vez, está
presente nas colaborações do diretor-secretário Samuel Wainer e
de outros redatores regulares, nas quais encontramos um
jornalismo crítico às medidas levadas a cabo pelo governo
brasileiro, além de engajado nas lutas antifascista e nacionalista.
Essa contenda editorial terminou em outubro de 1938, após sete
edições, com a saída de Amaral da revista e Wainer assumindo seu
comando formalmente. A despeito da conjuntura adversa,
Doutorando no Programa de pós-graduação em História da Universidade Federal
Fluminense (PPGH/UFF), sob orientação da professora Drª. Angela Maria de Castro
Gomes. Bolsista da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior
(CAPES).
359
Diretrizes sobreviveu por seis anos: tornou-se semanal no fim de
1940 e manteve-se regularmente em circulação até 1944, quando
sua cota de papel foi suspensa pelo Departamento de Imprensa e
Propaganda (DIP). Ao longo de sua existência, a revista publicou
nomes notáveis da intelectualidade brasileira de inclinação
progressista: Astrojildo Pereira, Octávio Malta, Jorge Amado,
Graciliano Ramos, Carlos Lacerda (então militante comunista), Joel
Silveira, Osório Borba, Álvaro Moreyra, Moacir Werneck de
Castro, Francisco de Assis Barbosa e Rubem Braga.
Nosso objetivo neste artigo é apresentar um sucinto balanço da
literatura acadêmica sobre o pensamento político de Azevedo
Amaral. Intentamos demonstrar como os escritos deste intelectual,
publicados tanto em livros quanto na imprensa, suscitaram o
interesse dos pesquisadores, resultando em estudos que analisaram
diferentes características de seu pensamento político. Isso posto,
pretendemos, também, situar nossa pesquisa, a qual contempla as
colaborações deste intelectual para Diretrizes, ainda pouco
estudadas, entre esses trabalhos. Cabe assinalar que, tendo em vista
os limites deste trabalho, não tivemos a pretensão de abarcar todos
os estudos sobre Azevedo Amaral, bem como optamos por
concentrar nossas leituras, sobretudo, nas contribuições oriundas
dos campos da História, Ciências Sociais e Ciência Política.
Este artigo é um dos frutos da nossa pesquisa de doutorado,
desenvolvida no Programa de pós-graduação em História da
Universidade Federal Fluminense (PPGH/UFF), intitulada
“Diretrizes e o Estado Novo: uma revista de oposição à ‘democracia
autoritária’ (1938-1944)”, a qual investiga os limites e as
possibilidades da atuação da revista Diretrizes e de seu(s) editor(es)
como oposição à ditadura varguista.
Um dos ideólogos da “democracia autoritária”
Nascido em 26 de março de 1881 no Rio de Janeiro, Antonio José
Azevedo do Amaral era filho de Angelo Thomaz do Amaral, cujos
360
negócios no ramo da construção de estradas estavam associados aos
de Visconde de Mauá no século XIX. Azevedo Amaral – como
assinava – diplomou-se em Medicina no ano de 1903, após estudar no
Rio de Janeiro e em Berlim, defendendo sua tese nesta cidade. Jamais
exerceu a profissão, contudo; optou por dedicar-se exclusivamente ao
mundo das letras. Conquistou destaque nos meios intelectuais pela
qualidade da sua atividade jornalística a partir de 1906, atuando como
correspondente do Correio da Manhã na Inglaterra: ele assinava a
coluna “Carta de Londres”, na qual tecia análises sobre a política
internacional e informava sobre conflitos na Europa.
Após ser acometido por uma doença, que provavelmente se
agravou nos primeiros anos da década de 30, passou a se dedicar à
escrita de livros: Ensaios brasileiros (1930), O Brasil na crise atual (1934),
A aventura política do Brasil (1935) e O Estado autoritário e a realidade
nacional (1938) – os dois últimos editados pela casa José Olympio. Em
1941, publicou ainda uma biografia do presidente-ditador em
exercício, intitulada Getúlio Vargas, estadista. Concomitantemente,
Amaral continuou assinando artigos para a imprensa carioca até o fim
da vida, investindo na defesa e divulgação de seu pensamento
político. No ano de seu falecimento, escrevia, embora sem
regularidade, para os diários A Manhã e Jornal do Brasil.
Contrário ao liberalismo e ao marxismo, o intelectual rejeitava
a possibilidade do Brasil se deixar levar tanto pelos ventos fascistas,
oriundos da Alemanha e Itália, quanto pelo “bolchevismo russo”.
Propunha, na contramão, uma espécie de “quarta via” para o país:
somente um regime autoritário centralizador, inspirado no
corporativismo e liderado por um político como Getúlio Vargas,
poderia colocar o Brasil no rumo da industrialização, compreendida
como sinônimo de modernidade civilizacional e independência
econômica. Para tanto, defendia uma experiência democrática que
recusasse, simultaneamente, a falência política perpetrada pelos
liberais e a hipertrofia estatal característica dos “totalitarismos”
fascista e comunista.
361
Amaral, em suma, advogava a favor de uma “democracia
autoritária”, termo que soa como um oxímoro para nós, na
contemporaneidade, mas muito presente no discurso de diferentes
ideólogos estadonovistas. Esse novo modelo democrático,
defendido por diferentes intelectuais, como Azevedo Amaral, Almir
de Andrade e o ministro Francisco Campos, visava a superação da
“falsa dicotomia entre democracias (sempre entendidas como
liberais) e ditaduras, na medida em que se abria a possibilidade de
existir um Estado forte e democrático, através da revitalização do
sistema presidencialista de governo” (GOMES, 2005, p. 112).
Visitas ao pensamento político de Azevedo Amaral
Podemos situar a obra de Amaral em uma leva de produções dos
anos 1930 que intentavam diagnosticar os problemas nacionais e
apresentar soluções para as “causas do atraso” do Brasil. Esses
escritos estão circunscritos a um campo que convencionou-se chamar
de “estudos brasileiros”, integrado por intelectuais cujas obras
abraçavam áreas como literatura, história, geografia, etnografia,
sociologia, direito, arte, educação, folclore, música e teatro, por
exemplo. Tais estudos, como o nome indica, respondiam a
questionamentos fundamentais sobre o que era e, principalmente, o
que deveria ser o Brasil, buscando fundamentação no conhecimento
das “raízes” do processo de formação histórica do país, para uma
melhor orientação quanto ao traçado de diretrizes que permitissem
ultrapassar nossos “males” (GOMES, 2012, p. 186).
Parece-nos ter havido uma reserva por parte das produções
acadêmicas posteriores ao fim do Estado Novo no que concerne ao
estudo do pensamento de Amaral e de outros ideólogos autoritários.
Alguns pesquisadores, como veremos, só examinariam os escritos
362
de Amaral a partir da década de 19601, e uma efetiva “redescoberta”
de seu pensamento político só parece ter se concretizado após 1981,
centenário de nascimento do autor, quando O Estado autoritário e a
realidade nacional foi reeditado pela Universidade de Brasília (UnB) e
ganhou um prefácio de Bolívar Lamounier.
Os anos 1980, vale anotar, abrangem um período de
transformações no cenário sociopolítico brasileiro, comportando
desde a abertura gradual promovida pelos militares, no poder desde
o golpe de 1964, e movimentos de apelo democrático, como as
“Diretas Já”, à promulgação da Constituição de 1988. À luz desses
fatos, parece-nos plausível inferir que a saída gradativa de um
regime autoritário em direção a um retorno à democracia liberal
tenha favorecido a reflexão sobre as bases do autoritarismo no Brasil.
Guerreiro Ramos, em obra dos anos 1960, reservou algumas
páginas a Azevedo Amaral, introduzindo-o como um “daqueles que
mais se preocuparam com a nossa crise na década de trinta” e “de
todos os escritores desse período, o mais complexo e completo”
(RAMOS, 1961, p. 173). O sociólogo destaca a perspectiva de Amaral
de que a evolução da sociedade brasileira foi deturpada a partir da
vinda da corte portuguesa, em 1808, e que o Estado deveria retomar
seu sentido econômico, proeminente durante o século XVIII. Ramos
sublinha a aplicação dos saberes sociológicos nos escritos de Amaral
e o elogia pelo enfrentamento das questões prementes em seu
tempo2. Justifica ainda a falta de interesse acadêmico pelos escritos
de Amaral em virtude do seu conhecido alinhamento ao Estado
Novo, pontuando que sua ligação com o DIP e o teor de suas obras
renderam-lhe a fama de “régulo do regime”. O sociólogo pondera,
contudo, que Amaral adotou um posicionamento condizente com o
que expunha em seus livros, além de ter oferecido um diagnóstico
Possivelmente a exceção é a obra de Nelson Werneck Sodré, Orientações do
Pensamento Brasileiro, a qual contempla o pensamento de Amaral. O livro, todavia,
foi publicado em 1942, ainda durante o Estado Novo.
2 Nas palavras de Ramos, “Oliveira Viana mesmo não alcança a profundidade dos
estudos de Azevedo Amaral, nem a sua segurança intelectual na aplicação ao
estudo do Brasil do saber sociológico” (RAMOS, 1961, p. 178).
1
363
preciso no que tange ao Estado Novo ter inaugurado um período
positivo da economia brasileira, com predomínio dos interesses
nacionais por meio do intervencionismo econômico estatal.
A demanda por um olhar mais amplo e sistematizado sobre o
pensamento de Amaral seria suprida alguns anos depois pelo
trabalho de Aspásia Camargo (CAMARGO, 1967). Cabe destacar
que a pesquisadora, a exemplo de Ramos, reconhece no pensamento
político de Amaral a antecipação de questões que só se tornariam
presentes, no debate acadêmico brasileiro, muitos anos após sua
morte, como os aspectos que caracterizavam a condição de
subdesenvolvimento do Brasil.
Nos anos 70, Jarbas Medeiros examinou os textos publicados
por Amaral na revista Cultura Política no início da década de 40,
ultrapassando a fronteira dos livros. O pesquisador sublinha o
caráter antiliberal dos escritos do intelectual e sua defesa de que a
noção de democracia havia sido sequestrada pelos dogmas liberais
(MEDEIROS, 1975, p. 31). Medeiros destaca, ainda, dois aspectos do
pensamento de Amaral: a perspectiva de que uma “comédia liberaldemocrática” teria engendrado noções deturpadas de igualdade na
sociedade brasileira, o que seria corrigido pelo regime
estadonovista; e a necessidade de industrializar o país, o que se
consubstanciava com a promoção de um ideal moderno de
civilização. O pesquisador sustenta que a retórica de Amaral é
marcadamente nacionalista e elitista, característica que
compartilhava com alguns de seus contemporâneos, como Oliveira
Viana, e predecessores, como Alberto Torres. O projeto de
industrialização de Amaral, explica Medeiros, estava relacionado à
demanda de que os trabalhadores nas cidades desfrutassem de
melhores condições de vida e se engajassem na atividade das
corporações – ou seja, sindicatos, conselhos técnicos e órgãos de
controle (MEDEIROS, 1975, p. 32-42).
Na década de 1980, encontramos algumas contribuições de
vulto. Em Estado Novo: ideologia e poder, Lucia Lippi de Oliveira se
debruça sobre o pensamento político de Azevedo Amaral ao longo
364
de um capítulo, sintetizando-o como “uma combinação de
preocupação científica, de interpretação evolucionista, de racismo e
elitismo”, a qual lança mão de metáforas biológicas a fim de aludir
a uma enfermidade que impede a sociedade brasileira de caminhar
em direção ao progresso natural (OLIVEIRA, 1982, p. 49). A despeito
dessa retórica evolucionista assimilada pelo intelectual, segundo a
autora, há uma particularidade que a difere: a proeminência da
questão econômica e a defesa da intervenção direta do homem no
rumo ao progresso que, embora seja concebido como natural,
poderia ter seu ritmo acelerado ou avagarado. A socióloga postula
que os anos residindo na Inglaterra devem ter influído
decisivamente na proposta industrializante concebida por Amaral,
de modo que ele “não se mantém saudoso do país agrário, nem
mesmo se ocupa em modernizar o campo, já que não será por esta
via que o Brasil haverá de alcançar a forma superior da civilização”
(OLIVEIRA, 1982, p. 49).
No prefácio ao livro de Amaral reeditado em 1981, Bolívar
Lamounier sublinha que o escritor enxergava na via
permanentemente autoritária um caminho condizente com a
formação sociopolítica do Brasil, que seria hostil desde suas origens
às ideais liberais. Para Lamounier, Amaral foi “um dos mais
articulados expositores de um determinado diagnóstico a respeito
da formação histórica brasileira. E também um dos mais argutos
analistas da conjuntura dos anos trinta” (LAMOUNIER, 1981, p. 6).
José Murilo de Carvalho, por sua vez, ao esquadrinhar o
pensamento de Oliveira Viana em um artigo, comparou-o
diretamente com Azevedo Amaral: embora compartilhasse com o
primeiro algumas características basilares – como a opção por uma
saída autoritária em molde corporativista –, Amaral defendia
ideias que visavam a implementação de um tipo de “engenharia
social” capaz de promover o capitalismo industrial na sociedade
brasileira. Desse modo, o corporativismo da proposta de Amaral
seria menos uma resolução da questão da representatividade
política, e muito mais um método da organização econômica
365
hierarquizada viabilizadora da modernização econômica do país
(CARVALHO, 1991, p. 95).
Nesse sentido, Maria Izabel Braga Weber Vanderlei se
debruçou sobre os principais trabalhos que inspiraram a construção
do pensamento político de Azevedo Amaral, de Herbert Spencer a
Auguste Comte, intentando demonstrar como o intelectual se valeu,
em especial, de conhecimentos provenientes das Ciências da
Natureza, os quais acabaram incorporados pelas Ciências Sociais
nas primeiras décadas do século XX. A pesquisadora argumenta que
o evolucionismo organicista de Amaral, ao contrário do que
defendiam pensadores dos séculos XVIII e XIX, admitia a existência
de interferências do homem, que poderia impactar o caminho para
o progresso. Ressalta, dessa forma, que, na ótica de Amaral, “a
democracia não é igual para todos, mas o que a faz universal (...) é a
sua finalidade – o bem comum ou, em outras palavras, o progresso
econômico da coletividade” (VANDERLEI, 2000, p. 41).
A exemplo de Oliveira, Vanderlei sustenta que o intelectual
transportava uma lógica própria das ciências naturais para os
estudos sociológicos, o que guardava proximidade, por exemplo,
com as teses eugênicas em voga à época. Não é fortuito, portanto,
que Amaral tenha participado ativamente do I Congresso Brasileiro
de Eugenia de 1929, ocasião na qual apresentou uma tese intitulada
“O problema eugênico da imigração”. Um dos argumentos centrais
do trabalho antecipa uma posição que viria a ser reafirmada por ele
em O Estado autoritário... e em Diretrizes anos mais tarde, isto é, a
necessidade de branqueamento do povo brasileiro, marcado pela
presença de uma mestiçagem degenerada, por meio da execução de
uma política imigratória que vedasse a entrada de “não brancos”3.
A defesa reiterada do autoritarismo associado a uma proposta
de verve industrializante e nacionalista constitui, na leitura de
Angela de Castro Gomes, uma originalidade de Amaral na medida
Vanderlei afirma também que o trabalho defendido por Azevedo Amaral serviu
como base para a composição das diretrizes da Comissão Central de Eugenismo na
ocasião de sua criação, em 1931.
3
366
em que nenhum dos seus contemporâneos se dedicou tão
vigorosamente a discussão desta questão a partir da análise de
fatores econômicos, visando essencialmente a superação das “razões
do atraso”. Em A invenção do trabalhismo, Gomes examina as
colaborações de Amaral para Cultura Política e explica como o
autoritarismo defendido pelo intelectual comporta, sem prejuízos
para a coerência de seu pensamento, a construção de uma
democracia que privilegie direitos sociais em detrimento dos
políticos. A partir deste raciocínio, era formulada a ideia de
“democracia autoritária”, a qual
propunha a prevalência do princípio da autoridade, não como um
obstáculo à liberdade individual, mas como o único meio legítimo de
sua realização. Devia haver uma sincronia perfeita entre os ideais da
coletividade nacional e o espaço de movimentação individual. O
conceito de liberdade subsistia, associado à dimensão dos direitos
civis individuais, mas apenas como uma categoria capaz de integrar
os ideais de realização do interesse coletivo, sob os auspícios de uma
autoridade ordenadora da sociedade. (GOMES, 2005, p. 203-204)
O autoritarismo democrático de Amaral almejava, segundo
Gomes, a superação da “falsa dicotomia entre democracias (sempre
entendidas como liberais) e ditaduras, na medida em que se abria a
possibilidade de existir um Estado forte e democrático, através da
revitalização do sistema presidencialista de governo” (GOMES, 2005,
p. 112). A historiadora ocupar-se-ia da discussão sobre o
corporativismo associado à democracia autoritária também em
trabalhos posteriores. Ela sustenta que as ideias de Azevedo Amaral
apresentam inspiração nas proposições do pensador romeno Mihail
Manoilescu, em particular nas exposições presentes em O Século do
Corporativismo4. O escritor brasileiro teria encontrado neste livro
Gomes assinala que, possivelmente, O Estado autoritário... foi escrito antes do golpe
do Estado Novo e de modo concomitante à tradução de O Século do corporativismo
por Azevedo Amaral, tendo em vista as datas dos prefácios assinados pelo
intelectual brasileiro nas obras.
4
367
“sólidos argumentos analíticos para defender sua proposta”,
sobretudo na formulação da chamada “teoria dos câmbios
internacionais” (ou “trocas desiguais”) (GOMES, 2012, p. 194).
Amaral, contudo, condena as relações observadas entre o fascismo e
o modelo corporativista na Itália. Ele acreditava que a proposta
corporativista fora desvirtuada pelo Duce e seus partidários,
transformando as corporações em mero aparato burocrático de um
Estado já hipertrofiado, de modo a não permitir, portanto, a
realização dos objetivos principais do modelo, a saber: a organização
pacífica da sociedade e a representatividade popular.
Atualmente, o pensamento de Amaral continua despertando
o interesse dos pesquisadores5. Maria Fernanda Lombardi
Fernandes, por exemplo, examinou a revista Novas Diretrizes,
fundada por Amaral após a saída conturbada de Diretrizes. Na
publicação, o intelectual tratava de tópicos variados a partir de
uma tônica que preconizava a promoção do regime estadonovista
e o debate das estratégias a serem adotadas em face dos desafios
nacionais e internacionais – uma postura editorial, portanto,
bastante próxima daquela que vislumbrara originalmente para o
mensário criado com Wainer.
Fernandes comparou, ainda, a contribuição de Amaral para o
Almanack Israelita de 1937, intitulada “A questão judaica no Brasil”,
com os editoriais de Novas Diretrizes a fim de demonstrar como o
pensador promoveu um giro de 180 graus em suas posições no que
concerne ao antissemitismo, passando a atribuir a culpa pela guerra
aos judeus, e responsabilizá-los pela aliança das potências ocidentais
com a União Soviética. “Não são poucos os editoriais de Novas
Vale destacar a tese de Tamyres Ravache Alves de Marco a qual, em linhas gerais,
sustenta que Azevedo Amaral, a partir de suas considerações em defesa de um
desenvolvimento econômico nacional planejado, pode ser considerado um dos
teóricos pioneiros daquilo que viria a ser chamado de desenvolvimentismo. Outro
trabalho que merece atenção é o artigo de Guilherme Fernandes Reis das Chagas, o
qual se debruça sobre as contribuições de Amaral para a revista distribuída pela
Light & Power entre seus funcionários. As referências completas de ambas as obras
estão no fim deste artigo.
5
368
Diretrizes que trazem críticas tanto aos ‘judeus capitalistas’ quanto aos
‘judeus comunistas’”, explica (FERNANDES, 2015, p. 40). Além de
ostentar um fervoroso antissemitismo na nova revista, o jornalista
discorria sobre outros tópicos, como a organização, consolidação e
funcionamento do Estado Novo; a necessidade de manutenção de
uma postura de neutralidade do Brasil diante da guerra; o perigo de
infiltração de comunistas no território nacional; e a crise da
democracia liberal nas nações ocidentais (FERNANDES, 2018, p. 54).
Em suma, o cerne do pensamento político de Amaral, explica
Fernandes, era rotineiramente exposto nos editoriais do periódico, de
modo que os textos do intelectual em Novas Diretrizes ecoavam
teses e bandeiras que iam além da defesa do Estado autoritário: o
industrialismo como saída para o desenvolvimento do Brasil, a ênfase
na necessidade da educação do povo e da elite, a retomada do modelo
de “Estado econômico” para o Brasil, a defesa de uma política de
“neutralidade” frente ao conflito internacional que, num primeiro
momento, se avizinhava e, posteriormente, foi deflagrado
(FERNANDES, 2018, p. 59).
Todos esses temas abordados pelo jornalista na publicação, vale
ressaltar, guardam semelhanças com aqueles sobre os quais já se
debruçava em suas colaborações para Diretrizes. Em virtude dos limites
deste trabalho, todavia, não poderemos avançar aqui sobre este tópico.
Considerações finais
Azevedo Amaral foi um profícuo autor de estudos sobre a
sociedade brasileira, os quais apresentavam diagnósticos e
propunham prognósticos para o atraso econômico e cultural do
Brasil. Muitos de seus textos para a imprensa, contudo, ainda
carecem de estudos mais aprofundados. No que diz respeito às suas
colaborações para Diretrizes, um primeiro esforço foi empreendido
por Joëlle Rouchou (ROUCHOU, 2015). Parece-nos, todavia, que a
continuidade do exame das seções fixas assinadas por Amaral nesse
369
periódico pode revelar as estratégias empreendidas pelo intelectual
para comunicar suas ideias nas páginas de uma revista que, apesar
de não se dirigir a um amplo e diversificado público atingia um
número de leitores muito maior do que seus livros.
Essa é uma das contribuições que almejamos oferecer por meio
da nossa pesquisa de doutorado em curso. Nosso trabalho, nesse
sentido, contempla o estudo da articulação que Azevedo Amaral
estabelece entre a solução autoritária e noções como democracia,
corporativismo, industrialização, nacionalismo e personalismo nas
páginas de Diretrizes. Em linhas bastante gerais, ao entendermos a
atuação de Amaral como um intelectual mediador, intentamos levar
a cabo uma análise que se volta para sua ação como diretor/editor
do periódico e também como autor de matérias voltadas para o
grande público. A partir dessa perspectiva, tentaremos apreender
não apenas o exercício intelectual levado a cabo por Azevedo
Amaral ao examinar suas colaborações para Diretrizes, mas também
as narrativas editorialmente construídas nas sete edições pelas quais
foi, ao menos formalmente, responsável.
Referências
CAMARGO, Aspásia B. A. A teoria política de Azevedo Amaral.
Revista Dados, Rio de Janeiro, n. 2/3, p. 195-224, 1967.
CARVALHO, José Murilo de. A utopia de Oliveira Viana. Estudos
Históricos, Rio de Janeiro, vol. 4, n. 7, p. 82-99, 1991.
CHAGAS, Guilherme Fernandes Reis das. O corporativismo na
construção do discurso da Revista Light (1928-1940). Revista
Cantareira, Niterói, n. 34, p. 387-405, jun. 2021.
DE MARCO, Tamyres Ravache. Origens do Desenvolvimentismo no
pensamento político brasileiro – Azevedo Amaral, um
desenvolvimentista das origens. 2020. Tese (Doutorado em Ciência
Política), Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2020.
370