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Boletim 100 N02 2023

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Direitos autorais
© © All Rights Reserved
Levamos muito a sério os direitos de conteúdo. Se você suspeita que este conteúdo é seu, reivindique-o aqui.
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REVISTA BOLETIM OBSERVATÓRIO DA DIVERSIDADE CULTURAL . V.100 . N.02.

2023

BOLETIM
REVISTA

OBSERVATÓRIO DA DIVERSIDADE CULTURAL

POLÍTICAS CULTURAIS
NO BRASIL ATUAL:
RECONSTRUÇÃO, INTERFACES E
PARTICIPAÇÃO SOCIAL
V. 100, N. 02.2023
Agosto - Dezembro/2023
ISSN 2526-7442

V.100
• Artigos

• Entrevista

• Resenha 1
REVISTA BOLETIM OBSERVATÓRIO DA DIVERSIDADE CULTURAL . V.100 . N.02.2023

Rick Rodrigues
Desaguar
Série “Água mole em pedra dura tanto bate até que fura”
Bordado sobre tecido voil e pedras de rio recolhida no Rio Piraquê-Açu
João Neiva, ES, 2021
2
Foto: Junior Luis Paulo
REVISTA BOLETIM OBSERVATÓRIO DA DIVERSIDADE CULTURAL . V.100 . N.02.2023

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REVISTA BOLETIM OBSERVATÓRIO DA DIVERSIDADE CULTURAL . V.100 . N.02.2023

EXPEDIENTE
O Boletim do Observatório da Diversidade Cultural (ODC) é uma
publicação periódica que difunde textos, artigos, entrevistas, relatos de
experiências, resenhas, reportagens e trabalhos artísticos (ilustrações,
gravuras, fotografias) relacionados à diversidade cultural em suas
diferentes perspectivas conceituais, metodológicas e estéticas, na
qual pesquisadores envolvidos com a temática refletem sobre sua
complexidade em suas variadas vertentes.

BOLETIM OBSERVATÓRIO Créditos das Imagens


DA DIVERSIDADE CULTURAL Adrianna eu
Adriano Machado
Equipe Editorial Anny Lemos
José Márcio Barros Fredone Fone
Ana Carolina de Lima Pinto Marcos Martins
Ana Paula do Val Marília Scarabello
Giselle Dupin Rick Rodrigues
Kátia Costa Serge Huot
Pedro Marques Vinicius SA
Priscila Valente Lolata
Sharine M. Melo Capa
Sílvia Maria Bahia Martins Vinícius SA
Lágrimas
Editoria de Arte Dimensões variadas
Ana Paula do Val Juiz de Fora, MG, 2013
Priscila Lolata Foto: Erivan Morais

Revisão
Ana Carolina de Lima Pinto
Giselle Dupin
Jocastra Holanda
Sharine M. Melo

Projeto Gráfico e Diagramação


Ana Carolina de Lima Pinto

Acompanhe o ODC
observatoriodadiversidade.org.br

4
REVISTA BOLETIM OBSERVATÓRIO DA DIVERSIDADE CULTURAL . V.100 . N.02.2023

CA: 2018.13609.0056

Patrocínio

Parceiros

Correalização

Realização

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Anny Lemos
Reflexões sobre vestígios
Série “Vestígios”
Acrílica sobre tela, 60 x 80 cm
São Carlos, SP, 2019
6
Foto: Lucas Ruiz
REVISTA BOLETIM OBSERVATÓRIO DA DIVERSIDADE CULTURAL . V.100 . N.02.2023

SUMÁRIO

10 EDITORIAL

13 POLÍTICAS CULTURAIS EM CONJUNTURA PARADOXAL


Antonio Albino Canelas Rubim

24 DESAFIOS INSTITUCIONAIS E PARTICIPAÇÃO SOCIAL


Entrevista com Eliane Parreiras

35 RESENHA: POLÍTICA CULTURAL; FUNDAMENTOS


Bernardo Mata-Machado

41 15 MIL PONTOS DE CULTURA, E AGORA?


OS DESAFIOS DA RECONSTRUÇÃO DO BRASIL DE BAIXO
PARA CIMA
Luana Vilutis

54 POLÍTICAS CULTURAIS NO BRASIL: DO GOLPE À PAULO


GUSTAVO
Kátia Maria de Souza Costa e Silvia Maria Bahia Martins

70 INFRAESTRUTURA CULTURAL DO BRASIL: PASSADO,


PRESENTE E FUTURO
Plínio Rattes

95 OS AVANÇOS LEGAIS NA FACILITAÇÃO DOS PROCESSOS


ENVOLVIDOS NO FOMENTO À CULTURA E OS DESAFIOS
ENVOLVIDOS EM SUA EFETIVA IMPLANTAÇÃO
Poli Brasil

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REVISTA BOLETIM OBSERVATÓRIO DA DIVERSIDADE CULTURAL . V.100 . N.02.2023

109 CULTURA:
REFLEXOS ECONÔMICOS NA CADEIA PRODUTIVA DA
UMA ANÁLISE REPLICÁVEL PARA OUTROS
MUNICÍPIOS A PARTIR DOS RESULTADOS DO PROJETO
CULTURA E ECONOMIA PARA JACAREÍ
Wiliam Retamiro e Jade Gama Diniz

127 POLÍTICAS CULTURAIS COM AS PERIFERIAS: ESCUTA ATENTA,


PRESENÇA E MUDANÇA DOS PARADIGMAS DE CULTURA
Bruna Hercog e Natureza França

139 O CEARÁ EM ESTADO DE CONFERÊNCIA: PARTICIPAÇÃO


SOCIAL E AS CONFERÊNCIAS DE CULTURA
Leandro Silva, Renata Melo e Thiago Rodrigues

152 A III CONFERÊNCIA INTERMUNICIPAL DA CULTURA DE TOLEDO


(PR): DIÁLOGOS EM REDE E DESAFIOS NA IMPLEMENTAÇÃO
DOS MARCOS LEGAIS
Juan Ignacio Brizuela, Marcela Cristina Bettega e Tatyane
Cristina Mendonça Ravedutti

164 SOBRE A COORDENAÇÃO DO EDITORIAL E


EDITORIA DE ARTE

168 SOBRE O OBSERVATÓRIO DA DIVERSIDADE CULTURAL

171 APRESENTAÇÃO DOS ARTISTAS E AUTORES

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REVISTA BOLETIM OBSERVATÓRIO DA DIVERSIDADE CULTURAL . V.100 . N.02.2023

Marília Scarabello
Verdade-ficção
Cubo mágico 6x6, adesivos em vinil e esmalte
Jundiaí, SP, 2022
Foto: Marília Scarabello 9
REVISTA BOLETIM OBSERVATÓRIO DA DIVERSIDADE CULTURAL . V.100 . N.02.2023

EDITORIAL
A Revista Boletim do Observatório da Diversidade Cultural chega à
sua 100ª edição. Além da alegria que essa marca traz, nos propusemos
a divulgar a produção reflexiva de pesquisadores e pesquisadoras de
diferentes regiões do Brasil sobre como as políticas culturais, após os
anos de desmonte entre 2016 e 2022, estão sendo retomadas e podem
participar da reconstrução e do fortalecimento da democracia no Brasil.
Em janeiro de 2023, o Ministério da Cultura (MinC) voltou a ter
relevância política no Governo Federal brasileiro. A pasta foi reformulada,
passando a ser composta pelas Secretarias de “Direitos Autorais e
Intelectuais”, “Economia Criativa e Fomento Cultural”, “Formação, Livro e
Leitura”, “Audiovisual”, “Comitês de Cultura” e “Cidadania e Diversidade
Cultural”. Grande parte das ações do recriado Ministério está voltada
à implementação e à execução das Leis Paulo Gustavo e Aldir Blanc II,
ambas formuladas com intensa participação da sociedade civil. Mas além
disso, uma extensa e complexa pauta de ações voltadas ao fomento, à
participação social e à diversidade está em andamento. Todas essas
ações envolvem a organização de conselhos, comitês e outras instâncias
de participação e atualizam os debates sobre a representatividade e a
efetividade do envolvimento social nas decisões políticas e institucionais.
Para essa edição, reunimos um conjunto de onze textos que analisam
diferentes realidades e dimensões das políticas culturais na atualidade
em nosso país. Os desafios, os paradoxos e as experiências, na forma
de reflexões, relatos de experiências, entrevista e resenha, trazem uma
contribuição efetiva para a reconstrução das práticas democráticas no
Brasil. Questões como a democracia, a participação social, a recriação
e a reconstrução do Ministério da Cultura, as alterações nas políticas de
fomento e financiamento, além das práticas solidárias e emancipatórias
protagonizadas por setores e grupos sociais, estão presentes neste número.
Apresentamos também trabalhos de artistas que, de forma sensível,
diversa e a partir de diferentes técnicas, dialogam com o nosso fazer
cultural e nossas políticas culturais.

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REVISTA BOLETIM OBSERVATÓRIO DA DIVERSIDADE CULTURAL . V.100 . N.02.2023

Nossa proposta é ir além das análises críticas sobre o desmonte


operado no período de 2016 a 2022, reconhecendo agora as práticas de
resistência e resiliência, mas também desenvolvendo um olhar sobre as
mudanças já em curso direcionadas ao fortalecimento da democracia e
ao enfrentamento da histórica desigualdade na sociedade brasileira.
Obrigado aos autores e autoras.

Boa leitura!

Equipe Editorial

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REVISTA BOLETIM OBSERVATÓRIO DA DIVERSIDADE CULTURAL . V.100 . N.02.2023

Adriana eu
O nó em nós
Antigas peneiras de chá, de prata e fios de prata
São Paulo, SP, 2022
Foto: Adriana eu 12
REVISTA BOLETIM OBSERVATÓRIO DA DIVERSIDADE CULTURAL . V.100 . N.02.2023

POLÍTICAS CULTURAIS EM CONJUNTURA


PARADOXAL
Antonio Albino Canelas Rubim1

RESUMO

Analisar os dilemas e desafios das políticas culturais na atual conjuntura


brasileira, que conjuga, de modo singular e paradoxal, no campo da cultura,
orçamentos robustos e acentuada desconstrução institucional, derivada
dos tempos sombrios vivenciados pelo Brasil, conforma os horizontes do
texto. Ele busca apontar demandas atuais para novas políticas culturais.

O cenário político-cultural encontrado pelo governo Lula foi deveras


paradoxal. Institucionalidade, pessoal e clima culturais em frangalhos.
Maiores orçamentos já conquistados na história do campo cultural. Em
suma, situação paradoxal. A carência já não era a de sempre: escassez de
recursos. Em seu lugar, desafiante contraste entre orçamentos robustos e
imensa debilidade institucional.
A confluência perversa, para lembrar a perspicaz noção de Evelina
Dagnino (2005), remete a outra: a conjunção, também perversa, pandemia
e pandemônio. Como procedimento político acionado pela gestão Messias
Bolsonaro (Rubim, 2022), o pandemônio, além do genocídio na saúde
com mais de 700 mil mortes, atingiu toda sociedade brasileira: inflação,
desemprego e crise na economia; aumento das desigualdades de todo tipo
e retorno do flagelo da fome; desastres no meio-ambiente; perseguições e
orçamentos reduzidos na educação, universidades e ciências; isolamento
internacional; autoritarismo; violência; corrupção na política, via orçamento
secreto e outras artimanhas; guerra cultural e investidas constantes contra
as liberdades.
A guerra cultural combateu culturas democráticas e emancipatórias,
sintetizadas no termo “marxismo cultural” (Costa, 2020 e Tavares, 2021).
1 Pesquisador do CNPq e do Centro de Estudos Multidisciplinares em Cultura (CULT). Professor do Programa
Multidisciplinar de Pós-Graduação em Cultura e Sociedade (Pós-Cultura) da Universidade Federal da Bahia (UFBA). E-mail:
albino.rubim@gmail.com

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Buscou suprimir a diversidade cultural pela censura, asfixiou orçamentos,


transformou adversários em inimigos para liquidar, produziu fake news
e pretendeu impor monoculturas autoritárias, fundamentalismos,
negacionismos, terraplanismos etc (Rubim, 2020), repletas de ódio (Mello,
2020 e Rocha, 2021).
Diferente da disputa plural de valores inerente à vida democrática,
a guerra cultural bolsonarista tornou inimiga a maioria do campo cultural.
As violências simbólicas e físicas produziram medo e resistências, de início
pontuais e depois amplas, conforme a bibliografia já existente indicada no
texto. A exclusão dos fazedores de cultura da lei emergencial de amparo
na pandemia levou o campo a lutar por uma lei específica, a Aldir Blanc. A
surpreendente vitória pavimentou possibilidades: a lei emergencial Paulo
Gustavo e a Lei Aldir Blanc II, de caráter não emergencial, com cinco anos
de vigência.
O movimento conquistou vitórias improváveis na gestão bolsonarista,
uma vez que foram conquistas excepcionais em contexto antidemocrático.
Apesar da adversidade, os agentes culturais, fragilizados pela conjunção
entre pandemia e pandemônio, conseguiram se articular, mobilizar, lutar,
sensibilizar o parlamento nacional e obter as expressivas vitórias. Nada
fácil explicar como foram possíveis três vitórias, inclusive com votações
quase unânimes na Câmara dos Deputados e no Senado Federal, as quais
isolaram os bolsonaristas mais convictos e depois conseguiram reverter o
veto presidencial.
A peculiar conjuntura político-cultural impõe hoje novos desafios. Não
basta atualizar as criativas políticas culturais desenvolvidas entre 2003-2016.
Novos problemas estão agendados e inovadoras formulações e práticas
são exigidas, afinal, o mundo e o Brasil não são mais os mesmos. Eles são
outros, após o aumento neoliberal das desigualdades, a emergência de
forças fundamentalistas neofascistas e a experiência traumática da gestão
Messias Bolsonaro.

Dilemas e desafios

A paradoxal conjuntura inova não só pela presença de leis e


orçamentos. Ela traz para a cena atual um conjunto de novidades, a serem
observadas, interpretadas e acolhidas como eixos inspiradores para a

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atualização de políticas culturais sintonizadas com as circunstâncias de


2023.
As vitórias, além de conquistarem grandes recursos para a cultura,
mobilizaram e organizaram o campo cultural, bem como colocaram em
cena o federalismo cultural, mesmo que transfigurado pela contraposição
a uma gestão adversária da cultura e sua guerra cultural. O meio cultural
desconfiou da gestão nacional no uso dos recursos e na sua disposição de
desenvolver manifestações culturais criativas e livres.
As leis culturais nascem no federalismo cultural capenga, conjugando
recursos federais com apagamento deliberado da atuação da União. O
Brasil é uma federação longínqua. Ela sempre se exerceu de modo raquítico.
No campo da cultura quase inexistia. O Sistema Nacional de Cultura
(SNC), ainda que em seu início carecesse de uma visão federalista mais
consistente (Rocha, 2019), desencadeou o processo. Nas discussões de sua
implantação, o tema se tornou consciente. As paralisias que o SNC sofreu,
tanto no período democrático, quanto nos tempos sombrios, dificultaram a
disseminação ampla do federalismo cultural, inclusive porque orçamentos
inviabilizaram a relação fundo a fundo, condição para seu desenvolvimento.
Hoje cabe reconstruir o federalismo cultural, no qual União, estados,
Distrito Federal e municípios atuem de modo colaborativo, definam
responsabilidades, evitem qualquer retração cultural e, ao contrário,
estimulem os entes a um efetivo federalismo cultural, até hoje inexistente
no Brasil.
O exercício consistente do federalismo cultural coloca em cena os
territórios, imaginados como geográfico-culturais. Território é cultura. A
territorialização da cultura e das políticas culturais emerge como demanda
contemporânea, alicerçada em experiências vigorosas acontecidas no
país, em estados e em municípios, mesmo nos tempos sombrios.
O federalismo e a territorialização acolhem a diversidade cultural,
tão maltratada durante as gestões pós-golpe de 2016, quando se buscou
seu silenciamento. Ela se tornou condição para a construção de um Brasil
distante do supremacismo masculino branco-ocidental, entronizado como
dono do poder social, econômico, político e cultural. Ela é fundamental
para constituir uma nação tecida por muitas e diversas gentes, etnias,
sexos e culturas, sempre oprimidos e invisibilizados em sua história. O
reconhecimento legítimo da diversidade cultural, que compõe o país, se

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mostra como alicerce para a democracia brasileira ampliada. Ela aponta


para as diversas culturas brasileiras, que fazem nossa complexidade
e singularidade. A combinação entre a superação das profundas
desigualdades sociais e o reconhecimento da diversidade sociocultural
floresce como condição indispensável para a democracia no Brasil.
Nem tudo são flores. A diversidade cultural traz riscos potenciais.
Um deles: fixar guetos culturais pretensamente autossuficientes, criando
um perigoso mundo de isolamento e “verdades”. Daí a necessidade de
combinar as políticas públicas de culturas com diálogos interculturais,
afinal o desenvolvimento cultural implica intercâmbios e trocas. Sem eles, as
culturas tendem a arrogância e intolerância. Todas as culturas são, a rigor,
impuras, pois dialogam em sua dinâmica viva com outras culturas. Por óbvio,
que o diálogo nem sempre é harmônico, mas contém instantes de conflito,
tratados como legítimos e resolvidos com mais democracia. Dificuldades
e riscos não podem interditar a constatação de que a diversidade cultural
e os diálogos interculturais são premissas da democracia ampliada hoje
no Brasil.
A necessidade de dar alguma centralidade à cultura, superando sua
constante posição secundária, traz para a agenda atual a demanda de
confecção de políticas culturais transversais com esferas afins as mais
distintas. A tarefa é facilitada pela transversalidade imanente da própria
cultura. Ou seja, a cultura perpassa ambientes e fluxos da sociedade.
Sem políticas transversais a cultura se isola. Victor Vich (2014) propõe
“desculturalizar a cultura”. Assim, a simbiose da cultura com áreas sociais e
governamentais pode inserir a cultura no projeto de sociedade pretendido,
dando a ela centralidade. O processo comporta riscos, quando a cultura
se submete a outras políticas públicas, sem considerar adequadamente
às dinâmicas inerentes à cultura.

Recursos: ganhos e perigos

Com a Lei Aldir Blanc I já implementada no ano passado, as leis


Paulo Gustavo e Aldir Blanc II devem ser implantadas em 2023 de maneira
satisfatória, sem problemas que afetem a boa execução, inclusive
orçamentária, pois o tratamento ineficiente dos recursos pode ser utilizado
contra o campo cultural, afetando a sua necessidade, presente e futura, de
orçamentos adequados.
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As potencialidades inscritas nas leis, como sua afinidade com as


temáticas assinaladas, não se realizam de modo automático, mesmo
com funcionamento eficiente. Caso tais processos se limitem à execução
financeira, por mais que elas sejam fundamentais, nada garante que as
demandas democráticos, de preservação e promoção da diversidade
cultural, de consolidação do federalismo e da territorialização da cultura, da
efetivação da transversalidade, da renovação do modelo de financiamento,
da mobilização da cultura e de fortalecimento da institucionalidade cultural
sejam automaticamente alcançados.
A atenção deve ser constante com virtuais perigos. A existência de
recursos vultosos vindos da União pode resultar na inibição de verbas
estaduais e municipais e não no estímulo para que tais entes federativos
atuem como reais participes de políticas federalistas. Desse modo,
federalismo e territorialização estariam em xeque, juntamente com a
democracia.
Outro risco nada desprezível: o volume de recursos levar ao
esquecimento da discussão do modelo de fomento e financiamento à
cultura no país. Muitos são os estudos que fazem críticas à supremacia
do incentivo fiscal no modelo vigente. Impossível elencá-las no texto.
Dentre as críticas, podem ser lembradas: uso quase exclusivo de recursos
públicos, poder de decisão de verbas públicas submetido às empresas,
alta concentração de recursos em determinadas áreas culturais, regiões,
projetos e “patrocinadores”. Tais críticas não têm afinidade com os ataques,
em geral infundados, dos bolsonaristas ao incentivo fiscal na cultura. A
democratização do modelo de apoio aparece como essencial para a
democracia cultural no Brasil.
Os desafios são complexos. Um deles, talvez central, é a combinação
virtuosa da execução orçamentária otimizada das leis e sua associação
aos temas antes assinalados, por meio de políticas culturais inventivas,
que teçam articulações. Ou seja, de políticas comprometidas com o
aprimoramento da democracia, da diversidade, do federalismo cultural,
da territorialização, da transversalidade, da revisão do financiamento e da
organização do campo cultural.
Sem tais conexões para acionar as potencialidades, a janela de
oportunidades aberta pode se perder. Sem os avanços necessários, a
situação tende a se deteriorar e corroer mesmo os resultados financeiros

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conseguidos. O campo cultural e o Ministério de Cultura devem estar


atentos aos momentos presentes e seus cruciais desafios. Para além da
mera visão financeira das leis, o que está em jogo é a capacidade de
associar, em plenitude, a implantação e execução das leis com horizontes
vitais das políticas culturais demandadas pela atualidade brasileira. Sem
elas, os impasses democráticos da sociedade e das culturas brasileiras
não serão enfrentados e equacionados.
De imediato, cabe superar a ilusória ideia da neutralidade das
gestões e políticas culturais, que de maneira sub-reptícia invade mesmo
posições democráticas. Muitas vezes, gestões e políticas culturais são
reduzidas a meras ações de apoio e financiamento, cabendo ao estado tão
somente prover e repassar verbas aos fazedores, coletivos, comunidades,
movimentos, instituições e empresas para eles produzirem cultura. A gestão
bancária, para lembrar a sagaz noção de Paulo Freire, tenta esconder o
óbvio: toda gestão toma decisões e faz política, assuma ou não.
Um edital, para tomar um formato hoje muito utilizado, aparentemente
neutro e institucional, implica em opções: escolha de áreas contempladas,
definição de requisitos para participação, delimitação de critérios de
avaliação, determinação das comissões de seleção e inúmeras outras
deliberações, como demonstra Sofia Mettenheim (2023). Enfim, gestões
e políticas culturais não são neutras, nem apenas formalistas, como
pretendem alguns estudiosos ou gestores.

Traduzir leis em políticas

Um dos grandes desafios de qualquer gestão cultural qualificada é


traduzir políticas culturais, quase sempre formuladas em termos abstratos
e genéricos, em programas, projetos, eventos, obras e leis com capacidade
de serem entendidas e dar concretude às políticas culturais. Assim, as
leis têm que ser assumidas sempre em atitude comprometida, para que
possam ser vetores de políticas culturais democráticas.
A questão, que emerge em toda sua complexidade, é como
vincular as leis conquistadas com demandas advindas da conjuntura
político-cultural, tais como: democracia, diversidade, federalismo,
territorialização, transversalidade, modelo de financiamento, mobilização e
institucionalidade culturais. A regulamentação das leis pode inscrever tais

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REVISTA BOLETIM OBSERVATÓRIO DA DIVERSIDADE CULTURAL . V.100 . N.02.2023

fatores como intrínsecos à realização efetiva delas, mas regulamentar não


basta. A questão não se reduz a termos legislativos.
Para além das leis e regulamentações que já indicam caminhos
para políticas culturais, é imprescindível que os agentes culturais e o
Ministério da Cultura sejam capazes, no processo de sua implementação,
de promover mobilização político-cultural que desvele e enlace a cada
instante leis e políticas culturais. Sem a conexão cotidiana, as leis podem
ganhar autonomia, vida própria e serem reduzidas a simples instrumentos
financeiros para alimentar quaisquer culturas, mesmo aquelas autoritárias,
antidemocráticas, contrárias às agendas derivadas da conjuntura.
Os agentes culturais e o Ministério da Cultura precisam atuar afinados
com tais perspectivas para que todo potencial inscrito nas leis se transforme
em realidade. A refundação do Brasil e da cultura brasileira exigem
políticas culturais claras, sem ambiguidades, visando o aprimoramento
da democracia e da cultura. Enfim, políticas culturais transversais, que
dialoguem com todas as áreas afins e coloquem a cultura em posição da
maior centralidade do projeto nacional de desenvolvimento.
O apagamento de políticas culturais e sua pretensa neutralidade
retiraram de cena algumas das principais exigências da atualidade brasileira:
a disputa entre democracia e autoritarismo, vital nos tempos recentes e
atuais, e a disputa inerente à democracia, que implica no confronto de
concepções diferentes de democracia. Dentre elas, a visão restrita de
democracia, que a circunscreve ao estado/governo, e sua concepção
ampliada, que retém, além do estado/governo, a democratização da
sociedade e das relações sociais de poder como condição sine qua
non para a existência da democracia. A ausência de políticas culturais
democráticos, ao não disputar valores, reforça supremacismo, racismo,
machismo, homofobia, xenofobia e outras atitudes autoritárias, que põem
em xeque conquistas e a vitória eleitoral, que derrotou Messias Bolsonaro.
Cabe responder à exigência mais contundente imposta pela conjuntura
atual: o aprofundamento e a consolidação da democracia brasileira,
sempre muito frágil. Nessa perspectiva, tecer o enlace entre políticas
culturais e democracia se torna imprescindível. O que significa hoje colocar
a democracia no centro das políticas culturais? Algumas respostas podem
ser sugeridas. 1. A construção democrática das políticas culturais, porque
dialógica e participativa, através de conferências, conselhos, colegiados.

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2. A incorporação de temas essenciais para a democracia na atualidade,


tais como: diversidade cultural; federalismo cultural; territorialização da
cultura e das políticas culturais; transversalidade e modelo democrático de
financiamento. Eles são eixos de políticas culturais viscerais e democráticas
na conjuntura atual.
A conexão das políticas culturais com a democracia exige seu
engajamento com conteúdos de teor democrático, contra desigualdades,
opressões e privilégios presentes no Brasil e no mundo, em diálogo
transversal com áreas afins, visando a garantia da cidadania, inclusive
cultural; os direitos, dentre eles os culturais, e a democracia, assumida
também em sua dimensão cultural. Sem a democracia cultural, o projeto
da democracia ampliada no Brasil não se realiza.
Em suma, desenvolver as enormes vitórias obtidas pelo campo cultural
implica hoje em compreender que elas só podem ser expandidas por
meio da vinculação das políticas culturais com a consolidação da cultura
democrática no país. Ela configura uma das barreiras mais eficazes contra
o risco do retorno da barbárie, que continua a ameaçar a sociedade e a
cultura brasileiras e o mundo contemporâneo.

COMO CITAR ESSE ARTIGO


RUBIM, Antonio Albino Canelas. Políticas culturais em conjuntura paradoxal.
Revista Boletim do Observatório da Diversidade Cultural, Belo Horizonte,
v. 100, n. 2, 2023. Disponível em: https://observatoriodadiversidade.org.br/
boletins/ Acesso em: [data].

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REVISTA BOLETIM OBSERVATÓRIO DA DIVERSIDADE CULTURAL . V.100 . N.02.2023

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In: CASTRO, Jorge Abrahão de; POCHMANN, Márcio (org.). Brasil: Estado social
contra a barbárie. São Paulo, Fundação Perseu Abramo, 2020, p. 523-538.

VICH, Victor. Desculturalizar a cultura. La gestión cultural como forma de


acción política. Buenos Aires, Siglo XXI, 2014.

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REVISTA BOLETIM OBSERVATÓRIO DA DIVERSIDADE CULTURAL . V.100 . N.02.2023

Anny Lemos
A espera
Série “Amélias e outras manchas”
Acrílica sobre tela, 40 x 50 cm
São Carlos, SP, 2019
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Foto: Lucas Ruiz
REVISTA BOLETIM OBSERVATÓRIO DA DIVERSIDADE CULTURAL . V.100 . N.02.2023

DESAFIOS INSTITUCIONAIS E
PARTICIPAÇÃO SOCIAL
Entrevista com Eliane Parreiras1

O ano de 2023 tem sido apontado como um ano de reconstrução das


políticas culturais, você concorda com essa afirmação? O que você
destacaria como mais importante neste processo? De forma objetiva,
como você acredita que isso tem acontecido?

Eliane Parreiras: Vivemos um momento singular da Cultura no Brasil,


especialmente porque a Política Cultural entrou novamente na agenda
nacional, com passos importantes para sua institucionalização,
fortalecimento e abrangência.
Destacamos a recriação do Ministério da Cultura, como organização
institucional que acelera e intensifica a implementação de políticas
públicas em todo o território nacional. Destacamos a retomada ativa de
políticas nacionais de grande impacto para todos os entes federados, como
o Sistema Nacional de Cultura, as políticas do Cultura Viva, de fomento,
do livro, leitura e literatura, do audiovisual, PAC (Programa de Aceleração
do Crescimento) Céus da Cultura, entre outras. Ao mesmo tempo,
implementou uma nova geração de ações como a Lei Paulo Gustavo (LPG),
Política Nacional Aldir Blanc de Fomento à Cultura (PNAB) (a maior política
cultural do Brasil e com horizonte de 5 anos), além de iniciar processos de
uma política nacional para as artes e de fortalecimento da relação com os
entes federados, entre outras iniciativas.
Outro movimento importante e que se fortalece a cada dia é a
organização em rede e colaborativa dos estados e munícipios, protagonistas
da execução das políticas públicas. O Fórum Nacional de Secretários e
Gestores de Cultura das Capitais e Municípios Associados, o Fórum Nacional
de Secretários e Dirigentes Estaduais de Cultura, as redes estaduais
de gestores municipais e as entidades representativas municipalistas
1 Bacharel em Comunicação Social e Pós-graduada em Gestão Cultural pela PUC Minas. Secretária Municipal
de Cultura de Belo Horizonte (MG) e presidente do Fórum Nacional de Secretários e Gestores de Cultura das Capitais e
Municípios Associados.

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REVISTA BOLETIM OBSERVATÓRIO DA DIVERSIDADE CULTURAL . V.100 . N.02.2023

estão articulados, atuando de maneira integrada e ocupando um papel


estratégico para a elaboração, implementação e monitoramento das
políticas públicas nacionais e ampliando e incrementando suas políticas
locais, em um grande círculo virtuoso.
Após um período de extrema dificuldade com a pandemia e ausência
de políticas culturais nacionais estruturadas, o setor cultural também se
reergue, se organiza, amplia a participação social e recebe estímulos com
maior perenidade e estratégia, gerando uma profusão criativa e na gestão
cultural.
Políticas estruturadas, estratégia, recursos, gestores comprometidos,
capacidade de gestão, talento criativo e apoio social. Com esses elementos
juntos, acreditamos que a cultura entra em um movimento positivo, de
desenvolvimento integrado, democrático e legítimo.

O Sistema Nacional de Cultura (SNC), a despeito de estar inscrito na


nossa Constituição, ainda não é uma realidade efetiva. Como você avalia
o atual momento do SNC e o que proporia para sua efetiva implantação
e funcionamento?

Eliane Parreiras: O Sistema Nacional de Cultura (SNC), ainda que previsto


pelo Art. 216 da Constituição Federal desde 2012, não foi efetivamente
implementado. A Emenda Constitucional que institui o SNC explicita
sua finalidade de organizar a gestão pública de cultura em regime
colaborativo, sistêmico, descentralizado e participativo. O objetivo principal
é o desenvolvimento de políticas públicas de cultura democráticas e
permanentes, pactuadas entre os entes da Federação em suas instâncias e
a sociedade e que os entes federados organizem seus respectivos sistemas
de cultura. E não há a menor dúvida sobre a importância da definição
dos papéis de cada uma das três instâncias federativas, assim como da
estruturação dos sistemas de governança e institucionais da cultura.
O Projeto de Lei nº 9.474/2018, que regulamenta o SNC, segue sem
aprovação no Congresso Nacional. O Plano Nacional de Cultura permitiu
avançar conceitualmente de forma significativa com os princípios
e elementos estruturantes do Sistema, mas os principais desafios,
relacionados à estrutura e competência dos entes federados e, sobretudo,
à descontinuidade das políticas culturais, seguem presentes.

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REVISTA BOLETIM OBSERVATÓRIO DA DIVERSIDADE CULTURAL . V.100 . N.02.2023

Certamente, um dos maiores dificultadores da implementação


dos sistemas municipais e estaduais de cultura é a imensa diversidade
socioeconômica no território brasileiro, frente a um modelo homogêneo.
Além disso, ao se padronizar o Sistema em modelos prévios, enquadrar
as políticas e estabelecer regras padronizadas, políticas culturais locais
longevas muitas vezes são desconsideradas ou tem dificuldades de serem
compatibilizadas.
Ao mesmo tempo, vivemos um período, com as leis nacionais
emergenciais e de financiamento da cultura, de maior estímulo para
adesão e implementação dos sistemas de cultura locais, com a previsão
de repasse fundo a fundo. A regulamentação e execução da Lei Paulo
Gustavo (LPG), assim como a Política Nacional Aldir Blanc são importantes
marcos para a efetiva implementação do SNC no território, visto que a
adesão a essas leis estabelece a obrigatoriedade de o ente integrar o SNC.
Sendo assim, os 98% municípios brasileiros que aderiram à LPG deverão até
julho de 2024 instituir conselho, plano e fundo para a Cultura. E a mesma
exigência de implementação se aplica aos 5 anos de PNAB.
Destaco também a recriação do Ministério da Cultura, como órgão
gestor das políticas culturais nacionais, como fundamental para o
fortalecimento do SNC. A criação pelo MinC de estruturas institucionais
e instrumentos de diálogo, apoio e articulação também tem sido
fundamentais para a implementação do SNC nos diversos territórios.
Aliado a isso, destaco também a realização da 4ª Conferência Nacional de
Cultura, após 10 anos desde a última edição, fundamental para consolidar
as diretrizes e prioridades políticas para o campo cultural no próximo
período, de forma participativa e democrática.
Os fóruns e redes têm articulado diálogos e debates com o MinC no
sentido de se considerar a diversidade, tamanhos e níveis de maturidade
das gestões municipais, de modo a se encontrar, de maneira equilibrada,
adequações, gradações e escalonamentos para que todos os entes
possam participar democraticamente do SNC.
Entretanto, para a consolidação de políticas públicas de Estado
contínuas no âmbito da Cultura, é necessário ainda o fortalecimento
dos instrumentos e marcos legais da cultura, incluindo a normatização
da implementação dos sistemas estaduais e municipais de cultura; a
participação social, em suas diferentes esferas, institucionais ou não, para a

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REVISTA BOLETIM OBSERVATÓRIO DA DIVERSIDADE CULTURAL . V.100 . N.02.2023

democratização e legitimação das políticas culturais; e uma coordenação


articulada, intersetorial e transversal com os diferentes entes federados e
órgãos parceiros da implementação, além do aprimoramento contínuo
dos elementos estruturantes do Sistema Nacional de Cultura.

Ainda sobre o SNC, quais as principais questões a serem trabalhadas


pela União e os estados para vencer os desafios institucionais do SNC,
principalmente no que diz respeito aos municípios de menor porte,
considerando os 87,92% de municípios brasileiros com menos de 50 mil
habitantes?

Eliane Parreiras: A efetiva execução do Sistema Nacional de Cultura (SNC)


no Brasil, sobretudo em municípios de menor porte, traz consigo desafios
específicos que demandam uma colaboração estreita entre União,
estados e municípios. Considerando, a predominância de municípios com
população inferior a 50 mil habitantes no país, com profunda diversidade
socioeconômica, torna-se ainda mais crucial levar em conta as
especificidades e particularidades de cada território para a implementação
dos elementos estruturantes do Sistema Nacional de Cultura.
Nesse sentido, cabe à União ampliar a sensibilização junto aos
gestores locais, fortalecendo a assistência e a capacitação, a partir
dos conceitos e instrumentos globais que articulam o sistema em nível
federal. Precisam ser consideradas também as especificidades regionais,
culturais, de nível de maturidade, capacidade de execução e políticas
culturais locais, para serem elaborados instrumentos específicos de
implementação, indicadores diferenciados de monitoramento, gradações
e escalonamentos diferenciados. Destaco, também, a necessidade de
consolidar políticas nacionais de fomento aos municípios, considerando
as limitações de arrecadação e execução de recursos próprios pelos
municípios de menor porte.
Aos estados é crucial estabelecer uma política de acompanhamento
e suporte contínuas, promovendo a articulação entre municípios, que
facilite a troca de experiências e execução de políticas como. Destacamos a
necessidade de fomento a experienciais super exitosas como os consórcios
intermunicipais, as redes, fóruns e organizações de microrregiões, e
as agências metropolitanas; a orientação sobre a adaptação dos

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REVISTA BOLETIM OBSERVATÓRIO DA DIVERSIDADE CULTURAL . V.100 . N.02.2023

instrumentos de gestão às realidades locais; a estruturação de um sistema


de participação social ativo.

Participação social parece ser o discurso central do atual momento


político da Cultura. Como você avalia a participação de representantes
da sociedade civil e do poder público nos conselhos de política cultural
no Brasil, e quais são os principais gargalos a serem resolvidos?

Eliane Parreiras: A construção de uma política pública de cultura passa,


necessariamente, pela participação da sociedade no fazer e no processo
decisório, a partir de um diálogo democrático e da pactuação entre o
poder público e a sociedade civil representada. Os processos participativos
têm demonstrado também sua importância no fortalecimento de
protagonismos locais, desenvolvimento das comunidades e para a escuta
ativa dos territórios.
É construir, coletivamente, com representatividade e participação
social, diretrizes e estratégias para as políticas públicas de cultura e fazer do
tema da cultura, seu potencial, sua importância e seu impacto, destaque
da agenda local e de comunicação com a sociedade, além da Conexão
com políticas estaduais e nacionais.
A participação social é uma conquista da sociedade contemporânea
e deve estar presente em toda a vida cultural. Ela fortalece os processos
democráticos e se faz imprescindível para a sua manutenção, a sua
legitimação e o seu aprofundamento. Nesse sentido, os espaços
institucionais de participação, deliberação, avaliação e controle social são
estruturantes para uma gestão pública democrática. No âmbito da Cultura,
os fóruns, redes e conselhos são os espaços que garantem a construção
coletiva e continuada sobre as prioridades e principais diretrizes das
políticas culturais.
Entretanto, houve nos últimos anos um esvaziamento dos espaços
de participação social, sobretudo com as representações da sociedade
civil. É necessário fortalecer, portanto, as articulações setoriais, como os
fóruns setoriais nos diferentes entes federados, para garantir que as
representações nos conselhos consigam contribuir de forma efetiva,
a partir da construção prévia de consensos de demandas e soluções,
de todo um setor artístico e cultural. É urgente também repensar as

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metodologias do conselho, dos processos eleitorais aos instrumentos,


que consigam ser acessíveis de fato à diversidade de grupos e coletivos
culturais, e que garantam a participação ativa do Conselho nas decisões
e no monitoramento das políticas. O reconhecimento da colaboração
desempenhada pelos conselheiros, seja por meio de remuneração ou de
não limitação de participação em instrumentos de fomento, também é um
grande desafio.
O poder público e a sociedade civil devem pensar conjuntamente em
estruturas, formatos, instrumentos e instâncias inovadoras de participação
social que respondam ao dinamismo de nossa atualidade, assim como
aos muitos desafios da contemporaneidade.

Você foi por diversas vezes gestora de equipamentos e de órgãos públicos


do setor cultural, tendo assumido recentemente a presidência do Fórum
Nacional de Secretários e Gestores de Cultura das Capitais e Municípios
Associados, além de atuar como Secretária de Cultura de Belo Horizonte.
Qual o papel e a importância dessas instâncias de representação
colegiada de gestores culturais?

Eliane Parreiras: É uma enorme honra para Belo Horizonte assumir a


Presidência do Fórum Nacional de Secretários e Dirigentes de Cultura
das Capitais e Municípios Associados, no mandato 2023-2024. É também
o reconhecimento da política cultural estruturada do município e sua
atuação nos últimos anos.
O Fórum Nacional de Secretários e Dirigentes de Cultura das Capitais
e Municípios Associados é uma associação que reúne gestores públicos
de cultura de todo o país, com o objetivo de promover a integração, a
troca de experiências e a articulação política entre os gestores municipais.
Tem hoje, em sua diretoria e composição, gestores públicos experientes e
preparados para enfrentar os enormes e diversos desafios das grandes
cidades e megacidades, da urbanização acelerada e das complexidades
da gestão do território.
Fundado em 2007, o Fórum atua como uma plataforma de diálogo
e cooperação, sempre em defesa dos interesses dos municípios e do
fortalecimento da gestão pública local. Como órgão ligado à Frente
Nacional de Prefeitos, entidade municipalista que reúne todas as capitais e

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REVISTA BOLETIM OBSERVATÓRIO DA DIVERSIDADE CULTURAL . V.100 . N.02.2023

municípios com mais de 80 mil habitantes, compõe uma rede de mais de


400 cidades onde vivem 61% dos brasileiros e são produzidos 74% do PIB do
país.
O objetivo do Fórum é atuar de maneira integrada não só com os entes
federados, mas com o Fórum Nacional de Secretários e Gestores Estaduais
de Cultura e com os diversos Fóruns Regionais, os fóruns estaduais de
gestores municipais.
Ao fazer a gestão do território, as cidades desempenham um papel
central na cultura do país, como espaços de criação, difusão, preservação
e interação cultural, sendo vitais para a construção da identidade brasileira
e o fortalecimento da pluralidade da nação. Nas cidades é onde a cultura
se manifesta de maneira mais próxima e tangível à população.
Por meio do diálogo e da articulação, da colaboração na formulação
de políticas públicas, na defesa dos interesses municipais e das parcerias
e cooperação entre estados, governo federal e instituições públicas e
privadas, acreditamos poder enriquecer e descentralizar as políticas
culturais brasileiras e fortalecer as relações municipalistas. É na construção
de redes e no diálogo que temos um farol de colaboração e articulação,
com a oportunidade de compartilhar experiências bem-sucedidas,
enfrentar desafios em conjunto e criar soluções inovadoras que possam
ser adaptadas a nossa imensa diversidade. Mais do que um espaço de
diálogo, os fóruns são uma plataforma de transformação, onde ideias
se tornam ações e ações se transformam em impacto positivo para a
sociedade.
Esse ano foi realizado o I Encontro Nacional de Gestores de Cultura,
no Espírito Santo, quase 40 anos depois do I Encontro Nacional de
Política Cultural, realizado em Belo Horizonte e Ouro Preto, em defesa da
redemocratização brasileira e da institucionalização da Cultura, por meio
da criação do Ministério da Cultura. E podemos ver a força da atuação
coletiva de municípios, regiões e estados. A força coletiva reafirmando
a cultura e seu papel imprescindível e inquestionável na estratégia de
desenvolvimento brasileiro.
A cultura impulsiona desenvolvimento econômico, coesão social e
identidade. Trabalhar em conjunto é essencial para aproveitar essa força.
Os fóruns de gestores são importantes instâncias de representação e
articulação institucional, mas principalmente para fortalecer alianças,

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definir metas, expandir a visão, compartilhar práticas inspiradoras, criar


parcerias significativas e nos comprometermos na construção de um
futuro culturalmente rico.

O que os processos da Lei Aldir Blanc I e da Lei Paulo Gustavo apresentam


em termos de avanços e de desafios (ou restrições) no quadro geral da
gestão das políticas culturais no país?

Eliane Parreiras: Os avanços são enormes no que se referem à


descentralização e à desconcentração de recursos e, especialmente, à
criação de modelos de fomento inovadores, acessíveis, simplificados.
Durante muitos anos os recursos do Fundo Nacional de Cultura eram
contingenciados e, assim, insuficientes para estabelecer uma política
cultural descentralizada e vinculada ao Sistema Nacional de Cultura. Esse
cenário foi alterado, a partir do esforço admirável da sociedade civil e do
setor cultural junto ao Parlamento Brasileiro que criou políticas significativas
– Lei Aldir Blanc, Lei Paulo Gustavo e Política Nacional Aldir Blanc. Ações
emergenciais que se tornaram políticas públicas e que influenciaram
novos modelos de fomento e de gestão.
Os recursos chegaram a 98% dos municípios brasileiros, a agentes e
coletivos culturais que dificilmente acessavam a políticas de fomento. Isso
é algo extraordinário no Brasil. Apesar da profunda dificuldade de execução
da LAB, em plena pandemia, com regulações e prazos deficientes por parte
do Governo Federal, os municípios e estados se engajaram, criaram redes
sólidas de colaboração e apoio entre eles, abriram e ampliaram diálogos
e participação da sociedade civil e contaram com o apoio do Judiciário,
que também foi fundamental para a viabilização de sua execução. Foi um
grande arranjo nacional para a execução dos R$ 3 bilhões da LAB e para
garantir a execução da Lei Paulo Gustavo, com R$ 3,8 bilhões do superávit
do Fundo Setorial do Audiovisual (FSA) e complementação de outras fontes
de receita vinculadas ao Fundo Nacional de Cultura (FNC).
Vivemos um momento de grandes oportunidades, mas também
desafios. A tão desejada execução desses recursos e políticas culturais de
maneira descentralizada e desconcentrada exige que municípios e estados
tenham estrutura institucional, recursos humanos e condições. E temos
consciência que em muitos casos a realidade está muito distante disso,

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REVISTA BOLETIM OBSERVATÓRIO DA DIVERSIDADE CULTURAL . V.100 . N.02.2023

com estruturas mínimas, sem capacitação prévia e as vezes até mesmo


sem compreensão adequada das finalidades e potenciais dessas políticas
para sua cidade ou estado. A demanda da sociedade é de velocidade
para a realização dessas políticas. Mas isso não encontra aderência, já que
há muitas limitações estruturais e legais. Outros desafios que se impõem
são a manutenção da adimplência dos municípios e apoio técnico para
continuidade dos percursos. Destaco ainda a necessidade de avaliação
profunda da execução da LAB, criação de indicadores, para avanços
necessários.
Para políticas de longo prazo, como a PNAB, o que os municípios têm
solicitado e reafirmado é a importância de diálogo aberto com o Ministério
da Cultura, construção de saídas conjuntas e coletivas e, principalmente, a
consciência da impossibilidade de homogeneização das políticas públicas
e sua implementação em um país tão diverso e com realidades e desafios
locais tão distintos.

Quais são, na sua visão, os maiores desafios para as políticas públicas


de cultura no momento atual do país e para os próximos anos?

Eliane Parreiras: A Cultura no Brasil tem uma força extraordinária, é


resiliente e se eterniza mesmo nos momentos de maior ausência do poder
público. É a nossa identidade local e nacional, é desenvolvimento humano,
social e econômico. Segundo dados do Observatório Itaú Cultural, o PIB
da Economia da Cultura corresponde a 3,11% do PIB nacional e emprega
7,36 milhões de brasileiros, em pesquisa de 2020, momento de grandes
desafios para o setor. É enorme o potencial de nossas Culturas, com políticas
públicas adequadas e estruturadas. Em nossa visão, o Estado deve atuar
para garantir os direitos culturais e a participação na vida cultural e atuar
também como “Estado Empreendedor”, pegando emprestada a expressão
da economista Mariana Mazzucato.
Do ponto de vista prático, temos muitos desafios como o de avançar
efetivamente nas políticas de fomento, especialmente com marcos
regulatórios que nos permitam simplificar processos, com controle social
e inclusão e acessibilidade. Temos diversidades de mecanismos de
fomento para garantir a pluralidade cultural. A formação, capacitação e
profissionalização do setor, com garantias sociais, também são aspectos

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REVISTA BOLETIM OBSERVATÓRIO DA DIVERSIDADE CULTURAL . V.100 . N.02.2023

fundamentais para garantir o acesso e a participação. Construir novas


formas de participação social na gestão pública também é tarefa urgente,
para garantir representatividade, diversidade cultural e legitimidade nos
processos e decisões.
Chegamos a um momento da vida cultural no país que necessitamos
da construção de um projeto nacional de política cultural que transborde
para os Estados e municípios. Que seja estruturado, perene e contínuo. Que
consiga efetivamente responsabilizar e estimular estados e municípios
a atuarem na política cultural, com estratégia, recursos, estrutura e
compromisso público.
Ao mesmo tempo, precisamos nos reconectar com a sociedade,
com as pessoas e comunidades. Hoje o Brasil tem a maior parte de sua
população vivendo em grandes centros urbanos e sabemos que o futuro
é inegavelmente esse. É nas cidades que as pessoas vivem e estão, esse é
o seu território e precisamos atuar nesses espaços para termos cada vez
mais o sentido de pertencimento e conexão com nossas culturas.

COMO CITAR ESSA ENTREVISTA


BARROS, José Márcio [et al]. Desafios institucionais e participação social:
entrevista com Eliane Parreiras. Revista Boletim do Observatório da
Diversidade Cultural, Belo Horizonte, v. 100, n. 2, 2023. Disponível em: https://
observatoriodadiversidade.org.br/boletins/ Acesso em: [data].

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Anny Lemos
Caminhos internos, série Corpo, tempo e espaço
Acrílica s/ tela, 156 x 156cm
São Carlos, SP, 2021
Foto: Christian Spoto 34
REVISTA BOLETIM OBSERVATÓRIO DA DIVERSIDADE CULTURAL . V.100 . N.02.2023

RESENHA: POLÍTICA CULTURAL;


FUNDAMENTOS
Bernardo Mata-Machado1

É raríssimo o autor ser resenhista da própria obra. É até inconveniente,


porque o texto pode descambar para um enfadonho discurso laudatório.
Seria aceitável se o autor optasse por uma resenha apenas descritiva, mas
nesse caso perde-se o que este gênero de texto tem de melhor, a análise e
a crítica, que atiçam (ou não) a vontade do leitor de frequentar a obra, seja
um livro, um filme, uma peça de teatro, uma exposição ou qualquer outra
expressão da cultura.
Todavia, é fato que prometi ao meu amigo José Márcio uma resenha
sobre meu último livro: POLÍTICA CULTURAL: FUNDAMENTOS. E promessa é
dívida. Para evitar o risco da louvação e obter um mínimo de distanciamento
crítico, resolvi dividir-me em dois. De um lado o superego, o analista coletivo,
de outro o ego, que aqui vai referido como “o autor”.
Para penetrar no âmago da obra vale conhecer um pouco da vida
do autor, cujas experiências compõem um pano de fundo que facilita ao
leitor compreender o porquê da multiplicidade de temas tratados, bem
como de conhecimentos acionados para escrevê-la. A pretensão do autor
foi nada menos do que cobrir o campo da Política Cultural por inteiro. Para
tanto, lançou mão de uma gama de disciplinas, elencadas na Introdução:
Administração Pública, Antropologia, Ciências da Comunicação, Ciência
Política, Direito, Economia, Filosofia, História, Psicologia e Sociologia.
Pretencioso, mesmo porque sua formação acadêmica é em História, com
um mestrado em Ciência Política e um doutorado incompleto em Política,
Sociologia e Antropologia, nada mais.
Entretanto, sua experiência em pesquisas na Fundação João Pinheiro
(FJP), instituição à qual serviu durante 41 anos (+ dois de estágio), de alguma
forma serve de justificativa para sua empreitada. Diferente da Universidade,

1 Mestre em Ciência Política pela mesma universidade (1985) e graduado em História pela Universidade Federal de
Minas Gerais (1976) e É pesquisador da Fundação João Pinheiro desde 1977, professor da Escola de Governo da Fundação
João Pinheiro desde 2015 e Diretor de Cultura, Turismo e Economia Criativa da Fundação João Pinheiro. Na Ciência Política
especializou-se em Política Cultural e como historiador na história econômica, política, social e cultural de Minas Gerais.
E-mail: bernardomatamachado@gmail.com

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a FJP se dedica exclusivamente à pesquisa aplicada, encomendada em


geral por órgãos de governo (da União, Estados e Municípios) a fim de
instruir a execução de políticas públicas em diversas áreas: administração,
economia (indústria, agricultura, serviços), demografia, educação,
meio-ambiente, planejamento urbano, saúde, segurança, turismo e até
mesmo cultura. Para tanto, a FJP busca sempre trabalhar com equipes
multidisciplinares e, quando falta uma especialidade que a Casa não
dispõe, contrata consultores. Essa característica singular possibilitou ao
autor conviver com cientistas sociais de diversas formações, como se deu,
por exemplo, no planejamento das cidades históricas de Minas Gerais, tarefa
que a FJP cumpriu, a partir de 1973, quando firmou convênio com o antigo
MEC (IPHAN) + Unesco, para qualificar algumas cidades do Brasil, entre elas
Ouro Preto, Parati e Salvador, para se tornarem destinos turísticos, com base
nos atrativos do patrimônio histórico urbano. Além de assumir Ouro Preto
e incluir a cidade de Mariana no programa, a FJP influiu na metodologia
nacional ao propor que fossem elaborados planos urbanísticos, que por si
só exigem equipes multidisciplinares, envolvendo arquitetos, economistas,
engenheiros sanitaristas e de transportes, geógrafos, historiadores,
sociólogos, urbanistas e especialistas em barroco e restauração de bens do
patrimônio histórico, entre outros profissionais. Posteriormente, a FJP aplicou
a metodologia a outros destinos, entre eles São João del-Rei, Tiradentes,
Congonhas, Diamantina e todo o vale do Jequitinhonha. Após a criação do
Ministério da Cultura (separado da Educação), a FJP foi acionada diversas
vezes por esse órgão federal para executar projetos de pesquisa, a maioria
na área da Economia da Cultura.
No livro em questão, Bernardo aplicou os conhecimentos adquiridos
na FJP nos capítulos 5 (Campos de produção da cultura: indústria cultural,
campo erudito e cultura popular), 7 (Identidade, diversidade e patrimônio
cultural), 9 (Conceitos fundamentais de economia da cultura) e 10
(Instrumentos de Fomento à Cultura).
Outra atividade do autor foi no teatro, como ator e diretor, funções
que exerceu entre 1970 e 1985 e que lhe permitiram penetrar nos mistérios
da Arte. Esse aprendizado refletiu-se nos capítulos 6 (Arte: origens,
características, modos de produção e função social) e 11, que trata, entre
outros assuntos, da Formação Artística. O autor defende a tese da primazia
da educação artística, argumentando que esta, além de reforçar a função

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REVISTA BOLETIM OBSERVATÓRIO DA DIVERSIDADE CULTURAL . V.100 . N.02.2023

cognitiva, envolve experiências emocionais. Em alguns casos, como no


circo, na dança, no canto e no teatro, as artes acionam todo o corpo.
Sendo assim, a educação artística tem o condão de formar a pessoa
humana integral e por isso deveria fazer parte do ensino deste a pré-
escola até o pós-doutorado. A educação para as artes contribui também
para a formação de público para as atividades culturais. Aqueles que na
infância experimentaram alguma forma de arte, incluindo a leitura de boas
estórias, com certeza serão, no futuro, consumidores de cultura. Há casos
em que a educação para as artes desperta o talento das pessoas, que
demanda, para desenvolver-se e tornar-se vocação, o ensino em escolas
especializadas.
Ainda na trilha das experiências do autor, é inegável a contribuição
que deram para a feitura do livro suas passagens pela gestão cultural. No
capítulo 11 (O cotidiano da gestão das políticas públicas de cultura) está
sintetizada essa vivência, que se deu quando ocupou, sucessivamente, os
cargos de Secretário Adjunto da Cultura de Belo Horizonte (1993-1996), Diretor
do Centro de Cultura Belo Horizonte (1977-2000), Diretor de Equipamentos
Especiais de Cultura e de Ação Cultural da Fundação Municipal de Cultura
(2005-2008), Coordenador, Coordenador-Geral e Secretário Nacional
(substituto) da Secretaria de Articulação Institucional do Ministério da
Cultura (2009-2014) e Secretário Adjunto da Cultura do Estado de Minas
Gerais (2015-2016). Essas passagens, além de dar-lhe uma visão ampla das
atividades que envolvem a gestão cultural pública, permitiram-lhe também
conhecer as dificuldades, demandas e capacidades de indivíduos, grupos,
Organizações Não Governamentais e empresas vinculadas ao mundo
privado da cultura, que costumam bater às portas do poder público em
busca de apoio e parcerias.
Cabe elencar ainda algumas batalhas político-culturais que o autor
enfrentou, destacando-se a luta contra a censura durante o governo
militar e a defesa do sempre ameaçado patrimônio cultural de Belo
Horizonte. No primeiro caso, é digno de menção o ano de 1978, quando
duas ações políticas exigiram coragem: o enterro da Censura, que desfilou
pelo centro da cidade até as escadarias da Igreja São José, onde o caixão
foi depositado; e a Semana do Proibido, quando foram apresentadas, no
teatro do Diretório Central dos Estudantes, obras censuradas da música,
teatro e cinema brasileiros. Também é digna de menção a luta pela

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preservação do Cine Metrópole, lugar onde fora construído, em 1906, o


Teatro Municipal, depois transformado em cinema. A luta foi intensa, mas
derrotada. O governo do Estado deixou que o cinema fosse demolido e
colocado no lugar a agência de um Banco, exemplo de arquitetura de mau-
gosto, em plena Praça do Teatro. Embora derrotada, a luta mobilizou vários
segmentos sociais e colocou na agenda pública a defesa do patrimônio
cultural de Belo Horizonte, cidade moderna que, naquela altura (1982), já se
tornara uma senhora de 85 anos.
Mas como essas lutas influenciaram o livro? Pode-se dizer que elas
deram o TOM de todo o livro, porque o autor se formou nas lutas pela
democracia. Na Introdução há uma menção explícita às políticas culturais
em regimes democráticos, que devem ser erguidas sobre o alicerce dos
direitos culturais. E entre os direitos culturais figura em primeiro plano a
liberdade de criação, como preconizada nos documentos internacionais
de direitos humanos assinados pelo Brasil e na Constituição de 1988, que
é analisada no capítulo 4 (Os Direitos Culturais na Constituição Brasileira).
Embora o autor tenha tido a pretensão de cobrir todo o campo da
política cultural é possível encontrar no livro algumas pequenas lacunas
que podem funcionar como estímulos à realização de novas pesquisas.
Um exemplo está no capítulo 8 (Participação nas decisões de política
cultural), onde o autor se debruça sobre os Conselhos de Cultura, mas se
esquece de analisar as conferências. Também não há menção a sistemas
de informação e indicadores culturais, tema espinhoso e até agora pouco
pesquisado.
O maior estímulo a novas pesquisas situa-se no capítulo 9 (Conceitos
Fundamentais de Economia da Cultura), quando trata das cadeias produtivas
da cultura e seus elos: infraestrutura, criação, produção, distribuição (inclui
promoção e circulação), comercialização e consumo. O capítulo trata
desse tema de forma geral, mas não se aprofunda em nenhuma cadeia
produtiva, tarefa que deverá ser cumprida por outras pesquisas. Sabe-
se que cada uma das múltiplas e diversas cadeias produtivas das artes
e do patrimônio cultural tem suas características específicas. Pesquisas
continuadas são fundamentais para identificar eventuais dificuldades e
potencialidades dessas cadeias, a fim de que a política pública de cultura
possa contribuir para saná-las e fomentá-las.

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REVISTA BOLETIM OBSERVATÓRIO DA DIVERSIDADE CULTURAL . V.100 . N.02.2023

COMO CITAR ESSE TEXTO


MACHADO, B. N. M.. Resenha: Política Cultural; Fundamentos. Revista Boletim
do Observatório da Diversidade Cultural, Belo Horizonte, v. 100, n. 2, 2023.
Disponível em: https://observatoriodadiversidade.org.br/boletins/ Acesso
em: [data].

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REVISTA BOLETIM OBSERVATÓRIO DA DIVERSIDADE CULTURAL . V.100 . N.02.2023

Adriana eu
Costura íntima
Site specific - seis milhões de metros de linha de costura vermelha embolada e
máquinas de costura de uma antiga fábrica de lingerie.
Rio de Janeiro, RJ, 2023
Foto: Adriana eu 40
REVISTA BOLETIM OBSERVATÓRIO DA DIVERSIDADE CULTURAL . V.100 . N.02.2023

15 MIL PONTOS DE CULTURA, E AGORA?


OS DESAFIOS DA RECONSTRUÇÃO DO BRASIL
DE BAIXO PARA CIMA
Luana Vilutis1

RESUMO

O texto aborda a proximidade do Brasil em atingir a meta de 15 mil pontos


de cultura estabelecida no Plano Nacional de Cultura (PNC). Destaca
desafios e expectativas para as políticas culturais, especialmente a
Política Nacional de Cultura Viva (PNCV), contextualizando sua história e os
retrocessos enfrentados, discutindo a recente retomada da PNCV, com a
apresentação de dois editais em 2023 que mobilizam significativos recursos.
Aponta a guerra cultural no país e a importância das políticas culturais
na reconstrução democrática. Analisa os desafios atuais e conjunturais da
PNCV, enfatizando a necessidade de diálogo com as comunidades.

Nunca na história do Brasil estivemos tão próximos de alcançar a


marca de 15 mil pontos de cultura prevista na meta 23 do Plano Nacional
de Cultura (PNC). Isso traz uma série de desafios, expectativas e questões
para as políticas culturais do país que deverão ser observadas e cuidadas
nacionalmente de forma cooperativa entre união, estados e municípios,
envolvendo também o poder legislativo e diversas pastas do executivo.
Trataremos disso neste artigo, a partir de uma contextualização da situação
atual da Política Nacional de Cultura Viva (PNCV) e seus editais lançados em
2023, seguido de uma reflexão do que é possível prever para os próximos
anos e o que é necessário fazer para evitar os riscos já conhecidos.
Instituído em 2004 como um programa de política cultural federal,
o “Programa Nacional de Cultura, Educação e Cidadania - Cultura Viva”,
tornou-se uma Política de Estado em 2014, com a aprovação da Lei nº
13.018/2014 pelo Congresso Nacional e sanção da Presidenta Dilma. Em 2021,

1 Socióloga e educadora, Doutora em Cultura e Sociedade/UFBA, pesquisadora do Observatório da Diversidade


Cultural - ODC e do CULT/UFBA. É pesquisadora convidada da UFBA no Projeto de Formação e Pesquisa 20 anos de Cultura
Viva, parceria do MinC com a Facom/UFBA. Email: luanavilutis@gmail.com

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REVISTA BOLETIM OBSERVATÓRIO DA DIVERSIDADE CULTURAL . V.100 . N.02.2023

segundo o último Relatório de Acompanhamento das Metas do PNC (BRASIL,


2022), o Ministério da Cultura (MinC) registrava 4.295 pontos de cultura em
funcionamento, o que representa 29% da meta prevista no PNC. Após seis
anos de desmontes e retrocessos vividos entre 2016 e 2022, com a extinção
do Ministério da Cultura e a guerra cultural travada pelo pensamento único
contra a diversidade e a interculturalidade, em 2023 um importante passo
foi dado no sentido de recobrar a centralidade da Política Nacional de
Cultura Viva.
No mês de agosto de 2023 a Secretaria Nacional de Cidadania e
Diversidade Cultural do MinC lançou dois editais que mobilizam juntos mais
de R$ 49 milhões da Ação Orçamentária 215G, orçamento da Administração
Direta voltado à implementação da Política Nacional de Cultura Viva. Trata-
se do Edital de Pontões de Cultura e do Prêmio Pontos de Cultura Viva
(prêmio previsto no Edital Sérgio Mamberti). Ao somarmos esses editais à
Política Nacional Aldir Blanc de Fomento à Cultura (mais conhecida como
LAB 2), que prevê destinar ao menos 10% de seus recursos à PNCV, podemos
afirmar sem medo de errar que a Cultura Viva terá destinação recorde de
recursos. Apresentaremos aqui cada uma dessas ações e abordaremos a
previsão de seus alcances, mas nos parece importante refletir um pouco
sobre os desafios atuais das políticas culturais na reconstrução e no
fortalecimento da democracia no Brasil para então passar a compreender
o papel que a PNCV possui nesse processo.
A guerra cultural travada no Brasil foi intensificada nos últimos cinco
anos em resposta à conquista de espaço e visibilidade dos movimentos
sociais e culturais e do avanço de pautas relacionadas à diversidade e
às identidades culturais. Isso colocou as políticas culturais no centro da
disputa de valores, como peça-chave para o aprofundamento democrático
necessário na atualidade. Essa centralidade tem aderência na projeção
orçamentária inédita das políticas culturais a partir de 2023, mas há
obstáculos institucionais a serem superados para garantir a efetivação
de sua execução e a consagração desse avanço. O desenvolvimento do
Sistema Nacional de Cultura, o incremento de equipe do MinC, a valorização
e a formação de seu corpo técnico, bem como novas parcerias e pesquisas
são apenas alguns dos passos do fortalecimento institucional necessário
para garantir a implementação das ações públicas previstas e a execução
orçamentária dos recursos.

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REVISTA BOLETIM OBSERVATÓRIO DA DIVERSIDADE CULTURAL . V.100 . N.02.2023

Estamos a um passo de completar 20 anos de Cultura Viva no Brasil.


Se em alguma medida ainda temos desafios de institucionalização da
PNCV que são antigos e remetem ao início dessa ação pública, é inegável
reconhecer que o Brasil já não é mais o mesmo e as ameaças impostas
à democracia colocam as políticas culturais em um outro contexto e
patamar. No âmbito da Cultura Viva, ao mesmo tempo em que há limites
históricos a serem superados, como mapear os pontos de Cultura, mobilizar
e ampliar a Rede Cultura Viva, promover a sustentabilidade dos pontos
de cultura, estimular a intersetorialidade da Cultura Viva e garantir uma
gestão descentralizada e eficiente dessa ação pública, temos desafios
conjunturais muito complexos. A sociedade brasileira polarizada, com uma
indústria do ódio e da mentira ramificada amplamente, a emergência do
reacionarismo como uma força política relevante e a escalada do fascismo
que 20 anos atrás não havia penetrado os rincões do Brasil como vemos
hoje e isso traz desafios imensos à essa política que pretende reconstruir o
Brasil de baixo para cima.
Nesse contexto atual de fragilidade democrática em que a dimensão
cultural e os valores ganham centralidade na sociedade e passam a
pautar a política, a economia e as relações sociais, torna-se imperativo e
urgente que as políticas culturais dialoguem com os territórios e organizem
suas ações públicas a partir das comunidades e da realidade dos e dos
trabalhadores(as) da cultura. A politização da cultura a partir da diversidade
cultural contribuirá sobremaneira na nova cultura política que está sendo
gestada, envolvendo diversos agentes na promoção dos direitos culturais
da população indígena, negra, periférica, de comunidades tradicionais,
LGBTQIAPN+, rural e urbana, dentre outras. A PNCV tem esse propósito e
alcance, além de ter sido, ao longo de sua história, um exemplo de política
de promoção da diversidade cultural implementada em rede.
É com essa premissa que o edital de Pontões de Cultura (BRASIL,
2023c) foi lançado em agosto de 2023. Criado para selecionar 46 pontões
de cultura organizados em dois eixos, o edital previu 31 projetos para o Eixo 1
- Estadual/Distrital e 15 projetos para Eixo 2 – Temáticos/Setorial/Identitário.
Para o Eixo 1, foram destinados valores de R$ 400 mil a R$ 700 mil variando
de acordo com o tamanho das redes estaduais e distritais. No Eixo 2, o
valor previsto para os pontões temáticos de atuação nacional foi de R$

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REVISTA BOLETIM OBSERVATÓRIO DA DIVERSIDADE CULTURAL . V.100 . N.02.2023

800 mil e os projetos foram inscritos em 15 categorias diferentes: Culturas


Indígenas e Mãe Terra; Povos e Comunidades Tradicionais de Matriz
Africana; Culturas Populares e Tradicionais; Cultura Digital, Comunicação
e Mídia Livre; Patrimônio e Memória; Linguagens Artísticas; Livro, Leitura e
Literatura; Gênero, Diversidade e Direitos Humanos; Acessibilidade Cultural
e Equidade; Economia da Cultura, Solidária e Criativa; Cultura Infância;
Formação e Educação Cultural; Territórios Rurais e Cultura Alimenta; Cultura
Urbana, Direito à Cidade e Juventudes; e Cultura, Territórios de Fronteira e
Integração Latinoamericana.
O edital de pontões de 2023 possui um diferencial em relação aos
editais de pontões de cultura historicamente lançados no âmbito da Cultura
Viva e refere-se ao seu caráter de articulação em rede. Nesse sentido, o
edital recupera o caráter articulador dos pontões de cultura e seu papel
estratégico de mobilização, convergência e aglutinação presente em sua
primeira acepção no início do programa e dialoga com os rumos que a
PNCV passou a tomar a partir de 2015, com o lançamento de editais de
Redes. Esse caráter de articulação em rede está presente já na elaboração
do projeto, uma vez que foi exigido aos pontos de cultura proponentes a
constituição de um Comitê Gestor do projeto com no mínimo 5 pontos de
cultura da rede de atuação da entidade cultural envolvendo pelo menos
5 municípios diferentes da unidade da federação (no caso do Eixo 1) e 3
regiões distintas (Eixo 2).
O fomento aos pontões a partir de metas padronizadas também
representa uma ação indutiva favorável à mobilização da rede e foi
construída de maneira a preservar a liberdade dos proponentes em termos
da formulação de suas ações. As quatro metas previstas foram: 1. Bolsa
Agente Cultura Viva (distribuição de bolsas de R$900,00 por mês a jovens
de 18 a 24 anos para participarem do pontão e de suas ações formativas
durante o projeto); 2. Mapeamento e diagnóstico (realização de diagnóstico
da Rede Cultura Viva atual, mobilização de novas inscrições no cadastro
nacional e diagnóstico de espaços e equipamentos culturais); 3. Formação
e Capacitação (elaboração de processos formativos e campanhas); 4.
Articulação e Mobilização da Rede (promoção de ações de articulação
entre pontos e articulação com outras redes).
O edital de pontões foi lançado simultaneamente ao Edital de

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REVISTA BOLETIM OBSERVATÓRIO DA DIVERSIDADE CULTURAL . V.100 . N.02.2023

Premiação Cultura Viva – Sérgio Mamberti (BRASIL, 2023b) que prevê


quatro prêmios culturais: 1. Prêmio Culturas Populares e Tradicionais -
Mestre Lucindo; 2. Prêmio Culturas Indígenas - Vovó Bernaldina; 3. Prêmio
Diversidade Cultural e 4. Prêmio Pontos de Cultura Viva. Este edital segue
a tendência da PNCV a partir de 2011 identificado em estudos anteriores
(Vilutis, 2015) de abarcar em seu guarda-chuva as políticas de identidade e
diversidade cultural do MinC. A premiação específica de pontos de cultura
no edital Sérgio Mamberti é voltada a todas as Unidades da Federação e
tem como objetivo reconhecer, valorizar, incentivar, ativar e potencializar,
atividades culturais desenvolvidas e articuladas por pontos de cultura em
suas comunidades. Vemos que esses dois editais lançados pelo MinC em
2023 marcam a retomada do governo federal no fomento à rede de pontos
de cultura.

Pontos de cultura antes e depois da LAB 2

Quando surgiu, o programa Cultura Viva já se propôs a ser uma


política nacional e comunitária, mas o ganho de escala só aconteceu
efetivamente quando a União passou a operar a política em rede, por
meio da articulação com estados e municípios. É esse o salto que a PNCV
tem em vista agora que está vinculada à Política Nacional de Fomento à
Cultura Aldir Blanc (PNAB). Tendo como objetivos democratizar o acesso e a
produção artística e garantir o financiamento e a manutenção de agentes,
espaços e ações artísticos-culturais, a PNAB (LAB 2) prevê disponibilizar
anualmente três bilhões de reais aos estados, Distrito Federal e municípios
que aderirem à Política por cinco anos.
A partir do Decreto nº 11.740/2023 (BRASIL, 2023d) de regulamentação
da PNAB, fica instituído aos estados e Distrito Federal que aderirem à PNAB,
a obrigatoriedade de aplicação de, no mínimo, 10% do total de recursos
recebidos pelo Governo Federal para a Política Nacional Cultura Viva (PNCV),
o que representa um montante de R$ 150 milhões voltado aos pontos de
cultura, pontões de cultura e ações correlatas dessa Política. No caso
dos municípios, a destinação de recursos para a Cultura Viva variará de
acordo com a faixa de valor recebido pelo ente federado. Municípios que
receberão acima de R$ 360 mil, serão obrigados a aplicar, no mínimo, 25%

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REVISTA BOLETIM OBSERVATÓRIO DA DIVERSIDADE CULTURAL . V.100 . N.02.2023

do total de recursos recebidos para a PNCV. Para os demais municípios, a


destinação de valores para a PNCV é optativa. Estima-se que neste primeiro
ano da PNAB o montante de recursos destinado a Estados e Municípios se
aproxime da marca de R$ 400 milhões, o que permite duplicar a quantidade
de pontos de cultura existentes atualmente.
Os estados e municípios executarão os recursos recebidos do
MinC a partir do seu Plano Anual de Aplicação dos Recursos (PAAR) que
deverá ser construído participativamente. Isso reforça a importância
de os pontos de cultura participarem da agenda pública de cultura e
incidirem nas pautas e formulações do setor, por meio da atuação junto
aos conselhos de política cultural, da participação nas Conferências de
Cultura e audiências programáticas, bem como pela reivindicação de seus
direitos e necessidades. Além de preverem ações afirmativas nos editais
de chamamento públicos, os entes deverão utilizar 20% do valor total do
recurso recebido para fomentar ações, projetos e programas realizados
em áreas periféricas, urbanas e rurais, bem como em áreas de povos e
comunidades tradicionais. Isso nos permite afirmar sem medo de errar de
que a PNAB será a maior política cultural afirmativa já implementada no
país.
Outro diferencial da PNAB que pode beneficiar pontos de cultura,
grupos, coletivos e organizações culturais é a diversificação das formas de
fomento. A previsão de subsídios para manutenção de espaços artísticos
e de ambientes culturais com atividades regulares de forma permanente
em seus territórios e comunidades representa uma conquista para o
desenvolvimento organizacional de grupos culturais. A possibilidade de
fortalecimento institucional por meio do fomento às atividades-meio de
organizações culturais permitirá o investimento em sua capacidade de
crescimento, contribuindo para aprimorar ações, aperfeiçoar sua gestão,
qualificar sua infraestrutura, comprar equipamentos, melhorar seu espaço
físico, formar equipes, elaborar plano de comunicação e de mobilização de
recursos, aprimorar estrutura administrativa da organização, dentre outras
iniciativas há muito reivindicadas pelos pontos de cultura.
A PNCV se propõe a ser a política de base comunitária do Sistema
Nacional de Cultura (SNC) e já vimos em outros reflexões (Rocha, 2018;
Vilutis, 2019) que realmente ela tem esse potencial e, em grande medida,

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REVISTA BOLETIM OBSERVATÓRIO DA DIVERSIDADE CULTURAL . V.100 . N.02.2023

cumpriu esse papel ao ter sido a primeira ação pública federal que operou
de forma descentralizada e com expressiva capilaridade no âmbito do
Mais Cultura. Esse caráter de Estado-rede será fortemente exercitado a
partir de agora com a PNAB. Se nos anos anteriores a perspectiva do PNC
de 15 mil pontos de cultura chegava a parecer delirante, agora ela se torna
uma realidade amplamente possível com a PNAB. Contudo, como tornar
a Política Nacional Cultura Viva uma efetiva política de base comunitária
do SNC? Essa não é uma questão simples e trata-se de uma construção
que já leva mais de 15 anos. Procuraremos esboçar algumas pistas a esse
respeito.

Cultura Viva como base comunitária do SNC

A vinculação de recursos da PNAB não se restringe a destinar 10% para


a PNCV e prevê também que estados destinem até 20% dos recursos à
construção de equipamentos como os CEUs das Artes, visando atender
a Meta 33 do PNC que prevê criar mil espaços como os CEUs. A despeito
do processo de regulamentação da PNAB ter ocorrido sem consulta
pública e de forma apressada, é inegável a relevância e a necessidade de
incrementar a infraestrutura cultural do Brasil especialmente nas áreas mais
vulnerabilizadas, além de ser louvável colocar a Cultura Viva nesse lugar
de centralidade estratégica. Contudo, vale destacar que é esperado que
o orçamento dos estados e municípios para a Cultura Viva não se restrinja
à porcentagem prevista pela PNAB, mas também seja incrementado com
recursos próprios dessas esferas.
O ganho de escala e capilaridade dos pontos de cultura é fundamental
para que efetivamente a Cultura Viva seja consolidada como política de
base comunitária do SNC. Mas também é necessário prever um conjunto
de outras ações estratégicas que garantam organicidade, dinamicidade e
sustentabilidade a essa política em rede. O mapeamento e diagnóstico dos
pontos de cultura e a mobilização social para novas certificações parece
ser um primeiro passo. A formação de agentes culturais e a promoção
da transversalidade e da intersetorialidade da cultura com a educação,
saúde, agricultura familiar, economia solidária etc. são aspectos chave
da Cultura Viva desde o seu surgimento, e que não podem ser perdidos

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REVISTA BOLETIM OBSERVATÓRIO DA DIVERSIDADE CULTURAL . V.100 . N.02.2023

de vista. E nesse sentido, o edital de Pontões de Cultura é assertivo ao


procurar retomar as redes territoriais e temáticas significativas na história
do programa à política.
A realização de pesquisas que ofereçam dados e indicadores sobre a
política e seus agentes também configura-se como uma ação necessária
nesse processo de replantio da Cultura Viva, haja visto que desde que
o programa foi alçado à categoria de política pública não houve mais
nenhuma avaliação institucional de seu alcance, limites e potencialidades.
O fomento à integração produtiva e à sustentabilidade dos pontos de
cultura representa uma lacuna destes quase 20 anos de Cultura Viva e pode
ser promovida por meio de trocas diretas e indiretas, prestação conjunta
de serviços, arranjos colaborativos; criação de circuitos e consórcios.
O MinC tem procurado realizar ações no sentido de promover uma
estratégia integrada de retomada e expansão da Política Nacional de
Cultura Viva. Nesta reflexão chamamos a atenção para os dois editais
lançados em 2023 e as articulações realizadas para garantir a destinação
orçamentária da PNAB à Cultura Viva. Além disso, foram firmados alguns
Termos de Execução Descentralizada (TEDs) com Universidades Federais
voltados à realização de pesquisa, formação, eventos e publicações, como
é o caso do Projeto 20 anos de Cultura Viva: pesquisa e formação, TED
firmado com um consórcio de universidades composto pela Universidade
Federal da Bahia, Universidade Federal Fluminense e Universidade Federal do
Paraná. Esse Projeto tem como objetivo construir parâmetros informacionais
e formacionais sobre a PNCV; desenvolver insumos e instrumentos para
auxiliar a institucionalização da PNCV e debater a promoção da diversidade
cultural e a democratização do acesso à cultura no Brasil pela PNCV.
Alguns desafios ficam lançados para o trabalho conjunto nos
próximos anos envolvendo Ministério da Cultura, estados, municípios, poder
legislativo, universidades, organizações da sociedade civil, pontos e pontões
de culturais, agentes culturais, artistas e trabalhadores/as da cultura. A
definição de atribuição dos entes federados no exercício descentralizado
da PNCV a partir da concepção do Estado-rede é um aspecto de profunda
relevância para combinar o ganho de escala geográfica da Política com
um ganho geométrico de seus alcances transversais e democráticos. É
imperativo fazer com que a Cultura Viva dialogue com outras redes setoriais

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e se capilarize cada vez mais, por meio de ações artísticas e formativas


de exercício da cidadania cultural nos centros urbanos, nos conjuntos
habitacionais, nos territórios em disputa comandados pelas milícias, nas
áreas rurais em devastação e extração, nos territórios indígenas e nas
periferias que não têm acesso a direitos. Ao alcançar esses territórios, além
de promover a igualdade de acesso à cultura, a PNCV poderá contribuir
para a equidade de oportunidades na produção cultural e assim fortalecer
nossa frágil democracia.

COMO CITAR ESSE ARTIGO


VILUTIS, Luana. 15 mil pontos de cultura, e agora? Os desafios da
reconstrução do brasil de baixo para cima. Revista Boletim do Observatório
da Diversidade Cultural, Belo Horizonte, v. 100, n. 2, 2023. Disponível em:
https://observatoriodadiversidade.org.br/boletins/ Acesso em: [data].

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REFERÊNCIAS

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de Fomento à Cultura (PNAB) Lei nº 14.399/2022. Brasília/DF: 2023a.
Disponível em: https://www.gov.br/cultura/pt-br/assuntos/pnab/copy_of_
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BRASIL. Ministério da Cultura. Edital de seleção pública MinC nº 8, de 31 de


agosto de 2023. Premiação Cultura Viva – Sérgio Mamberti. Diário Oficial
da União, Poder Executivo, Brasília/DF, n° 168, p. 12, 01 set. 2023b. Seção 3.
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BRASIL. Ministério da Cultura. Edital de seleção pública MinC nº 9, de 31 de


agosto de 2023. Cultura Viva Fomento a Pontões de Cultura. Diário Oficial
da União, Poder Executivo, Brasília/DF, n° 168, p. 12, 01 set. 2023c. Seção 3.
Disponível em: https://pesquisa.in.gov.br/imprensa/jsp/visualiza/index.
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das metas. Brasília/DF. 1ª edição. Jun. 2022. Disponível em: http://pnc.
cultura.gov.br/wp-content/uploads/sites/16/2022/06/RELAT%C3%93RIO-DE-
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BRASIL. Presidência da República. Casa Civil. Decreto nº 11.740, de 18 de


outubro de 2023. Regulamenta a Lei nº 14.399, de 8 de julho de 2022, que
institui a Política Nacional Aldir Blanc de Fomento à Cultura. Diário Oficial
da União, Poder Executivo, Brasília/DF, nº 199, p. 5-7, 19 out. 2023d. Seção 1.
Disponível em:
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BRASIL. Presidência da República. Lei Federal nº 13.018, de 22 de julho de


2014d. Institui a Política Nacional de Cultura Viva e dá outras providências.
Diário Oficial da União, Poder Executivo, Brasília/DF, nº 139, p. 1-2, 23 jul. 2014.
Seção 1. Disponível em: https://pesquisa.in.gov.br/imprensa/jsp/visualiza/
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REVISTA BOLETIM OBSERVATÓRIO DA DIVERSIDADE CULTURAL . V.100 . N.02.2023

BRASIL. Presidência da República, Secretaria-Geral. Lei nº 14.399 de 08 de


julho de 2022: Institui a Política Nacional Aldir Blanc de Fomento à Cultura.
Diário Oficial da União, Poder Executivo, Brasília/DF, nº 128-B, p. 4-6, 08 jul.
2022. Seção 1 – Edição Extra. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/
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REVISTA BOLETIM OBSERVATÓRIO DA DIVERSIDADE CULTURAL . V.100 . N.02.2023

VILUTIS, Luana. Economia Viva: cultura e economia solidária no trabalho


em rede dos Pontos de Cultura. Tese (Doutorado em Cultura e Sociedade)
– Instituto de Humanidades, Artes e Ciências Professor Milton Santos,
Universidade Federal da Bahia, Salvador, 2015. Disponível em: https://
repositorio.ufba.br/bitstream/ri/30703/1/Tese_LuanaVilutis_UFBA.pdf.
Acesso em: 10 nov. 23.

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REVISTA BOLETIM OBSERVATÓRIO DA DIVERSIDADE CULTURAL . V.100 . N.02.2023

Adriano Machado
A lavadeira derrama sua fé
Série “Cobra Verde”
Fotografia digital
Feira de Santana, BA, 2013
Foto: Adriano Machado 53
REVISTA BOLETIM OBSERVATÓRIO DA DIVERSIDADE CULTURAL . V.100 . N.02.2023

POLÍTICAS CULTURAIS NO BRASIL:


DO GOLPE À PAULO GUSTAVO
Kátia Maria de Souza Costa1
Silvia Maria Bahia Martins2

RESUMO

Desde 2016, o campo da cultura foi afetado por dois fenômenos que, em
2020, tiveram seus efeitos intensificados: o desmantelamento de políticas
públicas e da institucionalidade do governo federal, e a retração da vida
econômica dos/as agentes culturais em virtude do isolamento social
provocado pela pandemia de Covid-19. O presente artigo busca retratar
o cenário político-institucional que se instalou nesse período a partir do
impeachment da presidenta Dilma Rousseff, retrata a peleja entre a classe
artística e o governo Jair Bolsonaro e apresenta as primeiras ações do
Ministério da Cultura (MinC) no governo Lula. Por fim, a lei emergencial Paulo
Gustavo é abordada como mecanismo de maior projeção da retomada
do MinC, abordando sua orientação para a participação, a diversidade e a
perspectiva territorial.

2016 foi um ano de mudanças políticas profundas no Brasil, quando


vivemos o golpe de Estado que culminou no impeachment da Presidenta
Dilma Rousseff e, posteriormente, na cassação da candidatura e prisão
do Presidente Luiz Inácio Lula da Silva, envolvendo o Congresso Nacional,
parcelas do Judiciário e a grande mídia. A deposição da Presidenta Dilma
sem qualquer crime, como depois comprovado, e a perseguição e prisão do
Presidente Lula deixaram evidente que o principal objetivo era a usurpação
do poder, já que o caminho trilhado pelos seus governos não se alinhava
às pautas conservadoras e aos interesses de setores hegemônicos.
1 Mestra em Cultura e Sociedade pela UFBA. Especialista em gestão cultural pelo Itaú Cultural e Universidade de
Girona. Pesquisadora da área de gestão, política e diversidade cultural. Integrante do Observatório da Diversidade Cultural
(UEMG/UFBA) e do Observatório da Economia Criativa (UFBA). Consultora na área de políticas culturais em âmbito munic-
ipal. E-mail: katiacosta.cult@gmail.com
2 Mestra em Desenvolvimento e Gestão pela UFBA, atuou como técnica do Governo da Bahia entre 2009 e 2023, e
acompanhou o contrato de gestão do Centro Público de Economia Solidária – Bacia do Jacuípe, gerenciado pela Rede
Pintadas. E-mail: contato@redepintadas.org.br.

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REVISTA BOLETIM OBSERVATÓRIO DA DIVERSIDADE CULTURAL . V.100 . N.02.2023

Somada ao contexto do golpe, houve a pandemia de Covid-19, com


a medida extrema de isolamento social, repercutindo amplamente nas
atividades econômicas e sociais. A sociedade brasileira teve que lidar
com perdas irreparáveis, fruto do momento pandêmico, agravado por um
cenário político no qual o Governo Bolsonaro se alinhou e defendeu medidas
opostas às recomendações de organismos especializados, pesquisadores
renomados e agentes sanitários, jogando por terra qualquer tentativa de se
instituir um cenário sóbrio e organizado, tão necessário àquele momento.
Até a posse do novo Governo Lula, foram seis anos que desencadearam
uma instabilidade política, social e econômica, com interrupção generalizada
em políticas públicas relevantes, desmonte das estruturas do Estado e
criminalização leviana de empresas públicas e privadas, resultando em
consequências negativas drásticas nas ofertas de emprego, trabalho e
renda. Houve um retrocesso conjuntural enorme, fazendo com que o Brasil
vivenciasse uma desconstrução da visão democrática e inclusiva que o país
vinha trilhando, com perda de protagonismo e volta ao mapa da fome. Para
Rubim (2021), “a combinação perversa de pandemia e pandemônio resulta
em superlativo caos, em confusão intensamente selvagem, que desafia
todos os brasileiros: seu presente, seu futuro e inclusive sua civilidade”.
Em linha com essa constatação, Chaloub (2023) destaca que o
conceito de “golpe” explica adequadamente o processo daquele período,
com os aspectos mais relevantes e seus desdobramentos, desde a
eleição de Jair Bolsonaro àqueles mais atuais. Restou evidente que, com
vistas à instituição de um estado totalitário, o propósito daquele evento
e do governo dele resultante era intervir drasticamente no processo de
consolidação da nossa jovem democracia, de modo que as culturas, a
diversidade e a pluralidade brasileira deixassem de ocupar espaços na
agenda pública, com destituição de políticas e medidas promotoras de
liberdades, igualdade de direitos e, sobretudo, redução das desigualdades.
Junto com o governo de extrema-direita, até fomentada por ele,
instalou-se no país uma onda de violências, num grau jamais visto e vivido,
que visou a inibir o direito de expressão política, artística e cultural; ataques
a diversos grupos sociais minoritários, como os povos indígenas e de matriz
africana; aumento da intolerância religiosa, de gênero e tantas outras
atrocidades. Houve um enorme investimento por parte desse grupo em
dividir a sociedade brasileira, marginalizando todos os temas e questões

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REVISTA BOLETIM OBSERVATÓRIO DA DIVERSIDADE CULTURAL . V.100 . N.02.2023

que versam acerca da construção democrática pautada na diversidade e


na equidade.
Durante seis anos, vimos e vivemos um campo de batalhas, contudo,
a ameaça de instalação da barbárie se tornou o principal estímulo para
que o povo brasileiro permanecesse na luta, avançando nas suas pautas.
Nesse contexto, a cultura se instituiu como o principal campo de lutas e
conquistas, que vigorou intensamente até 2022, quando ocorreu a eleição
e vitória de Lula. Atualmente, a sociedade tem se mantido mobilizada e,
junto com o novo governo, tem que lidar com as graves consequências
desse processo, buscando mudar o rumo dessa prosa.
Dos mais atingidos por esse processo, o campo cultural foi, na
pandemia, um dos primeiros a ser paralisado e um dos últimos a retornar
com suas atividades, o que se explica pelo fato de que a cultura movimenta
e mobiliza pessoas em torno dos eventos e atividades artísticas e culturais,
sejam individuais ou coletivas.
Pesquisa do Observatório da Economia Criativa da Bahia - OBEC
Bahia, em 2020, demonstrou que, para além do auxílio emergencial
fornecido pelo Governo Federal, houve uma apropriação e ocupação do
espaço virtual como principal espaço de trabalho pelos profissionais da
cultura. A pesquisa constatou a similaridade na forma como organizações
e indivíduos lidaram com a situação, lançando mão de recursos como
“estratégias digitais para relacionamento com públicos, vendas e prestação
de serviços e equipamentos para trabalho remoto” (OBEC, 2020a, p. 2), de
modo a ressignificar suas atuações, tendo em vista o momento e suas
necessidades imediatas, sem deixar de lado a perspectiva de futuro.
Ao buscar informações sobre quais medidas poderiam ser
consideradas para a recuperação da economia criativa, alguns pontos
se destacaram, tanto pelas organizações quanto pelos indivíduos
entrevistados, como “medidas de apoio à gestão cultural, de fomento
à cultura e de fortalecimento da presença digital” (OBEC, 2020b, p. 2).
Verifica-se, ainda, forte indicação da presença do poder público, como
orquestrador de um novo processo para alavancar o setor cultural. Para os
respondentes, seria necessário implementar

medidas para estímulo à criação de novos modelos de negócio,


reorganização do calendário de eventos e medidas regulatórias, como
criação de protocolos de saúde pública para a reabertura dos espaços
culturais e de renegociação de contratos. Ressaltamos ainda as sugestões

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REVISTA BOLETIM OBSERVATÓRIO DA DIVERSIDADE CULTURAL . V.100 . N.02.2023

de criação de campanhas de valorização dos trabalhadores criativos, de


estímulo ao consumo e à fruição cultural e de fortalecimento das relações
federativas entre os governos federal, estadual e municipal. (OBEC, 2020b,
p. 2).

A postura do Governo Federal, naquele momento, de alheamento e


omissão em relação à complexidade e à gravidade das situações vividas
pelo setor cultural, resultou que pouco ou quase nada refletiu nas ações
daquele ente. Por outro lado, suprindo essa lacuna, houve um protagonismo
do Fórum Nacional de Secretários e Dirigentes Estaduais de Cultura, que,
em conjunto com a comunidade artística e cultural e com dirigentes de
entes municipais, promoveu uma ampla articulação que mobilizou o
campo político e criou o clima possível para a aprovação da Lei Aldir Blanc
(LAB) (Lei 14.017/2020), da Lei Aldir Blanc 2 (Lei 14.399/2022) e da Lei Paulo
Gustavo (LPG) (Lei Complementar 195/2022), que serviram de fôlego para
manter o campo cultural atento e atuante, frente aos desafios impostos
pelo contexto vigente.
Já a Pesquisa Panorama Nacional da Lei Aldir Blanc, também realizada
pelo OBEC Bahia, trouxe dados sobre os principais obstáculos enfrentados
pelos gestores de cultura de Estados e Municípios. Nela, os entrevistados
expuseram as dificuldades relacionadas à falta de estruturas necessárias
para realizar uma plena execução da lei, considerando o volume de
trabalho demandado, destacando as relacionadas “a recursos humanos,
tecnológicos e a processos, ou seja, às condições administrativas à
disposição da gestão” (OBEC, 2022, p. 10).
O caos decorrente desse cenário adverso, resultante da pandemia e
da ausência de atuação do Governo Federal, em lugar de uma imobilização,
fez surgir olhares que caminham na direção do futuro. Com base na
experiência dos agentes e gestores culturais, buscaram-se soluções para
velhos e novos problemas, com destaque para a nova legislação de fomento
cultural, o Decreto 11.453/2023 (Brasil, 2023b), que traz direcionamentos
importantes para estimular a democratização da cultura, a participação
e a inclusão na construção e implementação das políticas públicas de
cultura.
O Ministério da Cultura (MinC) ressurge no momento da
redemocratização da cultura no Brasil na década de 1980, mas ganha
forma e capilaridade a partir de 2003, com a liderança de Gilberto Gil,

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REVISTA BOLETIM OBSERVATÓRIO DA DIVERSIDADE CULTURAL . V.100 . N.02.2023

quando o Governo Federal promove um conceito ampliado de cultura. Daí,


propõe um sistema de cultura composto por elementos articulados que
vão orientar a condução e implementação da política cultural brasileira,
alicerçada por princípios democráticos.
Com base nisso, o MinC convoca toda a sociedade a compreender
a importância da cultura como espaço de construção de sentidos, que
abarca a diversidade cultural como aquilo que revela as diferentes formas
por meio das quais as expressões culturais se instituem no mundo, e
toma as diferenças como ativos importantes para um outro modelo de
desenvolvimento. Para além disso, o patrimônio cultural, como expressão
da memória e das identidades culturais, revela o poder e a capacidade
de transformação social e cultural, também a partir de expressões que
transbordam nas suas experiências elementos humanizadores para a
nossa sociedade.
Para Souza e Brandão (2021), “o MinC se constitui em um contexto de
luta por democratização e, entre tantas urgências, liberdade de expressão”,
especialmente a partir de 2003, quando se busca consolidar políticas
públicas para o setor cultural, promovendo o fortalecimento das instituições
culturais e reconhecendo esses instrumentos públicos como ferramentas
importantes para o processo democrático, a inclusão e a valorização da
diversidade cultural, com exceção do período 2016-2022. A proposta e os
investimentos se deram em função de se instituir uma política de Estado
para a cultura, pautada numa visão de tridimensionalidade: simbólica,
cidadã e econômica.
A política cultural instituída nesse período (de 2003 a 2016) revelou um
profundo compromisso do Estado em atuar frente às desigualdades tão
presentes no país, numa perspectiva para o reconhecimento dos territórios
como lugares de produção de arte, cultura e transformação social e
econômica. O MinC e as políticas culturais são, portanto, ferramentas
institucionais e políticas que apresentam um compromisso com as
realidades culturais, buscando imprimir ações que, de fato, coadunem
com as necessidades do campo cultural.
Cabe destacar o compromisso com o território como fundamental
para a diversidade cultural, pois “a cultura historicamente é o caminho
para a invenção de estratégias comunitárias para a garantia de direitos

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REVISTA BOLETIM OBSERVATÓRIO DA DIVERSIDADE CULTURAL . V.100 . N.02.2023

fundamentais” (Souza; Brandão, 2021). Ou seja, no território, a cultura


ultrapassa a dimensão artística.
Entre 2003 e 2016, com destaque para o Programa Cultura Viva, o MinC
implementou um grupo significativo de políticas, que, articuladas com
Estados e Municípios, atenderam a projetos diversos, que se constituíram
com autonomia e autogestão, dentro de um modelo emancipatório.
Também foi nesse período que se implementou o Plano Nacional
de Cultura (PNC) e se manteve constante a implementação do Sistema
Nacional de Cultura (SNC), ambos pautados por princípios de articulação
interfederativa e de participação social, e que estruturam a política
nacional de cultura na já citada tridimensionalidade. Ao mesmo tempo em
que reconhece a capacidade geradora de sentidos e a importância da
cidadania cultural, também considera a capacidade que a cultura possui
de intervir e contribuir com a geração de renda e trabalho, mobilizando
o ambiente econômico, com a cultura enquanto um campo gerador de
desenvolvimento para o país, o que se constata em pesquisas realizadas
(Itaú Cultural, 2023).
O PNC e o SNC dão capilaridade às políticas culturais. Reforçam o pacto
federativo para que União, Estados e Municípios possam, de forma articulada,
instituir políticas públicas de cultura comprometidas com as realidades
locais e seus contextos. Uma política cultural com viés democrático só se
legitimará se for capaz de responder às necessidades locais, daí porque
cabe reforçar a importância do recorte territorial como indispensável no
processo de formulação e implementação dessas políticas.
Todo esse processo foi interrompido de forma brutal em 2016, quando
ocorreu o golpe de Estado, que impactou severamente o Ministério da
Cultura e suas políticas, de modo que se instalou no país um processo de
desmantelamento das políticas para o setor, bem como a extinção do
próprio MinC, que se recompõe em 2023, com o retorno de Luís Inácio Lula
da Silva à Presidência da República.
O desafio de reconstrução do MinC não é dos menores. Durante o
governo de Michel Temer (2016-2018), a cultura foi fundida à pasta da
Educação e, após protestos da sociedade, novamente apartada. Já na
gestão do governo Jair Bolsonaro, o MinC foi novamente extinto, passando
a figurar como Secretaria Especial de Cultura, inicialmente subordinada
ao Ministério da Cidadania e, posteriormente, à do Turismo. Seis titulares

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passaram pela Secretaria, que ganhou notoriedade, em grande medida,


pelos escândalos e situações graves em que seu corpo dirigente se
envolveu3.
Ao completar 100 dias de governo, sob o slogan “O Brasil voltou”, o
Governo Federal, já no mandato de Lula, em 2023, celebrou a retomada
dos desembolsos para a cultura, parte deles para pagamento de dívidas
deixadas pela antiga administração, como premiações de editais e de
parcerias, bem como execução de projetos artísticos e culturais por meio
da Lei Rouanet. Novas frentes de trabalho foram abertas, representando
a retomada das ações do MinC, cabendo destacar, pelo simbolismo, a
instituição do Comitê de Gênero, Raça e Diversidade, o qual tem a missão
de subsidiar a elaboração de políticas públicas transversais (Brasil, 2023a).
Nesse ínterim, o Ministério empossou 72 membros do Conselho
Nacional de Política Cultural, anunciou mais de R$ 1 bilhão para o audiovisual
por meio do Fundo Setorial do Audiovisual (FSA), gerenciado pela Ancine, e
publicou novo Decreto de Fomento à Cultura, o qual ganhou novas tessituras
ao revogar normas do governo anterior, estabelecer novo regimento de
fomento à cultura e tratar regras para as Leis Paulo Gustavo e Aldir Blanc.
Há novas perspectivas para o campo cultural, após o contexto sombrio
dos últimos anos.
Ressalte-se que o decreto de fomento apresenta mudanças e
inovações significativas, que impactam diretamente na valorização da
diversidade cultural, maior acesso e participação na vida cultural. Além
disso, induz a inclusão, destaca as questões de gênero, raça, etnia e faixa
etária, bem como acessibilidade, além de promover a desconcentração
territorial e a simplificação de prestação de contas.
Como já destacado, a pandemia trouxe problemas, mas deixou alguns
legados, como o fato de que, durante a execução da Lei Aldir Blanc, houve
a possibilidade concreta de repasse, para o campo cultural, de recursos
da União para Estados e Municípios, por meio da Plataforma Mais Brasil,
hoje conhecida como Transferegov.br. Essa nova realidade foi mantida e
aperfeiçoada pelo novo governo, por meio do já citado Decreto 11.453/2023,
que “estabelece regras e procedimentos gerais para os mecanismos de
3 Roberto Alvim foi demitido após ter vídeo que fazia referências a discurso nazista divulgado nas mídias sociais.
Conhecida por sua carreira na televisão, Regina Duarte passou por um período de “noivado” para tomar posse no governo
Jair Bolsonaro, naturalizou a prática de tortura no período da ditadura militar em entrevista e, depois de desgastes com
nomeações de pessoas não alinhadas ao governo, foi substituída por Mário Frias, ex-galã de novela juvenil.

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REVISTA BOLETIM OBSERVATÓRIO DA DIVERSIDADE CULTURAL . V.100 . N.02.2023

fomento cultural direto (Lei Paulo Gustavo, Lei Aldir Blanc, Cultura Viva),
fomento indireto (Lei Rouanet), e outras políticas públicas” (Brasil, 2023a).
Tudo isso destaca a cultura na agenda pública, com a produção
cultural e artística assumindo lugar central para o desenvolvimento do
país, primando pela descentralização e desconcentração de recursos, com
atenção explícita para a participação social, a diversidade e a pluralidade.
Além disso, a nova legislação busca garantir a segurança processual e
jurídica, de modo a amparar gestores de cultura para a execução dos
recursos, com desburocratização de procedimentos e instrumentos, de
modo a observar contextos e especificidades culturais brasileiras.
São aspectos que refletem o contexto cultural brasileiro, as demandas
do setor, experiências vividas pelos entes da Federação, e que contribuem
para o avanço das políticas culturais, de modo a ampliar a sua importância
para a garantia dos direitos culturais. A mudança se dá, especialmente,
pelo fato de que tais experiências e demandas compõem o arcabouço
legal para uso dos recursos públicos direcionados às ações públicas de
fomento para o setor cultural.
A Lei Paulo Gustavo (LPG) (Brasil, 2022) e o Decreto 11.525/2023 (Brasil,
2023c), que a regulamenta, versam sobre a distribuição de recursos da
União para Estados, Municípios e Distrito Federal, os procedimentos de
execução, com especial atenção a acessibilidade e ações afirmativas,
observando os princípios da participação social, da transparência e da
publicidade. Tais normas também buscam o fortalecimento do Sistema
Nacional de Cultura, “organizado em regime de colaboração, de forma
descentralizada e participativa” (Brasil, s.d.), pelo compromisso dos entes
subnacionais na implantação ou consolidação dos seus sistemas de
cultura, com a instituição de conselhos, planos e fundos de cultura, atrelados
ao compartilhamento de informações, subsidiando, assim, sistemas de
indicadores culturais.
Por esses normativos, estabelece-se a previsão de apoio financeiro
para ações emergenciais direcionadas ao setor cultural, sendo o audiovisual
o maior contemplado, com a preocupação de ampliar o rol de pleiteantes
ao recurso: pessoas físicas, microempreendedores/as individuais, micro e
pequenas empresas, cooperativas, instituições, organizações comunitárias,
grupos e coletivos, formalizados ou não. As linguagens, o patrimônio, os
equipamentos, a diversidade, a formação, a cultura de povos minorizados

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REVISTA BOLETIM OBSERVATÓRIO DA DIVERSIDADE CULTURAL . V.100 . N.02.2023

são alguns dos objetos passíveis de apoio, que visam a alcançar agentes
culturais, iniciativas, espaços, cursos, produções, manifestações, nas
modalidades presencial e virtual.
Há uma preocupação com a questão da acessibilidade, caracterizada
pelas exigências de cumprimento de oferta de medidas de acessibilidade
física, atitudinal e comunicacional, que, apesar de abordada no Estatuto
da Pessoa com Deficiência (Lei 13.146/2015), foi inicialmente vista como
novidade por parte do setor cultural. Tem-se, aí, um critério para adequação
e preparação de espaços, produções e peças de comunicação, de modo
a possibilitar a fruição das ações culturais por pessoas com algum tipo
de limitação, seja ela temporária ou permanente. Ainda que a iniciativa
seja fundamental para a plena participação das pessoas com deficiência
nas políticas e ações culturais, ela esbarra, de um lado, na dificuldade
de o mercado disponibilizar produtos e serviços em territórios menos
densos economicamente e, de outro, desloca para a sociedade civil a
obrigatoriedade de atendimento de uma lacuna que o Estado, por vezes,
não consegue cumprir nos projetos e equipamentos por ele geridos.
Percebe-se, assim, que há necessidade de os governos implicarem maiores
esforços em torno de formações, estabelecimento de medidas e suporte
técnico apropriado com foco nos agentes culturais para que a inclusão
seja assumida de forma consciente pelo setor e sirva de exemplo para as
demais áreas.
A LPG e o seu decreto regulador também abordam a implementação
de ações afirmativas, na medida em que determinam que os entes
subnacionais devam assegurar o protagonismo e a representação de
mulheres, pessoas negras, pessoas indígenas, comunidades tradicionais,
populações nômades, pessoas LGBTQIA+, pessoas com deficiência e
outros grupos minorizados social e historicamente. Estabelecer critérios
diferenciados de pontuação, definir recortes sociais e históricos, atender
expressões de grupos vulneráveis, contemplar as especificidades
territoriais, garantir reservas de vagas para pessoas negras e indígenas são
traçadas como variáveis que asseguram “medidas de democratização,
desconcentração, descentralização e regionalização do investimento
cultural, com a implementação de ações afirmativas” (Brasil, 2023c).
A execução de ações afirmativas também é considerada quando a
legislação indica a importância da simplificação dos processos de seleção,

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REVISTA BOLETIM OBSERVATÓRIO DA DIVERSIDADE CULTURAL . V.100 . N.02.2023

pois prevê a possibilidade de apresentação oral, gravada, de projetos,


com transcrição sob responsabilidade do órgão de cultura. Outro ponto
importante do decreto emergencial foi a adoção de autodeclaração racial
no período de inscrição. Parte-se do gozo de presunção de veracidade do/a
agente cultural para os casos de garantia de cotas destinadas a pessoas
negras e indígenas. Essa simplificação também alcança a prestação de
contas, quando a execução do objeto e o alcance das metas previstas são
verificados pelos resultados do projeto, sem exigir, a priori, o relatório de
execução financeira.
Considerando que um dos principais focos do Governo Federal
para a implementação de políticas culturais deve ser a participação
social (Pinto, 2008), a LPG e seu decreto de regulamentação tratam como
obrigatória a realização de escutas e interação social em todo o percurso
de desenvolvimento dessa política. Essa obrigatoriedade traz um relevante
desafio, que é estruturar modelos participativos qualitativos e embasados
por procedimentos técnicos, os quais integram sensibilização, mapeamento
e convocação, além, por óbvio, da própria realização dos eventos.
Uma novidade interessante trazida pelo decreto de fomento à cultura
(Brasil, 2023b) é possibilidade de os conselheiros de cultura participarem dos
processos seletivos da LPG, salvo quando houverem atuado na elaboração
do edital, na análise das propostas e no julgamento dos recursos. Trata-se
de um aspecto inovador, coerente com o contexto de emergência dessa
lei, considerando que muitos desses conselheiros são artistas e fazedores
culturais e terão oportunidade de participar dos processos seletivos. Mas
é importante ponderar sobre um possível impacto na questão do controle
social, quando os conselheiros se distanciam do conselho para a realização
do seu projeto.
Na medida em que os territórios acumulam conhecimentos, práticas
e tecnologias inerentes à sua realidade, a efetiva integração da sociedade
nos processos de construção democrática passa por reconhecer
competências territoriais específicas que irão contribuir para políticas
comprometidas com a diversidade cultural e com as realidades locais.
As Conferências de Cultura, os Conselhos de Política Cultural e os
Planos de Cultura constituem-se como instâncias possíveis e reais de
promoção da participação social nas etapas de formulação e execução
das políticas públicas de cultura, contudo, nem tudo são flores. Fundamental

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REVISTA BOLETIM OBSERVATÓRIO DA DIVERSIDADE CULTURAL . V.100 . N.02.2023

construir sensos, sentidos e procedimentos em torno do tema, para que


a ampla participação da sociedade seja assegurada, refletindo-se tanto
na comunidade artística e cultural, que atua nesse campo, quanto na
sociedade, como partícipe e beneficiária principal da ação cultural.
Como importantes espaços políticos de interlocução entre a sociedade
e o poder público, as conferências e os conselhos caracterizam-se por um
certo grau de complexidade, em face da sua vinculação administrativa,
funcional e financeira ao poder executivo. Seu maior ou menor protagonismo
e independência na viabilização da participação social na formulação de
políticas públicas possuem forte dependência das diretrizes do governo de
plantão e do perfil dos seus gestores.
No atual momento, observa-se que as conferências de cultura,
em alguns municípios, estão sendo realizadas em curtíssimos prazos
de convocação, preparação e realização. Tal realidade compromete
sobremaneira a efetividade da participação social, agravada pelo fato de
que os entes da Federação estão tendo que lidar simultaneamente com
processos importantes, a exemplo da execução da própria LPG.
Relativamente aos conselhos de política cultural, observa-se, de modo
geral, uma diversificação muito significativa na atuação dos conselheiros,
desde os que exercem plena e efetivamente o seu papel de representação
até aqueles que estão aquém do desejável, seja por desinteresse, promoção
pessoal ou submissão ao executivo. É essencial que haja uma revisão nas
estruturas desses conselhos e na atuação dos conselheiros, revisitando
os seus compromissos sociais, culturais, éticos e, também, financeiros, no
sentido de reposicionar mais adequadamente essas instâncias frente ao
novo panorama das políticas culturais.
Já o plano municipal de cultura

(...) se caracteriza como importante instrumento de política pública para


a área, por reforçar a importância dos governos locais para a superação
dos desafios que se apresentam e contribuir para a diminuição das
desigualdades e valorização da diversidade. [...] É nos municípios onde a
cultura acontece nas suas formas mais genuínas e, logo, uma inclusão
cultural efetiva se dá à medida que seja possível construir meios para que
isto ocorra no ambiente local. (Costa, 2017, p. 221)

Sua formulação deve, portanto, observar uma metodologia


estruturada de planejamento de longo prazo, com o estabelecimento de
procedimentos sistematizados e sequenciados, conforme cada etapa do

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trabalho. Ao mesmo tempo, deve-se ter o foco na realidade local, com


mecanismos de escuta e participação efetivos, sensibilização e mobilização
de toda a sociedade, assim como a capacitação e formação adequada
aos envolvidos nesse trabalho. Com base em experiências anteriores,
observamos que o processo de formulação de planos de cultura se
constitui de oportunidades para promover a capacitação e a qualificação
das equipes envolvidas.
A adesão do ente à LPG traz a exigência de que o seu sistema de
cultura, incluindo especialmente a tríade conselho-plano-fundo, esteja
estruturado ou atualizado até julho de 2024. Tem-se, então, notadamente
para os pequenos municípios, um desafio de grande monta, pelo que se
faz necessário instrumentalizar adequadamente a administração pública
e os gestores, em especial os da área da cultura.

Considerações finais

Como arauto da retomada, em 2023, de políticas culturais


institucionalizadas no âmbito federal, o MinC acena para as ideias
de democratização da cultura, de ampliação das instâncias e dos
mecanismos de participação social, de afirmar o papel da cultura na
economia, combalida pós-pandemia, e ainda às voltas com um quadro de
polarização raivosa, alimentada por uma extrema direita que ocupava o
Palácio do Planalto até o ano passado. Isso exige maior grau de elaboração
e sofisticação para demarcar os direitos culturais como fundamentais para
a afirmação de modelo civilizatório que esteja a serviço da participação e
da diversidade.
Contudo, o MinC ainda está em fase de estruturação e grande parte
do esforço institucional está voltado para a implementação de medidas
de cunho emergencial, ou seja, ações que buscam responder por mazelas
vividas no passado recente. Há expectativas de que a Paulo Gustavo e a
Aldir Blanc sejam veículos de profusão de ações culturais jamais vistas no
Brasil recente, o que é compatível com o volume de recursos financeiros
investidos, com a demanda dos/as trabalhadores/as da cultura e com os
anseios dos públicos.
Por outro lado, o presente-futuro das políticas culturais está em
aberto. A inclinação do governo em conectar cultura, criatividade,

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economia e sociedade é apresentada como estratégia de fomento para


diferentes setores produtivos, de ampliação da noção de geração de
valor, de potencial de exploração de direitos de propriedade intelectual. Tal
perspectiva está ancorada em um viés de desenvolvimento, o qual vincula
ciência (conhecimento, tecnologia, inovação) e indústria (bens, serviços
e experiências). Esse modelo tem rebatimento para a compreensão de
cultura e das políticas culturais institucionalizadas; como qualquer outro,
lida com desafios e possibilidades.
Daí a importância da renovação, em termos institucionais em tempos
democráticos, também do exercício cidadão do controle social, o qual
poderá provocar a ampliação de grupos e dos interesses a eles atrelados.
Rumos na esfera pública lidam, no mínimo, com disputas por espaço,
orçamento e legitimidade (simbólica).
Como análise inicial do retorno do Ministério da Cultura, o presente
artigo foi gestado dentro dos limites que a fase atual do ciclo de políticas
públicas impõe, que é o grau de distanciamento entre a formulação e
a implementação. É de se esperar que os atuais instrumentos tenham
a eles vinculados mecanismos transparentes de monitoramento,
acompanhamento e avaliação que contribuam para o fortalecimento do
Sistema Nacional de Cultura. Quiçá esse seja a maior missão da pasta.

COMO CITAR ESSE ARTIGO


MARTINS, S. M. B.; COSTA, Kátia. Políticas culturais no Brasil: do golpe à Paulo
Gustavo. Revista Boletim do Observatório da Diversidade Cultural, Belo
Horizonte, v. 100, n. 2, 2023. Disponível em: https://observatoriodadiversidade.
org.br/boletins/. Acesso em: [data].

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REFERÊNCIAS

BRASIL, República Federativa do. Ministério da Cultura. O que é o SNC. Sistema


Nacional de Cultura. s/d. Disponível em: http://portalsnc.cultura.gov.br/sobre/o-
que-e-o-snc/. Acesso em: 18 nov. 2023.

BRASIL, República Federativa do. Ministério da Cultura. Em 100 dias, investimentos


na cultura ultrapassam R$ 2 bilhões: recriação do MinC marca a volta da
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br/assuntos/noticias/em-100-dias-investimentos-na-cultura-ultrapassam-r-2-
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BRASIL, República Federativa do. Presidência da República. Lei Complementar nº


195, de 8 de julho de 2022. Dispõe sobre apoio financeiro da União aos Estados, ao
Distrito Federal e aos Municípios para garantir ações emergenciais direcionadas
ao setor cultural; altera a Lei Complementar nº 101, de 4 de maio de 2000 (Lei de
Responsabilidade Fiscal), para não contabilizar na meta de resultado primário
as transferências federais aos demais entes da Federação para enfrentamento
das consequências sociais e econômicas no setor cultural decorrentes de
calamidades públicas ou pandemias; e altera a Lei nº 8.313, de 23 de dezembro
de 1991, para atribuir outras fontes de recursos ao Fundo Nacional da Cultura
(FNC). 2022. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/lcp/lcp195.
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REVISTA BOLETIM OBSERVATÓRIO DA DIVERSIDADE CULTURAL . V.100 . N.02.2023

Serge Huot
Memória Marítima
Isopor, arrame, madeira
João Pessoa, PB, 2013
Foto: Serge Huot 69
REVISTA BOLETIM OBSERVATÓRIO DA DIVERSIDADE CULTURAL . V.100 . N.02.2023

INFRAESTRUTURA CULTURAL DO BRASIL:


PASSADO, PRESENTE E FUTURO
Plínio Rattes1

RESUMO

O presente texto apresenta um breve panorama histórico sobre a evolução


dos espaços e equipamentos culturais no Brasil e no mundo. O texto
aborda também sobre a deficitária infraestrutura cultural brasileira que
fica evidenciada a partir de um conjunto de dados publicados por órgãos
oficiais, como IBGE, por exemplo, sobre a ausência de locais destinados
à formação, criação, difusão, fruição e consumo artístico-cultural no país,
desde a década de 1990. Por fim, o artigo traz uma breve descrição sobre
as atuais políticas e medidas voltadas a este segmento propostas pelo
Ministério da Cultura, sob a gestão da cantora Margareth Menezes, com o
propósito de compreender os conceitos e abordagens que a atual gestão
possui sobre a temática.

Uma perspectiva histórica dos espaços culturais

A multiplicidade de abordagens que permeiam os locais destinados


à formação, criação, difusão, fruição e consumo artístico-cultural é
comparada aos inúmeros conceitos que envolvem o termo “cultura” e a sua
compreensão, portanto, requer uma análise a partir de uma perspectiva
histórica.
Foi nos séculos XVIII e XIX, fruto da modernização vivenciada pelas
sociedades europeias, que surgiram os primeiros espaços que viriam
a conformar a infraestrutura cultural em muitas cidades do continente,
composta por teatros, museus, bibliotecas e salas de concerto. Esses locais
contribuíam para a construção de uma identidade nacional homogênea e,
se inicialmente eram destinados apenas a colecionadores, pesquisadores
1 Plínio Rattes. Doutor em Cultura e Sociedade pelo Programa Multidisciplinar de Pós-Graduação em Cultura e
Sociedade da Universidade Federal da Bahia (IHAC/UFBA), Brasil. E-mail: pliniorattes@gmail.com

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REVISTA BOLETIM OBSERVATÓRIO DA DIVERSIDADE CULTURAL . V.100 . N.02.2023

ou amantes das artes, passaram a ser frequentados por um número cada


vez maior e diverso de atores sociais (Alcaraz, 2014). Como exemplo desse
período, pode-se citar a experiência inglesa denominada de Centros de
Artes, espaços que abrigavam uma variedade de ações e atendiam a
públicos diversos.
A chegada do século XX e as intensas transformações sociais
provocadas pelo desenvolvimento da tecnologia e pelo estabelecimento
de novas formas de produção e consumo contribuíram para mudanças
substanciais dos espaços culturais, dos meios de comunicação, do campo
artístico e da relação destes com os públicos, tanto na perspectiva da
produção quanto na do consumo. Nesse período surgiram o cinema,
a fotografia, o rádio e a televisão, além de novos gêneros e linguagens
estéticas, resultando em um cenário de intensa produção cultural em
várias partes do mundo. O desenvolvimento dos meios de comunicação e
transporte encurtaram as distâncias e borraram as fronteiras das nações,
contribuindo para uma intensa troca e intercâmbio em escala global jamais
vista na história da humanidade – por óbvio, com todas as assimetrias de
um mundo altamente desigual, política e economicamente.
Influenciados pelas constantes e cada vez mais rápidas mudanças
tecnológicas e socioculturais, sobretudo após as duas grandes guerras
mundiais, os espaços culturais tornaram-se mais flexíveis e diversificaram
suas atividades, abrigando mais de um tipo de ação, o que provocou
redefinições na infraestrutura e nos modelos de produção de conteúdo
desses estabelecimentos (Alcaraz, 2014). Esse contexto foi acelerado
ainda pelas mudanças nas relações e mercados de trabalho, a partir da
valorização do tempo livre e do lazer. Na França dos anos 1950, por exemplo,
empresários e industriários passaram a investir na criação de áreas de
convivência, quadras esportivas e centros sociais para seus funcionários
(Coelho, 1985).
Ainda na França, mais adiante, na década de 1970, embora não
pioneiro, haja vista que outros países (Cuba e México, por exemplo) já
vinham desenvolvendo ações nesse campo, foi inaugurado um tipo de
equipamento que marcaria uma tendência mundial e influenciaria na
criação de espaços com características e funções semelhantes em muitos
outros países, inclusive no Brasil. Trata-se do Centre National d’Art et Culture

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REVISTA BOLETIM OBSERVATÓRIO DA DIVERSIDADE CULTURAL . V.100 . N.02.2023

Georges Pompidou, que aliava inovações e grandiosidade arquitetônica e


diversidade de atividades do campo das artes e da cultura (Freitas, 2007).
As últimas décadas do século XX e o início do século XXI reservariam
ainda mais mudanças ao universo dos espaços de cultura. Segundo Núñez
(2014), surgiram o que ele denomina de terceira geração de equipamentos
culturais. Esse estágio, conforme o autor, implicaria que, mais uma vez,
esses estabelecimentos se readaptassem às novas dinâmicas, em especial
às mudanças estabelecidas a partir da hegemonia de alguns setores da
indústria cultural, como, por exemplo, a do audiovisual (televisão, cinema,
streaming etc.) e a popularização da internet e seu vasto repertório
de possibilidades de produção e consumo, em detrimento das artes
performáticas, que exigem a presença física do público. Esse cenário exige
que os espaços de cultura redefinam suas relações com os criadores e os
públicos e contribuam na reconstrução e repactuação das relações entre
eles2.
No que diz respeito ao Brasil, as primeiras manifestações culturais
surgiram com a catequese, ou o apagamento das culturas indígenas,
promovida pelos padres jesuítas a partir de realizações como cantigas,
apresentações teatrais e produção de livros, por exemplo (Milanesi, 1997).
Nos séculos que se seguiram à colonização, XVI, XVII e XVIII, os locais
que ocupavam a função de espaços de cultura eram os mosteiros, que
abrigavam centros de leitura e discussão, e as igrejas, que eram ocupadas
por uma série de artistas que colaboravam para a pregação da doutrina
religiosa através de pinturas, estátuas, arquitetura etc. (Milanesi, 1997).
Com a chegada da Família Real portuguesa, em 1808, apesar de diversos
investimentos particulares no campo da cultura, não havia nenhum projeto
institucional do governo nesse sentido3. Esse cenário seria alterado apenas
a partir de 1823, quando, segundo Milanesi (1997), o governo assumiu pela
primeira vez a responsabilidade da educação no País, promovendo a
substituição dos antigos colégios jesuítas pelas escolas públicas.
A Proclamação da República, em 1889, não alterou de imediato
2 Na esteira desse panorama histórico, vale contextualizar também, particularmente no universo dos espaços e
equipamentos culturais, os impactos produzidos pela pandemia de Covid-19, causada pelo vírus SARS-CoV-2 ou Novo
Coronavírus, que assolou o mundo nos anos de 2020 e 2021, e se apresentou como um dos períodos mais desafiadores
da história recente da humanidade. A crise sanitária que se instalou provocou feitos inéditos na vida contemporânea.
Apontado como principal alternativa para combater o contágio, o estabelecimento prolongado do isolamento social
gerou o cancelamento de inúmeros eventos e atrações culturais e o fechamento, definitivo em alguns casos, de diversos
espaços culturais mundo afora, a exemplo de cinemas, teatros, museus, galerias, bibliotecas etc. Nesse contexto, as
consequências econômicas e sociais se somaram aos desafios sanitários já instalados.
3 No entanto, foi a partir da vinda de D. João VI para o Rio de Janeiro, em 1808, que se criaram as primeiras
instituições culturais, como a Biblioteca Nacional, o Museu Nacional de Belas Artes e o Museu histórico Nacional.

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REVISTA BOLETIM OBSERVATÓRIO DA DIVERSIDADE CULTURAL . V.100 . N.02.2023

o cenário de escassez no campo da cultura. Foi apenas na primeira


metade do século XX, na esteira da industrialização e de investimentos
específicos na área social, que o Estado brasileiro iniciou ações no campo
das políticas públicas de cultura. Faz parte dessa conjuntura a gestão
de Mário de Andrade, no Departamento de Cultura, criado pelo então
prefeito da cidade de São Paulo, Fábio Prado, responsável por uma série
de propostas, entre as quais os Parques Infantis (PIs), que funcionaram
na cidade entre 1935 e 1943. Idealizados por Mário de Andrade, os Parques
foram os primeiros equipamentos públicos que tinham por objetivo prestar
serviços de educação, cultura, saúde e lazer para os filhos dos operários
paulistanos na faixa dos três aos seis anos. Além de ocupar a lacuna
deixada pela inexistência de escolas formais para as idades iniciais da
infância, os Parques serviam, sobretudo, como locais de promoção da
arte e da cultura. Eram realizadas ações de caráter técnico, educacional e
social, que objetivavam educar, assistir e entreter as crianças, por meio de
atividades físicas, música, canto, teatro, literatura, bordados, tapeçarias e
marcenaria (Silva, 2012).
A utilização de mosteiros, igrejas e parques como locais de produção,
difusão e consumo cultural não significa necessariamente a inexistência
completa, ao menos a partir do século XIX, de equipamentos culturais no
País – aqueles edifícios construídos com o objetivo de produzir e disseminar
práticas culturais e bens simbólicos, ou seja, espaços concebidos para
acolher uma ou mais expressões culturais e atividades correlatas, a exemplo
de teatros, cinemas, museus, bibliotecas, galerias etc. Diferem-se, portanto,
da ideia de espaço cultural, locais que, a princípio, não foram construídos
com a função de abrigar atividades culturais, mas, dependendo de seus
usos e apropriações, podem também ser destinados a elas – é o caso das
praças, largos, parques, escolas, entre muitos outros (Kauark; Rattes; Leal,
2019, p. 31).
A partir da década de 1980, houve uma vertente de crescimento no
número de espaços e equipamentos culturais multiuso no Brasil, ocasionado
por, ao menos, três fatores: 1. influência do modelo francês, caracterizado
pela multifuncionalidade dos equipamentos de cultura; 2. incentivo fiscal
oriundo das políticas de subsídio empreendidas pelos governos neoliberais
dos anos 1980 e 1990; e 3. investimentos públicos na infraestrutura cultural
do País nas décadas de 2000 e 2010.

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REVISTA BOLETIM OBSERVATÓRIO DA DIVERSIDADE CULTURAL . V.100 . N.02.2023

Nas últimas décadas, com o estabelecimento de instâncias de


escuta, diálogo e participação, como as conferências, por exemplo, muitas
comunidades passaram a registrar entre as suas principais demandas a
construção de um espaço cultural em seu território4. Isso sugere o quanto a
sociedade valoriza a importância de se ter um local para criar e expor suas
artes e manifestações culturais, um espaço onde possa intercambiar com
outras localidades e juntos criar, compartilhar e usufruir suas produções e
expressões.
No entanto, a despeito da reconhecida importância dos edifícios
culturais para a promoção dos direitos culturais, da cidadania, da
diversidade e da economia da cultura, é preciso ressaltar que a mera
existência desses locais não garante que a comunidade irá usá-los e se
apropriar deles à altura das possibilidades que eles podem oferecer. O
anseio pela construção de prédios, muitas vezes grandiosos em termos
físicos, não raro é fruto apenas do desejo de status que o elemento “cultura”
pode conferir a determinado território. É comum a pouca atenção dada ao
planejamento posterior para a funcionalidade adequada desses edifícios.
O resultado, em geral, são equipamentos mal gerenciados, subutilizados,
que desconhecem a produção cultural de onde estão inseridos ou que
tampouco dialogam com as comunidades locais.

Os prefeitos, por iniciativa própria ou instados a fazê-lo, procuram os órgãos


públicos que financiam construções e pedem, às vezes amparados por
deputados, recursos para a construção de um centro cultural. Essa é uma
das solicitações mais frequentes que chegam dos municípios. Algumas
vezes levam um projeto arquitetônico; em outras, apenas consultam
se é possível o apoio financeiro. Raramente se expõe um programa de
atividades ou se discute uma função. Apenas se exibe o projeto de uma
construção. Qual o significado desses pedidos? O que, de fato, nessas
ocasiões desejam? Se fosse feito um esforço para encontrar uma resposta,
por certo seria necessário conciliar visões disparatadas e ambíguas, o que
resultaria num objeto não claramente identificado (Milanesi, 2003, p.13).

Segundo Isaura Botelho, acreditou-se por muito tempo que “o essencial


era construir centros de cultura ou incentivar a frequência a museus ou teatros,
desenvolver políticas de facilitação de acesso à cultura que trariam, quase
que automaticamente, uma resposta positiva da população antes excluída
deste terreno” (2003, p.2). Para a autora, a experiência francesa evidenciou

4 Conforme pode ser verificado, por exemplo, nos relatórios das Conferências de Cultura realizadas no Estado
da Bahia em 2007, 2009 e 2013, disponíveis em: https://conferenciadecultura.wordpress.com/conferencias-anteriores/.
Acesso em: 10 nov. 2023.

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REVISTA BOLETIM OBSERVATÓRIO DA DIVERSIDADE CULTURAL . V.100 . N.02.2023

que isso não bastava e que era preciso uma mudança fundamental de
paradigma no objetivo central de grande parte das políticas de cultura:
a democratização cultural. É preciso considerar na gestão e nas políticas
culturais a diversidade da produção cultural e de atores sociais.
No tópico a seguir abordamos sobre a infraestrutura cultural do Brasil
e, na sequência, uma breve análise das propostas já divulgadas pelo MinC
das proposições voltadas ao segmento dos espaços e equipamentos
culturais.

Infraestrutura cultural do Brasil: passado e presente

A concentração espacial e a insuficiência (ou mesmo inexistência)


de espaços culturais são notórias e alarmantes no Brasil, evidenciadas
em diversos estudos acadêmicos e institucionais (Botelho, 2001, 2003; Vaz;
Jacques, 2003; Botelho; Fiore, 2005; Nussbaumer; Rattes, 2005; Freitas, 2007,
2010; Allucci; Jordão, 2012, 2014; Rattes, 2017, 2022) e pesquisas realizadas
pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE)5, mesmo quando
considerados todos os avanços no País desde pelo menos a já citada gestão
Mário de Andrade, em São Paulo, até os dias atuais.
De acordo com a publicação Sistema de Informações e Indicadores
Culturais 2007-2018 (IBGE, 2019), “para equipamentos ditos tradicionais,
como museus e teatros, houve aumento desde o início da série, com pico
em 2014 e redução na medição de 2018, o que pode estar ligado à crise
econômica e fiscal nos municípios”; entretanto, “em 2018, 35,9% das crianças
e adolescentes no Brasil viviam em municípios sem museu, 34,6% sem
teatros ou salas de espetáculo e 43,8% em municípios sem cinemas” (IBGE,
2019, p.163 apud Barros; Rattes, 2021).
Essa deficiência é uma triste marca que acompanha a infraestrutura
social e urbana do País ao longo de sua história. No entanto, algumas
iniciativas governamentais nas três esferas de poder buscaram suprir as
lacunas de espaços para a formação, criação, produção, difusão e fruição
cultural. São emblemáticos, por exemplo, os já citados Parques Infantis

5 Desde 1999, o IBGE levanta em todos os municípios brasileiros informações sobre a estrutura, a dinâmica e
o funcionamento das instituições públicas municipais, compreendendo também diferentes políticas e setores que
envolvem o governo municipal. A Pesquisa de Informações Básicas Municipais (Munic) se define como uma pesquisa de
estabelecimento, respondida pelas prefeituras brasileiras. Em relação à cultura, houve aplicação de blocos (1999, 2001,
2005, 2009, 2012, 2018) e suplementos (2006 e 2014) sobre o tema na Munic. Essa última modalidade de investigação é mais
pormenorizada, tendo sido aplicada aos municípios em 2006 e tanto em municípios como em estados em 2014 (IBGE, 2019,
p. 39).

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REVISTA BOLETIM OBSERVATÓRIO DA DIVERSIDADE CULTURAL . V.100 . N.02.2023

(PIs), criados na cidade de São Paulo, nos anos 1930. Apesar do curto
período de existência do projeto, os conceitos inovadores que permearam
a sua criação permaneceram e reverberaram de forma significativa em
diversos projetos que viriam a ser implementados nas décadas seguintes, a
exemplo da Escola Parque, criada por Anísio Teixeira, na Bahia e em Brasília,
nas décadas de 1940 e 1950; dos Centros Integrados de Educação Pública
(CIEPs), idealizados por Leonel Brizola e Darcy Ribeiro, no Rio de Janeiro, nos
anos 1980; e dos Centros Educacionais Unificados (CEUs) implantados na
cidade de São Paulo, na gestão de Marta Suplicy, entre 2001 e 2004 (Silva,
2012, p.103-104).
No entanto, todas essas iniciativas guardam como similaridade
o fato de serem localizadas e promovidas por governos estaduais e/ou
municipais, acentuando a assimetria da rede de espaços culturais do ponto
de vista nacional. Um ponto de virada ocorre a partir dos incentivos fiscais
oferecidos pelos governos de orientação neoliberal, nas décadas de 1980 e
1990, quando se observa um crescimento na construção de equipamentos e
espaços culturais no País, ainda de forma bastante desigual, concentradas
nas maiores cidades. A iniciativa privada e as grandes empresas públicas
exerceram um papel fundamental nesse processo, tanto que esse período
marca o surgimento de diversos espaços que levam o nome de seus
mantenedores, como, por exemplo: o Centro Cultural Correios (agosto/1993)
e o Centro Cultural Light (abril/1994), no Rio de Janeiro; o Centro Cultural
Banco do Nordeste (julho/1998) e o Centro Cultural FIESP (março/1998),
em São Paulo (Freitas, 2007); além dos equipamentos mantidos pelas
Instituições vinculadas ao Sistema S6, principalmente o Serviço Social do
Comércio (SESC), o Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial (SENAC)
e o Serviço Social da Indústria (SESI). Apenas em relação ao SESC, segundo
informações do site oficial da instituição, são mais de 580 unidades fixas,
que contam com 213 escolas, 2.718 espaços de lazer, 367 bibliotecas e
salas de leitura e 151 unidades móveis de cultura (cinemas e bibliotecas),
distribuídas nas cinco regiões do País (Rattes; Silva; Moura, 2021, p. 4).
Em 2001, antes do início da gestão Gilberto Gil no MinC, o IBGE realizou
um levantamento inédito junto a 5.560 municípios brasileiros e mapeou

6 O Sistema S é composto por nove Instituições privadas de interesse público, vinculadas a sindicatos patronais:
Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (Senai), Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial (Senac), Serviço Social
da Indústria (Sesi), Serviço Social do Comércio (Sesc), Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae),
Serviço Nacional de Aprendizagem Rural (Senar), Serviço Social do Transporte (Sest), Serviço Nacional de Aprendizagem
do Transporte (Sest) e Serviço Nacional de Aprendizagem do Cooperativismo (Sescoop).

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REVISTA BOLETIM OBSERVATÓRIO DA DIVERSIDADE CULTURAL . V.100 . N.02.2023

17 tipos de espaços culturais e redes de comunicação existentes no País:


clubes, estádios, museus, unidades de ensino superior, bibliotecas, livrarias,
teatros, cinemas, videolocadoras, orquestras, bandas de música, lojas de
discos e CDs, rádios AM, rádios FM, gerador de TV, provedor de internet,
shopping centers. A investigação concluiu que somente 53 municípios
brasileiros tinham os 17 equipamentos, correspondendo a 26,5% da
população brasileira; 153 não tinham nenhum dos equipamentos. Nos
municípios do Norte e do Nordeste foram verificadas as maiores carências,
contabilizando estados que não detinham nenhum município com todos
os equipamentos, a saber: Rondônia, Amapá, Tocantins, Maranhão, Alagoas
e Mato Grosso do Sul (IBGE, 2003).
Os dados revelaram ainda que 82% dos municípios brasileiros não
tinham museus, 84,5% não tinham teatro, 92% não tinham sequer uma sala
de cinema e cerca de 20% não tinham bibliotecas públicas. Mesmo entre
os municípios com bibliotecas, 69% deles tinham apenas uma (IBGE, 2003).
Seis anos depois, em nova publicação, o IBGE (2007) verificou que
mais de 90% dos municípios não tinham salas de cinema, teatro, museus
e espaços culturais multiuso. A pesquisa apresentou também um amplo
estudo no que diz respeito ao consumo cultural do brasileiro e sua
frequência aos espaços e equipamentos culturais. Verificou-se que apenas
13% dos brasileiros frequentaram cinema alguma vez por ano; 92% nunca
frequentaram museus; 93,4% jamais frequentaram alguma exposição de
arte; 78% nunca assistiram a espetáculos de dança, embora 28,8% saiam
para dançar.
A pesquisa apontou também que o brasileiro lê, em média, 1,8 livros
per capita/ano (contra 2,4 na Colômbia e 7 na França, por exemplo) e que
existe uma biblioteca para cada 35 mil habitantes, enquanto na França a
proporção é de uma biblioteca pública para cada grupo de 2,5 mil pessoas.
No que diz respeito aos livros, 73% deles estão concentrados nas mãos de
apenas 16% da população e o preço médio de um exemplar era de R$
25,00, valor considerável se comparado ao valor do salário mínimo no País
à época, reforçando a imagem de “objeto de luxo” que o livro ainda tem
para algumas camadas da população.
Constatou-se ainda a permanência da desigualdade entre as
regiões brasileiras, a saber, dos 600 municípios que nunca receberam
uma biblioteca, 405 ficam no Nordeste, e apenas dois no Sudeste; 82% dos

77
REVISTA BOLETIM OBSERVATÓRIO DA DIVERSIDADE CULTURAL . V.100 . N.02.2023

brasileiros não tinham computador em casa e 70% não tinham qualquer


acesso à internet (nem no trabalho, nem na escola); 56,7 % da população
ocupada na área de cultura não tinha carteira assinada ou trabalhavam
por conta própria.
A média brasileira de despesa mensal com cultura por família era de
4,4% do total dos rendimentos, acima da educação (3,5%), não variando
em razão da classe social, ocupando a 6ª posição dos gastos mensais da
família brasileira.

Investimentos do governo federal

Com a chegada de Gilberto Gil ao Ministério da Cultura, o governo


adotou algumas medidas para enfrentar a conjuntura deficitária e de
precarização da rede de espaços culturais no País. Uma delas foi o programa
Mais Cultura, lançado em 2007, que se propunha a investir 4,7 bilhões de
reais na infraestrutura cultural, sobretudo em áreas periféricas e cidades de
pequeno e médio porte7. Com a expectativa de incluir a cultura no debate
sobre o desenvolvimento econômico e social do País, o Mais Cultura buscava
ampliar os investimentos em infraestrutura de forma articulada às políticas
e ações em consolidação pelo MinC, incluindo o Cultura Viva, ações de livro
e leitura, de audiovisual e de desenvolvimento da economia da cultura.
Segundo documentos do MinC, a “estratégia era investir em infraestrutura
para impulsionar o processo de valorização e apoio à produção cultural
de base comunitária desencadeado pelo Cultura Viva nos anos anteriores”
(MINC, 2015, p. 3).
Assim, o programa Mais Cultura foi criado para atender objetivos
como: 1. ampliar o acesso aos bens e serviços culturais e meios necessários
para a expressão simbólica, 2. qualificar o ambiente social das cidades do
meio rural, e 3. gerar oportunidades de trabalho, emprego e renda. A partir
disso, estruturou-se sobre três eixos: 1. Cidadania; 2. Cidades; e 3. Economia.
O primeiro era voltado à qualificação do ambiente social, com criação
de infraestrutura cultural; o segundo contemplava o protagonismo das
identidades e da diversidade cultural; por fim, o terceiro dialogava com
as questões de ocupação, renda, emprego e de financiamento da cultura
(BRASIL, 2007, p. 1).
7 Cf. CNM - Confederação Nacional de Municípios. Disponível em: https://www.cnm.org.br/comunicacao/noticias/
cultura-ter%C3%A1-investimento-de-r-47-bilh%C3%B5es-afirma-gil. Acesso em: 10 nov. 2023.

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REVISTA BOLETIM OBSERVATÓRIO DA DIVERSIDADE CULTURAL . V.100 . N.02.2023

Outro programa que tinha entre suas finalidades suprir a deficiência da


rede de espaços culturais é o Praça CEU8, lançado em 2010, com o objetivo
de construir 400 praças abertas, em todas as regiões do País, contendo
diversos equipamentos, como cineteatros, bibliotecas, telecentro, quadras
etc. Atualmente, o programa foi renomeado pelo Ministério da Cultura para
CEU das Artes9. Vale contextualizar, inclusive, que o programa apresenta
elementos semelhantes à política empreendida por Mário de Andrade com
os Parques Infantis, como a transversalidade, a promoção e valorização de
expressões e manifestações culturais e o foco nas camadas da população
mais desassistidas.
Outra iniciativa é o programa Cultura Viva e seus Pontos de Cultura, que,
em alguma medida, contribuíram para a conformação e/ou consolidação
de locais de formação, produção, difusão e fruição cultural. Ao todo, até
o ano de 2019, eram contabilizados 4.033 pontos distribuídos por todo o
território nacional, segundo o Observatório Nacional da Cultura (ONC)10. São
Paulo é o estado com o maior número absoluto, 1.029, enquanto no Amapá
existem apenas sete. Proporcionalmente à população, o estado do Piauí
tem o maior número de Pontos de Cultura, com 3,85 Pontos para cada 100
mil habitantes; já o estado do Paraná é a Unidade da Federação com menor
número, conforme dados apurados pelo citado ONC.
Ainda na esteira desse enfrentamento, foram previstas no Plano
Nacional de Cultura quatro metas relacionadas diretamente ao universo
dos espaços culturais e que preveem ampliação dessas edificações
pelo País. Até o momento, apenas uma dessas metas foi integralmente
cumprida11. Trata-se da meta 31, que estabelece aumentar o número de
cidades com espaços culturais, de acordo com o número de habitantes
dos municípios, conforme a seguir:

8 O programa foi renomeado algumas vezes ao longo de sua trajetória. Criado no último ano de gestão do
governo de Luís Inácio Lula da Silva (2003-2006/2007-2010) e capitaneado pelo Ministério da Cultura, em parceria com
outros quatro ministérios (Esporte, Desenvolvimento Social e Combate à Fome, Justiça e Trabalho e Emprego) e prefeituras
municipais, o programa foi originalmente denominado Praças do PAC, depois foi chamado de Praças dos Esportes e da
Cultura (PEC) e em seguida de Praças das Artes, até ser rebatizado como Centros de Artes e Esportes Unificados, em 2013,
assim permanecendo até junho de 2019, quando foi novamente renomeado, passando a se chamar Estação Cidadania –
Cultura, pelo então recém-criado Ministério da Cidadania, no governo Jair Bolsonaro. Dois anos depois, em maio de 2021,
o programa sofreu mais uma alteração em sua nomenclatura, sendo chamando então de Pracinhas da Cultura. Por fim,
ao assumir a gestão do novo MinC, a ministra Margareth Menezes renomeou o programa como CEU das Artes. Porém, o
programa ainda é mais conhecido como “Praça” ou “Praça CEU”.
9 De acordo com a Portaria MinC nº 54, de 18 de agosto de 2023, disponível em: https://www.in.gov.br/web/dou/-/
portaria-minc-n-54-de-18-de-agosto-de-2023-504223656. Acessada em 13 de novembro de 2023.
10 Dados compilados pelo Observatório Nacional da Cultura (ONC), em 2019, e disponibilizados em seu site oficial:
https://observatoriodacultura.com/2019/06/17/confira-o-levantamento-pontos-de-cultura-no-brasil-2019/. Acesso em: 12
jan. 2021.
11 Cf. Informação do site oficial que acompanha o andamento das metas do Plano. Disponível em: http://pnc.
cultura.gov.br/category/metas/31/. Acesso em: 10 nov. 2023.

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REVISTA BOLETIM OBSERVATÓRIO DA DIVERSIDADE CULTURAL . V.100 . N.02.2023

– 35% dos municípios com até 10 mil habitantes com pelo menos um
tipo;
– 20% dos municípios entre 10 mil e 20 mil habitantes com pelo menos
dois tipos;
– 20% dos municípios entre 20 mil e 50 mil habitantes com pelo menos
três tipos;
– 55% dos municípios entre 50 mil e 100 mil habitantes com pelo menos
três tipos;
– 60% dos municípios entre 100 mil e 500 mil habitantes com pelo menos
quatro tipos;
– 100% dos municípios com mais de 500 mil habitantes com pelo menos
quatro tipos.

Vale ressaltar a meta 33, que estabelece a criação de 1.000 espaços


como os Centros de Artes e Esporte Unificados, as Praças CEU, que alcançou
até dezembro de 2021 apenas 25,7% do estipulado, de acordo com o
acompanhamento feito pelo MinC.

Metas do PNC relacionadas aos Espaços Culturais/Gestão Pública

Situação da Meta
Nº Metas Indicador
(até dezembro de 2021)
Municípios brasileiros com
algum tipo de instituição
ou equipamento cultural,
Aumentar o número de
entre museu, teatro ou sala
31 cidades com espaços Meta alcançada
de espetáculo, arquivo
culturais
público ou centro de
documentação, cinema e
centro cultural.
100% dos municípios Ter pelo menos uma
brasileiros com ao menos biblioteca pública 85,4% da meta
32
uma biblioteca pública em ativa em cada cidade alcançada
funcionamento. brasileira
Criar mil espaços como
1.000 espaços culturais
os centros de artes e 25,7% da meta
33 integrados a esporte e lazer
esportes unificados alcançada
em funcionamento.
(CEUs)
Melhorar instalações, 37% da meta alcançada
50% de bibliotecas públicas
equipamentos e em relação às
34 e
acervos de bibliotecas e bibliotecas e 8% dos
museus modernizados.
museus museus.

80
REVISTA BOLETIM OBSERVATÓRIO DA DIVERSIDADE CULTURAL . V.100 . N.02.2023

Gestores capacitados
em 100% das instituições Em 2021, a meta
Formar gestores de
35 e equipamentos culturais alcançou 55% do
espaços culturais
apoiados pelo Ministério da planejado para o ano.
Cultura
Fonte: MinC, 2023. Elaborada pelo autor.

Os investimentos realizados na gestão Gilberto Gil e nos períodos


subsequentes não foram suficientes para suprir a grande defasagem
existente, conforme atestam os dados mais recentes revelados pelo IBGE na
publicação Sistema de Informações e Indicadores Culturais 2007-2018 (IBGE,
2019). Os dados divulgados, que tomam por base os números coletados em
diversas pesquisas da Instituição, a exemplo da Pesquisa de Informações
Básicas Municipais (MUNIC), apontam que, em 2018, 32,2% da população
morava em municípios sem museu, 30,9%, sem teatro ou sala de espetáculo,
39,9%, sem cinema, 18,8% sem rádio AM ou FM local, 14,8%, sem provedor de
internet. Em relação a esse último dado, quando são feitos outros recortes,
como faixa etária, raça e escolaridade, a desvantagem é maior para os
grupos vulneráveis: população preta ou parda (15,3%), crianças (15,6%) e
sem instrução ou fundamental incompleto (17,7%), conforme tabela abaixo.
Quando o recorte é geográfico, notam-se as disparidades entre
as Unidades da Federação. As maiores proporções da população em
municípios sem provedor de internet estavam no Piauí (51,3%) e em
Tocantins (42,3%), por exemplo. Possivelmente essas localidades foram
ainda mais atingidas pelos impactos da pandemia por Covid-19, entre
os anos 2020 e 2021, que tinha no isolamento social a principal estratégia
para a contenção do contágio e no ambiente on-line a possibilidade de
manutenção das atividades sociais, laborais e econômicas.
Livrarias estavam presentes em 42,7% dos municípios em 2001,
diminuindo para 17,7% deles em 2018. Já as videolocadoras tinham a maior
participação em 2006 (82,0% dos municípios), chegando a seu mínimo
histórico em 2018 (23,0%). Lojas de discos, fitas CDs, DVDs seguiram a mesma
tendência.
A pesquisa registra ainda que equipamentos tradicionais como
bibliotecas, museus, teatros, rádios e cinemas cresceram em presença nos
municípios até 2014, com decréscimo em 2018. Apesar desse decréscimo, os
valores encontrados em 2018 estavam similares ou maiores que o início da
série em 1999, que apontavam dados ainda mais alarmantes, como: 82%

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REVISTA BOLETIM OBSERVATÓRIO DA DIVERSIDADE CULTURAL . V.100 . N.02.2023

dos municípios brasileiros não tinham museus, 84,5% não tinham teatro,
92% não tinham sequer uma sala de cinema e cerca de 20% não tinham
bibliotecas públicas.
A variação na capilaridade desses equipamentos e meios de
comunicação, segundo o IBGE (2019), parece ser influenciada por fatores
econômicos, considerando o crescimento da economia na primeira
década dos anos 2000 e a crise em anos recentes, o que teria levado a
uma queda generalizada na capilaridade geográfica dos equipamentos
e meios de comunicação entre as medições de 2014 e 2018. Outros fatores
apontados pelo Instituto é a evolução tecnológica (barateamento de
equipamentos eletrônicos, domésticos e profissionais, mudanças nas mídias
etc.) e a alteração dos modos de fruição, que podem ter influenciado na
popularidade de alguns equipamentos. Houve, nos últimos anos, aumento
no acesso domiciliar à internet, na oferta de streaming de áudio e vídeo, no
crescimento do comércio pela internet e a diminuição da importância das
mídias físicas (IBGE, 2019, p. 148).
Outra fonte de informação sobre a infraestrutura cultural do País pode
ser acessada no site Mapas Culturais12, que congrega os dados do antigo
cadastro do Sistema Nacional de Informações e Indicadores Culturais
(SNIIC), mantido pelo governo federal e preenchido pela sociedade civil.
Nele, até o mês de novembro de 2023, estava registrada a existência de
29.540 espaços culturais no País, agrupados em 110 categorias que vão
dos mais tradicionais, como teatros, cinemas, museus, bibliotecas, circos,
galerias etc., aos mais alternativos ou que abarcam uma concepção mais
alargada do termo, como igrejas, trio elétricos, sebos, lan houses, mesquitas,
terreiros, praças, escolas de artes, bancas de jornal, antiquários etc.
Como esse mapeamento depende da inserção das informações por
parte da sociedade civil, supõe-se aqui que esse quantitativo possa ser
ainda maior, tendo em vista que muitos agentes culturais desconhecem
essa iniciativa e/ou não compreendem seu empreendimento como um
espaço cultural.
Outro ponto a se considerar acerca dessa iniciativa é que os dados
disponibilizados nos cadastros são poucos ou insuficientes para contribuir
de forma efetiva na formulação de políticas públicas que os tenham como
12 O Mapas Culturais é um banco de dados disponível on-line que congrega o antigo cadastro do Sistema Nacional
de Informações e Indicadores Culturais (SNIIC) e é integrado a outras bases de dados da Secretaria Especial da Cultura,
como a Rede Cultura Viva, o Sistema Nacional de Bibliotecas Públicas e o Cadastro Nacional de Museus. Cf. http://mapas.
cultura.gov.br/. Acesso em: 13 nov. 2023.

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REVISTA BOLETIM OBSERVATÓRIO DA DIVERSIDADE CULTURAL . V.100 . N.02.2023

objeto. Estão registrados apenas uma breve apresentação do espaço, o


tipo de categoria, as áreas de atuação, endereço, se têm acessibilidade,
capacidade, responsáveis e telefone de contato, critérios de uso do espaço
e uma galeria para upload de vídeos e fotos. É possível cadastrar também
a agenda de programação do local. Não há nenhuma informação acerca
de seus públicos, custos de manutenção, recursos humanos ou modelos de
gestão empreendidos. Além disso, a plataforma é limitada em termos de
recursos técnicos, passando a permitir apenas recentemente a exportação
de dados para planilhas editáveis, possibilitando alguns cruzamentos com
as informações disponíveis.
A ausência de equipamentos culturais ou sua existência deficitária
nas cidades brasileiras se contrapõe às potencialidades da economia
da cultura no País e alerta para a questão da invisibilidade em diversos
territórios para a constituição e a promoção da diversidade social e cultural
que abrigam. Aprofunda o desconhecimento que a população tem da sua
rica e diversa produção cultural e denota a pouca relevância que lhe é
atribuída (Serpa, 2010, p. 31). Permanece para o País, portanto, o desafio de
se reverter o déficit de infraestrutura cultural, principalmente nos municípios
de pequeno e médio porte, além de enfrentar a distribuição espacial
desigual dos espaços culturais comum às grandes cidades brasileiras. Por
outro lado, aos equipamentos existentes os desafios são de outra ordem,
relacionados à sua sustentabilidade e manutenção, aos seus modos de
gerir e se relacionar com seus diversos públicos, internos e externos – foco
de abordagem do próximo tópico.

Perspectivas para o futuro?

A atual gestão do MinC13, tendo à frente a cantora Margareth Menezes,


escolhida por Lula para ser ministra da cultura do seu terceiro mandato
presidencial (2023-2016), anunciou um conjunto de medidas que visam
contribuir para a diminuição da defasagem da infraestrutura cultural no
país.
13 Importante registrar que o Ministério da Cultura foi reestabelecido após um hiato de quatro anos, uma vez que
durante o mantado do presidente anterior, Jair Bolsonaro (2019-2022), o MinC foi reduzido a uma secretaria especial
vinculada, primeiramente, ao Ministério da Cidadania, e depois ao Ministério do Turismo. Esse período foi marcado pelo
enfraquecimento ou interrupção de programas e projetos, não havendo necessariamente propostas consistentes para
substituí-los ou reformulá-los ou ainda novas proposições com a mesma envergadura que as gestões anteriores, Lula
da Silva (2003-2006 / 2007-2010) e Dilma Rousseff (2011-2014 / 2015-2016). Além disso, não havia clareza sobre qual o
plano de governo para o setor, além das omissões e descontinuidades impostas. A gestão Bolsonaro demonstrava,
reiteradamente, uma postura contra a cultura e a arte, sobretudo no que diz respeito às dimensões e abordagens mais
abstratas, reflexivas e contra hegemônicas que lhes são inerentes.

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REVISTA BOLETIM OBSERVATÓRIO DA DIVERSIDADE CULTURAL . V.100 . N.02.2023

Com a retomada, o novo MinC criou a Subsecretaria de Espaços e


Equipamentos Culturais (SEEC), responsável por coordenar a implementação
de espaços e equipamentos culturais no País, promover programas, projetos
e ações em parceria com estados e municípios para a implantação,
ampliação e melhoria da infraestrutura cultural. O Setor é constituído por
três coordenações, a saber: a Coordenação Geral de Articulação e Parceria
(CGAP), a Coordenação Geral de Desenvolvimento de Projetos (CGDP) e a
Coordenação Geral de Monitoramento de Empreendimentos (CGME)14.
Recentemente, a ministra Margareth Menezes publicou a Portaria
MinC nº 68, de 29 de setembro de 2023, que instituiu o Programa Territórios
da Cultura, que tem “a finalidade de implementar uma rede de espaços
e equipamentos integrados de cultura em territórios periféricos, com
vistas à efetivação de direitos culturais, à promoção da cidadania e ao
reconhecimento e à valorização da diversidade cultural”15. O programa,
segundo a ministra,

será uma peça fundamental na integração de políticas culturais em


nível federal, estadual e municipal. Além disso, ele será uma ponte para
outras políticas, programas e ações que fortaleçam sua capacidade de
atuação. Esta iniciativa representa um passo significativo em direção a
uma sociedade mais inclusiva e culturalmente rica, promovendo não
apenas a arte e a educação, mas também a dignidade, a cidadania e o
entendimento entre diferentes comunidades do Brasil16

Dentre os objetivos do Programa registrado na referida portaria, estão:

I - diminuir a desigualdade de acesso à infraestrutura cultural por meio


da implementação de espaços e equipamentos culturais em territórios
periféricos; e II - ampliar a capilarização da oferta de espaços culturais
a partir da atuação em rede e de equipamentos de dimensões variadas,
fixos ou itinerantes, com recursos adequados para a formação, a produção
e a fruição cultural, especialmente em locais de vulnerabilidade social; (...)

14 Gestões anteriores do ministério também possuíam setores específicos voltados aos segmentos dos espaços
e equipamentos culturais. Por exemplo, em 2012, foi criada a Diretoria de Programas Especiais e Infraestrutura Cultural,
dentro da Secretaria Executiva, na gestão Ana de Holanda. Em 2016, na gestão Marcelo Calero, a Diretoria ganhou status de
Secretaria, tornando-se Secretaria de Difusão e Infraestrutura Cultural, cuja função era buscar parcerias com prefeituras
e governos estaduais para apoiar melhorias e modernização de equipamentos públicos como bibliotecas, teatros e
centros culturais. A Seinfra era composta por duas diretorias: 1. Gestão de obras e equipamentos culturais e 2. Projetos de
infraestrutura cultural. No governo Bolsonaro, a SINFRA voltou a ser diretoria. Um importante programa da Seinfra era o
Centro de Artes e Esportes Unificados, conhecido como Praça CEU.
15 Fonte: https://in.gov.br/web/dou/-/portaria-minc-n-68-de-29-de-setembro-de-2023-513840797. Acesso em 13
nov. 2023.
16 Fonte: https://www.gov.br/cultura/pt-br/assuntos/noticias/minc-lanca-programa-territorios-da-cultura-pa-
ra-garantir-infraestrutura-cultural-em-todo-pais. Acesso em 13 nov. 2023.

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REVISTA BOLETIM OBSERVATÓRIO DA DIVERSIDADE CULTURAL . V.100 . N.02.2023

Nota-se que, essa nova gestão reconhece a situação deficitária dos


equipamentos e espaços culturais no país, além da desigualdade da sua
distribuição em território nacional.
Ainda sobre o programa, o MinC informa por meio da Portaria nº 68,
que para alcançar os objetivos estabelecidos, estão previstas as seguintes
diretrizes programáticas:

Diretrizes programáticas do Programa Territórios da Cultura


Modalidades/Ações Descrição
Biblioteca-Parque Edificação de uso cultural de grande porte,
preferencialmente integrada a outras políticas
públicas, com a finalidade de promover a política
de acesso ao livro, à leitura, às artes, entre outras
políticas culturais, em áreas de vulnerabilidade social.
CEU da Cultura Edificação de uso cultural, de caráter comunitário,
composta por espaços associados à expressão
corporal, educação cidadã, arte e educação, trabalho
e renda, meio ambiente, entre outras atividades
relacionadas à cultura.
MovCEU Equipamento cultural itinerante, produzido por meio
da adaptação de veículos e barcos para a realização
de ações culturais.
Reformas, adaptações e Priorizando as iniciativas que visam a melhorar
modernização de equipamentos o desempenho energético, o conforto térmico, a
culturais acessibilidade, a sustentabilidade, as condições de
segurança e integridade das edificações localizadas
em territórios periféricos.

Fonte: Portaria MinC nº 68, de 28 de setembro de 2023. Elaborado pelo autor.

A proposta do ministério é que o programa seja executado em parceria


com estados e munícipios e que a gestão dos equipamentos culturais
deve ocorrer de forma compartilhada, a partir de mobilização social e da
formação de redes de parceiros. Importante destacar que essas premissas
estão na gênese de projetos e programas de gestões anteriores do MinC,
a exemplo da(o): Base de Apoio à Cultura (BAC)17, Mais Cultura e Praça
CEU (Centro de Artes de Esportes Unificados). Este último, recentemente
renomeado pelo MinC para CEU das Artes.

17 O projeto foi proposto nos primeiros anos da gestão Gilberto Gil (2003-2008) e tinha por objetivo instalar 50
estruturas de 1.300m² em áreas periféricas das cidades brasileiras, com a finalidade de apoiar a produção cultural
comunitária. As BACs foram pensadas como espaços de infraestrutura tecnológica para a produção cultural das
comunidades e a articulação entre elas, assim conectando as comunidades entre si e com o mundo. O projeto não foi
adiante por falta de recursos e as duas primeiras BACs anunciadas pelo Ministério, uma na Rocinha, no Rio de Janeiro, e
outra no Distrito Federal, não chegaram a ser instaladas.

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REVISTA BOLETIM OBSERVATÓRIO DA DIVERSIDADE CULTURAL . V.100 . N.02.2023

No que diz respeito aos recursos financeiros, para tornar realidade


o programa, serão utilizadas verbas provenientes do Fundo Nacional
da Cultura (FNC), da Política Nacional Aldir Blanc de Fomento à Cultura
(PNAB), de emendas parlamentares, além do Programa de Aceleração
do Crescimento (PAC). Este último, por exemplo, será o financiador da
modalidade/ação CEU da Cultura, assim como ocorreu em 2010, quando a
Casa Civil do governo Lula, então no segundo mandato, publicou edital de
apoio para a construção de 400 Praças CEU, em parceria com prefeituras
municipais, e financiamento com recursos do então chamado PAC 2.
Segundo o MinC, serão destinados ao CEU da Cultura o montante de R$ 600
milhões para a construção de 300 empreendimentos e mais R$10 milhões
para a finalização de 26 obras do programa Praça CEU18.
Para efeito de comparação, o já citado edital de 2010 aportou R$ 800
milhões para a instalação de 400 unidades – sendo que, até dezembro de
2021, 11 anos após o lançamento do edital, haviam sido inauguradas 257
Praças, ou seja, 64% da meta19.
As semelhanças com o programa Praça CEU (ou CEU das Artes) não
se resumem apenas à fonte de financiamento. Do ponto de vista conceitual,
também é possível observar elementos comuns entre um programa e
outro. Por exemplo, o CEU da Cultura também está programado para ser
construído em áreas de vulnerabilidade socioeconômica e a participação
social é uma das premissas do programa.
Contudo, o CEU da Cultura traz algumas atualizações em relação às
Praças CEU, que diz respeito aos equipamentos que serão instalados, todos
eles voltados ao campo da cultura (biblioteca; LabCéu, laboratório dedicado
à Economia da Cultura; e Incubadora Cultural), diferentemente das Praças,
que haviam equipamentos de cultura, esporte, lazer, assistência social etc.
O espaço contará também com sala de administração e suporte, algo que
não havia nas plantas arquitetônicas das Praças.
Segundo a Subsecretária de Espaços e Equipamentos Culturais
do MinC, Cecília Gomes de Sá, a comunidade poderá escolher outros
equipamentos para serem instalados no CEU da Cultura, de acordo com o
18 Fonte: https://www.gov.br/cultura/pt-br/assuntos/noticias/minc-lanca-programa-territorios-da-cultura-para-
garantir-infraestrutura-cultural-em-todo-pais. Acesso em 13 nov. 2023.
19 Entre os motivos para esse resultado abaixo do esperado estão questões que evidenciam tanto as fragilidades
do programa como problemas recorrentes a muitas prefeituras municipais, como: ineficiência da prefeitura no
cumprimento dos termos de cooperação; o não aporte do recurso da contrapartida; mudanças de gestão no poder
público; dificuldades no processo licitatório da obra e problemas com empreiteiras; ausência de titularidade do terreno;
impossibilidade de contratar recursos humanos para a gestão das Praças sem infringir a Lei de Responsabilidade Fiscal;
entre outros.

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REVISTA BOLETIM OBSERVATÓRIO DA DIVERSIDADE CULTURAL . V.100 . N.02.2023

tamanho do terreno e das demandas daquela localidade, a exemplo de:


cozinha comunitária, sala multiuso, ateliê, cine teatro, estúdio de gravação,
sala de dança, parque infantil, quadra policultural coberta, área verde,
entre outros20.
Outra atualização importante ainda diz respeito às plantas
arquitetônicas, que poderão ser adaptadas aos diferentes tipos de terreno
e clima de cada região do país, ao contrário do que ocorreu com as Praças
CEU que tiveram suas plantas (eram um total de três modelos) replicadas
de forma seriada, sem considerar as especificidades de cada região.
Além do CEU da Cultura, que já foi alvo de ações efetivas por parte
do MinC, tendo os procedimentos para o seu processo seletivo publicado
na Portaria MinC nº 74, de 06 de outubro de 202321, a modalidade/ação
MovCEU, também já teve seu edital publicado em portaria pelo ministério22.
Essa iniciativa se propõe selecionar interessados entre Estados, Distrito
Federal e Municípios, bem como suas autarquias e fundações públicas, em
adquirir um dos trinta equipamentos itinerantes que são objeto do edital.
O MovCEU são veículos do “tipo van ou furgão adaptado para se
transformar em uma biblioteca, estúdio de produção audiovisual, cinema
de rua, palco para apresentações diversas, entre outros”23. Para o edital
2023, as propostas são restritas a localidades com até 20 mil habitantes.
A gestão, funcionamento e manutenção do equipamento cultural é de
responsabilidade do proponente.
Certamente, um dos principais desafios para o projeto será garantir
a adequada e sistemática manutenção do veículo. Se considerarmos a
dificuldade que muitos municípios brasileiros têm, sobretudo, os menores,
em manter em pleno funcionamento sua frota de veículos, muitos deles
pertencentes a áreas essenciais como saúde (ambulâncias) e segurança
(carro de polícia), por exemplo, é possível projetar os possíveis problemas
que surgirão nesse campo mais adiante se não houver nenhuma linha de
fomento para apoio desse quesito. A vida útil desses equipamentos poderá
ser reduzida substancialmente.

20 Fonte: https://www.gov.br/cultura/pt-br/assuntos/noticias/minc-lanca-programa-territorios-da-cultura-pa-
ra-garantir-infraestrutura-cultural-em-todo-pais. Acesso em 13 nov. 2023.
21 Fonte: https://www.gov.br/casacivil/novopac/selecoes/eixos/arquivos/portaria-minc-74-selecao-no-
vo-pac-2023. Acesso em 13 nov. 2023.
22 Portaria MinC nº 70, de 29 de setembro de 2023. Fonte: https://www.in.gov.br/en/web/dou/-/portaria-minc-n-70-
de-29-de-setembro-de-2023-*-513873977. Acesso em 13 nov. 2023.
23 Fonte: https://www.gov.br/cultura/pt-br/assuntos/noticias/inscricoes-para-o-movceu-sao-prorrogadas-ate-
-20-de-outubro. Acesso em 13 nov. 2023.

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REVISTA BOLETIM OBSERVATÓRIO DA DIVERSIDADE CULTURAL . V.100 . N.02.2023

Considerações finais

O percurso histórico das políticas culturais brasileiras, marcado por


ciclos tão distintos e permeado por ações e medidas descontínuas e
inconclusas, conduziu o País a políticas esvaziadas, pouca efetivas, além
de enormes lacunas de investimentos nos mais diversos segmentos
do campo cultural, incluindo o universo que envolve os espaços e
equipamentos culturais. Esses locais, essenciais para a dinâmica cultural
das cidades, abrigam variadas práticas culturais e manifestações artísticas
e sintetizam a cadeia produtiva da cultura, à medida que acolhem, em suas
dependências, ações de formação, criação, produção, difusão e consumo.
Em muitos municípios brasileiros, esses espaços contribuem para
a sociabilidade e convivência das pessoas, desempenham não apenas
a função de ofertar produtos e serviços artístico-culturais à população,
mas também se constituem como espaços de construção de sentidos,
de conhecimentos e de práticas diversas que refletem nos modos de
produção e nas relações estabelecidas nessas localidades.
Os espaços culturais, em geral, quando bem administrados, têm
potencial para desempenhar um papel fundamental na formação do
tecido social, colaborando para o desenvolvimento de um território sob
diversos aspectos. Do ponto de vista espacial, por exemplo, contribuem
para o desenho das cidades e para o reforço da arquitetura urbana
existente. No que diz respeito à economia, além de essenciais para a fluidez
e o acolhimento dos diferentes elos da produção cultural, configurando-se
como pontos de mobilização de capital, são também importantes ativos
para outros mercados, como o turístico, por exemplo. No sentido social,
colaboram na construção da identidade, na promoção da cidadania e na
garantia dos direitos culturais, pois se tornam lugares de encontro para a
convivência e articulação de diferentes saberes, conteúdos e narrativas
que expressam a diversidade cultural de uma população. Na perspectiva
criativa, contribuem para a experimentação artística e o despertar para
outros olhares, sentidos e sensibilidades que envolvem os anseios e dilemas
de nosso tempo e espaço (Kauark, Rattes, Leal, 2019; Barros, Rattes, 2021).
No entanto, apesar da evidente importância dos espaços culturais,
o lugar que ocupam ainda é pouco privilegiado no campo das políticas
públicas de cultura, que ainda são tímidas e descontínuas, o que impacta

88
REVISTA BOLETIM OBSERVATÓRIO DA DIVERSIDADE CULTURAL . V.100 . N.02.2023

diretamente na capacidade de o país provocar mudanças substanciais


e permanentes nesse campo. Há muitos desafios a serem enfrentados,
dentre alguns, podemos citar:
1. Diminuir a desigualdade de espaços e equipamentos culturais
entre as regiões e municípios brasileiros;
2. Garantir linhas permanentes de fomento e financiamento não
apenas para a construção de novos espaços e equipamentos culturais,
mas também para a manutenção, requalificação e modernização e
dinamização da programação dos já existentes;
3. Formar, capacitar e aperfeiçoar gestores e demais profissionais
que atuam nos mais diversos tipos de equipamentos e espaços culturais, a
partir de uma perspectiva abrangente, que não apenas tecnicista;
4. Garantir que a ideia de diversidade não esteja limitada
aos diferentes atores envolvidos, mas presente em todas as camadas
e dimensões, que incluem ainda os modos de gerir, os conteúdos
disponibilizados, os públicos atendidos, as dinâmicas locais, a comunicação
do espaço cultural.
5. Aproximar os equipamentos e espaços culturais de
práticas sustentáveis, com a utilização de energia limpa, reutilização e
aproveitamento de água, etc.
6. Estabelecer relações efetivas e afetivas com os públicos,
sobretudo, com a comunidade do entorno, encarando-a não apenas como
um público potencial para consumir as ações ofertadas, mas também
para realizar atividades provocadas e propostas por ela.
Apesar dos desafios, é preciso reconhecer os avanços e o aumento dos
investimentos feitos nas últimas duas décadas, a partir de iniciativas como
a inclusão da temática no Plano Nacional de Cultura, a implementação de
programas e projetos como Mais Cultura, Pontos de Cultura, Praças CEU e
o mais recente Territórios da Cultura, entre outros.
Vale destacar também a visão sistêmica que muitos desses projetos e
programas tem promovido, no sentido de atribuir funções bem definidas a
cada ente da federação: cabe ao governo federal, em geral, o financiamento
para a instalação de novos equipamentos culturais, sobretudo, em
localidades mais carentes e/ou vulneráveis, em uma tentativa de diminuir
as desigualdades históricas no país, além do estabelecimento de alguns
conceitos basilares para esses equipamentos; aos estados, municípios e

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sociedade civil, cabem a gestão dos equipamentos a partir de critérios


republicanos, muitas vezes balizados por meio de convênios que impõem
diretrizes importantes como: participação social e diversidade cultural.

COMO CITAR ESSE ARTIGO


RATTES, Plínio. Infraestrutura cultural do Brasil: passado, presente e futuro.
Revista Boletim do Observatório da Diversidade Cultural, Belo Horizonte,
v. 100, n. 2, 2023. Disponível em: https://observatoriodadiversidade.org.br/
boletins/. Acesso em: [data].

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REVISTA BOLETIM OBSERVATÓRIO DA DIVERSIDADE CULTURAL . V.100 . N.02.2023

Marília Scarabello
Desdobramento
Série “Intervalo”
Papel com inscrições em braille e terra / fotografia digital
Jundiaí, SP, 2022
94
Foto: Marília Scarabello
REVISTA BOLETIM OBSERVATÓRIO DA DIVERSIDADE CULTURAL . V.100 . N.02.2023
OS AVANÇOS LEGAIS NA FACILITAÇÃO DOS
PROCESSOS ENVOLVIDOS NO FOMENTO À
CULTURA E OS DESAFIOS ENVOLVIDOS EM SUA
EFETIVA IMPLANTAÇÃO
Poli Brasil1

RESUMO

A partir da análise de dispositivos legais de novas normativas da área


cultural e pautado na vivência da autora na assessoria técnica para
gestores municipais e agentes culturais diversos, o artigo busca uma
reflexão sobre os desafios do setor cultural para que as premissas legais
das políticas de repasse descentralizado em vigor se tornem realidade nos
diversos territórios.

Introdução: o panorama legal do setor cultural pós pandemia

O ano é 2023. A pandemia do COVID-19 ainda nos assombra. Foi quase


ontem que os teatros estavam fechados, os shows cancelados e o nosso
fazer cultural suspenso no tempo como partículas de poeira. Foi quase
ontem que ouvimos acusações do próprio governo do país atacando a
classe artística e uma enxurrada de fake news divulgadas por pessoas
de nossas próprias famílias. Finalmente a pandemia arrefeceu, os teatros
reabriram, um novo governo se instaurou.
Nesses últimos seis meses de 2023 estamos vivendo um alvoroço
na área cultural. Junto à recriação do Ministério da Cultura, somou-se a
execução da importante Lei Complementar no 195/2022 (Lei Paulo Gustavo)
com o valor histórico de R$3,8 bilhões repassados para municípios, estados
e Distrito Federal. Estamos agora no início da execução de uma nova e
importante política pública, a Política Nacional Aldir Blanc de Fomento à
Cultura (PNAB), Lei no 14.399/2022. A PNAB é uma política de descentralização
de recursos que vai repassar a municípios, estados e Distrito Federal
três bilhões por ano, pelos próximos cinco anos. Somando-se a isso, um
1 Poliana Gomez Brasil é Jornalista graduada em Direito, produtora cultural, assessora em políticas públicas de
cultura, musicista e mãe. E-mail: poligomez.brasil@gmail.com

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decreto abre caminho feito um facão na tentativa de simplificar processos


legais para o fazer cultural: o Novo Decreto do Fomento Cultural (Decreto
nº 11.453/2023) traz inovações importantes para a efetiva mudança nos
processos da área, buscando facilidades para todos os envolvidos.
As reuniões online de estudos das leis, as inúmeras lives independentes,
os incontáveis grupos de Whatsapp bradam as novas prerrogativas legais
e trazem um alento: é tempo de olhar com carinho para a classe artística,
de acolher os excluídos, de fortalecer a diversidade cultural dos nossos
territórios, de escutarem nossa voz e de simplificar o processo para inclusão
de muitos. Nos agarramos a essa esperança com unhas, dentes e brilho no
olhar. E então, estados e municípios lançaram os editais da Lei Paulo Gustavo
e viram o mesmo de sempre: apesar de existir a previsão de facilitações na
legislação, isso não é o suficiente para um novo e democrático acesso a
recursos culturais.
Calma, não os trouxe até aqui para um banho gelado – até porque
eu sou Poliana no sentido da obra literária, do jogo do contente e de ver o
copo meio cheio. Como produtora cultural, bacharel em Direito e musicista,
ao longo dos últimos oito anos pude apoiar o desenvolvimento de projetos
junto a artistas de diversas áreas. Nesse momento pós pandemia, me
vi envolta nos processos de implementação da Lei Emergencial Paulo
Gustavo em municípios de 11 estados brasileiros e passei a vivenciar um
olhar mais próximo dos gestores municipais de cultura. Ao me aproximar
dos processos que acontecem junto aos gestores das pastas da cultura
e somando-se minha atuação no setor público como ex-presidente do
Conselho de Política Cultural de meu município, percebo o quão importante
é um entendimento sobre os diversos agentes e seus papéis para uma
construção verdadeiramente democrática sobre as políticas culturais. É
com esse olhar que trago reflexões sobre a relação entre as legislações
que balizam as políticas públicas de cultura e os agentes culturais diversos
que envolvem os processos tão importantes no fomento à cultura em
nosso país.
Faço um convite para mergulharmos nesse importante momento de
inovação legislativa para facilitação dos processos para compreendermos
melhor alguns desafios que o setor vai efetivamente enfrentar até que
o texto da lei consiga transcender o papel e ser realidade nos diversos
territórios.

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REVISTA BOLETIM OBSERVATÓRIO DA DIVERSIDADE CULTURAL . V.100 . N.02.2023

Os avanços legislativos do momento atual

Antes de nos debruçarmos sobre os desafios, é importante


entendermos os motivos que me fazem afirmar que estamos presenciando
um marco histórico de avanço legislativo no segmento cultural.
Para a melhor aplicação das disposições jurídicas do setor cultural, é
necessário, inicialmente, conhecer os instrumentos que balizam as ações,
assim como realizar uma interpretação além da leitura simplificada. É preciso
um olhar mais atento que perceba os diferentes agentes envolvidos, as
delimitações de funções desses agentes, as possíveis lacunas normativas,
a vontade do legislador e que faça, também, uma transposição para as
diversas realidades dos entes federados. É imprescindível que haja uma
compreensão clara, que vai além das informações dos textos normativos
e que dialogue com a diversidade de agentes e dos territórios desse nosso
país continental.
Para aprofundar o entendimento dos avanços legais, temos novas
normativas da área cultural, tais como importantes dispositivos da Lei Paulo
Gustavo, Lei Complementar no 195/2022, que transferiu uma cifra histórica
com o maior valor de repasse descentralizado da cultura brasileira. Essa lei
emergencial trouxe evoluções importantes para minimizar as dificuldades
dos fazedores de cultura no acesso a recursos para suas ações.
Também destacamos os avanços do Novo Decreto do Fomento à
Cultura, que traz diretrizes para importantes programas e políticas culturais:
o PRONAC, a Política Nacional de Cultura Viva (Lei no 13.018/2014), a Política
Nacional Aldir Blanc, a Lei emergencial Paulo Gustavo e ainda pode balizar
outras políticas públicas culturais formuladas pelos órgãos do Sistema
Nacional de Cultura.

O afastamento das Leis de Licitações nos editais da Lei Paulo Gustavo

A verdadeira inovação da Lei Paulo Gustavo, no meu entendimento, veio


quando explicitamente afastou a aplicação dos editais emergenciais da Lei
de Licitações 2. As duas leis que estão vigentes no momento, Lei no 8.666/1993
(vigente até dezembro deste ano) e Lei no 14.133/2021 (popularmente
chamada de nova lei de Licitações) trazem requisitos obrigatórios que
2 Art. 19. Na execução de recursos de que trata esta Lei Complementar não se aplica o disposto no art. 184 da Lei
nº 14.133, de 1º de abril de 2021.

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REVISTA BOLETIM OBSERVATÓRIO DA DIVERSIDADE CULTURAL . V.100 . N.02.2023

devem ser observados nas licitações e contratos administrativos. Sendo


a Lei Paulo Gustavo (e outras leis) lei de fomento, não se coaduna utilizar
as regras de compras e serviços públicos às ações culturais fomentadas.
De modo a preencher a lacuna criada com o afastamento das leis de
licitações, o Governo Federal emitiu o citado Decreto do Fomento em março
deste ano, vinculado à Lei Paulo Gustavo em seu alcance legal.
Os processos de compras e serviços regidos pela Lei de Licitações
prevêem critérios que não são aplicáveis ao fomento de ações culturais
de fomento. Nesta tem-se a predominância dos interesses próprios da
administração pública em relação ao conteúdo artístico, podendo escolher
qual o conteúdo artístico que atende suas expectativas (valendo-se dos
critérios acima explicitados para realizar os contratos). No fomento a ações
culturais, ao contrário, o interesse da administração pública é minimizado
em detrimento à realização de atividades, apoio a agentes e espaços
culturais para o pleno exercício do direito à cultura.

A premissa da participação social na gestão dos recursos

Um dos dispositivos que aponto neste processo de melhoria é a


pactuação entre os entes federados e a sociedade civil no processo de
gestão dos recursos de forma participativa3. O texto da lei trouxe previsão
expressa, inclusive indicando como a participação da sociedade civil
deverá acontecer nos processos que ficaram conhecidos como oitivas
públicas4. Nelas, a comunidade cultural e sociedade civil em geral poderiam
sugerir parâmetros de regulamentos, editais, chamamentos públicos,
prêmios ou quaisquer outras formas de seleção pública e os resultados
dessas escutas deveriam ser observados na elaboração dos instrumentos
de seleção. Essa construção com participação popular já ocorreu na
criação de outros programas pró cultura, fruto da articulação dos próprios
interessados. É o caso, por exemplo, da criação da lei que instituiu o VAI
3 Art. 1º, Parágrafo único. As ações executadas por meio desta Lei Complementar serão realizadas em consonância
com o Sistema Nacional de Cultura, organizado em regime de colaboração, de forma descentralizada e participativa,
conforme disposto no art. 216-A da Constituição Federal, notadamente em relação à pactuação entre os entes da
Federação e a sociedade civil no processo de gestão dos recursos oriundos desta Lei Complementar.
4 § 2º Após a adequação orçamentária de que tratam os arts. 11 e 12 desta Lei Complementar, os Estados, o
Distrito Federal e os Municípios deverão promover discussão e consulta à comunidade cultural e aos demais atores da
sociedade civil sobre parâmetros de regulamentos, editais, chamamentos públicos, prêmios ou quaisquer outras formas
de seleção pública relativos aos recursos de que trata esta Lei Complementar, por meio de conselhos de cultura, de
fóruns direcionados às diferentes linguagens artísticas, de audiências públicas ou de reuniões técnicas com potenciais
interessados em participar de chamamento público, sessões públicas presenciais e consultas públicas, desde que
adotadas medidas de transparência e impessoalidade, cujos resultados deverão ser observados na elaboração dos
instrumentos de seleção de que trata este parágrafo.

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(Programa para Valorização de Iniciativas Culturais) no município de São


Paulo. A importante participação dos jovens da cidade nos debates da
Comissão da Juventude, na Câmara dos Vereadores, foi fundamental para
a criação do Programa:

Durante o processo de formulação do Programa, houve a formação de


uma rede política capilarizada em bases de apoio sociais (os jovens)
na forma de ONGs e por meio de coletivos e movimentos culturais, que
participaram do processo. Nas discussões que originariam a política
pública, tanto os jovens quanto os representantes das entidades sentiram-
se contemplados pela forma como o projeto de lei contribuiu para
assegurar o direito à cultura. A formulação desta política ia ao encontro
dos desejos e interesses dos atores que formaram essa rede; muitos dos
jovens que participaram das discussões da Comissão Extraordinária de
Juventude passaram a ser os próprios beneficiários do Programa durante
seu desenvolvimento. (Do Val et al, 2016, p. 45)

A principal diferença entre a participação da população na construção


do VAI (e de outros programas) e a Lei Paulo Gustavo é a obrigatoriedade
dessa ação em todos os municípios, estados e Distrito Federal, em que
5.568 municípios discutem cultura em razão desta obrigação constar no
texto da lei – o que vincula mesmo aqueles entes federados que não têm
interesse na gestão participativa.
Em relação ao Decreto do Fomento à Cultura, também tem-se a
previsão de diálogos com agentes culturais para a elaboração da minuta
de edital5. Avançando ainda mais nesse diálogo, o decreto prevê que
os agentes sugiram editais, inclusive com a minuta – texto que compõe
o chamamento público -, garantindo a sua participação se o prazo de
inscrições for de, no mínimo, 30 dias6. Em contraponto, a Lei de Licitações veda
esse tipo de ação para garantir maior isonomia entre os participantes do
procedimento licitatório. Esse dispositivo da Lei no 14.133/2021 – entre outros
– almeja evitar que pessoas com conhecimento prévio das necessidades
da administração ou do próprio objeto tenham algum tipo de benefício
concorrencial7.
5 Art. 13, § 1º Na etapa de preparação e prospecção, a elaboração da minuta de edital será realizada a partir
de diálogo da administração pública com a comunidade, os Conselhos de Cultura e demais atores da sociedade civil,
mediante reuniões técnicas com potenciais interessados em participar do chamamento público, sessões públicas
presenciais, consultas públicas ou outras estratégias de participação social, desde que observados procedimentos que
promovam transparência e assegurem a impessoalidade.
6 Art. 10. Os agentes culturais poderão sugerir à administração pública o lançamento de editais, mediante
requerimento que iniciará procedimento de manifestação de interesse cultural, com as seguintes etapas(...):
§ 1º O conteúdo da sugestão poderá ser apresentado em formato de texto livre ou de minuta de edital, conforme a opção
do agente cultural.
§ 2º A apresentação da sugestão não gerará impedimento de que o agente cultural autor do requerimento inicial participe
do chamamento público subsequente, desde que o prazo de inscrição de propostas seja de, no mínimo, trinta dias.
7 Art. 14. Não poderão disputar licitação ou participar da execução de contrato, direta ou indiretamente:
I - autor do anteprojeto, do projeto básico ou do projeto executivo, pessoa física ou jurídica, quando a licitação versar
sobre obra, serviços ou fornecimento de bens a ele relacionados;

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Prestação de contas com foco na realização do objeto

Outro avanço importante contido na LC no 195/2022 (e no Decreto


do Fomento) é a forma de prestação de contas dos projetos culturais
que passa a focar na execução do objeto8. Até esse momento, o modelo
amplamente utilizado no setor cultural era o do PRONAC – Programa Nacional
de Apoio à Cultura, popularizada como Lei Rouanet (Lei no 8.313/1991). Esse
modelo de prestação de contas prevê a entrega de relatório financeiro e
comprovações fiscais relacionadas ao orçamento inicial aprovado para o
projeto sendo que os avanços legais aqui elencados preveem o relatório
de execução financeira em situações excepcionais e elencadas na Lei9.
Essa alteração é um dos importantes fatores de facilitação do processo.
Os agentes culturais devem se ater ao que se comprometeram a entregar,
diminuindo a exigência de conhecimento técnico relacionado à essa forma
de prestação de contas pormenorizada.

Dispositivos importantes para a facilitação dos processos de repasse

Tanto na Lei Paulo Gustavo10 como no Decreto do Fomento11 existe a


previsão de premiação cultural por trajetória sem a exigência de obrigações
futuras, item ponto importante para estimular os agentes culturais e
ampliar o acesso a recursos. Muitos fazedores de cultura, inclusive mestres
da cultura popular, de comunidades quilombolas, cultura indígena e de
periferias, deixam de participar dos chamamentos pela exigência de se
apresentar um projeto cultural detalhado e ter em suas mãos um recurso
com regras complexas de utilização.
8 Art. 23. O beneficiário de recursos públicos oriundos desta Lei Complementar deve prestar contas à administra-
ção pública por meio das seguintes categorias:
I - categoria de prestação de informações in loco;
II - categoria de prestação de informações em relatório de execução do objeto; ou
III - categoria de prestação de informações em relatório de execução financeira.
9 Art. 26. O relatório de execução financeira será exigido excepcionalmente, nas seguintes hipóteses:
I - quando não estiver comprovado o cumprimento do objeto, conforme os procedimentos previstos nos arts. 24 e 25
desta Lei Complementar; ou
II - quando for recebida pela administração pública denúncia de irregularidade sobre a execução da ação cultural,
mediante juízo de admissibilidade que deve avaliar os elementos fáticos apresentados.
10 Art. 18. Os entes da Federação poderão, na implementação desta Lei Complementar, conceder premiações em
reconhecimento a personalidades ou a iniciativas que contribuam para a cultura do respectivo ente da Federação.
§ 1º As premiações de que trata o caput deste artigo devem ser implementadas por meio de pagamento direto, mediante
recibo.
§ 2º A inscrição de candidato em chamamento público da modalidade de premiação pode ser realizada pelo próprio
interessado ou por terceiro que o indicar.
§ 3º O pagamento direto de que trata o § 1º deste artigo tem natureza jurídica de doação e será realizado sem a previsão
de contrapartidas obrigatórias.
11 Art. 41. A modalidade de concessão de premiação cultural visa reconhecer relevante contribuição de agentes
culturais ou iniciativas culturais para a realidade municipal, estadual, distrital ou nacional da cultura, com natureza jurídica
de doação sem encargo, sem estabelecimento de obrigações futuras.
100
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No Decreto do Fomento, diversos itens contribuem para minimizar


exigências e dificuldades postas aos participantes dos editais, inclusive com
diretrizes gerais para ações dos gestores públicos de cultura. Apesar de
não haver o aprofundamento desses itens – até por conta da necessidade
de um espaço maior para isso – considero importante elencar os mesmos
no intuito de auxiliar os agentes culturais no entendimento mais amplo das
prerrogativas contidas nessa legislação. Com isso, espero, também, gerar
curiosidade dos leitores para aprofundamento no estudo dessa importante
norma do setor da Cultura.
De modo a orientar os processos administrativos dos entes federados,
o Decreto do Fomento traz especificações de modalidades de fomento
cultural e quais instrumentos jurídicos devem ser usados para cada
modalidade, padronizando as ações (art 8º combinado com art.22).
Tem-se a previsão de chamamentos públicos simplificados, claros,
objetivos com linguagem simples (art.9º), formatos visuais orientadores,
preferencialmente em formatos acessíveis a pessoas com deficiência (art.
14). Ainda sobre os chamamentos, buscando aumentar a concorrência
e para estimular a qualidade técnica das propostas, foram relacionadas
ações como implantação de canal de dúvidas, visitas técnicas ou contatos
para divulgar os chamamentos, sessões públicas de esclarecimentos,
promoção de ações formativas com ampla divulgação (art.17).
Para grupos e coletivos de cultura, é permitido que um dos integrantes
represente o grupo, bastando apenas uma declaração assinada pelos
participantes do coletivo (art. 15, parágrafo único). Sobre o orçamento do
projeto, prevê estimativas de custos simplificadas, sem necessidade de
detalhamento por item de despesa (art. 24, §1º).
Um avanço importante para o fortalecimento do Sistema Nacional
de Cultura é a previsão expressa da possibilidade de participação de
chamamentos públicos pelos conselheiros de cultura – vez que em diversos
municípios não era permitida a participação e, consequentemente, era
possível o esvaziamento do Conselho através dessa proibição (art. 20,
parágrafo único).
Mais um dispositivo importante é a permissão, desde que seja a
finalidade do fomento ou quando houver a indicação da própria análise
técnica da administração pública que a titularidade de bens adquiridos
dentro do projeto possa ser do agente cultural – sem a obrigatoriedade

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de destinação a instituição cultural sem fins lucrativos – modelo usado no


PRONAC e amplamente difundido nas políticas culturais (art. 27, II).
Além dessas normativas para as Leis Paulo Gustavo e Política Nacional
Aldir Blanc, o Decreto traz outras diretrizes para o fomento indireto através
dos Fundos de Investimento Cultural e Artístico (Ficart) e do fomento indireto
pelo incentivo fiscal (PRONAC), os quais não são objetos dessa reflexão.

Os desafios dos agentes culturais e gestores para transformar em


realidade os avanços legais

No início deste artigo, descrevi o momento em que os agentes


culturais tiveram contato com os editais e a frustração do setor ao ver
como os princípios e tantos avanços legais foram desvirtuados por diversos
(e inúmeros) agentes públicos. Os desvios tiveram início quando da
participação social na construção dos chamamentos, uma vez que muitos
municípios não realizaram as escutas públicas ou não consideraram,
efetivamente, as demandas levantadas nas reuniões. Um caso marcante
ocorreu nos editais do Estado de São Paulo que trouxeram exigências
absolutamente restritivas para a ampla participação. Dos 24 editais
lançados, todos exigiam comprovação na área cultural de, no mínimo, cinco
anos e somente três editais permitiam inscrição de pessoa física. Também
não houve previsão de cotas para municípios do interior, permitindo, por
exemplo, que o edital com maior volume de recursos (Edital LPG nº 03/2023
– produção de longa metragem) aprovasse somente proponentes da
capital, indo contra o princípio da desconcentração territorial previsto na
Lei Paulo Gustavo12. A longo prazo, exigências como essa podem impactar,
inclusive, na formação de novos produtores culturais como traz Oliveira:

Por exemplo, quanto mais se complexificam os critérios utilizados para


reconhecer um determinado agente como produtor profissional ou como
apto a ser beneficiário de um programa de fomento às artes (por exemplo,
exigindo formação específica, documentos, registros, comprovação de
atuação), mais barreiras de entrada há para os novos produtores, que
encontram dificuldades para adentrar as esferas oficiais do campo (Do
Val et al, 2016, p.62).

12 Art. 6º, § 1º Os Estados, na implementação das ações emergenciais previstas neste artigo, deverão estimular a
desconcentração territorial de ações apoiadas, nos termos estabelecidos em regulamentação estadual, contemplando
em especial os Municípios que não realizarem os procedimentos de solicitação dos recursos dentro dos prazos previstos
nos §§ 4º e 5º do art. 3º desta Lei Complementar e os municípios que reverterem os recursos aos respectivos estados.

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REVISTA BOLETIM OBSERVATÓRIO DA DIVERSIDADE CULTURAL . V.100 . N.02.2023

O primeiro destaque que faço relaciona-se ao conservadorismo


dos sistemas administrativos dos entes federados. Não à toa, os setores
jurídicos, contábeis e até mesmo as secretarias e departamentos ligados
à pasta da cultura foram instruídos ao longo das últimas décadas a
utilizarem os preceitos da Lei de Licitações. Mesmo havendo a previsão
expressa no texto da Lei Paulo Gustavo da não-aplicação das normativas
usuais de contratação de serviços o receio de fiscalizações mais rígidas
pelos Tribunais de Contas e a falta de qualificação técnica dos servidores
foram um obstáculo para editais mais simplificados. Desde a criação da
ficha orçamentária (item necessário quando o ente federado recebe um
recurso não previsto no seu orçamento anual) a questões de tributação
de impostos, percebe-se um apego ao modo de fazer que vem sendo
aplicado nos processos administrativos. A isso, soma-se a falta de
informações conceituais diferenciando-se, por exemplo, fomento à cultura
da contratação de serviços culturais.
Além disso, existem dificuldades já conhecidas do setor como
municípios sem secretarias destinadas exclusivamente à cultura – existem
municípios onde os recursos da cultura são geridos por uma chefia de
departamento de eventos contida dentro da Secretaria de Administração
– equipes de servidores públicos inexistentes e/ou desestruturadas. A falta
de qualificação dos agentes públicos – e falo aqui desde o entendimento
conceitual sobre cultura, o que é fomento, possíveis políticas públicas de
cultura até a estruturação do setor com entendimento sobre o próprio
Sistema Nacional de Cultura e a troca recorrente da base do governo, que
dificulta a continuidade das ações culturais – acendem um alarme no
setor.
Além desses apontamentos referentes aos gestores públicos, por
outro lado temos grandes desafios relacionados aos agentes culturais.
Inicia-se já na identificação de quem são os agentes destinatários dos
recursos públicos. Muitos fazedores de cultura sequer se identificam como
integrantes da cadeia. Como fazer de forma efetiva e eficaz uma boa
escuta pública para levantar os anseios da classe cultural se sequer temos
a diversidade cultural do território participando dessas reuniões?
Em relação a apresentação dos projetos culturais, mesmo havendo
avanço para a simplificação dos processos, ainda é absolutamente
excludente exigir que os agentes culturais descrevam e desenvolvam

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REVISTA BOLETIM OBSERVATÓRIO DA DIVERSIDADE CULTURAL . V.100 . N.02.2023

planilhas e textos para defender seu direito a acessar os recursos e fazer


suas ações culturais. A dificuldade já tem início na busca pelos editais:
passando pelo entendimento dos termos, cumprimento de exigências,
preencher fichas de inscrição, anexar documentos e acompanhar os
desdobramentos seguintes.
Sobre esse item, é imprescindível a tomada de consciência dos gestores
públicos da necessidade de ofertar qualificação aos agentes para que se
amplie a participação das concorrências. Ações como leitura explicativa
dos editais, reuniões e canais abertos para tirar dúvidas, capacitações para
escrita e gestão de projetos culturais, como fazer a prestação de contas,
previsão (e efetiva utilização) de apresentação de projeto de forma oral,
ampla divulgação da abertura de inscrições, cartilhas explicativas, vídeos
tutoriais e ações continuadas de discussões públicas para engajamento
e fortalecimento da atuação da classe artística no fomento local devem
fazer parte dos planos de implementação da Política Nacional Aldir Blanc
e da criação dos novos planos municipais de cultura que irão ser surgir
de agora até julho de 2024. Por outro lado, os agentes culturais devem se
apropriar desses conhecimentos dos processos de repasse de recursos e
entender que o domínio deles, mesmo que mínimo, é um meio de fortalecer
o seu fazer cultural.

O contexto histórico no qual nascem as questões que redundam na


imperativa necessidade de melhor aparelhamento técnico/intelectual
dos agentes de cultura surge concomitante com a embrionária
conscientização de setores populares e políticos sobre a importância das
políticas culturais. Ou seja, afirmamos aqui que nascem em paralelos e
correm no mesmo sentido a noção de importância – em e para alguns
setores – das políticas em cultura e dos que tenham habilidades para lidar
com estas (Calabre; Domingues, 2019, p. 112 e 113).

Em se tratando de qualificações, devemos pensar, também, no


acompanhamento da execução dos projetos. Não basta repassar recursos
sem qualificar os agentes na gestão dos mesmos e sem alinhamento
de questões inerentes de se administrar recursos públicos. Novamente o
histórico do programa VAI traz entendimentos que podem referenciar ações
importantes na perspectiva de se melhorar os processos de execução das
ações culturais apoiadas:

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REVISTA BOLETIM OBSERVATÓRIO DA DIVERSIDADE CULTURAL . V.100 . N.02.2023

É importante destacar que a formação dos proponentes na gestão dos


projetos e dos recursos é considerada de extrema importância para o VAI.
Por isso, há um acompanhamento intenso por parte da equipe do programa,
por meio de reuniões gerais, atendimentos individuais ou em grupo, além
do intercâmbio de experiências. O Processo de acompanhamento do VAI
facilita garantir acessibilidade, efetividade e potencial educativo, ainda
que o processo formativo não seja seu objetivo único. (Silva, 2016, p. 54-55)

Neste momento estamos iniciando a execução de uma nova Política


Pública de Cultura, a PNAB. Sem a devida qualificação dos gestores
municipais de cultura temos a possibilidade de ser somente um repasse
de verbas para atividades dispersas como agenda de eventos municipais,
quando, na verdade, tem a potência de ser uma política estruturante para
o efetivo fortalecimento das ações culturais, dos agentes de cultura e
aumento no acesso a atividades culturais por parte da população.
A relação entre os dispositivos legais e os desafios que existem para
que sua efetiva aplicação seja realidade nos territórios deve pautar as
discussões do setor cultural. Também é o momento de pensar atividades
que permitam o fortalecimento da diversidade cultural através de ações e
programas estruturados, articulados junto à sociedade civil e formatados
com base no Planos de Cultura (municipais, estaduais e nacional):

Nesse sentido, uma política de fomento às artes deve conjugar diversas


modalidades de ações e programas. É bastante importante destacar que
a existência de um programa específico ou de uma série de programas e
ações desarticulados, a nosso ver, não constitui propriamente uma política
para as artes – já que uma política pressupõe diretrizes maiores em torno
das quais os programas e ações se articulam (Do Val et al, 2016, p. 66).

Considerações finais

Diante das reflexões apontadas, é preciso que haja uma apropriação


dos instrumentos jurídicos por parte dos gestores, setores jurídicos,
contábeis e agentes culturais diversos para que a letra da lei alcance a
realidade dos territórios. As legislações preveem diversos avanços e sua
real aplicação irá impactar a garantia de diversidade das ações culturais
fomentadas pelas políticas públicas. Mas o que está previsto nas leis só
será realidade se os agentes culturais compreenderem o projeto cultural
como instrumento emancipatório.
Importante salientar, também, a importância de se dar continuidade
aos avanços legislativos e criar uma normativa aplicável também a outras

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REVISTA BOLETIM OBSERVATÓRIO DA DIVERSIDADE CULTURAL . V.100 . N.02.2023

relações jurídicas entre setor público e agentes culturais. O Projeto de Lei no


3905/2021 que estabelece o Marco Regulatório do Fomento à Cultura está
em tramitação no Congresso Nacional e sua aprovação é importante para
garantir meios mais alinhados às demandas do setor no que se refere à
relação entre as ações culturais e a administração pública.
Sendo o edital de cultura o principal instrumento utilizado para o
repasse de recursos da área da Cultura, apesar de sua complexidade
mesmo com os dispositivos facilitadores, seria este tipo de instrumento o
vilão do setor ou o problema - se na falta da associação do instrumento
legal com um debate profundo com os diversos personagens do setor da
Cultura.

COMO CITAR ESSE ARTIGO


BRASIL, Poliana Gomez. Os avanços legais na facilitação dos processos
envolvidos no fomento à Cultura e os desafios envolvidos em sua efetiva
implantação. Revista Boletim do Observatório da Diversidade Cultural, Belo
Horizonte, v. 100, n. 2, 2023. Disponível em: https://observatoriodadiversidade.
org.br/boletins/. Acesso em: [data].

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REVISTA BOLETIM OBSERVATÓRIO DA DIVERSIDADE CULTURAL . V.100 . N.02.2023

REFERÊNCIAS

BRASIL. Lei Complementar nº 195 de 08 de julho de 2022. Dispõe sobre


apoio financeiro da União aos Estados, ao Distrito Federal e aos
Municípios para garantir ações emergenciais direcionadas ao setor
cultural. Diário oficial da União, Brasília, DF, de 08 de julho de 2022, pg. 1.
Disponível em: https://pesquisa.in.gov.br/imprensa/jsp/visualiza/index.
jsp?jornal=601&pagina=1&data=08/07/2022&totalArquivos=7. Acesso em
09 out. 2023.

BRASIL. Decreto nº 11.453 de 23 de março de 2023. Dispõe sobre os


mecanismos de fomento do sistema de financiamento à cultura. Diário
oficial da União, Brasília, DF, de 24 de março de 2023, Seção 1, pg. 1.
Disponível em: https://pesquisa.in.gov.br/imprensa/jsp/visualiza/index.
jsp?data=24/03/2023&jornal=515&pagina=1&totalArquivos=100. Acesso em
09 out. 2023.

BRASIL, Lei nº 14.399 de 08 de julho de 2022. Institui a Política


Nacional Aldir Blanc de Fomento à Cultura. Diário oficial da
União, Brasília, DF, de 08 de julho de 2022, p. 4. Disponível
em: https://pesquisa.in.gov.br/imprensa/jsp/visualiza/index.
jsp?data=08/07/2022&jornal=601&pagina=4&totalArquivos=7. Acesso em
09 out. 2023.

DO VAL, A. P; et al. Políticas Públicas de Cultura. São Paulo, Escola do


Parlamento da Câmara Municipal de São Paulo. 2016.

CALABRE, L; DOMINGUES, A. Estudos sobre políticas culturais e gestão da


cultura: análises do campo da produção acadêmica e de práticas de
gestão. Rio de Janeiro, Fundação Casa de Rui Barbosa. 2019.

SILVA, Monique Bezerra da. Política Cultural Situada: Uma leitura crítica
de programas culturais em São Paulo e Rio de Janeiro. Dissertação de
mestrado em Engenharia de Produção. Universidade Federal do Rio de
Janeiro. RIO DE JANEIRO, RJ. 2016.

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Anny Lemos
Estação da luz
Acrílica sobre tela, 144 x 156 cm
São Carlos, SP, 2021.
Foto: Christian Spoto 108
REFLEXOS REVISTA
ECONÔMICOS
BOLETIM OBSERVATÓRIO NA CADEIA
DA DIVERSIDADE CULTURAL . V.100 . N.02.2023

PRODUTIVA DA CULTURA: UMA ANÁLISE


REPLICÁVEL PARA OUTROS MUNCÍPIOS
A PARTIR DOS RESULTADOS DO PROJETO
CULTURA E ECONOMIA PARA JACAREÍ
Wiliam Retamiro1
Jade Gama Diniz2

RESUMO

O projeto Cultura e Economia para Jacareí (CEJAC) objetiva indicar os


reflexos econômicos das atividades culturais de forma que seja replicável
para outros municípios e territórios a partir da Lei de Incentivo à Cultura
municipal. Delimitado nos editais dos anos de 2016, 2017 e 2018, com a
abordagem quantitativa pela estatística descritiva a partir do método
documental, este estudo identificou diferentes reflexos na cadeia produtiva
do setor cultural na dinâmica socioeconômica de Jacareí (SP), relevantes
para a formulação de políticas públicas para a geração de emprego e renda,
integração territorial, igualdade de gênero, valorização das expressões
artístico-culturais, entre outros, considerado dinâmico e essencial para a
cadeira produtiva e a economia brasileira.

Introdução

A Economia é uma ciência ampla que estuda diferentes vertentes


do conhecimento. Para muito além das finanças, estatística, macro
e microeconomia, as Ciências Econômicas abrangem setores que
movimentam a sociedade e o cotidiano. E atualmente, vive-se em uma
fase de transição, na qual o conjunto de criatividade e tecnologia tem
possibilitado o aumento exponencial da velocidade e do crescimento em
diversas áreas das nossas vidas.
As combinações entre a economia, tecnologia, arte, cultura e a
1 Economista, Mestre em Planejamento e Desenvolvimento Regional, Doutor em Ciência, Tecnologia e Sociedade
(PPGCTS/UFSCar), coordenador de pesquisa no projeto Economia e Cultura para Jacareí (CEJAC) integrante do NuMI-
ECOSOL UFSCar. E-mail: wretamiro@retamiro.com.br
2 Economista, Mestra em Desenvolvimento Territorial e Políticas Públicas pela Universidade Federal Rural do Rio de
Janeiro (UFRRJ), proponente e coordenadora do projeto Economia e Cultura para Jacareí (CEJAC). E-mail: jadeg.diniz@
gmail.com

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REVISTA BOLETIM OBSERVATÓRIO DA DIVERSIDADE CULTURAL . V.100 . N.02.2023

criatividade são ilimitadas. E de acordo com relatórios das Nações Unidas,


Observatório do Itaú Cultural e FIRJAN, as indústrias criativas apresentam
vantagens em relação a outros segmentos produtivos, além de
responderem por uma parte importante da geração de emprego e renda
no país e no mundo. Portanto é possível afirmar que a Economia Criativa e
as Políticas Públicas de Cultura, como um todo, contribuem potencialmente
para a redução da pobreza e do desemprego, para o desenvolvimento
dos territórios e das comunidades e para a valorização dos diferentes
profissionais do segmento cultural e criativo.
De acordo com a Fundação Getúlio Vargas (FGV), a Lei Rouanet
(inclusive não mais nomeada assim) não só impulsiona a economia criativa
brasileira, como também gera dividendos para o país ao diagnosticar que
a cada R$ 1,00 investido por patrocinadores em 53.368 projetos culturais
nos últimos 27 anos, R$ 1,59 retornaram para a sociedade por meio dos
fluxos econômicos e monetários de uma extensa cadeia produtiva, que vai
desde a equipe contratada para construção de um cenário à logística de
transporte necessária para a montagem de um show, por exemplo.
Diante disso, estudar os reflexos econômicos das leis de incentivo à
cultura nos municípios de médio e pequeno portes, se torna fundamental
para identificar a participação social e econômica dos chamados “fazedores
de cultura” locais. Nisso, o Projeto Cultura e Economia para Jacareí (CEJAC),
realizou um estudo documental dos projetos contemplados pela Lei de
Incentivo à Cultura (LIC) do município de Jacareí (SP), extraindo 15 dados
de cada um dos 1.684 documentos analisados, tratados e analisados com
estatística descritiva e análise cruzada, a fim de diagnosticar a existência
de uma cadeia produtiva da cultura no referido município.
Os resultados, além de indicarem a existência da cadeia produtiva que
promove a geração de trabalho e renda partir da LIC, também expressam
pontos que demandam melhoria na política pública como, por exemplo, as
diferenças quanto a participação por gênero e impacto da participação
da população com menor renda. Ademais, a partir dos resultados do
projeto identificou-se informações importantes para a promoção do
desenvolvimento local, como a geração de emprego e renda, integração
territorial, busca pela igualdade de gênero e valorização das expressões
artístico-culturais.
Portanto, pode-se afirmar que o vínculo entre a pesquisa científica,

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REVISTA BOLETIM OBSERVATÓRIO DA DIVERSIDADE CULTURAL . V.100 . N.02.2023

a arte e a cultura se fazem cada vez mais necessário no desenvolvimento


dos territórios e no fortalecimento da identidade local; além do mais, todos
esses entrelaces tendem a estimular a capacidade do Estado em se tornar
cada vez mais empreendedor, assim como a sua comunidade.

Economia da cultura e desenvolvimento econômico

A ciência econômica estuda a alocação dos fatores de produção,


sendo: (i) terra, o capital, o trabalho e, mais atualmente a tecnologia,
que consiste na associação dos três fatores anteriores por meio da techné
que objetiva “a solução dos problemas práticos, em servir de guia para os
homens na sua luta para melhorar e aperfeiçoar a sobrevivência, na cura
de doenças, na construção de instrumentos e edifícios e outros” (Oliveira,
2008, p. 4).
Para a economia clássica, a riqueza de uma nação consiste no valor
de troca dos bens de uma nação mediante a sua capacidade produtiva
decorrente da especialização e expansão do mercado e do comércio.
Contudo, a economia clássica considerava a arte como um gasto, portanto,
não contribuitiva para a riqueza econômica da nação afirmando que “ao
que ocorre com a declamação do ator, a fala do orador ou a melodia do
músico, o trabalho de todos eles morre no próprio instante de sua produção”
(Smith, 1996, p. 334).
Alfred Marshal reconheceu a “lei que institui que, quanto mais um
indivíduo ouve música, mais aumenta o seu gosto por ela” (Benhamou,
2007, p. 16), o que promove a análise para consumos de produtos e
serviços relacionados a arte ao mesmo tempo que contradiz a teoria da
redução a utilidade marginal.
A dinâmica econômica oriunda das atividades criativas e culturais
foi reconhecida, quando Throsby (1994), apontou três fatores, sendo: (i) a
geração de fluxos de renda e de empregos, (ii) a avaliação das decisões
culturais e (iii) a evolução da economia política para novos campos.
O Programa de Economia Criativa da United Nations Conference on
Trade and Development (UNCTAD) que define a economia criativa como
uma atividade econômica decorrente da propriedade intelectual (UNCTAD,
2004, n.p.). Tal afirmativa indica o que expressa o gráfico 1, que a evolução
dos bens criativos entre 2002 a 2015 variou 144,5% no período.

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REVISTA BOLETIM OBSERVATÓRIO DA DIVERSIDADE CULTURAL . V.100 . N.02.2023

Gráfico 1 - Valores e participações anuais das exportações de bens

criativos entre
2002-2015 (em milhões US$).

Fonte: Retamiro; Machado, 2021 - Dados UNCTAD, 2016.

Para além das formas tradicionais de produção e consumo, as


indústrias culturais são caracterizadas comumente pela economia criativa.
Porém, a Economia da Cultura precede tais mercados.
A Economia da Cultura consiste nas produções simbólicas sem fins
comerciais, que por vezes, não galgam escala comercial que justifique
a inserção no mercado, porém, pela surgem os produtos que alimentam
a indústria cultural sendo considerada um subconjunto das atividades
culturais (Miriam, 2016).
A função do trabalho nas atividades culturais leva ao entendimento
deste segmento ser fundamental para a geração de trabalho e renda,
conforme afirma Furtado:

Na visão econômica dos processos produtivos, o trabalho é


simplesmente um meio, fator de produção cuja produtividade tende a
aumentar na medida em que avançam acumulação e técnicas. Ora, no
mundo das artes o trabalho não é apenas meio, mas também fim. Neste
último caso, faz-se difícil introduzir o conceito de produtividade. Num
espetáculo vivo de canto, ou de dança, ou teatral, o trabalho é um fim em
si mesmo. Seu custo tende a crescer relativamente às formas (Furtado,
1988, p. 6)

Segundo Baumol; Bowen (1966), a economia da cultura depende


diretamente da ação pública, tanto que consta na Constituição Federal
ao afirmar que “O Estado garantirá a todos o pleno exercício dos direitos
culturais e acesso às fontes da cultura nacional, e apoiará e incentivará a
valorização e a difusão das manifestações culturais.” (CF, 1988). Ademais,

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REVISTA BOLETIM OBSERVATÓRIO DA DIVERSIDADE CULTURAL . V.100 . N.02.2023

Scitovsky (1999) coloca a importância do apoio público no apoio à cultura


para garantir o acesso, o incentivo e a educação cultural, como forma de
percepção de maior bem-estar, tal como o Programa Mais Cultura (2007)
que garantia as manifestações das diversidades culturais brasileiras por
meio do acesso, melhoria do ambiente social e econômico com geração
de trabalho e renda, conforme afirmou o então Ministro da Cultura, Gilberto
Gil (2007):

Economia da cultura é a utilização metodológica dos instrumentos e


do aprendizado da economia a favor da cultura. O que significa que e
trabalha a cultura de forma diferente do ponto de vista antropológico, por
exemplo. É claro que existem várias manifestações e expressões culturais
que efetivamente acabam não tendo impacto no mercado. O que a
economia da cultura faz é colocar a favor da cultura todo o instrumental
teórico da primeira para que, uma vez definido o que queremos de uma
política de cultura, encontremos o melhor caminho para chegar lá. O que
sobra disso é que se a gente não tiver uma política cultural bastante clara,
não adianta nada falar em economia da cultura. A economia da cultura
não diz como a política será, mas sim como melhor tratar determinada
política. (Reis, 2012, n.p.)

Assim, o Estado é o garantidor do acesso à economia da cultura


para além dos pressupostos do consumo de dispositivos alienatórios,
promovendo a profanação da lógica capitalista quanto a indústria da
economia criativa para fins de geração de valor.
O conceito de sustentabilidade está imbuído na economia da cultura
em diferentes dimensões, sendo: (i) a social, pelos processos da equidade
na distribuição de bens e renda proporcionando qualidade de vida e
redução das disparidades socioeconômicas; (ii) a econômica, na alocação
eficiente dos recursos produtivos; (iii) a cultural, quanto à pluralidade do
saber acadêmico e popular voltadas ao território; (iv) a política institucional,
que objetiva consolidar os processos democráticos e regular a alocação
de recursos para o desenvolvimento, a fim de que garanta à sociedade o
direito de usufruir das diversas dimensões da sustentabilidade (Retamiro;
Vieira e Silva, 2013).

Percurso metodológico

Os estudos desenvolvidos com a abordagem quantitativa possibilitam


realizar análises qualitativas sobre um determinado fenômeno, bem como

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REVISTA BOLETIM OBSERVATÓRIO DA DIVERSIDADE CULTURAL . V.100 . N.02.2023

expandir o diagnóstico dos reflexos deste por meio de um banco de dados


com informações numéricas.
Aliado a isso, a pesquisa documental tem objetivos específicos e
utiliza fontes primárias que são dados que ainda não tenham sido tratados
cientificamente. As fases para necessárias para o desenvolvimento de um
estudo documental segue diferentes etapas, as quais foram aplicadas no
desenvolvimento da pesquisa.
A primeira etapa consiste em definir os objetivos da pesquisa
documental com o intuito de responder as questões a partir dos dados
investigados. Assim, visto que o objetivo da pesquisa é identificar a
existência de uma cadeia produtiva da cultura no município de Jacareí por
meio dos incentivos fiscais para o segmento, bem como quais os reflexos
promovidos por esta na localidade, foi definida a análise dos documentos
fiscais das prestações de contas aprovadas pela Fundação Cultural de
Jacarehy referente aos projetos contemplados nos editais dos anos de
2016, 2017 e 2018.
Destes, foram considerados os registros fiscais, contratos, recibos de
pagamento a autônomos (RPA), entre outros documentos que comprovem
a movimentação da economia real a partir dos investimentos oriundos
da LIC. Ressalta-se que não foram considerados os dispêndios com taxas
bancárias e devoluções do saldo remanescente (quando aplicáveis), por
se desejar obter os resultados que indiquem a real movimentação de
trabalho e renda ao longo da cadeia produtiva.
Realizada esta etapa que possibilitou elaborar o plano de trabalho
de identificar as fontes dos dados, fora iniciada a segunda etapa que é a
organização do material. Nesta, são definidos o volume de material, visto
que dos 31 projetos analisados, foram averiguados 1.684 documentos que
indicam transações comerciais e de prestação de serviços, dos quais
foram extraídas de cada documento 15 informações como, por exemplo, o
CNPJ da empresa pelo qual é possível obter a informações sobre o regime
tributário, o porte da empresa; logradouro, para mapear os fornecedores
do território; entre outras informações.
A etapa final, que é a organização do material, objetiva facilitar a
coleta e a interpretação dos dados, principalmente quando o volume
de trabalho for alto, que é o caso da pesquisa CEJAC que por coletar 15
informações de cada um dos 1.684 documentos que indicam a transação

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REVISTA BOLETIM OBSERVATÓRIO DA DIVERSIDADE CULTURAL . V.100 . N.02.2023

de serviços e comércios, perfazem 28.628 dados coadunados por meio da


digitalização de cada documento que posteriormente foram tratados com
o uso do Microsoft Excel.

Imagem 1 - Fluxo dos procedimentos metodológicos e tratamento de dados

Fonte: Elaborado pelos autores com base em GIL, 2007.

Tendo estruturadas a organização e a classificação das fontes, deu-


se o tratamento dos dados para desenvolver as interpretações destes
com o objetivo de confirmar ou rejeitar a hipótese de haver uma cadeia
produtiva da cultura no município por meio da LIC, analisando os materiais
e fazendo inferências para realizar a interpretação das análises e chegar
às conclusões de forma lógica.
Para isso, este trabalho opta por utilizar a estatística descritiva,
pela qual se verifica a representatividade dos dados, a ordenação das
informações, compilando-os em tabelas e gráficos. Ademais, calcula-se
medidas de resumo (média, mediana e moda) estabelecendo relações
funcionais entre as variáveis para, posteriormente, realizar o cruzamento
de dados possibilitando o melhor entendimento dos resultados elevando a
capacidade analítica e maior precisão nas informações.

Análise dos resultados

Considerando as diferentes Leis de Incentivo à Cultura das diferentes


esferas públicas, instrumentos para o desenvolvimento tanto nacional
quanto local, estudar os reflexos desta política em determinado território
é uma forma de monitorar e avaliar a sua eficácia. É importante destacar
115
REVISTA BOLETIM OBSERVATÓRIO DA DIVERSIDADE CULTURAL . V.100 . N.02.2023

que a LIC se configura como apenas um dos meios de financiamento de


projetos e ações em cultura, e seus reflexos são traduzidos por meio da
grande potência de geração de emprego e renda nos diversos territórios.
Nesse sentido, os editais da LIC do município de Jacareí delimitados
para estudo dos fornecedores selecionados, referentes aos anos de 2016,
2017 e 2019, cujo montante afere o valor de R$ 1.445.235,89 (gráfico 1),
perfazendo a média anual de R$ 481.745,30.

Tabela 1 - Valores autorizados, realizados e aproveitamento por edital (2016-2018)

Ano Edital Realizado Autorizado Aproveitamento

Edital 2016 455.889,07 470.000,00 97%

Edital 2017 552.300,28 650.000,00 85%

Edital 2018 437.046,54 526.101,00 83%


Média 481.745,30 548.700,33 88%
Fonte: Elaborado pelos autores com dados da Fundação Cultural de Jacarehy (2021)

Identificar o destino dos recursos executados possibilita estimar os


reflexos econômicos ao longo da cadeia produtiva da cultura local, uma
vez que é possível estimar o quanto de emprego e renda foram gerados
em cada uma das atividades.
Analisando primeiramente quanto a modalidade cultural, pôde-
se perceber que as modalidades que mais receberam recursos foram a
música, artes cênicas e artes visuais, o que se deve ao alcance de público
e números de empregos gerados nesses setores.
Em Jacareí, nos três anos estudados, a LIC possibilitou a geração
de aproximadamente 180 postos de trabalho diretos, para profissionais
autônomos e microempreendedores individuais. Isso significa dizer que,
em média, 60 profissionais por ano foram empregados no setor artístico-
cultural do município. Percebe-se também um aumento dos postos de
2016 para 2018, o que amplia as oportunidades para os trabalhadores da
cultura.

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REVISTA BOLETIM OBSERVATÓRIO DA DIVERSIDADE CULTURAL . V.100 . N.02.2023

Gráfico 2 - Volume de recursos por modalidade de execução

Fonte: Elaborado pelos autores, 2021

O aumento das oportunidades de trabalho tende a impactar


positivamente outro dado; de acordo com os documentos analisados,
foi possível identificar a redução de quase 48% da informalidade do
trabalho entre o período de 2016 e 2018 (gráfico 03). Esses dados puderam
ser observados por meio do aumento da emissão de notas fiscais via
Microempreendedor Individual (MEI), bem como a redução na quantidade
de Recibos de Pagamento Autônomo (RPA) no período analisado. Assim,
considera-se que o aumento de postos de trabalhos e oportunidades no
setor cultural influencia, consideravelmente, trabalhadores e trabalhadoras
para se formalizarem no mercado.
Porém, observa-se também que 55% dos pagamentos realizados
foram para trabalhadores autônomos, enquanto 32% foram destinados a
microempreendedores individuais (MEI) e 8% para microempresas. Essas
informações corroboram a geração de trabalho direto para a categoria,
mas também sinaliza a importância da continuidade nos processos de
formalização.
Deste modo, a formalização dos agentes culturais se traduz em
seguridade social e emergencial à categoria, que ainda encontra algumas
dificuldades para se estabelecer e se manter no mercado de trabalho
brasileiro.

117
REVISTA BOLETIM OBSERVATÓRIO DA DIVERSIDADE CULTURAL . V.100 . N.02.2023

Com relação à composição dos gastos realizados nos diferentes


projetos, tem-se que 80% deste foram realizados com pagamentos à
pessoas e serviços, o que indica uma forte relação na injeção de renda
para a economia local, visto que 78% dos recurso empregados foi atendido
pelo setor de serviços, seja dos próprios trabalhadores da cultura ou
trabalhadores correlatos do mercado, mas que também oferecem serviços
à projetos culturais.

Imagem 1 - Participação dos setores econômicos nos editais da LIC (2016-2018)

Fonte: Projeto CEJAC – Elaborado por Agência Baleia (2021)

As atividades culturais estão diretamente relacionadas ao setor de


comércio do qual são demandados materiais gráficos, figurinos, estruturas
para exposições, iluminação, dentre tantos outros materiais necessários
para o desenvolvimento dos projetos. Tal relação reflete que o setor
comercial do município de Jacareí foi diretamente impacto com 22% na
composição dos gastos da cadeia produtiva da cultura por intermédio da
LIC.

Reflexo territorial

Em análise da abrangência territorial dos reflexos econômicos a partir


do estudo em questão, verificou-se pela análise documental que foram
demandados produtos e serviços de 30 diferentes municípios, de seis
diferentes unidades federativas. A maior parte fora demanda do estado de

118
REVISTA BOLETIM OBSERVATÓRIO DA DIVERSIDADE CULTURAL . V.100 . N.02.2023

São Paulo, com 20 diferentes municípios, sendo 9 da Região Metropolitana


do Vale do Paraíba e Litoral Norte, onde está situado o município de Jacareí.
Ao analisar os produtos e serviços oriundos de outros estados e
municípios, correspondendo a 20,6% do valor total, verificou-se que tais
se trata de equipamentos audiovisuais, serviços de provisão de internet
e outros serviços e produtos de grandes empresas sediadas em outros
municípios, mas que atendem em abrangência nacional e, por vezes,
únicos fornecedores do referido serviço ou produto.
Contudo, foi diagnosticado que 79,4% dos recursos permaneceram
no próprio município de Jacareí, o que indica a existência de uma cadeia
produtiva da cultura no município constituída pelos prestadores de serviços
e comércio local que foram de forma direta ou indireta demandados pelos
fazedores de cultura, logo, os proponentes dos projetos.

Imagem 2 - Participação relativa das unidades federativas como destino dos recursos dos
editais da LIC (2016-2018)

Fonte: Projeto CEJAC – Elaborado por Agência Baleia (2021)

Ao detalhar a análise da distribuição destes agentes econômicos que


compõem a cadeia produtiva da cultura no referido município realizada por
meio da identificação contida em cada documento fiscal analisado, foram
identificados a distribuição em 54 bairros do município, sendo a região
central o principal local de procura pelos proponentes para atenderem a
demanda de seus projetos, correspondendo a 28% dos registros.
Por meio dos endereços constantes no rol de registros, quanto a
localização dos fornecedores de produtos e serviços situados em Jacareí
e com base na região central do município (referência é o endereço da
119
REVISTA BOLETIM OBSERVATÓRIO DA DIVERSIDADE CULTURAL . V.100 . N.02.2023

Fundação Cultura de Jacarehy) 57,4% dos fornecedores se encontram a


um raio de até 3,1 Km. O registro de sede do prestador de serviço mais
distante está no Jardim Pedramar, com 6,7 Km de distância.
Ao analisar o gasto médio, denota-se que a periferia do município
possui menor demandada, pois o valor médio maior na região periférica se
deve a baixa quantidade de produtos ou serviços demandados.

Análise por gênero

Estudar a participação por gênero contribui para elevar a transparência


e qualidade das informações sobre a participação por gêneros nos
diversos segmentos da cadeia produtiva da cultural no território, bem
como corrobora com o desenvolvimento de iniciativas que visem reduzir e
até mesmo eliminar as desigualdades no setor.
Antes, cabe ressaltar que até o lançamento dos editais aqui estudados
não era realizada a identificação por gênero no ato da submissão do projeto
à LIC. Também, ainda não é solicitado no ato da prestação de contas,
informações do mesmo tema em relação aos prestadores de serviço ou
comerciantes.
Atendo à importância do tema e às limitações identificadas, o estudo
diagnosticou que dos 180 fornecedores(as) identificados(as) nos registros,
114 possuem nomes que remetem ao gênero masculino (63%), 61 nomes
com referência ao gênero feminino (34%) e 5 registros de MEI possuem o
nome fantasia os quais serão excluídos desta análise, mas contou neste
relatório para fins de observação quanto ao total de MEI e seus reflexos
econômicos.
Assim, excluindo os registros de MEI’s que constam com o nome
fantasia para as análises seguintes, verifica-se que o grupo de fornecedores
é composto por 65% de homens e 35% de mulheres.
Quanto aos valores pagos pelos serviços prestados, os registros
analisados indicam que do montante pago 58,3% foram efetuados para
os fornecedores do gênero masculino, enquanto 37,8% foram para as
fornecedoras do gênero feminino.

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REVISTA BOLETIM OBSERVATÓRIO DA DIVERSIDADE CULTURAL . V.100 . N.02.2023

Imagem 3 - Diferença entre a quantidade demandada e a remuneração dos trabalhos


por gênero

Fonte: Projeto CEJAC – Elaborado por Agência Baleia (2021).

Embora o valor médio de pagamentos para o gênero feminino


seja maior quando comparado ao valor médio pago aos fornecedores
do gênero masculino, a quantidade total de registros das contratações
(considerando a reincidência de nomes constantes nos registros) indica
que os fornecedores do gênero masculino são demandados 1,6 vezes mais
que as fornecedoras.
Em análise a distribuição dos valores autorizados para captação
dos três editais, ainda quanto ao gênero, verificou-se que os homens
corresponderam como proponente em 51,6% dos valores autorizados; as
mulheres com 41,9% e os não identificados (no relatório consta somente
como Pessoa física sem indicar o responsável) a 6,5%.
Quanto as modalidades culturais as mulheres na qualidade de
proponentes participaram de cinco modalidades das nove identificadas.
Destas, as modalidades de artes cênicas e artes visuais foram as quais as
proponentes mulheres superaram os homens quanto ao valor autorizado
de captação.
Em relação aos valores autorizados, os projetos apresentados e
autorizados para os proponentes homens foram crescentes ao longo dos
três editais, sendo frequência relativa para cada os editais de 2016, 2017 e
2018; foram de 20,9%, 36,7% e 42,4%, respectivamente. A participação relativa
dos valores dos projetos apresentados pelas proponentes do gênero
feminino para cada um dos editais supramencionados foi de 39,3%, 42,4%
e 18,4%, na devida ordem informada.
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REVISTA BOLETIM OBSERVATÓRIO DA DIVERSIDADE CULTURAL . V.100 . N.02.2023

Da desigualdade de acesso proporcionalidade de participação

Apesar dos resultados econômicos da cadeia produtiva da cultura


no município de Jacareí se mostrar evidente por meio do diagnóstico
realizado pelo Projeto CEJAC, as questões socioeconômicas ainda não são
atendidas de forma à atender a população de baixa renda.
Considerando o investimento realizado especificamente na cadeia
produtiva (serviços privados não financeiros e comércios) no valor de R$
1.445.235,89, ao calcular o investimento per capta com base na população
estimada pelo IBGE para o ano de 2020 ser de 235.416 habitantes, tem-se
o investimento por munícipe de R$ 6,14, o que impacta em apenas 0,16%
quando analisado que o rendimento médio é de 3,4 salários-mínimos.
Porém, ao considerar que 33,5% da população do município de Jacareí
sobrevivia com meio salário-mínimo à época dos editais3, o reflexo para
este grupo social é 680% maior quando comparado à renda média em
salários-mínimos no município.

Considerações finais

Diagnosticar os reflexos econômicos que as atividades culturais


promovem na economia local, além de possibilitarem a identificação de
benefícios sociais, contribuir para a formulação e adaptação de políticas
públicas que promovam a cadeia produtiva da cultura, também trazem
a importância de aplicar os métodos e estudos científicos em prol da
economia da cultura.
As Lei de Incentivo à Cultura dos municípios e territórios contribui
diretamente para a formalização dos trabalhadores, fator que favorece a
segurança para esses agentes culturais assumirem diferentes formalidades
que demandam, inclusive, pagamentos mensais.
As análises demonstraram que a maior parte dos recursos dos
projetos são destinados a pessoas e serviços, ou seja, trabalho e renda
diretamente para trabalhadores da cultura, se tornando via de mão dupla:
agentes da arte e cultura trabalhando para o município e, por outro lado,
este incentivando e apoiando esses trabalhadores.
Essa análise promove a reflexão de que se somente uma Lei de

3 A Medida Provisória n° 1021, de 2020 estabeleceu o salário-mínimo para 2021 no valor de R$1.100,00

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REVISTA BOLETIM OBSERVATÓRIO DA DIVERSIDADE CULTURAL . V.100 . N.02.2023

Incentivo à Cultura foi capaz de movimentar todos esses trabalhadores


no município, qual seria o potencial do setor e de toda a cadeia produtiva
artístico-cultural na composição do emprego?
Nesse sentido, para além do incentivo as produções artísticas culturais,
se faz de grande importância o destaque e o financiamento às pesquisas
científicas sobre os impactos e reflexos do setor na economia local. Estudos
estes que vêm sendo realizados no Brasil, país bastante diverso e com fortes
expressões culturais simbólicas e dinamizadoras das regiões brasileiras.
Toda essa potencialidade voltada às análises e estudos é de extrema
importância para as artes, cultura e tantos outros segmentos produtivos
culturais.

COMO CITAR ESSE ARTIGO


RETAMIRO, William; DINIZ, Jade Gama. Reflexos econômicos na cadeia
produtiva da cultura: uma análise replicável para outros muncípios a partir
dos resultados do projeto Cultura e Economia para Jacareí. Revista Boletim
do Observatório da Diversidade Cultural, Belo Horizonte, v. 100, n. 2, 2023.
Disponível em: https://observatoriodadiversidade.org.br/boletins/ Acesso
em: [data].

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REVISTA BOLETIM OBSERVATÓRIO DA DIVERSIDADE CULTURAL . V.100 . N.02.2023

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set. 2021.

125
REVISTA BOLETIM OBSERVATÓRIO DA DIVERSIDADE CULTURAL . V.100 . N.02.2023

Fredone Fone
Visão central-periférica
Fotografia Digital
Vitória, ES, 2021
Foto: Fredone Fone 126
REVISTA BOLETIM OBSERVATÓRIO DA DIVERSIDADE CULTURAL . V.100 . N.02.2023

POLÍTICAS CULTURAIS COM AS PERIFERIAS:


ESCUTA ATENTA, PRESENÇA E MUDANÇA DOS
PARADIGMAS DE CULTURA
Bruna Hercog1
Natureza França2

RESUMO

Refletir sobre a importância da participação dos agentes culturais


que atuam nas periferias na (re)construção das políticas culturais no Brasil.
Este foi o objetivo de um ciclo de aulas abertas realizadas por Bruna Hercog,
na FACOM/UFBA, com participação de produtores e gestores culturais de
Salvador. Entre eles, Natureza França, gestora do Quilombo Aldeia Tubarão.
Juntas, as autoras sistematizam nesse relato as trocas tecidas e destacam
a urgência em se rever os paradigmas de cultura que orientam as políticas
culturais, tomando como base as potências que constituem os modos
de ser, fazer, conhecer, comunicar dos/as fazedores/as de cultura das
periferias.

Ao longo de séculos, os nossos outros centros – que insistimos


em chamar de periferias - estão produzindo cultura, comunicação,
transformação social e traçando táticas e pedagogias que podem
subsidiar políticas culturais. No entanto, observa-se que, apesar de termos
alguns avanços consideráveis, o caminho é longo para que as políticas
culturais sejam de fato construídas e implementadas com as periferias e
não para elas.
Afinal, a quem servem as políticas públicas implementadas nas
periferias? Como construir políticas culturais com aqueles e aquelas que
produzem e gestam cultura nesses territórios? Quais paradigmas de cultura
prevalecem nas políticas culturais implementadas? Estas foram algumas
das questões que guiaram as aulas abertas que facilitei para estudantes de
1 Jornalista, educadora e pesquisadora. Doutora e Mestra em Cultura e Sociedade pelo Programa de Pós-
Graduação em Cultura e Sociedade da Universidade Federal da Bahia (Poscultura/UFBA). Pesquisadora do Observatório
da Diversidade Cultural (ODC). E-mail: bhercog@gmail.com
2 Sambadeira, gestora do QUIAL Tubarão. Mestra em Dança e Bacharela Interdisciplinar em Artes pela Universidade
Federal da Bahia (UFBA). E-mail: naturezartesporte@gmail.com

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REVISTA BOLETIM OBSERVATÓRIO DA DIVERSIDADE CULTURAL . V.100 . N.02.2023

Produção Cultural da Faculdade de Comunicação da Universidade Federal


da Bahia (FACOM/UFBA)3 junto com artistas, pesquisadores, produtores e
gestores culturais que atuam em bairros periféricos de Salvador.
Os encontros tiveram como objetivo refletir sobre a importância
da participação dos agentes culturais que atuam nas periferias na (re)
construção das políticas culturais no Brasil. Participaram das aulas
Lázaro Roberto, fotógrafo e fundador do ZumVi – Acervo Fotográfico4;
Pareta Calderash, poeta e idealizador do Sarau do Gheto5; Geise Oliveira,
produtora, gestora cultural, conselheira de cultura de Salvador e gestora da
DiPreta Produções6; Kátia Costa, produtora e gestora cultural, Akayá Kapió,
idealizadora do projeto Sabedoria da Mulher Ancestral7 e Natureza França,
artista, sambadeira, mestra em dança pela UFBA e gestora do Quilombo
Aldeia Tubarão8.
Este texto surge do desejo de relatar as trocas tecidas durante esses
encontros junto com os/as convidados/as e com as/os estudantes – grande
parte jovens negros e negras moradores/as das periferias de Salvador. Ele
reúne partilhas generosas e foi tecido por mim e por Natureza França. Eu,
Bruna Hercog, sou nascida e criada em Salvador, comunicadora, educadora,
pesquisadora e construo minha caminhada com diálogo e construção
coletiva junto às populações negras, indígenas, periféricas no Brasil e na
América Latina. Eu, Natureza França, sambadeira, natural de Cachoeira, no
Recôncavo da Bahia, sou educadora, gestora cultural, artista. Sou muitas.
Feitas as apresentações, passaremos a falar no plural e cada uma falará
por si, quando se fizer necessário.
Nos focaremos em três principais aspectos que foram apontados
pelos/pelas agentes culturais e que se inter-relacionam: a necessidade
do reconhecimento por parte do poder público das metodologias e
conhecimentos das/dos fazedores/as de cultura nos territórios, em
sua grande maioria negros e negras; a implementação de processos
qualificados e comprometidos de escuta dos/das agentes culturais e a
urgência em se rever os paradigmas de cultura que orientam as políticas
culturais, tomando como base as potências que constituem os modos de

3 Estive como professora substituta na FACOM durante os semestres 2022.2 e 2023.1, facilitando as disciplinas de
Teorias da Cultura; Políticas Culturais; Comunicação e Cultura e Oficina de Gestão em Cultura.
4 https://www.zumvi.com.br/
5 https://www.instagram.com/saraudogheto/
6 https://www.instagram.com/dipretaproducoes/
7 https://www.instagram.com/sabedoria.da.mulher.ancestral/
8 https://www.instagram.com/quialtubarao/

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REVISTA BOLETIM OBSERVATÓRIO DA DIVERSIDADE CULTURAL . V.100 . N.02.2023

ser, fazer, conhecer, comunicar dos territórios violentados. Por “território


violentado”, entendemos estas localidades historicamente submetidas a
uma série de violências (estruturais, simbólicas e físicas).
No que se refere aos processos de mapeamento das iniciativas,
espaços e escuta dos/as agentes culturais, foi apontada a necessidade de
uma escuta qualificada e atenta. Não uma escuta simbólica ou burocrática.
Mas, uma escuta capaz de se conectar de forma respeitosa com todo
o trabalho que agentes e gestores culturais constroem há séculos nas
periferias para garantir que outras versões das histórias de povos indígenas
e negros possam ser contadas. Trata-se de um trabalho contínuo para
garantir que a memória dessas populações não seja apagada. São
saberes emancipatórios que traduzem uma forma de conhecer o mundo,
de produzir uma racionalidade determinada pelos marcadores raciais e
de gênero e de intervir nesta sociedade racializada por meio da criação,
recriação, produção e potência (Hercog, 2023).
Justamente para contar outras versões das histórias, em 2015,
fundamos – eu, Natureza, e outros/as fazedores/as de cultura de Tubarão,
Paripe - o Quilombo A Corda que, em 2019 foi nomeado QUIAL Centro
Cultural Quilombo Aldeia Tubarão. Atualmente, o QUIAL sedia projetos como
a Plataforma Multimídia Favela Revela, onde jovens de periferias do Brasil
pesquisam, criam, produzem e promovem conteúdo de valorização das
ações e potenciais das periferias em todo o Brasil. Uma série de produções
que temos feito contribuem para o resgate e a difusão da nossa história9.
Conhecer a minha história é uma responsabilidade que tenho para com a
minha família e com minha comunidade.
Por isso, quando falamos em escuta atenta, estamos falando de
presença. Nós, artistas, produtores e gestores culturais que somos das e
atuamos nas periferias acreditamos que essa escuta presente só é possível
quando envolve a participação de pessoas que sejam referências para
as comunidades. Não basta termos representantes dos órgãos públicos
ou pesquisadores de universidades coletando informações nas periferias,
precisamos ter referências nossas ocupando esses espaços de decisão. A
presença é uma forma de escuta.

9 V. A Periferia é o Centro. Disponível em: https://www.youtube.com/channel/UCWmX1klXE9_vfxS1DaGi5BA Acesso


em: 10 jan. 2022.; Matriarcas de Tubarão: Potência e resistência das mulheres de um lugar. Disponível em: https://www.
youtube.com/watch?v=2qan3LERrqc&t=532s Acesso em 15 jan. 2022.

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REVISTA BOLETIM OBSERVATÓRIO DA DIVERSIDADE CULTURAL . V.100 . N.02.2023

Para dialogar com Natureza e com o QUIAL trazemos a história do


fotógrafo Lázaro Roberto, que durante a aula aberta nos contou como a
sua percepção sobre si próprio e sobre os seus, o seu lugar começou a
se transformar quando descobriu a potência da fotografia. Foi em 1990,
no contexto da Ditadura Militar, que Lázaro Roberto, Aldemar Marques e
Raimundo monteiro criaram o Zumví Arquivo Fotográfico. Três fotógrafos
negros, moradores de Salvador, que passaram a se dedicar ao registro
das atividades culturais e políticas da cidade e a produção de imagens da
cultura afro-brasileira.

Ao longo de mais de 30 anos o Zumví vem registrando sistematicamente as


manifestações do movimento negro, e o cotidiano dos afrodescendentes
em diversas temáticas e contextos populares, principalmente a memória
do movimento negro baiano e outros temas que compõem um acervo,
com cerca de 30.000 negativos sobre a cultura afro-baiana10

Esse acervo, no entanto, estava correndo riscos por falta de condições


adequadas de armazenamento. Assim como o acervo do Zumví, muitos
outros processos de produção de memória a partir das narrativas das
populações afrodiaspóricas seguem ameaçados. A exemplo do QUIAL
e do Zumví temos muitas experiências desenvolvidas nas periferias que
contribuem para produzir informações e traçar estratégias que podem –
e devem - subsidiar políticas culturais. Vejamos, por exemplo, a potência
dos saraus de poesia que são realizados em diversos bairros das periferias
de Salvador11. Pareta Calderasch é um destes poetas que, a partir do uso
político da palavra, constroem junto às juventudes outros letramentos
possíveis, que reforçam a identidade afrodiaspórica, valorizam a memória
e reposicionam as juventudes negras – sempre suspeitas e violentadas
de todas as formas - como sujeitos de direito, artistas, autores das suas
próprias histórias.
As iniciativas são inúmeras e não seria possível discorres sobre todas
aqui. No entanto, é preciso vontade política para que haja uma escuta efetiva
e para que esses/as gestores/as culturais tenham condições de continuar a
desenvolver suas atividades. Foi o que destacaram as/os agentes culturais
que participaram das aulas abertas. É preciso investimento continuado e
não mais projetos pontuais e recursos espaçados. Os coletivos precisam
10 V. https://www.zumvi.com.br/
11 Valdeck Almeida, escritor, poeta e mobilizador cultural baiano já catalogou mais de 50 saraus de poesia em
diversos bairros das periferias de Salvador. Disponível em: http://sarausdepoesiaemsalvador.blogspot.com/. Acesso em:
6 nov. 2023.

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REVISTA BOLETIM OBSERVATÓRIO DA DIVERSIDADE CULTURAL . V.100 . N.02.2023

de sedes, de estrutura, de apoios sistemáticos para desenvolverem as


atividades com qualidades e com remunerações justas para todos e todas.
O Estado precisa investir não só nas premiações, nos editais, mais injetando
recursos diretamente nas organizações que estão ali de fato realizando as
coisas o ano inteiro e que muitas vezes não tem condições de participar de
muitos dos chamamentos públicos feito pelos órgãos públicos. A cultura,
portanto, tem que ser transversal a todas as secretarias.
Estas percepções dialogam com o que Hortência Silva Nepomuceno
dos Santos (2015) aponta como os desafios nas políticas culturais pensadas
para as cidades. A autora ressalta o lugar da cidade na produção coletiva
de sentidos no âmbito econômico, político e social e lança a provocação:

Como promover a inserção da população e das pautas sociais e culturais


nas decisões políticas, num espaço urbano culturalmente diverso e
historicamente partido, como um direito a viver bem em coletividade,
partilhando e usufruindo igualmente dos bens conquistados, mesmo que
submetidos à lógica capitalista? (Santos, 2015, p. 20)

Em concordância com a autora compreendemos a educação e a


cultura como aceleradores da construção de valores simbólicos, portanto,
quando não são exercidas, as barreiras persistem. É urgente a “necessidade
de reorientar a construção de políticas públicas, através da potencialização
em longo prazo das bases política, educacional, informacional e cultural
da sociedade” (Santos, 2015, p. 39).
Com ou sem aporte dos poderes públicos, agentes culturais
comunitários, a partir das cidades – e mais especificamente a partir destes
territórios violentados – apostam e se desdobram justamente para produzir
cultura e educação a partir dos seus lugares, dos seus corpos-territórios,
das suas memórias e saberes ancestrais. E fazem isso a partir de processos
de construção coletiva e comunitária, como conta Natureza França.
O cenário de escassez no qual vivemos e produzimos cultura se refere
ano nosso poder material. E essa escassez não vem da gente, não nasce
na gente, mas é decorrente da falta histórica de acesso a recursos, da
ausência de direitos básicos que não nos são garantidos. Porém, o que
representa o nosso poder criativo, o nosso poder de resiliência é um cenário
de abundância.
Nossos antepassados são muito resistentes. Os processos criativos
da periferia precisam partir das nossas histórias, para que a gente não

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siga reproduzindo o que ensinaram pra a gente. Enquanto educadora,


esse é um trabalho meu, é uma busca que eu faço constantemente.
Enquanto aprendiz (e feliz de ser aprendiz), eu entendo que para as outras
pessoas é importante também saber disso. E eu vou compartilhando essa
aprendizagem. Mas, não vou sozinha. Na favela, a gente precisa trabalhar
em rede. O que eu vejo dar certo nas quebradas é em rede, é em parceria,
é com irmandade.
Eu, Bruna, compreendo esse atuar em rede, a valorização dos saberes
ancestrais e o papel da arte e da educação nas periferias trazido por
Natureza e por todos/as os/as demais fazedores/as de cultura com quem
conversamos como elementos estruturantes do que tenho chamado de
epistemologias das quebradas12. Observo quatro eixos centrais: a arte e
a comunicação como alicerces pedagógicos; o território como âncora;
a ancestralidade como bússola e a aposta pelo comunitário como
catalizadora da atuação. Em linhas gerais, aponto que o entrelaçamento
das dimensões artística, política e identitária sustenta a base dos processos
de construção de conhecimentos dos coletivos que atuam nas quebradas.
Esta base ética e estética guia os coletivos. A arte e a comunicação têm,
portanto, uma dimensão pedagógica.

Como quilombos urbanos, estes coletivos têm o território vivido como


âncora – no sentido de apoio, amparo, proteção, base – e alavanca,
pois as relações tecidas ali alimentam os ativismos. A construção de
territorialidades específicas por parte destas juventudes dentro de um
bairro marginalizado é forjada por uma multiplicidade de identidades e
formas organizativas. O conhecimento ancestral diaspórico é herdado
pelos movimentos sociais negros e indígenas e amalgama as práticas
dos coletivos culturais. A ancestralidade é bússola. O convite para que a
memória apagada seja revivida é tática, é intencionalidade pedagógica.
O corpo transforma o destierro em locus de ação, produção, reexistência.
Por fim, a aposta pelo comunitário à medida que catalisa a atuação,
conforma a base ética e estética dos coletivos das quebradas (Hercog,
2023, p. 54).

Esses processos organizativos que se espalham por esses outros


centros questionam cânones e propõem, portanto, mudanças nas formas
tradicionais de organização política. São formas efetivas de produção de
conhecimento, porém, muitas vezes invisibilizadas diante, por exemplo,
dos formuladores de políticas culturais, tema da nossa reflexão. Esse foi
outro aspecto trazido durante as aulas abertas: a falta de reconhecimento
12 V. HERCOG, Bruna Pegna. Rumo às epistemologias das quebradas: iniciativas juvenis em Salvador (Bahia, Brasil) e
Cali (Valle del Cauca, Colômbia). (Tese de Doutorado). UFBA. Salvador, Bahia, 2022. Disponível em: https://repositorio.ufba.
br/handle/ri/35390.

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REVISTA BOLETIM OBSERVATÓRIO DA DIVERSIDADE CULTURAL . V.100 . N.02.2023

por parte do poder público das metodologias e conhecimentos das/dos


fazedores/as de cultura nos territórios. Para além do reconhecimento,
de fato, a demanda é por processos mais radicais de transformação
na relação entre a sociedade civil e o Estado, para que as populações
historicamente subalternizadas ocupem os lugares de poder, fissurando
hierarquias estruturadas desde o período colonial.
Para que essa transformação aconteça, os paradigmas de cultura que
orientam as políticas culturais devem tomar como base as potências que
constituem os modos de ser, fazer, conhecer, comunicar nestes territórios.
Dizem os/as fazedores/as de cultura: não cabem mais projetos verticalizados
que chegam nos territórios com uma perspectiva democratizante, mas,
na prática reforçam modelos hierárquicos que colocam as/os agentes
culturais que atuam nas periferias em lugares subalternizados.
O fazer com as periferias e não para elas diz respeito justamente
a essa inversão da lógica tradicional de formulação e implementação
de políticas públicas, em todos os campos. Conhecer as metodologias,
pedagogias e formas organizativas desenvolvidas nesses territórios
pressupõe um despir-se de paradigmas estruturantes, o que é um grande
desafio. Por isso, as trocas tecidas apontaram para essa relação necessária
e tensa com o Estado. A atuação das iniciativas culturais das periferias é
tática – aqui entendida na perspectiva de Michel De Certeau (2014) como
movimentos dentro do campo de visão do inimigo -, muitas vezes acontece
por caminhos não institucionalizados, mesmo dentro do jogo democrático.
Como diz Muniz Sodré, o jogo democrático é jogado pelo sujeito “em sua
cotidianidade, nas situações miúdas do dia a dia, no vaivém relacional
entre as instituições e a vicissitude existencial da cidadania” (2010, p. 84).
Foi sobre isso que comentou durante a aula aberta, Geise Oliveira,
mulher negra, periférica, representante da sociedade civil no Conselho
Municipal de Cultura e ex-aluna do curso de produção cultural da FACOM.
Provocada pelos/as estudantes, Geise reforçou a importância de pessoas
como ela, como eles/as ocuparem espaços como os dos conselhos de
cultura, instâncias democráticas de participação que, mesmo com suas
fragilidades, devem ser disputados pelos fazedores/as de cultura das
periferias. Em espaços como esses, é possível contribuir para que as vozes
disruptivas de quem produz abundância, mesmo em cenário de escassez,
sejam escutadas e que interfiram no desenho de políticas culturais que

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contemplem, de fato, as maiorias do país: negros, negras, mulheres,


populações periféricas.
A reflexão de Geise se conecta com a percepção sobre os
equipamentos culturais que traz a professora, pesquisadora e gestora
cultural Ana Vaneska Santos de Almeida no texto “Gestão participativa
em comunidade: a experiência do Fórum de Arte e Cultura do Subúrbio no
Centro Cultural Plataforma” onde observa a importância em ter fazedores/
as de cultura das comunidades no centro das gestões de equipamentos
culturais – principalmente quando são vinculados patrimonialmente ao
Estado, para que esses espaços culturais seja construídos com e para a
comunidade (Almeida, 2019).

A força do Estado precisa ser transferida para a sociedade civil para


uma gestão participativa acontecer, florescer. Os espaços de cultura
comunitários do entorno precisam ser fortalecidos através da política
dessa gestão (Almeida, 2019, p. 198)

Natureza aqui, dialogando com Geise e Ana Vaneska, para lembrar


que essa potência criativa que as periferias geram todos os dias na sua
cultura, que é tudo que se faz, que se cultiva e não necessariamente
determinadas linguagens, essa criatividade, essa potência criativa está
aí servindo ao mundo. E, se a gente nutre esses projetos que fortalecem
isso nas bases, vamos ter, em alguns anos, uma sociedade muito mais
inteligente, mais forte, porque vai estar trabalhando coletivamente, e não
com tantas desigualdades, com tantas diferenças. Não esqueçamos que
o conceito de cultura tem sua raiz no cultivo, no cultivar. O que eu cultivo
é cultura e me compõe enquanto sujeito. E me compõe enquanto família,
enquanto grupo, enquanto comunidade, enquanto território. É o que
nós cultivamos juntos, é o que nós compartilhamos. E isso é o tecido da
sociedade, a cultura.
Sigo, com os meus e as minhas, refletindo que depois de quatro anos
de muita violência, muito silenciamento, a gente sente o movimento da
retomada, da reconstrução de um Estado que tem dentro da sua estrutura
representantes nossos - muito poucos ainda, mas que conseguem abrir
algumas brechas. Vamos acessando as políticas, que ainda se baseiam
muito nos editais, nas premiações, mas vamos fazendo as nossas fissuras.
Não é nada fácil, mas seguimos, fissurando esse sistema rígido, duro,
homogêneo, branco, heterossexual que não é condizente com a realidade

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do nosso povo. Não podemos romantizar e acreditar que tudo está


resolvido, porque a presença, inclusive, de determinadas lideranças que
nos representam ali dentro, é uma permissão do capitalismo também. E
contra esse modelo destruidor que lutamos.
É representatividade que a gente precisa, é escuta ativa que a gente
precisa, é presença, é posicionamento. E é muito trabalho. Isso, nós nunca
negamos e seguimos construindo um acervo de memórias, de histórias,
de transgressões, de revoluções, que precisa ser registrado, que precisa
ser endossado, que precisa ser embasado, incentivado e impulsionado.
Por isso, as políticas públicas precisam ser cada vez mais presentes e
dependem da presença dos nossos e das nossas nos espaços de decisão.
Com essa reflexão-chamado-convocação feita por Natureza
França e que representa muitos/as fazedores/as de cultura nos territórios
violentados de Salvador e do Brasil, bem como de outras sociedades
afrodiaspóricas, nos despedimos. Não tivemos como objetivo trazer
respostas às provocações que guiaram os diálogos tecidos, mas sim,
possibilitar que outras vozes, outras perspectivas pudessem ser lidas-
sentidas para que sigamos, nesse momento de retomada, de reconstrução
das políticas públicas no Brasil refletindo sobre quem são as pessoas que
estão ocupando os lugares de poder dentro dos espaços institucionais:
essas pessoas representam a maioria do povo deste país? A quem servem
as políticas públicas implementadas nas periferias? Quais paradigmas
prevalecem? E, principalmente, estamos dispostos e dispostas a mudar as
lentes com as quais enxergamos o que é conhecimento, o que é capacidade
técnica e política para formular e implementar ações que sejam de fato
emancipatórias, disruptivas? Sigamos nessa reflexão taticamente, com
presença, escuta ativa e afetiva.

COMO CITAR ESSE ARTIGO


HERCOG, Bruna; FRANÇA, Natureza. Políticas culturais com as periferias:
escuta atenta, presença e mudança dos paradigmas de cultura. Revista
Boletim do Observatório da Diversidade Cultural, Belo Horizonte, v. 100, n.
2, 2023. Disponível em: https://observatoriodadiversidade.org.br/boletins/
Acesso em: [data].

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REFERÊNCIAS

ALMEIDA, A. V. Gestão participativa em comunidade: a experiência do


Fórum de Arte e Cultura do Subúrbio Ferroviário de Salvador no Centro Cul-
tural Plataforma. In: KAUARK, G.; RATTES, P.; LEAL, N. (org.). Um lugar para os
espaços culturais: gestão, territórios, públicos e programação. Salvador:
EDUFBA, 2019.

DE CERTEAU, Michel. A Invenção do Cotidiano: artes de fazer. Rio de Janeiro:


Ed. Vozes, 2014.

HERCOG, Bruna Pegna. Arte e comunicação para produzir dribles epistê-


micos: iniciativas juvenis das “quebradas” de Salvador (Bahia, Brasil) e Cali
(Valle del Cauca, Colômbia). PragMATIZES – Revista Latino-americana de
Estudos em Cultura, Niterói/RJ, ano 13, n. 25, p. 35-56, set. 2023.

HERCOG, Bruna Pegna. Rumo às epistemologias das quebradas: iniciati-


vas juvenis em Salvador (Bahia, Brasil) e Cali (Valle del Cauca, Colômbia).
(Tese de Doutorado). UFBA. Salvador, Bahia, 2022. Disponível em: https://re-
positorio.ufba.br/handle/ri/35390.

SANTOS, Hortência Silva Nepomuceno dos. Políticas públicas culturais


para as cidades: os casos do Recife e de Salvador / Hortência Silva Nepo-
muceno dos Santos. - Salvador: EDUFBA, 2015. 289 p. - (Coleção Cult).
SODRÉ, Muniz. Reinventando a cultura: a comunicação e seus produtos.
Petrópolis, Rio de Janeiro. Vozes: 2010.

Produções audiovisuais

A Periferia é o Centro. Realização QUIAL Tubarão. Série Audiovisual. Ano: 2021.


Disponível em: https://www.youtube.com/channel/UCWmX1klXE9_vfxS1Da-
Gi5BA Acesso em: 10 jan. 2022.

Favela Revela. QUIAL Tubarão. Série Audiovisual. Disponível em: https://www.


youtube.com/channel/UChpOU46xxJ5g37fWR65zPvQ

Matriarcas de Tubarão: potência e resistência das mulheres de um lugar.


QUIAL Tubarão. Documentário. Ano: 2021. Disponível em: https://www.youtu-
be.com/watch?v=2qan3LERrqc&t=532s Acesso em 15 jan. 2022.

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Sites e outras páginas eletrônicas

Acervo Fotográfico ZUMVÍ. Disponível em: https://www.acervozumvi.com/


categorias. Acesso em 12 nov. 2023.

DiPreta Produções. Disponível em: https://www.instagram.com/dipreta-


producoes/. Acesso em 12 nov. 2023.

Quilombo Aldeia Tubarão. Disponível em: https://www.instagram.com/


quialtubarao/. Acesso em 12 nov. 2023.

Sabedoria da Mulher Ancestral. Disponível em: https://www.instagram.


com/sabedoria.da.mulher.ancestral/. Acesso em 12 nov. 2023.

Sarau do Gheto. Disponível em: https://www.instagram.com/saraudoghe-


to/. Acesso em 12 nov. 2023.

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Marcos Martins
Regenerando paisagens
Performance/Instalação
Juazeiro do Norte, CE, 2023
Foto: Marcos Martins 138
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O CEARÁ EM ESTADO DE CONFERÊNCIA:


PARTICIPAÇÃO SOCIAL E AS
CONFERÊNCIAS DE CULTURA
Leandro Silva1
Renata Melo2
Thiago Rodrigues3

RESUMO

Este relato de experiência pretende trazer à discussão o papel da


participação social neste complexo momento de reconstrução das
práticas democráticas em nosso país descrevendo como ocorreram os
Encontros Setoriais e as conferências municipais preparatórias para a 4ª
Conferência Nacional de Cultura no Estado do Ceará, dando enfoque às
práticas que resultaram no fortalecimento do campo em retomar, tanto
em termos de diversidade, quanto em termos de qualidade, a participação
da sociedade civil nos processos de elaboração, avaliação e definição das
políticas públicas de cultura no Ceará e no Brasil.

A cultura voltou. Esta afirmação cheia de significados traz consigo


a responsabilidade inerente à retomada das políticas públicas para a
cultura, que após cerca de seis anos de desmonte e criminalização, retoma
seu curso, objetivando, enfim, tornar-se uma política pública de Estado e
consolidar seu Sistema Nacional de Cultura (SNC).
A recriação do Ministério da Cultura (MinC) como um dos primeiros
atos após a posse do Presidente Lula, em janeiro de 2023, demonstra a
importância que a cultura tem para a sociedade brasileira. Com isso, as

1 Doutor em História Cultural. Analista de Gestão Cultural e Orientador de Célula dos Sistemas Setoriais na
Coordenadoria de Políticas para as Artes na Secretaria da Cultura do Ceará (Secult/CE). E-mail: leandro.silva@secult.
ce.gov.br
2 Doutora em Cultura e Sociedade. Analista de Gestão Cultural e Assessora de Controle Interno e Ouvidoria da
Secretaria da Cultura do Ceará (Secult/CE). E-mail: renata.melo@secult.ce.gov.br
3 Mestre em Comunicação Social. Produtor Cultural da Universidade Federal do Cariri (UFCA) cedido para atuação
no Escritório Estadual do Ministério da Cultura (MinC). E-mail: rodrigues.thiago@cultura.gov.br

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políticas culturais voltaram a ser pensadas como uma dimensão estratégica


para o enfrentamento das desigualdades sociais tão amplamente
verificadas em nosso cotidiano.
Alexandre Lucas ressalta em seu artigo “Conferências de cultura
e a luta por participação, planejamento e dinheiro” que o processo de
reordenamento da política nacional de cultura, que deve se dar a partir
de intenso debate nos estados e municípios brasileiros, vem a ser a tarefa
central no processo de “articulação e reoxigenação dos movimentos
sociais de cultura dentro da construção da Conferência Nacional de
Cultura”. Ele afirma que está em jogo a defesa “sem concessões” de uma
política de Estado para a Cultura, que foi interrompida nos últimos anos e
que, neste sentido, três questões merecem ser tratadas como prioritárias: a
consolidação do Sistema Nacional de Cultura (SNC), a ampliação imediata
da Política Nacional Cultura Viva (PNCV) e a garantia permanente e com
percentuais mínimos de aplicação de recursos nas esferas estaduais,
municipais e federal (Lucas, 2023).
Os objetivos estão traçados e as prerrogativas para que os
municípios possam captar recursos federais a partir das leis emergenciais
foram devidamente lançadas: condicionar o repasse de verbas das leis
emergenciais ao comprometimento dos municípios em aderir ao SNC,
viabilizando os chamados CPF da Cultura (Conselho Municipal de Política
Cultural, Plano Municipal de Cultura e Fundo Municipal de Cultura), como
forma de firmar compromissos entre os entes federativos para que Estados
e Municípios implementem e concretizem seus Sistemas Municipais de
Cultura.
Entre outros aspectos do SNC, as conferências são oportunidades de
encontro e discussão entre a sociedade civil e os entes governamentais com
o objetivo de debater políticas, programas e ações a serem desenvolvidas
nos anos seguintes. Após um hiato de dez anos da última Conferência
Nacional de Cultura (CNC), realizada em 2013, a cultura está diante de um
período fundamental de retomada dos processos participativos nos quais
as conferências se colocam como momentos primordiais de afirmação
democrática e de apontamentos para a construção de políticas públicas.
Quando realizadas as conferências, sociedade civil e governos têm a
oportunidade de mobilizar e promover encontros, além de fortalecer
redes, conexões e diálogos sobre as necessidades de cada território. São

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ocasiões para avaliar a maturidade das políticas públicas em municípios,


estados e no Distrito Federal, e apontar novos caminhos. Mas vão além, são
oportunidades de afirmar direitos sociais e políticos, fundamentais para o
fortalecimento da cultura democrática.
A 4ª Conferência Nacional de Cultura (4a CNC), que está prevista
para ocorrer entre 04 e 08 de março de 2024, terá como tema central
“Democracia e Direito à Cultura” e, a partir dessa grande temática, o setor
cultural e a sociedade brasileira foram instados a debater a cultura como
um dos elementos constitutivos da própria democracia e de afirmação
da cultura como um direito universal, como é expresso no artigo 215 da
Constituição Federal: “O Estado garantirá a todos o pleno exercício dos
direitos culturais”.
Em relação às conferências no estado do Ceará, foi emitida a Portaria
nº 134, de 26 de julho de 2023, substituída posteriormente pela Portaria nº
148 de 18 de setembro do corrente ano, que convoca a 4a Conferência
Estadual de Cultura (4a CEC) sob a coordenação da Coordenadoria de
Articulação Regional e Participação (Copar) da Secult/CE em conjunto
com o Conselho Estadual de Política Cultural (CEPC), estabelecendo como
tema geral “Democracia e o exercício dos Direitos Culturais no estado do
Ceará”, bem como aprovando o Regimento Interno da 4ª CEC, construído
pela Secult e CEPC.
A etapa municipal se iniciou com as cidades se responsabilizando
pela regulamentação, convocação e realização de suas Conferências
Municipais de Cultura (CMCs), cabendo aos poderes públicos municipais,
por meio de suas secretarias correlatas e baseados nas orientações e apoio
dado pela Secult/CE, organizarem todo o processo de realização de suas
conferências, bem como garantirem a participação de seus delegados na
Conferência Estadual de Cultura (CEC).
Os municípios tiveram a tarefa de elaborar seus regulamentos a
partir do documento base da 4ª CNC, que tem como tema “Democracia
e Direito à Cultura” e do Guia de Orientações Gerais para a realização das
Conferências Municipais de Cultura (2023) elaborado pela Coordenadoria
de Articulação Regional (Copar) da Secult/CE. Os referidos regulamentos
se preocuparam em ressaltar a importância de contemplar as diretrizes e
observar os critérios estabelecidos nos regimentos da 4ª CEC e da 4ª CNC.
Foi observada uma demora na disponibilização do documento base da

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4ª CEC, ainda em vias de ser publicado e que, em função do exíguo prazo,


não pôde ser compartilhado entre os municípios em tempo hábil para
auxiliar na reflexão dos eixos, restando a estes utilizar apenas os demais
documentos já disponibilizados.
Acerca do Guia de Orientações Gerais para a realização das
Conferências Municipais de Cultura (2023) elaborado pela Copar, pode-
se dizer que foi um documento importante que teve como finalidade
contribuir para a organização das conferências nos municípios trazendo
um apanhado de informações, tais como o calendário das atividades,
recomendações sobre como realizar a organização física das conferências,
metodologias, propostas de trabalho, orientações para o trabalho em
grupo, descrição de como deve se dar a plenária geral e a escolha dos
delegados, bem como sugestões para a produção do relatório final, e que
disponibilizou minutas de portarias e regulamentos e ainda uma lista de
formulários e modelos que contribuíram e nortearam a estruturação dos
processos nos municípios.
No estado do Ceará, as Conferências Municipais de Cultura contaram
com apoio e participação de representantes da Secult/CE e do Escritório
Estadual do Ministério da Cultura (EECE/MinC) em quase todas as cidades,
nas quais as duas instituições agiram em parceria, com o objetivo de
circular por todo o estado e garantir o processo das conferências.
No geral, com pequenas variações, as conferências municipais
ocorreram com a seguinte programação: mesa de abertura; palestra sobre
o tema das conferências (nacional, estadual e municipal); divisão dos e
das participantes em Grupos de Trabalho (GTs) de acordo com os eixos
temáticos da CNC; apresentação, debate e aprovação das propostas de
todos os GTs em plenária; eleição de delegadas e delegados em plenária.
Importante ressaltar que todos estes momentos precisaram ser registrados
em ata e assinados pelos e pelas participantes, e também documentados
em vários suportes (foto, vídeo, lista de presença de GTs) para que as
etapas municipais da CNC pudessem ser validadas e referendadas na
etapa estadual, e posteriormente, na etapa nacional.
Importante também dedicar um pouco de atenção aos eixos
temáticos e suas abordagens por meio de grupos de trabalho durante
as conferências municipais. Os seis eixos que norteiam a 4ª Conferência
Nacional de Cultura são: 1) Institucionalização, Marcos Legais e Sistema

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REVISTA BOLETIM OBSERVATÓRIO DA DIVERSIDADE CULTURAL . V.100 . N.02.2023

Nacional de Cultura; 2) Democratização do Acesso à Cultura e Participação


Social; 3) Identidade, Patrimônio e Memória; 4) Diversidade Cultural e
Transversalidade de Gênero, Raça e Acessibilidade na Política Cultural; 5)
Economia Criativa, Trabalho, Renda e Sustentabilidade; 6) Direito às Artes e
Linguagens Digitais. Levando em consideração a realidade de municípios
do interior do estado, com forte ocupação nas zonas rurais afastadas
das sedes dos municípios, mas também levando em conta o prazo para
realização das etapas municipais da conferência, assim como o hiato de 10
anos sem Conferência de Cultura e, ainda, o esvaziamento dos conselhos
nos últimos anos, é relevante problematizar as escolhas temáticas dos
eixos e a metodologia de divisão dos participantes em grupos distintos
para debater e formular propostas para cada um deles, sob a ótica da
participação social.
Uma percepção é de que os seis eixos temáticos escolhidos, ou o
enfoque dado para cada um eles, não tenha sido algo de fácil compreensão
ou de fácil percepção em função da realidade das pessoas desses
municípios de interior que participaram das CMCs, fazendo com que os
debates dos grupos ficassem, por vezes, travados, imobilizados, já que não
se conseguia entender como aquelas temáticas dialogavam com o dia a
dia desses agentes, e isso pode ter prejudicado a qualidade dos debates
em alguns locais. Acreditamos que os eixos temáticos poderiam ter sido
elaborados com textos mais objetivos, exemplificando com situações mais
palpáveis ou de fácil visualização na realidade das pessoas, ou mesmo
elencados subtemas dentro do tema geral de cada eixo, pois, do modo
que consta no documento orientador da 4ª CNC, o generalismo dos eixos
dificultou a compreensão de muitos participantes.
Outra questão que podemos abordar sobre a metodologia dos grupos
de trabalho localiza-se na realidade de municípios pequenos nos quais
as CMCs tiveram índices baixos de presença (conferências com menos
de 50 pessoas), nas quais a obrigatoriedade de escolher participar das
discussões de um eixo apenas (uma vez que ocorriam de forma paralela)
prejudicou a qualidade dos debates, já que alguns grupos ficavam com
poucos inscritos, com níveis distintos de compreensão e de atuação
naquelas áreas, resultando em propostas que muitas vezes não refletiam
da melhor forma as realidades locais. Acreditamos que poderia ter-se
pensado uma metodologia alternativa para que nesses municípios onde

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REVISTA BOLETIM OBSERVATÓRIO DA DIVERSIDADE CULTURAL . V.100 . N.02.2023

a participação nas conferências limitava-se a 50 pessoas, os debates


dos Grupos Temáticos pudessem ser agrupados, oportunizando todas as
pessoas conversarem, debaterem e elaborarem propostas para todos
os eixos temáticos, criando possibilidades de uma maior participação
social, que poderia resultar em debates mais qualitativos e propostas mais
condizentes com as realidades locais e coletivas.
algo que também pode ter acentuado a dificuldade de organização
das conferências, como também prejudicado o prévio aprofundamento
nos debates conceituais dos eixos temáticos, foi a concorrência das
conferências com o calendário de execução da Lei Paulo Gustavo, tendo
sido ambos os processos realizados no segundo semestre de 2023. Isso
dificultou a realização das pré-conferências, que poderiam ter papel
importante nos debates dos eixos temáticos e, ainda, minimizar as ausências
de compreensão temática por parte dos e das participantes. Entretanto,
isto não sendo possível, a elaboração de uma metodologia de mediação
e de condução dos GTs de forma mais detalhada e mais clara poderia ter
oportunizado melhores debates, mais inclusivos e participativos.
Os Encontros Setoriais, por sua vez, celebraram a articulação e
mobilização dos e das agentes culturais em torno dos debates setoriais e
da representatividade dos diversos segmentos artísticos e culturais, para
a deliberação de propostas e eleição de delegadas e dos delegados para
a 4ª CEC. Esses encontros, em nível estadual e nacional, visam resgatar e
garantir o acúmulo histórico dos debates em torno dos diversos setoriais de
cultura. No Ceará, foram reconhecidos 26 Setoriais, tendo como referência
as 18 Setoriais do MinC, legitimadas por meio de Planos Setoriais Nacionais,
e 8 Setoriais complementares, em respeito aos assentos do Conselho
Estadual de Políticas Culturais (CEPC). Este é o maior número de Encontros
Setoriais realizados entre os estados.
A escolha política pela ampliação das setoriais no Ceará é a afirmação
e reconhecimento de categorias, linguagens e seus e suas agentes em
busca da ativação dos seus fóruns. Foi garantido, dessa maneira, maior
participação e engajamento para fortalecer cada setor, aproximando e
valorizando artistas e demais trabalhadores e trabalhadoras da cultura
vinculados às setoriais.
As conferências municipais e os encontros garantiram a construção
das conferências estadual e nacional a partir da base, dos territórios - de

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REVISTA BOLETIM OBSERVATÓRIO DA DIVERSIDADE CULTURAL . V.100 . N.02.2023

forma mais orgânica e democrática. Podemos afirmar, com isso, que a 4ª


Conferência Nacional de Cultura já começou, pelos municípios e por meio
dos Encontros Setoriais. Se a vida política e econômica se dá nos municípios,
na relação direta entre as instituições, artistas e demais agentes, a vida
cultural também pode ser entendida assim.
E quanto aos desafios para a participação social neste processo? O
que pudemos constatar?
A realização das etapas municipais da Conferência Nacional de
Cultura enfrentou uma série de desafios de mobilização dos setores
públicos e agentes da sociedade civil. O calendário para a organização
das etapas estaduais e municipais representaram desde o princípio um
obstáculo para a mobilização da Cultura no país. Recém-empossados, os
36 conselheiros e conselheiras do Conselho Nacional de Política Cultural
(CNPC) aprovaram, ainda em abril de 2023, o calendário da 4ª Conferência
Nacional de Cultura.
Neste calendário, a etapa nacional seria realizada entre 4 e 8
de dezembro, deixando curtos os prazos para as etapas municipais e
intermunicipais (até 31 de agosto), estadual e distrital (até 30 de outubro),
conferências temáticas (até 30 de outubro). A portaria do MinC nº 41, de
04 de julho de 2023, formalizou o calendário a partir do Regimento Interno
com alterações dos prazos das etapas municipais e intermunicipais (até 17
de setembro), estadual e distrital (até 30 de outubro), e mantendo o prazo
da Conferência Nacional de 4 a 8 de dezembro de 2023.
Na prática, a formalização tardia pela portaria e a manutenção
da etapa nacional em 2023 não ajudaram os estados e municípios no
planejamento e execução de suas etapas, comprometendo a mobilização
do setor cultural. A pressão dos estados fez com que a etapa nacional fosse
programada para acontecer de 04 a 08 de março de 2024, ampliando os
prazos das outras etapas, onde as municipais e intermunicipais puderam
ocorrer até dia 30 de outubro, e as estaduais, por sua vez, até o dia 08 de
dezembro.
A mudança dessas datas é um aspecto fundamental para entendermos
os desafios vivenciados pelos estados e municípios. Precisamos lembrar
que o setor cultural foi diretamente atingido nos últimos anos, sobretudo
entre 2016 e 2022. O próprio Ministério da Cultura foi recriado e, com ele, a
defesa apaixonada pela refundação de um país com muitas sequelas. As

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REVISTA BOLETIM OBSERVATÓRIO DA DIVERSIDADE CULTURAL . V.100 . N.02.2023

leis emergenciais Aldir Blanc e Paulo Gustavo foram vitórias de um setor


que, mesmo atingido desde o primeiro momento, precisou se articular
a partir dos seus lugares e (r)existir aos ataques do Governo Bolsonaro
potencializados pela pandemia de Covid-19.
O segundo semestre de 2023 se tornou um momento de grande
articulação de todas e todos os agentes da cultura, tanto do poder público
quanto da sociedade civil. Junto com as etapas preparatórias da 4ª
Conferência Nacional de Cultura, os estados e municípios foram desafiados
a executarem editais para aplicação dos recursos da Lei Paulo Gustavo. E,
o que poderia ser a comemoração e fortalecimento mútuo, se transformou
numa competição por atenção e mobilização. Servidores públicos e demais
trabalhadores da cultura tiveram suas rotinas e atenção disputadas pelos
lançamentos quase semanais de editais junto com as chamadas para
participação das conferências municipais, intermunicipais, conferências
livres, conferências temáticas, encontros setoriais e conferências estaduais.
Os desafios deste momento podem ser entendidos a partir da
expectativa pela grande participação de pessoas nessas etapas, que
por sua vez, representaram um otimismo característico do setor cultural.
No Ceará, as participações tiveram média aproximada de 40 pessoas,
atingindo 96,74% dos 184 municípios do estado - 167 que realizaram suas
próprias conferências municipais e 11 municípios que participaram de
conferências intermunicipais. Ao todo, mais de 6 mil pessoas registraram
suas presenças nas conferências municipais e aproximadamente 400
pessoas nos Encontros Setoriais. São números expressivos, se tomarmos
como referência a realidade de grande parte dessas localidades, cujas
pastas de cultura não existiam e não tinham um lugar de importância
para as administrações municipais, e onde os Conselhos Municipais
de Política Cultural, ou são inexistentes ou são recém-instalados. As leis
emergenciais e o incentivo pela elaboração dos chamados “CPF da Cultura”
favoreceram a ativação da Cultura como lugar estratégico para execução
de recursos nacionais, consequentemente estimulando o engajamento de
trabalhadores e trabalhadoras da Cultura e demais agentes do campo
cultural.
Para além da participação social, a experiência vivenciada nos
processos de conferências municipais, intermunicipais e setoriais de cultura
no Ceará, colocou-nos uma realidade interessante e um horizonte ainda

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REVISTA BOLETIM OBSERVATÓRIO DA DIVERSIDADE CULTURAL . V.100 . N.02.2023

mais interessante sobre a atuação conjunta entre os entes federativos


administrativos da Cultura (Secretarias Municipais, Secretaria Estadual
e Ministério da Cultura). A marca de 178 municípios (de um total de 184)
participando do processo de conferências só foi possível pela articulação
e cooperação das representações administrativas desses três entes
federativos, sejam nas demandas de logística (transporte, alimentação e
hospedagem), sejam nas demandas políticas e metodológicas (condução
de palestras, mediação de GTs, mobilização para participação de agentes
culturais), mas, e principalmente, pelo objetivo comum de realizar o máximo
de conferências municipais com o máximo de participação social possível.
Isso, então, nos traz o desafio de pensar coletivamente e elaborar, também
coletivamente, como se dará a atuação e a divisão de responsabilidades
dos entes neste momento de reconstrução.
E, apesar dos inúmeros desafios enfrentados pela Secult/CE, pelo
Escritório Estadual do MinC no Ceará, e pelas secretarias municipais no
que diz respeito à mobilização de seus agentes e também acerca da
escolha dos delegados que irão à conferência estadual, e todo o processo
de construção das propostas que serão encaminhadas para a etapa
estadual das conferências, prevista para ocorrer entre 30 de novembro e
03 de dezembro de 2023, verificamos uma nítida disposição do campo em
retomar, tanto em termos de diversidade, quanto em termos de qualidade,
a participação da sociedade civil nos processos de elaboração, avaliação
e definição das políticas públicas de cultura no Ceará e no Brasil.
Podemos então afirmar, a partir dos relatos e reflexões aqui realizadas,
que a 4ª Conferência Nacional de Cultura começou a partir do “Brasil
de dentro”, parafraseando Capistrano de Abreu, neste grande Sertão
que é o Brasil, do Brasil do interior para o Centro - metáfora apropriada,
sem levarmos em conta ainda a realização da Conferência Nacional em
Brasília, entre os dias 04 e 08 de março de 2024. Foi a partir deste Brasil
enraizado e valorizando e potencializando as demandas de trabalhadores e
trabalhadoras da Cultura e, portanto, fortalecendo o aspecto democrático
da Conferência de Cultura e valorizando a participação social, que este
movimento foi retomado.

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REVISTA BOLETIM OBSERVATÓRIO DA DIVERSIDADE CULTURAL . V.100 . N.02.2023

COMO CITAR ESSE ARTIGO


SILVA, Leandro; MELO, Renata; RODRIGUES, Thiago. O Ceará em estado de
conferência: participação social e as conferências de cultura. Revista
Boletim do Observatório da Diversidade Cultural, Belo Horizonte, v. 100, n.
2, 2023. Disponível em: https://observatoriodadiversidade.org.br/boletins/
Acesso em: [data].

148
REVISTA BOLETIM OBSERVATÓRIO DA DIVERSIDADE CULTURAL . V.100 . N.02.2023

REFERÊNCIAS

BRASIL. Ministério da Cultura. 4ª Conferência Nacional de Cultura. Brasília,


DF: Ministério da Cultura, 2023. Disponível em: https://www.gov.br/cultura/
pt-br/assuntos/4a-conferencia-nacional-de-cultura-1

BRASIL. Ministério da Cultura. CNPC define calendário da 4ª Conferência


Nacional de Cultura. Brasília, DF: Ministério da Cultura, 2023. Disponível
em: http://pnc.cultura.gov.br/2023/04/26/cnpc-define-calendario-da-
4a-conferencia-nacional-de-cultura/#:~:text=Com%20o%20tema%20
%E2%80%9CDemocracia%20e%20Direito%20%C3%A0%20Cultura%E2%80-
%9D%2C,diretrizes%20em%20todo%20o%20Brasil%20de%20maneira%20
transversal.

BRASIL. Ministério da Cultura. 4ª Conferência Nacional de Cultura: Documento


Base. Brasília, DF: Ministério da Cultura, 2023. Disponível em: https://www.
gov.br/cultura/pt-br/assuntos/4a-conferencia-nacional-de-cultura-1/
textos/4CNCDocBasev12_2023091411.pdf

CEARÁ (Estado). Secretaria da Cultura do Estado do Ceará. Sobre a 4ª


Conferência, 2023. Ceará: Secretaria de Cultura, 2023. Disponível em: https://
www.secult.ce.gov.br/4a-conferencia-estadual-de-cultura/

CEARÁ (Estado). Secretaria da Cultura do Estado do Ceará. Guia de


Orientações Gerais para a realização das Conferências Municipais de
Cultura, 2023. Ceará: Secretaria de Cultura, 2023. Disponível em: https://
mapacultural.secult.ce.gov.br/projeto/4868/

CEARÁ (Estado). Secretaria da Cultura. Diário Oficial do Estado, Série 3, Ano


XV, nº147. FORTALEZA, 04 de agosto 2023. Disponível em: https://mapacultural.
secult.ce.gov.br/files/project/4868/anexo-vii-portaria-regimento-
estadual-portaria-secult-n-134-de-26-de-julho-de-2023-2.pdf.

CEARÁ (Estado). Secretaria da Cultura do Estado do Ceará. Portaria


nº148_2023 convoca a 4ª Conferência Estadual de Cultura, 2023. Ceará:
Secretaria de Cultura, 2023. Disponível em: https://www.secult.ce.gov.br/
download/4a-conferencia-estadual-de-cultura-do-ceara/portaria-
no148_2023-convoca-a-4a-conferencia-estadual-de-cultura-4a-cec-
fortaleza-18-de-setembro-de-2023/

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REVISTA BOLETIM OBSERVATÓRIO DA DIVERSIDADE CULTURAL . V.100 . N.02.2023

LUCAS, Alexandre. Conferências de cultura e a luta por participação,


planejamento e dinheiro. Portal Vermelho. Publicado em 17 de outubro
de 2023. Disponível em: https://vermelho.org.br/coluna/conferencias-de-
cultura-e-a-luta-por-participacao-planejamento-e-dinheiro/. Acesso em:
12 nov. 2023.

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REVISTA BOLETIM OBSERVATÓRIO DA DIVERSIDADE CULTURAL . V.100 . N.02.2023

Adriana eu
Viés
Rolo de viés vermelho e elástico, antigo e antiga linha de seda para bordar
Rio de Janeiro, RJ, 2019
Foto: Carolina Lopes 151
REVISTA BOLETIM OBSERVATÓRIO DA DIVERSIDADE CULTURAL . V.100 . N.02.2023

A III CONFERÊNCIA INTERMUNICIPAL DA


CULTURA DE TOLEDO (PR): DIÁLOGOS EM
REDE E DESAFIOS NA IMPLEMENTAÇÃO DOS
MARCOS LEGAIS
Juan Ignacio Brizuela1
Marcela Cristina Bettega2
Tatyane Cristina Mendonça Ravedutti3

RESUMO

Este artigo analisa a III Conferência Intermunicipal de Cultura realizada em


Toledo (PR) em duas etapas; a primeira no dia 23 de maio, e a segunda no
dia 23 de agosto de 2023, observando a participação social interterritorial
nos debates dos eixos propostos, na construção dos diálogos e propostas
levantadas. A conferência proporcionou um espaço significativo para
artistas, agentes culturais, produtores e fazedores de cultura de 17 municípios
do Oeste do Paraná, para dialogarem em rede e (re)pensarem os desafios
na implementação dos marcos legais da cultura. Com cerca de 250
participantes, o evento abordou temas como a , incluindo a constituição
plena do Sistema Nacional de Cultura (SNC) e o trabalho colaborativo entre
agentes públicos e privados no setor cultural.

Introdução

A interconexão entre democracia, cultura e participação social é


central para a compreensão da dinâmica cultural em nossa sociedade.
A III Conferência Intermunicipal da Cultura de Toledo emergiu como um
1 Doutor pelo Programa Multidisciplinar de Pós-graduação em Cultura e Sociedade no Instituto de Humanidades,
Artes e Ciências Prof. Milton Santos - IHAC, UFBA. Colíder do grupo Observatório da Diversidade Cultural, junto ao prof. José
Márcio Barros (UEMG/PósCultura). Pesquisador de pós-doutorado da Cátedra Olavo Setubal de Arte, Cultura e Ciência,
Instituto de Estudos Avançados da Universidade de São Paulo - IEA/USP, na titularidade do prof. Néstor García Canclini
(2020/2022).
2 Doutoranda em Geografia na UEPG. Mestre em Desenvolvimento Territorial Sustentável (UFPR Litoral). Especialista
em Gestão Pública Municipal pela UFPR. Especialista em Leitura e Produção de Texto pela FAE-PR. Graduada em Artes
Visuais pela FAP-PR.
3 Graduada em Educação Artística licenciatura em Artes Cênicas pela Faculdade de Artes do Paraná. Especialista
em Gestão Cultural e Organização de Eventos pela Universidade de São Paulo. Mestra Interdisciplinar em Estudos Latino-
Americanos. Atualmente atua profissionalmente como parecerista nível II na Funarte e Sav do Ministério da Cultura e
como consultora de Cultura da Rede Regional de Cultura e Patrimônio do Oeste do Paraná. Faz parte do Observatório da
Diversidade Cultural. E-mail: tatyane.ravedutti@gmail.com

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REVISTA BOLETIM OBSERVATÓRIO DA DIVERSIDADE CULTURAL . V.100 . N.02.2023

exemplo prático dessas relações, reunindo diversos atores culturais para


discutir questões fundamentais na implementação de políticas culturais.
A realização do evento partiu da prerrogativa de cumprir a Portaria
CNPC/SECULT/MTUR nº 2, de 3 de maio de 2022, que convocou os municípios
da Federação para realizarem suas conferências até 30 de maio de 2023
(data final posteriormente modificada pela Portaria MinC nº 41, de 4 de
julho de 2023). A iniciativa de realizar o evento em conjunto surgiu da
necessidade de recuperar coletivamente o debate sobre a relação entre
democracia e cultura, a participação social nas políticas culturais, e, mais
especificamente, sobre as formas de se atuar politicamente na sociedade
brasileira na atualidade, depois de atravessar um período de apagamento
e tentativas de invisibilização do setor pelo poder público na esfera
federal. Toledo já havia sediado a Conferência de forma intermunicipal
em 2013, reunindo na ocasião 20 municípios. A partir dessa exigência e
da necessidade de cumprir o decreto do Minc, além do entendimento
da urgência de ampliar a expressão simbólica da cultura, os direitos de
cultura e cidadania, problemas comuns, desejos, anseios e o potencial
para o desenvolvimento econômico sustentável, um grupo de 17 Municípios
iniciaram uma mobilização na região por adesão para atender ao decreto
de forma coletiva.

A participação popular nas conferências de cultura

Estabelecer e consolidar locais de legitimação cultural não é uma


responsabilidade restrita ao Estado, ao mercado ou a instituições específicas
de forma separada. Essa realidade se torna evidente em diversos contextos
nos quais, mesmo diante da falta de políticas públicas significativas ou
de uma presença institucional e mercadológica robusta, manifestações
culturais e grupos dedicados conseguem manter suas atividades, graças
aos esforços organizacionais da sociedade civil.
A relação entre participação popular e cultura está dentro de um
campo que periodicamente se reconstrói e se ressignifica; ela é intrínseca
e fundamental para o desenvolvimento de sociedades democráticas e
culturalmente diversas; ela se refere ao engajamento ativo dos cidadãos
nos processos decisórios e nas atividades que moldam o destino de uma
comunidade e implica que os cidadãos não apenas consumam cultura,

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REVISTA BOLETIM OBSERVATÓRIO DA DIVERSIDADE CULTURAL . V.100 . N.02.2023

mas também contribuam ativamente para sua criação, preservação e


promoção (Calabre, 2016). As conferências têm o papel de envolvimento
que vai além de tornar o cidadão um espectador, incentivando uma
participação ativa no desenho do que se espera nas políticas culturais,
na organização de eventos, na preservação do patrimônio cultural e na
promoção da diversidade cultural. A participação ativa dos cidadãos na
construção e promoção da cultura não apenas enriquece a expressão
cultural da comunidade, mas também fortalece os laços sociais, promove
a inclusão e contribui para o desenvolvimento sustentável.
A participação popular nas conferências de cultura é um componente
vital para garantir que as políticas culturais sejam efetivamente
representativas das diversas vozes presentes em uma sociedade. Isso
implica em assegurar que as decisões sobre financiamento, programação
cultural e preservação do patrimônio reflitam as necessidades e aspirações
da comunidade, evitando assim a marginalização de grupos culturais
específicos.

Sobre a região oeste do Paraná: dados gerais e específicos de cultura


dos municípios

A Região Oeste do Paraná, possui 1,4 milhões de habitantes, segundo


o Censo 2022, e é composta por 52 municípios.

Imagem 1 - Mapa da região Oeste do Paraná Binacional

Fonte Itaipu 154


REVISTA BOLETIM OBSERVATÓRIO DA DIVERSIDADE CULTURAL . V.100 . N.02.2023

A formação cultural é predominantemente de colonização de


descendentes europeus (alemães, italianos, poloneses e outros), vindo
pela migração dos Estados do Rio Grande do Sul e Santa Catarina, fixados
em sua maioria nos municípios de Quatro Pontes, Entre Rios do Oeste, Pato
Bragado, Missal, Maripá, Mercedes e Serranópolis do Iguaçu (KUHN, 2018).
Foz do Iguaçu, a mais miscigenada das cidades da região, é marcada pela
presença de uma significativa colônia árabe e, mais recentemente, jovens
latino-americanos oriundos da Argentina, Bolívia, Colômbia, Peru, México e
Paraguai.
A frente administração pública encontramos 76,96% mulheres.

Tabela 1 - Cadastro de trabalhadores na área de cultura

Pessoas cadastradas 104


Homens 31
Mulheres 73
Municípios 54
Fonte: Coleta de dados realizada em fevereiro de 2023 pelos autores.

Um outro dado evidenciado é a questão da representatividade de


mulheres negras frente das pastas, ou nos grupos de trabalho.

Tabela 2 - Trabalhadoras da cultura, em relação a raça

Brancas 70
Negras 3
Fonte: Coleta de dados realizadas em fevereiro de 2023 pelos autores.

O perfil das pastas de cultura e seus agrupamentos.

Tabela 3 - Pasta de Cultura e seus agrupamentos

Cultura 9
Cultura/Esporte 2
Cultura/Esporte/Educação 16
Cultura/Educação 11
Cultura/Educação/Esporte/Turismo 1
Cultura/Esporte/Turismo 1

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REVISTA BOLETIM OBSERVATÓRIO DA DIVERSIDADE CULTURAL . V.100 . N.02.2023

Cultura/Turismo 2
Educação 2
Outros 1
Não Informado 7
Fonte: Coleta de dados realizada em fevereiro de 2023 pelos autores

Esses dados evidenciam que as pastas de cultura, ainda mantêm


vínculos com outras áreas da administração pública, e que no universo de
54, apenas 9 prefeituras têm um órgão gestor exclusivo de cultura.
Com relação aos equipamentos de cultura, apresenta-se a seguinte
realidade.

Tabela 4 - Quantidade de Equipamentos na Macrorregião Oeste

Biblioteca 71
Centro Cultural 35
Espaço Multiuso 35
Museu 26
Cinema 3
Teatro 7
Outros Pontos 22
Não Convencional 7
Fonte: Sistema de Informações e Indicadores Culturais/SEEC, alimentado pelos gestores
municipais

Tabela 5 - Municípios que possuem equipamentos culturais na macrorregional

Biblioteca 52
Centro Cultural 35
Espaço Multiuso 18
Museu 18
Cinema 3
Teatro 5
Outros Pontos 14
Não Convencional 8
Fonte: Sistema de Informações e Indicadores Culturais/SEEC, alimentado pelos gestores
municipais

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REVISTA BOLETIM OBSERVATÓRIO DA DIVERSIDADE CULTURAL . V.100 . N.02.2023

A experiência da III Conferência Municipal da Cultura de Toledo

O município de Toledo, com o apoio do programa Cultivando Água


Boa, da Itaipu Binacional, sediou em 2013 a II Conferência intermunicipal
da Cultura de Toledo, com o tema: Tema “Uma Política de Estado para a
cultura: Desafios do Sistema Nacional De Cultura”. Na ocasião, 20 órgãos
municipais de cultura4.
Dez anos depois, desta vez mediados pela Rede Regional de Cultura
e Patrimônio do Oeste do Paraná, um grupo de gestores, ainda atuante
nas pastas de cultura, se articulou com outros municípios, para realizarem
de forma conjunta a III Conferência Municipal da Cultura de Toledo. De
início, houve uma reunião presencial, no município de Cascavel, com a
participação de aproximadamente 70 pessoas envolvidas na pasta de
cultura, onde se debateu abertamente a demanda de trabalho proposta
pelo Ministério da Cultura, para o ano de 2023: a Lei Paulo Gustavo, Lei Aldir
Blanc e as conferências municipais de cultura; somado a isso as tradicionais
ações realizadas no município. Instalou-se uma urgência de articulação
coletiva nessas pautas.
O município de Missal, liderado pela gestora cultural Marta Terezinha
Walker Kochemborge, que esteve presente na ação ocorrida em 2013, propôs
que ela fosse mais uma vez mobilizada em rede. A partir disso iniciou-
se uma articulação com Rosselane Liz Giordani, secretária municipal de
cultura de Toledo e para definição de pauta, matriz de responsabilidades
e datas.
A reunião foi realizada com os gestores municipais de cultura que,
para atender o prazo da legislação vigente, articularam em três semanas as
suas pré-conferências, para debaterem os temas indicados pelo Convoca
a 4ª Conferência Nacional de Cultura - 4ª CNC. Portaria MINC Nº 45, DE 14 de
julho de 2023.
Esse trabalho foi inspirado, portanto, na vontade de discutir a relação
entre cultura, direito e participação popular, nos debates produzidos pelas
instâncias de participação social no campo das políticas públicas culturais
municipais.
A III Conferência de Cultura foi realizada então com o tema: Democracia
e direito à Cultura, em duas etapas. Etapa 1: Decreto nº 790 (03/05/2023),
4 Vera Cruz do Oeste, Entre Rios do Oeste, Pato Bragado, São José das Palmeiras, Céu Azul, Nova Santa Rosa, Ouro
Verde do Oeste, Quatro Pontes, Missal, São Pedro do Iguaçu, Mercedes, Itaipulândia, Marechal Cândido Rondon, Santa
Terezinha de Itaipu, Terra Roxa, Santa Helena, Ramilândia, Santa Tereza do Oeste e Matelândia.

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REVISTA BOLETIM OBSERVATÓRIO DA DIVERSIDADE CULTURAL . V.100 . N.02.2023

realizada em 23/05/2023 e a segunda etapa em Etapa 2: Decreto nº 886


(14/08/2023) em 23/08/2023, no Teatro Municipal de Toledo.
Com a palestra de abertura proferida pelo prof Doutor Danilo Junior de
Oliveira, intitulada “Diálogos em Rede: a cultura no território e os desafios na
implementação dos marcos legais”, destacou a importância do trabalho
em rede para fortalecer os laços entre agentes culturais. Oliveira ressalta
a experiência positiva em Toledo, mencionando o projeto “Fortalecendo
Redes Culturais” e o mapeamento cultural realizado na região em 2018.
O evento abordou os desafios enfrentados na implementação dos
marcos legais, especialmente no contexto do Sistema Nacional de Cultura
(SNC). A palestra de Oliveira ofereceu insights valiosos sobre a necessidade
de reconhecimento da cultura como um direito fundamental do cidadão,
enfatizando a importância de políticas públicas sólidas e do diálogo entre
os atores do setor.
Conforme sugerido no documento orientador das conferências, houve
uma divisão em 5 grupos e cada sub-grupo discutiu as propostas que foram
elencadas e apresentadas abaixo. Foram eleitos 20 delegados, 10 titulares
e 10 suplentes, sendo 06 da sociedade civil e 04 da área governamental em
cada modalidade.
Os eixos seguiram a indicação do Ministério da Cultura:
• Eixo 1 – Institucionalização, Marcos Legais e Sistema Nacional de Cultura
como propostas foram elencadas 6 ações.
• Eixo 2 – Democratização do Acesso à Cultura e Participação Social.
• Eixo 3 – Identidade, Patrimônio e Memória.
• Eixo 4 – Diversidade Cultural e Transversalidades de Gênero, Raça e
Acessibilidade.
• Eixo 5 – Economia Criativa, Trabalho, Renda e Sustentabilidade.
• Para a discussão do eixo 6, foi necessário a realização da segunda etapa
da Conferência, uma vez que ele foi incluído no documento orientador,
em Decreto , posterior a data de realização da primeira etapa.
• Eixo 6 – Direito às Artes e Linguagens Digitais Política Cultural

Notas sobre a III Conferência Intermunicipal da Cultura de Toledo

O contexto nacional, marcado por uma passagem sombria, por quatro


anos de desmanche institucional e tentativa de inviabilização, que resultava
num quadro ainda fragilizado das pastas cultura, destaca a relevância das
158
REVISTA BOLETIM OBSERVATÓRIO DA DIVERSIDADE CULTURAL . V.100 . N.02.2023

conferências intermunicipais como espaços de participação social cidadã.


A III Conferência Intermunicipal de Cultura de Toledo refletiu o esforço
contínuo para fortalecer as relações entre estruturas artísticas, criadores
culturais e públicos, contribuindo para a consolidação de políticas culturais
mais inclusivas.
A prática de realizar a Conferência de forma intermunicipal mobilizou
de forma simultânea nos 17 municípios que aderiram às discussões entre
as 350 pessoas que compareceram nas etapas preparatórias. A adesão
é significativa considerando que estamos num tempo de retomada da
pauta da cultura, que esteve invisibilizada.
As 250 pessoas que estiveram presentes durante a realização do
evento representam que existe resistência e urgência de retomada das
pautas de cultura e que o grupo estava
Sobre as propostas, no eixo 1- Embora as propostas abordam
diferentes aspectos, como a criação de marcos legais, o fomento à cultura,
a descentralização de recursos e a periodicidade de editais, há uma
convergência geral na busca por uma abordagem integrada e abrangente
para fortalecer os marcos legais, alinhando com o Governo do Estado e da
União.
As propostas apresentadas no eixo 2 destacam medidas significativas
para promover o acesso e a participação na cultura. A primeira proposta
enfoca a democratização por meio da ampliação da divulgação e da
garantia de acessibilidade cultural para munícipes do interior. A segunda
ressalta a importância da formação contínua, propondo cursos para
artistas e a comunidade participarem ativamente das políticas culturais. Já
a terceira sugere a criação de comitês regionais para uma comunicação
mais efetiva, enquanto a quarta destaca o fortalecimento de núcleos locais.
Por fim, a quinta proposta visa apoiar a formalização e profissionalização
de agentes culturais, promovendo estruturas organizacionais sólidas para
uma participação significativa e inclusiva na cena cultural.
As propostas do Eixo 3 compartilham uma perspectiva comum de
preservação e valorização da identidade cultural, visando construir uma
narrativa rica e coesa. Elas destacam a importância de espaços dedicados
à memória municipal, como casas e museus, para preservar e aprimorar
elementos culturais locais. Além disso, a ênfase na avaliação técnica de
patrimônios, a digitalização de acervos e o mapeamento de tradicionalismos

159
REVISTA BOLETIM OBSERVATÓRIO DA DIVERSIDADE CULTURAL . V.100 . N.02.2023

evidenciam o compromisso com a proteção e acessibilidade dos registros


culturais. Juntas, essas propostas não apenas reconhecem a diversidade
e singularidade de expressões culturais, mas também promovem a
participação ativa da comunidade na preservação e construção contínua
de sua identidade coletiva.
O Eixo 4 trouxe somente duas propostas: que apresentam uma
abordagem abrangente e inclusiva para fortalecer a diversidade cultural.
A primeira proposta enfatiza a importância de um plano de formação que
abarque diversas dimensões, como a étnica, racial, religiosa, sexual e de
gênero, assim como comunidades e grupos em situações socioeconômicas
desfavoráveis. Destaca-se a ênfase na proteção do direito à memória e
identidades. Já a segunda proposta concentra-se na formulação de uma
política pública voltada para o estímulo e apoio às produções culturais
de grupos minoritários, visando criar espaços de circulação e difusão
para promover a cultura produzida por esses grupos. Ambas as propostas
refletem a aspiração de construir uma sociedade mais inclusiva, dando
voz e visibilidade às diversas expressões culturais que contribuem para a
riqueza e diversidade cultural do cenário coletivo.
As propostas convergem para a promoção e fortalecimento da
cultura local através de estratégias multifacetadas. Elas abordam a
criação e busca de fomento para o fundo municipal de cultura, visando
apoiar artistas e artesãos locais, enquanto a proposição de um “Corredor
Turístico Cultural” surge como uma potencial fonte de renda, incentivando
a comercialização de produtos culturais. A terceira proposta destaca a
importância de identificar e catalogar matérias-primas, propondo a criação
de selos de reconhecimento que agreguem valores sociais, econômicos e
ecológicos aos produtos culturais. Além disso, a quarta proposta enfatiza a
necessidade de estimular o reaproveitamento e a reciclagem de resíduos
naturais, evidenciando um compromisso com práticas sustentáveis.
Juntas, essas propostas indicam uma abordagem holística para fortalecer
a cultura local, alinhando a valorização artística com a sustentabilidade e
a promoção econômica.
As propostas convergem para fortalecer o setor cultural através
de ações abrangentes. Elas incluem o desenvolvimento de planos de
capacitação para artistas se adaptarem ao contexto digital, abordando
aspectos como tecnologias digitais e estratégias de marketing. Além disso,

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REVISTA BOLETIM OBSERVATÓRIO DA DIVERSIDADE CULTURAL . V.100 . N.02.2023

a proposição de cursos profissionalizantes, especializações e parcerias


com universidades públicas destaca um compromisso com a formação
e especialização na área cultural e de gestão cultural. A criação de uma
plataforma digital unificada para indicadores culturais visa consolidar e
disponibilizar informações culturais a níveis municipais, estaduais e federais.
A última proposta destaca a importância da comunicação entre entidades
governamentais para ajustar o repasse de recursos, demonstrando
uma busca por eficiência na distribuição de verbas e cooperação entre
diferentes níveis administrativos. Juntas, essas propostas apontam para
uma abordagem integrada que visa capacitar, educar, consolidar dados e
otimizar a alocação de recursos para promover um ambiente cultural mais
dinâmico e eficaz.

Considerações Finais

A Conferência em Toledo não apenas proporcionou um ambiente


propício para o diálogo entre diversos atores culturais, mas também
destacou a importância da cultura como elemento central para a vida
humana. Ao analisar o evento à luz das premissas do Conselho Nacional
de Política Cultural (CNPC) e do Plano Nacional de Cultura, este artigo
reforça a necessidade de fortalecer os espaços de legitimação cultural,
enfatizando que a participação social é crucial para o desenvolvimento e a
sustentabilidade das atividades artísticas e culturais nas cidades. Tratamos
a cultura como objetivo de política pública, elaborada, executada e
avaliada tanto por gestoras e gestores públicos quanto por representantes
da sociedade civil, democraticamente eleitos por seus pares e diretamente
envolvidos com o cotidiano da produção cultural brasileira.

COMO CITAR ESSE ARTIGO


BRIZUELA, Juan Ignacio; BETTEGA, Marcela Cristina; RAVEDUTTI, T. C. M. A III
Conferência Intermunicipal da Cultura de Toledo (PR): Diálogos em rede
e desafios na implementação dos marcos legais. Revista Boletim do
Observatório da Diversidade Cultural, Belo Horizonte, v. 100, n. 2, 2023.
Disponível em: https://observatoriodadiversidade.org.br/boletins/. Acesso
em: [data].
161
REVISTA BOLETIM OBSERVATÓRIO DA DIVERSIDADE CULTURAL . V.100 . N.02.2023

REFERÊNCIAS

RUBIM, Albino. Política cultural e gestão democrática no Brasil / Albino


Rubim (organizador). São Paulo: Editora Fundação Perseu Abramo, 2016.

CALABRE, Lia. Políticas culturais e contemporaneidade. In: ___ (Org.).


Perspectivas Atuais em Cultura. Rio de Janeiro: Editora LMN, 2023.

KUHN, Sérgio Luiz. A Economia Criativa nos municípios periféricos da


Região Oeste do Paraná. Curitiba: Appris, 2018.

BRASIL. Ministério da Cultura. Portaria MinC nº 45, de 14 de julho de 2023


convoca a 4ª Conferência Nacional de Cultura - 4ª CNC. Disponível em:
http://portalsnc.cultura.gov.br/. Acesso em: 18 nov. 2023.

BARROS, José Márcio; COSTA, Kátia (orgs.). Planos Municipais de Cultura:


reflexões e experiências. Belo Horizonte : EdUEMG, 2019.

Paraná (Estado). Diagnóstico para elaboração da minuta do Plano


Estadual de Cultura - PEC-PR , Disponível em https://www.cultura.pr.gov.
br/sites/default/arquivos_restritos/files/documento/2019-07/Diagnostico_
PEC_PR2.pdf, Acesso em: 21 nov. 2023.

162
REVISTA BOLETIM OBSERVATÓRIO DA DIVERSIDADE CULTURAL . V.100 . N.02.2023

Marcos Martins
Ninho
Instalação
Nova Friburgo, RJ, 2022
Foto: Carlos Eduardo Borges 163
REVISTA BOLETIM OBSERVATÓRIO DA DIVERSIDADE CULTURAL . V.100 . N.02.2023

SOBRE A COORDENAÇÃO EDITORIAL


E EDITORIA DE ARTE
José Márcio Barros
Doutor em Comunicação e Cultura pela Universidade Federal do Rio de
Janeiro (UFRJ), Mestre em Antropologia Social pela Universidade Estadual de
Campinas (Unicamp) e graduado em Ciências Sociais pela Universidade
Federal de Minas Gerais (UFMG). Professor e pesquisador do PPG Artes/
UEMG e do Pós-Cultura/UFBA. Coordenador do Observatório da Diversidade
Cultural.

Ana Carolina de Lima Pinto


Mestra em Comunicação Social e graduada em Jornalismo pela Pontifícia
Universidade Católica de Minas Gerais (PUCMINAS). Em pesquisa, volta-
se principalmente para o tema “cultura, comunicação e consumo”. Atua
como Assessora de Comunicação desde 2008, e tem experiência no
desenvolvimento de campanhas e projetos corporativos e para instituições
culturais. Atualmente é Coordenadora de Comunicação e Pesquisadora
do Observatório da Diversidade Cultural.

Ana Paula do Val


Mestra em Estudos Culturais pela Universidade de São Paulo (USP),
especialista em Políticas Públicas para América Latina Clacso e em Cultura
e Comunicação pela Universidade Paris VIII. Graduada em Arquitetura
e Urbanismo pela Fundação Armando Álvares Penteado e em Artes
Plásticas pela Schule Belletristik. Atua como gestora cultural, professora,
pesquisadora, artista, arquiteta e urbanista e integra os grupos de pesquisas
do Observatório da Diversidade Cultural e do Maloca.

Giselle Dupin
Graduada em Comunicação/Jornalismo (UFMG), com especialização em
Relações Internacionais (PUCMINAS) e Gestão Cultural (Paris Dauphine). É
pesquisadora do Observatório da Diversidade Cultural desde sua criação.
Atua como ponto de contato da UNESCO para a Convenção sobre a
Proteção e Promoção da Diversidade das Expressões Culturais. Desde 2006,
é servidora do Ministério da Cultura.

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REVISTA BOLETIM OBSERVATÓRIO DA DIVERSIDADE CULTURAL . V.100 . N.02.2023

Kátia Costa
Mestra em Cultura e Sociedade pela Universidade Federal da Bahia (UFBA),
Especialista em Gestão Cultural pelo Itaú Cultural e Universidade de Girona.
É aluna do curso de Gestão Social e Políticas para o Patrimônio Cultural pela
Universidade Federal da Bahia (UFBA). Integra o Observatório da Diversidade
Cultural e o Observatório da Economia Criativa/UFBA. É produtora e gestora
cultural. Atua na área de gestão e políticas culturais. Tem experiência no
assessoramento de projetos sociais e culturais, formação de gestores e
conselheiros de cultura.

Priscila Valente Lolata


Mestra em História da Arte pelo Programa de Pós-Graduação em Artes
Visuais da Universidade Federal da Bahia e doutoranda em Cultura e
Sociedade no Pós-Cultura/UFBA. Professora de História da Arte na Escola
de Belas Artes da UFBA e membro do Grupo de Pesquisa Observatório
da Diversidade Cultural. Atua também como curadora e crítica de arte
independente.

Sharine Melo
Graduada em Comunicação Social (habilitação em Publicidade e
Propaganda) pela Escola Superior de Propaganda e Marketing - ESPM
(2005), Mestre (2010) e Doutora (2015) em Comunicação e Semiótica pela
Pontifícia Universidade Católica de São Paulo - PUC-SP, com período de
bolsa sanduíche na Universidade de Leeds (Inglaterra). Atualmente, é
Administradora Cultural na Funarte SP e pós-doutoranda na Cátedra
Olavo Setúbal de Arte, Cultura e Ciência (Instituto de Estudos Avançados da
Universidade de São Paulo), onde pesquisa “A Institucionalidade da Cultura
no Contexto Atual de Mudanças Socioculturais”, sob coordenação do Prof.
Dr. Néstor García Canclini. Entre 2016 e 2017, concebeu o Site Vozes da Funarte
SP (http://sites.funarte.gov.br/vozessp/), tendo participado também de
todo o processo de pesquisa de conteúdo e imagens, entrevistas, redação
e design. Colaborou em ações do Território de Interesse da Cultura e da
Paisagem (TICP Paulista Luz) e participou da articulação entre instituições
culturais da região dos Campos Elíseos. É integrante do Grupo de Pesquisa
do Observatório da Diversidade Cultural e dedica-se à pesquisa sobre as
políticas culturais no Brasil.

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REVISTA BOLETIM OBSERVATÓRIO DA DIVERSIDADE CULTURAL . V.100 . N.02.2023

Sílvia Maria Bahia Martins


Mestra em Desenvolvimento e Gestão Social pela Universidade Federal
da Bahia (2011). Especialista em Gestão de Cooperativas pela Faculdade
de Tecnologia do Cooperativismo - Escoop em parceria com o Sescoop
Bahia (2022); em Gestão Pública pela Universidade Cândido Mendes; em
Psicologia Social de Fundamentação Pichoniana pelo CIEG e em Processo
Criativo e Facilitação de Grupos - Abordagem Junguiana, cursos com
chancela da Escola Bahiana de Medicina e Saúde Pública. Graduada em
Comunicação Social - habilitação Relações Públicas pela Universidade do
Estado da Bahia (2007). Atuou na Superintendência de Economia Solidária
e Cooperativismo, da Secretaria do Trabalho, Emprego, Renda e Esporte do
Governo da Bahia entre 2009 e 2023. Foi integrante da Rede de Instrutores
do Governo da Bahia por meio da Secretaria de Administração do Estado da
Bahia nos campos da gestão e da aprendizagem organizacional entre 2011
e 2023. Atua como tutora de EAD desde 2007, especialmente, nos campos
de gênero, gestão social, políticas públicas. Atualmente é estudante da
Especialización en Métodos y Técnicas de Investigación Social, pela Clacso
Argentina.

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REVISTA BOLETIM OBSERVATÓRIO DA DIVERSIDADE CULTURAL . V.100 . N.02.2023

Rick Rodrigues
Sem Título
Série “Água mole em pedra dura tanto bate até que fura”
Galhos de eucalipto, miniatura de madeira e fios encerados
João Neiva, ES, 2021
167
Foto: Junior Luis Paulo
REVISTA BOLETIM OBSERVATÓRIO DA DIVERSIDADE CULTURAL . V.100 . N.02.2023

SOBRE O OBSERVATÓRIO
DA DIVERSIDADE CULTURAL

O Observatório da Diversidade Cultural (ODC) é uma instituição


integrada a um grupo de pesquisa, que desenvolve projetos e ações de
formação, investigação, difusão de informações e consultoria.

Os objetivos centrais são produzir e difundir informação qualificada,


desenvolver pesquisas que gerem conhecimento crítico, realizar
processos de formação e prestar consultoria no campo interdisciplinar
da proteção e promoção da diversidade cultural e suas interfaces com
as políticas culturais, gestão cultural, processos de mediação, memória
e patrimônio, educação, saúde, meio ambiente etc.

Com sede em Belo Horizonte (MG), a ONG atua de forma presencial e


virtual em diversos territórios do estado de Minas Gerais e de outros
estados brasileiros. O grupo de pesquisa é integrado por pesquisadores
de diferentes instituições como UEMG, PUC Minas, UFBa e UFC, que atuam
nos estados de Minas Gerais, São Paulo, Bahia e Ceará.

Coordenado pelo Prof. Dr José Marcio Barros desde sua fundação,


em 2010, o ODC foi reconhecido internacionalmente como uma das
melhores práticas em promoção da diversidade cultural pela comissão
alemã da UNESCO.

DIRETRIZES DE ATUAÇÃO

Formação
Realização de seminários, oficinas e cursos de curta e média duração
integrados ao Programa Pensar e Agir com a Cultura, com o objetivo de
formar e capacitar gestores culturais, artistas, arte-educadores, agentes
e lideranças culturais, pesquisadores, comunicadores e interessados
em geral por meio de metodologias reflexivas e participativas.

Pesquisa
Desenvolvimento de pesquisas e realização de diagnósticos
e mapeamentos utilizando-se de metodologias qualitativas e
quantitativas referentes a processos de gestão cultural, construção de
políticas culturais, práticas culturais etc.

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REVISTA BOLETIM OBSERVATÓRIO DA DIVERSIDADE CULTURAL . V.100 . N.02.2023

Informação
Produção e disponibilização de informações focadas na diversidade
cultural e seu amplo espectro de existência e diálogo, por meio da
publicação de livros, edição de boletins, manutenção de um portal
informativo e de uma política de difusão nas redes sociais.

Consultoria
Prestação de consultoria para instituições públicas, empresas e
organizações não governamentais, no que se refere às áreas da Cultura,
Diversidade e Gestão Cultural.

PRINCIPAIS REALIZAÇÕES

• Programa Pensar e Agir com a Cultura / Curso Desenvolvimento


e Gestão Cultural – 2003 a 2022 responsável pela formação e
capacitação de mais de 5.000 pessoas;
• Portal Observatório da Diversidade Cultural
(www.observatoriodadiversidade.org.br);
• Boletim ODC com 100 edições lançadas;
• Pesquisa “Mapeamento da Diversidade Cultural em Belo Horizonte”
(2011-2013);
• Pesquisa “Arte, gestão cultural e território: desafios para a promoção
da diversidade em equipamentos culturais públicos em Minas Gerais
e Bahia” (2018-2020);
• Seminário Diversidade Cultural – 07 edições entre 2005 e 2014 e uma
em 2020;
• Participação na Comissão de elaboração do relatório quadrienal
do Brasil de monitoramento da Convenção da diversidade para a
UNESCO;
• Publicação de 9 livros e inúmeros artigos.

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REVISTA BOLETIM OBSERVATÓRIO DA DIVERSIDADE CULTURAL . V.100 . N.02.2023

Serge Huot
Gramática do Silêncio
Cimento, argila, areia, pigmentos e água
João Pessoa, PB, 2013
Foto: Serge Huot 170
REVISTA BOLETIM OBSERVATÓRIO DA DIVERSIDADE CULTURAL . V.100 . N.02.2023

APRESENTAÇÃO DOS ARTISTAS E


AUTORES

ARTISTAS

Adrianna eu
Nasceu no Rio de Janeiro, mas atualmente reside e trabalha em São
Paulo. É formada pela Escola de Artes Visuais EAV – Parque Lage (RJ)
onde frequentou cursos de Malu Fatorelli entre 2003 e 2006; e em Filosofia,
com Auterives Maciel, no Museu da República entre 2003 e 2007. Em 2010
frequentou o Grupo Alice de Estudos e Projetos, coordenado por Brígida
Baltar e Pedro Varela. Seu nome “ Adrianna eu” é um “nome-obra” que
carrega consigo um pronome que tem a intenção de provocar no outro
um estranhamento, mas também afirmar um “eu” que surge no encontro.
Instagram: @adrianna.eu

Adriano Machado
Natural de Feira de Santana, vive entre sua cidade natal e Alagoinhas-BA.
Doutorando em Artes Visuais pela UFBA e desenvolve projetos artísticos em
fotografia, vídeo e objetos que discutem questões de território, identidade,
memória e confiança. Investigando a condição humana entre os espaços
de convivência e os territórios afro-inventivos. Participou de exposições
como a Bienal de Dakar (Senegal, 2022); Encruzilhadas da arte afro-
brasileira (São Paulo, 2023); 31º Programa de Exposições do CCSP, (São
Paulo 2021) entre outras. Residências artísticas: Oficina Francisco Brennand
(2023); Latitude AIR (Chicago, EUA, 2022); Pivô Pesquisa (São Paulo, 2020).
Instagram: @machadomad

Anny Lemos
Artista visual e educadora, graduada em Artes Visuais pela Universidade
Estadual Paulista UNESP Bauru-SP (2010). Atualmente vive e trabalha em São
Carlos (SP). Desde 2011 desenvolve sua produção na linguagem da pintura,
em paralelo com projetos educativos. Mantém ativa sua participação em

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REVISTA BOLETIM OBSERVATÓRIO DA DIVERSIDADE CULTURAL . V.100 . N.02.2023

exposições coletivas e individuais: em 2021 participou da SP-Arte e Art-Rio


com a Galeria Luis Maluf ; em 2022 circulou por Bauru e Botucatu com a
exposição “Interiores” em parceria com a artista Kena; já executou pinturas
murais em diferentes unidades do SESC, pelo interior de SP.
Instagram: @annylemos_artista

Fredone Fone
Fredone Fone começou a assinar seu vulgo nos muros em 1995 na periferia
da Serra/ES, influenciado pelo skate. Trabalhou com o pai, pedreiro e pintor,
e ajudou a mãe, confeiteira. Utiliza meios como vídeo, colagem, graffiti e rap,
além de técnicas que aprendeu em suas vivências. Em 2021, conquistou o
prêmio Pollock-Krasner Foundation Grant, NY, EUA.
Web: www.fredonefone.com
Instagram: @fredonefone / @euhumanurbano

Marcos Martins
Artista visual e arquiteto, mestre e doutor em poéticas visuais (ECA/USP),
Pós-doutor FAUUSP. Aborda em suas pesquisas artísticas a reflexão sobre a
inserção do corpo no espaço natural e urbano, através das transformações
e tensões presentes nas paisagens construídas (ou desfeitas) pelos
humanos, atuando nos processos dialógicos entre a espacialidade e o
corpo, por meio das Performances, Intervenções Urbanas, Instalações e
seus estreitamentos com a Arquitetura e o Design.
Instagram: @marcosmartins.art

Marília Scarabello
Artista visual, vive e trabalha entre Jundiaí e São Paulo. Mestra em Artes
Visuais pela Unicamp, especializada em Cenografia Teatral pelo Espaço
Cenográfico e graduada em Arquitetura e Urbanismo pela Universidade
Presbiteriana Mackenzie, iniciou sua produção artística em meados de 2013.
Seu trabalho transita entre múltiplas linguagens, incluindo procedimentos
frequentes de apropriação, com uma pesquisa direcionada às questões
que envolvem a ideia de território e sua representação física e metafórica.
Instagram: @marilia_scarabello

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REVISTA BOLETIM OBSERVATÓRIO DA DIVERSIDADE CULTURAL . V.100 . N.02.2023

Rick Rodrigues
Cria do CB, o bairro Crubixá, em João Neiva (ES), Rick Rodrigues (1988) é
artista plástico e mestre em artes pela Universidade Federal do Espírito Santo
(Ufes). Trabalha com séries de desenhos, gravuras, bordados, objetos e
instalações. Integra o Coletivo Almofadinhas, formado artistas que utilizam
o bordado em suas obras, enfatizando memória, gênero, afetividade e
sexualidade. O artista apresentou 11 exposições individuais, participou de
mais de 50 exposições coletivas, ministra oficinas de desenho e bordado
experimental e vivencia residências artísticas com frequência.
Web: www.rickrodrigues.com
Instagram: @rickrodriguess

Serge Huot
Nasceu na França em 1964, formou se em escolas e instituições
independentes, participou de movimento de pesquisa artística sobre
a realidade urbana na cidade de Recife entre 1988 e 1991. Seu trabalho
aborda questões filosóficas entre arte e vida na relação cidade natureza.
Em « Gramática do silencio » o artista traz uma instalação participativa
composta por centenas de volumes em cimento feito a partir de caixa de
papelão recolhidos nos super mercados.
Instagram: @sergehuot64 / @arapucaartecultura

Vinicius SA
O artista vive e trabalha em Salvador, graduado em artes visuais pela Escola
de Belas Artes da Universidade Federal da Bahia, é um artista inquieto. Seu
interesse pelas ciências exatas o fez desenvolver uma linguagem própria
que alia o pensamento científico, práticas manuais de baixa tecnologia
à proposições de poéticas visuais poderosas, que, além de estabelecer
diálogos com o espectador, traduz a memória e as experiências do artista.
Seu processo é uma constante investigação de possibilidades estéticas e
conceituais do cotidiano.
Instagram: @viniciussa.art

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REVISTA BOLETIM OBSERVATÓRIO DA DIVERSIDADE CULTURAL . V.100 . N.02.2023

AUTORES

POLÍTICAS CULTURAIS EM CONJUNTURA PARADOXAL


Antonio Albino Canelas Rubim
Pesquisador do CNPq e do Centro de Estudos Multidisciplinares em Cultura
(CULT). Professor do Programa Multidisciplinar de Pós-Graduação em
Cultura e Sociedade (Pós-Cultura) da Universidade Federal da Bahia
(UFBA).
Lattes: https://lattes.cnpq.br/7610489430554817

DESAFIOS INSTITUICIONAIS E PARTICIPAÇÃO SOCIAL


Eliane Parreiras
É Secretaria de Cultura de Belo Horizonte. Foi Secretária de Estado de
Cultura de Minas Gerais, Presidente da Fundação Clóvis Salgado, Diretora
Executiva do Instituto Cultural Usiminas, Gerente Geral de Cultura/Sesc
Minas, gestora no Circuito Cultural Praça da Liberdade e Museu de Arte
da Pampulha. Foi consultora e gestora de diversos programas culturais
em MG, SP e ES. professora de pós-graduação na área cultural. Graduada
em Comunicação Social, especialista em Marketing (Fundação Getúlio
Vargas), em Gestão Cultural (PUC Minas) e no programa de lideranças da
Fundação Dom Cabral.
Linkedin: https://www.linkedin.com/in/eliane-parreiras

RESENHA: POLÍTICA CULTURAL; FUNDAMENTOS


Bernardo Mata-Machado
Historiador (UFMG), Cientista Político (UFMG), ator e diretor de teatro.
Pesquisador da Fundação João Pinheiro (1977-2018). Dedicou-se aos
temas da política cultural e da história econômica, social, política e cultural
de Minas Gerais. Exerceu cargos de gestão cultural na Prefeitura de Belo
Horizonte, Estado de Minas Gerais e governo federal (Ministério da Cultura).
Tem 4 livros publicados, entre eles “Política Cultural: fundamentos” (Edições
SESC São Paulo, 2023).
Lattes: http://lattes.cnpq.br/6973861146098103

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REVISTA BOLETIM OBSERVATÓRIO DA DIVERSIDADE CULTURAL . V.100 . N.02.2023

15 MIL PONTOS DE CULTURA, E AGORA? OS DESAFIOS DA RECONSTRUÇÃO


DO BRASIL DE BAIXO PARA CIMA
Luana Vilutis
Trabalha com formação e pesquisa na área de políticas públicas com
ênfase em estudos intersetoriais de cultura, educação, economia solidária
e desenvolvimento comunitário. Integra a equipe de professores e
pesquisadores do Observatório da Diversidade Cultural – ODC desde 2016.
Doutora em Cultura e Sociedade pela UFBA. É professora da Faculdade
Latino-Americana de Ciências Sociais – FLACSO Brasil na Maestría en
Estado, Gobierno y Políticas Públicas e na Especialização em Cultura e
Educação.
Lattes: http://lattes.cnpq.br/7439968093857406

POLÍTICAS CULTURAIS NO BRASIL: DO GOLPE À PAULO GUSTAVO


Kátia Costa
Produtora e gestora cultural. Especialista em gestão cultural pelo Itaú
Cultural e Universidade de Girona. Mestra em Cultura e Sociedade pela
UFBA. Pesquisadora da área de gestão, política e diversidade cultural.
Integrante do Observatório da Diversidade Cultural (UEMG/UFBA) e do
Observatório da Economia Criativa (UFBA). Consultora na área de políticas
culturais em âmbito municipal.
Lattes: http://lattes.cnpq.br/0678094063211133

Silvia Maria Bahia Martins


Mestra em Desenvolvimento e Gestão Social pela Universidade Federal da
Bahia (2011). Especialista em Gestão de Cooperativas pela Faculdade de
Tecnologia do Cooperativismo - Escoop em parceria com o Sescoop Bahia
(2022); em Gestão Pública pela Universidade Cândido Mendes; Atua como
tutora de EAD desde 2007, especialmente, nos campos de gênero, gestão
social, políticas públicas. Atualmente é estudante da Especialización en
Métodos y Técnicas de Investigación Social, pela Clacso Argentina.
Lattes: http://lattes.cnpq.br/0684274543712447

INFRAESTRUTURA CULTURAL DO BRASIL: PASSADO, PRESENTE E FUTURO


Plínio Rattes
Doutor e Mestre pelo Programa Multidisciplinar de Pós-Graduação em

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REVISTA BOLETIM OBSERVATÓRIO DA DIVERSIDADE CULTURAL . V.100 . N.02.2023

Cultura e Sociedade (IHAC/UFBA). Possui graduação em Produção em


Comunicação e Cultura pela UFBA (2007). É pesquisador do Observatório
da Diversidade Cultural (ODC), desde 2016. Autor e organizador de diversas
publições na área da gestão cultural, atualmente é Gerente de Cultura do
SESC Bahia.
Lattes: http://lattes.cnpq.br/0118674268071904

OS AVANÇOS LEGAIS NA FACILITAÇÃO DOS PROCESSOS ENVOLVIDOS


NO FOMENTO À CULTURA E OS DESAFIOS ENVOLVIDOS EM SUA EFETIVA
IMPLANTAÇÃO
Poliana Gomez Brasil
Jornalista graduada em Direito, pós-graduanda em Gestão Cultural,
produtora cultural, assessora técnica em cultura, musicista, mãe. Participou
do Ciclo Nacional de Capacitação do SEBRAE da Lei Paulo Gustavo com
apoio do Ministério da Cultura com atuação em 11 Estados; atua na Arte
em Prática Assessoria em Cultura como criadora de conteúdo cultural.É
ex-presidente do Conselho Municipal de Políticas Culturais de Avaré (SP).
Lattes: http://lattes.cnpq.br/5776886684522127

REFLEXOS ECONÔMICOS NA CADEIA PRODUTIVA DA CULTURA: UMA ANÁLISE


REPLICÁVEL PARA OUTROS MUNICÍPIOS A PARTIR DOS RESULTADOS DO
PROJETO CULTURA E ECONOMIA PARA JACAREÍ
Wiliam Retamiro
Doutor em Ciência, Tecnologia e Sociedade pela Universidade Federal de
São Carlos (UFSCAR), Mestre em Planejamento e Desenvolvimento Regional,
Economista. Pesquisador com publicações relacionadas a economia da
cultura e economia solidária, coordenou o estudo de reflexos econômicos
da cultura pelo projeto Cultura e Economia para Jacareí (CEJAC).
Lattes: http://lattes.cnpq.br/0803500224759443

Jade Diniz
Economista pela Universidade Federal de Viçosa, Mestra em
Desenvolvimento Territorial e Políticas Públicas pela UFRRJ e Mentora no
Programa ECONecta (USP). Também é Diretora na Autopoiese Inovação
Social e na econoMina.
Lattes: http://lattes.cnpq.br/4188461486399890

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REVISTA BOLETIM OBSERVATÓRIO DA DIVERSIDADE CULTURAL . V.100 . N.02.2023

POLÍTICAS CULTURAIS COM AS PERIFERIAS: ESCUTA ATENTA, PRESENÇA E


MUDANÇA DOS PARADIGMAS DE CULTURA
Bruna Hercog
Jornalista e educadora, trabalha com formação, pesquisa e extensão
nas áreas de cultura, comunicação e educação. Doutora em Cultura e
Sociedade pelo Programa Multidisciplinar de Pós-Graduação em Cultura
e Sociedade (Poscultura/UFBA). Tem experiência em articulação de redes
de coletivos de arte e comunicação com atuação em periferias latino-
americanas; sistematização de conteúdos; elaboração de materiais
didáticos e metodologias participativas; realização de pesquisa de campo
e avaliação e monitoramento de projetos sociais. É pesquisadora do
Observatório da Diversidade Cultural e membro do Intervozes - Coletivo
Brasil de Comunicação.
Lattes: http://lattes.cnpq.br/3135418176761711

Natureza França
Bacharela em Artes, Mestra em Dança, na linha de pesquisa Mediações
Culturais e Educacionais em Dança pela UFBa. Multiartista, contadora de
histórias e performer; capoeirista, sambadeira e cantadeira de samba
de roda. Arte educadora, educadora de aprendizagem profissional,
produtora e gestora cultural, professora de danças populares. Fundadora
e coordenadora do grupo A CORDA Samba de Roda, da Plataforma
Multimírdia Favela Revela, da Associação Quial Tubarão.
Lattes: http://lattes.cnpq.br/9296015470412510

O CEARÁ EM ESTADO DE CONFERÊNCIA: PARTICIPAÇÃO SOCIAL E AS


CONFERÊNCIAS DE CULTURA
Leandro Maciel Silva
Servidor Público da Secretaria de Cultura do Ceará. Analista de Gestão
Cultural. Orientador de Célula dos Sistemas Setoriais, membro da
Coordenadoria de Política para as Artes. Coordenou os 26 Encontros
Setoriais da 4ª Conferência Estadual de Cultura do Ceará. Conselheiro
Estadual de Cultura, biênio 2022-2024. Doutor em História Cultural, pela
UFSC.
Lattes: http://lattes.cnpq.br/6162086183244111

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REVISTA BOLETIM OBSERVATÓRIO DA DIVERSIDADE CULTURAL . V.100 . N.02.2023

Renata Nunes Pereira Melo


Analista de Gestão Cultural e Assessora de Controle Interno e Ouvidoria
da Secretaria de Cultura do Estado do Ceará. Doutora em Cultura e
Sociedade pelo Programa Multidisciplinar em Cultura e Sociedade da
UFBa. É pesquisadora do Observatório da Diversidade Cultural. Graduada
em Direito, com experiência na área jurídica da Secretaria de Cultura do
Município de Fortaleza/SECULTFOR.
Lattes: http://lattes.cnpq.br/8654416484150444

Thiago Rodrigues
Produtor Cultural da Universidade Federal do Cariri (UFCA), cedido para
atuação no Escritório Estadual do Ministério da Cultura no Ceará. Foi
Conselheiro Municipal de Política Cultural de Fortaleza entre 2013 e 2015,
Conselheiro Municipal de Política Cultural de Juazeiro do Norte entre
2017 e 2021, e é Pesquisador do Observatorio Cariri de Políticas e Práticas
Culturais (UFCA) e do Observatório de Políticas Culturais da UFPB. Mestre
em Comunicação Social (UFC).
Lattes: http://lattes.cnpq.br/4454335570886583

A III CONFERÊNCIA INTERMUNICIPAL DA CULTURA DE TOLEDO (PR): DIÁLOGOS


EM REDE E DESAFIOS NA IMPLEMENTAÇÃO DOS MARCOS LEGAIS
Juan Ignacio Brizuela
Doutor em Cultura e Sociedade pelo Instituto de Humanidades, Artes
e Ciências Prof. Milton Santos - IHAC, UFBA. Posdoc (CAPES/Brasil) do
Programa Interdisciplinar em Estudos Latino-Americanos da UNILA. Colíder
do grupo Observatório da Diversidade Cultural (ODC). Pesquisador da
Cátedra Olavo Setubal de Arte, Cultura e Ciência (IEA/USP), selecionado na
titularidade do prof. Néstor García Canclini (2020/2022). Foi bolsista recém
doutor (UENF-FAPERJ) no Programa Interdisciplinar de Políticas Sociais.
Trabalhou na Diretoria de Economia da Cultura da Secult-BA.
Lattes: http://lattes.cnpq.br/6362525134331343

Marcela Cristina Bettega


Doutoranda em Geografia (UEPG). Mestre em Desenvolvimento Territorial
Sustentável pela Universidade Federal do Paraná. Especialista em História
da Arquitetura e Urbanismo (Faculdades Metropolitanas de São Paulo),

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REVISTA BOLETIM OBSERVATÓRIO DA DIVERSIDADE CULTURAL . V.100 . N.02.2023

em Gestão Pública Municipal pela Universidade Federal do Paraná, e em


Leitura e Produção de Texto pela FAE Centro Universitário. Graduada em
Artes Visuais pela Faculdade de Artes do Paraná. Desde 2002 trabalha com
Gestão e Produção Cultural.
Lattes: http://lattes.cnpq.br/6625849014180828

Tatyane Cristina Mendonça Ravedutti


Consultora de Cultura da Rede Regional de Cultura e Patrimônio do Oeste do
Paraná, em parceria com o Conselho de Desenvolvimento dos Municípios
Lindeiros ao Lago de Itaipu. Graduada em Educação Artística licenciatura
em Artes Cênicas pela Faculdade de Artes do Paraná (2002). Especialista
em Gestão Cultural e Organização de Eventos pela Universidade de São
Paulo e Mestre em Estudos Latino Americanos pela UNILA.
Lattes: http://lattes.cnpq.br/3696274864700341

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REVISTA BOLETIM OBSERVATÓRIO DA DIVERSIDADE CULTURAL . V.100 . N.02.2023

Vinícius SA
Lágrimas
Dimensões variadas
Rio de Janeiro, RJ, 2013
Foto: Erivan Morais

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