Cultura e processos de gestão em
tempo de pandemia
quantificações emergenciais
Luiz Augusto F. Rodrigues1
Marcelo Silveira Correia2
1 Professor Titular do Departamento de Arte da Universidade Federal Fluminense (UFF).
Doutor em História pelo PPGH-UFF. Coordenador do LABAC-UFF/Laboratório de Ações
Culturais. E-mail: luizaugustorodrigues@id.uff.br.
2 Pesquisador em Cultura e Arte-educador. Mestre em Cultura e Territorialidades pelo
PPCULT-UFF. Presidente do Instituto Grão – Programas ambientais e Ações culturais.
E-mail: marcelonetcorreia@hotmail.com.
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Resumo
As fragilidades e vulnerabilidades do setor cultural no Brasil são enormes, tanto em
termos das condições de trabalho, quanto do fraco investimento financeiro, sobretudo a
nível federal. As políticas nacionais de cultura se encontram fortemente abaladas desde
2016, diante das tentativas de esvaziamento da pasta durante os governos mais recentes.
Uma conjuntura, que vinha promovendo esforços para minimizar exclusões de grandes
camadas da sociedade brasileira, se viu em processo contrário, inclusive com a quase
nula atenção a duas leis importantes em termos de gestão compartilhada da cultura: a
Lei do Sistema Nacional de Cultura (2012) e a que instituiu a Política Nacional de Cultura
Viva (2014). Em termos estaduais percebe-se, também, forte ausência de gestão pública
da cultura e retrocessos, especialmente em estados de ressonância, como Rio de Janeiro e
São Paulo e suas cidades capitais homônimas. Algumas resistências são encontradas em
gestões em nível municipal (como será debatido). A pesquisa se apoia nos ODS da ONU
e na necessidade de maior inclusão de grupos em situação de vulnerabilidade. O que já
se apresentava fraco pela quase ausência de políticas governamentais estruturantes, se
agravou enormemente com o quadro pandêmico do Covid-19 e com as restrições impostas
pelo necessário isolamento social, pois “a cultura foi a primeira a parar e será a última a
voltar”. Ausências e proposições de políticas públicas – tanto em nível federal como local
– serão debatidos, assim como dados parciais, em construção, serão apresentados.
Palavras-chave: Vulnerabilidade do setor cultural. Cultura no contexto da Covid-
19. Políticas públicas de cultura. Ações emergenciais na cultura. Objetivos de
Desenvolvimento Sustentável.
Abstract
Poor working conditions and financial investment are some of the weaknesses and
vulnerabilities of the cultural sector in Brazil, especially at the federal level. The country’s
national culture policies have been heavily undermined since 2016 during the most
recent federal governments. Efforts aimed at minimizing the exclusions of large strata
of Brazilian society was disregarded, especially considering the lack of attention to two
important laws related to culture shared management: the law of the National System of
Culture (2012) and the law that instituted the National Policy of Living Culture (2014). In
states, public management in culture is poor and presents some setbacks, especially in
resonant states such as Rio de Janeiro and São Paulo, and their homonymous capital cities.
Some resistances are found in management at the municipal level (as will be debated). Our
study is based on the UN SDGs and the need for greater inclusion of groups in vulnerable
situations. What was already weak due to the almost absence of structural government
policies, worsened significantly with the Covid-19 pandemic and the restrictions imposed
by the necessary social isolation, because “culture was the first to stop and will be the last
to return”. Lack and proposal of public policies – both at the federal and local levels – will
be discussed, and partial data under construction will be presented.
Keywords: Vulnerability of the cultural sector. Culture in the context of Covid-19. Public
policies of culture. Emergency actions in culture. Sustainable Development Goals.
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Preliminares
P
ara o conceito de cultura, apostamos em sua concepção
ampliada, de cunho antropológico, muito além da sim-
ples correlação entre cultura e arte. Como aponta García
Canclini:
Ao deixar de designar unicamente o recanto dos livros e
das belas artes, a concepção de cultura – em um sentido
mais próximo da acepção antropológica – como um con-
junto de processos a partir dos quais a significação das
estruturas sociais é elaborada, reproduzida e transfor-
mada por meio de operações simbólicas, torna possível
vê-la como parte da socialização das classes e dos grupos
na formação das concepções políticas e no estilo que a
sociedade adota quanto às diferentes linhas de desenvol-
vimento. (GARCÍA CANCLINI, 2019, p. 55)
A argumentação do autor deve ser complementada por ideias suas
que vêm norteando os estudos das políticas de cultura desde os
anos 1990, que as entende como um “conjunto de intervenciones
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realizadas por el Estado, las instituiciones civiles y los grupos
comunitarios organizados a fin de orientar el desarrollo simbólico,
satisfacer las necesidades culturales de la población y obtener con-
senso para un tipo de ordem o de transformación social”. (GARCÍA
CANCLINI, 1990, p. 26)
Os ideários contemporâneos da virada do século XX para o XXI,
ao invés de se afastarem de soluções que já vinham se mostrando
excludentes, privilegiam ainda mais as relações econômicas em
detrimento das relações socais-culturais. É necessário, portanto,
criar condições para que surjam soluções que se contraponham a
esta lógica. As estruturas de planejamento e produção de políticas
vêm sendo regidas por tal pensamento hegemônico, que em nada
têm considerado as bases culturais dos diversos sujeitos sociais.
É necessário garantir a incorporação de outras “vozes”, outras
formas de produção de políticas (culturais, sociais, urbanas etc.),
que rompam com estruturas interseccionais que promovem condi-
ções muito desiguais de acesso aos bens e desconsideram as diver-
sidades culturais das populações.
Destacamos que os valores de sustentabilidade passam pela
garantia de condições mais plurais de envolvimento, participação e
empoderamento da sociedade. Como a Unesco vem apontando há
algumas décadas, não se pode restringir o desenvolvimento susten-
tável ao viés econômico, tecnológico ou mesmo ambiental sem se
atentar para o desenvolvimento humano e para o desenvolvimento
cultural. Formam-se, assim, os pilares fundamentais ao desenvol-
vimento. Como sinalizou Celso Furtado: “Em sua dupla dimensão
de força geradora de novo excedente e impulso criador de novos
valores culturais, esse processo libertador [a inventividade] de
energias humanas constitui a fonte última do que entendemos por
desenvolvimento”. (FURTADO, 1978, p. 82)
A garantia do bem-estar social passa necessariamente por melhores
e maiores condições de consumo e fruição cultural, mas também de
melhores condições de criação, produção, reprodução e circulação
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dos aportes socioculturais, bem como de participação na cena
pública e política, avançando naquilo que se pode denominar de
cidadania cultural.
Buscamos correlacionar nossa argumentação com as metas
dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) e com os
Indicadores Brasileiros para os ODS, destacando pontos arrolados
nas metas nacionais no escopo da Agenda 2030 dos ODS, de forma
a ressaltar a territorialização, a governança e a valorização de boas
práticas como alguns dos desafios estratégicos. Eis os objetivos que
queremos destacar.
Objetivos 3 e 5, respectivamente: “Assegurar uma vida saudável e
promover o bem-estar para todos, em todas as idades”; “Alcançar
a igualdade de gênero e empoderar todas as mulheres e meninas”.
Entendendo saúde e condições saudáveis de habitabilidade como
inerentes aos vínculos de socialidade e pluralidade cultural, neces-
sitando conhecer e suprir agendas de idosos e crianças, de mulheres
e de sujeitos LGBT, de grupos periféricos e sujeitos em condições
de vulnerabilidade social e econômica, romper laços históricos
de opressões interseccionais que aviltam as sociedades de nossas
cidades e ampliam sobremaneira as deficiências percebidas, inclu-
sive na área de saúde pública. Como apontado na Meta brasileira
5.1, “Eliminar todas as formas de discriminação de gênero, nas suas
intersecções com raça, etnia, idade, deficiência, orientação sexual,
identidade de gênero, territorialidade, cultura, religião e nacionali-
dade […]”. (IPEA, 2018, p. 137)
Objetivo 11: “Tornar as cidades e os assentamentos humanos inclu-
sivos, seguros, resilientes e sustentáveis”. Do qual destacamos as
Metas brasileiras 11.4, que busca “Fortalecer as iniciativas para
proteger e salvaguardar o patrimônio natural e cultural do Brasil,
incluindo seu patrimônio material e imaterial” (IPEA, 2018, p.
280); e a 11.7, que busca, até 2030, “proporcionar o acesso uni-
versal a espaços públicos seguros, inclusivos, acessíveis e verdes,
em particular para as mulheres, crianças e adolescentes, pessoas
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idosas e pessoas com deficiência, e demais grupos em situação de
vulnerabilidade”. (IPEA, 2018, p. 287)
Agrega-se, também, o Objetivo 16 de Desenvolvimento Sustentável
(ODS), que aponta a necessidade de se “construir instituições efi-
cazes, responsáveis e inclusivas em todos os níveis”, entendendo-se
que as institucionalidades que promovem a construção/acompa-
nhamento/fiscalização de políticas públicas de cultura, de modo
compartilhado com a sociedade civil, alavancam sobremaneira tal
objetivo. Como apontado na Meta 16.3 (IPEA, 2018, p. 422), tra-
ta-se de “Fortalecer o Estado de Direito e garantir acesso à jus-
tiça para todos, especialmente aos que se encontram em situação
de vulnerabilidade”, somada à Meta 16.7 (IPEA, 2018, p. 432), que
visa “Garantir a tomada de decisão responsiva, inclusiva, participa-
tiva e representativa em todos os níveis”.
Perguntamos, então, como reconhecer esses direitos se não se dá
voz aos sujeitos? Os direitos culturais estão incluídos na nossa
Constituição Federal de 1988 (CF/88), nos Artigos 215 e 216, mas
ficam no plano genérico. (Re)Conhecer realidades a partir de dis-
cursos e expectativas polifônicas é avançar nesta ruptura. Reverberar
as vozes diversas que compõem os conselhos e capilarizar social e
territorialmente as ações em cultura devem ser nortes constantes
das políticas públicas, mas pouco se efetivam, podendo-se dizer
que o contexto da cultura e de seus trabalhadores é um dos mais
aviltados e com menos garantias sociais e trabalhistas.
Covid-19 e o setor cultural
As vulnerabilidades do setor cultural no Brasil são enormes, tanto
em termos das condições de trabalho, quanto do fraco investimento
de recursos públicos. Resta aos trabalhadores da cultura lidar com
todas essas fragilidades, e, mesmo, ver crescer a precarização de
seu trabalho, em especial para aqueles que se encontram perifé-
ricos aos interesses mais mercadológicos em relação à Cultura e à
Arte. O trabalho no setor cultural é, por si só, mais informalizado,
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com contratos temporários, poucos amparos trabalhistas e nor-
teado pelo crescente pensamento empreendedor que transforma os
sujeitos em empresários de si mesmos, em clara referência ao arte-
fato jurídico denominado MEI – Microempreendedor Individual.
Alguns dados do PNAD/IBGE de junho de 2020 (IBGE, 2020)
nos ajudam a entender um pouco mais desse cenário no país. O
rendimento médio habitual da informalidade gira em torno de R$
2.300,00 (dado referente aos anos de 2019 e 2018), são 24.258
pessoas em empregos por conta própria (incluindo os MEI) e
31.033 pessoas inseridas no setor privado com carteira assinada.
O que já se apresentava fraco pela ausência de políticas governa-
mentais estruturantes, se agravou enormemente com o contexto da
Covid-19 e com as restrições impostas pelo necessário isolamento
social; como se tornou uma espécie de mantra: “a cultura foi a pri-
meira a para e será a última a voltar”.
Cumpre ressaltar que apresentaremos alguns conjuntos de dados
que serão como retratos, pois no momento em que escrevemos este
texto (final de julho de 2020), estamos em pleno processo de pan-
demia, ainda sem vacina ou tratamento que permitam que as ativi-
dades culturais – certamente, uma enorme parcela delas – voltem
ao normal, ou, como se tem dito, um “novo normal”, em uma clara
alusão de que teremos de nos reinventar quando essa crise sani-
tária acabar ou ficar mais controlada… Por ora, o que temos con-
dição de fazer é observar a história do tempo presente – “presen-
tíssimo”, na verdade. Trazemos dados externos coletados de sites
e documentos, retrabalhando-os e/ou calculando novas métricas
e, sempre que possível, trazendo complementações com dados de
caráter mais restrito.
Começaremos apresentando alguns dados compilados do Painel de
participações diárias de pesquisa de participação do impacto da
Covid-19 nos setores Cultural e Criativo do Brasil, dados que, mais
do que um “retrato”, parecem um “filme”, pois variam de momento
a momento, de quadro a quadro… As informações apontam que
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70,1% das 2354 respostas válidas foram submetidas por trabalha-
dores individuais (pessoa física) e os 29,9% restantes por coletivos
(pessoa jurídica, incluindo MEI, e representantes de coletivos ou
comunidades), o que parece corresponder à realidade do trabalho
no setor, massivamente realizado por sujeitos que estão fora dos
mercados mais formalizados.
Em termos de regionalização das respostas (Tabela 1), cabe ressaltar
que são dados apurados em 27/julho e que a pesquisa teve início
em 10/junho, sendo os dias de maior participação entre 30/junho
e 10/julho/2020. Confeccionamos a tabela 1 a partir do gráfico dis-
ponível no site, do qual extraímos os quantitativos estaduais acima
de 100 respostas, de um total de 2354 envios. Cabe destacar que
apenas estados da região Centro-Oeste não contribuíram com mais
de 100 envios, entretanto pode-se verificar que há uma certa dis-
tribuição nacional dos dados:
Tabela 1 – Participação estadual das respostas sobre os impactos do Covid-19
nos setores cultural e criativo brasileiros
brasileira
Região
Nordeste Norte Sudeste Sul Norte Sudeste Nordeste Sudeste Nordeste Nordeste Sul
Rio
Percentual Respostas Estado
Ama- São Espírito Pernam- Rio de
Bahia Paraná Pará Alagoas Ceará Grande
zonas Paulo Santo buco Janeiro
do Sul
válidas
300 269 267 222 217 212 169 150 103 103 102
(%)
12,7 11,4 11,3 9,4 9,2 9,0 7,2 6,4 4,4 4,4 4,3
Fonte: Elaboração própria (2020).
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Ainda de acordo com o documento citado, e aproveitando para ilus-
trar um pouco do que cada setor compreende, apontamos alguns
quantitativos e percentuais de participação dos principais setores.
Tabela 2 – Participação, por segmento, das respostas sobre os impactos do
Covid-19 nos setores cultural e criativo brasileiros
Setor Q u a n t i tat i v o d e % do setor
r e s p o s ta s vá l i d a s
Artes performativas, músicas e celebrações 981 41,7 %
Artes visuais e artesanato 348 14,8 %
Audiovisual e meios interativos 196 8,3 %
Patrimônio e cultura popular tradicional 186 7,9 %
Livro, literatura e imprensa 118 5,0 %
Demais setores (com menos de 100 envios) 525 22,3 %
TOTAL GERAL 2354 100 %
Fonte: Elaboração própria (2020).
Fazemos um parêntese para destacar a forma de classificação dos
setores adotada pelo levantamento. A inclusão do “Artesanato”
junto às “Artes visuais” – classificação com a qual nos identificamos
– foi utilizada pela Unesco (2009), diferindo da forma de classificar
os setores adotada pela Unctad (2010), que insere o “Artesanato”
junto ao setor criativo “Expressões populares” (incluindo neste,
também, as manifestações populares, festejos, celebrações etc.) –
que foi a forma adotada pelo Ministério da Cultura. (BRASIL, 2011)
Outro parêntese, agora para refletir sobre a figura do MEI. Para
tal, pegaremos algumas análises da dissertação de Gustavo Portella
Machado:
É fato que a política do microempreendedor pode ter sido
pensada para atribuir certa formalização das/os trabalha-
doras/es informais, recolher impostos e, ao mesmo tempo,
conceder uma série de benefícios trabalhistas básicos. No
entanto, a utilização dessa política pelas empresas não
caminhou no mesmo sentido, representando uma forma
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de terceirizar e de diminuir os valores-salários pagos.
Cria-se, portanto, uma prática rápida de downsizing
dentro das empresas. Embora o contrato permanente de
trabalhadoras/es com microempreendedor individual se
transformaria em vínculo empregatício pela lei, diante de
um cenário de desemprego e de dificuldades no mercado
cultural, eu escutei mais de minhas/meus interlocutores
que existem mais pessoas querendo se tornar MEI do que
o contrário. (MACHADO, 2020, p. 168)
A realidade dos trabalhadores da cultura nesse contexto, ainda foca-
lizando os produtores culturais, conforme pesquisa de Machado,
leva ao desenvolvimento de alguns procedimentos, como: (1)
“busca da/o trabalhadora/or por formas acessórias de comple-
mentar renda”; (2) “busca por criar algum tipo de relação [senti-
mental ou identitária] da/o trabalhadora/or com o projeto e/ou
com o trabalho”; (3) “tentativas de garantirem a dominação de seus
custos de vida e a promoção de trabalhos futuros”. O que o autor
identifica com “ausências/precarizações do fazer laboral”, refor-
çadas pelo crescimento da figura do MEI, que se torna “uma polí-
tica de precariedade”. (MACHADO, 2020, p. 167)
Sobre a “Pesquisa de Percepção dos Impactos da Covid-19 nos
Setores Cultural e Criativo do Brasil”, o site informa que:
Esta pesquisa foi concebida a partir do esforço conjunto
de pesquisadores, consultores, gestores públicos, univer-
sidades e instituições culturais interessados em registrar a
percepção de indivíduos e coletivos sobre os impactos da
Covid-19 nas suas áreas de atuação.
Juntos, os setores cultural e criativo movimentam R$
171,5 bilhões por ano, o equivalente a 2,61% de toda a
riqueza nacional. (FIRJAN/SENAI, 2019) O Sistema de
Informações e Indicadores Culturais do IBGE registrou,
em 2018, a existência de 5,2 milhões de pessoas ocupadas
em atividades culturais e criativas no Brasil. (SIIC/IBGE,
2019) Atingidos pelo isolamento social, praticantes,
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empreendedores, artistas e trabalhadores desses setores
veem-se agora diante de desafios variados, sabendo que,
provavelmente, serão os últimos a retomar suas ativi-
dades presenciais.
Tendo em vista confirmar e complementar cenários cap-
turados por outras pesquisas, compreender em profun-
didade as realidades estaduais e municipais, e oferecer
informações aos gestores públicos em tempo real, esta
pesquisa pretende dimensionar os impactos de curto e
médio prazo da pandemia de Covid-19 nos setores cul-
tural e criativo do Brasil, orientando o debate e a criação
de saídas para a crise atual. (UNESCO, 2020, homepage)
Complementando, sobre o projeto Percepção dos impactos da
Covid-19 nos setores cultural e criativo do Brasil (UNESCO, 2020):
3
“Com capacidade de geração anual de 25,5 mil postos de tra-
balho, totalizaram 837,2 mil profissionais formalmente empre-
gados. Anteriormente à pandemia, esses setores tinham a previsão
de contribuir com U$ 43,7 bilhões para o PIB nacional, até 2021”.
As tabelas 1 e 2 foram compostas, como indicado, a partir da coleta
diária de dados, já as informações a seguir foram trabalhadas a
partir do Boletim 01 (UNESCO, 2020) que metrificou resultados
preliminares obtidos no período 10/junho a 5/julho de 2020.
Percepções sobre a renda (dados referentes à compilação do dado
período, num total de 1677 respostas válidas). Cabe lembrar que
a pesquisa separou dois universos: (1) Indivíduos (pessoas físicas;
trabalhador/a) – do qual se computou, no período, 72% das res-
postas; (2) Coletivos (pessoa jurídica – incluindo MEI, represen-
tantes de coletivo ou comunidade) – do qual se computou 28% das
respostas (ou seja: 470 respostas). Eis alguns dados totalizados:
3 O projeto foi coordenado por André Lira (Cultive Soluções), Pedro Affonso Ivo Franco
(UNCTAD), Rodrigo Correia do Amaral (Universidade de São Paulo), Victor Nunes Toscano
(Especialista em estudos e pesquisas governamentais).
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A percepção dos participantes é que os próximos seis
meses serão de manutenção das perdas já registradas. A
maioria avalia que, no período de agosto a outubro/2020,
perderá 100% da receita (30,2%), seguida por aqueles
que não acreditam em nenhuma alteração (25%). Uma
parcela diminuta avalia que a sua receita aumentará
menos de 50% neste período (7,3%) e da mesma forma
entre novembro de 2020 e janeiro de 2021 (9,45%).
O período de maio a julho de 2020 registra a maior perda
total de receita (44,4%).
Até 05/07 a redução de 100% foi mais sentida por:
75% das organizações com faturamento entre R$ 30 mil
e R$ 59,9 mil
52,2% dos trabalhadores com renda mensal 7 a 9 salá-
rios mínimos
45,3% entre os indivíduos cuja renda do trabalho na cul-
tura não compõe a renda famíliar
57,8% no setor Cultura Hip Hop
66,6% no subsetor Festivais e feiras
64% no estado de Santa Catarina
72,7% na capital Florianópolis
47,3% de pessoas do gênero Masculino
48,4% de pessoas de cor Preta
66,6% de pessoas que cursaram até o Médio incompleto
As contratações de serviços de terceiros registraram
redução de 100% em mais da metade das organiza-
ções nos períodos de março a abril/2020 e de maio a
julho/2020. No semestre seguinte, as organizações con-
tinuam a projetar redução de 100% e a não-alteração do
cenário.
A redução de 100% nas compras de materiais e insumos
foi assinalada por mais de 40% das organizações nos
períodos de março a abril/2020 e de maio a julho/2020.
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No semestre seguinte, a maioria das organizações pro-
jeta novamente redução de 100% e a não-alteração do
cenário.
Mais de 45% das organizações reduziram a totalidade
dos colaboradores entre março e abril/2020 e maio e
julho/2020. A maioria projeta redução de 100% para o
próximo semestre.
Em todos os cenários, as organizações projetam um dis-
creto aumento (menos de 50%) para os períodos de
agosto a outubro/2020 e de novembro a janeiro/2021,
revelando uma expectativa de melhora do cenário econô-
mico para 2021. (UNESCO, 2020, p. 8)
Dados de Perfil dos respondentes:
1. Como já apontado, o percentual de respostas referidas à
Indivíduos foi de 72%, e o de respostas referidas à Organizações
foi de 28%. A organização do tipo MEI contribuiu com 42,56%,
mas trata-se de um indivíduo único, então 42,56% dos 28%
resultam, ainda, em cerca de mais 11,92% de sujeitos envolvidos
individualmente no setor cultural (os 72% dos respondentes).
Logo, podemos considerar que quase 84% das respostas se
remetem para o/a trabalhador/a individual. Podemos observar
que uma expressiva maioria do trabalho nos setores cultural e
criativo são exercidos coletivamente, mas os impactos indivi-
duais reforçam a precarização e vulnerabilidade que afeta os
sujeitos.
2. Quanto à renda, destacamos o percentual de 48,43% de “orga-
nizações” que tinham seu faturamento mensal de até 2,9 mil
reais antes da pandemia (sendo 21% com renda até um mil reais
e 27,43% com renda de 1 a 2,9 mil reais). Esse dado é impor-
tante para correlacionarmos com o que será apresentado mais
a frente sobre a lei Aldir Blanc (ainda sem regulamentação até a
presente data, 31/julho), que considera, como desdobramentos
previstos pelo inciso II, o apoio mensal (a definir por quantos
meses) de 3 a 10 mil reais para espaços/atividades que per-
deram suas funções por conta da pandemia.
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3. Sobre o dado do item 2 – 48,43% de “organizações” que tinham
faturamento mensal de até 2,9 mil reais, vamos novamente
calcular o impacto do percentual sobre as organizações do tipo
MEI (42,56%). Assim, 48,43% dos 42,56% vão resultar em
cerca de 20,61% de indivíduos a serem contabilizados a mais
quando dos dados referentes à renda mensal dos “Indivíduos”
– cujas informações serão apresentadas adiante.
Outros dados que são interessantes de se destacar, ainda referentes
ao perfil das “Organizações”, dizem respeito ao que segue. Os agru-
pamentos de alguns percentuais ilustram os principais impactos:
1. quanto posição na cadeia produtiva, 68,14% estão envolvidas
na etapa de Criação/Produção;
2. se considerarmos as fontes advindas de Prestação de serviços e
de Venda de produtos, atinge-se 56,16% como referidos prin-
cipalmente a inserções mais diretas, que independem de insti-
tuições externas (editais, doações, patrocínios incentivados ou
não, linhas de crédito, financiamentos coletivos).
Sobre o perfil dos Indivíduos, destacamos que 72,43% trabalham
sem vínculos formais mais estáveis (CLT ou servidor público), a
maioria trabalha como Artista ou Produtor(a) artístico, e que 72,23%
estão inseridos na etapa de Criação/Produção da cadeia produtiva.
Havíamos apontado que os indivíduos identificados como MEI
totalizavam 20,61% das “Organizações” com faturamento inferior
a R$ 2.900,00. Analisando os dados referentes à renda mensal
dos indivíduos, temos: 12,81% sem renda, 22,31% com renda de
até 1 Salário Mínimo (SM) e 23,22% com renda de 1 a 2 SM. Essas
três faixas totalizam 68,24%. Se somarmos este percentual com os
20,61% que são MEI e que faturam até R$ 2,9 mil, chegaremos a
um total de 78,85% dos respondentes que participaram da pes-
quisa no referido período. Tais extratos nos “permitem” apontar
que os impactos da Covid-19 sobre os trabalhadores(as) do setor
cultural e criativo recaem, sobretudo, sobre a já precarizada e mais
vulnerável parcela do total de trabalhadores do setor. Os dados
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apontam, também, que a participação do trabalho no setor cultural
representa, ao menos, até 50% da renda mensal total para cerca de
60,6% dos indivíduos.
Os dados apresentados por esta pesquisa apontam que os impactos
aqui trabalhados atingem, sem muita variação, tanto mulheres,
quanto homens, tanto pretos/pardos, quanto brancos, e que os res-
pondentes da pesquisa têm, majoritariamente, formação superior.
Constata-se, também, o quase inexistente percentual de partici-
pação de indígenas.
Para finalizar os dados extraídos do Boletim 01 (UNESCO, 2020),
trazemos alguns dados referentes ao acesso remoto mediado por
tecnologia, que passou a ser quase que exclusivamente a forma
de atuação do setor cultural durante a pandemia. Esse fato nos
faz pensar que teremos de incorporar muitas dessas estratégias
de acesso remoto quando se pensa em várias das ações no setor,
mesmo após certa flexibilização do isolamento social. Eventos,
espetáculos, feiras e festivais que não gerem aglomeração são rea-
lidades que ainda não sabemos como funcionam ou como podem/
devem funcionar.
Tabela 3 – Possibilidades de comercialização do produto cultural pela
internet
Venda p e l a i n t e r n e t : o s e r v i ç o / p r o d u t o c u lt u r a l
p o d e s e r o f e r e c i d o p o r m e i o d i g i ta l ?
Pode pa r c i a l m e n t e Pode t o ta l m e n t e Não pode
Indivíduo 60,51% 25% 14,49%
Coletivo 66,1% 18,76% 15,14%
Fonte: Elaboração própria (2020).
Quanto à disponibilidade de serviços de internet na região do
usuário, 61,4% apontaram que há oferta com qualidade; 30,1% que
há oferta mas sem qualidade; e 8,5% apontaram não haver oferta
(oferta irregular ou apenas em algumas áreas específicas do muni-
cípio). Quanto ao custo do serviço, 49,8% consideram alto; 46,7%
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consideram médio ou justo; e apenas 4,5% consideram o custo
baixo.
Por fim, destacamos do referido estudo dados que apontam que
66,25% dos coletivos e 71,85% dos indivíduos não aderiram a
nenhuma medida de mitigação do efeito da pandemia, tais como
suspensão de contrato, redução da carga horária de trabalho,
redução salarial, demissão voluntária, entre outras variações.
Percentuais que se coadunam com o alto índice de inserção indi-
vidual quando se avalia as condições econômicas no setor criativo
e cultural.
Cabe chamar a atenção para o fato de que é comum as condições
técnicas/tecnológicas estarem melhor garantidas do que as con-
dições sociais e emocionais. Argumentamos isso com base em
uma pesquisa com discentes do curso de Produção Cultural da
Universidade Federal Fluminense, realizada entre meados de maio
e início de junho de 2020. (UFF, 2020) Foram contabilizadas 141
respostas. Seguimos com alguns dos resultados desta pesquisa.
Entre os alunos, 80,1% responderam não ter tido nenhum caso de
Covid em casa e 87,2% se consideram saudáveis fisicamente. Do
total, 97,2% não têm filhos em idade escolar ou que necessitem de
assistência, embora 63,8% apontem que morem/cuidem de alguém
considerado do grupo de risco e 80,7% apontem que estão envol-
vidos com algum tipo de trabalho doméstico diário. Por fim, 66%
apontaram não estar enfrentando dificuldade financeira em função
do isolamento social, nem a família.
Quanto às condições de acesso à internet, destacamos que 92,9%
têm algum tipo de acesso estável à internet (por computador e/ou
celular) e apenas 12,8% indicaram não ter ambiente adequado para
realizar atividades educacionais. Entretanto, quando se observa as
condições emocionais, os percentuais apontam expressivas alte-
rações de estado, vejamos (as respostas não foram excludentes,
podendo marcar várias alternativas):
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Tabela 4 – Condições comportamentais/emocionais dos alunos de Produção
Cultural da UFF no período de meados de maio a início de junho de 2020,
contexto da Covid-19
Alterações no comportamento alimentar 63,7%
Alterações no sono 88,9%
Alterações no humor 84,4%
Dificuldade de interação social 54,8%
Dificuldade de concentração 71,9%
Fonte: Universidade Federal Fluminense (2020).
Lei Aldir Blanc
Assim ficou conhecida a Lei nº 14.017, de 29 de junho de 2020
– Lei de Emergência Cultural Aldir Blanc – que dispõe sobre
ações emergenciais destinadas ao setor cultural a serem adotadas
durante o estado de calamidade pública, reconhecido pelo Decreto
Legislativo nº 6, de 20 de março de 2020. Vamos recuperar um
pouco o processo que gerou esta lei. Desde meados de março de
2020, a pandemia do Covid-19 tomou corpo no Brasil e, a partir
daí, se iniciaram processos descentralizados de isolamento social.
Escolas, universidades e espaços cultuais foram os primeiros a
fecharem as portas, paralisando suas atividades presenciais. Com
isso, surgiram pressões – políticas e sociais – para que as esferas de
governo dessem conta de um conjunto de necessidades para lidar
com o quadro pandêmico, de ações sanitárias e de saúde pública
à ações de apoio econômico a pessoas em situação de vulnerabi-
lidade socioeconômica e empresas de pequeno porte. Essas ações
buscam conter parte da crise econômica e do desemprego, uma vez
que outros setores foram seguidamente paralisando. Iniciou-se,
aí, um dilema: o setor dos trabalhadores da cultura opera, majo-
ritariamente, nas brechas, sendo assim, é um setor altamente vul-
nerável – o que piorou exponencialmente. Somem-se a isso espe-
táculos cancelados; galerias, livrarias etc. fechadas; atividades em
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espaços públicos impedidas de acontecer; assim por diante. Sob
forte pressão, inclusive do Congresso Nacional, o governo federal
se viu obrigado a dar um apoio emergencial de 600 reais durante 3
meses aos brasileiros e brasileiras que já se encontravam desempre-
gados, ou que perderam suas possibilidades de ganho por causa da
pandemia. Foi, em larga medida, um expressivo programa de dis-
tribuição de renda a nível nacional (embora impregnados de pro-
blemas operacionais até hoje insolúveis). Ficaram de fora, mesmo
assim, relevante quantia de trabalhadores do setor cultural. Sob
iniciativa de alguns deputados federais, foi feito algo inédito: con-
seguir juntar políticos de partidos diferentes em torno de uma pauta
comum. Assim, foi aprovada, primeiro na Câmara dos Deputados e
em seguida no Senado Nacional, a lei de apoio emergencial ao seg-
mento da cultura, que foi aprovada e sancionada pela Presidência
da República.
A Lei Aldir Blanc busca atingir trabalhadores individualmente,
espaços e atividades coletivas, ações e projetos, como observa-se
nos três incisos do Artigo 2º:
Art 2º: A União entregará aos Estados, ao Distrito Federal
e aos Municípios, em parcela única, no exercício de 2020,
o valor de R$ 3.000.000.000,00 (três bilhões de reais)
para aplicação, pelos Poderes Executivos locais, em ações
emergenciais de apoio ao setor cultural por meio de:
I – renda emergencial mensal aos trabalhadores e traba-
lhadoras da cultura;
II – subsídio mensal para manutenção de espaços artís-
ticos e culturais, microempresas e pequenas empresas
culturais, cooperativas, instituições e organizações cul-
turais comunitárias que tiveram as suas atividades inter-
rompidas por força das medidas de isolamento social; e
III – editais, chamadas públicas, prêmios, aquisição
de bens e serviços vinculados ao setor cultural e outros
instrumentos destinados à manutenção de agentes,
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de espaços, de iniciativas, de cursos, de produções, de
desenvolvimento de atividades de economia criativa e de
economia solidária, de produções audiovisuais, de mani-
festações culturais, bem como à realização de atividades
artísticas e culturais que possam ser transmitidas pela
internet ou disponibilizadas por meio de redes sociais e
outras plataformas digitais.
§ 1º Do valor previsto no caput deste artigo, pelo menos
20% (vinte por cento) serão destinados às ações emer-
genciais previstas no inciso III do caput deste artigo.
(BRASIL, 2020)
No momento em que redigimos este artigo, a implantação da Lei
ainda estava em processo, portanto a análise de seus resultados
ficará para outro momento.
Ações locais – algumas aproximações
Um exemplo que merece destaque é o do município de Niterói/
RJ. O titular da Secretaria Municipal das Culturas (SMC) da cidade
assumiu em agosto de 2019, restando apenas um ano e meio do
mandato municipal. Em sua posse, o secretário Victor De Wolf
apontou que sua gestão seria baseada no tripé participação popular,
descentralização e fomento. A SMC (NITERÓI, 2020b) apresentou
ao público, em 30 de abril, o 1º Relatório Cultura contra Corona,
uma das fontes de dados para este artigo, junto com algumas atuali-
zações trazidas na live (NITERÓI, 2020c) que apresentou os resul-
tados de um ano de gestão, em 1 de agosto de 2020.
Com a decretação do isolamento social decorrente da Covid-19,
Niterói teve 335 atividades da SMC/FAN (Fundação de Arte de
Niterói) suspensas e 39 equipamentos culturais fechados (entre
públicos e privados). Segundo os dados apresentados em dois
momentos: M1: Relatório de 30/abril; M2: Live de 1/agosto, temos
os seguintes quantitativos gerais:
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Tabela 5 – Niterói, ações da Secretaria das Culturas em tempo de pandemia
M1 M2
( 3 0/ a b r i l ) (01/agosto)
Ações emergenciais em desenvolvimento para setor
40 42
artístico-cultural
Agentes culturais diretamente beneficiados
3430 4788
financeiramente pelas ações
Recursos aplicados em ações que beneficiam agentes
R$ 7,5 milhões R$ 12,56 milhões
culturais
Recursos aplicados em editais adiantados com
R$ 7,4 milhões R$ 7,4 milhões
pagamentos ou em fase de contratação
Fonte: Elaboração própria (2020).
O Relatório de 30 de abril permite, também, observar que foram
beneficiados 481 artesãos que receberam auxílio financeiro de dois
mil reais cada um, totalizando R$ 962 mil; o Programa Empresa
Cidadã – que beneficiou 296 empresas do setor cultural, abarcando
1060 trabalhadores; o programa de apoio aos MEI – auxiliou 2616
indivíduos com 2 mil reais cada, totalizando R$ 5,232 milhões.
Impulsionado pelo contexto pandêmico, a SMC desenvolveu
indexações de dados referentes ao setor. A partir dos CNAE das
empresas que atuam na cidade, foram identificados 206 códigos
relacionados às atividades do setor artístico-cultural, totalizando
15229 empresas. Para este levantamento municipal, separou-se
os quantitativos das empresas ligadas ao comércio no setor (por se
observar sua expressividade). Os não listados têm menos de 610
empresas em cada um.
Tabela 6 – Niterói, setores cultuais com mais de 1000 empresas
TIC s
Comércio Eventos (T e c n o l o g i a s d e Comércio Mercado Moda
de moda Informação e d e TIC s editorial
Comunicação)
4022 2147 1295 1114 1093 1045
Fonte: Elaboração própria (2020).
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Quanto ao porte das empresas, é expressivo o quantitativo de MEI.
Na tabela 7 registramos os dados apresentados em gráfico e calcu-
lamos os respectivos percentuais:
Tabela 7 – Quantitativo de empresas do setor cultural em Niterói
MEI M icroempresa Pequena Média Grande Não Total
empresa empresa empresa declarou
9549 3673 1453 305 185 64 15229
62,8% 24,1% 9,5% 2,0% 1,2% 0,4% 100%
Fonte: Elaboração própria (2020).
Dos dados apresentados virtualmente quando do aniversário da
gestão niteroiense, registrou-se que houve mais de 950 atividades
virtuais na pandemia (computadas até 30/junho) e que cerca de
350 agentes culturais aderiram à campanha #NiteroiFicaEmCasa,
enviando vídeos com seus fazeres. Outras ações desenvolvidas pela
SMC como medidas de enfrentamento à crise provocada pela pan-
demia junto ao setor: venda antecipada de ingressos pós-isola-
mento social em unidades geridas pela Secretaria; aquisição de um
milhão de máscaras de barreira física, que envolveram 37 empresas
do segmento de moda; edital para apresentações, oficinas, podcasts
e outros formatos virtuais; antecipação do pagamento dos projetos
contemplados no edital de fomento direto; pagamento do edital da
Rede de Pontos e Pontões de Cultura; auxílio aos artesãos sem MEI,
através do Programa Busca Ativa (Secretaria de Fazenda), voltado
para beneficiar artesãos, vendedores ambulantes, pescadores arte-
sanais, trabalhadores de economia solidária, catadores entre outros,
com auxílio de R$ 500,00 nos meses de abril a junho; etc.
Destacamos esse conjunto de dados para ressaltar possibilidades
de fomento e atendimento cidadão que contrastam com a ausência
de políticas oriundas da esfera federal. A Lei Aldir Blanc é uma
exceção a esta ausência, mas foi alavancada pela esfera legislativa. A
extinção do Ministério da Cultura (em janeiro de 2019) e a criação
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da Secretaria Nacional de Cultura ligada, inicialmente, ao Ministério
da Cidadania e depois ao Ministério do Turismo (em novembro de
2019), apontam a instabilidade e ausência que afetam o campo cul-
tural na esfera federal.
Considerações finais
Enquanto se aguarda a implantação da Lei de Emergência Cultural
é bom destacar alguns conteúdos, como a própria filosofia da lei,
que reafirma a palavra “emergência” no sentido de fazer “emergir”
as potências da cultura. Por trás da criação cultural, há potência
criativa e muitos trabalhadores envolvidos que estão nos fluxos das
ruas e nos mais diversos espaços. Nesse tempo de pandemia, signi-
ficativa parcela desses trabalhadores – sua maioria, podemos assi-
nalar – estão parados (ou mesmo paralisados), ficando ainda mais
evidente a necessidade de melhor compreender os fluxos laborais
envolvidos no setor cultural. Brasil do barro, das águas e das flo-
restas, do asfalto e das periferias, país de territorialidades e de ins-
titucionalidades, por vezes bem pouco acessadas por comunidades
remotas desse país continental, país com grande quantitativo de
famílias em situação de extrema pobreza… o que fazer para mitigar
os perversos resultados dessa crise sanitária e pandêmica que nos
assola e nos priva, que expõe e amplia desigualdades extremas,
que vulnerabiliza ainda mais os já precários trabalhadores da cul-
tura? Por mais que a Lei Aldir Blanc acione um volume de recursos
nunca antes mobilizados em tal área, aponta, em um único pro-
grama no campo cultural e em tão curto prazo, que os problemas
que afetam os mais diversos agentes da cultura são estruturais e
não se resolverão neste momento. Que saldo poderemos obter?
Passaremos a ver o campo cultural sob óticas economicamente mais
justas? A cultura conseguirá avançar e trilhar caminhos mais sistê-
micos para sua gestão pública? Alguns legados talvez sejam alavan-
cados localmente nos mais de 5500 municípios brasileiros: maior
e melhor conhecimento de suas realidades culturais; mapeamentos
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vivos dos seus mais diversos fazedores de cultura; maior capacidade
mobilizadora e melhores condições para construir capitais sociais
baseados na ética, na confiança, no respeito mútuo, na capacidade
agregadora dos sujeitos ente si e com suas instituições, na formas de
pactuação entre Estado e Sociedade.
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