Ao menos desde os anos 1960, quando Marshall McLuhan (2008) postulou que “o ‘conteúdo’ de qualquer meio é sempre outro meio”, tem prevalecido no campo dos estudos comunicacionais a ideia – aqui sintetizada por Philippe Dubois (2019, p....
moreAo menos desde os anos 1960, quando Marshall McLuhan (2008) postulou que “o ‘conteúdo’ de qualquer meio é sempre outro meio”, tem prevalecido no campo dos estudos comunicacionais a ideia – aqui sintetizada por Philippe Dubois (2019, p. 26) – de que “cada meio porta em si um traço de um (ou de vários) antigo(s) meio(s), de forma visível ou não”. A prevalência dessa ideia se deve, em grande medida, ao trabalho de autores como Jay David Bolter e Richard Grusin (2000), cujo conceito de “remidiação” não apenas retoma, mas prolonga as teses de McLuhan, já em plena virada do milênio. Ora, a despeito de toda influência exercida por esse arcabouço teórico, Dubois (2019, p. 22) chama atenção para o fato de que ainda há quem insista no “retorno (tão eterno quanto vão) do discurso sobre a morte: o fim da fotografia, o desaparecimento do cinema etc.” – discurso este que, a seu ver, “não tem mais escuta nem crédito” atualmente. Entretanto, segundo relata Fernão Pessoa Ramos (2016, p. 39), “autores centrais e tradicionais da teoria do cinema e audiovisual debruçaram-se sobre a questão”, em especial no campo francófono. Dentre eles, destacamos aqui os nomes de Jacques Aumont (2020) e da dupla André Gaudreault e Philippe Marion (2016), cujos respectivos questionamentos nos servem como ponto de partida para esta comunicação. Enquanto Aumont indaga à queima-roupa, já no título de uma de suas obras mais recentes, “o que resta do cinema?”, Gaudreault e Marion, por sua vez, vão mais a fundo e perguntam: “o que restou do cinema naquilo que o cinema está se tornando? Ou melhor, o que restou daquilo que pensávamos, até ontem, ser o cinema, naquilo que o cinema está se tornando?”. Tais questões obviamente nos conduzem a diversas outras, anteriores e subjacentes a elas próprias: afinal, de que cinema estamos falando? Em que, exatamente, este cinema está se tornando? Em que pensávamos que ele consistia, até então? Na tentativa de responder, se não a todas, ao menos a parte dessas inquietações, recorremos não só aos autores e conceitos supracitados, mas também à obra de André Parente (2009), cuja abordagem da noção de “dispositivo” nos permitirá repensar a própria ideia de cinema, “evitando clivagens e determinismos tecnológicos, históricos e estéticos”.