Dançar a imagem
Ou de como atingir uma imagembutô
hambre
novembro 2014
Dançar a imagem
Ou de como atingir uma imagembutô.1
por Sebastian Wiedemann
O que pode um corpo?
Ou para alguém que vem de uma cultura
audiovisual, o que pode um olho? Questão que no
melhor dos casos, pode ser dita em termos de “o
que podem um par de olhos e ouvidos na sua
relação?” Sem mais, esta é a pergunta pela
potência de agir e afetar do cinema e que com
frequência encontra uma resposta triste em nossa
contemporaneidade.
1.
Quem não consegue desfazer e se desfazer da
organização de seu corpo, não consegue perceber
por fora da gaiola que a cultura e a lógica do
mercado nos impõe. Godard bem nos lembra: a
cultura é a regra e a arte, a exceção2. Cinema
como procura de um falso movimento, como
lugar onde a cultura se diz recalque e hábito
perceptivo que nos fixa. Ou cinema como
cinematógrafo3, que se diz exceção por estar
sempre em aberto e disposto ao encontro com o
fora, com o ar que sim corre e atinge outras
velocidades, diferente daquele que asfixia e detém
no interior da gaiola. Nesse ponto onde se procura
o ar que corre, pareceria que dança e
cinematógrafo se encontram e ressoam como
faces de um mesmo movimento, de um mesmo
movimento total. Nos seus extremos mais
radicais, onde ambos meios se dizem por
singularidades, esta vizinhança e contágio podem
ser dita HijikataBrakhage, Butô – Handmade
Cinema.
2.
Dar conta deste “andar” Butô – cinematógrafo
demandará que nos detenhamos por um momento
na anedota pessoal, pois é só neste lugar que o fio
que transita entre eles se segura e consegue
atualizar a pergunta que aqui nos convoca e que
na sua vertigem poderá justamente abandonar e
até apagar a anedota primeira. Fio, sempre incerto
e secreto, que desenha a linha de fuga, que desfaz
os nós que atrofiam a percepção.
A nossa anedota, como primeira intuição, se diz
assim:
Um passo em falso, um falso movimento:
acreditar que a dança adiante da câmara, que o
corpo dançante do bailarino, faria o trabalho que
o cinema por seus próprios meios tem que
atingir4.
Como todo bom encontro, não é procurado ou
esperado, simplesmente acontece. Ikiru, solo de
Tadashi Endo, cuja tradução em português é
“vida”, veio me dizer que a dança não deve ser
filmada, mas sim experimentada e sobre tudo
vivenciada. Então senti: Nós ainda não vimos
nada! E hoje posso acrescentar: Nós ainda não
vimos nada, pois o corpo não é um dado imediato,
mas sim um processo a ser desdobrado
infinitamente. Nós ainda não vimos nada, pois
ver/perceber é sentir a vertigem do impensado.
Dar um primeiro passo: apre(e)nder Butô, sentir
nos ossos o que é desfazer um corpo, o que é
aquilo que Artaud chamara de Corpo sem Órgãos
e que depois Deleuze desenvolvera intensamente
no plano conceitual. Apre(e)nderse e saberse
forma a deformação sem a priori. Nesse ponto e
depois de ter atravessado a experiência de fazer
Butô, posso sentir como próprias as palavras que
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Guattari professou a respeito de Min Tanaka:
diagrams of intensities
at the intersection of all the scenes of the possible
choreography of desire’s throw of the dice
on a continuous line since birth
becoming irreversible of rhythms and refrains of a
haikuevent
I dance not in the place but I dance the place
Min Tanaka
the body weather
(apud GENOSKO, 2002, p. 122)
Soltar as âncoras e devirdança. Não dançar no
lugar, mas dançar o lugar, como nos lembra Min
Tanaka. Não filmar a dança, mas dançar ao filmar,
ao fazer cinema, mesmo sem ela estar presente
pois é nela que se devem.
3.
O que pode um corpo?
Corpo como devirdança, corpo como dançar o
lugar.
Na cultura japonesa esse lugar onde o Butô
habita, é chamado de ma. No ma, como intervalo
de tempoespaço, é que a dança captura forças e
acontece como trânsito. Ali se renasce
constantemente e se é estrangeiro por eleição. Do
ma, desse entre, não se voltará jamais.
Lugar/não lugar, espaçotempo entre um
movimento e o outro, zona de indeterminação
onde as virtualidades e potências do corpo
fulguram5.
Dançar o lugar é estar sempre no limite, correndo
o risco, estando fora do conhecido, isto é, saindo
do conforto de nossa humanidade como lugar
dado.
Deviranimal,
devirpedra,
devir
imperceptível e atingir o cosmos. Ser frágil e
precário, estar no mínimo de equilíbrio, fugindo
sempre de qualquer estabilidade.
Quem dança o lugar é o corpo morto, aquele que
deu morte à consciência que organiza, que tem
autonomia para além dela. Quando o corpo morto
se expressa não é um eu quem fala, mas cada
músculo na sua autonomia e singularidade. Com
ele possíveis se atualizam constantemente e o
corpo como multiplicidade se afirma. Quem
dança é o Corpo sem Órgãos e quem morre são os
organismos, mas não a vida6. Do corpo morto
Akaji Maro nos dirá:
“Primeiro, você precisa matar seu corpo
Para construir um corpo como uma ficção maior.
E você poderá ser livre naquele momento”
(apud GREINER, 1998, p. 22)
O corpo morto, dança esse entre onde o infinito
habita, onde, segundo Shigehisa Kuriyama,“a
respiração pessoal poderia se harmonizar com a
respiração cósmica. Mas [como] o caráter de todo
vento, interior ou exterior, foi o de que ele retém
alguma contingência caótica, [há sempre] a
possibilidade de repentinamente [ele] soprar em
novas e inesperadas direções”. (apud GREINER,
1998, p. 24)
Hijikata dançara o lugar, sentira o ma como seu
Umwelt, como esse aí invisível que contém um
caldo caótico, onde se tem que mergulhar para
trazer um novo corpo. Ele se pergunta “o que
aconteceria se descêssemos no corpo colocando
uma escada até a sua profundeza?” (apud UNO,
2012, p. 56)
Certamente é nesse lugar onde se encontram os
devires, onde se pode dançar às avessas como
gostara de dizer Artaud, onde se está fora dos
eixos, e sobretudo onde o corpo morto dá fim aos
limites, às fixações e às identidades ao se revelar
contra a interioridade satisfeita, contra o
antropocentrismo miserável. A chama Revolta da
Carne de Hijikata7. A revolta contra o organismo,
contra a gaiola que nos asfixia e sufoca8.
Esse corpo morto dança o lugar, pois é ali que ele
pode recomeçar. Corpo morto, como lugar de
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passagem entre o humano e o nãohumano, que
pretende se fundir com a natureza. E não
esqueçamos que “natureza” em japonês significa
“o que existe por si mesmo”. Nós poderíamos
acrescentar, o que existe por si mesmo e sem
sujeito.
O corpo morto é o esquecimento de nós mesmos,
para que uma outra pele possa emergir. O kanji
japonês que designa o termo “animal” na sua
origem quer dizer “inseto”. Dali que os pássaros
sejam “insetos voadores”, as lagartas “insetos
cabeludos”, as tartarugas “insetos de concha” e
“os insetos nus” nós os homens. Mas ao dançar o
lugar, somos insetos no trânsito de suas inúmeras
peles. Deviranimal, mas também devir
germe/verme/lagarta, tudo aquilo anterior à
borboleta, mas que já tem toda sua potência9.
Dançar o lugar, dançar o corpo morto pois não se
tem hierarquias, desapegamonos de nossa pobre
humanidade, “humanos, humanos demais”, e
simplesmente nos preocupamos por um certo
“estado de ser vivo”, por uma fronteira, limiar
entre onde começa a vida e a morte. Degradamo
nos, estamos em estado de decomposição
constante, para que esse outro possa aparecer,
possa a par com nós ser. Como diz Hijikata,“Butô
é um cadáver levantando, desesperadamente, em
busca de um pouco de vida” (apud GREINER,
1998, p. 88)
Dançase o lugar, porque se é cadáver e sendo
cadáver se afirma a vida, essa que passa pelo
humano e continua seu caminho para além de nós
mesmos. É nesse cadáver, que o cosmos pode
habitar, que outras vidas podem ser vividas, que
outros modos de existência podem se afirmar e
novas conexões no pensamento se estabelecer.
Quando se é cadáver, não se tem dono e se é pura
possibilidade, pois a presença da morte é a
garantia da vida. Quando se é cadáver,
esquecemonos de nós mesmos, mas não de
morrer. Isso seria mesmo a morte. As células
cancerígenas são células que esqueceram de
morrer. Por isso Hijikata, se pergunta: “O que é
memória senão a soma de todas aquelas coisas
que foram comidas, apagadas, eliminadas – tudo
o que foi extinto para existir?” (apud GREINER,
1998, p. 76)
“Assim, falase em “estado de ser vivo” para pensar no
Butô porque, como sistema, o ser vivo possui uma lista de
características, de propriedades que, em um determinado
instante exprimem um estado. Não é o estar vivo, a vida em
si mesma, mas um destes estados que é mapeado pelo Butô,
onde é tão complicado distinguir vida e morte. Essa
possibilidade de replicação acontece no ma”
(GREINER, 1998, p. 94)
4.
O que pode um corpo?
Devircriança até devirimperceptível.
Como nos lembra o poeta Manoel de Barros10, a
infância é pura inventividade, é pura reserva de
devires. A infância é feita de moléculas e de
partículas. No final da sua vida Hijikata deixara
de dançar, em termos de performace, mas só para
dançar mais intensamente na escrita. Seu livro
“Yamaru Maihime”, em português “A Dançarina
doente”, é descrito por Kuniichi Uno como um
livro dos devires, como “uma pesquisa de todos
os átomos, de todos os fluxos que atravessaram o
corpo de uma criança, tudo que pertence a uma
terra sem nome, sem fronteira” (UNO, 2012, p.
48)
No devircriança, estáse numa explosão
constante, ése uno com o mundo. Kuniichi Uno
acrescentará:
“a criança não faz nada além de descrever ou inscrever a
velocidade e a flutuação de tudo que se passa em seu corpo
sem forma (…) tudo faz parte desse pequeno corpo
estendido e disperso na imensidão, para o qual tudo está na
mesma distância, próximo. A criança voa no céu, rasteja na
terra, corre entre os vivos e os mortos. (…)[Ela] mal vê seu
movimento, ela dança com aquilo que vê e vê fazendo
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dançar o seu olhar. Quer dizer: a contemplação e o
movimento andam juntos.”
(UNO, 2012, p. 49)
um quarto, infinitos nascimentos. A guerra contra
os órgãos de Artaud.
Nesse sentido, dançar, viver ao dançar, viver num
devircriança é reduzir o corpo a sua pura
existência. Já não importa o que fazemos, mas o
que nós deixamos fazer; então se pode dizer que é
o mundo que se lança no corpo, pois nós nos
lançamos entre o que somos e o que seremos.
Nesse entre, é sempre um devirdesconhecido e
imperceptível o que acontece.
Devircriança, devirimperceptível, para entender
que:
Devircriança é não ter medo do desconhecido.
Tudo é descoberta. E estar em estado de catástrofe
é o que se procura. Sem temor à queda, o corpo
coloca em catástrofe o tempo ao construir novas
temporalidades. Corpo que se descobre na
imensidão do tempo que o atravessa, que o
preenche. Tempo aberto, tempo das moléculas,
onde o corpo encontra sua gênese e todas suas
metamorfoses
emergem
do
plano
das
intensidades. Artaud dirá: “Dilatar o corpo de
minha noite interna”
Corpo como puro fluxo, composto por partículas
infinitas que variam sem cessar. Corpo aberto às
virtualidades, disposto ao encontro com a
vertigem do caos, do caosgerme. Ali,
“O corpo é esse entrecruzamento do visível e do invisível,
do dentro e do fora, do que se toca e do que é tocado. Ele
não é uma coisa, nem uma ideia, mas o que faz existir uma
coisa e uma ideia para nós. O corpo é essa espiral, essa
circulação, esse enlaçamento, a dobra de meu interior e de
meu exterior, entre o mundo e eu, a visibilidade e a
opacidade.11”
(UNO, 2012, p. 54)
“No fundo, a vida e o corpo nada mais são que a mesma
coisa, mas, para que sejam verdadeiramente o mesmo e o
corpo seja digno da vida, será preciso descobrilo em sua
própria força de gênese, em seu próprio tempo. O corpo é
esse lugar único existencial (e até mesmo político) sobre o
qual se sobrecarregam, se recolhem e se curvam todas as
determinações da vida. É um campo de batalha onde se
entrecruzam as forças visíveis, invisíveis, a vida e a morte,
onde se encadeiam as redes, os poderes e todas as
“bobagens” sociais.”
(UNO, 2012, p. 61)
5.
HijikataBrakhage.
Butô – Handmade Cinema.
Se no começo estas duas singularidades pareciam
distantes, agora compartilham a superfície de uma
profundeza comum. A preocupação e pesquisa de
Hijikata transborda a própria dança, entanto
performance, pois sua preocupação maior sempre
foi como fazer dançar o pensamento.
O que importa não é a imagem, mas o que
acontece entre as imagens, o que se passa entre os
movimentos e não no movimento por si mesmo, a
duração, as virtualidades que se escoam entre
eles. O tempo da catástrofe, o tempo da criança
que renasce sem medida, o tempo onde um novo
olho pode brotar.
Ao respeito Brakhage dirá:
Certa ocasião Hijikata perguntou a Min Tanaka:
“O fato de nascer já é uma improvisação, porque
então você improvisa a dança?” A provocação de
Hijikata, só vem reafirmar a necessidade de um
devircriança. Pois é na infância, onde o ma,
consegue dar lugar ao desejo singular por refazer
o nascimento, por ter um segundo, um terceiro,
“Imagine an eye unruled by manmade laws of perspective,
an eye unprejudiced by compositional logic, an eye which
does not respond to the name of everything but which must
know each object encountered in life through an adventure
of perception. How many colors are there in a field of grass
to the crawling baby unaware of ‘Green’? How many
rainbows can light create for the untutored eye? How aware
of variations in heat waves can that eye be? Imagine a world
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alive with incomprehensible objects and shimmering with
an endless variety of movement and innumerable gradations
of color. Imagine a world before the ‘beginning was the
word’”
(BRAKHAGE, 2001, p. 12)
Se “o ato de dançar pode tãosó exibir ou tornar
visível a temporalidade inorgânica imprevisível
Corpo sem Órgãos, revolta contra o organismo,
amor ao corpo” (LINS, 2007, p. 90) isto toma
uma forma muito singular no cinema de
Brakhage. A revolta está dada pela mão, pois será
a mão a que se imponha sobre o olho. Será só
cedendo sua primazia para a mão, que o olho, que
a percepção conseguirá atingir sua maior
potência12. Sentidos desorganizados, sentidos
disjuntivos, sentidos liberados. É ao dançar que as
imagens emergem. Dançar da percepção, olho
dançante, pois se deixa dançar pela mão.
O cinema atinge um devirmanual e com ele
aprende a dançar. Para sair da gaiola, para se
tornar cadáver, abandona sua relação com a
câmara, em favor de uma aliança com a mão. A
mão pinta diretamente nos fotogramas, handmade
cinema, e com ela se descobre a profundidade da
superfície no dentro/fora da dança , que faz
emergir as imagens na matéria fílmica.
“Correr sem sair do lugar, [sem sair do fotograma,
mas entrando mais nele ao pintar] e sem afugentar
os devires, parece ser o sustento do nomadismo
bailarino do Butô” (LINS, 2007, p. 91) ou de um
cinema que dança Butô.
pois é puro deslimite, que verte constantemente o
movimento da vida nela mesma para fazêla mais
potente. Do mesmo modo, não sabemos quando
começa ou termina realmente um filme de
Brakhage. Essa seria talvez a virtude de uma
imagembutô, a de ser imanente.
__________________
Referências:
BARROS, M. DE. Memórias inventadas: as infâncias de
Manoel de Barros. São Paulo: Planeta, 2010.
BRAKHAGE, S. Essential Brakhage: Selected Writings on
Filmmaking. New York: Documentext/McPherson, 2001.
BRESSON, R. Notas sobre o cinematografo. São Paulo:
Iluminuras, 2005.
CARROLL, L. Alice no País das Maravilhas. São Paulo:
CosacNaify, 2009.
DELEUZE, G. Francis Bacon – Logica da sensação. Rio de
Janeiro: Jorge Zahar, 2007a.
DELEUZE, G. Pintura. El concepto de diagrama. Buenos
Aires: Cactus, 2007b.
GENOSKO, G. Felix Guattari: An Aberrant Introduction.
London: Continuum, 2002.
GIL, J. Movimento Total. São Paulo: Iluminuras, 2005.
GODARD, J.L. Je vous salue, Sarajevo. . [S.l: s.n.]. , 1993
GREINER, C. Butô: pensamento em evolução. São Paulo:
Escrituras, 1998.
LEPECKI, A. Agotar la danza. Performance y política del
movimiento. Alcalá de Henares: Universidad de Alcalá,
2009.
LINS, D. Para uma cartografia insubordina da dança. In:
LINS, D. (Org.). Nietzsche Deleuze Imagem Literatura
Educação. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2007. p.
86–106.
UNO, K. A gênese de um corpo desconhecido. São Paulo:
n1 edições, 2012.
Notas:
1O
Antes que filmar o dançante, o cinema tem que
dançar no seu pensamento, nos seus próprios
meios. Dançar a imagem sem sair dela,
mergulhando na profundeza de sua superfície.
Devirdança do cinema, imagembutô. Pois,
mesmo sem conhecer a Hijikata, Brakhage desde
sempre habitou no mesmo ma que ele.
Não sabemos quando a dança começa ou termina,
presente texto se inscreve na lógica de uma escrita
experimental e rizomática, esboço, blocoescrita que como
engrenagem maquínica almeja potenciar e afirmar a
expressão como ato de criação num movimento maior, o da
proliferação de agenciamentos no trânsito e passagem do
experimento em pensamentocinema Waves Project.
2(GODARD,
1993)
3(BRESSON,
2005) Apropriamonos aqui da noção de
cinematógrafo de Bresson, para nos diferenciar de um
cinema que se define como produto cultural. Advogamos
cinema como cinematógrafo, cinema como ato de
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resistência ante qualquer vontade de finitude.
4Aspirarase
a fazer um caminho em consonância com o
feito por cineastas como Maya Deren e seu encontro com a
dança. Mas é de admitir que enquanto na dama do cinema
experimental foi de grande potência, nesta anedota só foi
uma miragem.
5(GREINER,
1998) No seu livro Butô: pensamento em
evolução, Greiner fará um estudo minucioso da dança
japonesa, dedicando o segundo capítulo do seu trabalha à
complexa noção de ma.
6(DELEUZE,
2007a, p. 51) Sendo um conceito vasto na
obra de Deleuze, do Corpo sem Órgãos, o filósofo nos dirá:
“Para além do organismo, mas também como limite do
corpo vivido, existe aquilo que Artaud descobriu e nomeou:
corpo sem órgãos. “O corpo é o corpo, ele é sozinho e não
precisa de órgãos. O corpo nunca é um organismo. Os
organismos são os inimigos dos corpos”. O corpo sem
órgãos se opõe menos aos órgãos que a esta organização dos
órgãos a que chamamos organismo. É um corpo intenso,
intensivo. Percorrido de uma onda que traça no corpo os
níveis ou os limites segundo as variações de sua amplitude.
O corpo não tem, portanto, órgãos, mas limites ou níveis.”
7“Nikutai no Hanran” em português “A revolta da Carne”,
espetáculo de Hijikata 1968.
8Hijikata acrescentará, dizendo ao respeito: “Todas as forças
morais civilizadas, em colaboração com o sistema de
economia capitalista e aquele da política, excluem
firmemente a carne como objeto, meio ou instrumento de
alegria. Sem dizer que o uso da carne sem objeto, que eu
chamo de dança, será o inimigo mais execrável e um tabu
para a sociedade produtiva. Isso porque minha dança é uma
operação para exibir a esterilidade absoluta contra a
sociedade produtiva” (apud UNO, 2012, p. 44) Neste ponto
há uma proximidade com o pensamento proposto por
Lipecki, quando este se preocupando por uma ontologia
política da coreografia, analisa a obra de Jerôme Bel, vendo
nos caminhos da paragem/lentidão e de uma crítica à
representação e à instituiçãodança um ato de resistência,
que viria descolonizar o corpo, assim como gerar linhas de
fuga para novos modos de subjetivação. Cf.(LEPECKI,
2009) No entanto olhamos com ceticismo, estas tendências
da chamada dança contemporânea, já que sentimos que só
revelam o nosso estado de confinamento dentro da gaiola,
mas não mundos possíveis por fora desta. Provavelmente
esta, uma diferença substancial entre as danças
contemporâneas ocidentais e o Butô, que também poderia
estar dada pela ausência de ma, o seu equivalente na
maioria dos pensamentos ocidentais.
9(CARROLL,
no País das Maravilhas” de Lewis Carrol, quem ao
perguntar a Alice, quem ela é, na verdade pergunta pela
potência de seu ser.
10(BARROS,
2010)
11José
Gil chamara este corpo de corpo paradoxal. Corpo
como investimento intensivo, como espaço fractal, como
fita de Moebius. Corpo que secreta espaço, que dobra e
desdobra, que é desejante e sem falta. Cf. (GIL, 2005) O
ponto de contato, entre o filosofo português e o japonês,
reafirmase nesta passagem: “ O dançarino escava, sonda o
espaço e aí encontra os limites entre os elementos do
espaço. Ele também traça limites desconhecidos e não cessa
de transpôlos. Os limites se encontram tanto entre o corpo
e o espaço como no interior do espaço e no interior do
corpo. Não há dança sem transposição destes limites, sem
deslocamento de todos esses limites, atravessando todos os
elementos heterogêneos. E essa dança, às vezes, inaugura
limites ou demarcações de uma maneira quase
imperceptível, mas, pouco a pouco, singularmente sensível.
Nós vemos aí limites múltiplos entre o perceptível e o
imperceptível. Nós descobrimos, no interior de nosso corpo,
o dançarino que trabalha nosso corpo. O espaço se enrola
em torno do corpo do dançarino. A dança realiza ao mesmo
tempo a ligação e a disjunção dos elementos de tudo que se
enrola em torno do corpo e no corpo, envelopandoos e
desenvelopandoos, dobrando e desdobrando. E isso que se
enrola através do espaço e do corpo é, mais e mais, o tempo
e a memória, memória dos corpos, dos rostos, das caretas,
das posturas que perambulam, que parecem cada vez mais
ligadas à vida na qual se enredam com as camadas do tempo
passado e distante. Eu falo da dança de Tanaka Min, de sua
arte singular que é a dança e, no entanto, não se parece com
nenhuma dança, que é a dança das moléculas e das sombras
imperceptíveis da vida. Sondar e descobrir os limites do
espaço, redescobrir e reconstruir a densidade e a
heterogeneidade do espaço, atravessando esses limites
sempre delicadamente. ” (UNO, 2012, p. 63)
12(DELEUZE,
2007b) Neste volume, Deleuze desenvolvera
minuciosamente as condições para que uma máquina
pictórica possa acontecer, e onde o devirmanual, entanto
inversão da relação mãoolho é fundamental.
2009) Lembremos a Lagarta azul, de “Alice
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