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DOI: 10.5433/1980-511X.2018v13n2p195 195 MARLI MARLENE MORAES DA COSTA E PAULA VANESSA FERNANDES Autismo, cidadania e políticas públicas: as contradições entre a igualdade formal e a igualdade material Autism, citizenship and public policies: the contradictions between formal equality and material equality * Doutora em Direito pela Universidade Federal de Santa Catarina - UFSC, com pós-doutoramento em Direito pela Universidade de Burgos - Espanha, com bolsa CAPES. Professora da Graduação e da Pós-Graduação Lato Sensu em Direito da Universidade de Santa Cruz do Sul - UNISC. Professora e Coordenadora do Programa de Pós-Graduação em Direito - Mestrado e Doutorado da UNISC. Coordenadora do Grupo de Estudos Direito, Cidadania e Políticas Públicas do PPGD da UNISC. Especialista em Direito Privado. Psicóloga com Especialização em Terapia Familiar. Membro do Conselho Consultivo da Rede de Pesquisa em Direitos Humanos e Políticas Públicas. Membro do Núcleo de Pesquisas Migrações Internacionais e Pesquisa na Região Sul do Brasil - MIPESUL. Membro do Conselho Editorial de inúmeras revistas qualificadas no Brasil e no exterior. Autora de livros e artigos em revistas especializadas. ORCID: http://orcid. org/0000-0003-3841-2206. E-mail: marlimmdacosta@ gmail.com Marli Marlene Moraes da Costa* Paula Vanessa Fernandes** Como citar: COSTA, Marli Marlene Moraes da; FERNANDES, Paulo Vanessa. Autismo, cidadania e políticas públicas: as contradições entre a igualdade formal e a igualdade material. Revista do Direito Público, Londrina, v. 13, n. 2, p.195-229, ago. 2018. DOI: 10.5433/24157-108104-1.2018v13n2p195. ISSN: 1980-511X. Resumo: No Estado do Rio Grande do Sul existem aproximadamente 70.045 mil pessoas com transtorno do espectro autista, muitas das quais dependem da implementação de Políticas públicas que permitam alcançar o pleno e efetivo exercício da cidadania. Dessa forma, o presente trabalho tem por objetivo investigar quais são as Políticas públicas destinadas a esse segmento populacional e as implicações que envolvem o Estado na sua implementação. Para tanto, pesquisou-se as Políticas públicas relacionadas às pessoas com o referido transtorno, bem como será demonstrado o descompasso existente entre o que a lei prevê e o que o Estado implementa. Revista do Direito Público, Londrina, v.13, n.2, p.195-229, ago.2018| DOI: 10.5433/1980-511X.2018v13n2p195 196 AUTISMO, CIDADANIA E POLÍTICAS PÚBLICAS: AS CONTRADIÇÕES ENTRE A IGUALDADE FORMAL E A IGUALDADE MATERIAL O método utilizado é o dedutivo, através do tipo de pesquisa qualitativo descritivo e a técnica utilizada, foi a documental-legal e bibliográfica. Palavras-chave: Autismo. Cidadania. Igualdade. Poder Público. Políticas Públicas. Abstract: In the Brazilian State of Rio Grande do Sul there are approximately 70,045 people with autism spectrum disorder, many of whom depend on the implementation of public policies allowing them to achieve full and effective use of their Brazilian citizenship status. Therefore, this paper investigates Public Policies aimed at this specific group of people and its implications in order to better understand their consequences. In this regard, public policies that attend to people with autism spectrum disorder were investigated, as well as the mismatch between what the law foresees and what the State implements. Finally, this paper used the deductive method, with descriptive qualitative research and literature review, from documentary-legal and bibliographic work. ** Mestre em Direito pela Universidade Regional Integrada do Alto do Uruguai e das Missões - Campus Santo Ângelo (URI), na linha de pesquisa Cidadania e Novas Formas de Solução de Conflitos. Pós-Graduada em Direito Processual Civil e Temas Relevantes de Direito Civil pela Fundação Educacional Machado de Assis (FEMA). Graduada em direito pelo Instituto Cenecista de Ensino Superior Santo Ângelo, 2010 (IESA). Advogada, OAB/ RS 85.105. Membro do Grupo de Pesquisa: Direitos de Minorias, Movimentos Sociais e Políticas Públicas, registrado no CNPQ. E-mail: paulah.adv@gmail. com Keywords: Autism. Citizenship. Equality. State authority. Public policy. Revista do Direito Público, Londrina, v.13, n.2, p.195-229, ago.2018| DOI: 10.5433/1980-511X.2018v13n2p195 197 MARLI MARLENE MORAES DA COSTA E PAULA VANESSA FERNANDES INTRODUÇÃO A história das pessoas com deficiência, construída ao longo dos séculos, demonstra que todos aqueles que não se encaixavam nos modelos de “normalidade” estabelecidos pelas sociedades de cada época eram submetidos aos atos mais perversos e cruéis, sofrendo o estigma da discriminação e da exclusão. Percebe-se que, mesmo nos dias atuais, essas pessoas ainda sofrem, embora de forma mais atenuada, a exclusão e a discriminação decorrentes do descaso do Poder Público e da falta de comprometimento de diversos âmbitos da sociedade. Fato é que foi um longo e acidentado caminho para se chegar aos direitos conquistados, e por mais que a deficiência - especificamente o autismo - esteja intrinsecamente relacionada ao desenvolvimento da história, os debates envolvendo a sua proteção e inclusão são recentes, e ainda mais hodiernas são as discussões envolvendo a implementação de Políticas públicas que permitam o efetivo exercício da cidadania. Um tema de elevada importância para as pessoas com transtorno do espectro autista e para os familiares é a implementação das Políticas públicas. Sabe-se que o autismo é uma realidade vivida diariamente por toda a família e não somente pela pessoa que possui o transtorno, desta forma, causa um grande impacto sobre todos os envolvidos abalando o emocional, o social e o econômico. Com isso, são poucas as famílias que possuem condições financeiras de arcar com os custos que envolvem um tratamento multidisciplinar contínuo e frequente. Para atender todas as necessidades que o autismo implica, as famílias dependerão da existência de Políticas públicas efetivas e eficientes, as quais servirão de importantes ferramentas para a realização do exercício da cidadania. Ocorre que, embora o Brasil seja reconhecido como referência Revista do Direito Público, Londrina, v.13, n.2, p.195-229, ago.2018| DOI: 10.5433/1980-511X.2018v13n2p195 198 AUTISMO, CIDADANIA E POLÍTICAS PÚBLICAS: AS CONTRADIÇÕES ENTRE A IGUALDADE FORMAL E A IGUALDADE MATERIAL em direitos de proteção e inclusão das pessoas com deficiência, tendo avançado significativamente nos últimos anos, o Poder Público demonstra-se incapaz de implementar suficientemente as Políticas públicas necessárias para atender o mínimo indispensável que as pessoas com autismo precisam para ter uma vida digna. Com isso, muitas vezes elas não são efetivadas ou são prestadas de forma precária. Nesse escopo, o Poder Judiciário, frequentemente, tem sido provocado com ações judiciais postulando a disponibilização de vagas em escolas, contratação de profissionais capacitados, fornecimento de medicamentos, acesso a um tratamento multidisciplinar, dentre outros serviços essenciais. É nesse panorama que se constitui a problemática do trabalho, qual seja, as restrições dos direitos fundamentais relacionados aos autistas pelo Poder Público. Assim, diante da compreensão de que atualmente existe certa discrepância entre o contexto social e os direitos formalmente previstos, far-se-á uma análise conjunta da problemática questão da implementação de políticas públicas por parte do Estado, onde serão respondidas as seguintes indagações: Por qual razão o Estado não consegue efetivar essa previsão de direitos fundamentais no plano material? O problema está centrado nas questões culturais, financeiras, políticas e/ou sociais que influenciam o modo de agir do Estado? Diante desse contexto de omissão e negligência do Poder Público, a fim de atender um contingente populacional que no Brasil é de aproximadamente 1 milhão de pessoas, sendo que só no Estado do Rio Grande do Sul estima-se que sejam em torno de 70.045 mil pessoas, o presente trabalho tem por objetivo investigar quais são as Políticas públicas relacionadas às pessoas com autismo e as implicações que envolvem o Estado na sua implementação (SILVA, 2012, p. 44). Revista do Direito Público, Londrina, v.13, n.2, p.195-229, ago.2018| DOI: 10.5433/1980-511X.2018v13n2p195 199 MARLI MARLENE MORAES DA COSTA E PAULA VANESSA FERNANDES Ao encontro do acima exposto, para que o tema seja abordado com mais propriedade, o presente artigo será dividido em três momentos. A primeira parte tratará sobre o direito de exercer a cidadania em um Estado Democrático de Direito. A segunda irá analisar as políticas públicas voltadas ao desenvolvimento, tratamento e inclusão das pessoas com autismo, e por fim, tece algumas considerações sobre o descompasso existente entre essas Políticas garantidas pela lei e a postura do Poder Público no momento de sua efetivação. 1 AUTISMO E O DIREITO A EXERCER A CIDADANIA À CF/88 coube o papel de se comprometer perante a sociedade a construir um ambiente focado nos pressupostos da igualdade de direitos e da dignidade humana. Em atenção às consecuções desses objetivos, se justifica o amplo rol de direitos e garantias repetidas ao longo do texto constitucional. Neste quadro, observa-se que o direito a igualdade aparece em vários momentos, no artigo 5º quando determina tratamento isonômico a todos os indivíduos; no artigo 150, inciso III, que dispõe sobre a igualdade tributária; no artigo 5º, inciso VIII, que versa sobre a igualdade jurisdicional; no artigo 7º, inciso XXXI, que prevê a proibição de qualquer forma de discriminação em relação a salários e a contratação do trabalhador com deficiência ou ainda do artigo 14, que disciplina a igualdade política (BRASIL, 1988). No entanto, compreende-se que do direito à igualdade há uma concepção formal que se reduz à garantia da igualdade de todos perante a lei; uma concepção material, que corresponde à concretização da ideia de justiça social e distributiva; e por fim, uma igualdade material que condiz com as Políticas de reconhecimento de identidades. Logo, enquanto que Revista do Direito Público, Londrina, v.13, n.2, p.195-229, ago.2018| DOI: 10.5433/1980-511X.2018v13n2p195 200 AUTISMO, CIDADANIA E POLÍTICAS PÚBLICAS: AS CONTRADIÇÕES ENTRE A IGUALDADE FORMAL E A IGUALDADE MATERIAL o conceito formal de igualdade é tido “[...] como um dado e um ponto de partida abstrato, para a concepção material de igualdade, esta é tomada como um resultado ao qual se pretende chegar, tendo como ponto de partida a visibilidade às diferenças” (PIOVESAN, 2014, p. 10-110). Dessa forma, alcançar de fato todas as garantias que circundam o direito à igualdade corresponde a uma obrigação jurídica do Estado em formular Políticas públicas que não se limitem em meramente assegurar a sobrevivência física ao indivíduo, mas sim em promover condições materiais que garantam uma vida digna. Isso significa que a proteção do mínimo existencial se coaduna no Estado Democrático com a implementação de Políticas públicas que tornem viável a inclusão das pessoas com autismo no mercado de trabalho, permitindo o acesso à educação, a eliminação de barreiras arquitetônicas e sociais, o acesso à saúde pública e privada com a disponibilização de tratamento adequado e de medicamentos. Disso se infere que há um conteúdo essencial de cada direito fundamental que deve ser garantido e protegido, isso consiste em “[...] um mínimo intangível desse direito (Grundrechtsminimum), ao seu núcleo (Grundrechtskern) ou, ainda, ao coração do direito fundamental (Herz eines Grundrechts)” (DUQUE, 2014, p. 229-235). Assim, a observação desse conteúdo essencial objetiva obstar que o núcleo dos direitos fundamentais seja desprovido de eficácia e efetividade. Com isso se afirma que a própria CF/88, ao determinar a inviolabilidade da dignidade humana e a proteção dos direitos fundamentais, evidencia a preocupação em impedir que eles sofram uma total restrição que desse modo impeça o exercício pelos seus titulares. A dupla direção protetiva da cláusula da Revista do Direito Público, Londrina, v.13, n.2, p.195-229, ago.2018| DOI: 10.5433/1980-511X.2018v13n2p195 201 MARLI MARLENE MORAES DA COSTA E PAULA VANESSA FERNANDES dignidade humana significa: ela é um direito público subjetivo, direito fundamental do indivíduo contra o Estado (e contra a sociedade) e ela é, ao mesmo tempo, um encargo constitucional endereçado ao Estado, no sentido de um dever de proteger o indivíduo em sua dignidade humana em face da sociedade (ou de seus grupos). O Estado deve criar as condições para levar isso a cabo, de tal sorte que a dignidade humana não seja violada por terceiros (integrantes da sociedade). Esse dever constitucional pode ser cumprido classicamente, portanto jurídicodefensivamente, mas também pode ser desempenhado jurídico-prestacionalmente; ele pode ser realizado por caminhos jurídico-materiais e por vias processuais (no sentido de um status activus processualis), bem como por meios ideais e materiais (HÄBERLE, 2005, p. 89). Nessa perspectiva, Sarlet menciona que a proteção plena e efetiva da dignidade humana impõe ao Estado prestações materiais que vão desde a sua preservação até a sua promoção, o que implica na criação de instrumentos que permitam o pleno exercício da cidadania por todos, desse modo, o Estado representa para muitos autistas o meio de concretização de seus direitos fundamentais. Conforme o mesmo autor, a dignidade faz parte da essência do indivíduo, decorrente da condição humana, o que faz com que seja assegurado um conjunto de direitos e deveres que venham garantir condições mínimas para uma vida digna (SARLET, 2006, p. 47). Dessa forma, o Poder Público foi provocado a se comprometer em incluir na agenda política esse novo grupo de sujeitos de direitos e a implementar políticas públicas que possibilitassem condições efetivas de acesso à cidadania aos deficientes. Além disso, consta explicitamente a opção pelo Estado Social na própria CF/88, e esta, desejando a concretização dos direitos fundamentais relacionados aos Revista do Direito Público, Londrina, v.13, n.2, p.195-229, ago.2018| DOI: 10.5433/1980-511X.2018v13n2p195 202 AUTISMO, CIDADANIA E POLÍTICAS PÚBLICAS: AS CONTRADIÇÕES ENTRE A IGUALDADE FORMAL E A IGUALDADE MATERIAL autistas, determina a consecução dos seus fins. É sabido que a dignidade humana, ao ser incorporada na Constituição como um valor fundamental, postula, para a sua concretização, não apenas a observação aos direitos individuais “[...] como também a realização dos direitos sociais, o que desautoriza qualquer tentativa de esvaziamento dessa última categoria. Tal esvaziamento obstaria, também, a concretização dos objetivos de justiça social explicitamente enunciados no artigo 3º [...]” (DUARTE, 2006. p. 131-132). O Estado de bem-estar-social trouxe à tona a necessidade de o Poder Executivo proporcionar condições de uma vida digna, especialmente para aqueles indivíduos que até então eram invisíveis para a sociedade e para o Poder Público, como é o caso, por exemplo, dos autistas, os quais não possuíam nenhuma legislação protetiva que lhes garantissem uma igualdade formal de direitos em relação às demais pessoas e muito menos uma atenção voltada à institucionalização de Políticas públicas que lhes dessem acesso aos direitos de educação e saúde. Assim, os direitos humanos reconstruíram a dignidade de grupos discriminados ao implementarem condições para o exercício da cidadania, estabelecendo o respeito às diferenças e o reconhecimento de uma sociedade multicultural. A dignidade humana é um princípio fundamental que corresponde ao respeito pelo próximo pelo simples fato de sua existência. Por essa razão que a “[...] proteção da dignidade humana traduz um fim supremo de todo o direito, de modo que a sua afirmação como fundamento do Estado lhe conduz ao cume do ordenamento jurídico, como conceito-chave (Schüsselbegriff) na relação entre a pessoa e o Estado” (DUQUE, 2014, p. 237-238). No que concerne à cidadania, compreende-se por pertencer a um espaço, a uma comunidade, a um Estado, que garanta ao indivíduo uma Revista do Direito Público, Londrina, v.13, n.2, p.195-229, ago.2018| DOI: 10.5433/1980-511X.2018v13n2p195 203 MARLI MARLENE MORAES DA COSTA E PAULA VANESSA FERNANDES série de direitos e deveres, permitindo se integrar e participar da vida social e Política do contexto em que estiver inserido. Ressalta-se que a cidadania tem o poder de atravessar fronteiras, uma vez que ela não se restringe apenas ao Estado Nacional, abrangendo também o espaço internacional. Como bem pondera Franco: Hoy, la nueva doctrina es pretender uma participación directa de la ciudadania, basicamente en determinados asuntos que son socialmente importantes, no obstante la misma resulta incipiente. Es un intento válido, para lograr algún día uma forma más sistematizada, más real, más cierta, a fin de lograr que el Gobierno sea para el pueblo y por el pueblo, porque los intereses del participante siempre son coincidentes del Estado para lograr uma sociedad igualitaria y solidaria, bajo los principios del respeto al derecho o sea a la justicia (FRANCO, 2005, p. 331). Como observa Bertaso, o exercício da cidadania de forma igualitária em sociedades multiculturais, pressupõe que as diferenças sejam respeitadas, por força disso a ausência de um reconhecimento político ou social de cada grupo vulnerável “[...] com as suas diferenças e características singulares, implica violação dos direitos humanos, pelas repercussões negativas que provoca na vida das pessoas, reproduzindo uma espécie de reconhecimento negativo que (des) classifica e segrega” (BERTASO; LUNARDI, 2012, p. 167). Para corroborar tal pensamento, cite-se Warat “[...] la ciudadania en todos los tiempos siempre fue uma clase VIP” (WARAT, 2001, p. 09). Por essa razão, a dignidade humana é o fundamento do Estado Democrático de Direito, reconhecida como valor absoluto. Tal princípio transmite o seu valor axiológico, não apenas à Constituição, mas a Revista do Direito Público, Londrina, v.13, n.2, p.195-229, ago.2018| DOI: 10.5433/1980-511X.2018v13n2p195 204 AUTISMO, CIDADANIA E POLÍTICAS PÚBLICAS: AS CONTRADIÇÕES ENTRE A IGUALDADE FORMAL E A IGUALDADE MATERIAL todos os diplomas infraconstitucionais, localizando-se, no centro de todo o ordenamento jurídico, ela passa a ser reconhecida na doutrina como um princípio norteador da ordem de valores do sistema jurídico e constitucional; princípio constitutivo do ordenamento legal, princípio supremo da ordem jurídica e social, por fim, como norma fundamental do Estado do direito, deve ser reconhecida e protegida pela atividade estatal (DUQUE, 2014, p. 239-240). A dignidade da pessoa humana requer uma densificação axiológica, levando-se em conta amplitude do seu sentido no contexto normativo-constitucional, pois é concebida como referência constitucional unificadora de todos os direitos fundamentais e não uma qualquer ideia apriorística do homem, não podendo reduzir-se o sentido da dignidade da pessoa humana à defesa dos direitos pessoas tradicionais, esquecendo-a nos casos de direitos sociais ou invocá-la para construir a teoria do núcleo da personalidade individual, ignorando-a quando se trate de direitos econômicos, sociais e culturais (KANT, 1999). Não se pode falar, portanto, em dignidade, se não houver respeito pela vida humana, se não for observado o bem-estar físico e moral, se as condições mínimas de acesso à saúde e à educação para um desenvolvimento digno do indivíduo não forem asseguradas; se a liberdade e a igualdade forem desrespeitadas e os direitos fundamentais forem violados. Nesses espaços os indivíduos não são reconhecidos como sujeitos de direitos, sofrendo na pele todas as injustiças e descaso causado pela inobservância da dignidade humana (SARLET, 2006, p. 59). Nesse sentido, observa-se que, para assegurar a dignidade aos deficientes, é essencial garantir um mínimo existencial, ou seja, conferir um conjunto de medidas imprescindíveis que garantam a própria Revista do Direito Público, Londrina, v.13, n.2, p.195-229, ago.2018| DOI: 10.5433/1980-511X.2018v13n2p195 205 MARLI MARLENE MORAES DA COSTA E PAULA VANESSA FERNANDES existência digna. O que impõe trabalhar ao mesmo tempo com a vedação da discriminação e com Políticas públicas de inclusão e proteção. Desse modo, compreende-se que o Estado está obrigado a proteger e promover a dignidade humana, porém, todas as medidas devem ser tomadas dentro das suas possibilidades (DUQUE, 2014, p. 239-240). 2 POLÍTICAS PÚBLICAS COMO MEIO DE POSSIBILITAR O EXERCÍCIO DA CIDADANIA PELOS AUTISTAS Para melhor compreensão do que se busca analisar aqui, é necessário, inicialmente, trazer o conceito de Política, bem como abordar uma das espécies da Política, as públicas. Pois bem, Dworkin ensina que a Política designa uma espécie de modelo de conduta que estabelece uma meta a alcançar “[...] geralmente uma melhoria em alguma característica econômica, política ou social da comunidade, ainda que certas metas sejam negativas, pelo fato de implicarem que determinada característica deve ser protegida contra uma mudança hostil” (DWORKIN, 2007 p. 22). Já a Política pública traz em si a ideia de programa governamental corolário de um conjunto de ações juridicamente e politicamente elaboradas, ações eleitorais; ações de planejamentos; ações de governo; ações orçamentárias, ações legislativas, administrativas e judiciais, com o desígnio de sistematizar os instrumentos à disposição do Estado e as atividades privadas, para a concretização dos fins sociais essenciais e politicamente determinados (BUCCI, 2006, p. 39). Portanto, Políticas públicas, de modo geral, representam um conjunto de ações governamentais destinadas a concretizar os fins essenciais estabelecidos pela Constituição, e as Políticas públicas de inclusão, de modo especial, possuem a finalidade de “[...] assegurar o Revista do Direito Público, Londrina, v.13, n.2, p.195-229, ago.2018| DOI: 10.5433/1980-511X.2018v13n2p195 206 AUTISMO, CIDADANIA E POLÍTICAS PÚBLICAS: AS CONTRADIÇÕES ENTRE A IGUALDADE FORMAL E A IGUALDADE MATERIAL acesso efetivo de segmentos pouco representados da população aos bens sociais fundamentais, com que se reduz o impacto de um modelo puro de democracia representativa” (APPIO, 2007, p. 115.). De acordo com Barcellos, o conceito de Políticas públicas é bastante amplo, ao passo que além de ser relativo às atividades executadas diretamente pelo Estado, concerne também com ações normativas, reguladoras e de fomento. É nesse cenário formado por um sistema normativo satisfatório, “[...] uma regulação eficiente, uma Política de fomento bem estruturada e ações concretas do Poder Público poderá conduzir os esforços públicos e as iniciativas privadas para o atingimento dos fins considerados valiosos pela Constituição e pela sociedade” (BARCELLOS, 2008, p.112). Nesse contexto, para a elaboração das Políticas públicas há uma ordem procedimental a ser observada. Dessa forma, compete muitas vezes ao Legislativo sancionar e promulgar uma lei determinando o interesse social que será atendido, estabelecendo critérios, traçando metas e os objetivos. Ao Poder Executivo incumbe a função de implementar as ações e programas que concretizem os fins constitucionais de acordo com as diretrizes já traçadas. A elaboração e a execução das Políticas públicas consistem, portanto, em um procedimento administrativopolítico, sendo que o resultado satisfatório dessa Política pública está diretamente vinculado com a qualidade desse procedimento (BUCCI, 2002, p. 264-269). Enfim, refere Vallés que o processo de elaboração e aplicação das Políticas públicas é menos linear e mais complexo: “Como describir este proceso complejo? Cabe distinguir en el mismo cuatro etapas básicas: iniciación: construcción del problema e incorporación a la agenda, – elaboración: formulación de alternativas y selección de Revista do Direito Público, Londrina, v.13, n.2, p.195-229, ago.2018| DOI: 10.5433/1980-511X.2018v13n2p195 207 MARLI MARLENE MORAES DA COSTA E PAULA VANESSA FERNANDES respuestas, – implantación y – evaluación y sucesión de la política”. Na esteira do referido autor, as Políticas públicas demandam ao Estado a obrigatoriedade da sua implementação, dessa forma, “[..] no son acuerdos o transacciones voluntárias adoptadas por actores que defienden determinadas posiciones: se trata de determinaciones que se imponen sobre la comunidad, porque derivan de la autoridad y cuentan con alguna legitimidad política” (VALLÈS, 2010, p. 378). Ressalta-se que as conquistas nessa seara das Políticas públicas, da justiça social e dos direitos sociais, decorrem na grande maioria das vezes dos movimentos de lutas. Como lembra Sposati, os progressos sociais “[...] terminam por ser menos a ação do Estado em prover a justiça social e mais o resultado de lutas concretas da população. O direito e a extensão da cidadania, em contrapartida, são as garantias buscadas pela população” (SPOSATI, 1995, p. 52-53). Além disso, é preciso ressaltar que a transformação de necessidades e carências em direitos, que se opera dentro dos movimentos sociais, pode ser vista como um amplo processo de revisão e redefinição do espaço de cidadania (SPOSATI, 1995, p. 55). Com base nas considerações apresentadas até aqui, evidencia-se que enquanto o texto constitucional coloca à disponibilização instrumentos que se fundamentam em premissas gerais das Políticas que ele reconhece como essenciais à concretização dos objetivos traçados pelo constituinte para a consolidação do ideal democrático, por sua vez, a tarefa que cabe à legislação de proteção específica é disciplinar e operacionalizar esses direitos, descrevendo as Políticas públicas necessárias para alcançar a igualdade material. Assim, a Lei n.º 12.764/12 representa um marco paradigmático na vida de cada pessoa com autismo e daquelas que convivem com essas pessoas, pois trouxe à tona o importante tema das Políticas públicas em Revista do Direito Público, Londrina, v.13, n.2, p.195-229, ago.2018| DOI: 10.5433/1980-511X.2018v13n2p195 208 AUTISMO, CIDADANIA E POLÍTICAS PÚBLICAS: AS CONTRADIÇÕES ENTRE A IGUALDADE FORMAL E A IGUALDADE MATERIAL prol desse segmento. Portanto, procurando satisfazer as necessidades dessa minoria que por tanto tempo permaneceu invisível aos olhos do Legislativo e do Executivo e com o propósito de superar os obstáculos que dificultam a inclusão na sociedade, a Lei contemplou um amplo rol de direitos. Nessa perspectiva, o artigo 3º, em síntese, estabelece expressamente quais são os direitos que a pessoa com autismo possui: à vida digna; à integridade física e moral; à segurança; ao lazer; acesso integral aos serviços de saúde, a qual inclui diagnóstico precoce, atendimento multiprofissional, a obtenção de medicamentos, nutrientes adequados; à educação em instituição de ensino regular ou especial; à moradia; ao mercado de trabalho; à previdência e assistência social; ao meio de transporte adequado para efetivação do direito à educação e do acesso à saúde (BRASIL, 2012). Os avanços formais são observados também no âmbito do artigo 2º, o qual disciplina as diretrizes para o desenvolvimento de Políticas públicas que possibilitem o acesso aos direitos elencados acima: Art. 2o São diretrizes da Política Nacional de Proteção dos Direitos da Pessoa com Transtorno do Espectro Autista: I - a intersetorialidade no desenvolvimento das ações e das políticas e no atendimento à pessoa com transtorno do espectro autista; II - a participação da comunidade na formulação de políticas públicas voltadas para as pessoas com transtorno do espectro autista e o controle social da sua implantação, acompanhamento e avaliação; III - a atenção integral às necessidades de saúde da pessoa com transtorno do espectro autista, objetivando o diagnóstico precoce, o atendimento multiprofissional e o acesso a medicamentos e nutrientes; IV - (VETADO); V - o estímulo à inserção da pessoa com transtorno do espectro autista no mercado de trabalho, observadas as peculiaridades da deficiência e as disposições da Lei no 8.069, de 13 de julho de 1990 (EstaRevista do Direito Público, Londrina, v.13, n.2, p.195-229, ago.2018| DOI: 10.5433/1980-511X.2018v13n2p195 209 MARLI MARLENE MORAES DA COSTA E PAULA VANESSA FERNANDES tuto da Criança e do Adolescente); VI - a responsabilidade do poder público quanto à informação pública relativa ao transtorno e suas implicações; VII - o incentivo à formação e à capacitação de profissionais especializados no atendimento à pessoa com transtorno do espectro autista, bem como a pais e responsáveis; VIII - o estímulo à pesquisa científica, com prioridade para estudos epidemiológicos tendentes a dimensionar a magnitude e as características do problema relativo ao transtorno do espectro autista no País. Parágrafo único. Para cumprimento das diretrizes de que trata este artigo, o poder público poderá firmar contrato de direito público ou convênio com pessoas jurídicas de direito privado (BRASIL, 2012). Entretanto, apesar desses melhoramentos, a Lei n°. 12.764/12 é alvo de muitas críticas por deixar lacunas no que diz respeito à obrigatoriedade da presença dos tutores para o atendimento especializado aos estudantes autistas – principalmente na rede privada de ensino -, ao acesso de crianças a creches e escolas – que muitas vezes é dificultado em razão do transtorno autista, além disso, as escolas e outras instituições de ensino não possuem equipes especializadas (com psicólogos, terapeutas, fonoaudiólogos, entre outros) para o atendimento dessas crianças e adolescentes, o que é fundamental para o seu desenvolvimento. Outra questão levantada, principalmente pelos familiares de autistas, é o tratamento das pessoas com o transtorno do espectro autista dentro dos Centros de Atenção Psicossocial - CAPS, local que segundo as famílias, não seria o adequado para o tratamento dos indivíduos com autismo, pois não há especialização em seu atendimento própria para os mesmos, uma vez que seu enfoque é a assistência a dependentes químicos e portadores de doenças mentais – na qual, o autismo não está inserido. É com o intuito de corrigir estas lacunas que já tramita o Projeto de Lei Revista do Direito Público, Londrina, v.13, n.2, p.195-229, ago.2018| DOI: 10.5433/1980-511X.2018v13n2p195 210 AUTISMO, CIDADANIA E POLÍTICAS PÚBLICAS: AS CONTRADIÇÕES ENTRE A IGUALDADE FORMAL E A IGUALDADE MATERIAL n° 1.874/15. A Lei n° 9.394/96, a qual estabelece as diretrizes e bases para a educação nacional, também menciona as pessoas com o transtorno em seu artigo 4°, ao decretar que é dever do Estado “[...] atendimento educacional especializado gratuito aos educandos com deficiência, transtornos globais do desenvolvimento e altas habilidades ou superdotação, transversal a todos os níveis, etapas e modalidades, preferencialmente na rede regular de ensino” (BRASIL, 1996). Além das legislações que versam sobre as Políticas públicas verificadas até aqui, merece destaque também a recente Lei nº. 13.146/15, a qual instituiu o Estatuto da Pessoa com Deficiência e regulamentou o Tratado Internacional dos Direitos Humanos das pessoas com deficiência, bem como a Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, ratificada pelo Decreto Legislativo nº. 186/08 e promulgados pelo Decreto Executivo nº. 6.949/09. Já em âmbito estadual, a Lei nº. 14.705/15, ao instituir o Plano de Educação, apresenta uma série de estratégias e metas nas quais inclui as pessoas com espectro autista, garantindo aos mesmos, além do acesso à educação, atendimento educacional especializado, com o objetivo de que as crianças autistas alcancem êxito no seu desenvolvimento escolar com respeito às suas particularidades e ao seu tempo (RIO GRANDE DO SUL, 2015). Além disso, também se configura como meta a universalização da educação para todas as pessoas com deficiência, com garantia de serviços especializados e investimentos na qualificação da comunidade escolar para o atendimento específico a estas crianças, graças à utilização de salas de recursos, escolas especiais e convênios, tudo “[...] conforme necessidades identificadas por meio de avaliação, ouvidos os professores, Revista do Direito Público, Londrina, v.13, n.2, p.195-229, ago.2018| DOI: 10.5433/1980-511X.2018v13n2p195 211 MARLI MARLENE MORAES DA COSTA E PAULA VANESSA FERNANDES as famílias e os estudantes, sob responsabilidade das mantenedoras das redes públicas e privadas” (RIO GRANDE DO SUL, 2015). Outro ponto importante da Lei Estadual é a meta nº. 4.10, que garante a criação, ampliação e manutenção de projetos articulados com a finalidade de desenvolver a acessibilidade nas instituições de ensino da rede pública ou privada, isto envolve um conjunto de ações no contexto escolar que vão desde a adequação do ambiente para torná-lo inclusivo, disponibilizar transportes públicos até a presença de uma equipe multidisciplinar de profissionais (RIO GRANDE DO SUL, 2015). O Ministério da Saúde em atenção a todos esses direitos e visando reforçar por meio da formulação de Políticas públicas o acesso à saúde, na data de 02 de abril de 2013, dia mundial de conscientização do autismo, reconheceu a esse segmento a participação nas ações do Programa Nacional dos Direitos da Pessoa com Deficiência – Plano Viver Sem Limite. Na prática, isso significa que, toda a rede do Sistema Único de Saúde - SUS, a partir de tal ação passa a incluir em seu sistema orientações sobre cuidados, atendimentos e prestações relativas à saúde das pessoas com transtorno do espectro autista. De acordo com o que já foi reverberado, a Lei nº. 12.764/12 equiparou os autistas às pessoas com deficiência, ou seja, aqueles gozam dos mesmos direitos que estas, dessa forma, permitem-se o acesso dos autistas em todos os eixos temáticos do referido programa e não somente as Políticas ligadas ao âmbito da saúde. O Programa Nacional Viver sem Limite instituído pelo Decreto nº. 7.612, foi criado em 2011 pelo Governo Federal, pode-se dizer de forma sumarizada que se constitui em um conjunto de ações inclusivas e de proteção das pessoas com deficiência que depende da participação de todos os entes da federação e da sociedade para a formulação de Políticas públicas. Revista do Direito Público, Londrina, v.13, n.2, p.195-229, ago.2018| DOI: 10.5433/1980-511X.2018v13n2p195 212 AUTISMO, CIDADANIA E POLÍTICAS PÚBLICAS: AS CONTRADIÇÕES ENTRE A IGUALDADE FORMAL E A IGUALDADE MATERIAL Objetivando auxiliar na execução das diretrizes lançadas, conta-se com a participação de mais de 15 Ministérios e do CONADE, sendo que para a primeira etapa1 foi previsto um investimento em torno de R$ 7,6 bilhões, “[...] com a finalidade de promover, por meio da integração e articulação de políticas, programas e ações, o exercício pleno e equitativo dos direitos das pessoas com deficiência [...]” (BRASIL, 2011). Dessa forma, as Políticas governamentais previstas pelo Programa Viver sem Limite devem ser exploradas em torno de quatro eixos temáticos, quais sejam: a) acesso à educação: compreende desde a adaptação de meios de transportes, acessibilidade arquitetônica dos prédios escolares até um atendimento educacional especializado; b) inclusão social: objetiva desenvolver ações de combate à desigualdade, voltadas à inclusão das pessoas com deficiência na sociedade; c) saúde: criação de centros de reabilitação e adaptação; d) acessibilidade: consiste em implementar meios que concretizem o direito a independência e autonomia de todos, garantido o acesso a centros e desenvolvimento tecnológicos, moradia e aquisição de equipamentos (BRASIL, 2011). Estando em consonância com o Programa Nacional, o Estado do Rio Grande do Sul, em 30 de março de 2012, por meio do Decreto n.º 48.964/12, instituiu o Plano Estadual dos Direitos da Pessoa com Deficiência - Plano RS sem Limite. Nessa perspectiva, trabalhando com os quatro eixos citados, disciplina um conjunto de 73 ações e para isso prevê um investimento de aproximadamente R$ 258 milhões até 2014 que seriam destinados para promover, de acordo com o artigo 3º do Decreto as Políticas públicas de proteção e inclusão das pessoas com deficiência, incluindo nessa perspectiva os autistas.2 1 A primeira etapa compreende o período de tempo entre 2011-2014. 2 As políticas públicas priorizadas pelo Plano Estadual são as seguintes: “[...] I - garantia de um sistema educacional inclusivo; II - garantia de que os equipamentos públicos de educação sejam acessíveis para Revista do Direito Público, Londrina, v.13, n.2, p.195-229, ago.2018| DOI: 10.5433/1980-511X.2018v13n2p195 213 MARLI MARLENE MORAES DA COSTA E PAULA VANESSA FERNANDES 3 A REALIDADE DAS POLÍTICAS PÚBLICAS PARA AUTISTAS NO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL Embora alguns avanços nessas áreas já possam ser percebidos, pesquisas apontam que grande parte dessas Políticas públicas carece, ainda hoje, de implementação. De acordo com uma pesquisa realizada recentemente nos 496 municípios do RS sobre as condições reais de acesso das pessoas com deficiência, no que tange à saúde, à educação, à inclusão e à assistência social, constatou-se um profundo descompasso entre as demandas e as Políticas públicas, revelando que há um longo caminho a percorrer para garantir a dignidade humana e a cidadania a todas as pessoas com algum tipo de deficiência. Para uma melhor compreensão das Políticas públicas que estão sendo ou não efetivamente disponibilizadas, faz-se necessário trazer nesse momento alguns dados coletados no questionário da pesquisa citada, sendo que o estudo se restringirá apenas aos dados referentes à existência dos obstáculos; ao acesso à educação; à saúde e ao mercado de trabalho. Assim, ao questionar sobre quais eram as barreiras existentes nos municípios que dificultam o acesso dessa minoria, a resposta oscila em entre 40 e 42% afirmando que não constam, enquanto que 26% e 31% não sabem informar. “Convém destacar que para poder atuar sobre determinada realidade é necessário conhecer essa mesma realidade, as pessoas com deficiência, inclusive por meio de transporte adequado; III - ampliação da participação das pessoas com deficiência no mercado de trabalho, mediante sua capacitação e qualificação profissional; IV ampliação do acesso das pessoas com deficiência às políticas de assistência social e de combate à extrema pobreza; V - prevenção das causas de deficiência; VI - ampliação e qualificação da rede de atenção à saúde da pessoa com deficiência, em especial os serviços de habilitação e reabilitação; Judiciário e do Ministério Público, bem como especialistas, para emitir pareceres e fornecer informações; VII - ampliação do acesso das pessoas com deficiência à habitação adaptável e com recursos de acessibilidade; e, VIII - promoção do acesso, do desenvolvimento e da inovação em tecnologia assistiva (RIO GRANDE DO SUL, 2012). Revista do Direito Público, Londrina, v.13, n.2, p.195-229, ago.2018| DOI: 10.5433/1980-511X.2018v13n2p195 214 AUTISMO, CIDADANIA E POLÍTICAS PÚBLICAS: AS CONTRADIÇÕES ENTRE A IGUALDADE FORMAL E A IGUALDADE MATERIAL assim torna-se praticamente inviável promover a acessibilidade se não se conhece onde inexiste acessibilidade” (LIPPO, 2014, p. 67). Já quando foi perguntado sobre o número de ônibus que atendam as necessidades das pessoas com deficiência, 48% dos municípios responderam que inexistem, 35% não responderam e 7% sequer sabem disso. Na sequência desse item, foi questionado: Que horários são disponibilizados para este serviço de transporte acessível? 54% não sabem e 33% não responderam (LIPPO, 2014, p. 67). No que se refere ao número de pessoas com deficiência que estão incluídas em programas e ações da rede de saúde, chega-se a seguinte conclusão: 70% dos 496 municípios não deram nenhuma resposta; 12% não têm conhecimento sobre esses dados; 8% revelaram que apenas 11 a cada 50 municípios conhecem o número de pessoas com deficiência incluídas nos programas (SEVERO, 2014, p. 92). Quando os municípios foram questionados sobre a perspectiva da educação inclusiva no que se refere à existência de Políticas públicas que garantam o acesso ao sistema educacional; dos 496 municípios: 50% responderam dispor de atendimento educacional especializado; 24% informaram não dispor de serviço especializado; 20% dos municípios não responderam a essa questão e 6% dos entrevistados não souberam informar se o município dispõe desse serviço (BELEZA, 2014, p. 76). Sobre o acesso ao mercado de trabalho, foi questionado se as empresas estão cumprindo as diretrizes da inclusão laboral, ficou constatado que: 36% dos municípios simplesmente deixaram sem resposta essa questão; 4% não sabiam informar; 29% afirmaram que não há empresas que cumpram essa Lei; enquanto que 31% afirmam que as empresas em seus municípios cumprem a Lei de Cotas. Os dados mostram que a Política Nacional da Pessoa com Deficiência que prevê Revista do Direito Público, Londrina, v.13, n.2, p.195-229, ago.2018| DOI: 10.5433/1980-511X.2018v13n2p195 215 MARLI MARLENE MORAES DA COSTA E PAULA VANESSA FERNANDES 2% a 5% das vagas para as essas pessoas não está sendo cumprida de forma adequada em 142 municípios (BRITO, 2014, p. 130). Ao fim, a pesquisa concluiu que o Poder Público deve dar uma maior atenção a, [...] acessibilidade no meio físico, no âmbito tecnológico, na superação das barreiras atitudinais e além, adequando nossas estruturas sociais e propiciando um mundo para todos. Na educação, ainda nos encontramos no meio do caminho, a educação [...]. Na saúde ficou evidenciado que a principal barreira para o acesso aos bens sociais é a falta de informações e de conhecimento, e o desafio é rumar para um cenário em que os atendimentos sejam realmente para todos. Na política de assistência social faz-se necessário implantar e implementar os CRAS e CREAS, capacitando esses órgãos para a inclusão das Pessoas com Deficiência na perspectiva da intersetorialidade. As políticas de acesso ao mercado de trabalho são garantidas por lei, mas não estão sendo executadas plenamente pelas instituições. Faz-se necessário maior qualificação profissional para Pessoas com Deficiência e mais fiscalização neste campo [...] (FADERS, 2014, p. 214). Nesse arranjo, outra pesquisa há de ser aqui referida, trata-se de um estudo desenvolvido em 2012 pela Associação Pandorga de São Leopoldo3 que apresenta depoimentos de 48 familiares de pessoas com autismo, os quais relatam as maiores dificuldades que obstaculizam a efetivação dos direitos dos autistas em 14 municípios do RS (Alegrete, Bento Gonçalves, Canoas, Erechim, Esteio, Novo Hamburgo, Osório, Pelotas, Porto Alegre, Rio Grande, Santa Maria, São Leopoldo, Sapucaia do Sul e Taquara) (PANDORGA, 2012). No caso em tela, os relatos das experiências vividas pelos 3 A Associação Mantenedora Pandorga é uma entidade civil de caráter beneficente, e sem fins lucrativos, que integra a rede sócio assistencial de proteção social e defesa de direitos das pessoas com transtorno do espectro autista, localizada na cidade de São Leopoldo/RS. Revista do Direito Público, Londrina, v.13, n.2, p.195-229, ago.2018| DOI: 10.5433/1980-511X.2018v13n2p195 216 AUTISMO, CIDADANIA E POLÍTICAS PÚBLICAS: AS CONTRADIÇÕES ENTRE A IGUALDADE FORMAL E A IGUALDADE MATERIAL familiares, apontam as seguintes violações de direitos e omissões do Poder Público: dificuldade do diagnóstico; falta de atendimento especializado; falta de apoio às famílias; ausência de profissionais capacitados na área da saúde e da educação; ausência de um professor auxiliar nas salas de aula; a busca por uma vaga em uma escola regular não é nada fácil, sendo que as desculpas dadas são sempre as mesmas, quando ficam sabendo que a criança é autista alegam que não há vagas; há uma grande falta de medicamentos; a dificuldade em conseguir marcar uma consulta, e muitas vezes quando se consegue o profissional não é capacitado; não há um acompanhamento multidisciplinar nas Redes de Saúde Pública; os acompanhamentos terapêuticos não são contínuos, o que faz com que os avanços no desenvolvimento da pessoa com autismo retroceda. A partir de todas essas narrativas e tudo que foi exposto até aqui, constata-se uma grande lacuna entre o que consta na lei e o que é feito na prática. Ainda que o Brasil tenha avançado normativamente nos últimos anos, a realidade ainda é de exclusão. A tão almejada “[...] qualidade de vida e a sonhada inclusão social não saíram do papel, o que demonstra o descompasso existente entre a produção legislativa e as políticas públicas para materialização - especialmente - dos direitos econômicos, sociais, culturais e ambientais” (SILVA, 2015, p. 45). Dessa forma, para se alcançar a igualdade de fato perante a lei e na lei, é necessário muito mais que vedar atitudes discriminatórias, proibir a exclusão ou prever formalmente um amplo e extenso rol de garantias. Diante de tais diretrizes, mostra-se essencial a implementação de Políticas públicas que permitam concretizar os direitos assegurados. À primeira vista, percebe-se que a questão na qual se deparam “[...] hoje os países em desenvolvimento é o de se encontrarem em condições econômicas que, apesar dos programas ideais, não permitem desenvolver a proteção Revista do Direito Público, Londrina, v.13, n.2, p.195-229, ago.2018| DOI: 10.5433/1980-511X.2018v13n2p195 217 MARLI MARLENE MORAES DA COSTA E PAULA VANESSA FERNANDES da maioria dos direitos sociais” (BOBBIO, 2004, p. 43). Além disso, como se sabe, os recursos públicos que possam transformar esses fins em realidade são limitados, portanto, escolhas conscientes devem ser tomadas pelo administrador. Portanto, essa dimensão de direitos envolve demandas de caráter prestacional, implicando uma atividade positiva do Estado que depende da disponibilidade de recursos para a implementação de Políticas públicas que permitam a efetividade material de tais direitos, em consequência disso, o Estado passa a ser o meio para atingir o fim almejado. Daí se constata a problematicidade da concretização dos direitos das pessoas com autismo. A relação entre Estado e aqueles que possuem o direito de ver uma prestação assegurada é mecânica, apesar da existência de um aparato burocrático que envolve diretamente esses indivíduos no desenvolvimento das ações efetuadas pelo Estado, na realidade a relação que se visualiza é entre grupos vulneráveis e uma máquina animada. “[...] Essa opacidade nas relações sociais reais tornou a ação do Estado destituída de um sentido humanitário e consolidou a alocação não democrática dos recursos com pouca ou nenhuma participação da comunidade na gestão dos programas” (DIAS; MATOS, 2012, p. 09). Segundo Dias e Matos, em razão dessa falta de interação e da ineficiência do Estado, estrutura-se um sistema administrativo que trabalha em primeiro lugar para o seu próprio benefício, que destina recursos a benefícios sociais que não são capazes de cumprirem com as suas funções, que diminui o valor a ser enviado a programas em favor da remuneração do pessoal administrativo, e por fim, que “[...] favorece a não fiscalização dos recursos, permitindo a apropriação indevida dos mesmos, via mecanismo de corrupção” (DIAS; MATOS, 2012, p. 09). Revista do Direito Público, Londrina, v.13, n.2, p.195-229, ago.2018| DOI: 10.5433/1980-511X.2018v13n2p195 218 AUTISMO, CIDADANIA E POLÍTICAS PÚBLICAS: AS CONTRADIÇÕES ENTRE A IGUALDADE FORMAL E A IGUALDADE MATERIAL Outra realidade que pode ser citada a título de exemplo da má gestão de recursos é na ajuda externa, a qual envolve o caso de organismos internacionais como a ONU e de várias ONGs, em que pese representarem um importante papel no fomento da inclusão social, pesquisas apontam que no máximo 20% dos recursos humanitários chegam ao seu destino: Há dezenas de investigações em curso referentes a denúncias de fraude, por parte de autoridades locais e funcionários da ONU, acusados de desvio de verbas. Todavia, a maior parte do desperdício, no âmbito da ajuda externa, não é fraude, mas apenas incompetência ou, ainda pior, trata-se apenas dos procedimentos habituais das organizações de ajuda. [...] No decorrer das últimas cinco décadas, centenas de bilhões de dólares foram destinados a governos de todo o mundo a título de fomento do “desenvolvimento”. A maioria desses recursos foi desperdiçada nos meandros da burocracia e da corrupção [...] (ACEMOGLU; ROBINSON, 2012, p. 248). Em termos de Políticas públicas em âmbito nacional, conforme afirma Barcellos, podem-se conjugar outros fatores: o desperdício das verbas públicas que são empregadas em outras atividades que não atendem a promoção dos direitos fundamentais, a ação governamental promove prioridades e metas que não condiz com a Constituição, o contraditório comportamento da administração ao disponibilizar a prestação de serviços precários e ineficientes relacionados a direitos indispensáveis ao mesmo tempo em que se gasta um vultoso dinheiro público em publicidade governamental e comunicação social, além das consequências nefastas causada pela corrupção aos cofres públicos (BARCELLOS, 2008, p. 114). Além disso, de acordo com a ONU, uma das grandes questões Revista do Direito Público, Londrina, v.13, n.2, p.195-229, ago.2018| DOI: 10.5433/1980-511X.2018v13n2p195 219 MARLI MARLENE MORAES DA COSTA E PAULA VANESSA FERNANDES que acaba também afetando de forma insidiosa a implementação de Políticas públicas em prol das pessoas com deficiência é a falta de uma ampla articulação interagencial. Significa dizer que as Políticas públicas são muitas vezes “[...] fragmentadas ou confinadas a entes públicos com mandatos específicos, o que ganha contornos ainda mais complexos se levarmos em conta os arranjos federativos brasileiros e as responsabilidades da União, Estados e Municípios”. Assim, embora o Brasil seja reconhecido como referência em direitos de proteção e inclusão, a fragmentação dessas áreas-fins faz com que essa temática não seja tratada com a profundidade que demanda. Portanto, os direitos de inclusão, integração e promoção das pessoas com autismo quando necessitam da implementação de Políticas públicas, muitas vezes não são efetivados, e se são, são prestados de forma precária. Com isso, observa-se que a dignidade e o núcleo essencial dos direitos fundamentais dos autistas estão sendo violados, uma vez que a dignidade se concretiza quando é capaz de assegurar “[...] à pessoa uma esfera, na qual ela pode atuar como ser autônomo e autorresponsável, livre da submissão ao poder de outras pessoas e sem que seja guindada a mero meio para a realização de finalidades coletivas” (DUQUE, 2014, p. 239-240). O Estado se demonstra incapaz de atender aos fins constitucionais. A elaboração de um planejamento adequado é ignorada. Torna-se um problema de organização, orçamento, responsabilidade, prioridades e de gestão. Diretamente conectado a esse raciocínio, situa-se os dados colhidos pelo Instituto Brasileiro de Planejamento Tributário (IBPT), o qual revelou que dos 30 países que apresentam as maiores cargas tributárias do mundo o Brasil é o que dá o pior retorno em prol do bemestar da população, ficando atrás da Argentina e do Uruguai (OLENIKE Revista do Direito Público, Londrina, v.13, n.2, p.195-229, ago.2018| DOI: 10.5433/1980-511X.2018v13n2p195 220 AUTISMO, CIDADANIA E POLÍTICAS PÚBLICAS: AS CONTRADIÇÕES ENTRE A IGUALDADE FORMAL E A IGUALDADE MATERIAL et al., 2015). Nesse norte, a ausência de controle social na elaboração, na execução e na fiscalização do orçamento agrava ainda mais esse quadro. Esse é um fator que, diante de tais circunstâncias, permite que a gestão das Políticas públicas seja desenvolvida em um ambiente marcado pela corrupção, pelo clientelismo e pela inefetividade. Nesse contexto, arrecada-se um alto valor com cargas tributárias cada vez mais pesadas, há o despendimento das verbas públicas, “[...] mas o status geral dos direitos fundamentais na sociedade sofre pouca melhora - ou apenas melhoras transitórias - e, a fortiori, as condições da população de participar adequadamente do processo democrático permanecem inalteradas” (BARCELLOS, 2008, p. 118-121). Ocorre que o autismo é uma realidade vivida diariamente por toda a família e não somente pela pessoa que possui o transtorno, desta forma, causa um grande impacto sobre todos os envolvidos, abalando o emocional, o social e o econômico. Assim, pouquíssimas famílias têm condições econômicas de arcar com o custo do tratamento adequado e, para atender as necessidades geradas pelo autismo todas elas dependerão, em algum momento de suas vidas, de algum tipo de apoio. CONCLUSÃO O presente trabalho teve como objetivo discutir as Políticas públicas em prol das pessoas com transtorno do espectro autista, buscando, com isso, averiguar o papel do Poder Público na execução dessas Políticas, analisando, para tanto, a legislação e doutrinas pertinentes ao tema. Diante dessa realidade, buscou-se trazer à tona o contexto social, político e jurídico em que estão inseridas as pessoas Revista do Direito Público, Londrina, v.13, n.2, p.195-229, ago.2018| DOI: 10.5433/1980-511X.2018v13n2p195 221 MARLI MARLENE MORAES DA COSTA E PAULA VANESSA FERNANDES com esse transtorno. A partir do estudo realizado, foi possível perceber que de forma gradativa houve um aumento na proteção e promoção dos direitos relacionados a esse segmento por meio de um conjunto normativo específico, assim como tornou deveres do Estado a criação e a efetivação de Políticas públicas em prol dos mesmos. A CF/88 trouxe consigo mudanças significativas ao ampliar e abranger a proteção das pessoas com deficiência como dever do Estado, buscando a realização de uma sociedade igualitária, solidária e justa para todos os seus integrantes. Em 2012, a Política Nacional de Proteção dos Direitos da Pessoa com Transtorno do Espectro Autista (Lei nº. 12.764) determinou um conceito do transtorno e firmou diretrizes para a criação e o desenvolvimento de Políticas públicas voltadas à melhor qualidade do acesso à saúde, à educação, aos tratamentos multidisciplinares, ao acompanhamento de profissionais qualificados, à inserção no mercado de trabalho, assim como para o incentivo às pesquisas direcionadas aos autistas. Já em 2015, entrou em vigor o Estatuto da Pessoa com Deficiência (Lei Brasileira de Inclusão nº. 13.146) cujo objetivo é promover a conscientização sobre a realidade dos portadores de deficiência, a fim de facilitar o processo de inclusão dos mesmos, desde a escola até o mercado de trabalho. Entretanto, a pesquisa demonstrou que mesmo esse ganho de reconhecimento e espaço não foi suficiente para tornar digna a realidade das pessoas com deficiência. Inseridos nesse grupo, os autistas e seus familiares têm de lidar com problemas que começam na falta de um diagnóstico correto - o espectro autista possui diferentes graus, os quais se manifestam de formas variadas, mudando de caso para caso - e chegam até o não cumprimento por parte do Estado dos direitos fundamentais, Revista do Direito Público, Londrina, v.13, n.2, p.195-229, ago.2018| DOI: 10.5433/1980-511X.2018v13n2p195 222 AUTISMO, CIDADANIA E POLÍTICAS PÚBLICAS: AS CONTRADIÇÕES ENTRE A IGUALDADE FORMAL E A IGUALDADE MATERIAL das leis específicas e das Políticas públicas em vigor o que faz com que a única maneira de obter o mínimo possível para amenizar as dificuldades enfrentadas pelos autistas e suas famílias seja a via judicial. As pessoas com deficiência passaram muito tempo sem proteção jurídica, pois não existiam leis que assegurassem uma igualdade formal de direitos em relação às outras pessoas. Essa situação restringia - e na maior parte das vezes, impedia - o acesso à saúde e à educação, com características voltadas às necessidades dos autistas, que lhes permitissem melhores condições de vida e que se adequassem às suas realidades. A inexistência de Políticas públicas para os deficientes foi uma grande barreira na busca destas pessoas pela garantia dos seus direitos. A barreira da inexistência de ações sociais visando esse público-alvo ainda existe e é pouco debatida na sociedade, a qual insiste em fechar os olhos para aqueles que não se encaixam nos seus padrões. A implementação das Políticas públicas para os autistas é de extrema importância não apenas para as pessoas com o transtorno, mas também para seus familiares e todos que as cercam, pois o acesso aos tratamentos adequados, ao sistema de saúde e à educação possui um custo muito elevado, já que são ações de necessidade contínua e frequente. Por isso, o papel do Estado não é apenas garantir esse acesso, mas garantir essencialmente - a qualidade desses serviços, a fim de que os autistas e seus familiares possam atingir uma qualidade de vida digna. Nesse norte, é possível afirmar que há uma necessidade urgente de que sejam preenchidas as lacunas existentes entre a lei e a realidade com medidas efetivas, as quais realmente transformem o cenário de exclusão e omissão do qual fazem parte os autistas. Portanto, as ações do Poder Público precisam ir além das campanhas contra atitudes discriminatórias: devem se fazer valer por meio do exercício dos direitos fundamentais e Revista do Direito Público, Londrina, v.13, n.2, p.195-229, ago.2018| DOI: 10.5433/1980-511X.2018v13n2p195 223 MARLI MARLENE MORAES DA COSTA E PAULA VANESSA FERNANDES de Políticas de inclusão eficientes. Por fim, tem-se que reconhecer a realidade dos autistas e, mais do que isso, reconhecê-los como parte integrante da sociedade, é essencial para a construção de uma sociedade democrática em que seus membros possam se relacionar e participar de forma atuante e em igualdade de condições, fortalecendo cada vez mais a integração e o respeito às diferenças. REFERÊNCIAS ACEMOGLU, Daron; ROBINSON, James. Por que as nações fracassam: as origens do poder, da prosperidade e da pobreza. São Paulo: Campus, 2012. APPIO, Eduardo. Discricionariedade Política do Poder Judiciário. 2.ed. Curitiba: Juruá, 2007. ASSOCIAÇÃO MANTENEDORA PANDORGA. Um Dossiê sobre o autismo no Rio Grande do Sul: o abismo entre os direitos assegurados em lei e a realidade das pessoas com autismo no Rio Grande do Sul. São Leopoldo, 2012. Disponível em: <http://www. pandorgaautismo.org//includes/downloads/publicacoes/Um_dossie_ sobre_Autismo_no_RS.pdf>. Acesso em: 21 mar. 2018. BARCELLOS, Ana Paula de. 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Como citar: COSTA, Marli Marlene Moraes da; FERNANDES, Paulo Vanessa. Autismo, cidadania e políticas públicas: as contradições entre a igualdade formal e a igualdade material. Revista do Direito Público, Londrina, v. 13, n. 2, p.195-229, ago. 2018. DOI: 10.5433/24157-108104-1.2018v13n2p195. ISSN: 1980-511X. Recebido em: 01/08/2017 Aprovado em: 07/05/2018 Revista do Direito Público, Londrina, v.13, n.2, p.195-229, ago.2018| DOI: 10.5433/1980-511X.2018v13n2p195