Marcelo Engel Bronosky
Juliano Maurício de Carvalho
(Orgs.)
Copyright © 2014 by Marcelo Engel Bronosky, Juliano Maurício de Carvalho
Printed in Brazil / impresso no Brasil
Conselho Editorial:
Prof. Dr. Francisco Sierra Caballero, Universidade de Sevilha, Espanha.
Prof. Dr. Julio Cesar Arrueta, Universidade de Jujuy, Argentina.
Profª. Drª. Yamile Habes Guerra, Universidade de Oriente, Cuba.
Prof. Dr. Luis Alfonso Albornoz Espiñeira, Universidade Carlos III de Madri,
Espanha.
Projeto gráico, diagramação e capa: Rita Motta - Ed. Tribo da Ilha
Revisão: Aline de Andrade Silveira
Apoio técnico: Andressa Kikuti Dancosky
Este livro contempla as regras do Acordo Ortográico da Língua Portuguesa de 1990, que
entrou em vigor no Brasil em 2009.
É responsabilidade dos autores as informações contidas nesta obra.
J82j
Jornalismo e convergência / organizado por Marcelo Engel Bronosky
e Juliano Maurício de Carvalho. São Paulo: Cultura Acadêmica,
2014.
280p.; e-book
Modo de acesso: < http://www.culturaacademica.com.br>
ISBN – 978-85-7983-552-0
1-Processos jornalísticos.2-Convergência. 3- Práticas sociais. I.
Bronosky, Marcelo Engel, org. II.Carvalho, Juliano Maurício de, org.
III.T.
CDD: 070.4
APRESENTAÇÃO
A coletânea Jornalismo e convergência: relexões sobre o futuro
do jornalismo está organizada em duas seções, a im de ajudar o
leitor a se mover por dentro dos 20 capítulos. Nesta publicação,
estamos preocupados em oferecer discussões acerca de um dos
principais temas do campo do jornalismo na contemporaneidade: as implicações e repercussões das tecnologias digitais, em especial as determinadas pela internet, no jornalismo. Além disso,
este esforço inaugura parceria teórico-conceitual entre os grupos
de pesquisa na área do jornalismo baseados no curso de Jornalismo do Departamento de Comunicação Social da Faculdade
de Arquitetura, Artes e Comunicação da Universidade Estadual
Paulista (Unesp) e do mestrado em Jornalismo da Universidade
Estadual de Ponta Grossa - PR.
A publicação busca aquilatar o pensamento contemporâneo sobre as mutações nos processos jornalísticos em um cenário convergente e, dessa forma, delinear um conjunto de estudos
e discussões sobre o tema, tanto como resultado de pesquisas
concluídas ou em desenvolvimento, quanto de um modo mais
ensaístico, a respeito do como as novas tecnologias estão atravessando o jornalismo em suas múltiplas dimensões.
Como adiantamos, esta obra está dividida em duas seções:
Situações de convergência no jornalismo brasileiro e Transformações
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do jornalismo no cenário de convergência. A primeira parte tem
como propósito reletir sobre os impactos das novas tecnologias aplicadas a realidades especíicas, como é o caso do primeiro capítulo, “A convergência de mídia e suas repercussões no
processo de produção de um jornal regional”, de Paula Melani
Rocha e Gisele Barão. Neste momento, as autoras abordam os
impactos da convergência da mídia em um jornal regional, bem
como suas repercussões no organograma e nas atribuições que
os jornalistas desempenham, considerando em especial o cargo
de editor. O esforço apresentado aqui é clarear as ‘novas’ atribuições dessa função à luz das NTis em jornais de interior e como
elas estão sendo construídas atualmente. Intitulado “A inserção
das mídias digitais no processo de formação jornalística: perspectivas teórico-práticas de ensino do jornalismo em tempos
de convergência”, o capítulo seguinte, de Cintia Xavier e Karina
Janz Woitowicz, demarca o debate das novas tecnologias a partir da aprovação das Novas Diretrizes Curriculares para o ensino
do jornalismo. Na sequência, essa seção traz o debate dos professores Hebe Gonçalves de Oliveira e Márcio Fernandes sobre as
características da convergência digital a partir de um campo de
atuação do jornalismo, neste caso o das assessorias de comunicação e de imprensa dos governos estaduais, tendo como exemplo
a Agência Estadual de Notícias (AEN), vinculada ao governo do
Paraná. Sob o nome “Convergência e multimidialidade: desaios da Agência Estadual de Notícias do Paraná na plataforma web”, o capítulo é resultado da pesquisa dos autores sobre o
tema. Outro assunto diz respeito ao papel das mídias a partir da
web 2.0: é apresentado por Denis Porto Renó e Andressa Kikuti
Dancosky sob o título “Entre a convergência e a divergência:
o ‘jornalismo cidadão’ da Mídia Ninja”. Esse capítulo oferece
um estudo de caráter analítico relexivo sobre o papel dos meios
de comunicação e da difusão de informação a partir da web 2.0
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e das tecnologias móveis, tendo como objeto as ações da Mídia
Ninja. Para tanto, fortalecendo as hipóteses que estimulam esse
estudo, foram selecionadas de forma aleatória e por conveniência
algumas coberturas realizadas pelo grupo. No capítulo seguinte,
“Experiências fotojornalísticas em um cenário de convergência midiática: os novos espaços de autoria”, de Eliza Bachega
Casadei, teremos contato com relexão acerca do fotojoralismo
e de como ele está reposicionando sua prática, ao legitimar imagens produzidas por amadores que a cada dia mais se inserem
na composição das notícias. A autora defende que tal reposicionamento foi acompanhado de uma reairmação do papel do fotojornalista proissional. No último tópico dessa seção encontramos o texto “Jornalismo e interatividade: os desaios das novas
ambiências”, de Marcelo Engel Bronosky e Luciane Justus dos
Santos. Nesse capítulo, os autores discutem como têm sido construídas as interações no jornalismo impresso regional a partir do
advento e das potencialidades das mídias digitais. Ou seja, desde a popularização do acesso à internet e a ampliação de canais
de participação dos consumidores nas mídias tradicionais, como
isto vem sendo construído, notadamente na relação entre leitores
e jornalistas. Para tanto, o estudo se pautou em dois jornais regionais – Jornal da Manhã e Diário dos Campos, a im de mapear
como se dão estes luxos.
Na segunda seção, Transformações do jornalismo no cenário de convergência, os capítulos apontam para o esforço de discutir conceitualmente as principais mudanças no jornalismo e
na sociedade a partir das novas tecnologias. Como isso tem sido
visto atualmente e suas implicações futuras. Neste particular, a
seção abre com o capítulo “Redações desterritorializadas e as
possibilidades de modelagem de narrativas objetivas, concretas e factuais”, do professor Juarez Tadeu de Paula Xavier. Neste
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momento, o autor apresenta relexão sobre os impactos das novas tecnologias no âmbito da produção jornalística propriamente. Sua preocupação é pensar como os conteúdos jornalísticos se realizam em redações desterritorializadas. Para tanto,
ele discute alguns cânones jornalísticos, como a objetividade, a
subjetividade. Na sequência, os professores Sérgio Luiz Gadini e
Carlos Willians Jaques Morais apresentam o texto “A formação
da opinião pública em tempos de cultura da convergência”.
Esse trabalho discute, de forma conceitual, a formação da opinião
pública em tempos de convergência midiática e suas relações na
formação de uma nova cidadania informatizada. Inquieto com
os impactos das novas tecnologias junto à sociedade midiatizada
no âmbito da opinião pública, o texto chama a atenção para suas
implicações e para a forma como essa questão tem sido discutida na contemporaneidade. O terceiro capítulo dessa seção traz
o trabalho do professor Antonio Francisco Magnoni: “Dilemas
do jornalismo na era das redes digitais e da globalização”.
Nesse capítulo, o autor identiica as primeiras manifestações do
uso digital a partir do aparecimento dos computadores pessoais
e como isso tem inluenciado a sociedade e o jornalismo em seus
múltiplos aspectos. Magnoni discute, entre outras coisas, a crise
do atual modelo de negócio midiático-jornalístico desde a presença mais intensa da internet, bem como as transformações
nos conteúdos e formatos com a introdução do meio digital, e
também seus impactos na atividade proissional. Já os professores Juliano Maurício de Carvalho e Ângela Maria Grossi de
Carvalho, no capítulo “Do hiperlocal aos insumos criativos: as
mutações do jornalismo na contemporaneidade”, pontuam as
principais inluências nos modos de fazer e compreender a presença das Tecnologias da Informação e Comunicação (TICs) em
sociedade, relacionando seus aspectos ao jornalismo e à mídia.
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Eles identiicam a necessidade de fortalecer a indústria criativa
como fator de desenvolvimento do jornalismo em tempos de
crise. Neste cenário, os atores reconhecem a convergência e o
hiperlocal como elementos que demarcam o desenvolvimento
do jornalismo em ambientes digitais. Na sequência, o capítulo
“Desaios comerciais no ciberjornalismo: exame de modelos
baseados em comércio eletrônico”, de Francisco Rolfsen Belda. Através de um texto analítico-relexivo, esse estudo tem por
objetivo discutir as potencialidades da internet e do meio digital
adotados pelo mercado, percebendo caminhos e mudanças nesse
tipo de modalidade de negócio. A introdução do meio digital tem
provocado mudanças nas formas de comercialização dos conteúdos jornalísticos, não mais baseadas nos modelos de assinaturas ou
vendas em banca. Esse capítulo procura reletir sobre as transformações nessa nova comercialização reconhecendo estratégias nesse fazer, tendo como ponto de partida os jornais Folha de S.Paulo
(Brasil) e El País (Espanha). No fechamento dessa seção, o professor Angelo Sottovia Aranha apresenta um diagnóstico dos impactos das Novas Tecnologias da Informação (NTIs) no mercado do
jornalismo, as quais se desdobram em inluências na proissionalização. Com o título “Cenário de convergência desaia a formação
de jornalistas”, faz análise ampla sobre as marcas que as NTIs têm
deixado no jornalismo e os desaios que isso vem provocando no
fazer jornalístico propriamente.
São algumas indicações a respeito do que o leitor encontrará
nesta obra, que se vocaciona a aportar uma contribuição crítica
para os estudos do jornalismo em situações de convergência.
Boa leitura!
Marcelo Engel Bronosky
Juliano Maurício de Carvalho
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PREFÁCIO
La convergencia, epicentro
de la revolución informativa
Carlos Soria
Chairman
Innovation Media Consulting
El foco principal de este libro puede parecer – en una primera
aproximación – un tema de interés, pero no una cuestión central en el panorama convulso y desconcertado de la información
social contemporánea.
Pero el tema Jornalismo y convergencia no debe ser
considerado sólo una simple cuestión de moda, ni otra forma
de aludir y tratar el terremoto de la revolución digital, ni – por
supuesto – un puro problema organizativo de las empresas de
comunicación, de sus redacciones y gerencias.
Todo esto sería ya mucho pero la convergencia tiene
un calado mayor, apunta – por decirlo de un modo rápido-a
la mayoría de las incertidumbres, soluciones, riesgos y
oportunidades del momento actual informativo. Es el punto de
encuentro de las dudas y desafíos, de los intentos y soluciones
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por asentar el futuro de la comunicación. La convergencia es el
epicentro de una relexión teórica y práctica para ganar la batalla
al tsunami que la revolución digital e internet han provocado en
los medios de comunicación.
Internet no es sólo un nuevo medio de información y
comunicación. Entenderlo reductivamente así fue un error
catastróico que determinó pérdidas millonarias – en las diferentes
burbujas que ya se han producido en internet- y dejó una cicatriz de
desconianza y resentimiento digital en el alma de muchos editores.
Internet es, ante todo y sobre todo, una matriz digital que
comprende todos los lenguajes, escritos, gráicos y audiovisuales
y, por tanto, contiene in nuce todos los medios de comunicación
presentes o futuros.
La revolución digital e internet han roto las fronteras
tecnológicas que separaban y hasta caracterizaban los diferentes
medios de comunicación clásicos o convencionales. Se ha
producido una fuerte convergencia tecnológica que se ha
proyectado en todas las direcciones.
A partir de este hecho no es difícil entender que internet
tenga que ser el corazón tecnológico de las nuevas empresas de
comunicación y deba ocupar una posición rigurosamente central
– no aislada ni periférica –, en el sistema nervioso de cada una de
las empresas de comunicación. Es la estrategia más coherente si
se persigue seguir las migraciones de las audiencias y atender los
nuevos hábitos de consumo que la revolución digital ha generado
socialmente.
Hay un nuevo escenario – emergente y en maduración-y
un cuadro general de actuación de los medios que exige una
estrategia y unos movimientos operativos también nuevos. Los
medios tienen el desafío de reinventarse de forma periódica
porque los contenidos de cada plataforma han de hacerse
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complementarios. El número de jugadores en el terreno
informativo se ha multiplicado exponencialmente porque las
redes sociales forman parte ya del periodismo contemporáneo. La
mediación social que el periodismo y los medios clásicos tenían
en exclusiva ha empezado también a cambiar. Han quebrado
los conceptos clásicos del tiempo y el espacio informativos y la
información se ha convertido en un continuo, veinticuatro horas
al día, siete días a la semana. Los costos de elaboración industrial,
distribución y almacenaje de la información digital son casi cero.
Ha entrado en crisis el modelo clásico del negocio informativo
que ha estado vigente decenas de años y se ha generalizado el
clima de gratuidad y acceso libre para la información básica…
Ya puede decirse que han desaparecido los monomedia.
Porque encontrar a las audiencias cuándo, dónde y cómo ellas
quieran no se puede conseguir con plataformas monomedia, Se
hace preciso ir más allá del papel, las ondas, el cable o internet
entendido como medio. Todas las empresas están, pues, llamadas
a ser organizaciones multiplataforma, bimedia-multimedia,
generadoras de contenidos editoriales y comerciales para todas las
posibles plataformas que quiera activar la empresa. Las empresas
informativas son – como viene manteniendo Innovation desde
hace años – reinerías informativas y de entretenimiento, turbinas
editoriales y comerciales, centros de información – no silos
informativos –, y sus redacciones, redacciones de banda ancha,
como ha escrito algún periodista contemporáneo.
En este entorno multimedia, la digitalización aporta
la dimensión hipertextual y la red hace posible el potencial
de la interactividad. Multimedialidad, hipertextualidad e
interactividad han de estar en la base – en el corazón y en la
cabeza – de los medios, de los modos, de los lenguajes y de las
narrativas informativas.
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Y la forma de anclar a tierra, de dar viabilidad a todos
estos objetivos, de superar el esquema monomedia, se llama
convergencia. La convergencia es la solución menos mala para
pasar a un modelo en el que los contenidos y las audiencias ocupan
una posición central. Es verdad que no existe un único modelo
de convergencia y que resulta difícil y hasta antinatural intentar
copiar los modelos de convergencia que se van instaurando. Pero
la convergencia es un imperativo que hay que descubrir e instalar,
caso a caso, en todas las empresas de comunicación.
Esta convergencia hecha a medida exige reorganizar
radicalmente desde otras bases el trabajo de las redacciones
y gerencias. Lleva a crear nuevos periles de trabajo en las
organizaciones. Modiica radicalmente los lujos de trabajo
y los modos clásicos de desenvolverse las redacciones y los
protocolos sobre la forma de tomar y ejecutar las decisiones. Y
hasta demanda un nuevo diseño de los espacios físicos de las
redacciones que han de convertirse en lugares abiertos, diáfanos,
sin paredes ni columnas, sin barreras y sin despachos, con salas
de reuniones transparentes y pequeñas, zonas informales de
reunión, monitores y video en las paredes, estudios de radio y
televisión, estudios de fotografía, cafés y áreas de descanso, etc.
La convergencia incide de forma importante – y así lo
entiende y explica este libro – en el periodismo y en la forma de
ejercerlo en un ambiente que ya no es monomedia ni debe ser el
resultado de la simple yuxtaposición of y on line.
“Habrá blogueros, tuiteros y gestores de contenidos en
plataformas de todo tipo”, airma Jefrey C. Alexander, pero la
profesión de periodista va a seguir siendo necesaria, sea cual sea
la empresa en que se ejerza, como sus valores de independencia,
veracidad y rigor”.
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La convergencia está sometiendo al periodismo de
nuestros días a una intensa metamorfosis. No en el sentido de
una mutación que lleve al periodismo a transformarse en otra
cosa cuyo nombre aún no conocemos, sino a cambios profundos
que no alteran la substancia de su alma.
El buen periodismo del futuro, con palabras de Bassets,
nacerá “del mix generacional y del mestizaje entre la cultura
analógica y la digital”.
Pueden cambiar las plataformas, las herramientas, los
lenguajes pero no pueden cambiar “las células madres del
periodismo”, en expresión de Díaz Nosti, ni el periodismo con
sus “valores y secretos intactos”, como dice Gonzalo Peltzer.
Por eso, como escribió Kapuscinski y ha recordado
recientemente haïs de Mendonça Jorge, “o jornalista é um
caçador furtivo em todos os ramos das ciencias humanas”.
Hay demasiados motivos para encarar con seriedad
y urgencia el tema de la convergencia. Y este libro lo hace. En
la convergencia se ventilan los temas centrales y básicos del
periodismo y los negocios de la información contemporánea. Y
hay que hacerlo con magnanimidad, con esa magnanimidad que
nos lleva a recordar a Spencer: Si un hombre intenta apedrear a la
Luna no lo conseguirá, pero llegará a ser un buen hondero.
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SUMÁRIO
PARTE I
TRANSFORMAÇÕES DO JORNALISMO
NO CENÁRIO DE CONVERGÊNCIA
Desaios comerciais no ciberjornalismo: exame de modelos
baseados em comércio eletrônico ............................................................ 21
Francisco Belda
Dilemas do Jornalismo na era das redes digitais e da globalização ..... 43
Antonio Magnoni
Do hiperlocal aos insumos criativos: as mutações do jornalismo na
contemporaneidade.................................................................................... 69
Juliano Mauricio de Carvalho e Angela Maria Grossi de Carvalho
Cenário de convergência desaia a formação de jornalistas ................. 89
Angelo Sottovia Aranha
A formação da opinião pública em tempos de cultura da
convergência..............................................................................................115
Sérgio Luiz Gadini e Carlos Willians Jaques Morais
Redações desterritorializadas e as possibilidades de modelagem de
narrativas objetivas, concretas e factuais .............................................. 131
Juarez Tadeu de Paula Xavier
PARTE II
SITUAÇÕES DE CONVERGÊNCIA
NO JORNALISMO BRASILEIRO
A inserção das mídias digitais no processo de formação jornalística:
perspectivas teórico-práticas de ensino do Jornalismo em tempos de
convergência..............................................................................................155
Cintia Xavier e Karina Janz Woitowicz
Entre a convergência e a divergência: o “Jornalismo Cidadão” do
Mídia Ninja ...............................................................................................173
Denis Renó e Andressa Kikuti Dancosky
Experiências fotojornalísticas em um cenário de convergência
midiática: os novos espaços de autoria ..................................................193
Eliza Bachega Casadei
A convergência de mídia e suas repercussões no processo de
produção de um jornal regional .............................................................213
Paula Melani Rocha e Gisele Barão
Jornalismo e interatividade: os desaios das novas ambiências ...............233
Marcelo Engel Bronosky e Luciane Justus
Convergência e multimidialidade: desaios da Agência Estadual de
Notícias do Paraná na plataforma web ..................................................257
Hebe Gonçalves e Marcio Fernandes
Sobre os autores ........................................................................................277
PARTE I
Transformações do
jornalismo no cenário
de convergência
DESAFIOS COMERCIAIS NO
CIBERJORNALISMO: exame de
modelos baseados em comércio eletrônico
Francisco Rolfsen Belda1
1 Introdução
Este trabalho expõe relexões derivadas de um projeto de pesquisa que busca descrever os modos com que conteúdos jornalísticos têm sido organizados e veiculados em ambientes de
mídia digital, visando entender como eles se coniguram para
atender a modelos de negócio emergentes no mercado da comunicação. Para isso, é apresentado um ensaio que demonstra
e questiona algumas formas especíicas com que conteúdos informativos dotados de interesse público, ou de interesse do público, são vinculados a novas modalidades comerciais adotadas
pelos jornais, incluindo guias de serviços, links de publicidade e
anúncios de comércio eletrônico.
Professor do Programa de Pós-Graduação em Televisão Digital e do Departamento de Comunicação Social, Faculdade de Arquitetura, Artes e Comunicação,
Universidade Estadual Paulista (UNESP). E-mail: belda@faac.unesp.br
1
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Como io condutor de raciocínio, é tecida a seguinte hipótese, sintetizada em três enunciados: a) em sua busca por oportunidades de negócio nos cibermeios, os jornais passam a testar
formas de exploração comercial de seus conteúdos para além da
venda de publicidade e assinaturas; b) submetidos a novos modelos de negócio, os conteúdos jornalísticos são ocasionalmente
utilizados como elemento indutor de acesso para ofertas de comércio eletrônico; c) vinculadas a gêneros informativos, essas
modalidades comerciais levam ao surgimento de publicações
com características parajornalísticas, com menor autonomia e
isenção editorial.
Para justiicar essa abordagem, consideramos que, na
chamada “sociedade capitalista da informação”, como sublinha
Cohn (2000, p. 24), os sistemas de comunicação estão subordinados e reduzidos à condição de subsistemas dos sistemas
de informação, que atuam de modo decisivo na “modelagem”
econômica do sistema e, portanto, exercem um papel de sobredeterminação em relação àqueles. Segundo o autor, “antes de
falar de conteúdos, conigurações, signiicados, cabe procurar a
operação fundamental, aquela sem a qual não há para onde dirigir o olhar. [...] a comunicação opera no interior dos recortes
estabelecidos pela informação”.
De acordo com essa visão, a seleção do repertório de elementos signiicativos que constituem o processo comunicacional é disposta em conformidade com esquemas de informação
economicamente predeterminados. Compreender essa modelagem econômica, e os aspectos que ela assume diante do caráter
mercantil dos conteúdos jornalísticos, parece constituir, portanto, uma tarefa fundamental na busca de entendimento sobre as
estruturas subjacentes às novas formas de organização de jornais
emergentes nos cibermeios, suscitando algumas questões:
JORNALISMO E CONVERGÊNCIA
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• Como se coniguram as novas modalidades comerciais
operadas pelos veículos?
• Quais vínculos há entre essas operações comerciais e o
conteúdo do noticiário?
• Quais oportunidades, riscos e implicações derivam-se desses modelos?
Para ilustrar e desenvolver esses pontos, este texto retrata
o problema das estratégias de negócio para o jornalismo a partir
dos resultados iniciais de uma pesquisa exploratória sobre o tema
e reúne exemplos colhidos a partir de uma análise de conteúdos
referentes a operações mantidas pelos jornais Folha de S. Paulo
(do Brasil), e El País (da Espanha), envolvendo a publicação de
guias informativos, links de publicidade e anúncios de comércio
eletrônico na internet.
2 Estratégias de negócio em jornalismo
Tem sido difícil falar de modo propositivo acerca de modelos
estratégicos de negócio quando se olha a face atual do mercado
jornalístico, conforme revelada, por exemplo, em documentos
publicados pela World Association of Newspapers and News
Publishers e por consultorias especializadas. As circunstâncias
dessas operações alteraram-se tão rapidamente, e tão radicalmente, em menos de duas décadas, que, no lugar de uma estratégia,
parece ter havido um movimento de trânsito quase caótico a conduzir proissionais, empresas e veículos a territórios insuicientemente previstos, compreendidos e explorados no ciberespaço.
Por mais que chamem atenção algumas soluções adotadas por
grandes veículos, com suas monumentais especiicidades (como
o modelo de cobrança adotado por he New York Times a partir
DESAFIOS COMERCIAIS NO CIBERJORNALISMO
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da concepção de um “muro poroso”), e ainda que as expectativas
se voltem, agora, ao que será feito por he Washignton Post, sob
controle de Jef Bezos, criador da Amazon, nada nesse mercado
aponta, ainda, para o surgimento de um modelo de referência.
Como observam, com clareza, Anderson et al. (2012),
o impasse atual relete o esgotamento das estratégias de negócio concebidas para uma era industrial dos jornais e ainda não substituídas por um modelo adequado ao “jornalismo pós-industrial”, tendo na internet o marco fundamental
dessa disrupção. Para esses autores, o advento da rede praticamente acabou com o modelo de subsídio dos jornais pela
publicidade, obrigando-os a se reestruturarem e a buscarem
novas oportunidades. O resultado mais nítido, até aqui, tem
sido a transferência de receitas publicitárias dos veículos de
imprensa para novas mídias baseadas na internet e adeptas
de uma publicidade orientada a resultados, das quais o Google
e o Facebook são os exemplos maiores e mais conhecidos.
Ao mesmo tempo, parece haver nesses novos mercados uma abundância volátil de ofertas e demandas de informação que podem ser redirecionadas a perseguir bens
simbólicos como aqueles que ainda caracterizam a atividade jornalística, em sua missão de selecionar informações e
mediá-las criticamente. Para que se aproveitem essas oportunidades, no entanto, é necessária uma resigniicação da
proposta de valor do jornalismo, de modo que suas ofertas se conectem a novas demandas, que se explorem novos
canais e vias de relacionamento, que se adaptem suas atividades a novos recursos, com novas parcerias e alianças,
para que os jornais tenham, enim, uma nova estratégia para
prosperar, e não apenas para sobreviver.
JORNALISMO E CONVERGÊNCIA
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3 Em busca de novas propostas de valor
As possibilidades de exploração de recursos comerciais no ciberjornalismo para além da exibição de publicidade convencional e
da venda de assinaturas são diversas e não necessariamente novas. Elas incluem a operação de sites de comércio eletrônico; o
uso de dados para o direcionamento de campanhas publicitárias
(target); a remissão de leitores-clientes até módulos de cadastro, venda e de promoção (lead); a geração de tráfego para sítios
especíicos de publicidade, incluindo a inserção editorialmente
contextualizada de links patrocinados; a exibição de anúncios
gráicos (banners ou displays) enriquecidos com interatividade; a
veiculação de posts ou peris patrocinados em redes sociais; a inserção de anúncios interativos em aplicativos (widgets); a localização de estabelecimentos comerciais em mapas colaborativos de
informação; a sobreposição de conteúdos em realidade aumentada sobre páginas do noticiário; a sincronização de mensagens
envolvendo uma segunda ou terceira tela etc.
Diante dessas novas modalidades comerciais, as formas
de preciicação sobre o valor das ações de publicização adquirem
novas variáveis, considerando não apenas atributos de veiculação
(como o número de visualizações obtidas), mas também métricas potenciais relacionadas à efetividade de ações comunicativas,
tais como o número de cliques (ou duplos cliques) recebidos pelo
anúncio; a inalização de uma compra cuja acesso tenha sido originado pelo site do jornal; a realização de uma tarefa pelo leitor
conforme requerida pelo anunciante (como o preenchimento de
um cadastro); ou o ato de se instalar ou baixar um serviço/produto virtual oferecido no anúncio, por exemplo.
Na literatura ibero-americana, os modelos de negócio projetados para o ciberjornalismo receberam a atenção de Flores-Vivar
DESAFIOS COMERCIAIS NO CIBERJORNALISMO
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e Guadalupe (2005), cuja obra caracteriza cenários, práticas, processos e possibilidades de exploração comercial dos novos meios
jornalísticos, incluindo um capítulo dedicado à emergência do
comércio eletrônico como artifício da diversiicação dos negócios mantidos pelos jornais na internet, com a tipiicação de seus
aspectos estratégicos e marcos jurídicos. Os autores estabelecem,
ainda, um conjunto de elementos-chave capazes de deinir o êxito
de uma proposta de valor criada em torno de produtos informativos, considerando seu potencial para atender a necessidades ou
desejos de seu público, estabelecer relações signiicativas com ele,
manejar adequadamente as tecnologias envolvidas nos processos
de produção e distribuição de conteúdos e otimizar os luxos da
informação mantidos ao longo da cadeia de valor na qual eles são
difundidos ou comercializados.
Também Albornoz (2006, p. 115), ao revisar a evolução das
modalidades comerciais em seis veículos jornalísticos em língua
castelhana, identiicou o movimento de diversiicação das fontes
de receita, incluindo inserção de publicidade, venda, subscrição e
sindicação de conteúdos, serviços de informação dirigida a assinantes, além da operação de lojas virtuais de comércio eletrônico,
em um cenário que já reletia a “diversidad de emprendimientos
comerciales [operados por los periódicos] por cuenta propia o en
asociación con terceros”.
Sua pesquisa identiica três etapas distintas na sucessão
dos modelos de negócio para o ciberjornalismo: a primeira,
com oferta de conteúdos gratuitos e venda de publicidade em
formatos simples ou acrescidos de instrumentos de mensuração
(click-through), animação (shoshkeles) ou sobreposição visual
(lyers ou loaters); a segunda, com novas formas de cobrança
pelo acesso ao conteúdo e variações entre pacotes completos
(bundle) e micropagamentos especíicos (de-bundle); a terceira,
JORNALISMO E CONVERGÊNCIA
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com experimentação em torno de modelos diversos, incluindo
a lexibilização da cobrança por meio do uso de iltros quantitativos (porosidade) e busca por modelos especíicos associados a
conteúdos e serviços especializados.
Mais recentemente, a soisticação dessas modalidades
passou a envolver tecnologias que combinam o uso de bancos
de dados e instrumentos de web semântica (BARBOSA; RIBAS,
2008) para capturar, processar, armazenar, monitorar, categorizar
e analisar um imenso e complexo conjunto de dados referentes ao
direcionamento da atenção e aos hábitos de consumo do público,
além de impulsionar a sistematização de outras fontes de dados
para a composição de subprodutos jornalísticos que viabilizam
novas formas de exploração de seu conteúdo e de prestação de
serviços comerciais em nichos de mercado especializados (GRAY
et al., 2012).
Longe de ser passiva, a realização dessas promessas de revigoração valorativa para o jornalismo projeta também uma série
de questões técnicas e, sobretudo, éticas em relação à transparência e à regulação dessas práticas, considerando, por exemplo,
as condições de consentimento e permissionamento que deverão
reger a expropriação dos registros pessoais dos internautas para
ins de marketing direto dos veículos e, principalmente, para sua
comercialização junto a outros agentes do mercado publicitário
(DAVIS; PATTERSON, 2012).
4 Guias, links e comércio eletrônico em jornais
selecionados
Para ilustrar como jornais têm explorado algumas dessas possibilidades emergentes, são apresentados, a seguir, exemplos recolhidos
DESAFIOS COMERCIAIS NO CIBERJORNALISMO
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de páginas mantidas na internet pelos diários Folha de S. Paulo,
brasileiro, e El País, espanhol, com o objetivo de veriicar como
se apresenta, nesses casos, a associação entre conteúdos editoriais
e serviços comerciais relacionados à publicação de guias informativos, links de publicidade e anúncios de comércio eletrônico.
Como resultado preliminar de pesquisa, foram identiicados diferentes modos de vinculação entre conteúdos propriamente jornalísticos e os produtos e serviços anunciados e ofertados à
venda em vitrines virtuais de comércio ou em sites de veículos
parceiros e empresas anunciantes, incluindo formas diretas e indiretas de emprego de recursos de hipertexto para obtenção de
efeitos de indução ao consumo. Alguns desses exemplos são expostos a seguir.
4.1 Análise do jornal El País
O sítio jornalístico do diário espanhol El País na internet recebe
tráfego médio de 1,2 milhão de usuários únicos por dia, que geram, em média, 3,5 milhões de visualizações de páginas no período, conforme dados divulgados pelo próprio jornal em informe
ao mercado publicitário.
As principais divisões de seu conteúdo, nos menus superiores da página de abertura, fazem referência a cinco categorias temáticas de noticiário (internacional, política, economia,
cultura, sociedade e esportes), além de destaques de ocasião.
Em nível secundário, em coluna lateral à direita, são elencadas três categorias promocionais de “ofertas” (emprego, cursos
e residências), seguidas de um índice geral de páginas, links
de acesso às versões para dispositivos móveis, o fac-símile
digital do jornal impresso, destaques de ofertas de viagem e
JORNALISMO E CONVERGÊNCIA
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produtos, coleção de e-books, lista de widgets, bolsas de valores, serviços diversos (incluindo postos de combustíveis,
jogos, sorteios, mapas e páginas amarelas), classiicados,
promoções e clube de vinhos. Em zonas inferiores da página principal há blocos de chamadas para guias informativos
de moda e turismo e destaques de outras publicações disponíveis em um quiosque virtual de leitura para assinantes.
Todos esses conteúdos listados são especialmente dotados
de valor comercial.
A maior parte do material identiicado sob os rótulos de “serviços”, “promoções”, “ofertas” e “classiicados” são
operados pelo jornal com apoio ou por meio de veículos parceiros
e, geralmente, não mantêm vínculo com conteúdos noticiosos
especíicos, apesar de terem seus destaques e iltros de busca
alocados em espaços valorizados das páginas noticiosas e
guardarem, muitas vezes, uma relação temática direta com
as categorias em que são subdivididas as notícias. Já alguns
conteúdos especíicos de serviço e, principalmente, os guias
informativos com especial apelo publicitário e editorial sustentam vínculos diretos entre suas páginas de notícias e instrumentos especíicos de comercialização. É o que ocorre
no caso de agendas de cinema e espetáculos que acompanham notícias de cultura e estão vinculadas, por meio de
links, a serviços de venda de ingressos, ou, no caso de relatos
de viagem, vinculados a páginas promocionais de venda de
pacotes de turismo que podem ou não ter destinos referentes às atrações informadas.
No primeiro caso, por exemplo, o conteúdo do jornal leva
ao serviço Cartelera, que leva ao sítio parceiro Entradas.com
(Figura 1a). No segundo, chamadas do jornal levam ao guia El
Viajero, que liga a um serviço comercial próprio, o El País Viaje,
DESAFIOS COMERCIAIS NO CIBERJORNALISMO
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ou a serviços oferecidos por sites parceiros, como Lonely Planet,
Monocle e Ofertas Express, sendo este ligado, por sua vez, ao EskUp, que remete ainda a outros sítios (Figura 1b), como Island
Tours e Weekendesk. Forma-se, assim, uma cadeia sequenciada de
links com motivação comercial tendo por destino uma transação
inanceira cujo io condutor teve início, provavelmente, na leitura
de uma reportagem de turismo. Outra espécie de associação de
conteúdos se dá através do El País Club de Vinos, que se deine
como um serviço de seleção e venda de vinhos para o leitor, que
“te ayuda a que cada elección se convierta en una gran compra,
porque te ofrecemos información previa, garantía de calidad y el
mejor precio de mercado”.
Figura 1: Exemplos de links entre conteúdos informativos e serviços
comerciais
Nas observações realizadas, foram também identiicados casos de inserção de links no corpo do texto de notícias e
reportagens com destino para páginas comerciais relacionadas ao tema da matéria (Figuras 2a, 2b, 2c); colocação de links
no título e ao inal do corpo do texto de resenhas sobre estabelecimentos comerciais retratados em seção editorial; inserção de links na icha técnica de produtos resenhados ou indicados a partir de matéria de serviço (Figura 2d); introdução de
JORNALISMO E CONVERGÊNCIA
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links em legendas de ensaios fotográicos de casas e decoração
para anúncios de venda de imóveis (Figura 2e); inserção de
chamadas compostas em estilo editorial (com uso de fonte
tipográica de textos noticiosos) entre os destaques de uma
editoria e tendo como destino uma peça de publicidade com
oferta comercial para venda on-line (Figura 2f).
Considerando que a maior parte desses vínculos diretos
mantidos entre conteúdos jornalísticos e instrumentos comerciais se dá através de links, vale registrar que a tabela de formatos
e preços de publicidade divulgada pelo jornal indica o valor de
dois euros para o serviço de textlink. A análise de conteúdo dessas
páginas não identiicou, porém, formas explícitas de indicação ao
leitor que o levasse a distinguir entre links com função informativa, elegida por critério editorial, e aqueles cuja inserção deve-se à
adesão publicitária dos anunciantes.
Por outro lado, apesar de o jornal manter um serviço de
coleção de livros eletrônicos disponíveis para venda por meio
de uma vitrine própria de El País Selección no site Amazon, não
foram observados, dentro dos limites dessa análise, vínculos diretos especialmente signiicativos entre o conteúdo noticioso relacionado a livros na editoria de cultura do sítio e essa página
comercial mantida em parceria com a empresa líder mundial do
mercado de e-books.
DESAFIOS COMERCIAIS NO CIBERJORNALISMO
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Figura
2: Exemplos
de conteúdos
links entre
conteúdos
informativos
Figura
2: Exemplos
de links entre
informativos
e serviços
comerciais
e serviços
comerciais
4.2 Análise do jornal Folha de S. Paulo
O sítio do jornal brasileiro Folha de S. Paulo na internet indica ter
tráfego de 23,9 milhões de visitantes únicos, referentes ao mês de
junho de 2013, com 305,5 milhões de páginas vistas nesse período.
JORNALISMO E CONVERGÊNCIA
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Seu slogan, “Folha_o jornal do futuro”, tanto na mensagem quanto na forma (com uso do sinal gráico de underline), remete ao
sentido de inovação e de antecipação a tendências.
Em sua página principal, o conteúdo se divide por
meio de um menu principal com doze seções, sendo nove
correspondentes a conteúdos temáticos editoriais, uma de
classiicados, uma de blogs e a última como extensão do menu
para acesso a outros tópicos. Nota-se que os botões de segundo
nível derivados desse menu podem referir-se tanto a conteúdos
noticiosos quanto a conteúdos de serviço informativo com
apelo comercial. Assim, a seção de economia também abriga classiicados e a seção de cultura dá acesso a um guia de
eventos. Dentre esses conteúdos, destacam-se a seção informativa Guia Folha, as páginas de comércio eletrônico Folha
Shop e Livraria da Folha e o sítio de classiicados do jornal.
Também se registra, nas páginas da Folha na internet, o uso
de links patrocinados.
O Guia Folha publica conteúdos sobre cinema, teatro,
dança, passeios, exposições, atrações para crianças, shows e
concertos, restaurante, outros estabelecimentos de alimentação, além de bares e casas noturnas. Os usuários podem
se cadastrar e criar um peril personalizado declarando suas
preferências culturais e de lazer. Alguns dos textos informativos sobre espetáculos, e notadamente peças de teatro,
incluem link no corpo da matéria para o site externo de vendas Ingresso Rápido (Figura 3a). Outros, por exemplo, dedicam-se a orientar o leitor sobre as opções mais convenientes
entre várias alternativas para a aquisição de ingressos.
Os textos do Guia geralmente incluem nomes de empresas
retratadas, preços de seus produtos e serviços, e frequentemente trazem vínculos diretos a páginas comerciais especíicas de
DESAFIOS COMERCIAIS NO CIBERJORNALISMO
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determinados estabelecimentos, por meio de links no corpo do
texto, em listas destacadas ou em legendas de fotos. Reportagens
sobre estabelecimentos comerciais, frequentemente adjetivadas,
são assinadas por jornalistas ou por termo indicativo da sede da
Redação (“São Paulo”), sem distinção de crédito de autoria entre
conteúdos dessa seção e outros, próprios do jornal.
Foi registrado o uso de chamadas em estilo editorial, com
disposição e fonte tipográica iguais às empregadas em destaques
noticiosos, para remissão direta a uma página de venda de produtos em sítio de e-commerce do próprio jornal (Figura 3b). Há
também uma vinculação direta entre a editoria Comida do jornal,
correspondente a um caderno semanal da versão impressa, e os
sistemas de busca de restaurantes e bares do Guia, na internet. Vale
notar que esse mesmo tipo de associação entre conteúdo editorial
do jornal e iltros de busca do guia de serviços não ocorre em relação à editoria de cultura, ou Ilustrada, mesmo em suas subsseções
de cinema, teatro e shows, que possuiriam, em tese, correspondência direta com as respectivas categorias dessa editoria.
Figura 3: Exemplos de links entre conteúdos informativos e serviços
comerciais (III)
O jornal mantém dois sítios de comércio eletrônico direta
ou indiretamente associados a seu portal. O Folha Shop, apesar de
dispor de anúncios em destaques e blocos de exibição de ofertas
JORNALISMO E CONVERGÊNCIA
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integrados às páginas do noticiário, pode ser considerado um veículo separado do jornal, tendo seu conteúdo comercial vinculado
ao serviço Shopping UOL e constituindo, portanto, uma extensão
do buscador de ofertas e comparador de preços da UOL. Aparentemente, ele se vale da marca do jornal para agregar valor à
sua operação, e todas as ofertas exibidas remetem a sites terceiros,
especializados em comércio eletrônico, como Submarino, Americanas, FastShop, entre outros.
Já a Livraria da Folha é um serviço de comércio eletrônico próprio e integrado ao site do jornal, embora seja administrado como uma empresa à parte e apresentado como um
veículo “parceiro” pelo site de publicidade da empresa. Seu conteúdo informativo e de ofertas está dividido entre livros, ilmes
e séries, shows, games e CDs, sendo que esta última categoria
aparece apenas no iltro de buscas, sem botão de destaque na
página. Trata-se, em síntese, de uma loja virtual que vende produtos próprios, editados e publicados pelo próprio jornal (livros
e coleções Publifolha), e de terceiros (livros, ilmes, discos, séries, shows e games em geral).
Há reportagens especialmente produzidas e publicadas
nessa seção com conteúdos alusivos às obras vendidas, incluindo
links no corpo do texto que remetem a textos complementares
ou a outras obras à venda (Figura 4). Esses textos são assinadas
por “Livraria da Folha” e, a exemplo do que ocorre no Guia, não
mantêm vínculos diretos com conteúdos correlatos publicados
pela editoria de cultura do jornal. Alguns desses conteúdos informativos aparecem em formato multimídia (como uma entrevista
em áudio com o autor de um livro à venda) e procuram oferecer
subsídios e orientações que, em geral, cumprem o efeito de induzir o leitor à tomada da decisão de compra.
DESAFIOS COMERCIAIS NO CIBERJORNALISMO
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Figura 4: Exemplo de vínculo entre conteúdo editorial e de comércio
eletrônico (I)
Veriicou-se também que a vinculação entre conteúdo noticioso do jornal e ofertas da Livraria da Folha pode ocorrer com
maior ênfase em situações especíicas, conforme observado por
ocasião de visita do Papa Francisco ao Brasil, quando ofertas de
livros e ilmes sobre o pontíice dividiram o espaço editorial do
portal jornalístico com reportagens e outras matérias especialmente alusivas a essa pauta (Figura 5).
Figura 5: Exemplo de vínculo entre conteúdo editorial e de comércio
eletrônico
JORNALISMO E CONVERGÊNCIA
36 |
O jornal dispõe, ainda, de serviços de anúncios classiicados próprios, nas categorias de imóveis, veículos, empregos e negócios, com acesso também a partir do menu de notícias, como
uma subsseção da editoria de economia. Todas as páginas do sítio
jornalístico abrigam, potencialmente, blocos de links patrocinados
cercados e separados do corpo dos textos, um serviço publicitário
que é fornecido por meio de uma parceria com o UOL Cliques e
que, assim, se diferencia da modalidade de inserção de links veriicada na relação entre o Guia Folha e o site Ingresso Rápido, por
exemplo. Diferentemente do que foi visto no El País, a tabela de
preços de publicidade da Folha não faz menção à comercialização
da inserção avulsa de links patrocinados em textos.
5 Desafios e implicações dessas modalidades comerciais
Como visto, as modalidades comerciais apresentadas nesses exemplos dependem de um relacionamento direto que vincula conteúdos jornalísticos de gêneros informativos (como notas, notícias,
reportagens e ensaios fotográicos) e opinativos (como resenhas,
artigos, crônicas e colunas) a ofertas de comércio eletrônico, com
o objetivo de potencializar o acesso às vitrines de venda e, consequentemente, a geração de receita obtida com essas operações.
É possível questionar, porém, a pertinência da classiicação
desses subprodutos comerciais dos jornais como produtos
jornalísticos, uma vez que, conforme descritos, eles deixam de
satisfazer ao menos duas (a e c) de três condições necessárias
para a caracterização desse tipo de atividade editorial no âmbito
dos cibermeios, como deine López García (2005, apud MESO;
LÓPEZ; ALONSO, 2008, p. 81), ou seja: “a) la primacía del contenido propriamente periodístico (frente a otro tipo de oferta, por
DESAFIOS COMERCIAIS NO CIBERJORNALISMO
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ejemplo la venta de productos [...]); b) la sujeción a la actualidad
temática; y c) el empleo de criterios periodísticos y profesionales
en la generación de contenidos”.
Considerando alguns dos exemplos tomados da operação
de guias de serviço, links de publicidade e ofertas de comércio
eletrônicos pelos jornais analisados, bem como as pressões que
sabidamente se exercem pela instrumentalização comercial de
conteúdos jornalísticos em uma economia de mercado, nossa
percepção é de que a vinculação dessas modalidades comerciais a
gêneros de conteúdo estritamente jornalísticos leva ao surgimento de produtos cibermediáticos de viés publicitários-editoriais
com características parajornalísticas, dotados de menor autonomia e isenção editorial em relação aos conteúdos que veiculam,
uma vez que sua seleção e promoção estão condicionadas a parâmetros extrínsecos aos do jornalismo.
Essa condição se caracterizaria, por exemplo, pela introdução de critérios comerciais na composição dos valores-notícia
que determinam a seleção das pautas e a posição hierárquica de
destaques informativos e, provavelmente, pela restrição da liberdade de crítica em relação aos conteúdos informativos e opinativos alusivos aos temas tratados ou diretamente aos produtos e
serviços exibidos para comercialização, interferindo também na
composição semântica das mensagens, com a introdução deliberada de adjetivos e outras formas verbais de apelo propagandístico para obtenção de efeitos indutores de consumo.
Dessa forma, é possível sustentar a hipótese de que o modelo de negócios que ampara esses novos produtos parajornalísticos introduz, na operação dos jornais, elementos de tensão
capazes de afetar, negativamente, a autonomia e a isenção dessas
atividades, submetendo-as à lógica promocional própria das operações de comércio eletrônico.
JORNALISMO E CONVERGÊNCIA
38 |
Sugere-se, portanto, que os as oportunidades identiicadas
em torno desses novos modelos sejam avaliadas não apenas em
relação a seu potencial econômico, mas também em relação aos
riscos que introduzem, a médio e longo prazo, tendo em vista seus
possíveis relexos na redução da autonomia dos editores em relação à produção de material informativo e opinativo, na geração
de conlitos éticos na gestão de conteúdos, no reposicionamento
de anunciantes como sócios partícipes da operação comercial de
jornais e no comprometimento da percepção do público em relação ao lastro de credibilidade que, convencionalmente, legitima a
qualidade e a independência editorial dos veículos.
Ainda assim, é possível prever situações em que esse tipo
de exploração comercial possa ser mantida sob o controle de uma
gestão proissional, comprometida com os princípios éticos do
jornalismo e capaz de atender a novas demandas de informação e
serviços identiicadas junto a diferentes segmentos de público, ao
mesmo tempo em que zele pela observância do interesse público
maior que justiica suas atividades.
Essa condição poderia ser parcialmente garantida, por
exemplo, a partir da deinição de critérios para a seleção dos produtos e serviços a serem envolvidos nas operações comerciais
descritas, de forma a buscar a máxima sobreposição possível entre a qualidade dos bens simbólicos transacionados, considerando os interesses do público, e os princípios norteadores do interesse público mais amplo.
Para que se avance nessa proposta, seria preciso também
garantir instrumentos de transparência que aclarassem, ao público leitor/consumidor, as relações existentes entre conteúdos
jornalísticos e seus vínculos promocionais, distinguindo matérias
que sejam isentas de outras que se coloquem a serviço das operações de indução ao comércio.
DESAFIOS COMERCIAIS NO CIBERJORNALISMO
| 39
Observadas essas e outras garantias, cabe indicar, ainda, a
possibilidade de adaptação desse modelo de negócio com vistas
à sua operação também por empresas públicas de comunicação,
de modo que elas possam explorar, talvez com exclusividade, a
comercialização de determinados produtos e serviços culturais
e, assim, gerar receitas capazes de complementar (embora não
substituir) os recursos advindos de fontes oiciais e governamentais de inanciamento.
Nesse sentido, é possível identiicar oportunidades relativas, por exemplo, à venda de livros, ilmes e discos inanciados
por meio de editais induzidos por órgãos de governo ou diretamente produzidos por editoras públicas, como é o caso de publicações de selos universitários ou órgãos de imprensa oicial, além
da intermediação, por esses canais midiáticos, da venda de ingressos para espetáculos e eventos também mantidos com apoio
desses segmentos.
6 Considerações finais
Frente ao exposto, convém ressaltar que o objetivo das análises
e relexões apresentadas não se limita a sistematizar essas modalidades que concorrem na busca pela renovação dos negócios
em torno do jornalismo nos cibermeios, e nem se pretende, com
isso, estimular sua adoção. Nossa intenção principal é contribuir para a indicação de parâmetros sob os quais proissionais e
pesquisadores da área possam avaliar se, de que forma e até que
ponto essas práticas comerciais que se colocam como oportunidade para os jornais exercem, também, impactos e implicações
editoriais, na medida em que seus conteúdos passem a ser moldados para induzir disposições de consumo junto aos leitores,
visando estimulá-los não apenas a ler os conteúdos informativos
JORNALISMO E CONVERGÊNCIA
40 |
e opinativos ofertados, mas também a comprar os produtos e
serviços a que eles se referem.
Essa preocupação considera haver uma distinção fundamental entre os acessos a lojas de comércio eletrônico gerados a
partir de anúncios publicitários delimitados em páginas jornalísticas e aqueles acessos gerados a partir de elementos contextualizados no interior de conteúdos editoriais. O primeiro caso
corresponde à alocação convencional de publicidade, com o layout da página dividido entre uma zona jornalística e uma zona
publicitária, apenas com a vantagem de haver links diretos entre
os anúncios e suas páginas de destino. No segundo caso, essas
duas zonas estão mescladas, hibridizadas, levando o noticiário e
os textos de opinião a assumirem o papel de condutores do interesse e da atenção do público em direção às ofertas comerciais,
inaugurando, pela via do hipertexto, novos abalos na mítica separação que se atribui, no jornalismo, entre os domínios da Igreja
(editorial) e do Estado (comercial), conforme os termos do editor
norte-americano Henry Luce (1898-1967).
Sem que se atente a isso, o jornalismo nos cibermeios corre
o risco de obter lucratividade justamente às custas de sua identidade. Em outras palavras, esse modelo pode até vir a dar lucro
para os jornais, mas eles terão deixado, então, de fazer jornalismo.
Referências
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difícil rentabilidad. Revista de Economía Política de las Tecnologías de la Información y Comunicación (Eptic), v. 8, n. 2,
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JORNALISMO E CONVERGÊNCIA
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DILEMAS DO JORNALISMO NA
ERA DAS REDES DIGITAIS E DA
GLOBALIZAÇÃO
Antonio Francisco Magnoni1
1 O primeiro cenário
A digitalização começou a ganhar relevância no ambiente produtivo dos grandes meios de comunicação na década de 1980. O
processo ganhou forma com a introdução experimental de computadores nas redações dos veículos impressos e, pouco depois,
nos estúdios de produção de conteúdos para televisão, nas produtoras de vídeo, nas agências de publicidade e nas gravadoras
de áudio. Nas emissoras de rádio, a informatização dos estúdios
começou a se popularizar nos anos 1990, tanto na produção artística e publicitária quanto no radiojornalismo.
Os computadores serviram como máquinas mais avançadas
de escrever e de compor páginas, inicialmente, pois dispunham de
Professor do PPG em Televisão Digital e do Departamento de Comunicação
Social da Faculdade de Arquitetura, Artes e Comunicação (FAAC) da Universidade Estadual Paulista (UNESP). E-mail: afmagnoni@faac.unesp.br
1
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diversos recursos para redigir, revisar e formatar textos, e também para a criação de projetos gráico-editoriais, para “diagramar” e montar matrizes de impressão de jornais e revistas. Tais
inovações permitiam substituir antigas ferramentas e aperfeiçoar
muitíssimo a qualidade de todas as etapas de editoração, além de
atualizar e agilizar a produção gráica em geral.
Cada nova geração de equipamentos informatizados lançada no mercado internacional apresentava recursos mais soisticados, potentes e mais versáteis para criação, desenvolvimento,
gravação, edição, inalização, armazenamento e também para o
envio de conteúdos sonoros, audiovisuais e gráicos. Surgiram
novas gerações de computadores pessoais (PCs) com hardwares e
sotwares mais eicientes e também mais baratos, além de outras
linhas mais potentes produzidas para a realização de tarefas especíicas e que já serviam para realizar diversos tipos de edição
de linguagens, num período de transição tecnológica em que a
veiculação dos diversos produtos de comunicação continuava a
ser realizada em suportes e canais analógicos.
Nos grandes veículos e nos grupos midiáticos concentrados em polos metropolitanos, nas grandes “praças” gráicas e
publicitárias, houve a rápida substituição de antigas ferramentas
e de processos comunicativos, o que trouxe, de imediato, diversos relexos nos modelos de negócios e no mercado de trabalho.
A comprovada qualidade da produção feita com recursos digitais, a rapidez operacional e a redução de despesas com pessoal,
serviços e materiais instigaram proprietários de veículos ou de
grupos midiáticos a adquirir equipamentos importados (ou até
contrabandeados), com custos mais acessíveis, a cada dia. Assim,
equipamentos e programas informáticos substituíram muitos trabalhadores, e as mudanças produtivas, mais uma vez, causaram
problemas sociais em um momento em que a economia nacional
enfrentava crises contínuas e uma sequência de ajustes drásticos,
que resultavam sempre em retração do mercado de trabalho.
JORNALISMO E CONVERGÊNCIA
44 |
Ainda na fase “pré-internet”, a automatização das “indústrias”
midiáticas se multiplicou relativamente rápido no mercado brasileiro de comunicação e de atividades ains, e provocou no setor
o desaparecimento de muitas funções proissionais relacionadas
aos processos e recursos analógicos de produção.
Durante os anos 1980, o “patronato” da mídia analógica
pretendia investir na informatização de seus veículos motivados
pela mesma lógica dos industriais, que desde a década anterior
vinham automatizando suas fábricas. Todos buscavam digitalizar
suas linhas de produção para reduzir o número de trabalhadores
e os custos operacionais, enquanto planejavam aumentar a qualidade, a competitividade, a produção, a diversiicação de mercadorias e o lucro de suas empresas. A informatização suprimiu
um grande volume de tarefas manuais, intelectuais, ou realizadas com máquinas-ferramenta e extinguiu muitas funções proissionais diretas ou de prestadores de serviços complementares
às diversas atividades midiáticas. Em quase todos os veículos e
atividades de comunicação, desapareceram milhares de postos de
trabalhos, em um curto intervalo de tempo.
No entanto, os donos da “velha mídia” não haviam previsto
o surgimento da internet e os efeitos colaterais que a rápida expansão da rede traria para seus veículos e modelos de negócios.
O primeiro revés midiático intenso e duradouro foi resultante da
conjugação digitalização-convergência de veículos, de conteúdos,
de linguagens e suportes de difusão. O veloz movimento informacional passou a desarticular antigos arranjos produtivos, a
superar modelos de negócio consagrados e a modiicar padrões
e hábitos culturais de produção, difusão, recepção e fruição de
mensagens de comunicação. O luxo de digitalização e convergência se tornou irreversível para os meios, produtos e culturas
de comunicação existentes desde o desenvolvimento da imprensa. A convergência ainda ganharia notáveis reforços com a possibilidade de multimediação e da interatividade.
DILEMAS DO JORNALISMO NA ERA DAS REDES DIGITAIS E DA GLOBALIZAÇÃO
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A preocupação dos grupos de proprietários de veículos começou a aumentar em meados de 1990, quando os brasileiros que
dispunham de computadores domésticos começaram a utilizar a
internet e logo descobriram que o novo meio era um imenso sistema aglutinador e localizador de conteúdos midiáticos, escritos,
pictóricos, fotográicos e audiovisuais. Rapidamente, as linguagens e conteúdos da imprensa, da fonograia, do cinema, do rádio
e da TV passaram a ser “puxados” para os inúmeros ambientes
da rede mundial de computadores. O movimento empírico e entusiasmado dos “internautas” pioneiros contribuiu para que as
novas culturas de comunicação interativa e de multimediação se
desenvolvessem bem antes da digitalização dos antigos meios, e
o novo comportamento coletivo de recepção e fruição de conteúdos e linguagens pela internet se disseminou facilmente entre os
usuários conectados.
A popularização de dispositivos individuais ligados à rede
tem contribuído bastante para aumentar o hábito de fruição multimediática de informações. Aos poucos, os novos “leitores” das
diversas telas do ciberespaço vão “deletando” a possibilidade de
consumir diferentes tipos de informação em diversas plataformas
receptoras. Trata-se de um público que se habitua muito rapidamente a consumir diversas linguagens e conteúdos, desde que
sejam ajustáveis às telas dos dispositivos digitais domiciliares, ou
dos individuais e portáteis.
É bom lembrar que a comunicação de massa é sinérgica e
se molda transferindo linguagens de um veículo para outro, assim
como as matrizes técnicas e conceituais, os gêneros e os formatos.
Na prática, os estrategistas e os proissionais vão manejando
pragmaticamente os modelos produtivos e as ferramentas de
cada meio, de acordo com as necessidades técnicas, econômicas,
publicitárias e editoriais. Tanto os proissionais, quanto o público
JORNALISMO E CONVERGÊNCIA
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ativo das redes do ciberespaço estimulam, com ações práticas
cotidianas, a hibridização de técnicas e tecnologias e o sincretismo
de linguagens tão imanentes aos sistemas digitais de comunicação.
Os processos de hibridização de técnicas e tecnologias e
o sincretismo de linguagens alcançam e padronizam as
informações jornalísticas, de utilidade pública, os repertórios musicais, a programação de entretenimento e os
conteúdos publicitários de todos os veículos partícipes
da indústria cultural. Cada nova tecnologia que é inserida no cotidiano organizacional, proissional, e também
nas redes coletivas do ciberespaço irá alterar o modo de
trabalho e de produção dos veículos, poderá melhorar a
qualidade do conteúdo ou alterar o formato e a deinição
da mensagem emitida, ampliar as possibilidades de interação com o público etc. Ou seja, a mudança tecnológica
e a forma de apropriação social que ela incorpora incidem diretamente no resultado econômico, no modo de
atuação proissional e no mercado de trabalho, nos sentidos das linguagens, nos efeitos estéticos e nos processos
comunicativos dos meios. E, sobretudo, repercutem na
maneira do público receber, interpretar e interagir com
as mensagens recebidas. (MAGNONI, 2010, p. 55)
A crise instalada desde o início da transição analógico–digital acentuou ainda mais a precarização das relações de trabalho
no mercado de comunicação, fez crescer a pressão patronal pela
desregulamentação proissional – como ocorreu com os jornalistas e tem se repetido com as novas funções e categorias laborais
surgidas nos ambientes produtivos digitais. Persiste o achatamento dos salários, enquanto se acentua o esvaziamento dos espaços
produtivos com o crescimento dos trabalhadores temporários e
também do teletrabalho. A organização e o poder de mobilização das diversas categorias de proissionais decresceram e houve
DILEMAS DO JORNALISMO NA ERA DAS REDES DIGITAIS E DA GLOBALIZAÇÃO
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enfraquecimento dos sindicatos dos trabalhadores das áreas de
comunicação.
A formação técnica e superior na grande área de comunicação também registra retração, principalmente nas instituições
privadas de ensino. Na conclusão deste capítulo, discutem-se,
com maior detalhamento, os dilemas que os cursos de Comunicação Social enfrentam para a formação proissional, durante
esse longo período de transição tecnológica, econômica e cultural. As atuais exigências para a proissionalização dos jornalistas e
as novas possibilidades de atuação estão entre os pontos de particular interesse e relevância.
Nesse contexto, a crise dos meios também relete no exercício e na formação das várias funções laborais das atividades de
comunicação social. No entanto, a persistência da crise do setor
nem sempre tem origens tecnológicas, econômicas e políticas. Os
antigos veículos também enfrentam uma crise de origem simbólica, que deriva das mudanças de mentalidades e dos comportamentos coletivos, que vão alterando diuturnamente os modelos
sociais, os processos criativos, produtivos e também os espaços
culturais e as estruturas dos poderes econômico e de representação jurídica e política. São conlitos difusos e subjacentes, que
esgarçam sem trégua as antigas práticas sociais e as múltiplas representações materiais e simbólicas instituídas pelas sociedades
derivadas das várias matrizes e dos diversos níveis de evolução ou
de degradação da modernidade industrial.
2 A digitalização em rede e a destruição produtiva
dos meios de comunicação
As ilimitadas ações colaborativas possíveis nos canais multilaterais do ciberespaço izeram do receptor clássico um revisor e,
JORNALISMO E CONVERGÊNCIA
48 |
também, um reemissor de conteúdos com diversos sentidos, inalidades e padrões de linguagem. Cada internauta conhecedor
dos múltiplos recursos ciberespaciais dispõe de autonomia para
selecionar, em diversas fontes on-line, as informações que lhe
interessam. Ele pode comentar, questionar, denunciar suas discordâncias e reenviá-las simultaneamente para o emissor, e ainda
replicar imediatamente suas considerações para uma imensa lista
de contatos. A antiga e invisível opinião pública passou a dispor
de meios como a interatividade e a comunicação multilateral para
manifestar suas opiniões, de maneira bem visível, abrangente e
incisiva. Tais possibilidades comunicativas e expressivas têm contribuído para ampliar os papéis e as funções do público, que já
não aceita a mera condição de consumidor passivo de conteúdos
midiáticos. O crescimento do ativismo político no ciberespaço
tem alimentado um debate, cada dia mais volumoso e contundente, sobre a necessidade premente de se aprovar uma regulação
democrática que discipline a ação dos conglomerados brasileiros
de comunicação.
Ainal, o uso social da internet tem evoluído praticamente
em paralelo aos objetivos de desenvolvimento, inovação e ampliação dos sistemas informatizados comerciais. O ciberespaço
projetou-se como uma ferramenta inteligente, transversal, versátil e adaptável para a realização de quase todas as atividades
humanas. O acesso mundial e coletivo às redes de computadores
vem redeinindo continuamente os padrões e as funções nacionais e globais da comunicação midiática. A ação ativa dos usuários da internet alimenta as contínuas mudanças no universo
on-line, nos sistemas técnicos, nos padrões mercadológicos, nos
sistemas reguladores e culturais, e nos âmbitos público, privado,
individual e social.
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Os percentuais de crescimento da internet são bastante
signiicativos, quando comparados com a progressão de outros
veículos presentes no mercado brasileiro. Além do crescimento
do acesso domiciliar, a popularização das plataformas portáteis
tem ajudado a ampliar e a individualizar a audiência do ciberespaço. Os dispositivos digitais móveis reproduzem, na internet,
semelhanças com o contexto havido durante a disseminação dos
receptores transistorizados de rádio. A internet dispõe concretamente de recursos e de apelo popular até para disputar, no futuro, o faturamento e a audiência da poderosa televisão aberta. A
principal arma da internet é a oferta de conteúdos segmentados
e por demanda, que atendem às exigências de diversiicação dos
produtos midiáticos, com a vantagem de possibilitar o acesso individualizado, em tempo real ou diferido, conforme cada “internauta” tem disponibilidade de atenção.
O fato de o rádio (que no Brasil ainda tem transmissão
e recepção analógica) e a televisão aberta utilizarem em todo o
mundo plataformas exclusivas para digitalização não impedirá
que os dois veículos sejam atraídos pelo ciberespaço, como já
ocorreu com os jornais e revistas, que replicam a maior parte de
seus conteúdos diários em versões digitais, ou que mantêm sites e portais noticiosos com linguagens e dinâmicas de cobertura
adaptadas para a internet.
Magnoni (2010) observa que a TV aberta brasileira agregou, com a digitalização da transmissão e da recepção, a perspectiva da portabilidade, evidência expressiva de que um mercado para a TV móvel brota espontaneamente entre as frestas de
outros meios digitais. É o que demonstra a pesquisa de opinião
encomendada pela MTV brasileira; foram entrevistados, em
todo o Brasil, 2.100 adolescentes e jovens das camadas A, B e
C, com idades entre 12 e 30 anos. A pesquisa revelou que 20%
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dos entrevistados possuem aparelhos com capacidade de sintonizar televisão; e 13% deles já assistem a programas pelo celular.
A percentagem detecta o rápido crescimento da sintonia de televisão aberta em telefones celulares e antecipa que há um notável
potencial de desenvolvimento para conteúdos de informação e
entretenimento exclusivos para esse tipo de plataforma (REDAÇÃO ADNEWS, 2010).
De forma objetiva, a televisão digital não melhorou a qualidade da programação e tampouco aumentou ou diversiicou a
quantidade de conteúdos disponibilizados pelas redes comerciais. Até agora, a recepção móvel e portátil é a única inovação
imediata disponível para o público que possui aparelhos celulares
e outros dispositivos com captação de sinais abertos. O desenvolvimento da telefonia celular, da computação e da internet sem io
recolocaram a mobilidade e a portabilidade como as duas grandes inovações agregadas pela comunicação digital. As redes de
televisão se beneiciam gratuitamente dessa tecnologia, embora
não tenham ainda investido em produção de programação especíica para dispositivos digitais móveis.
A expansão da rede em banda larga amplia a audiência da
internet exatamente por oferecer aos usuários todas as possibilidades do ciberespaço e ainda permitir boa sintonia audiovisual,
tanto em computadores ixos e móveis quanto em pequenas telas
de celulares e em outros dispositivos portáteis. A democratização
do acesso à internet rápida, de um lado, também poderá facilitar
a viabilização de canais de retorno para a televisão digital aberta,
e esse recurso é vital para que haja a interatividade plena na programação oferecida. Convergência técnica e sinergia de conteúdos e linguagens são características típicas da “ecologia” digital.
O público da internet experimenta e valoriza, cada vez
mais, a liberdade de escolha que ganhou com a possibilidade de
DILEMAS DO JORNALISMO NA ERA DAS REDES DIGITAIS E DA GLOBALIZAÇÃO
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comunicação interativa e não linear. Ainal, o usuário dispõe de
conteúdos em muitos formatos e linguagens, que estão armazenados em várias plataformas atendidas por ferramentas bastante
amigáveis, que ele pode utilizar conforme suas necessidades ou
disponibilidade de tempo para fruição. Cada internauta pode
optar por tempo real ou diferido, não tem mais que aceitar as
regras arbitrárias de periodicidade da comunicação impressa ou
de grades lineares para difusão, em tempo real, de programações
de rádio e de televisão.
Todos os aparelhos digitais presentes nos diversos ambientes humanos têm sempre muitos recursos para realizar funções
comunicativas, cuja origem está no plano cognitivo. Tal fato permite uma rápida remodelação cultural-cognitiva de seus usuários, com resultados semelhantes entre diferentes povos, com distintas situações materiais. Todos eles passam a ter suas relações
sociais cada vez mais mediadas por recursos de comunicação
ubíquos, interativos e multidimensionais. O processo de digitalização é um catalisador técnico que pode integrar ao ambiente
informático, e ao luxo de dados dispostos no ciberespaço, qualquer aparato binário ligado à rede mundial de computadores. A
internet tornou-se um sistema de comunicação transversal aos
demais meios.
Talvez por isso, pessoas de estratos sociais, culturas e idades diferentes aprendam tão rapidamente a usar as plataformas
de comunicação, que, a cada dia, são mais intuitivas. E todas
sentem prazer em selecionar os assuntos e em organizar agendas com informações ou entretenimento de interesse individual.
Agindo assim, elas se transformam em donas dos espaços de audiência e começam a rejeitar, em seus aparatos de recepção, até as
inserções obrigatórias de publicidade. Ainal, a prática comercial
invasiva persiste nos antigos e nos novos meios informativos como
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o tributo a ser pago pela “gratuidade” dos conteúdos abertos, a
única forma encontrada pelos donos da mídia para “monetizar”
os altos custos de suas atividades de comunicação.
A informação e a comunicação são dois elementos basilares que orbitam o sólido núcleo capitalista da “nova economia
digital”. É notório que veículos de difusão massiva de informação
e comunicação signiicaram, durante o século passado, notáveis
instrumentos de incremento ao modo de produção e consumo
vigente nas sociedades urbano-industriais. Ao mesmo tempo, os
próprios veículos passaram a constituir um admirável modo de
produção e de acumulação capitalista. Tanto que a “nova economia” dos anos 1990 absorveu em seu bojo grande parte dos antigos meios reciclados pela digitalização. Um exemplo do poder
de acumulação da indústria e do mercado de bens simbólicos na
década anterior foram os EUA. Para Dizard (2000),
A mídia é parte de um setor da comunicação que movimenta U$ 500 bilhões, no qual praticamente todos os
produtos de informação e entretenimento competem no
mercado [...]. O comercialismo tem sido o marco das
indústrias de mídias americanas praticamente desde o
começo.[...] No século passado [XIX], a introdução de
novas tecnologias baseadas na eletricidade criou tensões
entre a mídia antiga e a nova que ainda hoje nos acompanham.[...] Outro desenvolvimento menos evidente teve
consequências importantes para as indústrias de mídia
[...]: a nova percepção da mídia como grande negócio comercial. Nos anos 90, as comunicações de mídia, em conjunto, constituíram a sétima maior indústria da economia
americana. Se for medida por padrões compostos de crescimento anual, ocupou o quarto lugar.[...] A comunidade
inanceira norte-americana passou a encarar a mídia como
algo mais que um grupo díspar de empresas desconexas.
[...] Isso disparou um interesse em fusões, aquisições e outras propostas para consolidar as operações da mídia em
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combinações maiores e potencialmente mais lucrativas.
(DIZARD, 2000, p. 103-5)
Com a ascensão da “economia da informação”, da presumida “sociedade do conhecimento”, a produção derivada do trabalho não-material adquiriu deinitivamente condição de mercadoria virtual estratégica para o capitalismo on-line. Conforme a
abrangência dessa rede vai sendo ampliada por toda a extensão
dos territórios físicos, também se multiplicam os ambientes produtivos com proissionais assalariados originários da Comunicação, das Ciências da Informação, da Linguística, da Engenharia
de Sistemas, da Matemática e da Física, do Design e das Artes
Visuais, da Videograia, da Música, da Educação, e de uma ininidade de atividades e de funções laborais.
Para os beneiciários das novas indústrias criativas e também das indústrias materiais robotizadas, o trabalho abstrato dos
manipuladores de símbolos e dos produtores de linguagens para
programação informática e para a comunicação audiovisual passou a oferecer possibilidade de acumulação patronal muito superior e mais rápida que aquela extraída do trabalho manual dos
operários, ao longo dos ciclos industriais modernos.
A grande revolução em termos de avaliação de produtividade e, sobretudo, da eicácia econômica e societal
(para o conjunto da sociedade), com relação à revolução
informacional, é o fato que não podemos mais considerar
que a economia essencial é uma economia dos custos do
trabalho. O que Marx chama de trabalho vivo, ou seja, a
atividade humana, torna-se fundamental para o funcionamento do novo par homem-tecnologias informacionais. Quanto mais se avança nas gerações informáticas,
com o aperfeiçoamento dos sistemas, mais a presença
humana e a interatividade se tornam fundamentais. E é
nesse sentido que a formação, o acordo, as atividades que
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na época de Marx e de Adam Smith eram chamadas de
improdutivas, tornam-se absolutamente essenciais para
o desenvolvimento econômico. É essa contradição que o
capitalismo tem para resolver. (LOJKINE, 1999, p. 96)
O principal legado produtivo da Era Moderna foi a organização do trabalho operário fabril, um grande gerador de mais-valia e que recebeu um impulso extraordinário com a multiplicação
das linhas de montagem, com suas estruturas técnicas soisticadas, que sustentaram o crescente aumento mundial da produção
material até o inal dos anos 1960. No entanto, é preciso ressaltar que houve também, entre as sociedades urbano-industriais
do século 20, a expansão simultânea e geométrica do trabalho
não-material ou não produtivo, derivado principalmente das
chamadas indústrias culturais ou criativas.
Desde a década de 1970, com o início da robotização industrial, da informatização dos conglomerados mundiais de comunicação e a expansão dos serviços de telecomunicações, houve também o crescimento acentuado da produção simbólica e da
importância dos bens e serviços não materiais na economia tradicional. Tais fatores ajudaram a acelerar a “modernização” dos
costumes e também a introduzir novos hábitos de consumo em
todas as sociedades contemporâneas.
Os atuais meios informáticos e de comunicação passaram a
produzir uma diversidade de ferramentas tecnológicas para realização simbólica e de transformação do trabalho abstrato em mercadorias culturais. Eles são as principais fontes de uma modalidade de produção que experimenta um grande dinamismo com
a “nova economia digital”. No entanto, é inegável que as ações
decisórias pensadas estrategicamente nos bastidores econômicos e políticos dos países centrais, costumeiramente urdidas
à revelia dos interesses democráticos de Estados e de Nações,
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têm permitido a diluição ou o reposicionamento das fronteiras e
dos valores historicamente delimitados pela Modernidade. Muitas
das medidas oriundas dos interesses imediatos do grande capital
geram efeitos pragmáticos capazes de desestabilizar concepções
teóricas, formas e modelos seculares de organização laboral e social, que serviram de parâmetros para a consolidação de projetos
de desenvolvimento produtivo, econômico, político, comunicativo
e cultural que embasam as diversas sociedades contemporâneas.
O desenvolvimento da internet comercial permitiu aos
agentes internacionais públicos e privados, durante os anos 1990,
planejarem e aplicarem políticas de globalização com o uso de
redes computacionais com alcance mundial, as quais geraram
um novo ciclo de transformação radical da economia capitalista.
Assim, a competitividade regional e mundial passou a depender
fortemente da produção, ou da importação de processadores e
de programas digitais, e da disponibilidade de serviços de redes
digitais para poder gerir, renovar, mudar ou fechar complexos industriais. As redes digitais também facilitaram a digitalização e a
reorganização de todas as estruturas de informação e serviços públicos e privados. Mesmo o planejamento, a gestão e as estratégias
de produção rural e de exploração de recursos naturais passaram
a receber, por meio das redes, interferências bem maiores do circuito industrial e inanceiro mundial.
Com a organização em rede o espaço ica simultaneamente mais luido, uma vez que ao tornar livres a população e as coisas para o movimento territorial, a relação em
rede elimina as barreiras, abre para que as trocas sociais e
econômicas se desloquem de um para outro canto, ampliicando ao ininito o que antes izera com os cultivares. É
então que as cidades se convertem em nós de uma trama.
Diante de um espaço transformado numa grande rede de
nodosidade, a cidade vira um ponto fundamental da tarefa
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do espaço de integrar lugares cada vez mais articulados
em rede. Ao chegarmos aos dias de hoje, em que a rede
do computador é o dado técnico constitutivo dos circuitos, o espaço em rede por im se evidencia. (MOREIRA,
2007, p. 59)
Desde o início da “era digital”, as sociedades modernas
passaram a viver cenários e contextos produtivos e econômicos
transitórios. O espaço social passou a ser redimensionado constantemente e arbitrariamente pelo célere movimento de “digitalização” das tecnologias e também das atividades humanas, que
resulta da constante inserção de sistemas e de dispositivos de
informática em rede, nos ambientes produtivos e nos modos de
vida contemporâneo.
As redes globais, que são planejadas e operadas a partir dos
países centrais, foram absorvendo as atividades e as relações produtivas e econômicas, que, desde as revoluções produtivas do século XIX, estavam alocadas nos setores industriais, no comércio
varejista, nas estruturas públicas e privadas de serviços e gestão
urbana, e nas instituições inanceiras e bancárias. Assim, a realização presencial ou remota das rotinas laborais, e das tarefas da
vida privada, foi se tornando ainda mais dependente dos recursos
informáticos e dos luxos informacionais. As redes virtuais do ciberespaço são as novas ferramentas de uma ininidade de ações
cotidianas, que são produzidas em todos os ambientes humanos.
Neste início de século, uma realidade nova, apoiada não
mais nas formas antigas de relações do homem com o espaço e a natureza, mas nas que exprimem os conteúdos
novos do mundo globalizado, traz consigo uma enorme
renovação nas formas de organização geográica da sociedade. Diante dessa nova realidade, conceitos velhos
aparecem sob forma nova e conceitos novos aparecem
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renovando conceitos velhos. A rede global é a forma nova
do espaço. E a luidez – indicativa do efeito das reestruturações sobre as fronteiras – a sua principal característica.
(MOREIRA, 2007, p. 56)
A rápida expansão das redes da internet e de todo o ciberespaço também acelerou a digitalização dos meios, dos suportes.
Alterou, ainda, os sentidos dos luxos de informação e as formas de
emissão, recepção e fruição das mensagens para todos os veículos
de comunicação de massa. Deparamos-nos, então, com um contexto de reinvenção dos processos comunicativos modernos e, sobretudo, dos modelos de produção e de negócios que haviam sido
desenvolvidos e praticados desde a primeira revolução industrial.
Nos últimos 20 anos, o barateamento e a popularização das
tecnologias digitais permitiram que muitos tipos de dispositivos
fossem rapidamente incorporados ao cotidiano de bilhões de
pessoas, independentemente da condição econômica, cultural ou
da região geográica em que elas vivam. Mesmo com os repetidos
surtos de crises econômicas, persiste a progressão de indivíduos
que adicionam aos seus ambientes de trabalho e de vivência algum tipo de equipamento digital com capacidade de processar
informações e de realizar quantidades crescentes de operações
comunicativas e produtivas, entre outras tarefas cotidianas.
3 A encruzilhada do jornalismo na era das redes
digitais: Inovar ou morrer?
A crise das “velhas mídias” ainda não se estabilizou. As mudanças
ditadas pelo cenário transitório de digitalização acuam, em todas
as regiões do País, veículos independentes e conglomerados de comunicação impressa e audiovisual. Esse movimento é acelerado e
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questiona ou reposiciona as concepções deinidas pela história ou
pelas relações e funções econômicas, político-ideológicas e culturais que os meios de educação e de comunicação disseminaram
como formas estabelecidas de organização e de desenvolvimento
das sociedades contemporâneas. O declínio dos antigos sistemas
midiáticos se aprofunda mais, conforme aumenta a abrangência
social dos sistemas informatizados.
Crescem signiicativamente, no momento atual, os espaços
informativos não comerciais na internet brasileira, espaços esses
produzidos para se contrapor à abordagem editorial dos grandes
veículos regionais e nacionais. Entre a profusão dos ambientes
informativos e opinativos, predominam os produzidos por jornalistas de renome, embora existam muitos sites e blogs de sindicatos e organizações sociais que são produzidos periodicamente, de
modo proissional, especializado e dirigidos a segmentos de público especíicos, com inalidades semelhantes à antiga imprensa comunitária ou sindical. O que diferencia a nova geração de
meios “alternativos”, “populares”, “comunitários” e “partidários”,
é que eles circulam em uma plataforma com difusão multilateral
de informações, que possibilita a produção colaborativa de conteúdos, permitindo oposição nítida às práticas mercadológicas e
hegemônicas do jornalismo tradicional.
A sucessão de manifestações que vem ocorrendo no Brasil
evidencia, mais do que nunca, que o ativismo mobilizador difundido pela internet tem burlado a capacidade de previsão e de cobertura simultânea dos veículos da mídia convencional. Já nas
primeiras manifestações, os participantes tomaram a rede on-line como base para articular atos e protestos por todo o País,
embora nos pareça que o epicentro do MPL (Movimento Passe
Livre) tenha sido a capital paulista. No entanto, as redes sociais
funcionaram como canais ampliicadores para que a mobilização
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paulistana se tornasse um evento nacional com pautas muito
mais amplas que a original, ao difundir e repercutir constantemente informações e notícias do movimento.
É interessante destacar que os meios tradicionais não
previram tais manifestações e tiveram diiculdades para
realizar, em âmbito nacional, o agendamento e a cobertura dos
acontecimentos simultâneos, e, tampouco, o izeram com precisão
informativa e interpretativa. Os veículos convencionais foram
praticamente atropelados pela sequência atomizada de fatos
movidos por reivindicações de natureza política e econômica,
mas também de motivação ética, moral, social e até eleitoral.
As manifestações dos brasileiros reforçaram a evidência de
que ciberespaço é um ambiente virtual povoado a cada dia por
mais usuários que procuram espaço, recursos, formas e possibilidades comunicativas e colaborativas, em diferentes mídias digitais.
Para tanto, improvisam aparatos e procedimentos com a intenção
de conviver virtualmente com outras pessoas e sempre desejam
emitir e receber conteúdos em múltiplos formatos e linguagens.
A intenção principal dos internautas é descobrir as possibilidades comunicativas disponíveis no universo digital e desfrutar de todas elas, fator que acentua a curiosidade, a imersão
investigativa e a participação expressiva de cada usuário da rede
mundial de computadores. Veriica-se uma movimentação coletiva constante, que contribui para ampliar radicalmente a capacidade dos usuários, de percepção e de interpretação dos fatos.
Os meios tradicionais de comunicação estão perdendo sua condição de fontes exclusivas de seleção, captação, edição e divulgação de informações, como consequência da multiplicação de
comunidades virtuais e de espaços multilaterais de comunicação
na internet. Assim, se multiplica o ativismo individual e o coletivo, que estimulam a convivência social binária e o autodidatismo
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comunicativo e interpretativo de todos os tipos de informação.
Os incontáveis ambientes virtuais, nas redes sociais e aplicativos
da internet têm permitido isso.
Enquanto muitos avanços ocorrem ininterruptamente no
jornalismo em rede e na comunicação, a mídia tradicional segue
presa aos moldes impostos pelos seus modelos de negócios, pelos
vínculos seculares mantidos em nome da manutenção dos interesses econômicos, políticos e ideológicos do liberalismo, tanto
nacionais quanto internacionais. É óbvio que os iltros de origem
comprometem signiicativamente o conteúdo que é divulgado
nesses meios.
Ao mesmo tempo, a transformação da tecnologia e do
ambiente tecnológico não implica mudança correspondente nas relações sociais, do mesmo modo que a introdução de
computadores nas escolas pode ajudar a incluir digitalmente
as novas gerações de crianças e adolescentes, mas não signiica
que vai conseguir propiciar formação capaz de fazê-los se interessar por repertórios que ultrapassem a cultura de entretenimento e de consumo, que também povoa o ciberespaço. Várias
gerações serão necessárias para se entender efetivamente que “a
máquina-ferramenta objetiva o trabalho da mão que manuseia
a ferramenta; o computador objetiva certas funções abstratas
do cérebro: a memória, o cálculo, o tratamento complexo de
algumas informações, etc.” (LOJKINE, 1999).
O que acontece [com o professor] quando as informações
são abundantes e o saber é móvel e veloz como efeito da
informação acelerada pelos meios de comunicação de
massas e teletecnologias? Do ponto de vista pedagógico
parece-me que ica afetada a posição do professor como
organizador de um espaço disciplinar. Este modelo geométrico é progressivamente desestabilizado por uma tecnologia de tempo implicada na digitalização dos computadores
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e das interfaces analógicas da multimídia. Resta o lugar
político, ético ou iniciático do professor, mas é preciso
de qualquer modo repensá-lo em função das lutuações
trazidas pela nova ordem cibernética. (MUNIZ SODRÉ,
1996, p. 230)
No sistema educacional, as universidades são a parte mais
estratégica por estarem equipadas para a produção de novos conhecimentos e para formarem os novos proissionais que irão
atuar nesse mundo informacional em constante transformação.
É exatamente por conta de tantas transformações que os cursos
superiores terão que repensar seus projetos político-pedagógicos,
para não icarem à margem da contínua convergência de tecnologias, conteúdos, linguagens e novos hábitos culturais propiciadas
pelas diversas plataformas e meios digitais de comunicação.
No entanto, nem sempre há recursos, tempo e equipe suicientes para sustentar a estrutura técnica necessária, para atualizar
os repertórios conceituais e didáticos e para formar pessoal capaz
de desenvolver e utilizar recursos que permitam articular a criação
de ambientes, conteúdos e interfaces comunicativas gráicas e audiovisuais. E tudo isso é necessário para a profusão de plataformas
que disputam o conhecimento, a demanda social e o mercado da
comunicação digital. Tampouco, é viável promover, nos cursos de
Comunicação Social, sucessivas reformas curriculares para que as
instituições de ensino superior possam acompanhar as transformações sociais da tecnociência e do mercado de trabalho.
Além disso, destaca-se a necessidade de adoção de conceitos e de tecnologias contemporâneas para a formação do jornalista proissional com ênfase na cultura de convergência e na
apropriação social das plataformas do ciberespaço, sobretudo
em função da necessidade de reclivagem do campo e da natureza social da comunicação jornalística no âmbito da formação em
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níveis de graduação e pós-graduação. O objetivo dessa área é formar proissionais com métodos, teorias e tecnologias que correspondam ativamente aos novos e antigos problemas conceituais,
ético-deontológicos, sociais e também mercadológicos.
O jornalista é um especialista que deve compreender os
aspectos sociais de sua atuação, relacionar sua ética proissional
com a ação criadora e ser capaz de estabelecer parâmetros críticos em todas as suas atividades, como produtor de sentido e
de bens culturais que é. Ainal, comunicadores sociais são, por
essência, proissionais de multimeios: podem atuar nas redações
de vários tipos de comunicação impressa, em televisão aberta ou
por assinatura, em produtoras de vídeo, em agências publicitárias e de pesquisas de opinião, em emissoras de rádio e veículos
comunitários (televisão ou rádio), em portais e prestadoras de
serviços de internet, na comunicação empresarial, institucional,
sindical, e em empresas públicas ou em organizações civis. Podem atuar, também, como produtores e proissionais independentes e, por isso, devem conhecer o planejamento, os modelos
de gestão e de negócio, o manejo de projetos de comunicação e
design elaborados para empresas privadas ou organismos públicos e governamentais.
Embora a formação superior e acadêmica em Comunicação Social, especiicamente em Jornalismo, tenha sido regulamentada há mais de três décadas no Brasil, e com evidentes
vantagens para os proissionais e para toda a sociedade, a natureza dinâmica e evolutiva dos ambientes midiáticos foram laboratórios essenciais para a formação complementar e contínua dos
jornalistas. Eram as grandes e tradicionais redações de jornais e
revistas, os departamentos de jornalismo das redes de televisão e
das emissoras de rádio com larga cobertura, a energia criadora de
ambientes iluminados pela curiosidade e pela vontade de “furar”
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os concorrentes, que transformava “focas” inexperientes em respeitáveis repórteres investigativos, comentaristas, analistas, editores e apresentadores com renome nacional.
Na frenética lida redacional, o companheirismo e também
a disputa proissional, o falatório agitado, o “cantinho” do café
e até mesmo a fumaça dos cigarros criavam um clima propício
para discussões sobre as mais variadas pautas, as estratégias para
a apuração de uma reportagem, os detalhes jornalísticos destacados em cada edição, a introdução de inovações e de mudanças editoriais, a ampliação da cobertura e também os conlitos e
crises. Todo aquele universo presencial estressante era uma escola muitíssimo rigorosa; em todos os lugares do País, grandes
jornalistas foram forjados no alarido diário das antigas redações.
Hoje, a expressão que mais se ouve quando se descreve um novo
veículo de comunicação é “redação enxuta”, asséptica, impessoal,
quase vazia. Grande parte da produção noticiosa é realizada por
“frilas” invisíveis, contratados e (mal) pagos por tarefas que são
produzidas solitariamente em dispositivos portáteis, bem longe
do convívio, do pensamento efervescente e da criação coletiva
que havia nas velhas escolas das redações.
A destruição “produtiva” vem agindo nos ambientes midiáticos brasileiros há um longo tempo. A conjuntura complexa
impõe desaios intrincados para proissionais, pesquisadores e
professores de jornalismo. Todos necessitam interpretar a crise
da “imprensa”, que também engloba a crise dos projetos técnicos
e dos suportes de veiculação, do campo e das funções proissionais, dos sentidos conceituais e culturais e também das cadeias
de valor e dos modelos de negócios de comunicação surgidos ao
longo da era moderna. Quando tratamos de comunicação midiática, estamos lidando com instrumentos de produção ubíqua de
sentidos, que interferem em todos os espaços sociais e territoriais
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como os componentes de uma esfera pública luida, subjetiva e
transversal aos poderes constituídos e regulamentados. Então,
é preciso entender precisamente as ações e o alcance midiático
nos ambientes e extratos sociais. Há pontos de pauta muito relevantes, como submissão aos limites constitucionais, dos conglomerados que praticam liberdade de empresa como sinônimo
de liberdade de “imprensa”, ou a investigação mais detalhada do
volume de recursos públicos gastos por todos os níveis da administração pública municipal, estadual e federal, para custear
publicidade institucional e de “utilidade pública”, em todos os
veículos comerciais brasileiros.
Outro ponto nevrálgico a ser debatido, é a forte dependência nacional de importação tecnológica e de insumos para produção de quase todas as atividades comunicativas no País, um
contexto que persiste desde o início dos meios analógicos. Tais
fatores facilitam a concentração midiática e mantêm uma lógica
metropolitana de produção e distribuição de conteúdos informativos. É preciso refutar ou subordinar aos limites legais as conigurações midiáticas que diicultem o desenvolvimento de uma
perspectiva de comunicação mais republicana e cidadã. Há, ainda, o desaio de entender as mudanças que ocorrem no âmbito
da opinião pública, além de veriicar, entre as diversas atividades
jornalísticas, quais são os relexos formativos, éticos e proissionais causados pela digitalização dos veículos. O motor potente
da economia da informação e da cultura multiplica as cadeias de
valor e alimenta em diversos pontos do território nacional, um
movimento contraditório e simultâneo, que promove o declínio
de meios estabelecidos e o surgimento de outros arranjos produtivos e econômicos da comunicação. É uma conjuntura alitiva que empurra para o trajeto de um tornado os jornalistas e os
pesquisadores da Comunicação. Estamos instados a sobreviver...
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JORNALISMO E CONVERGÊNCIA
68 |
DO HIPERLOCAL AOS
INSUMOS CRIATIVOS: as mutações
do jornalismo na contemporaneidade
Juliano Maurício de Carvalho1
Angela Maria Grossi de Carvalho2
1 Do jornalismo convergente ao hiperlocal
O jornalismo digital pode estar eivado de nuances do mundo
contemporâneo, seja pelo uso da técnica, que lhe é intrínseco,
seja pelo capital simbólico, que explica a imanência do seu processo de produção. Nesse contexto, os mecanismos de coerção e
legitimação do mundo social podem explicar fortemente as mutações do jornalismo como produção social, narrativas da vida
cotidiana e sua vocação para o interesse público.
Professor do PPG em Televisão Digital, do Programa de Pós-Graduação em
Comunicação e do Departamento de Comunicação Social da Faculdade de
Arquitetura, Artes e Comunicação (FAAC) da Universidade Estadual Paulista
(UNESP – Bauru). E-mail: juliano@faac.unesp.br.
2
Professora do PPG em Ciências da Informação da Universidade Estadual Paulista (UNESP – Marília) e do Departamento de Comunicação Social da Faculdade de Arquitetura, Artes e Comunicação (FAAC) da Universidade Estadual
Paulista. (UNESP – Bauru). E-mail: angela@faac.unesp.br
1
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A passagem de uma compreensão moderna para uma metáfora pós-moderna sujeita os conceitos de sociedade, coletividade, bem-estar, participação, organização aos ventos que transportam uma nova mensagem ideológica, estruturada na técnica,
no individualismo, no consumo, na agregação de valor, na transitoriedade dos comportamentos, no efêmero, na casualidade das
conquistas, na coisiicação da vida, e, claro, no pensamento único.
Fragmentação. Caos ambiental. Velocidade. Instantaneidade. Globalização. Midialização. A sistematização das narrativas
pós-modernas denota a que elas coexistem na pós-modernidade
e em sua própria concentração. É a dimensão do “tudo ao mesmo
tempo agora”, a mimetização das práticas socioculturais diluída
em projetos individuais e vocacionados a conceito genérico de
liberdade e autonomia. Não ousaria falar do pós-moderno com
o im das ideologias, mas de uma nova lógica cultural petriicada
no modo de produção do capitalismo tardio, que ressigniica os
tempos sociais. Uma temporalidade em que o ócio não é antônimo do trabalho, mas sinônimo do lazer. A coisiicação do tempo
livre, em termos de consumo imaterial, é o novo ritual do prazer
individual com celulares, tablets, desktops e televisões conectadas
e expandidas. “No momento em que triunfam a tecnologia, a genética, a globalização e os direitos humanos, o rótulo pós-moderno já ganhou rugas, tendo se esgotado na sua capacidade de
exprimir o mundo que se anuncia” (LIPOVETSKY, 2004, p. 52).
É como se a modernidade tivesse transformado a práxis
hermética em que apenas a fruição possa agendar a textura da
realidade. A modernidade líquida preconizada por Bauman
(2003) é levada aos extremos. É o mundo sem limite, das explicitações efêmeras e das rotulações policialescas. A ética hedonista
toma o lugar do mundo coletivo, sob a falsa alegação de que o
colaborativo é a nova face da trama social. “Hipermodernidade
JORNALISMO E CONVERGÊNCIA
70 |
é o tempo real, onde se triangulam no espectro social as referências de hiperrealismo, de hiperofertas, de hipermidiação, de
hipertecnologia e, claro, de hipercapitalismo. A era dos extremos”
(LIPOVETSKY, 2004).
No espectro de deinições sobre a pós-modernidade e
suas relações com o jornalismo, explicitam os valores de diversidade e materialidade apontados por Morin (2005, p. 18), como
a vocação do universo pós-moderno. Compreender a diversidade
em suas múltiplas faces – étnica, cultural, territorial e simbólica
– é a possibilidade de desenhar um pensamento complexo sobre
o contemporâneo. A multiplicidade busca a simbiose das vozes
do meio social para um convívio dos tempos sociais. Em contraponto, Harvey (2000) busca, na compreensão pós-moderna,
uma simbiose entre a imaterialidade e sua capacidade de gerar
um mundo de trabalho com fortes distorções e perda das conquistas sociais do século passado. “A lexibilidade pós-moderna é
dominada pela icção, pela fantasia, pelo imaterial, capital ictício,
pelas imagens, pela efemeridade, pela lexibilidade em técnicas de
produção, mercados de trabalho, nichos de consumo” (HARVEY,
2000, p. 304).
Já Chris Anderson (2006) identiica uma teoria da “cauda longa” para intuir que os mercados estão migrando de um
território das massas para os nichos. A identiicação dos formadores potenciais, adensados por narrativas transmidiáticas está
construindo o consumo segmentado, focado no consumidor de
produtos de alto valor agregado e profundamente transformados
pelos elementos da cultura imaterial.
Dentre as tecnologias, talvez a mais emergente seja a internet. Com uma rápida expansão, a rede vem mudando a sociedade, os hábitos e as formas de trabalho, ensino, comunicação e informação. Propicia meios para interligar as populações
DO HIPERLOCAL AOS INSUMOS CRIATIVOS
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distantes isicamente, permitindo-lhes interagir simultaneamente por meio da rede mundial de computadores, conectadas via
cabo, ondas de rádio ou pulsos telefônicos. Mostra, portanto, que
a “nova interdependência eletrônica recria o mundo à imagem de
uma aldeia global” (MCLUHAN, 1977, p. 58). Desde a década de
1970, com o desenvolvimento das redes de comunicações e com a
possibilidade de se estabelecer redes informacionais utilizando os
computadores, as informações passaram a circular em frequência
e velocidades cada vez maiores (CARVALHO, 2010).
O consumo de produtos informacionais é um fenômeno
recente e está intimamente relacionado ao avanço informático
e das tecnologias da informação e comunicação (TIC), uma vez
que os meios de comunicação de massa tiveram maior desenvolvimento a partir do século XX. Até o século XIX, os meios de
comunicação existentes, responsáveis por levar a informação à
população, não podiam ser consideramos de massa. Só após a
entrada do rádio, na década de 1920; da televisão, na década de
1950; e da internet, na década de 1990, no Brasil, é que os meios
de comunicação de massa passaram a estar presentes na vida das
pessoas (CARVALHO, 2010).
Quando se observa a evolução dos meios, um termo se torna recorrente: convergência. Jenkins (2009, p. 29) o trata como
sendo o luxo dos conteúdos por meio das múltiplas plataformas
e a decorrência do comportamento migratório da audiência na
busca pela cultura do entretenimento.
A convergência das mídias para multiplataformas faz com
que haja uma hibridização dos conteúdos em tablets, smartphones,
televisões conectadas e internet, forçando a simbiose da atividade
jornalística. “A circulação de conteúdos – por meio de diferentes
sistemas de mídia, sistemas administrativos de mídias concorrentes e fronteiras nacionais – depende fortemente da participação
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ativa dos consumidores” (JENKINS, 2009, p. 29). Mais que isso,
a possibilidade de acompanhamento da notícia pelos tablets e
smarthphones adensado à facilidade de acesso e de interação com
os diversos aplicativos estimula o desenvolvimento do jornalismo
móvel e do jornalismo hiperlocal.
A colaboração passa a ser fator determinante. Nesse momento, somos todos prosumers, ou seja, produzimos e consumimos
informação em tempo real. Jornalistas que fazem coberturas em
lugares inimagináveis em uma velocidade até então impraticável, consumidores que colaboram com imagens, informações e
todo o tipo de conteúdo possível. Nesse sentindo, as redes sociais
(blogs, Twitter, Facebook etc.) também têm papel decisivo, pois
além de constituir-se como um lócus para repercutir a vida social,
consolidam seu uso dentro e fora do jornalismo (BALDESSAR;
DELLAGNELLO, 2013, p. 55).
Nesse cenário convergente, o jornalismo passa por uma
transformação que transita entre a circulação da informação
em tempo real, dinâmica e de grande alcance e a necessidade de
adaptar a produção de conteúdo para os públicos locais. Nasce,
assim, o conceito de hiperlocal. De modo geral, o hiperlocal atua
em duas frentes: uma editorial e outra comercial. Na primeira,
com o surgimento da necessidade do leitor de encontrar aquilo
que realmente interessa com facilidade, em uma navegação cada
vez mais direcionada (favoritos, RSS, Twitter...), os veículos que
destacam o trânsito, a segurança ou o time de uma cidade, bairro
ou rua, têm chance maior de sucesso. No quesito comercial, o oferecimento de produtos que tenham o foco deinido, com potencialidades de criar um relacionamento estreito com o leitor, é um
grande atrativo para o anunciante. A oferta de espaços comerciais
cresce, mas também cresce o investimento em mídia, cada vez
mais selecionado, segmentado.
DO HIPERLOCAL AOS INSUMOS CRIATIVOS
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O hiperlocal pode oferecer uma granularidade tanto geográica como de conteúdo, ou seja, a capacidade de se
concentrar em uma localização especíica ou um produto
especíico. Ao unir o local com o online, as empresas podem satisfazer as necessidades dos clientes rapidamente,
pois estas também conseguem dimensionar a demanda
em tempo real. (BELDRAN, 2010)
Com as alterações que as novas mídias trazem, é possível
que o jornalista se torne um empreendedor, o que de certa maneira favorece também o fortalecimento do mercado ao abrir novas
frentes de trabalho em um cenário em constante transformação. O
melhor exemplo de hiperlocal são os blogs individuais e coletivos
ou microblogs, e os jornais locais e de bairro, que atuam diretamente na comunidade em que estão inseridos, utilizando a rede para se
aproximar do público local mesmo que o alcance seja global.
Global e sem limites geográicos – tal como preconizou
McLuhan, a rede mostra que o localismo e mesmo o hiperlocalismo tem ressonância no mundo informativo.
A velha máxima de que a “minha casa é o meu mundo”
se materializa em experiências exitosas e se apresentam
como alternativas para o jornalismo recuperar suas audiências e, mesmo a coniança delas. (BALDESSAR;
DELLAGNELLO, 2013, p. 55)
Várias têm sido as experiências acerca do hiperlocalismo,
a mais recente e comentada é uma experiência do he New York
Times ao lançar o Local. Trata-se de um projeto que visa à cobertura dos bairros da cidade de Nova Iorque, usando como matéria
prima principal as informações que são fornecidas pelos leitores
e moradores. O projeto do Times não é o pioneiro, mas se difere
pelo formato proposto, uma vez que faz parceria com uma escola
de Jornalismo (City University of New York – CUNY) e conta
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ainda com “[...] a participação do blogueiro e professor Jef Jarvis.
Três comunidades de New Jersey e duas do Brooklyn participam
da primeira etapa do projeto que prevê a expansão para mais 20
outros bairros” (CASTILHO, 2011, grifo do autor).
As experiências de jornalismo hiperlocal – seja via redes
sociais como o Twitter, blogs ou através de jornais online,
que privilegiam a cobertura noticiosa de determinado
espaço geográico – cidade, região e mesmo uma rua, são
exitosas e estão tendo a capacidade de desaiar os iltros
editorias e econômicos das corporações de comunicação
– a comprovação dessa capilaridade está na criação de espaços idênticos dentro dessas corporações. Por outro lado,
a convergência das mídias, tanto no sentido tecnológico
quanto cultural, ajuda a superar barreiras de acesso e de
participação do público. (BALDESSAR; DELLAGNELLO,
2013, p. 54-55)
Com a possibilidade de trabalhar novamente com o chamado “jornalismo comunitário” ou ainda o “jornalismo colaborativo”, o jornalismo hiperlocal vem com a intenção de apontar
caminhos em meio à crise do modelo de negócios que os jornais
do mundo vêm enfrentando. “O segmento é visto como uma espécie de tábua de salvação no momento em que o público perde
interesse nas notícias políticas bem como na informação internacional” (CASTILHO, 2011, grifo do autor).
Para além das estratégias de mercado, o jornalismo hiperlocal inova ao aceitar o desaio da colaboração e da participação
dos membros das comunidades sociais locais na produção das
notícias.
Quando um jornal foca esforços de cobertura em uma determinada comunidade, seja ela geográica ou não, assume
uma posição de relevância dentro desse território. A partir
DO HIPERLOCAL AOS INSUMOS CRIATIVOS
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do conhecimento prévio da área em que quer se especializar, o foco em determinados locais nada mais é que a
segmentação do veículo, conclamada como uma possível
alternativa para o jornalismo em rede. Para que se insira na
comunidade é necessário contar com o apoio dela, isto é,
da aceitação e participação dos seus membros. A utilização
da força da massa (ou crowdsourcing) é não só um recurso estratégico, mas também uma necessidade para cobrir
todas as nuances das relações estabelecidas naquele local.
(BALDESSAR; DELLAGNELLO, 2013, p. 57)
Assim, o público vai se tornando cada vez mais agente modiicador, ou prosumer, e passa a inluenciar o modo de pensar
e de produzir notícia, o que impacta diretamente nas rotinas de
produção jornalísticas. Sendo que a produção de conteúdo deve
ser revista e repensada, levando em conta todo o potencial existente, já que
[…] ao contrário das iniciativas da década passada, os
meios hiperlocais atuais têm a possibilidade de serem
sustentados pela própria audiência e o oferecimento de
dispositivos tecnológicos capazes de alavancar um novo
modelo de negócios. Além de contribuir para a pluralidade de uma agenda informativa global – mesmo que
condicionada a publicidade local e que não interessa às
grandes corporações. (BALDESSAR; DELLAGNELLO,
2013, p. 59)
Com isso, o jornalismo se coloca no centro das chamadas
Indústrias Criativas, uma vez que aporta dois elementos estruturantes: a criatividade e a propriedade intelectual. Ao pensar na
produção de conteúdo hiperlocal e colaborativo que atenda às
necessidades da audiência, visando à convergência das mídias em
seus diversos suportes, o jornalismo cumpre um papel central,
inovador e dinâmico.
JORNALISMO E CONVERGÊNCIA
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2 Jornalismo no centro das Indústrias Criativas
No Brasil, o debate sobre as Indústrias Criativas tem estado em
evidência desde a primeira década do século XXI, com a realização
da XI Reunião Ministerial da UNCTAD, em 2004, quando passou a integrar a agenda governamental. Como ressalta Barbalho
(2007), a partir do primeiro mandato de Luiz Inácio Lula da Silva
como presidente da República, junto com o comando de Gilberto
Gil no Ministério da Cultura, o País passou a participar mais de
debates a respeito de políticas culturais e diversidade. Atualmente, no governo de Dilma Roussef, foi criada a Secretaria da Economia Criativa e lançado o Plano Brasil Criativo (MINISTÉRIO
DA CULTURA, 2012), demonstrando um maior interesse do governo federal com essa “nova economia”.
Em 2008, a Federação das Indústrias do Estado do Rio de
Janeiro (FIRJAN) elaborou, de forma pioneira, um documento com estudos e dados sobre as indústrias criativas no País.
Esse documento divide a chamada “cadeia da indústria criativa”
em áreas como Expressões Culturais, Artes Cênicas, Artes Visuais, Música, Filme & Vídeo, TV & Rádio, Mercado Editorial,
Sotware & Computação, Arquitetura, Design, Moda e Publicidade (FIRJAN, 2008, p. 13). O estudo aponta ainda os setores que
apresentam a maior parcela da indústria criativa nacional: Arquitetura, Moda e Design, em ordem decrescente, seguidos por
Sotware, Mercado Editorial, Televisão, Filme e Vídeo, Artes Visuais, Música, Publicidade, Expressões Culturais e Artes Cênicas.
As indústrias criativas abarcam, portanto, as atividades que
têm sua origem na criatividade, nas competências e no talento individual, com a potencialidade de geração de trabalho e riqueza,
através da criação e da exploração da propriedade intelectual. “As
indústrias criativas têm por base indivíduos. Com capacidades
DO HIPERLOCAL AOS INSUMOS CRIATIVOS
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criativas e artísticas, em aliança com gestores e proissionais da
área tecnológica, que fazem produtos vendáveis e cujo valor econômico reside nas suas propriedades culturais (ou intelectuais)”
(DCMS, 2005, p. 5). A ideia é congregar a prática de artes criativas
individuais com a indústria cultura, em escala de massa, utilizando as tecnologias de informação e comunicação como pano
de fundo, gerando uma nova economia do conhecimento e um
possível empoderamento individual e coletivo.
Com a criação da Secretaria da Economia Criativa e a elaboração do Plano Brasil Criativo, o setor criativo brasileiro começou
a ganhar mais atenção do Estado, passando a ser objetivo de políticas públicas, apontando vários desaios nessa área, como o levantamento de informações sobre a economia criativa; a articulação e
o estímulo de empreendimentos criativos; a educação para competências criativas e a produção, a circulação e o consumo de bens e
serviços criativos (COSTA; SOUZA-SANTOS, 2011, p. 155).
O que de fato conta na indústria criativa é que o trabalho
intelectual seja valorizado ao ponto em que o resultado se concretize com a propriedade intelectual. Esse trabalho intelectual
é diretamente ligado à convergência entre as indústrias de mídia
e informação e os setores cultural e artístico, “tornando-se uma
importante (e contestada) arena de desenvolvimento nas sociedades baseadas no conhecimento” (JEFFCUT, 2000, p. 123-124).
Complementando essa ideia, Yúdice (2007, p. 6) argumenta que
o “valor se mede na rentabilidade dos direitos de propriedade intelectual que se vendem ou licenciam no mercado, cada vez mais
mercado de exportação de bens e serviços voltados ao crescimento econômico”. Assim, são estimuladas à criação de “uma gama de
negócios orientados comercialmente, cujos recursos primários
são a criatividade e a propriedade intelectual, e cuja sustentação
se dá por meio da geração de lucro” (HARTLEY, 2005, p. 5).
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Dessa forma, o que passa a importar, mais que a produção
de commodities e produtos industriais, é a capacidade de criar,
colocando a criatividade como fator relevante para as relações
comerciais e a inserção econômica, com destaque para três tipos
de manifestações das indústrias criativas: patrimônio cultural,
representado pela identidade cultural inluenciada por aspectos
sociais, étnicos, antropológicos, estéticos e históricos. E subdividido em manifestações culturais tradicionais e locais culturais:
artes – valores de identidade e símbolos, subdivididas em artes
visuais; artes performáticas; e mídia, baseada na comunicação de
grande audiência e subdividida em publicações; mídia impressa;
e audiovisual (COSTA; SOUZA-SANTOS, 2011).
É justamente nesse cenário que o jornalismo convergente
se insere, uma vez que a área é uma das responsáveis pela produção de conteúdo e conforme aponta Florida (2002, p. 3) as
[...] inclinações em termos de estilo de vida representam
uma força profundamente nova na economia e na vida
da América. [...] [são membros] do que eu chamo a classe criativa: um segmento da força de trabalho que cresce
rapidamente, altamente educado e bem pago, de cujos
esforços o lucro das corporações e o crescimento econômico dependem cada vez mais. Membros da classe criativa realizam uma ampla variedade de trabalho em uma
ampla variedade de indústrias – da tecnologia ao entretenimento, do jornalismo às inanças, da manufatura às
artes. Eles não pensam conscientemente sobre si mesmos
como uma classe. Ainda assim, eles partilham um ethos
comum que valoriza a criatividade, a individualidade, a
diferença e o mérito.
Dois são os elementos estruturantes desse novo contexto: a
criatividade e a propriedade intelectual (JAMBEIRO; FERREIRA,
DO HIPERLOCAL AOS INSUMOS CRIATIVOS
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2012). O primeiro trata da maneira como novas ideias, formatos,
atividades são realizadas. O segundo aponta para a necessidade
de valorização da propriedade intelectual do criativo que não esteja no centro das grandes empresas.
O processo criativo acrescentaria a determinados conteúdos novas embalagens e é também promover novas
características para os mesmos invólucros. Atualmente,
pode-se observar o aumento da importância do trabalho
criativo que gera signos linguísticos sobre os mecanismos
de produção. (LIMA, 2007, p. 9)
Como uma alternativa para um mercado extremamente
competitivo e em crise, a valorização da propriedade intelectual
e o estímulo para buscar meios criativos para se fazer o ofício
jornalístico devem ser o ponto central ao olhar para as indústrias
criativas. Exemplos são bem-vindos, a Knight Foundation, uma
das maiores fundações que inanciam projetos pioneiros de jornalismo e engajamento cívico, por exemplo, “já ajudou diversas
iniciativas, como o Community PlanIT (que traz a sociedade civil
para decisões estruturais) ou o Center for Collaborative Journalism (Centro de jornalismo colaborativo, em tradução livre e que
é auto-explicativo)” (CARRAPATOSO, 2012). Indo além,
[...] o jornalismo pós-industrial pressupõe que as instituições existentes vão perder receita e espaço no mercado e
que, se esperam manter ou aumentar sua relevância, precisarão aproveitar os novos métodos e processos oferecidos pelos meios digitais [...] as organizações de notícias já
não têm o controle da notícia [...] e que o crescente papel
de agências públicas assumido por cidadãos, governos,
empresas e inclusive redes ailiadas é uma mudança permanente à qual essas organizações precisam se adaptar.
(ANDERSON; BELL; SHIRKY, 2012).
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Assim, ao olhar para os vieses da inclusão social, sustentabilidade, inovação e diversidade cultural brasileira, a indústria
criativa estimula ideias novas. Além de ser uma possibilidade para
o enfrentamento das adversidades do mercado editorial. Não são
poucas as iniciativas mundo afora e também no Brasil, uma delas
tem estimulado o uso dos chamados startups de jornalismo:
O conceito de startups de jornalismo no Brasil ainda não
está muito difundido, mas alguns empreendedores têm
apostado em boas ideias. O Platform to Support Dynamic
Ontologies for News, da GPNX Tecnologia, de Campinas,
tinha a proposta de um website de notícias em que fosse
possível visualizar o conteúdo em variadas formas de apresentação, como mapas, tabelas e infográicos, facilitando
uma navegação de acordo com os interesses de cada leitor.
O projeto foi inalista em 2011 do Knight-Mozilla News
Innovation Challenge, iniciativa do Centro Knight para o
Jornalismo nas Américas em parceria com o Mozilla, que
reúne jornalistas e hackers para criar novas tecnologias a
im de beneiciar o jornalismo utilizando a web aberta. [...]
Outra startup é a YouCa.st, uma agência de notícias colaborativa sediada em São Paulo que fornece fotos e vídeos
aos meios de comunicação. Qualquer pessoa pode fazer
uma postagem por meio da plataforma que faz a indexação
desse conteúdo de acordo com tags, geolocalização, qualiicação do usuário e entrega de maneira organizada aos
veículos de comunicação. (LIMA, 2013)
Nesse cenário convergente-criativo, deve-se levar em conta também os estímulos dados pelo Estado para a produção de
conteúdo e de tecnologia. A mais recente que pode beneiciar o
jornalismo é inclusão de aplicativos nacionais em smartphones.
De acordo com a agenda governamental, a partir de outubro de
2013, os smartphones que forem produzidos no País e que tenham beneiciamento de isenção iscal do governo federal “[...]
DO HIPERLOCAL AOS INSUMOS CRIATIVOS
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deverão sair da fábrica com um pacote de pelo menos cinco
aplicativos nacionais. Esse número vai aumentar gradualmente
para 15 aplicativos em janeiro de 2014, 30 em julho de 2014 e
50 aplicativos em dezembro do ano que vem” (MINISTÉRIO
DAS COMUNICAÇõES, 2013). Além do estímulo tecnológico
e criativo, a produção de conteúdo em língua portuguesa passa a
ser valorizada.
Com indicação livre, os apps serão de diferentes categorias,
como “educação, saúde, esportes, turismo, produtividade e jogos.
Além dos aplicativos obrigatórios, o MiniCom poderá indicar a
inclusão de outros apps nacionais [...] [que] deverão possuir utilidade pública, ser de serviços governamentais ou escolhidos por
concurso” (MINISTÉRIO DAS COMUNICAÇõES, 2013). Nessa
primeira etapa, conforme a análise do Mobile time, “as grandes
marcas são minoria nas listas apresentadas pelos fabricantes e
aprovadas pelo Ministério das Comunicações. A grande maioria
são títulos de desenvolvedores de pequeno ou médio porte, sem
relação com marcas consagradas junto ao consumidor”, além de
14 títulos desenvolvidos por pessoas físicas. O que evidencia a
potencialidade dos pequenos e médios produtores, a capacidade
criativa e de inovação desses grupos, estando alinhados ao que se
espera de uma indústria criativa.
3 Ensaios sobre o futuro
O contexto da pós-modernidade transforma produção do conhecimento e da informação de forma a conotar o jornalismo com
fortes traços de entretenimento e imaterialidade na cultura contemporânea. Isso pode ser analisado na evolução e no consumo
das novas tecnologias de comunicação e informação.
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Observado como uma forma de produção social, o crescimento dos blogs, vlogs e das redes sociais, potencializadas com os
dispositivos de comunicação ubíqua vêm transformando a maneira como produzidos informação. As mutações estão em toda
a parte, nas redações, agora compartilhadas em diversos suportes
midiáticos, nas relações de trabalho, cada vez mais instauradas
pelo trabalho a distância e vocacionada à precarização e à cultura
do trabalho colaborativo.
Se por um lado, os traços da pós-modernidade jogam luz
sobre novas maneiras de produzir o jornalismo em redes, portais e
outros suportes convergentes, por outro, agudizam a noção de credibilidade, historicamente, instaurada pelos processos de apuração
do jornalismo. A profusão de mensagens e o amplo acesso ao universo de produções de conteúdo no espaço público virtual revelam
um leitor fragilizado, compelido a consumir informação de fontes
pouco iáveis, já que em um ambiente de comunicação “todos para
todos”, somos potencialmente produtores e consumidores.
O jornalismo convergente, hiperlocal, colaborativo e inovador parece ser o caminho para os proissionais que estão em
busca de um espaço no mercado de trabalho ou para aqueles que
estão tentando se adaptar às mudanças. Nesse sentido, a indústria
criativa, pode ser o mote para o caminho esperado.
Criatividade e propriedade intelectual, sustentabilidade e
inovação são termos recorrentes da indústria criativa e também
do jornalismo. Os arranjos produtivos locais, a possibilidade de
criação de conteúdos em língua portuguesa, o estímulo à produção de aplicativos, são alguns dos indicativos do que está por vir.
O crescimento da cadeia produtiva da indústria criativa aponta
para a direção, e as várias experiências do jornalismo convergente
nas Américas e na Europa conirmam a tendência. Basta saber
agora até que ponto estamos preparados para aceitar o novo, nos
DO HIPERLOCAL AOS INSUMOS CRIATIVOS
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desvencilhando das antigas estruturas, rotinas e hábitos na produção da notícia.
O jornalismo segue resignado na perspectiva do cenário de convergência, abundância de conteúdos, a sua natureza
intrínseca de apuração e vocação para o interesse coletivo. Não
obstante, ainda vivemos o momento de transição entre um
modo de produzir e consumir jornalismo para uma nova perspectiva em que a informação terá outro papel mediador para a
sociedade e para a democracia, seja no espectro moderno, pós-fordistas ou nas implicações ou modismos sugeridos pelo nostalgia
da pós-modernidade.
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DO HIPERLOCAL AOS INSUMOS CRIATIVOS
| 87
CENÁRIO DE CONVERGÊNCIA
DESAFIA A FORMAÇÃO
DE JORNALISTAS
Angelo Sottovia Aranha1
Por mais que se popularizem smartphones e tablets conectados à
internet e aumente a possibilidade de divulgação de informações
sem a mediação de instituições de imprensa, o jornalista competente continuará sendo imprescindível. Dependem do jornalismo os regimes minimamente democráticos e as economias de
mercado, assim como a própria organização da sociedade. Os direitos dos cidadãos e as liberdades individuais e coletivas dependem de vigilância permanente, e o bom jornalista é o proissional
que se dedica em tempo integral ao trabalho de relacionar fatos
atuais com seus antecedentes históricos, à interpretação dos fenômenos sociais, à iscalização e à cobrança do aperfeiçoamento
da ordem democrática. A ação de um proissional que responda
Professor do Departamento de Comunicação Social da Faculdade de Arquitetura, Artes e Comunicação (FAAC) da Universidade Estadual Paulista.
(UNESP). E-mail: sottovia@faac.unesp.br
1
| 89
pelo conteúdo que compartilha com seu público, de um jornalista
pró-ativo e afeito à interatividade, capaz de criar “pontes” entre a
diversidade e a ininidade de informações disponíveis em rede,
e que utilize essas ligações para aprofundar notícias na medida
do interesse do público, e ainda que se diferencie por atingir os
campos interpretativo e crítico, pode contribuir, e muito, para a
formação de opiniões.
Esse jornalista deve ultrapassar o âmbito informativo,
deve dedicar seu tempo à contextualização e à fundamentação
de informações e críticas, a im de provocar repercussões com
responsabilidade social. Isso, os repórteres-amadores sempre serão incapazes de fazer. Com seus dispositivos móveis conectados,
podem testemunhar fatos em primeira mão, e isso é muito bom,
mas a divulgação de informações cruas será sempre completamente corriqueira.
O he Washington Post, fundado há 136 anos, é reconhecido no mundo jornalístico pelo trabalho sério de investigação
de alguns de seus repórteres, por suas reportagens investigativas.
Em 1974, as denúncias dos repórteres Bob Woodward e Carl
Bernstein sobre o escândalo Watergate inluenciaram a opinião
pública e forçaram o republicano Richard Nixon a renunciar à
presidência dos EUA. Recentemente, o Post divulgou documentos recebidos de Edward Snowden, que denunciou a Agência de
Segurança Nacional dos EUA (NSA) pela utilização do programa
PRISM para realizar operações de hacking em todo o mundo.
Em 5 de agosto de 2013, o destaque mundial de todos os
noticiários, da internet e das rodas de conversas foi a compra do
he Washington Post por Jef Bezos, o presidente-proprietário do
site Amazon de comércio eletrônico. Bezos adquiriu por US$ 250
milhões a he Washington Post Company, proprietária dos jornais
Express, he Gazette Newspapers, Southern Maryland Newspapers,
JORNALISMO E CONVERGÊNCIA
90 |
Fairfax County Times, El Tiempo Latino e Greater Washington Publishing e vários outros empreendimentos ligados à comunicação.
A compra do he Washington Post não é a primeira investida
de Bezos no mercado midiático: em abril, ele havia adquirido, por
US$ 5 milhões, a Business Insider, principal publicação de negócios sobre o mercado digital. O investidor airmou que entende
o “papel crítico” que o secular jornal tem em Washington DC e
nos Estados Unidos, e prometeu aos leitores e jornalistas que os
valores e os princípios editoriais da publicação não vão mudar.
Deve-se lembrar que, para isso, continuará dependendo de jornalistas bem formados.
Jef Bezos faz parte de uma crescente geração de “empreendedores digitais” que aposta na frenética e instável nova economia do ciberespaço para conseguir, em pouco tempo, lucros exorbitantes no sistema econômico tradicional. A proliferação das
tecnologias digitais em rede transformou a informação na commodity mais agressiva e variável do mercado capitalista. Nessa
fase de acelerada expansão da “economia da informação”, a oferta
puxa a demanda do comércio on-line de mercadorias materiais e
simbólicas, e a perspectiva de crescimento parece não vislumbrar,
em tempo próximo, a saturação e a estagnação para o novo mercado virtual. O novo modelo produtivo informacional e simbólico substitui a matriz capitalista universal derivada da economia
de bens materiais gerada pela produção urbano-industrial e passa
a valorizar, pelo menos em retórica, a inteligência, a criatividade,
a lexibilidade, a capacidade de improvisação e a ousadia de ação,
como insumos primordiais para impulsionar o novo modelo produtivo informacional e simbólico.
Máquinas domiciliares estão sendo substituídas por outros suportes informáticos mais populares, versáteis e
portáteis. O hardware e sotware estanques cedem lugar
aos computadores virtuais com luxos de informação
CENÁRIO DE CONVERGÊNCIA DESAFIA A FORMAÇÃO DE JORNALISTAS
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ramiicados no hiperespaço, que são materializados em
múltiplos dispositivos com interfaces a cada dia mais
amigáveis, mais interativas, potencialmente mais coletivas e públicas. Expandem-se ambientes informacionais
multivariados, onde cada equipamento com memória
binária e conectividade torna-se parte da trama informática, do tecnocosmos que, a partir da criação do ciberespaço, converteu-se num hipercomputador hipertextual,
virtual, babélico e universal, mesmo que não consiga ainda alcançar todos os habitantes do planeta. (MAGNONI,
2001, p. 195)
Os processadores informáticos vão sendo incorporados
como memória artiicial de todos os maquinismos de uso industrial, doméstico e também dos dispositivos individuais e portáteis,
e estão, a cada dia, mais presentes em todos os ambientes e atividades humanas. As inovações vão despontando no tecnocosmos
virtual da rede mundial de computadores em uma velocidade tão
rápida que quase não permite a consolidação de padrões perenes.
Nas sociedades minimamente contemporâneas e modernas, o luxo comunicacional público aumenta diariamente com
a expansão comercial dos serviços de telecomunicações, que ampliam a abrangência mundial das redes binárias da internet. A
comunicação multilateral entre indivíduos e entre comunidades
virtuais é crescente e são cada vez mais signiicativos os resultados sociais, os produtos simbólicos, e também materiais, derivados dessa troca continuada e generalizada de informações com
inúmeras inalidades.
1 Novas rotinas produtivas para os jornalistas
A partir da informatização dos jornais e demais meios de comunicação, especialmente com o desenvolvimento da internet,
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acentuaram-se as transformações da atividade jornalística e dos
processos de produção, e também das maneiras de difusão e de
recepção de conteúdos com gêneros, formatos e linguagens informativas, de entretenimento, de publicidade e de uma ininidade de serviços privados e governamentais. Outro efeito importante da rápida disseminação do fenômeno – comumente
identiicado e denominado como digitalização e convergência
das tecnologias e dos meios de comunicação – pode ser observado pela disponibilização de novos espaços e de sistemas virtuais
de comunicação, assim como de plataformas de divulgação por
meio de linguagens multimidiáticas, que vieram acompanhadas
de uma profusão de ferramentas para captação, edição e difusão
de conteúdos informativos.
No vasto campo da comunicação midiática digital, os objetos de análise técnica, conceitual, estética, de linguagem e de
hábitos culturais são superados todos os dias, o que diiculta
a observação sistemática para a obtenção de padrões consolidados ou de conceitos duradouros. O contexto é bastante volátil e obriga jornalistas e pesquisadores a acelerarem o ritmo
e a redobrarem esforços para interpretarem os diversos efeitos
de uma sucessão de tecnologias cada vez mais híbridas. Essas
tecnologias permitem tantas estéticas, sentidos e instrumentos
midiáticos – derivados de mesclas de conteúdos, de suportes e
de linguagens – que acabam se tornando, a cada dia, mais sincréticas, mais interativas e dirigidas.
Ao mesmo tempo, as redações jornalísticas se veem às voltas. Torna-se comum a publicação, em jornais impressos diários,
de matérias e artigos de opinião já lidos pela maior parte dos leitores em algum site noticioso dias antes dos jornais chegarem às
bancas. O atual contexto midiático exige a readaptação constante
CENÁRIO DE CONVERGÊNCIA DESAFIA A FORMAÇÃO DE JORNALISTAS
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das maneiras de se informar e cria novos processos sociais e culturais transitórios, sejam de produção, de consumo ou de interpretação dos múltiplos produtos simbólicos.
Os tradicionais veículos publicitários e comerciais derivados
dos sistemas midiáticos modernos tentam manter a inluência e a
viabilidade de seus modelos de negócio e adotam estratégias imediatas para abarcar as antigas e as novas formas de comunicação.
Para conservar o público veterano e tentar idelizar, como leitoras,
as novas gerações digitais, os donos de veículos têm caminhado
com os “pés em várias canoas”, durante esse prolongado e inseguro
período de transição tecnológica, cultural e econômica.
Os dispositivos digitais portáteis, com conexão, multiplicam as possibilidades de registro e de divulgação imediata de fatos, tanto para jornalistas proissionais quanto para leigos. Para
os pesquisadores, por tantas possibilidades que apresenta, a rede
é fonte inesgotável de pesquisas, dúvidas e de hipóteses, especialmente do campo do jornalismo.
Nesse ambiente desaiador, em que a audiência também é
produtora de notícias, tornou-se mais sensato ao jornalista apostar no desconhecido do que em manter-se conservador. Os proissionais de imprensa veem-se obrigados a redeinir suas funções
e a aprofundar seus conhecimentos em informática, a se tornarem
ágeis nas buscas em bancos de dados para poderem fundamentar
matérias no exíguo tempo tolerado por sua nova audiência, que
cobra mais detalhes praticamente em tempo real. O jornalista tem
que interagir com seu receptor – que também é emissor, crítico e
editor –, ao mesmo tempo em que contata fontes especializadas e
reconhecidas para dar aos fatos o caráter jornalístico necessário
para que mantenha seus seguidores e sua credibilidade. Em meio
a milhares de captadores de imagens e falas soltas sem qualquer
comprometimento, mas registradas por quem estava “no lugar
JORNALISMO E CONVERGÊNCIA
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certo e na hora certa” e postou na web, o jornalista agora tem
que mostrar sua capacidade de análise, de contextualização e de
valorização, ou não, de fatos que não podem mais ser ignorados
por terem sido registrados pelo “exército” de repórteres amadores
armados com seus dispositivos móveis de comunicação com alcance ampliicado pelas redes sociais. Esses repórteres amadores
registram tudo e têm ferramentas para potencializar informações
que nem sempre são jornalísticas ou de interesse público, cabendo ao proissional de imprensa estabelecer as relações entre os
acontecimentos e avaliar o impacto do ocorrido na vida da sociedade em que atua.
É pertinente ressaltar que a evolução das tecnologias
e também a “potência” e a abrangência do ciberespaço são
determinadas muito mais pela lógica concorrencial intercapitalista
do que pelas demandas comunicativas, sociais e culturais dos
usuários das diversas plataformas e dispositivos da internet. É um
processo de constante inovação sustentado, sobretudo, por uma
árdua disputa mercantil entre os conglomerados informacionais
dos Estados Unidos, da Europa e de uma porção da Ásia. Em
meio a essa “corrida”, jornais e jornalistas vão tentando encontrar
formas de se superar, de renovar contratos publicitários, de atrair
a atenção e o interesse de leitores e anunciantes, enquanto a internet coloca em risco não só a atividade jornalística nos moldes em
que tradicionalmente tem sido praticada, mas também o patrocínio que antes sustentava as empresas jornalísticas.
Ao mesmo tempo, o volume crescente da difusão de informações midiáticas pelas redes e dispositivos do ciberespaço
dá aos veículos tradicionais novo vigor comunicativo, tanto nas
formas de emissão, quanto nas de recepção. Contraditoriamente,
a maioria das empresas de comunicação da velha mídia analógica enfrenta uma longa crise sistêmica, que destrói seus seculares
CENÁRIO DE CONVERGÊNCIA DESAFIA A FORMAÇÃO DE JORNALISTAS
| 95
modelos de negócios antes que elas consigam consolidar, no ciberespaço, novas possibilidades lucrativas de produção jornalística,
de entretenimento, de publicidade e de serviços. Os empresários
já não dependem tanto de emissoras de rádio ou televisão, nem de
jornais ou revistas para que os consumidores se interessem pela
compra dos produtos que fabricam ou pelos serviços que oferecem. Os novos dispositivos digitais permitiram o recebimento e
a transmissão de imagens e de quaisquer informações extensas
pela rede sem io (wireless), fator que acelera a convergência e a
interface informacional entre todos os equipamentos providos de
memória digital. Assim, todas as indústrias culturais derivadas
da velha mídia são pressionadas pela popularização dos padrões
comunicativos possibilitados pelos smartphones e tablets plugados na internet.
Diante da multiplicação de comunidades virtuais e de
recursos multilaterais de comunicação na internet, crescem as
evidências empíricas e também estatísticas de que os meios tradicionais de comunicação, jornalísticos ou não, estão perdendo
a condição de fontes exclusivas de seleção, captação, edição e divulgação de informações que, além de tudo, eram divulgadas de
forma unilateral. Os editores já estão perdendo a importância que
tinham nas redações dos jornais impressos ou eletrônicos, sobretudo no que se refere à garantia de uma ou outra linha editorial.
Tudo indica que não haverá mais lugar para jornalistas editores
que não produzam conteúdos noticiosos, e que não dominem
as linguagens do rádio, do impresso, da televisão e da internet,
sem falar na capacidade para interagir nas redes sociais e para
cruzar informações garimpadas em bancos de dados. Os meios e
ambientes virtuais de comunicação são procurados diariamente
por novos usuários, que buscam, em diferentes mídias digitais,
comunidades virtuais e grupos de sociabilidade com possibilidades
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comunicativas, colaborativas e de entretenimento, conteúdos especíicos do interesse dos mais variados segmentos de público.
Apesar da internet e de todos os sistemas de telecomunicações
serem serviços privados e caros, eles possibilitam espaços comunicativos mais democráticos com acesso e participação popular,
além dos recursos de interação entre emissores e receptores permitidos pelos veículos da “velha mídia”.
Em 16 de setembro de 2013, o Instituto Data Popular divulgou resultado de estudo que demonstra que cerca de 7,1 milhões de brasileiros usam internet por meio da conexão de vizinhos. A pesquisa foi realizada em junho, e o assunto ganhou
destaque em setembro porque o TRF negou um recurso do Ministério Público Federal e decidiu que compartilhar internet não
é crime no Brasil. O Instituto Data Popular entrevistou duas mil
pessoas espalhadas por cem cidades de todos os Estados brasileiros, incluindo o Distrito Federal, em junho de 2013, e constatou
que 10% dos que usam a internet de algum vizinho são cidadãos
de classe média, enquanto nas classes consideradas baixa e alta os
percentuais são iguais: 4%.
2 Tendências da digitalização da comunicação
Os últimos 40 anos, que englobam as três últimas décadas do século 20 e a primeira década do século 21, icarão registrados como
o período em que ocorreu a informatização mundial dos meios
de informação, de comunicação e também de produção material
e cultural. As rápidas e sucessivas transformações que demarcam
a emergência signiicativa da “Sociedade da Informática” começaram a ocorrer no início da década de 1970. Naquela época, o uso
da informática no mundo ocidental era praticamente exclusivo
CENÁRIO DE CONVERGÊNCIA DESAFIA A FORMAÇÃO DE JORNALISTAS
| 97
dos centros de pesquisas governamentais e das grandes corporações capitalistas, que desenvolviam tecnologias industriais, de
telecomunicações e inúmeros projetos militares para a produção
de armamentos convencionais e nucleares, durante o apogeu da
Guerra Fria.
Magnoni (2001) destaca que nos EUA foram os ativistas
civis contrários à Guerra do Vietnã que passaram a defender o
uso civil e pacíico dos computadores, proposta que ganhou força
com o movimento californiano Computers for the peoples, uma
reação simbólica que tomou impulso graças à proliferação de
protótipos experimentais de computadores e de programas desenvolvidos por técnicos e pesquisadores contrários ao controle
do conhecimento e das ferramentas estratégicas pelos governos
e pelas empresas privadas, e favoráveis à desmilitarização e da
popularização da informática.
Nos anos 1980, computadores em rede começaram a ser
úteis para automatizar e racionalizar as estruturas produtivas e
inanceiras, por meio da uniicação de todos os sistemas isolados
de informação e de comunicação. Desde então, houve a gradual
digitalização das diversas tecnologias de comunicação. Em meados de 1990, o público brasileiro que dispunha de computadores
domésticos começou a utilizar a internet e logo descobriu que o
novo meio era um imenso suporte com capacidade praticamente
ilimitada para agregar, armazenar e, graças aos motores de busca,
também para localizar conteúdos de comunicação. Assim, muito
rapidamente, as linguagens e os conteúdos da imprensa, da fonograia, do cinema, do rádio e da TV passaram a ser “puxados”
para os inúmeros ambientes da rede mundial de computadores.
Nos anos 2000, a expansão e a perspectiva de barateamento incessante dos serviços privados de telefonia móvel em todos
os mercados signiicativos do mundo alimentaram disputas e
acordos estratégicos entre os maiores fabricantes mundiais de
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tecnologia telefônica. Por não depender de um terminal caro,
complexo e ixo como o microcomputador, a webfonia passou a
possibilitar plena convergência, mobilidade e recepção individual
para todos os veículos derivados da comunicação analógica. No
Brasil, vendem-se mais celulares do que rádios a pilhas, que foi
o equipamento eletrônico mais barato e mais consumido a partir dos anos 60 do século passado. Os fabricantes de dispositivos
móveis cada vez mais soisticados apostam que cada pessoa do
mundo terá cinco aparelhos conectados à web em 2020. Preveem-se
cinco bilhões de usuários de internet no inal desta década, o que
representa uma expansão notável que justiica todas as disputas e
investimentos astronômicos atuais.
A percepção da rapidez das transformações no universo
das novas tecnologias ica mais clara quando se observa que a
banda 3G, que permitiu a instalação da telefonia móvel digital de
alta velocidade, foi lançada em abril de 2001 no Japão, e entrou na
Europa e Estados Unidos a partir de 2002; no Brasil, a telefonia
3G começou a operar em 2008. A transmissão 3G foi iniciada
com um volume de dados com velocidade até 40 vezes superior à
da internet daquela época e inaugurou o tráfego de imagens com
alta deinição, de televisão e de cinema. O sistema de telefonia 3G
exigiu um acordo internacional para investimento e o lançamento de quase 300 satélites de telecomunicações em órbita baixa,
para permitir o alcance multimediático global a qualquer hora e
em qualquer lugar.
3 Possibilidades do jornalismo na era da comunicação
convergente e multilateral
Já são quase incontáveis as formas coletivas de comunicação, tanto leigas, quanto jornalísticas, que foram se desenvolvendo desde
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o início do ciberespaço. Há uma profusão de homepages, sites,
blogs e outros recursos que foram impulsionados pelas recentes redes sociais. O crescente número de internautas e de
participantes de comunidades virtuais com acesso aos novos
equipamentos e aplicativos tem facilitado a participação e a
colaboração coletiva. O intenso desenvolvimento de formatos
e conteúdos de entretenimento, artísticos e informativos serve
como um imenso laboratório coletivo e social, cuja maioria dos
resultados são constantemente compartilhados gratuitamente,
o que prova que grande parte das ações desenvolvidas pela rede
ainda não tem inalidades comerciais.
Na cobertura noticiosa disponível na internet, nos conteúdos divulgados pelos meios comerciais ou na produção informativa disponível em blogs independentes, pelos sites políticos,
nos espaços de jornalismo sindical, ONGs e de inúmeras organizações da sociedade civil, é possível perceber que despontam
outros modos de agendamento, de apuração de fatos e de edição
e publicação, que vão modiicando profundamente a cultura do
público e a rotina de trabalho dos repórteres. Também mudam os
sistemas de organização do trabalho das redações jornalísticas, e,
sobretudo, a relação com o público, que, com os recursos de interatividade, torna-se cada vez mais uma audiência participativa
e crítica. Na prática, cada internauta habitual deixou de ser um
mero leitor, ouvinte ou receptor (MAGNONI; GARRIDO, 2013).
McLuhan (1972) conseguiu antever que as consequências
das novas tecnologias de informação e comunicação iriam ultrapassar a dimensão política e ideológica dos países e nações.
Pressentiu que as máquinas informacionais desenvolvidas desde
os anos 1950 causariam ruptura cultural e psicossocial ininitamente maior do que a causada pela máquina-ferramenta e pelo
maquinismo elétrico e motriz nas sociedades europeias e nos
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EUA, durante o desenvolvimento da industrialização moderna.
As primeiras gerações de máquinas apressaram o esvaziamento
do campo e alteraram a geograia e as relações humanas nas cidades. Mas, em nível de cognição e de alteração cultural, a introdução das primeiras máquinas no espaço social não inluiu muito
além do desenvolvimento do trabalho fabril. Teve efeito maior a
criação das redes de comunicação e de transporte (MAGNONI,
2001, p. 283).
Nesse ambiente conectado que proporciona surpresas
com muita frequência em todos os níveis organizacionais, nesse
“mundo pequeno” em que fofocas e notícias cruzam-se em alta
velocidade no ciberespaço, como deveriam ser os cursos superiores de jornalismo? Os projetos político-pedagógicos da maior
parte dos cursos de jornalismo talvez não precisem de mudanças
radicais no que se refere à proposta de formação de proissionais
conscientes, críticos e aptos a contribuir para que as instituições
republicanas e a própria mídia sejam cada vez mais democráticas.
No entanto, uma certeza já se tem; a disciplina Empreendedorismo deverá ser oferecida, devidamente adaptada e adequada às
necessidades dos proissionais graduados em jornalismo. Com
a fuga dos anunciantes dos veículos que têm alto custo de produção, como os jornais impressos e revistas de grande tiragem,
emissoras de rádio e emissoras de televisão, essas empresas dependentes de estruturas e manutenção muito caras não faturam
mais o suiciente para a manutenção de grandes equipes de reportagem e, nem mesmo, têm mantido redações com todas as
editorias que seriam necessárias para uma boa cobertura jornalística. Há muito tempo, as emissoras de rádio têm operado com
quadros de repórteres muito reduzidos, quase todas aproveitando
os conteúdos oferecidos praticamente de graça pelos portais de
notícias. Nas televisões, a tônica também é a redução de despesas.
CENÁRIO DE CONVERGÊNCIA DESAFIA A FORMAÇÃO DE JORNALISTAS
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E nas redações dos impressos, há muito já não encontra mais os
copidesques, elementos fundamentais nas equipes de redação por
conseguirem dar maior unidade, identidade e personalidade aos
jornais e revistas que ajudam a editar. Quem iniciou no jornalismo
nos últimos vinte anos nem chegou a conhecer um copidesque,
e não sabe como eles eram importantes. Por serem os últimos a
lerem a maior parte das matérias, retinham informações de todas
as editorias e, com isso, aprimoravam um tipo de visão sistemática
do País, do Estado e da região em que circulavam os jornais que
editava. Eram capazes, por acumularem dia após dia os elementos informativos necessários, de perceber articulações entre “forças ocultas” e “poderes constituídos”, jogos políticos bem camulados em meio a projetos de lei municipais aparentemente pouco
importantes, podiam perceber jogos econômicos que poucos
conseguem visualizar sem a consultoria de um economista, de
evitar erros por desatualização de dados ou por mudanças nas
hierarquias dos inúmeros sistemas que rodeiam qualquer acontecimento ou situação. Enim, tinham competência para interpretar e contextualizar a maior parte dos acontecimentos. Em outras
palavras, tinham conhecimentos gerais atualizados, e talvez seja
essa uma das competências que deverão ter os jornalistas proissionais interessados em se irmar no mercado que se desenha na
segunda década do século 21.
Tudo indica que esse seja um dos parâmetros para se começar a pensar num curso de jornalismo sintonizado com os novos luxos da informação: como nada ocorre isoladamente, qualquer fato sempre está em um ponto de intersecção entre diversos
sistemas; uma greve de professores, por exemplo, pode estar na
conluência de um sistema político com um econômico e um
educacional. Já uma tragédia em uma escola pode ter ocorrido
bem no ponto de intersecção entre um sistema de segurança, um
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sistema político, um sistema econômico, um sistema educacional
e um sistema social, por exemplo. Ou seja, se cabe ao jornalista – nesse mundo abarrotado de repórteres amadores com seus
celulares que fotografam e ilmam tudo – tentar entender o que
se passa e tentar compartilhar com seus leitores uma versão mais
abalizada do fato noticiado, esse jornalista deve entender como
funcionam os sistemas, deve ter conhecimento sobre a hierarquia
predominante em cada um deles, deve ter a percepção mais ou
menos acertada sobre a composição político-partidária que levou
àquela situação, deve intuir que linguagem usar na composição
de cada matéria, dependendo do suporte que tiver a sua disposição para a publicação.
Esses conhecimentos gerais, mesmo que sejam noções mínimas sobre relações entre os poderes constituídos, corporações e
sistemas sociais, são essenciais para a compreensão e a análise dos
acontecimentos e não são facilmente assimilados. Sua apreensão
depende de um pouco de concentração, de leituras mais cuidadosas, de tempo para assimilação e fruição da informação fundamentada. Depende também de meditação e da maturação das informações, e do cruzamento de dados que leva a uma visão mais
abrangente sobre qualquer situação. O processo é tão complexo
quanto são os processos referentes ao domínio de conceitos; para
que se consiga dominar um conceito é preciso encontrá-lo em
vários contextos, nos quais esse conceito pode ter signiicados diferentes, e a partir da abstração desses signiicados torna-se possível a percepção de toda a amplitude do conceito. Não é coisa
que aconteça partindo da leitura supericial de dezenas de títulos
e subtítulos em quatro ou cinco minutos, o que tem sido a prática
da maior parte dos estudantes, e também daqueles que pretendem ser jornalistas.
Nos últimos anos, os jovens vêm desenvolvendo uma capacidade que poucos tinham até o inal do século 21, a de serem
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leitores multitelas. A juventude estuda ao mesmo tempo em que
faz suas postagens nas redes sociais, em que consulta preços ou
reserva passagens em outro site, em que assiste a um ilme na televisão e ouve suas músicas preferidas em alguma rádio virtual. É
bem difícil airmar que esse comportamento seja adequado a um
estudante de jornalismo. Ele precisa de tudo isso, dessa agilidade
que lhe permitirá checar dados e dar retorno quase que imediatamente a seus leitores, mas precisa também formar seus repertórios conceitual e vocabular, seu prontuário de conhecimentos
ou de esclarecimentos, sem os quais não conseguirá ser um jornalista competente e com a credibilidade que poderá garantir seu
futuro proissional.
A especialização parece ser o melhor caminho para a formação de proissionais comprometidos com o encadeamento de
ideias indispensável para que a audiência consiga acompanhar a
complexidade dos sistemas, os fatos ou circunstâncias que têm
qualquer ligação entre si no universo das relações internacionais,
por exemplo, ou no campo da economia, ou mesmo no campo
de futebol, onde celebridades que ganham milhões e ditam modas misturam-se com questões políticas, sociais e econômicas e
inluenciam até o próprio “cardápio de programação” a que o telespectador terá direito naquele seu momento de lazer. Mas a especialização requer relexão bem embasada, uma matéria jornalística não é um ensaio literário, apesar do tratamento crítico e da
visão de síntese características dos ensaios. Jornalismo se baseia
em informação fundamentada, e hoje links e hiperlinks facilitam o
trabalho de fundamentação, inclusive com imagem e áudio.
Como o sistema em que está a agricultura – com o agronegócio, a agricultura familiar, as implicações políticas, as relações internacionais, a relação com a saúde pública, a cesta básica,
a pesquisa –, os da educação, das tecnologias, dos transportes,
JORNALISMO E CONVERGÊNCIA
104 |
da energia, como todos os demais, estão relacionados e são dependentes da ciência. Sendo assim, embora cada um tenha suas
próprias variáveis, é possível inferir como se dá a relação do jornalista com o conhecimento embasado por meio de uma análise
do que ocorre no campo do jornalismo cientíico.
Há muito se pretende popularizar a ciência. Importa aos
institutos de pesquisa, aos pesquisadores e ao próprio País o compartilhamento de informações que demonstrem o quanto a qualidade de vida de todos os cidadãos depende do investimento em
conhecimentos cientíicos. No entanto, apesar de haver interesse
por parte da população, ainda há muito pouco espaço na grande mídia para a divulgação do conhecimento especializado. Há
anos, tenta-se encontrar o equilíbrio na relação entre fontes especialistas em assuntos densos e repórteres, mas os especialistas
continuam receosos, com medo de verem informações atribuídas
a eles distorcidas, e os repórteres insistem em simpliicar demais
ao narrarem questões complexas e, por que não, em busca do
título impactante, em distorcer ou desqualiicar a pesquisa que
se pretende divulgar. São muitos os exemplos de que isso ainda
ocorre, como demonstraram a jornalista e pesquisadora Cilene
Victor da Silva, editora da revista Com Ciência Ambiental (Cásper
Líbero) e a pesquisadora Raquel Ghini (Embrapa), no 2º Seminário Mídia e Pesquisa, promovido pela Embrapa Meio Ambiente
em 1º de outubro de 2013, em Jaguariúna/SP.
Nesse encontro sobre jornalismo especializado, em mesa-redonda mediada por Graça Caldas, jornalista especializada em
ciência e pesquisadora do Labjor/Unicamp, questionou-se a ética
no jornalismo cientíico, uma vez que falta senso crítico nas coberturas. Não se questiona os resultados apresentados, na maioria das matérias, talvez porque o jornalista ainda esteja submisso
ao pesquisador por insegurança e desconhecimento do assunto
CENÁRIO DE CONVERGÊNCIA DESAFIA A FORMAÇÃO DE JORNALISTAS
| 105
em pauta, como frisou Graça Caldas, citando pesquisa que constatou que apenas em 6% das reportagens foram feitas abordagens
avaliativas. E, o pior – quando se objetiva a popularização do conhecimento – é que 86% do que se publica é de notícias sem contexto, segundo a pesquisa coordenada por Graça Caldas.
Essas e outras constatações da pesquisa de Caldas reforçam a hipótese de que os cursos de Jornalismo terão mesmo que
incluir em seus currículos mais horas-aulas com conteúdos especializados. Ainal, considerando-se o cenário em discussão, intui-se que o mercado de trabalho deverá ser restrito aos jornalistas competentes capazes de contextualizar, analisar e interpretar.
Nesse 2º Seminário Mídia e Pesquisa, o pesquisador Ildeu
de Castro Moreira, da Universidade Federal do Rio de Janeiro,
ressaltou que a maior parte das notícias sobre ciência desconsidera a importância da inovação cientíica para o social, para a
melhoria da qualidade de vida da sociedade, e apresentou pesquisa mostrando que apenas 14% dos brasileiros têm o hábito de
ler sobre ciência e tecnologia, por exemplo, e que 15% do público
não conia nos jornalistas, enquanto 7% dos brasileiros não coniam nos cientistas. Essas observações de Ildeu de Castro Moreira
aqueceram o debate sobre as relações entre a ciência e sociedade,
a partir do que Graça Caldas voltou a reforçar que a informação
deve ser clara e compreensível à população, para que estimule a
participação e a mobilização social. Houve consenso quanto à
necessidade de se criar mecanismos que garantam a utilização
social dos benefícios da ciência e da tecnologia.
Entre esses mecanismos, com certeza, estão os veículos
de comunicação e os jornalistas bem formados, aqueles capazes
de compreender o que ouvem e de situar a novidade noticiada
no cotidiano do leitor, do telespectador, do ouvinte ou do internauta. Observa-se, então, mais uma situação que aponta para a
JORNALISMO E CONVERGÊNCIA
106 |
qualidade da formação acadêmica dos jornalistas; os estudantes
terão que dedicar muito tempo à leitura relexiva de textos de sociólogos contemporâneos, preocupados com as novas relações da
sociedade da informação, terão que ler sobre antropologia, terão
que compreender a geopolítica e a história, terão que aprimorar
sua capacidade para fazer a transposição da linguagem do especialista para a linguagem jornalística, e, à primeira impressão,
terão que se interessar pelo que demonstram terem total desinteresse em seus posts nas redes sociais.
Tem-se, então, outro pressentimento: os docentes dos cursos
de Jornalismo estariam preparados e atualizados, o suiciente, para
o uso das novas tecnologias de informação e comunicação com potencial para cativar seus alunos, para seduzi-los em meio a tantas
informações supericiais, coloridas, agitadas e sonoras que pululam
em seus laptops e tablets? Sim, porque estudantes e seus dispositivos móveis agora são praticamente irmãos siameses, inseparáveis.
Esse também pode ser considerado um obstáculo a ser superado quando se propõe um novo curso de Jornalismo: Como
professores e consultores conseguirão se aproximar da realidade
de uma audiência que vive cada vez mais apressada e conectada
a diversos canais de comunicação? Como merecer a atenção de
uma audiência sempre envolvida com centenas de temáticas? A
resposta talvez esteja no campo de ação, no âmbito, da criatividade. Os docentes que contribuem para a formação de futuros
jornalistas estariam, então, diante de um impasse em relação aos
métodos de ensino-aprendizagem, tanto quanto seus alunos estão
diante das incertezas de seu campo proissional. Os professores
veem-se obrigados a serem inventivos, a criarem formas atrativas
para o compartilhamento de conteúdos teóricos que requerem
concentração, capacidade de abstração e bagagem cultural já assimilada para que possam ser apreendidos. São muitos os fatores
CENÁRIO DE CONVERGÊNCIA DESAFIA A FORMAÇÃO DE JORNALISTAS
| 107
que desaiam os pedagogos e coordenadores pedagógicos nesse
mundo livre e desatinado, conectado, interconectado e marcado
pela convergência de tecnologias e linguagens.
Pelo exposto até aqui, tem-se que um bom curso de Jornalismo deveria aprofundar conteúdos que se transformem em
referências para os estudantes, quase que como experiências
vivenciadas pelos alunos em situações relativas a sistemas econômicos, políticos, culturais, educacionais, de saúde ou de segurança públicas, entre outros, porque essa bagagem teórica seria
a matéria prima básica para a redação de notícias consistentes e
que despertariam a coniança do público. Sem esquecer que as
linguagens especíicas de cada suporte também precisam ser dominadas e que a agilidade no uso dos equipamentos de comunicação e das redes sociais precisa ser treinada.
Um resultado direto dessa nova coniguração do campo da
comunicação e de toda essa preparação do jornalista seria uma
mudança nos critérios de noticiabilidade, já que a qualidade da
informação seria associada ao próprio jornalista, e não ao veículo
em que foi publicada a reportagem. A credibilidade, então, passaria a ser apenas do jornalista, e não da empresa em que trabalha.
Assim, certo tom de subjetividade passaria a caracterizar as matérias em função da interpretação fundamentada feita pelo redator.
As linhas editoriais de cada veículo não deixariam de existir, mas
icaria mais difícil o controle do foco temático de cada narrativa
jornalística pelo editor. Cabe, neste ponto, a observação de que as
formas de apuração também mudam, como consequência desse
tom mais autoral que passariam a ter as matérias, da urgência
de divulgação e da necessidade de retorno quase que imediato à
audiência, que agora pode interagir com o jornalista, discordando ou acrescentando dados imediatamente após a publicação da
matéria. Nesse caso, como observou a especialista em divulgação
JORNALISMO E CONVERGÊNCIA
108 |
cientíica nas novas mídias digitais, Cilene Victor da Silva, no 2º
Seminário Mídia e Pesquisa da Embrapa, a moeda de coniança
passaria a ser o hiperlink. Ou seja, a fundamentação das reportagens passaria a ser sustentada por comparações e analogias feitas
a partir de consultas a links, o que pode ser feito com relativa rapidez, e nos links estariam as provas de que o repórter-autor pesquisou informações e fontes relevantes antes de redigir a matéria.
Com a experiência de professor de Jornalismo Impresso
que atuou como repórter, redator e editor de conteúdo de 1980
a 1995, em redações proissionais de revistas, jornal diário, rádio e televisão, e que desde 1996 ministra disciplinas em cursos
superiores de Jornalismo, observo ainda que o peril da maior
parte dos estudantes de Jornalismo mudou muito na primeira
década deste século. As novas gerações que chegam à Faculdade
de Arquitetura, Artes e Comunicação (FAAC) da Universidade
Estadual Paulista (Unesp) para cursar Jornalismo têm seu valor,
naturalmente, são muito hábeis no uso das novas tecnologias,
mas trazem vivências muito diferentes das dos alunos que se formaram até 2000, quando o acesso à internet se popularizou – pelo
menos entre os alunos da FAAC-Unesp – e as empresas jornalísticas passaram a investir alto em publicações virtuais. Diferentemente das turmas anteriores, que eram mais politizadas, críticas
e interessadas em conteúdos teóricos, as turmas que iniciaram
seus cursos a partir de 2000 demonstram ter referências em uma
conjuntura sem fortes conlitos políticos e culturais, com mais liberdade de expressão, mais conforto e segurança inanceira. Esse
novo peril da maioria inclui a característica de se interessarem
por múltiplos assuntos ou editorias, simultaneamente, o que tem
diicultado o trabalho de todos os docentes responsáveis por disciplinas teóricas, para as quais são necessárias leituras de textos
mais densos. Tendo sido coordenador pedagógico do curso de
CENÁRIO DE CONVERGÊNCIA DESAFIA A FORMAÇÃO DE JORNALISTAS
| 109
Jornalismo por quatro anos, e por ter acompanhado a discussão e
a implantação de um novo Projeto Político-Pedagógico que programou uma grade de disciplinas bem equilibrada, no que se refere ao número de disciplinas teóricas da área de Humanidades e
ao número de teórico-práticas, posso testemunhar essa mudança
de peril e de comportamento do alunado. Há os interessados na
sua formação intelectual, aqueles que leem e discutem conteúdos
nas aulas, e esses alunos são os mesmos que se interessam por
aprender e aperfeiçoar técnicas de reportagem e entrevista,
por aprender a editar produtos impressos ou audiovisuais, por
aperfeiçoarem seu domínio sobre as diferentes linguagens. No
entanto, é muito maior o número dos que preferem não tirar os
olhos das redes sociais e só acompanhar informações supericiais,
mal apuradas e mal fundamentadas. Isso é facilmente perceptível
quando se avalia qualquer matéria que tenham redigido como
exercício exigido por alguma disciplina. Só os poucos – e já
conhecidos pelos docentes – que leem sistematicamente têm
repertório conceitual e repertório vocabular e conseguem redigir
boas matérias. Fica evidente, ainda, que a proporção dos menos
interessados em leituras relexivas só vem aumentando nos
últimos dez anos.
Apresentadas essas condições, pairam sobre os cursos de
Jornalismo dúvidas sobre como deveriam ser os projetos político-pedagógicos e as grades curriculares ideais para essa área de formação proissional. A convergência das tecnologias e dos meios
de comunicação já compõe o cenário e se disponibilizam novos
espaços jornalísticos, sistemas virtuais de comunicação e plataformas de divulgação em linguagens multimidiáticas. Tornaram-se relativamente acessíveis inúmeras novas ferramentas para
captação, edição e difusão de conteúdos informativos, ao passo
que esse mesmo ambiente comunicacional rico e inquieto afasta a
JORNALISMO E CONVERGÊNCIA
110 |
maior parte dos candidatos a jornalistas das condições que parecem
ser as únicas que garantiriam a continuidade de um jornalismo de
boa qualidade e comprometido com suas funções sociais.
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CENÁRIO DE CONVERGÊNCIA DESAFIA A FORMAÇÃO DE JORNALISTAS
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A FORMAÇÃO DA OPINIÃO
PÚBLICA EM TEMPOS DE CULTURA
DA CONVERGÊNCIA
Carlos Willians Jaques Morais1
Sérgio Luiz Gadini2
Nas sociedades complexas, a opinião pública é
aquilo que convergee não apenas o que se publica
(L. Fogaça)
1 Apontamentos preliminares
O presente texto faz uma breve retrospectiva analítica, com um
propósito, senão ousado, ao menos diferente: discutir os processos de disputa e formação da opinião pública, situando o jornalismo em tempos de cultura da convergência. E, para esse percurso, o
Professor do PPG em Jornalismo e do Departamento de Educação da Universidade Estadual de Ponta Grossa (UEPG-PR). E-mail: cwjmorais@hotmail.com
2
Professor do PPG em Jornalismo e do Departamento de Jornalismo da Universidade Estadual de Ponta Grossa (UEPG-PR). E-mail: slgadini@uepg.br
1
| 115
diálogo recorre aos conceitos de Jürgen Habermas (2002) e Henry
Jenkins (2009).
É preciso, entretanto, fazer uma ressalva, pois os citados
autores são de épocas diferentes, para além de analisar os problemas
sociais de perspectivas temáticas igualmente diferenciadas, mas que
podem ser relacionados quando se busca pensar e compreender o
papel e o espaço do jornalismo nas sociedades complexas.
Em tempos de globalização, a internet impulsionou o conceito de convergência. E, cada vez mais, não se fala apenas em
convergência de suportes técnicos, mas em transformações que
implicam em práticas, comportamentos e relações entre os mais
variados segmentos sociais. Nas palavras de Henry Jenkins (2009,
p. 33), a convergência é “um conceito antigo assumindo novos
signiicados”, ainda que marcado por “confusas transformações”.
2 Informação, cultura da convergência e jornalismo
Na história social da mídia, pode-se falar que as diversas reinvenções técnicas possibilitaram diferentes condições às práticas
comunicacionais convergentes. Para além da principal revolução
moderna, materializada pela prensa de Gutemberg (século 15), o
uso da fotograia como imagem no jornal impresso, integrando
uma representação, até então, mais próxima da arte ao meio proporcionou uma reconiguração da principal produção jornalística.
Na mesma lógica, a invenção do cinema, a partir do inal
de 1895, popularizou a representação audiovisual, logo identiicada como “sétima arte”. A emergência do rádio, pela transmissão por ondas sonoras, na segunda década do século 20, acelerou uma “integração informativa”, que poucas décadas depois
foi apropriada por aquela que seria considerada a maior invenção
midiática do século 20: a televisão. Em todos esses momentos,
JORNALISMO E CONVERGÊNCIA
116 |
o sentido de convergência midiática foi, e continua sendo, um
processo que está além das adaptações tecnológicas, na mesma
medida em que foi forjando outros hábitos de consumo cultural,
comportamento e opção de lazer e informação.
A explicação é de Henry Jenkins:
Por convergência, reiro-me ao luxo de conteúdos através de múltiplas plataformas de mídia, à cooperação entre
múltiplos mercados midiáticos e ao comportamento migratório dos públicos dos meios de comunicação, que vão
a quase qualquer parte em busca das experiências de entretenimento que desejam. Convergência é uma palavra
que consegue deinir transformações tecnológicas, mercadológicas, culturais e sociais, dependendo de quem está
falando e do que imaginam estar falando. (2009, p. 29)
Nesse mesmo sentido, pode-se falar em impactos e desdobramentos da cultura da convergência nos processos de formação
da opinião pública. Mais que demandar o urgente repensar das
práticas públicas da comunicação, a emergência de redes digitais também reconigurou os modos de pautar e discutir temas
de interesse coletivo, sem abrir mão de práticas convencionais de
intervenção política. Em outros termos, as transformações paradigmáticas revelam aspectos pragmáticos da opinião pública que
potencializam uma cultura de participação.
É óbvio que não se pode entender que o acesso às redes
integradas de informação implica no automático exercício de
práticas cidadãs, pois assim como alguns atores políticos lançam
mão das redes para impulsionar as mesmas estratégias de projeção e fortalecimento de suas respectivas posições, novos atores –
outrora excluídos do uso e do acesso aos meios comunicacionais
de representação analógica – passam a usufruir dos dispositivos
técnicos de expressão política nas redes.
A FORMAÇÃO DA OPINIÃO PÚBLICA EM TEMPOS DE CULTURA DA CONVERGÊNCIA
| 117
Na avaliação de Jenkins,
A expressão cultura participativa contrasta com noções
mais antigas sobre a passividade dos espectadores dos
meios de comunicação. Em vez de falar sobre produtores
e consumidores de mídia como ocupantes de papéis separados, podemos agora considerá-los como participantes
interagindo de acordo com um novo conjunto de regras,
que nenhum de nós entende por completo. Nem todos os
participantes são criados iguais. [...] E alguns consumidores têm mais habilidades para participar dessa cultura
emergente do que outros. (2009, p. 30)
Ainda de acordo com Jenkins (2009, p. 30), o atual cenário
demanda aprender “a usar esse poder” nas interações diárias na
cultura da convergência.
A familiaridade e a adaptação ao voto eletrônico no Brasil criaram, há vários anos, a opção de escolha de representantes
institucionais, na mesma lógica de consultas eletivas, por meio de
computador, a distância (e não mais presencial), seja via computador convencional, notebook, tablet ou celular. De acesso ao sistema, em certos casos, é possível votar diretamente do celular na
escolha de dirigente sindical, de escola ou de instituição pública.
Não se pode, todavia, dizer que o mesmo hábito registra similar
adesão consultiva em grupos empresariais privados, nos quais
nem ao menos a participação presencial, por vezes, se entende
como habitual.
Um dos “motores” desse cenário é, sem dúvida, a indústria eletrônica, que impulsiona o consumo coletivo de versões
frequentemente reconiguradas de produtos (TV, telefone celular,
tablet e outros dispositivos), que se mantêm como promessas de
inovação e mudança comportamental. Esse é o caso da promessa
JORNALISMO E CONVERGÊNCIA
118 |
da TV digital brasileira, que, no entanto, até 2013, sequer assegura,
na maioria dos casos, condição de participação do telespectador.
Uma das variáveis dessa contradição é, sem dúvida, a manutenção do velho paradigma da emissão televisiva analógica, ainda
que crescentemente pautado pela segmentação da oferta de programas e canais.
Embora não se pode prever de modo preciso, ao que tudo
indica, uma mudança de paradigma, crescentemente voltado à
cultura da convergência, deve projetar outras situações também
ao meio televisivo. A relexão é de François Jost:
O que será da televisão em 10 anos? Terá ainda canais ou
todos os conteúdos passarão pela internet? Bem astuto é
quem puder responder a estas questões. Os futurólogos
se enganam quase sempre, seja porque eles imaginam
situações que não se produzem jamais (as ruas-calçadas
rolantes para o ano 2000!), seja porque eles estão muito abaixo das evoluções efetivas. Para mim, eu apenas
preservo duas certezas. A primeira é que o combate pela
convergência será duro; o im do combate, incerto, e que
não é fácil saber quem ganhará: a tela da televisão ligada à
internet ou a tela do computador utilizada como televisão
[...]. A segunda certeza, é que as possibilidades da seleção
pessoal e de individuação dos conteúdos vão se multiplicar. (2011, p. 107)
A cultura da convergência registra importantes impactos
no campo jornalístico. Esta é a avaliação de Camargo, Carlan e
Rozendo:
A mudança no paradigma de disseminação do conteúdo
midiático aponta para um movimento em direção a um
modelo de cultura participativa. Este modelo vê o público não apenas como consumidor imóvel de mensagens
A FORMAÇÃO DA OPINIÃO PÚBLICA EM TEMPOS DE CULTURA DA CONVERGÊNCIA
| 119
pré-deinidas, mas como pessoas que deinem, reorganizam, compartilham e remixam os produtos midiáticos de
formas que não haviam sido planejadas. Outro diferencial
da cultura participativa é que o público não está realizando
estas ações de forma isolada e individualizada, mas
em comunidades virtuais que ultrapassam as barreiras
temporal e geográica. (2013, p. 7)
Outra referência é o conceito de jornalismo colaborativo, que vem ao encontro da cultura da convergência, na medida
em que o leitor/ouvinte/telespectador/internauta é “convidado” a
participar de algumas escolhas editoriais, interagindo por meio
de plataformas viabilizadas pelos dispositivos tecnológicos. Não
se pode, contudo, alimentar a ilusão de que tais participações são
sempre determinantes nas decisões editoriais das produções jornalísticas. E isso pelas mais variadas razões! Não resta dúvida,
entretanto, que a participação do usuário (agora, interlocutor)
nas produções colaborativas forja a necessidade de outras práticas editoriais.
A cultura da convergência registra, ainda, uma crescente
aproximação na busca de transparência da gestão pública, por
meio da disponibilização de dados e informações de interesse coletivo, que contribuem e, em certos casos, facilitam a produção
jornalística. A Lei da Transparência da Informação, que entrou
em vigor no Brasil em 16 de maio de 2012, é um desses exemplos,
ainda que pouco explorado pelos próprios proissionais da mídia.
A obrigação legal de que os gestores públicos devem divulgar os mais diversos dados sobre a gestão do dinheiro do contribuinte – situação, talvez, impensável até poucos anos passados
– é uma realidade que, ainda, se mantém pouco explorada por
jornalistas. A instrumentalidade do jornalismo de dados, como
JORNALISMO E CONVERGÊNCIA
120 |
uma modalidade de prática convergente, é um desaio no campo
proissional reconigurado.
3 Jornalismo e opinião pública: a formação do sujeito
de direitos
Em tempos de convergência, a opinião pública representa um
alvo que requer insistentes (re)considerações diante dos mais
variados interesses e perspectivas. Trata-se de assimilar a qualidade dessa mesma opinião frente à possibilidade não incomum
de uma apropriação conceitual associada a interesses difusos, sobretudo, no meio cultural de consumo e de tentativa de controle
político, que marcam os processos de disputa de opinião, já que
na era da convergência “o consumo tornou-se um processo coletivo” (JENKINS, 2009, p. 30).
Contudo, é necessário fazer uma leitura crítica do papel da
mídia para que, nesse movimento pragmático de convergência,
elas sejam instrumentalizadas, se não exclusivamente, ao menos
em favor do seu potencial emancipatório de sujeitos sociais e, se
possível, menos pelo viés da mera instrumentalidade dirigida,
que vem sendo relativizada pela crescente inclusão digital. E, vale
uma observação, pois não há qualquer problema em manifestar,
aqui, uma postura de prioridade intelectual! Até porque, na lógica da modernidade, é preferível pensar em possibilidades de ação
do sujeito humano, mesmo diante das mais variadas hipóteses de
questionamento e suspeita.
Dentre os diversos segmentos que operam sistematicamente na intervenção dos processos de formação da opinião pública – paralelo ou diferentemente do discurso publicitário, da
psicanálise, do cinema, da arquitetura, das artes plásticas e das
A FORMAÇÃO DA OPINIÃO PÚBLICA EM TEMPOS DE CULTURA DA CONVERGÊNCIA
| 121
demais expressões contemporâneas –, pode-se destacar os inúmeros discursos que integram o campo jornalístico.
O jornalismo tem a possibilidade de sustentar um diálogo
que defende a concepção de Estado democrático de direito, uma
vez comprometida com a preservação do espaço público e capaz
de produzir uma opinião prospectiva, isto é, opinião esclarecida,
que, em alguma medida, opera em sintonia com a ação comunicativa e que se orienta à ação moral e política.
Nesse aspecto, o jornalismo assume a tarefa de exercer a
representatividade pública, visto que o Estado é a expressão do
poder emanado (comunicado) do povo e que deve se voltar para
o povo, enquanto reconhecimento da vontade soberana, ou seja,
como publicidade da ação do Estado. Trata-se de preservar o espaço público, representativo no Estado e em sua “publicidade”
típica, afastando a eventual hegemonia de interesses privados,
que tendem ou buscam corromper ou mesmo controlar determinadas expressões públicas por meio de seu potencial publicitário
em convergência.
Ao invés de uma opinião pública, o que se conigura na
esfera pública manipulada é uma atmosfera pronta para
a aclamação, é um clima de opinião. Manipulativo é sobretudo o cálculo sócio-psicológico de ofertas endereçadas a tendências inconscientes e que provocam reações imprevisíveis, sem, por outro lado, poder de algum
modo obrigar aqueles que, assim, se asseguram a concordância plebiscitária: apoiando-se em “parâmetros
psicológicos” cuidadosamente elaborados e em apelos
experimentalmente comprovados, quer-se que, quanto
melhor eles devam atuar como símbolos da identiicação, tanto mais eles percam a sua correlação com princípios políticos programáticos ou até mesmo argumentos
objetivos. O seu sentido se esgota no resgate daquela
espécie de popularidade “que substitui na sociedade de
JORNALISMO E CONVERGÊNCIA
122 |
massas, hoje, a ligação imediata do indivíduo com a política”. (HABERMAS, 2002, p. 254)
No intuito de fomentar um diálogo sobre o potencial crítico
e emancipatório das expressões midiáticas em tempos de cultura
da convergência (que não podem ser apenas estereotipadas como
relexo da sociedade que pensa a informação como produto, por
vezes, basicamente consumível e descartável), indica-se o papel
que deve ser exercido pela comunicação pública, que tem como
objetivo fazer transparecer dados das inanças e das relações públicas no âmbito da estrutura política estatal. É nessa perspectiva que se torna possível conigurar o jornalismo como uma ação
comunicativa formadora de competência cognitiva e moral de
sujeitos capazes de assumir um discurso social, crítico e comunicativo, fundamentalmente alinhados aos interesses da esfera
pública. Isso, pode-se dizer, consiste em entender o jornalismo
como uma iniciativa política e social comprometida com a formação da opinião pública esclarecida.
Diferente de outras iniciativas comunicacionais, em alguns
casos mais ou prioritariamente associadas ao marketing econômico e/ou político, cuja inalidade é relacionar informação com
o consumo de bens e serviços baseados no lucro, a comunicação
pública assume outra visão, já que se torna uma reconhecida necessidade (coletiva) frente a um projeto democrático de sociedade. Jorge Duarte (2007) apresenta uma compreensão oportuna
para discutir os distintos modos de comunicação no âmbito da
esfera pública política nas sociedades contemporâneas.
O autor, inclusive, diferencia comunicação política da política:
Comunicação política trata do discurso e da ação de governos, partidos e seus agentes na conquista da opinião
A FORMAÇÃO DA OPINIÃO PÚBLICA EM TEMPOS DE CULTURA DA CONVERGÊNCIA
| 123
pública e na obtenção de poder. [...] Comunicação pública refere-se à interação e ao luxo de informação em
temas de interesse coletivo. Inclui tudo que diga respeito
ao aparato estatal, às ações governamentais, partidos políticos, terceiro setor e, em certas circunstâncias, às ações
privadas. A existência de recursos públicos ou interesse
público caracteriza a necessidade de atendimento às exigências da comunicação pública. (DUARTE, 2007)
Em outros termos, a comunicação pública é um instrumento de diálogo entre o público e as instituições públicas, e se
torna, na mesma medida em que possibilita a expressão de interesses e demandas sociais coletivas, um importante recurso à
construção de uma democracia participativa, que reconhece cada
cidadão como sujeito de direitos.
Enquanto relação legítima entre sociedade civil e Estado,
a comunicação pública não deve ser entendida como medida obsoleta de interação. Em boa medida, pode-se pensar o contrário:
comunicação pública, em tempos de cultura de convergência, se
constrói efetivamente por meio da gestão da comunicação viabilizada estrategicamente por proissionais competentes e pelo
aparato midiático, sobretudo, cibernético, quando se considera
o potencial das redes sociais e de informação, que podem contribuir para uma maior interação social.
A informação como um direito constitucional precisa ser
compreendida como ação comunicativa em que ocorre interação, cuja matéria primeira deve ser aquilo que atende ao interesse
público. Desse modo, a cidadania ocorre quando os sujeitos, estimulados para o diálogo, são capazes de se articular e se manifestar de modo organizado no espaço público. Pela convergência
midiática, a comunicação digital tem favorecido uma cultura de
participação e inteligência coletiva.
JORNALISMO E CONVERGÊNCIA
124 |
A aposta de McLuhan é que o novo modelo de excesso
informacional e da onipresença de meios eletrônicos,
responsáveis por uma espécie de representação da representação do mundo, provocaria uma transformação
profunda de referências na sociedade. Não há como separar a cultura, vista tradicionalmente como o conjunto
de representações simbólicas essencialmente humanas,
de ambientes tecnológicos. (CASTANHEIRA, 2011, p. 3)
Exempliicando, o excesso de informação, diante de uma
crescente cultura da convergência, as redes sociais e os canais virtuais de acesso à informação têm determinados hábitos e posturas sociais que merecem reconhecimento em dois âmbitos: a ampliação do conceito de sujeito comunicativo frente aos recursos
disponíveis à sua interação, e a possibilidade da formação de uma
opinião pública que se estrutura a partir da convergência midiática, mas se faz ouvir no mundo social objetivo e nas instituições
públicas. Entretanto, tal reconhecimento não se encerra ao âmbito da moralidade comunicativa, mas, de modo performativo,
orienta a ação política ao que é legítimo porque público.
Até o momento tratamos a esfera pública política como se
fosse uma estrutura comunicacional enraizada no mundo
da vida através da sociedade civil. Este espaço público político foi descrito como uma caixa de ressonância onde os
problemas a serem elaborados pelo sistema político encontram eco. Nesta medida, a esfera pública é um sistema
de alarme dotado de sensores não especializados, porém,
sensíveis no âmbito de toda a sociedade. Na perspectiva
de uma teoria da democracia, a esfera pública tem que
reforçar a pressão exercida pelos problemas, ou seja, ela
não pode limitar-se a percebê-los e a identiicá-los, devendo, além disso, tematizá-los, problematizá-los e dramatizá-los de modo convincente e eicaz, a ponto de serem
assumidos e elaborados pelo complexo parlamentar. E a
A FORMAÇÃO DA OPINIÃO PÚBLICA EM TEMPOS DE CULTURA DA CONVERGÊNCIA
| 125
capacidade de elaboração dos próprios problemas, que é
limitada, tem que ser utilizada para um controle ulterior
do tratamento dos problemas no âmbito do sistema político. (HABERMAS, 2003, p. 91)
É oportuno considerar ainda que, mesmo em tempos
de cultura convergente, alguns conceitos permanecem atuais.
Na relação entre legitimidade (moral) e legalidade (direito),
comunicação pública é o que permite fazer com que os cidadãos,
cientes do seu papel político, exijam que o Estado esteja a serviço
de seus interesses, visto que o Estado Moderno foi criado e existe,
ao menos em teoria, exatamente para atender a essa mediação
social (conforme sugerido por homas Hobbes, em O Leviatã).
Essa mesma referência antecipa o que alguns debates em
torno da cultura da convergência e da convergência midiática denominam por cultura participativa, uma vez que a comunicação
pública pode ser entendida como um processo de interação social, diante de transformações em andamento.
O direito constitucional à informação, enquanto expressão
de legalidade, se torna legítimo, quando do ponto de vista moral
recorre aos seus procedimentos (em convergência) à serviço do
interesse público. Ou seja, a informação se torna direito e bem
público, e se volta para o público mediante os compromissos que
dela decorrem (performance).
Nos processos públicos de comunicação não se trata, em
primeiro lugar, da difusão de conteúdos e tomadas de posição através de meios de transmissão efetivos. A ampla
circulação de mensagens compreensíveis, estimuladoras
da atenção, assegura certamente uma inclusão suiciente
dos participantes. Porém, as regras de uma prática comunicacional, seguida em comum, têm acentuado um signiicado muito maior para a estruturação de uma opinião
JORNALISMO E CONVERGÊNCIA
126 |
pública. O assentimento a temas e contribuições só se
forma como resultado de uma controvérsia mais ou menos ampla, na qual propostas, informações e argumentos
podem ser elaborados de forma mais ou menos racional.
Com esse “mais ou menos” em termos de elaboração “racional” de propostas, de informações e de argumentos, há
geralmente uma variação no nível discursivo da formação da opinião e na “qualidade” do resultado. Por isso, o
sucesso da comunicação pública não se mede per se pela
“produção de generalidade, e sim, por critérios formais
do surgimento de uma opinião pública qualiicada”.
(HABERMAS, 2003, p. 94)
A inluência exercida pela comunicação pública no meio
de sujeitos privados que vivem o espaço público se dá pelo reconhecimento de pessoas e instituições cuja reputação é a expressão de valores que podem ser reconhecidos como bens culturais
e sociais universalizáveis naquele contexto. Ou seja, coniança e
credibilidade devem ser tomados como valores imprescindíveis
da informação e dos gestores da comunicação pública, especialmente em tempos em que a convergência faz com que a inluência seja o ponto de partida da concorrência da publicidade.
Os papéis de ator, que se multiplicam e se proissionalizam cada vez mais através da complexidade organizacional, e o alcance da mídia têm diferentes chances de
inluência, porém, a inluência política que os atores obtém sobre a comunicação pública, tem que apoiar-se, em
última instância, na ressonância ou, mais precisamente,
no assentimento de um público de leigos que possuem os
mesmos direitos. O público dos sujeitos privados tem que
ser convencido através de contribuições compreensíveis
e interessantes sobre temas que eles sentem como relevantes. O público possui esta autoridade uma vez que é
constitutivo para a estrutura interna da esfera pública, na
qual atores podem aparecer. (HABERMAS, 2003, p. 96)
A FORMAÇÃO DA OPINIÃO PÚBLICA EM TEMPOS DE CULTURA DA CONVERGÊNCIA
| 127
Em tempos de convergência, o diálogo se amplia, o número de interlocutores faz com que projetos sejam tematizados e sua
relevância (e abrangência) se torne ainda maior. O compromisso
ético e social das mídias e de seus agentes faz com que a comunicação se torne um valor e um poder nas mãos daqueles que
detêm a informação. A publicidade esclarecida é aquela que forma a opinião pública capaz de transformar o meio social de seus
atores políticos.
4 Considerações finais
E qual a relação entre os processos de formação da opinião pública e a cultura da convergência? Por um lado, os valores da modernidade (ainda que tardia, em alguns aspectos) tensionam e, por
outro lado, parecem resistir aos emergentes impactos processuais
da inclusão digital, que, por sua vez, cria outras dimensões e potencialidades de participação cidadã.
Em outros termos, é oportuno considerar que o desaio –
tanto de intelectuais quanto de integrantes de movimentos sociais
que dialogam e participam dos processos de formação da opinião
pública – é tensionar os modos hegemônicos de se fazer jornalismo, buscando impulsionar o potencial de pluralidade que deve
marcar as produções editoriais informativas, seja na perspectiva
de se ouvir, sempre que possível, os diversos atores de uma pauta
tematizada ou de respeitar o princípio moderno (e sempre contemporâneo) da alteridade humana.
Ainal, se o jornalismo – como campo especíico de produção do conhecimento – busca construir elementos a uma identidade proissional autônoma, é preciso, nesse aspecto, ponderar
JORNALISMO E CONVERGÊNCIA
128 |
elementos capazes de justiicar-se socialmente pela necessidade e
interesse público, para além de eventuais demandas comerciais,
políticas ou mesmo de crenças religiosas. E tal desaio pode – e,
em certo sentido, deve – ser considerado como meta estratégica em tempos de crescente cultura de convergência informativa.
Esse aspecto, aliado ao desaio de identidade conceitual e metodológica do campo proissional, pode contribuir para situar também as perspectivas de intervenção social das práticas jornalísticas nas atuais crises de representação que marcam a avalanche
informativa (não necessariamente qualitativa) que tipiicam as
complexas sociedades contemporâneas.
Não há, contudo, como se falar que as tendências e variáveis da formação da opinião estejam em sintonia e tampouco se
processam de modo linear ou previsível em tempos de excesso
informacional e pluralização de narrativas, que marcam as disputas pelos modos de ser, pensar e viver no mundo contemporâneo.
E as opiniões são, cotidianamente, reinstituídas, inclusive com a
participação das produções jornalísticas.
Referências
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CASTANHEIRA, J. C. Meio e memória: novas linguagens em novas mídias. E-Compós, Revista da Associação Nacional dos Programas de Pós-Graduação em Comunicação, Brasília, v. 14, n. 3,
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A FORMAÇÃO DA OPINIÃO PÚBLICA EM TEMPOS DE CULTURA DA CONVERGÊNCIA
| 129
DUARTE, J. Comunicação pública. Disponível em: <http://
www.jforni.jor.br/forni/iles/ComP%C3%BAblicaJ Duartevf.pdf>.
Acesso em: 10 out. 2013.
FERREIRA, C. F.; PEREIRA, D. S. Aspectos da comunicação pública na cultura da convergência. In: PANKE, L.; MACEDO, R.
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HABERMAS, J. Direito e democracia: entre a facticidade e validade. Tradução Flávio Beno Siebeneichler. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2003. v. 2. [Faktizität und Geltung. Beiträge zur
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______. Mudança estrutural da esfera pública: investigações
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Kothe. 2. ed. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2002. [Strukturwandel der Öfentlichkeit. Darmistadt: Herman Luchterhand
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JORNALISMO E CONVERGÊNCIA
130 |
REDAÇÕES DESTERRITORIALIZADAS E
AS POSSIBILIDADES DE MODELAGEM
DE NARRATIVAS OBJETIVAS,
CONCRETAS E FACTUAIS
Juarez Tadeu de Paula Xavier1
1 Introdução
O jornalismo solidiicou seu universo conceitual e técnico centrado na redação. Essa forma inteligente de planejamento, captação,
edição e difusão de conteúdo informativo, o think tanks operacional serviu de locus (espaço físico de elaboração) e logos (espaço de racionalização metódica) dos processos do fazer e pensar
jornalísticos. Nas diversas etapas atravessadas pela prática proissional, esse núcleo produtivo sofreu mutações, condicionadas
por aspectos macroambientais (econômicos), microambientais
Professor do Departamento de Comunicação Social da Faculdade de Arquitetura, Artes e Comunicação (FAAC) da Universidade Estadual Paulista. (UNESP
– Bauru). E-mail: jxavier@faac.unesp.br
1
| 131
(legislativos), ambientais (tecnológicos) e nanoambientais (deontológicos): de espaço criativo e inventivo a espaço repetitivo e
alienador das linhas de montagem. No novo chassi tecnológico
– convergência técnica e midiática –, ponto de ruptura na cadeia
de produção, o jornalismo tem, na ecologia digital das redações
híbridas (analógicas e digitais) a possibilidade de ressemantização de seus conceitos e cânones, como o conceito de objetividade
jornalística2.
O jornalismo caminha nas mesmas pegadas da modernidade. Ele é a conquista do direito à informação, contra o obscurantismo monárquico e eclesiástico, do século 18. Ao inaugurar
a esfera pública, iniciou sua aventura moderna, em fases sucessivas, aclimatadas às condições econômicas, sociais, políticas, culturais e tecnológicas do seu tempo. Fruto da revolução burguesa,
o jornalismo navegou em três fases distintas, até chegar à atual:
primeiro jornalismo, segundo jornalismo e terceiro jornalismo
(MARCONDES FILHO, 2002).
No primeiro jornalismo emergiu a redação. O jornal se
proissionalizou, e assumiu a função de formador político e pedagógico. Seu estilo, estrutura narrativa e sistema de codiicação tinham peris literários, partidários, políticos. Na segunda metade
do século 19, o jornalismo sofreu sua primeira ruptura sistêmica.
O arranjo produtivo local intensivo de produção de informação –
a exemplo de outras unidades de produção da época – desenhou-se
sob o signo da inovação tecnológica. O segundo jornalismo mudou
o modelo de negócio. O valor de uso do jornal cedeu espaço para
2
Neste artigo, os conceitos terão as seguintes concepções: jornalismo (técnicas,
saberes e ética deontológica, para o planejamento, captação, edição e difusão de
informação), imprensa (divulgação sistemática de informação de atualidade),
empresa jornalística (estrutura econômica de produção e comercialização de
material informativo). (RIBEIRO, 2001).
JORNALISMO E CONVERGÊNCIA
132 |
o valor de troca. O jornal tornou-se uma empresa capitalista, que
para acompanhar as transformações tecnológicas, exigia capacidade inanceira, e geração de lucros, a im de se autossustentar. A produção de conteúdo dividia sua atenção com a captação de recursos.
Esboçava-se a divisão entre “igreja” (redação) e “estado” (publicidade). No terceiro jornalismo, o monopólio econômico se impôs.
As guerras, o novo colonialismo, as novas divisões territoriais e os
governos totalitários inibiam as cadeias de produção de informação. A publicidade se organizou como indústria, e ainformação
passou a disputar espaço com a publicidade. O monopólio vige na
emergência da nova ecologia eletrônica e digital, a era tecnológica
(MARCONDES FILHO, 2002).
Na linha de tempo desenhada pelas sucessivas etapas, o
jornalismo adensa seus aparatos teóricos e práticos. Ele fortalece
sua vocação estimuladora da esfera pública, a capacidade de elaboração de relatos factuais e objetivos, a capacidade de produção
de conteúdo multiplataformas e a consolidação do seu ethos. O
espaço físico da redação é a “caldeira criativa” onde se forjam e
fundem esses cânones. Carpinteiro da esfera pública, o jornalismo torna-se arquiteto da construção de um conhecimento social
válido sobre a realidade (GENRO FILHO, 1989).
A redação foi o epicentro dessas mudanças. Ela criou uma
cultura interna que favoreceu, em um determinado período, a
criatividade, a inovação e as transformações que moldaram princípios e valores do jornalismo ocidental. Na fase do monopólio
dos meios de comunicação e da propriedade cruzada de veículo,
a redação sofreu modiicações no seu processo de invenção.
A homogeneização da redação que padronizou a leitura
da realidade, o compartilhamento de visões de mundo, a ausência do contraditório, e a redução da relexão conceitual, reduziu
a capacidade crítica da atividade proissional, e deu dimensão
REDAÇÕES DESTERRITORIALIZADAS E AS POSSIBILIDADES DE MODELAGEM DE NARRATIVAS...
| 133
unidimensional ao relato jornalístico. As pautas, muitas vezes
focadas nos universos culturais de um grupo reduzido de pessoas, deixaram de abordar aspectos fundamentais da realidade de
parte da população (ROSSI, 1980). Critérios adotados de edição,
desenvolvidos nas pranchetas dos arranjos produtivos locais ixos
de produção intensiva de informação, reproduziam imagens tênues da realidade factual.
A grande imprensa adotou critérios de “manipulação da
informação”, que transiguraram a capacidade de reprodução de
uma realidade factual. “Tudo se passa como se a imprensa se referisse à realidade apenas para apresentar outra realidade, irreal,
que é a contrafação da realidade real”. A sociedade é “cotidianamente” colocada ante uma “realidade artiicialmente criada pela
imprensa e que se contradiz, se contrapõe e frequentemente se
superpõe e domina a realidade” (ABRAMO, 2003, p. 23-24).
O processo de manipulação das informações implica a manipulação da realidade. Há padrões de manipulação tipiicados
e observáveis na produção jornalística. “Os padrões devem ser
tomados como padrões, isto é, como tipos ou modelos de manipulação, em torno dos quais gira, com maior ou menor grau
de aproximação ou distanciamento, a maioria das matérias da
produção jornalística” (ABRAMO, 2003, p. 25). São observáveis
quatro padrões de manipulação: padrão de ocultação; padrão de
fragmentação; padrão de inversão; e padrão de indução.
O padrão de ocultação dá-se no processo de planejamento
da produção do luxo da informação. Na elaboração da pauta –
planejamento da edição – ocultam-se aspectos contrários à política editorial do veículo, omitindo-os nos relatos. A realidade
perde a complexidade, e suas contradições são eliminadas dos
relatos. A pauta – núcleo delagrador do processo jornalístico
– divide-se entre fatos jornalísticos e fatos não jornalísticos, de
JORNALISMO E CONVERGÊNCIA
134 |
acordo com os critérios da redação. O veículo cobre e expõe os
fatos jornalísticos e oculta os fatos não jornalísticos, que implica
a ocultação deliberada da realidade. O que transforma o fato em
jornalístico não são suas características intrínsecas, mas a linha
editorial do veículo.
O consumidor e fruidor de informação não toma conhecimento dos fatos carimbados como não jornalísticos. O fato deixa
de ser real e se torna imaginário. “O fato real foi eliminado da
realidade, ele não existe. E o fato presente na produção jornalística, real ou iccional, passa a tomar o lugar do fato real e a compor,
assim, uma realidade diferente da real, artiicial, criada pela imprensa” (ABRAMO, 2003, p. 26-27).
O critério é decisivo, pois tira do foco da cobertura aspectos importantes da realidade. Questões fundamentais e estruturantes que afetam o conjunto da sociedade icam fora do radar de
cobertura, e da apreensão e compreensão do público. Há a seleção
de aspectos da realidade e, com esse processo, a descontextualização da informação, características do padrão de fragmentação.
O fato jornalístico eleito é decomposto em pequenas unidades
informativas, dividido e fragmentado, com a eliminação dos encadeamentos dos fatos, e a criação artiicial de outra realidade.
O real ica estilhaçado. Há conexões arbitrárias e artiiciais, que
não correspondem aos vínculos reais. “Esse padrão também se
operacionaliza no ‘momento’ do planejamento da pauta, mas
principalmente no da busca da informação, no da elaboração
do texto, das imagens e dos sons, e no de sua apresentação, na
edição” (ABRAMO, 2003, p. 27).
O processo de descontextualização da informação implica o
ordenamento da cadeia informativa, e provoca o padrão da inversão. Esse processo favorece a inversão da relevância dos aspectos
(secundário versus principal), a inversão da forma pelo conteúdo
REDAÇÕES DESTERRITORIALIZADAS E AS POSSIBILIDADES DE MODELAGEM DE NARRATIVAS...
| 135
(iccional versus real), a inversão da versão pelo fato e a inversão da opinião pela informação (total ou parcial). O padrão da
inversão opera tanto no planejamento – organização da pauta e
da cobertura –; na captação de dados; nas transcrições das informações; mas o seu reinado, “por excelência”, dá-se “no momento
da preparação e da apresentação inal”. Esse processo de inversão projeta um juízo de valor, que se torna real na sociedade
(ABRAMO, 2003, p. 29).
Esses padrões de manipulação não se encontram em todas
as narrativas jornalísticas. Há relatos em que esses padrões inexistem ou se encontram em níveis residuais. Mas, a combinação
de fatores (casos, momentos, formas e graus) distorce a realidade
e “submete, em geral e em seu conjunto, a população à condição
de excluída da possibilidade de ver e compreender a realidade
real e a induz a consumir outra realidade, artiicialmente inventada” (ABRAMO, 2003, p. 33). Forma-se o padrão de indução.
Os processos que são operados dentro da redação transmutaram os relatos jornalísticos de “formas singular de produção
de conhecimento” (GENRO FILHO, 1989) em “padrões de manipulação” da realidade (ABRAMO, 2003). Eles tecem uma “rede
de factibilidade” (TUCHMAN, 1983) e constroem um “consenso” (CHOMSKY, 1989) que aliena a sociedade do real, e limita as
possibilidades de apreensão do factual e de transformação social.
2 Redações encapsuladas pelas corporações
O campo do jornalismo se debruça sobre a crise que atinge o
seu modelo de negócio. A irrupção da ecologia digital reordenou e “bagunçou” a cartograia dos meios de produção de conteúdo jornalístico. Vendas, fusões e incorporações formataram e
JORNALISMO E CONVERGÊNCIA
136 |
reformatam empresas de comunicação pelo mundo afora. O modelo de negócio existente desde o período da proissionalização
dos veículos (informação, opinião e publicidade) mostrou-se incapaz de manter as margens de lucro das empresas. A publicidade
concentrada que alimentou os principais veículos de comunicação
(televisão, rádio, revista e jornal), favorecida pelo monopólio e pela
propriedade cruzada, pulverizou-se. O ecossistema da informação
foi redesenhado sob o impacto do surgimento do território digital e convergente da internet. Falência de veículos, reorientação
mercadológica, redução de investimentos em inovação e formação
proissional, enxugamento das redações, demissão de proissionais
e desprestígio da área passaram a pautar o debate de empresários,
jornalistas, pesquisadores e centros de estudos sobre a crise que
afeta a área do jornalismo (O FUTURO DA MÍDIA, 2013).
O relatório produzido pelo Tow Center for Digital Journalism, da Columbia Journalism School (2012) – Jornalismo pós-industrial: adaptação aos novos tempos –, informa que as condições
técnicas, materiais e de métodos que sustentaram a indústria do
jornalismo ao longo do século passado “não existem mais”. O jornalismo se organizou próximo ao maquinário da produção, em
arranjos produtivos locais que concentravam a gestão dos processos do luxo da informação (planejamento, captação, edição
e difusão), de pessoas (organização da redação, dos sistemas de
produção e distribuição) e dos recursos tangíveis e intangíveis
(APL)3. Esse modelo de organização não é mais necessário, no
jornalismo “pós-industrial”, segundo o relatório (ANDERSON;
BELL; SHIRKY, 2012).
Arranjo Produtivo Local: sistema de produção de informação constituído por
todos os níveis de gestão de processos, gestão de pessoas e gestão de recursos.
3
REDAÇÕES DESTERRITORIALIZADAS E AS POSSIBILIDADES DE MODELAGEM DE NARRATIVAS...
| 137
O dossiê concentra seu escrutínio no exercício do jornalismo, nas práticas jornalísticas e no sistema dos Estados Unidos: jornalistas, instituições e ecossistema. Ele parte de cinco pressupostos
fundamentais: 1. O jornalismo é essencial; 2. O bom jornalismo
sempre foi subsidiado; 3. A internet acaba com o subsídio da publicidade, 4. A reestruturação se faz, portanto, obrigatória; 5. Há muitas oportunidades de fazer um bom trabalho de novas maneiras.
O documento informa que a tecnologia digital e sua familiaridade tecnológica articulou um chassi operacional que provocou “movimentos tectônicos” no território da mídia. Na década de
1990, o segmento da mídia considerava que a relação entre a internet e as organizações jornalísticas exigia a necessidade de compreender o futuro. Porém, o setor descobriu que o problema central é se adaptar ao futuro, às modiicações estruturais propostas
por esse novo ecossistema (ANDERSON; BELL; SHIRKY, 2012).
Na conclusão do relatório, os autores indicam a necessidade de se adaptar a um cenário em que as “velhas certezas se
desmoronam”, e lembram que “a única razão para que tudo isso
importe”, não é só “para quem segue trabalhando no que antigamente chamávamos indústria jornalística, é que o jornalismo
– a exposição de fatos que alguém, em algum lugar, não quer ver
publicados – é um bem público essencial” (ANDERSON; BELL;
SHIRKY, 2013, p. 88).
O jornalismo pós-industrial identiicado pelo relatório
indica as alterações ocorridas no cenário do jornalismo desde o
século passado. As condições de gestão do passado não existem
mais. O novo ecossistema exige adaptações estruturais e operacionais, para uma nova realidade, impostas por mudanças macroambientais, microambientais, ambientais e nanoambientais.
Entretanto, a despeito dessas mudanças, o jornalismo precisa
JORNALISMO E CONVERGÊNCIA
138 |
manter seu ethos e fornecer informações factuais para o exercício
da cidadania.
A mesma linha percorreu o debate promovido pelo Committee of Concerned Journalists (Comitê dos Jornalistas Preocupados), criado depois da reunião realizada no Clube da Faculdade de Harvard, por 25 jornalistas, em 1997. O objetivo da reunião
foi discutir a atuação proissional entre Watergate, na era Nixon,
e Whitewater, na era Clinton.
O objetivo era responder a duas questões: 1. Se os proissionais de jornalismo achavam que seu ofício deveria ser diferente de outras formas de comunicação, então no que consiste
essa diferença? Se eles consideravam que o jornalismo precisava
mudar, mas sem mexer em certos princípios básicos, então quais
seriam esses princípios? (KOVACH; ROSENSTIEL, 2003, p. 21).
Presentes à reunião, Kovach e Rosenstiel (2003) formulam
dez preocupações: 1. Para que serve o jornalismo? 2. A verdade:
o primeiro e mais confusão princípio. 3. Para quem trabalham
os jornalistas. 4. Jornalismo de veriicação. 5. Independência de
facções. 6. Poder monitorado, voz para os sem voz; 7. Jornalismo
como um fórum público; 8. Engajamento e relevância; 9. Fazer as
notícias compreensíveis e proporcionais; 10. Os jornalistas têm a
responsabilidade de ser conscientes.
Na pauta, temas fundamentais para os proissionais do jornalismo: concentração dos jornais, revistas, emissoras de televisão, emissoras de rádio, portais de internet ligados a grupos monopolistas; desvio da função pública dos veículos ligados a essas
empresas; submissão da informação ao entretenimento; redução
do espaço para as grandes reportagens.
A linha central percorrida é a de que as empresas de jornalismo estão “encapsuladas” pelos monopólios econômicos, que têm
seus interesses de mercado em negócios distintos do jornalismo.
REDAÇÕES DESTERRITORIALIZADAS E AS POSSIBILIDADES DE MODELAGEM DE NARRATIVAS...
| 139
Em alguns casos, em mercados sensíveis à cobertura jornalística
(indústrias de energia e do entretenimento).
Para manter o compromisso público do jornalismo, “informar o cidadão para ele ser livre e se autogovernar”, os autores propõem uma redação na qual a consciência proissional do jornalista seja modelada pela diversidade. “Não é diversidade de raça ou
sexo. Não é diversidade ideológica. Não é diversidade numérica.
É o que chamamos de diversidade intelectual, e compreende e dá
signiicado a todos os outros tipos de diversidade” (KOVACH;
ROSENSTIEL, 2003, p. 285).
3 Objetividade versus subjetividade
O epicentro da produção de conteúdos jornalísticos que atenda
à necessidade da informação pública é o exercício da ética proissional. Ela é fundamental na cobertura de temas sensíveis,
circunscritos pela soma dos conlitos de interesses. As áreas
com latentes interesses políticos, e as com baixas frequências
de interesses, ganham relevo no espaço público da cobertura,
e implicam pressões. No jornalismo, todas as coberturas têm
implicações políticas. Nas sociedades cindidas por interesses
de classes sociais antagônicas, a deinição de noticiabilidade é
alimentada por interesses políticos. Grupos sociais dirigentes
disputam, com o auxílio dos meios de comunicação e da concentração dos veículos, a hegemonia política, em todos os fenômenos jornalísticos que atingem a esfera pública e, em muitos
casos, visa destruir seu potencial democrático: a realidade se
torna virtual e a virtualidade se torna real. Nessa arena em disputa, “o poder ideológico-político se realiza como produção de
simulacros” (CHAUÍ, 2006, p. 78).
JORNALISMO E CONVERGÊNCIA
140 |
Entre os seus princípios, o jornalismo elaborou o conceito de objetividade jornalística. Segundo esse conceito, a área
engenhou instrumentos metódicos que asseguram a isenção e a
imparcialidade, para além dos interesses de classes, econômicos,
sociais e culturais, dos conteúdos veiculados. O “apartidarismo, a
pluralidade, o jornalismo crítico e a independência” são conceitos táticos para a produção jornalística de mercado.
Essas concepções são adensadas com a elaboração das regras da objetividade. Entre os cânones do jornalismo, a objetividade é um dos mais decisivos, para o êxito do modelo anglo-saxão,
que edita na mesma plataforma, em espaços visíveis, opinião, informação e publicidade. A objetividade legitima a teoria da isenção na produção do conteúdo informativo. O jornalismo adotou a
categoria da objetividade vigente no campo cientíico. Cunhou-se
a expressão “jornalismo de precisão”. Os procedimentos adotados para a produção de conteúdo seguiram as mesmas veredas
da ciência. Os procedimentos de elaboração do relato jornalístico
seguiam os mesmos procedimentos adotados para a elaboração
dos conteúdos cientíicos (MEYER, 1989).
Foram criadas as regras da objetividade como fundamento
da prática do bom jornalismo. Segundo essas regras, a produção
de conteúdo poderia se manter neutra, em relação à teia de interesses e suas contradições que encobrem os fatos jornalísticos, e
reduzir as distorções perceptivas da proissão. Para isso, o jornalista deveria “pensar de um modo cientíico: suspendendo o julgamento, examinando dados, construindo modelos alternativos”,
para obter a “imparcialidade, equilíbrio e objetividade” (MEYER,
1989, p. 86).
São quatro as regras fundamentais que asseguram a objetividade do relato jornalístico: 1ª Regra da atribuição, que exige a citação “meticulosa da fonte”, para garantir uma veriicação
REDAÇÕES DESTERRITORIALIZADAS E AS POSSIBILIDADES DE MODELAGEM DE NARRATIVAS...
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independente da validade da informação; 2ª Regra obtenha-o-outro lado-da história, quando há uma airmação não veriicável
pela observação direta, “os lados são igualmente merecedores de
crédito”, inclusive com o “direito de replicar”; 3ª Regra do espaço
igual, para que as ideias conlitantes recebam o mesmo espaço
(conceitual, físico, cronológico e de recursos), para o equilíbrio
racional das argumentações; 4ª Regra do acesso igual, que assegura ao consumidor-fruidor de informação acesso a todos os
pontos de vista relevantes, para a construção da informação: a
cobertura pode “tornar alguns grupos invisíveis, outros visíveis
demais”, na esfera pública (MEYER, 1989, p. 86-98).
A adoção desses procedimentos metódicos assegurariam relatos objetivos, críveis em correspondência com a realidade factual.
A discussão desse cânone, entretanto, conheceu outras veredas.
Abramo (2003) propõe a discussão sistemática da “objetividade e da subjetividade no jornalismo”. Para ele, é necessário
que se faça a distinção entre “objetividade de um conjunto de outros conceitos aos quais sempre aparece vinculado: neutralidade,
imparcialidade, isenção, honestidade” (p. 37).
Segundo o autor, esses conceitos estão no campo da ação
prática, e aclimatados pelo comportamento moral. Já a objetividade
encontra-se no campo do conhecimento. Ela é a capacidade de observação e descrição de uma realidade factual, para a compreensão
de uma realidade. Sua dimensão é epistemológica. “A objetividade
tem a ver com a relação que se estabelece entre o sujeito observador
e o objeto observável”. Ela não “é um apanágio nem do sujeito nem
do objeto, mas da relação entre um e outro, do diálogo entre sujeito
e objeto; é uma característica, portanto, da observação, do conhecimento, do pensamento” (ABRAMO, 2003, p. 38-39).
Essa observação apresenta a possibilidade concreta “de
buscar a objetividade e de tentar aproximar-se ao máximo dela”
JORNALISMO E CONVERGÊNCIA
142 |
(ABRAMO, 2003, p. 39). A objetividade é, portanto, fruto de conhecimento do jornalista, da vontade e da disposição de apreensão do real, do controle de mecanismos e de procedimentos conceituais e técnicos, e da adoção de um método que dê ao exercício
proissional as condições necessárias dessa objetividade.
A redação é o locus e o logos onde se processam, decantam,
fundem e se ressemantizam as categorias que sustentam a prática
proissional. Nela, surgiram e se consolidaram os fundamentos e
os valores da prática jornalística. Na fase do monopólio e da concentração dos meios, esse espaço converteu-se em seu contrário.
De espaço de produção de conceito, a redação converteu-se em
espaço de soterramento da criatividade.
Ribeiro observa que a redação se transformou em um local
de aliciamento e coerção. A relação entre jornalistas e empresários
criou uma zona cinzenta de jogo de poder e tensões “aparentemente contraditórias”, com aliciamento, pressão, aspectos positivos e negativos. “O objetivo dessa estratégia das empresas é obter
a adesão do trabalhador numa área intelectual, tradicionalmente
rebelde” (2001, p. 148).
O autor observou que no cotidiano da redação – organizada
na forma de produção industrial – materializam-se tensões, produtivas e destrutivas, que não se resolvem “com a boa vontade dos
jornalistas, nem pelo paternalismo dos empresários”, mas pela qualiicação dos trabalhadores; pelo envolvimento dos jornalistas com
a identidade proissional, o amadurecimento ético e a mobilização;
e, pela exigência da sociedade de “aperfeiçoamento democrático de
suas instituições, dentre as quais uma das mais cruciais”, os “seus
meios de comunicação” (RIBEIRO, 2001, p. 215-216)4.
A descrição metódica dos níveis de conlitos em uma redação – ao adotar uma
nova lógica de produção, diante das necessidades do mercado – foi registrada
pelo jornalista Carlos Eduardo Lins da Silva, no período de 1984 e 1987, no
jornal Folha de S. Paulo (Mil dias: seis mil dias depois, 2005).
4
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4 Ecologia digital e tecnológica: possibilidades de
reinvenção da redação e de seus cânones
A tecnologia digital e convergente favoreceu a desterritorialização do arranjo produtivo local de produção intensiva de conteúdo, suas cadeias criativas e seu luxo de produção de informação.
A redação desterritorializou-se. Nas áreas ocupadas por próteses
analógicas e digitais, fragmentaram-se e pulverizaram planejamento, captação, edição e difusão de conteúdo. Células e unidades criativas do jornalismo espalham-se em pontos articuladores
da bacia tecnológica do território. A redação opera em uma nova
cartograia, dentro de uma nova lógica montada pelos arranjos
produtivos desterritorializados. As transformações operadas no
chassi produtivo – impulsionadas pelas mudanças macroambientais – reconiguraram o processo organizativo da produção de informação. O fenômeno fora observado em pesquisas da e na área
(ANDERSON; BELL; SHIRKY, 2012).
A mundialização desse processo disseminou em escala
ampliada os recursos e sistemas por diversos territórios, em dimensões diferentes. Capilarizaram-se os fatores que contribuem
para explicar “a arquitetura da globalização: a unicidade da técnica, a convergência dos momentos, a cognoscibilidade do planeta
e a existência de um motor único na história, representada pela
mais-valia globalizada” (SANTOS, 2001).
A unicidade favoreceu a constituição de uma “família”,
por meio da difusão da técnica de informação, da cibernética, da
informática e da eletrônica. Essa teia tecnológica foi produzida
pela comunicação, complementação, articulação e conexão pelos
corredores tecnológicos formados em áreas concentradas. Esse
chassi articulado para dar mobilidade ao capital deu eiciência ao
sistema de produção de conteúdo: “sem a mais-valia global e sem
JORNALISMO E CONVERGÊNCIA
144 |
essa unicidade do tempo, a unicidade da técnica não teria eicácia”.
Essa unidade cria as condições para a convergência de momentos.
Há a conluência do tempo real com o tempo virtual, em uma
“interdependência e solidariedade do acontecer”. A disseminação
tecnológica permitiu, pela primeira vez, a possibilidade “do acontecimento instantâneo do acontecer do outro”. Distinguem-se,
nesse processo, a “noção da luidez potencial e a noção de luidez
efetiva”. Mundializam-se o consumo (produtos, serviços, créditos, dívida e informação), e a produção da mais-valia global, o
motor único: “se ela pode parecer abstrata, a mais-valia agora
universal na verdade se impõe como um dado empírico, objetivo,
quando utilizada no processo da produção e como resultado da
competitividade” (SANTOS, 2001, p. 27-31).
A ecologia digital resultante desses fatores possibilitou o
conhecimento do planeta, de forma intensiva (em profundidade)
e extensiva (em escala horizontal). Esse ecossistema tornou possível a construção de plataformas tecnológicas que esquadrinham
o planeta, com uma visão detalhada da terra. “A cognoscibilidade
do planeta constitui um dado essencial à operação das empresas
e à produção do sistema histórico atual” (SANTOS, 2001, p. 33).
As mudanças provocadas pela articulação desses fatores
– para dar mobilidade ao capital e gerar a mais-valia global –
estão na base da desterritorialização das redações. O hardware
está constituído. Articulam-se os sotwares para a potencialização dessa ecologia. Os processos colaborativos estão no horizonte dessas experiências. As plataformas colaborativas favorecem a
produção em sistema de wikipaper (SQUIRRA, 2012) e em sistemas articulados e convergentes (plataformas, linguagens, conteúdos e sistemas). A cobertura feita por diversos coletivos de produção de conteúdo dos acontecimentos que varreram os “outono
REDAÇÕES DESTERRITORIALIZADAS E AS POSSIBILIDADES DE MODELAGEM DE NARRATIVAS...
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e inverno” nas grandes cidades brasileiras (2013) evidenciou as
possibilidades dessa produção colaborativa5.
Celulares, tablets, câmeras digitais e notebooks formaram
os pontos de conexões que permitiram a coleta bruta de dados,
imagens e narrativas, com mais eiciência do que a coleta feita
pelo sistema habitual das redações. Enfrentamentos, bombas de
efeito moral, tiros de balas de borracha, opiniões, argumentações,
sangue e lágrimas eclodiram no universo digital, capturados no
hálito abrasivo dos fatos jornalísticos, por observadores amadores – na acepção plena do termo –, sem o iltro das metodologias
e os procedimentos jornalísticos. As ações dos coletivos mostraram a potencialidade, para a qualidade da produção jornalística,
da cobertura multilateral, pluridimensional e diversiicada, propiciada pelas novas tecnologias digitais e convergentes.
As mídias radicais souberam lançar mão desses recursos
tecnológicos, e experimentaram formatos variados em sua “tapeçaria” laboratorial. Downing (2002) considera mídias radicais as
formas de comunicação de conteúdo contra o status quo, organizadas pelos segmentos subalternos. Na tipologia traçado pelo
autor, estão plataformas impressas (boletins, jornais, cartazes,
ilipetas), eletrônicas (rádios livres) e digitais (mídias convergentes). A tapeçaria comporta outras formas de produção de conteúdo divergente: vestuário (camisetas), arte performática (teatro
e shows de ruas), música independente (bandas de garagem, hip
5
Essa cobertura foi acompanha in loco nas atividades promovidas pelo coletivo
cultural “Fora do Eixo/Bauru” (Mídias Independentes de Bauru – MIB), e no
projeto de extensão e-Colab (Cobertura Jornalística Colaborativa). O e-Colab
faz experiências de produção de conteúdo em sistema de redação virtual e colaborativa. Nele, são experimentadas ferramentas de captação, edição e difusão
de informações analógicas e, na maior parte, digitais: celulares, câmeras, tablets,
notebook, netbook. Os resultados são positivos e apontam possibilidades concretas de inovações no luxo de produção jornalística.
JORNALISMO E CONVERGÊNCIA
146 |
hop), dança (individual ou coletiva), graite (imagens e tipologias), vídeos, gravuras (diversas técnicas), sátiras e culture jamming (linguagens ressemantizadas com intensão política, como
as fotomontagens).
Todas essas plataformas e linguagens foram mobilizadas
nas diversas manifestações nas grandes, pequenas e médias cidades. Elas foram apropriadas e ressigniicadas pelos manifestantes,
em suas ações reivindicativas6. A estetização da ação política foi
um recurso utilizado pelos movimentos e imprimiu sua imagem
no coletivo social, com a ação de rua do movimento Black Blocs.
Os rostos cobertos, as roupas pretas e a ação direta de “vanguarda”, à frente das manifestações, desenharam a base do sistema de
codiicação mais visível das narrativas editadas pelas ruas.
A apropriação das tecnologias digitais pelos coletivos possibilitou aos movimentos fraturar o bloco hegemônico e blindado
do sistema de comunicação monopolizado. As ações desenvolvidas abriram brechas no sistema e, em momentos mais agudos,
disputaram a “esfera pública global”, e os espaços das “esferas públicas alternativas e radicais” (DOWNING, 2002).
A possibilidade de reunir em um luxo narrativo contínuo
– pontos de vista diversos e as múltiplas versões dos acontecimentos – reaproximou o jornalismo da objetividade preconizada
pelos cânones. A narrativa concreta e factual se realizou com a
convergência de múltiplas versões e ações. As plataformas convergentes e com múltiplas linguagens trouxeram para a epiderme
social as diversas versões sobre os fatos, as várias narrativas, os
contraditórios e pontos de vista dos segmentos implicados pelas
Mídia Ninja (Narrativas Independentes, Jornalismo e Ação), Mídia Negra
(Coletivo Autônomo e Independente), Curta Bauru (Coletivo de Cobertura de
Atividades Culturais).
6
REDAÇÕES DESTERRITORIALIZADAS E AS POSSIBILIDADES DE MODELAGEM DE NARRATIVAS...
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manifestações. Elas deram concretude às manifestações e reverberaram por todos os setores sociais e suas mídias. A convergência
tecnológica e midiática favoreceu a “síntese de múltiplas determinações” e tornaram “concretas” as manifestações políticas do movimento. (MARX, 1983)7. Tanto à esquerda quanto à direita
As plataformas, linguagens e processos convergentes favorecem a cobertura concreta do real, com objetivos epistemológicos, e com procedimentos metódicos para as atribuições detalhadas das fontes, maior espectro de pontos de vista, mais densidade
de dados, capacidade de assegurar a equidade (conceitual, espacial e imagética) e universalização do acesso à informação de interesse público.
5 Considerações finais
As experiências de redações desterritorializadas – feitas pelo
mercado e pelos projetos laboratoriais – apontam o potencial
para que esses espaços de tecnologias convergentes possam recuperar suas condições de locus e logos dos valores do jornalismo
na era digital. As regiões ocupadas por bacias tecnológicas e por
corredores digitais estimulam e favorecem essas experiências. O
processo possibilita o arejamento do campo proissional e abre
brechas no bloco hegemônico da concentração dos meios e veículos de informação.
As coberturas dos eventos políticos do “outono-inverno”
brasileiro feitas pelos coletivos culturais e de produção de conteúdo
formaram um laboratório de experimentação para as plataformas
A Revista Fórum fez uma linha do tempo, com o registro da migração das
pautas “pulverizadas e dispersas” de “democráticas” para “conservadoras”. Disponível em: <revistaforum.com.br/blogdorovai>.
7
JORNALISMO E CONVERGÊNCIA
148 |
convergentes, linguagens e narrativas, abordagens e angulações,
experimentação de cobertura colaborativa e horizontal, cadeia
fragmentada e a pulverizada dos procedimentos e luxos de edição de informação (planejamento, captação, edição e difusão).
Os experimentos tangenciaram os conteúdos. As narrativas construídas visitaram e inovação no estilo (ruptura com o
discurso unidimensional do foco narrativo), na estrutura narrativa (discurso fragmentado e organizado em formato de bricolagem) e no sistema de codiicação (os léxicos de todos os grupos
envolvidos nas manifestações ampliaram a cognitiva decodiicação da audiência). A comunicação eiciente e com baixa frequência de ruído – carga dramática, emocional e racional – navegou
ao encontro do público ávido de informação. Jornalistas foram
protagonistas, como há algum tempo não eram, de uma cobertura que transpirou a brisa metálica das áreas de conlito.
O princípio da objetividade (campo da ética e da deontologia) – capacidade cognitiva de observação e produção de conhecimento – desaiou o status dos grandes veículos. As regras deinidas
pelo e para os segmentos hegemônicos da informação – atribuição
de fontes, outro lado, proporcionalidade e acesso ao conteúdo informativo – foram testadas no limite de suas fronteiras.
Observou-se a possibilidade de ampliação do espectro
de pesquisa, investigação e captação de dados. A pluralidade de
pontos de vista é uma possibilidade factível e exequível, em razão
das inúmeras possibilidades oferecidas pelas novas tecnologias: o
concreto da informação apresenta-se como síntese das diversas
narrativas e versões.
Assim, o que se insinuava nos estudos recentes foi conirmado pelas necessidades impostas pela realidade: a redação
virtual e híbrida (parte ixa, parte móvel), fragmento do arranjo produtivo local desterritorializado para a gestão de processos,
REDAÇÕES DESTERRITORIALIZADAS E AS POSSIBILIDADES DE MODELAGEM DE NARRATIVAS...
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pessoas e recursos, apresenta condições (estimulada pelo ecossistema digital e convergente) de ser, no futuro, laboratório de
experimentação dos princípios do jornalismo, nos aspectos conceituais, teóricos, técnicos, éticos e estéticos.
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JORNALISMO E CONVERGÊNCIA
152 |
PARTE II
Situações de
convergência no
jornalismo brasileiro
A INSERÇÃO DAS MÍDIAS DIGITAIS
NO PROCESSO DE FORMAÇÃO
JORNALÍSTICA: perspectivas teóricopráticas de ensino do jornalismo em
tempos de convergência
Cíntia Xavier1
Karina Janz Woitowicz2
1 Introdução
O ano de 2013 foi emblemático para o jornalismo, quer nas instâncias de mercado, especiicamente, nos impressos, quer no campo
acadêmico. De um lado, começam a surgir os primeiros sinais positivos de que os jornais vão sobreviver, com um modelo de negócio que começa a dar lucros. Por outro, as diretrizes curriculares
1
Professora do PPG em Jornalismo e do Departamento de Jornalismo da Universidade Estadual de Ponta Grossa (UEPG-PR).
E-mail: cintia_xavierpg@yahoo.com
2
Professora do PPG em Jornalismo e do Departamento de Jornalismo da Universidade Estadual de Ponta Grossa (UEPG-PR). E-mail: karinajw@gmail.com
| 155
para os cursos de Jornalismo, depois de quatro anos tramitando
no Conselho Nacional de Educação, foram publicadas, impondo o
desaio da implementação para as graduações de todo o País.
As duas situações que parecem não ter relação estão intimamente ligadas. Se os mercados editoriais diários estão preocupados
em sobreviver frente à queda nas tiragens dos impressos, por outro, há a internet e o processo de convergência digital que começa
a se desenvolver como modelo de negócio para os jornais diários.
Na mesma linha, há o desaio de propor um novo currículo a partir das diretrizes e que este contemple, entre várias preocupações
e peril do egresso, a convergência. A exigência que sobressai,
nesse contexto, é a formação de um proissional do jornalismo
contemporâneo habilitado para ser um jornalista multimídia.
A partir de uma abordagem sobre as atuais demandas e
perspectivas da formação superior em Jornalismo, o presente
texto discute os eixos centrais que devem nortear o ensino do
jornalismo em tempos de convergência tecnológica, sob a luz das
novas diretrizes curriculares para a área. O texto dialoga com os
aspectos teóricos e pragmáticos da convergência midiática, com
o propósito de identiicar potencialidades e limites da produção,
relexão e ensino do jornalismo no contexto das mídias digitais.
Com base nesses elementos, apresenta relexões resultantes da
experiência do projeto Portal Comunitário – jornal laboratório
on-line do curso de Jornalismo da UEPG que incentiva a formação de proissionais com habilidades para a produção de conteúdos em diferentes linguagens e formatos –, em uma aproximação
entre as dinâmicas de ensino, pesquisa a extensão.
O Portal Comunitário procura identiicar e trabalhar com o
conceito de convergência a partir de experiências multimídias, da
interatividade, do diálogo com as redes sociais. Tais exercícios são
entendidos como processo embrionário da convergência digital.
Assim, ao identiicar problemas e desaios da referida experiência,
JORNALISMO E CONVERGÊNCIA
156 |
discute-se a importância de inserir as mídias digitais no processo
de formação acadêmica e proissional, em sintonia com as especiicidades indicadas nas diretrizes curriculares em Jornalismo.
2 O ensino do jornalismo no cenário das mídias
digitais
A formação superior em Jornalismo apresenta uma trajetória
marcada por tendências que deslocam entre o pragmatismo, o
teoricismo, e a busca pelo reconhecimento das especiicidades
dos cursos de graduação. Na análise de José Marques de Melo
(2003), a partir dos anos 1970, as universidades brasileiras adotaram o modelo de comunicador polivalente, trazendo como
problemas a imposição de um currículo para todo o País (décadas de 1980-90), que foi superado pela nova Lei de Diretrizes e
Bases da Educação Nacional.
As demandas por uma formação superior que valorizasse
as especiicidades do jornalismo foram delineadas desde os anos
1990, em um processo de reconhecimento dos parâmetros de
qualidade para os cursos de Jornalismo que contou com a atuação
de entidades proissionais e cientíicas. No Seminário Nacional de
Diretrizes Curriculares do Ensino de Jornalismo, realizado pela
Federação Nacional de Jornalistas em Campinas/SP, em 1999, foramtraçados parâmetros para a deinição do peril especíico dos
proissionais da área:
Reconhecendo a importância e o signiicado do papel social do jornalismo e dos seus proissionais, a abordagem
da multiplicidade de aspectos ilosóicos, teóricos, culturais e técnicos envolvidos na formação dos jornalistas
deve propiciar que a relexão acadêmica e a prática política e técnica contribuam para o equacionamento das
A INSERÇÃO DAS MÍDIAS DIGITAIS NO PROCESSO DE FORMAÇÃO JORNALÍSTICA
| 157
demandas da sociedade em relação à atuação destes proissionais. (1999)3
Recentemente, em 27 de setembro de 2013, o Conselho
Nacional de Educação instituiu as Diretrizes Curriculares Nacionais para o curso de graduação em Jornalismo4. A proposta, elaborada em 2009 por uma comissão de especialistas indicada pelo
MEC e amplamente discutida por representantes da comunidade acadêmica e proissional, tramitava no Conselho Nacional de
Educação (CNE) desde 2010. As novas diretrizes têm como base
o Programa de Qualidade do Ensino de Jornalismo – elaborado
pela FENAJ, juntamente com entidades da área (como o Fórum
Nacional de Professores de Jornalismo, a Sociedade Brasileira de
Estudos Interdisciplinares da Comunicação, a Sociedade Brasileira de Pesquisadores em Jornalismo, entre outras) –, que sistematizou os eixos a serem contemplados na formação de jornalistas.
Em relação ao peril do egresso e de suas competências, as
novas diretrizes preveem que o currículo deve contemplar seis
eixos de formação: fundamentação humanística, fundamentação especíica, fundamentação contextual, formação proissional,
aplicação processual e prática laboratorial5. As diretrizes destacam ainda o incentivo à interdisciplinaridade, o desenvolvimento
da relação entre ensino, pesquisa e extensão, a produção laboratorial, bem como a valorização de conteúdos teóricos, éticos e
contextuais, necessários ao proissional do jornalismo.
Disponível em: <http://www.fenaj.org.br/educacao/prop_dir_curric.pdf>.
Conforme a Resolução CNE/CES n. 1. Disponível em: <http://portal.mec.gov.
br/index.php?option=com_content&view=article&id=19121&Itemid=866>.
5
Conforme Diretrizes Curriculares Nacionais para o Curso de Graduação em
Jornalismo (p. 19-20). Disponível em: <http://portal.mec.gov.br/dmdocuments/
documento_inal_cursos_jornalismo.pdf>.
3
4
JORNALISMO E CONVERGÊNCIA
158 |
Esses aspectos dialogam com as preocupações apontadas
por Ivone de Lourdes Oliveira (2008) a respeito da formação
acadêmico-proissional na área da Comunicação. Para a autora, é
preciso oferecer bases técnicas fundamentadas em conhecimentos especíicos e compreensão da realidade.
A Universidade tem de se preocupar com a preparação de
proissionais para atuarem no mundo do trabalho, mas
nunca na perspectiva de adestramento, que reforça a ideia
de uma formação referendada pela repetição do que já é
praticado. Ela não é o lugar da prática proissional, mas,
sim, o locus da relexão fundamentada em princípios ilosóicos, como experimentação, práticas investigativas e
problematização do real. (OLIVEIRA, 2008, p. 56)
Na análise de José Marques de Melo (2003), entre os elementos que devem ser considerados na estruturação dos currículos, destacam-se a articulação entre teoria e prática, o papel
da produção laboratorial associada à relexão, a sintonia entre
processos didáticos e a natureza de cada curso, a atualização dos
docentes e dirigentes de cursos, entre outras. Além disso, o autor
considera que “o ponto de partida para a organização da grade
curricular deve ser necessariamente o entorno local/regional em
que os cursos estão situados” (MELO, 2007, p. 62).
O desaio de oferecer uma formação de qualidade, sustentada pelos parâmetros apontados nas novas diretrizes curriculares, incorpora ainda outras exigências que dizem respeito à crescente assimilaçãodas tecnologias no fazer jornalístico. No eixo de
aplicação processual, por exemplo, entende-se que a realização
de coberturas em diferentes suportes (jornalismo impresso, radiojornalismo, telejornalismo, webjornalismo, assessorias de imprensa etc.) não pode desconsiderar a convergência de mídias,
A INSERÇÃO DAS MÍDIAS DIGITAIS NO PROCESSO DE FORMAÇÃO JORNALÍSTICA
| 159
exigindo a formação de um proissional com habilidades para
atuar em diferentes espaços, com conhecimento das linguagens
multimidiáticas.
Em sintonia com o fortalecimento da comunicação como
campo cientíico6, José Marques de Melo (2003) analisa que a formação exige um peril multifacetado, que pressupõe três aspectos que devem estar articulados: conceitos comunicacionais que
demarcam a identidade do campo acadêmico, processos midiáticos e conteúdos culturais, resultantes do diálogo entre universidade, indústrias/serviços midiáticos e corporações proissionais
(MELO, 2007, p. 61-62).
Em entrevista, José Marques de Melo (apud CASTRO,
2006) destaca a necessidade de repensar os modelos de jornalismo em tempos de convergência tecnológica:
Vivemos hoje uma crise de tecnologia. Durante muito
tempo os proissionais de jornalismo foram especializados por mídia (jornalismo impresso, jornalismo radiofônico, televisionado) e hoje a proissão exige um proissional multimídia, que seja capaz de dominar todas as
linguagens, ter um conhecimento holístico da proissão.
Entende-se, com base nos parâmetros apontados pelas diretrizes curriculares e nas atuais demandas do campo acadêmico
e jornalístico, que há necessidades proissionais, sociais e cientíicas que precisam ser consideradas para aprimorar a formação
Segundo José Marques de Melo (2003), a origem do campo da comunicação
situa-se nos cursos pioneiros das universidades, que atuam como instâncias de
formação proissional, reproduzindo os paradigmas vigentes na indústria, em
sintonia com os modelos das corporações midiáticas. Só mais tarde a pesquisa
sobre fenômenos comunicacionais ocupou espaço nas universidades, possibilitando um maior equilíbrio entre teoria e prática.
6
JORNALISMO E CONVERGÊNCIA
160 |
proissional na área especíica. Entre exigências, limites e tendências, a inserção de aspectos teóricos e pragmáticos relativos à convergência midiática mostra-se parte do desaio de construir modos
de pensar e fazer jornalismo no contexto das mídias digitais. Ainal, o ensino do jornalismo deve acompanhar as mudanças do
mercado e as tendências do campo cientíico, tensionando e assimilando as implicações da convergência midiática no processo
de formação proissional.
3 A convergência midiática no processo de
transformação do fazer jornalístico
O anúncio feito pelo jornal heNew York Times, em fevereiro de
20137, de que a receita em circulação ultrapassou a arrecadação
com a obtida pela publicidade, via assinaturas digitais, é um dos
fatos que demonstram que o jornalismo não vai morrer com o
acesso à internet e o uso cada vez mais intenso das redes sociais.
Outros exemplos de que o jornalismo vai sobreviver estão nas
transformações editoriais em jornais, como os espanhóis El País
e El Mundo, que impuseram o uso das tecnologias, com reformas administrativas e inserção de uma visão na redação sobre o
uso das redes sociais como forma de complementar o jornalismo
(LAFUENTE, 20128). No caso doEl País, sem perder de horizonte
que a estratégia sempre foi o jornalismo de qualidade, segundo
Lafuente (2012).
7
SINGER, S. A luta do momento. Coluna “Ombudsman”. Folha de S. Paulo. 10
fev. 2013.
8
LAFUENTE, G. Entrevista. Disponível em: <http://www.jotdown.es/2012/09/
gumersindo-lafuente-por-primera-vez-en-la-historia-las-audiencias-controlan-a-los-periodistas>. Acesso em: 09 out. 13.
A INSERÇÃO DAS MÍDIAS DIGITAIS NO PROCESSO DE FORMAÇÃO JORNALÍSTICA
| 161
O debate sobre as transformações do jornalismo encontram eco em dois conceitos para o termo convergência. O primeiro tenta trabalhar convergência com a compreensão do que
são os meios digitais interativos (SCOLARI, 2008). Convergência, nesse caso, se trata do “luxo de conteúdos através de múltiplas
plataformas de mídia, à cooperação entre múltiplos mercados midiáticos e ao comportamento migratório dos públicos dos meios de
comunicação, que vão a quase todo lugar em busca de experiências
de entretenimento que desejam” (JENKINS, 2009, p. 29).
O entendimento da convergência a partir do luxo de conteúdos em múltiplas plataformas, associado ao que os mercados
chamam de modelo de negócio, tem sido um desaio. Este se impôs porque, antes do processo de convergência,“cada meio de comunicação tinha suas próprias e distintas funções e seus mercados, e cada um era regulado por regimes especíicos, dependendo
do seu caráter” (JENKINS, 2009, p. 37).
A crise no modelo de negócio dos conglomerados de mídia começou com a música e a guerra judicial entre indústria fonográica e o Napster9, que trouxe modiicações para o modo de
consumo. O período de instabilidade teve passagem pelo setor de
entretenimento (cinema, games etc.) e recentemente chegou ao
jornalismo. “Nos anos 1990, a retórica da revolução digital continha uma suposição implícita, e às vezes explícita, de que os novos meios de comunicação eliminariam os antigos, que Internet
substituiria a radiodifusão” (JENKINS, 2009, p. 32). A partir dessa revolução digital, aos consumidores estaria permitido acessar
apenas os conteúdos que lhes fosse interessante.
O segundo conceito de convergência trata de uma compreensão mais ampla para os usos que os meios digitais interativos
9
Plataforma de compartilhamento de músicas criada em 1999.
JORNALISMO E CONVERGÊNCIA
162 |
trazem para o grupo social (consumidor) que faz uso dessas tecnologias. Jenkins (2009) chama o processo de “cultura da convergência”. Para o autor, para que ela seja alcançada, é necessário
compreender que os antigos espectadores dos meios, já não são
espectadores e estes se tornamparticipantes do processo. “A expressão cultura participativa contrasta com noções mais antigas
sobre a passividade dos espectadores dos meios de comunicação”
(JENKINS, 2009, p. 30. Grifo do autor).
Se os espectadores agora podem participar, foram necessários equipamentos/tecnologias capazes de oferecer possibilidade
de resposta, retorno ou participação. Porém, Jenkins (2009, p. 30)
alerta de que a cultura da convergência é mais abrangente do que
a possibilidade de ser parte. “A convergência ocorre dentro dos
cérebros de consumidores individuais e em suas interações sociais com outros. Cada um de nós constrói a própria mitologia
pessoal, a partir de pedaços e fragmentos de informações extraídos do luxo midiático [...]” (JENKINS, 2009, p. 30).
Aos consumidores, aumentam as possibilidades de construção dos seus próprios conteúdos, as escolhas vão determinar o
que são os produtos. O processo de construção de sentido de alguns textos só acontece, ou terá propósito, a partir da ação do sujeito que acessa os meios digitais interativos. É o que Renó (2011)
deine como processos interativos, dentro dos mecanismos de
hipermídia, ou hipertexto. “Tanto o hipertexto como hipermídia
são processos interativos, pois proporcionam ao usuário a escolha de novos caminhos para obterem-se novas experiências, de
acordo com seu desejo” (RENÓ, 2011, p. 58).
O processo de revolução tecnológica que se vivencia atualmente promove os consumidores a participantes e também a
A INSERÇÃO DAS MÍDIAS DIGITAIS NO PROCESSO DE FORMAÇÃO JORNALÍSTICA
| 163
produtores de conteúdo. Isso foi possível a partir do que se compreende das plataformas amigáveis e do processo de interfaces
acessíveis para a produção de conteúdos (SCOLARI, 2004).
Os meios digitais interativos e os dois conceitos de convergência explicam em parte porque aconteceram as modiicações
no consumo de notícias. Tal fato trouxe o fechamento de revistas10 e a chamada crise do papel para os jornais impressos, com a
queda constante de tiragens, tornando difícil a manutenção dos
diários com suas edições impressas. Por enquanto, não há fórmulas mágicas de como resolver o enigma da sobrevivência frente
aos novos processos e à nova oferta de conteúdos, entre elas de
informações, e mesmo de notícias. O que tem ocorrido é que em
alguns momentos alguns jornais diários começam a ter retorno
inanceiro sobre a venda de conteúdos na internet.
A modiicação no processo de consumir notícias e informações obriga aos mercados rever a oferta e a forma de produção dos conteúdos. Aos jornalistas foi necessário rever alguns
aspectos das rotinas de produção, incluir no processo produtivo
o acompanhamento das redes sociais digitais, por exemplo, entre
outras ações.
Naturalmente que há ainda muito que se aprender, se as
mídias são interativas, é importante oferecer conteúdo interativo,
ou multimídia. Por multimídia, entendem-se informações em vários formatos, desde foto, passando pelo áudio, vídeo, animações,
entre outros (RENÓ, 2011). Um dos desaios será formar um proissional do jornalismo que reúna as características, compreenda
como será produzir notícia não mais somente em texto, mas articulando todas as outras opções cognitivas.
10
O grupo Abril anunciou o im da circulação da revistaBravo. A revista Contigo foi vendida para a Editora Caras. (Fonte: Site Brasil 247)
JORNALISMO E CONVERGÊNCIA
164 |
4 Uma experiência de ensino em tempos de
convergência
Promover um diálogo interdisciplinar, oportunizar a produção laboratorial e oferecer uma formação que contemple o jornalismo
multimídia iguram como importantes desaios dos cursos de
Jornalismo em tempos de convergência tecnológica. Ao mesmo
tempo, proporcionar um olhar sobre o jornalismo capaz de canalizar as demandas de informação dos grupos e entidades sociais
revela-se como um compromisso das instituições de ensino, na
medida em que devem se constituir como espaços de formulação
de experiências inovadoras e de práticas de cidadania.
Uma formação de qualidade, em um curso de Jornalismo,
não pode abrir mão de um equilíbrio entre a formação humanística e as competências técnicas ou, em outros termos, do diálogo
entre a teoria e a prática proissional. Nesse sentido, além das atividades regulares de ensino, que foram sendo delineadas a partir
da trajetória do jornalismo como proissão, é imprescindível fomentar a produção extensionista e a pesquisa na área, de forma
integrada. Assim, a relação entre o fazer jornalístico e a produção
de conhecimento em torno das experiências de mídia constituem
uma via para fortalecer a formação superior.
Conforme observa Gerson Martins:
Se a universidade é uma síntese ou um conjunto que reúne ensino, pesquisa e extensão, no caso dos cursos de Jornalismo esta tríade deve ser, mais do que em qualquer
outra área, reforçada. Considerando então que, na formação jornalística, é necessário desenvolver a atividade
e não apenas reproduzir técnicas e procedimentos consagrados, a pesquisa tem a função de subsidiar e qualiicar
o ensino, o qual deve proporcionar ações extensivas, de
A INSERÇÃO DAS MÍDIAS DIGITAIS NO PROCESSO DE FORMAÇÃO JORNALÍSTICA
| 165
exercício acadêmico/proissional para capacitar o futuro
proissional. Essas ações, desenvolvidas ao longo da formação, proporcionam os elementos apropriados para que
a atividade e as práticas proissionais sejam aprimoradas,
de modo que o jornalista e o jornalismo possam cumprir
sua função social. (2008, p. 330)
Nessa perspectiva, interessa reletir sobre a experiência do
projeto Portal Comunitário11, jornal laboratório on-line do curso
de Jornalismo da UEPG, criado em 2008, que consiste na produção em jornalismo multimídia voltada às ações, demandas e necessidades de cerca de 60 entidades (sindicatos, ONGs, associações de moradores, grupos e movimentos sociais) que participam
do projeto. Ao se conigurar como um projeto de prestação de
serviços à comunidade que se realiza na plataforma digital, o Portal Comunitário estabelece a articulação do tripé ensino, pesquisa
e extensão, a partir do desaio de contemplar a produção e a relexão sobre as mídias digitais na graduação. Ainal, de acordo com
Martins (2008, p. 331), “especialmente no jornalismo, a teoria e o
conhecimento humanístico e social somente terão aplicabilidade
se forem somados às técnicas e à prática da proissão”. E, ao proporcionar espaços de produção laboratorial, o Portal possibilita o
aprimoramento da formação e, simultaneamente, o contato com
as práticas de cidadania.
O projeto funciona como jornal laboratório on-line produzido pelos acadêmicos do 3º ano do curso de Jornalismo da
Universidade Estadual de Ponta Grossa, através de uma proposta
interdisciplinar que articula ensino e extensão. De acordo com
Ivone de Lourdes Oliveira (2008, p. 58),
11
Disponível em: <www.portalcomunitario.jor.br>.
JORNALISMO E CONVERGÊNCIA
166 |
A interdisciplinaridade também é considerada uma das
mais importantes estratégias no processo de formação
e por isso mesmo está instituída como diretriz a ser alcançada. Na maioria das vezes, é entendida apenas como
uma forma de fazer trabalho conjunto de duas ou mais
disciplinas.
A autora concebe a interdisciplinaridade como “um processo de compartilhamento com estreita articulação entre o todo
e as partes”, produzindo uma visão integradora a partir da articulação dos saberes. No caso do Portal Comunitário, a produção de
notícias e de reportagens multimídia é realizada por meio da integração entre as disciplinas de comunicação comunitária, webjornalismo e telejornalismo, de modo a permitir o desenvolvimento de conhecimentos teóricos do jornalismo comunitário e o
desenvolvimento de técnicas jornalísticas em diferentes suportes,
caracterizando uma produção multimídia.
O site está estruturado de modo a oferecer informações
sobre as entidades sociais parceiras do projeto e diversos conteúdos aos leitores (vagas de emprego, apoio jurídico, agenda
de eventos da comunidade etc.). Para tanto, utiliza recursos de
texto (notas, notícias e reportagens), fotos, vídeos em formatos diversos, além da produção semanal de um podcast de rádio
(programa Antena Comunitária), de modo a contemplar a preocupação com a acessibilidade e trabalhar a multimidialidade.
Também está incorporada ao trabalho da equipe a difusão do
conteúdo por meio das redes sociais, que funcionam como potencializadoras do alcance do projeto.
A articulação das atividades de ensino com práticas de
extensão universitária proporciona a dinamização da formação
acadêmica e a produção sistemática de conteúdos jornalísticos
que ganham visibilidade no veículo, com a publicação regular de
A INSERÇÃO DAS MÍDIAS DIGITAIS NO PROCESSO DE FORMAÇÃO JORNALÍSTICA
| 167
conteúdos noticiosos. As matérias e reportagens são produzidas
através das disciplinas, e os demais espaços de serviço e informação são mantidos por meio do projeto de extensão, contando com
a participação de bolsistas e voluntários do curso de Jornalismo,
que se ocupam das atividades de interação com a comunidade,
gestão do site, divulgação, relexão teórica, entre outras.
O projeto também se desdobra em atividades de pesquisa, através do grupo de Mídias Digitais, mantido na UEPG. A
relexão teórica sobre os aspectos do jornalismo em tempos de
convergência é trabalhada pelo grupo com o objetivo de fundamentar uma produção que contemple os formatos e as linguagens
multimídia.
Desse modo, entende-se que a experiência integrada de ensino, pesquisa e extensão contribui para o aprimoramento técnico
e teórico dos estudantes do curso de Jornalismo, que através de tais
ações têm a oportunidade de experimentar novas linguagens e formatos de produção jornalística, ao mesmo tempo em que desenvolvem a relexão em torno de conteúdos relacionados à cidadania.
Nesse sentido, o curso atende a uma demanda da formação proissional, que exige jornalistas capazes de atuar em diferentes áreas.
E, como resultado desse percurso, busca-se situar os limites
e as potencialidades do desenvolvimento de espaços laboratoriais
que promovam o conhecimento teórico-prático e as experiências
de envolvimento com a comunidade local nos cursos de Jornalismo. Ao registrar a experiência do Portal Comunitário, sem a pretensão de apresentá-la como um modelo de ensino do jornalismo,
mas destacando aspectos de uma prática que dialoga com as diretrizes curriculares para a área, buscou-se discutir as possibilidades de desenvolver iniciativas de formação proissional capazes
de agregar práticas (inter)disciplinares e ações extensionistas na
JORNALISMO E CONVERGÊNCIA
168 |
produção laboratorial em jornalismo. Considera-se, portanto, que
a perspectiva da comunicação comunitária, vinculada à prática do
webjornalismo, é capaz de oferecer contribuições para o ensino e o
exercício do jornalismo diante da convergência de mídias.
Pode-se dizer, a partir da possibilidade de atribuir às
mídias digitais a centralidade de um processo de saber/fazer
jornalismo, que a produção laboratorial na web aponta para o
papel das tecnologias como facilitadoras da interatividade, do
intercâmbio e mesmo da descentralização da informação, exigindo mudanças também nas práticas de ensino. Dessa maneira, as motivações e desaios que embasam a experiência do Portal Comunitário vão ao encontro das relexões apresentadas por
Renato Janine Ribeiro (2003):
O papel do ensino superior é o de fazer bem o que só ele
pode fazer – no caso, formar pessoas para um ambiente
de mudanças. Se dermos às pessoas a densidade intelectual, cultural e ética que depois as capacite a enfrentar – e
mesmo a esposar – as mudanças que experimentarem ao
longo de suas vidas proissional e pessoal, teremos dado a
elas o melhor de nós. E os ambientes de trabalho em que
elas depois se integrarem proporcionarão a sintonia ina
dos meios pelos quais exercerão sua vida proissional.
Guardados os limites (técnicos, estruturais e pedagógicos)
de uma experiência que dialoga com os interesses comunitários
no ambiente das novas mídias, considera-se que a criação e a manutenção de um jornal laboratório on-line com as características
aqui apresentadas vem ao encontro de algumas das principais
exigências da formação proissional em jornalismo, em especial
no que diz respeito ao desaio de conciliar saberes teóricos e práticos ao reconhecimento da função social do jornalismo na sociedade contemporânea.
A INSERÇÃO DAS MÍDIAS DIGITAIS NO PROCESSO DE FORMAÇÃO JORNALÍSTICA
| 169
5 Considerações
Entende-se que do ponto de vista da formação, parte do que
deve ser implementado com as novas diretrizes curriculares já
está aplicado dentro das articulações feitas no jornal laboratório
on-linePortal Comunitário. Há a compreensão de que a formação
superior em jornalismo está superando a dicotomia teoria e prática, em especial a partir do debate que as novas diretrizes devem
trazer no processo de implementação das grades curriculares
para as graduações.
Entre os desaios que a convergência tem trazido, não somente para a formação superior, como também para o próprio
mercado de mídia, estão como trabalhar e sobreviver a uma oferta tão grande de informação e notícias. As redes sociais e os blogs
concorrem com o conteúdo publicado nos sites mais tradicionais.
Não se pode esquecer que é papel da formação superior em
jornalismo, mais do que preparar o proissional para o mercado,
fazer com que o jornalista tenha uma compreensão da realidade
e exerça um papel social. No caso especíico do Portal Comunitário, este está na contramão do processo vivenciado pela mídia de
grande circulação, uma vez que todo o processo de produção (do
caráter participativo da elaboração da pauta ao comprometimento com as demandas sociais de informação) está focado na dimensão cidadã e no aprimoramento dos espaços multimídia. Há,
ainda, a necessidade de trazer a população para o consumo do
site. As comunidades parceiras do portal nem sempre têm acesso
e interagem em relação ao que se produz de informação, aspecto
este que deve ser aperfeiçoado para garantir maior potencial de
participação nas dinâmicas que envolvem o projeto.
A interatividade é um desaio, pois o público-alvo do Portal ainda está no processo da inclusão digital. A convergência,
JORNALISMO E CONVERGÊNCIA
170 |
com o acesso à internet via redes móveis, ampliou a possibilidade
de acesso aos conteúdos virtuais, mas ainda está longe de garantir
irrestrito acesso a toda a população. Pois, a disseminação da internet não elimina a controvérsia entre informação e democracia:
“de um lado, a defesa da possibilidade de qualquer usuário da rede
apropriar-se dos seus conteúdos, uma vez que, nesta, prevalece o
estado de “atenção-navegação-interação” sobre a necessidade de
outros saberes (a leitura, por exemplo)” (BECKER, 2009, p.112).
Parte do desaio é garantir cidadania a partir da inclusão
digital com conteúdos que sejam próximos das comunidades e
que estas consigam exercer acidadania também nesses espaços.
Para tanto, preparar proissionais comprometidos com a realidade local e com domínio técnico das mídias digitais representa uma possibilidade de legitimar o papel social da universidade
diante dos desaios colocados pelas tecnologias.
Referências
BECKER, M. L. Inclusão digital e cidadania: as possibilidades e as
ilusões da “solução” tecnológica. Ponta Grossa: Ed. da UEPG, 2009.
CASTRO, B. M. de. Entrevista com José Marques de Melo. Disponível em: <http://www.fae.br/memoria/PDF/site_entrevista_
marques__OK.pdf>. Acesso em: 10 out. 2013.
JENKINS, H. Cultura da convergência. São Paulo: Aleph, 2009.
MARQUES DE MELO, J. M. de. História do pensamento comunicacional. São Paulo: Paulus, 2003.
A INSERÇÃO DAS MÍDIAS DIGITAIS NO PROCESSO DE FORMAÇÃO JORNALÍSTICA
| 171
MARTINS, G. O ensino do jornalismo e a agenda social. In: CANELA, G. (Org.). Políticas públicas sociais e os desaios para o
jornalismo. São Paulo: Andi/Cortez, 2008. p. 320-332.
OLIVEIRA, I. de L. Formação acadêmico-proissional em ambiente de mudanças: desaios pedagógicos. In: MOREIRA, S. V.;
VIEIRA, J. P. D. (Org.). Comunicação: ensino e pesquisa. Rio de
Janeiro: EdUERJ, 2008. p. 51-63.
RENÓ, D. P. Cinema documental interativo e linguagens audiovisuais participativas: como produzir. Tenerife: Concha Mateos; Espanha: URJC, 2011.
RIBEIRO, R. J. A universidade num ambiente de mudanças.
Disponível em: <http://www.comciencia.br/reportagens/universidades/uni10.shtml>. Acesso em: 10 out. 2013.
SCOLARI, C. Hacerclic: hacia una sociosemiotica de las interaciones digitales. Barcelona: Gedisa, 2004.
______. Hipermediaciones: elementos para una teoria de la comunicación digital interactiva. Barcelona: Gedisa, 2008.
JORNALISMO E CONVERGÊNCIA
172 |
ENTRE A CONVERGÊNCIA E A
DIVERGÊNCIA: o “jornalismo
cidadão” do mídia ninja
Denis Porto Renó1
Andressa Kikuti Dancosky2
1 Introdução
As mudanças sociais têm provocado uma reformulação de cenários e atores midiáticos, na qual o cidadão comum passa a
compartilhar o poder com os meios de comunicação. Oligopólios deixaram de ser fundamentais na construção da opinião
pública, a ponto de justiicar uma revisão dos conceitos apresentados por teóricos, como Walter Lippman e John hompson,
este na compreensão dos processos da construção de um escândalo midiático.
Professor do PPG em Jornalismo da Universidade Estadual de Ponta Grossa
(UEPG-PR), do Programa de Pós-Graduação em Televisão Digital e do Departamento de Comunicação Social da Faculdade de Arquitetura, Artes e Comunicação (FAAC) da Universidade Estadual Paulista. (UNESP).
E-mail: denisreno@me.com
2
Mestranda em Jornalismo pela Universidade Estadual de Ponta Grossa
(UEPG-PR). E-mail: andressakikuti@gmail.com
1
| 173
Com o desenvolvimento da web 2.0, em que qualquer pessoa pode criar gratuitamente seu espaço na internet e atualizá-lo
a qualquer momento de um dispositivo conectado à rede, os cidadãos passaram a ultrapassar os limites até então deinidos como
uma relação entre as fontes e as redações. Atualmente, um canal
no Twitter ou no Facebook pode ter um resultado tão expressivo quanto um meio de comunicação na difusão de um acontecimento. Obviamente, esse resultado está limitado à rede social do
autor. Porém, essa rede social está conectada diretamente a outras
redes, que, por sua vez, ampliam-se a novos grupos, proporcionando um considerável potencial de difusão viral.
Sobre esse potencial de remediação, o teórico espanhol
Jesús-Martin Barbero, conhecido como um defensor do termo
“mediação”, tem dedicado suas conferências realizadas nos últimos dois anos para sustentar uma necessária mudança de compreensão sobre a proposta original. Para Barbero, durante aula
inaugural realizada em fevereiro de 2012, na Universidade dos
Andes, em Bogotá (Colômbia), o conceito de mediação, e mesmo suas ideias sobre remediação, pode ser validado até a web 2.0.
Para o autor, partindo do desenvolvimento dessas tecnologias,
os processos foram modiicados, inclusive a partir da mediação,
agora realizada pela própria sociedade.
Tal defesa também é apresentada por Henry Jenkins
(2009), que descreve a história de dois jovens estudantes norte-americanos que, numa brincadeira, criam uma montagem do
personagem Beto, da Vila Sésamo, ao lado de Osama Bin Laden.
Os dois brincaram com a imagem para dizer que Beto era tão
vilão quanto Bin Laden. Porém, a imagem, que foi enviada de um
para outro, por e-mail, alguns dias depois, estava sendo apresentada como cartaz em um protesto em frente a uma embaixada
norte-americana no Oriente Médio. Isso é o que fortalece a ideia
JORNALISMO E CONVERGÊNCIA
174 |
de Dan Gillmor (2005) sobre o status da sociedade atual, onde
nós somos os meios, pois temos um poder midiático disponível.
Esse poder midiático está presente no objeto deste estudo,
o grupo Mídia Ninja, que assumiu um importante papel nos protestos ocorridos em junho de 2013 no Brasil. Na ocasião, as ações
do grupo fortaleceram as mobilizações populares, midiatizando-as
em tempo real. Essas coberturas, difundidas nos canais do grupo
no Facebook e no Twitter, com tecnologia streaming e via dispositivos móveis, conviveu com duas realidades características da nova
ecologia dos meios: convergência e divergência (JENKINS, 2009).
Convergência, no momento em que as informações chegam de
todos os lados, e por diversos canais e plataformas. Divergência
no momento em que as próprias testemunhas dos fatos realizam
a difusão dos mesmos, tornando-se independentes dos tradicionais meios de comunicação.
Este capítulo apresenta um estudo de caráter analítico relexivo sobre o papel dos meios de comunicação e da difusão de
informação a partir da web 2.0 e das tecnologias móveis, tendo
como objeto as ações do Mídia Ninja para sustentar a proposta. Para tanto, foram selecionadas algumas coberturas realizadas
pelo grupo de forma aleatória e por conveniência, fortalecendo as
hipóteses que estimulam este estudo.
2 Convergência e divergência na comunicação
Desde o desenvolvimento das tecnologias digitais, o termo convergência tornou-se popular. Ao lado do termo migração digital,
a convergência é marca presente em diversas pesquisas e discussões sobre os meios e as audiências. Ambos estão relacionados,
pois a migração digital discute, além de outros temas, a presença
ENTRE A CONVERGÊNCIA E A DIVERGÊNCIA
| 175
dos dispositivos digitais (e as reformulações culturais que isso
provoca). A convergência faz parte dessas mudanças e propõe
uma reunião de meios e linguagens em um único dispositivo,
como vemos nos telefones celulares. Agora, esses aparatos tecnológicos, desenvolvidos originalmente para oferecer ao usuário
a mobilidade e a conectividade simultaneamente, oferecem tecnologia que reúne diversos outros equipamentos em um só. Um
telefone celular pode ser uma câmera de vídeo com qualidade
high deinition. Também pode transformar-se em câmera fotográica, ao mesmo tempo, é um computador pessoal e videogame.
Como dispositivo midiático, oferece exibição de conteúdos audiovisuais, inclusive com acesso a canais de televisão, em alguns
equipamentos, e emissoras de rádio, em outros. A convergência
midiática provocou uma mudança considerável na relação homem-dispositivo. Se não provocou, fortaleceu essa relação. Cidadãos conectados estão cada dia mais midiatizados full time, não
somente na utilização do aparelho como telefone, mas também
na resposta a e-mails e em mensagens por Twitter e outros aplicativos de comunicação, como o WhatsApp, que tem substituído
até mesmo a utilização do dispositivo como telefone.
Porém, alguns teóricos defendem a existência de uma
convergência especíica a partir dessa tendência, e não uma convergência tecnológica. Para Jenkins (2009), essa convergência
é cultural. As mudanças que existem são mais profundas e não
são resultantes dos desenvolvimentos tecnológicos. O autor defende que agora a sociedade molda o desenvolvimento tecnológico, e não o contrário. As necessidades não são mais impostas
pela indústria da tecnologia, como sempre foi, mas o contrário. Ainda que o efeito da “obsolescência do novo” ainda exista, alguns dispositivos e aplicativos deixam de ser úteis e acabam
atendendo às necessidades sociais. Dessa maneira, torna-se real
JORNALISMO E CONVERGÊNCIA
176 |
novamente o que Manuel Castells (2001) defende na obra Galáxia de
Gutenberg, ao deinir a hierarquia do desenvolvimento tecnológico (tecnomeritocratas, hackers, redes de usuários e empresários).
A diferença é que a rede de usuários é composta por todos os usuários, e esse grupo passou a ter um poder de decisão maior que antes, como vimos na revolução de interface do Facebook, proposta
por Mark Zuckerberg há anos e que sofreu resistência por parte
dos usuários. Alguns poucos dias após as mudanças, o Facebook
voltou à interface antiga por causa da pressão dos usuários.
Jenkins (2009) também defende que no campo tecnológico
há uma divergência, e não uma convergência. Em certo sentido,
o autor está correto, pois os dispositivos realmente seguem caminhos divergentes em alguns casos. Porém, há uma convergência
visível nas residências das pessoas. Por exemplo, televisores conectados a dispositivos de integração de sinal, como Apple TV;
tablets que possuem conexão com tarefas para “casas inteligentes”; celular sincronizado com sistema de som automotivo, ou
seja, tudo trabalhando em conjunto, ainda que isso também seja
uma divergência para Jenkins.
Em realidade, a partir da convergência tecnológica (e cultural), temos uma divergência de conteúdo. Não se trata de uma
divergência por serem conteúdos contrários, diferentes, mas por
serem todos midiatizados, divergindo da fonte de produção e
diversos canais. Quando observamos o material produzido pelo
Mídia Ninja, percebemos uma divergência pulverizada em diversos canais e plataformas. Isso faz com que a cobertura tenha a
eicácia esperada, ou em alguns casos supere as expectativas. Porém, essa discussão ainda carece de maiores embasamentos e relexões. A ciência não é uma verdade absoluta, e a velocidade das
mudanças sociais e comportamentais tem justiicado uma revisão
constante de seus conceitos. O que hoje é uma convergência pode
ser algo diferente daqui a alguns minutos.
ENTRE A CONVERGÊNCIA E A DIVERGÊNCIA
| 177
3 Jornalismos tradicional e cidadão
O título desse tópico pode provocar o ânimo dos jornalistas conservadores. Ainal, alguns integrantes desse grupo de proissionais costumam defender que o jornalismo é feito por jornalistas,
somente. Também pode provocar curiosidade aos leigos, pois
propõe que existam dois tipos de jornalismo. E existem.
Jornalismo é uma ciência que apoia alguns de seus conceitos nas ciências sociais aplicadas, como propõem as Diretrizes do
Jornalismo. Ao mesmo tempo, jornalismo é um ofício realizado
por jornalistas, ainda que as liminares e derrubadas da obrigatoriedade do diploma tenham alterado esse cenário. Porém, mesmo com a falta da obrigatoriedade, as redações que prezam pela
qualidade têm a prática de preferir jornalistas formados, tanto no
Brasil como no exterior, especialmente em países onde a obrigatoriedade não é uma prática (Estados Unidos, Espanha e França
são alguns desses países).
O que faz o jornalismo ser uma proissão está relacionado
exatamente à sua prática e às suas metodologias próprias que se
assemelham a processos cientíicos de outras proissões. Trata-se de uma ciência social aplicada, pois a proissão aplica esses
procedimentos da ciência social em suas rotinas. A busca pela
informação apurada, justiicada e interpretada promove o rigor
jornalístico, assim como resultados cientíicos de outras o proissões, como a sociologia, a antropologia e mesmo algumas metodologias das “ciências duras”.
Porém, há uma linha de produção e circulação de notícia que foge desse apoio nas ciências sociais aplicadas, ainda
que também busque um rigor. Essa linha, denominada por Dan
Gillmor (2005) como jornalismo cidadão, possui a busca pela
notícia, a contextualização, a tentativa de imparcialidade e a
JORNALISMO E CONVERGÊNCIA
178 |
veracidade das informações. A diferença principal está na maneira de difusão dessa informação e por quem ela é descoberta.
Nesse formato, o jornalista cede espaço para o cidadão comum.
Na realidade, ele perde espaço para os cidadãos ávidos por contar
a notícia de sua comunidade com o olhar que esta espera.
Oscar Espiritusanto e Paula Gonzalo-Rodríguez (2011) defendem que o jornalismo cidadão é jornalismo igual a qualquer
outro. A diferença é que essas notícias produzidas pelos cidadãos
são livres de parcialidades provocadas por interesses pessoais ou
empresariais enquanto o jornalismo tradicional conta com os interesses já conhecidos, e os domínios de decisões para a formação
da opinião pública, como gatekeeper e agendasetting. Os autores
apoiam esses conceitos, como no caso da primavera árabe, em
que a sociedade foi capaz de tornar público o que acontecia mesmo que os meios de comunicação decidissem ocultar.
Manuel Castells (2013) publicou um livro meses antes dos
protestos no Brasil que abordava o poder cidadão na construção
e circulação de notícias. Naquele momento, o Mídia Ninja ainda
não era um grupo conhecido, nem no Brasil e nem internacionalmente. Porém, após os protestos realizados no País e o trabalho
de “cobertura jornalística” desse grupo, Castells viu-se obrigado
a rever a estrutura de seu novo livro, publicando um posfácio nas
edições digitais e nas impressas que ainda não tinham sido produzidas. No posfácio, o autor declara que as mudanças no poder
midiático permitiram à sociedade brasileira conhecer os fatos
por outro enquadramento, no qual atores sociais ocupavam espaços até então preenchidos por uma classe dominante e por uma
estrutura midiática apoiada também em outros interesses. E ganhará notoriedade internacional. Assim como a primavera árabe,
os protestos de 2013 no Brasil foram conhecidos pelo mundo a
partir de grupos cidadãos, como o Mídia Ninja.
ENTRE A CONVERGÊNCIA E A DIVERGÊNCIA
| 179
Essa mudança de poder midiático relete um período de
divergências, e não de convergências. Ele consolida uma divergência cultural, na qual os assuntos disponíveis nos meios de comunicação podem apresentar diferenças de olhares e enquadramentos, como realmente aconteceu. Diferentemente do proposto
por Jenkins no campo da convergência cultural, percebemos também divergências expressivas, que estão impressas também nas
manifestações de opinião apresentadas nas páginas do próprio
grupo Mídia Ninja nas redes sociais. A diversidade de opinião
agora é difundida com igualdade de poder a ponto de conseguir
pautar os tradicionais meios de comunicação, ou desmenti-los,
como aconteceu várias vezes durante os protestos, quando emissoras de televisão mostravam um pequeno retrato de uma ampla
história, “enquadrando” apenas o que era de interesse do grupo.
Jornalismo cidadão é diversidade de opinião. É divergência cultural e tecnológica frente ao jornalismo tradicional. Ambos
são importantes, cada um com o seu papel. Podemos perceber
que o jornalismo cidadão é, em diversos casos, um agente regulador dos meios tradicionais. Por sua vez, o jornalismo tradicional
é responsável por legitimar as informações difundidas (de maneira cada vez mais ampla e abrangente) pelos grupos cidadãos.
Trata-se de um novo jornalismo, agora compartilhado, em que
as responsabilidades ganham equilíbrio entre dois olhares: o dos
meios para o povo (ou para si) e o do povo para o povo.
4 Narrativas independentes, jornalismo e ação nos
protestos de junho de 2013
O Mídia Ninja (acrônimo de Narrativas Independentes, Jornalismo e Ação) é um grupo de mídia formado em 2011, considerado
JORNALISMO E CONVERGÊNCIA
180 |
o braço audiovisual do coletivo Fora do Eixo (FdE). Suas produções são transmitidas pela Pós-TV, uma plataforma midiativista
colaborativa. Conhecido pelo ativismo sociopolítico na cobertura de eventos cotidianos (principalmente ligados aos movimentos sociais), o grupo Ninja se autodeclara uma alternativa à
imprensa tradicional.
Os ninjas possuem uma estrutura descentralizada e um regime essencialmente colaborativo. Suas ações são custeadas pela
organização Fora do Eixo, e há um projeto para a criação de um
site próprio que possibilite doações externas, na forma de microinanciamentos. A produção de conteúdo também é fruto da colaboração do público (na forma de sugestão de pautas e material)
e de jornalistas (nas produções midiáticas, embora nem todos os
que atuam nas coberturas sejam jornalistas por formação). Aqui,
é importante dizer que as noções de produtor e de público geralmente se misturam, sendo que muitos dos espectadores também
produzem conteúdo, e vice-versa (caracterizando o que Gillmor
(2005) chama de jornalismo cidadão – já citado anteriormente).
De acordo com a entrevista de um dos principais ícones do Mídia Ninja, Bruno Torturra, concedida ao jornalista André Forastieri em 31 de julho3, há um núcleo pequeno e
crescente de pessoas (em torno de 15) se dedicando integralmente ao projeto,outros atuam de maneira próxima, trabalhando
com frequência. Além destes, há um número maior de pessoas
que colaboram vez ou outra, sugerindo pautas, enviando
fotos, arriscando transmissões ou até mesmo emprestando
Publicada pelo Portal R7. Disponível em: <http://noticias.r7.com/blogs/
andre-forastieri/2013/07/31/uma-entrevista-com-bruno-torturra-da-midia-ninja/>. Acesso em: 27 set. 2013.
3
ENTRE A CONVERGÊNCIA E A DIVERGÊNCIA
| 181
equipamentos. Ao todo, são mais de 1.500 inscrições de colaboradores espalhados por mais de 150 cidades do Brasil.
As redes sociais são os pilares que sustentam a divulgação
do Mídia Ninja: as narrativas produzidas por eles são veiculadas
por meio de links postados no Twitter e no Facebook, permitindo ao público acompanhá-las em tempo real através do uso da
tecnologia streaming. Os ninjas usam a internet para impulsionar
sua cobertura, e tal fato é possível graças à tecnologia móvel: os
vídeos e fotos do grupo são produzidos pelas câmeras digitais de
smartphones e postadas via internet 3G.
De acordo com uma reportagem publicada pela revista
4
Piauí , um ninja possui dois kits para as situações de rua: um deles é individual e consiste em smartphonecom internet 3G e um
laptop, além de outros que servem como bateria. O segundo kit é
coletivo, composto por um carrinho de supermercado carregado
de duas câmeras, mesa de corte, gerador, microfones e caixas de
som. As transmissões são ilmadas pelos smartphones, e disponibilizadas ao vivo através de twitcasting. Em casa, outros colaboradores cuidam da tarefa de postar os vídeos nas redes sociais e garantir que o material seja arquivado, para o caso de imprevistos.
Um cartaz virtual divulgado pelo Mídia Ninja serve como espécie
de manual e esclarece o funcionamento das transmissões, além
de convidar outras pessoas a integrarem a equipe.
4
Edição de julho de 2013. Disponível em: <http://revistapiaui.estadao.com.br/
edicao-82/esquina/guerra-dos-memes>.
JORNALISMO E CONVERGÊNCIA
182 |
As características desse grupo midiativista (colaborativismo, surgimento na internet, uso de smartphones, uso de internet móvel e difusão de informação via redes sociais) o fazem um
exemplo típico de movimentos que são fruto da cultura digital.
Para Lemos (2004), cultura digital (que o autor chama de cibercultura) é contemporânea, marcada basicamente pelas redes telemáticas, pela sociabilidade on-line, e pela navegação planetária
pela informação. Foi esse conjunto de processos tecnológicos,
midiáticos e sociais, emergentes a partir da década de 1970 e potencializados pelo avanço das novas tecnologias, que possibilitaram a existência do Mídia Ninja e sua repercussão nos dias atuais.
A atuação do Mídia Ninja tem trazido discussões proissionais e acadêmicas para o campo jornalístico, e é importante
ENTRE A CONVERGÊNCIA E A DIVERGÊNCIA
| 183
mencioná-las, ainda que não seja essa a preocupação central deste artigo. O nome do grupo, “Narrativas Independentes, Jornalismo e Ação” traz a prática jornalística como pressuposto, embora
o formato de suas produções possa ser questionado com relação a
se caracteriza jornalismo ou não. Embora o material audiovisual
produzido pelo coletivo atenda a critérios de noticiabilidade (que
são próprios do jornalismo), como interesse público, atualidade,
universalidade e proximidade, acaba não oferecendo contextualização e interpretação da notícia – já que é veiculado sem edição –, características que, para a doutora em comunicação Elza
Oliveira Filha5, são consideradas pontos fundamentais do jornalismo. Além disso, coberturas por vezes muito longas (algumas
com mais de seis horas de duração) limitam o acesso dos espectadores às informações centrais do acontecimento, sem chance de
recuperação. Seguindo esse raciocínio, o Mídia Ninja poderia ser
considerado mais fonte de informação do que prática jornalística.
Independente dessa discussão, está o fato de que as pautas cobertas pelo Mídia Ninja partem, essencialmente, dos movimentos sociais e demais células da sociedade civil organizada.
São temas, portanto, preocupados com questões sociais e cidadania. O primeiro tema abordado pelos ninjas, por exemplo,
foi a cracolândia do centro paulistano6; depois disso, o coletivo
Em entrevista ao jornal Gazeta do Povo em 13 ago. 2013. Disponível em:
<http://www.gazetadopovo.com.br/vidaecidadania/conteudo.phtml?id
=1399045&tit=O-jornalismo-colaborativo-e-conectado-da-Midia-Ninja>.
Acesso em: 27 set. 2013.
6
De acordo com reportagem publicada pela revista Piauí em julho de 2013, de
autoria de Ronaldo Bressane. Disponível em: <http://revistapiaui.estadao.com.
br/edicao-82/esquina/guerra-dos-memes>. Acesso em: 27 set. 2013.
5
JORNALISMO E CONVERGÊNCIA
184 |
esteve presente em movimentos como a Marcha da Maconha7, a
Marcha da Liberdade, “Existe Amor em SP”, e até em uma ambiciosa missão de cobertura da problemática envolvendo os índios
Guarani-Kaiowás, no Mato Grosso do Sul8.
Mas, sem dúvida, a maior repercussão da cobertura midiática ninja se deu nos eventos que marcaram o mês de junho
de 2013 no Brasil. Foi nesse momento histórico de manifestações
impulsionadas por motivos diversos, que os ninjas icaram conhecidos em todo oPaís, e também no mundo.
Os ninjas transmitiram ao vivo imagens dos protestos ao
redor do Brasil, mostrando as faixas, os cartazes, os gritos indignados da população, e a resposta (em diversos momentos, truculenta) da PM a tudo isso. Eles estiveram presentes onde a grande
mídia não esteve, no olho do furacão, mostrando sem cortes um
lado da história que, no início, muitos veículos da imprensa brasileira decidiram ignorar: o lado dos manifestantes. Em6 de junho
– quatro dias após o valor da tarifa de ônibus de São Paulo ter aumentado de R$3,00 para R$ 3,20, as manifestações tomam corpo
na capital paulista. Esta foto foi publicada no peril do Facebook
do Mídia Ninja, acompanhado da legenda: “Milhares de jovens
ocuparam o centro de São Paulo para manifestar seu descontentamento com o aumento das passagens do transporte público. Segundo o jornal O Estado de São Paulo o número de participantes
era de 700 pessoas.”
Disponível em: <http://www.revistabrasileiros.com.br/2013/08/08/onipresenca
-ninja/>. Acesso em: 27 set. 2013.
8
Disponível em: <http://catracalivre.com.br/geral/cidadania/indicacao/ninjas-do-jornalismo-travam-guerrilha-pela-liberdade-da-midia/>. Acesso em: 27
set. 2013.
7
ENTRE A CONVERGÊNCIA E A DIVERGÊNCIA
| 185
Neste dia, o jornal O Estado de São Paulo tinha como destaque de última hora a matéria intitulada “Manifestação contra
aumento da tarifa de ônibus fecha vias em São Paulo9”. Entre as
informações divulgadas pelo texto, está a seguinte passagem:
“Alguns manifestantes depredaram bares e lixeiras da Paulista
e espalharam lixo pela avenida. Na Treze de Maio, arrancaram
cabos de luz e hostilizaram motoristas”. O aumento da tarifa foi
mencionado em um subtópico de dois parágrafos, abaixo do texto que abordava as depredações. A estimativa do jornal, como
dito, foi de que 700 pessoas estiveram no local – número bem mais
modesto do que a estimativa dos ninjas. No dia seguinte (7 de junho), a Folha de S. Paulo publicou que um grupo de 15 detidos
nas manifestações “entrou em confronto com policiais na avenida
Disponível em: <http://web.archive.org/web/20130607140721/http://www.
estadao.com.br/noticias/cidades,manifestacao-contra-aumento-da-tarifa-de-onibus-fecha-vias-em-sao-paulo,1039657,0.htm>. Acesso em: 28 set. 2013.
9
JORNALISMO E CONVERGÊNCIA
186 |
Paulista e deixou um rastro de vandalismo pela região central de
São Paulo.10” Ainda no dia sete, uma nota no canto superior direito do site do jornal O Globo dizia: “Protesto convocado pela
Internet contra reajuste das passagens de ônibus provoca tumulto
em São Paulo, Rio, Natal e Goiânia11”.
Esses exemplos mostram que a abordagem de alguns dos
principais jornais do País destoou bastante do enfoque do Mídia
Ninja. Em todas elas, o tumulto causado pelas manifestações e
eventuais depredações ganharam uma atenção privilegiada em
comparação ao motivo que levou as pessoas às ruas (no primeiro
momento): o aumento da tarifa de ônibus. A mesma matéria
mencionada da Folha de S. Paulo falou sobre o reajuste, mas fez
pouco caso do impacto social ao airmar que, “no caso do ônibus,
cujo valor da passagem não era corrigida desde janeiro de 2011,
o valor icou bem abaixo da inlação acumulada no período12”.
Bastou se espalharem as notícias sobre as manifestações de
São Paulo para que movimentos de outras cidades do País começassem a organizar os próprios atos. Outras capitais, como Rio de
Janeiro, Porto Alegre, Maceió e Goiânia realizaram protestos e,
aos poucos, foram se espalhando para váriascidades brasileiras.
Outras pautas se juntaram à tarifa do transporte coletivo, como a
PEC 37, a “cura” gay, os gastos com a Copa das Confederações e
com a Copa do Mundo FIFA 2014, o im da corrupção, a prisão
Disponível em: <http://web.archive.org/liveweb/http://www1.folha.uol.
com.br/cotidiano/2013/06/1291200-protesto-contra-tarifa-de-onibus-termina-com-15-detidos-diz-pm.shtml>. Acesso em: 28 set. 2013.
11
Disponível em: <http://web.archive.org/web/20130607030356/http://oglobo.
globo.com/>. Acesso em: 28 set. 2013.
12
Disponível em: <http://web.archive.org/liveweb/http://www1.folha.uol.com.br/
cotidiano/2013/06/1291177-apos-confusao-na-paulista-estudantes-prometem-novo-protesto-em-sp.shtml>. Acesso em: 28 set. 2013.
10
ENTRE A CONVERGÊNCIA E A DIVERGÊNCIA
| 187
dos condenados do mensalão, a reforma na saúde, o destino de
10% do PIB para a educação, o Estado laico etc. Tal diversidade é
mostrada com clareza neste infográico produzido pelo he New
York Times, publicado em 20 de junho, que é uma foto dos cartazes que ganharam as ruas de Recife (PE).
JORNALISMO E CONVERGÊNCIA
188 |
O Mídia Ninja esteve presente em vários desses atos. Sua
repercussão nas redes sociais (no Facebook eles somam 213 mil
seguidores13 e, no Twitter, quase 22,5 mil14) e sua cobertura favorável aos manifestantes fez com que eles se tornassem, rapidamente, uma fonte coniável de informação para muitos dos envolvidos nos protestos. Em algumas ocasiões, inclusive, ajudaram
manifestantes presos injustamente a serem libertados, como foi o
caso do estudante Bruno Ferreira Teles, detidopela Polícia Militar
acusado de ter lançado um coquetel molotov contra a barreira de
policiais. Filmagens dão conta de que a bomba caseira foi lançada
de outro ponto da multidão, inocentando o jovem, que foi libertado no dia seguinte.
Em outros momentos, até mesmo a imprensa tradicional
utilizou ilmagens produzidas pelo Mídia Ninja para dar dimensão
às ocorrências. A edição de 23 de junho do Jornal Nacional levou
ao ar uma reportagem de quase seis minutos15 sobre uma passeata
LGBT até a sede do governo do Estado do Rio de Janeiro (onde
o Papa Francisco havia sidorecebido um dia antes), que começou pacíica e terminou com manifestantes e policiais feridos. Na
matéria, vários vídeos feitos pelo Mídia Ninja foram mostrados,
um deles contendo parte da entrevista que Bruno Torturra fez
com o estudante Bruno Ferreira Teles. Outras informações dessa
reportagem que são fruto dos ninjas são ilmagens de um policial
militar que se recusou a mostrar sua identiicação a uma manifestante, além de um vídeo revelandoa presença de “P2”16 entre os
Disponível em: <https://www.facebook.com/midiaNINJA>.
Disponível em: <https://twitter.com/MidiaNINJA>.
15
Disponível em: <http://g1.globo.com/jornal-nacional/noticia/2013/07/passea
ta-termina-em-confronto-e-pm-e-criticada-por-prender-integrante-do-midia-ninja.html>. Acesso em: 28 set. 2013.
16
Policiais iniltrados. Na ilmagem, um deles (que havia acabado de jogar um
coquetel molotov) apareceu trocando de camisa, e entrando em meio à barreira
da PM. Ele pareceu ter sido reconhecido pelos militares, que abriram passagem.
13
14
ENTRE A CONVERGÊNCIA E A DIVERGÊNCIA
| 189
manifestantes, acusados de terem jogado coquetéis molotov contra a própria polícia para gerar o conlito. Tempos atrás, seria impensável ver a ilmagem de um telefone celular veiculada no principal jornal televisivo do País. No entanto, durante os protestos de
2013 o Mídia Ninja não só pautou, mas também entrou na mídia
tradicional, quando ela não estava lá para cobrir as ocorrências.
Os protestos de junho de 2013 no Brasil impulsionaram e
foram impulsionados por iniciativas de midiativismo 2.0, como o
Mídia Ninja, em que a participação cidadã é decisiva na produção,
circulação e consumo dos conteúdos. Manifestações de vários tipos
já tomaram as ruas do País e do mundo, e coberturas de natureza
semelhante já foram feitas. Mas se há algo que se possa chamar de
“novo” nas ocorrências deste ano é a decisiva participação das mídias sociais e o uso de novas tecnologias, desde a organização das
manifestações até o acompanhamento das coberturas midiáticas
feitas pelos próprios usuários da web, numa espécie de colaborativismo planetário. O Mídia Ninja é intrinsecamente ligado à cultura
digital, e foi essa cultura que permitiu que a projeção dessa forma
de mídia cidadã acontecesse da forma como ocorreu.
5 Conclusões
A convergência midiática se mescla com a convergência cultural
a partir do novo formato de produção de conteúdos de caráter
jornalístico, ainda que não sejam propriamente jornalistas os autores desse material. Entretanto, esse formato também certiica
uma realidade de divergências, pois combate a homogeneidade
da agenda imposta pelos meios tradicionais.
Essa diversidade discursiva é uma característica do jornalismo cidadão, essencialmente onde os meios digitais e a mobilidade
JORNALISMO E CONVERGÊNCIA
190 |
estão presentes. Tais possibilidades são concretizadas pelos ninjas, assim como pela sociedade, cada vez mais conectada nesses
canais alternativos. São esses cidadãos que ampliam a audiência
do Mídia Ninja, pois oferecem uma estrutura de redistribuição
de conteúdos característica da sociedade contemporânea, e sem
essa estrutura viral diicilmente o grupo conseguiria tal resultado.
Percebemos que o conteúdo produzido pelo Mídia Ninja oferece uma parcialidade de olhar, ainda que não seja essa
uma exclusividade dos meios e das estruturas cidadãs. Ainal,
os meios de comunicação tradicionais, ainda que em diversos
casos declaremo contrário, costumam construir conteúdos que
atendam às expectativas da linha editorial ou de interesses econômicos. Trata-se de um enquadramento jornalístico que auxilia
na construção da opinião pública. É importante ressaltar ainda
que as narrativas produzidas pelo Mídia Ninja não substituem
o jornalismo tradicional – e nem têm esse propósito. São coisas
diferentes, com olhares diferentes, mesmoque tenham um objetivo comum: informar o que está acontecendo. Por outro lado,
iniciativas de mídia como essa, de certa forma obrigam o velho
jornalismo a repensar estratégias de ação e de cobertura, uma vez
que o Mídia Ninja escancara o poder das novas tecnologias no
processo comunicacional.
Essa parcialidade, construída inversamente ao enquadramento da agenda setting, é o que justiica a conclusão deste trabalho, de que a partir de coletivos como o Mídia Ninja a sociedade
presencia uma convergência cultural, mas também uma divergência de posicionamentos e enquadramentos. Essa nova ecologia midiática justiica a ideia de uma sociedade com olhares plurais, como observado nos protestos de junho de 2013, no Brasil.
ENTRE A CONVERGÊNCIA E A DIVERGÊNCIA
| 191
Referências
CASTELLS, M. La galáxia internet. Barcelona: Areté, 2001.
______. Redes de indignação e esperança: movimentos sociais
na era da internet. São Paulo: J. Zahar, 2013.
ESPIRITUSANTO, O.; GONZALO-RODRIGUEZ, P. Periodismo ciudadano. Madrid: Fundación Telefónica, 2011.
GILLMOR, D. Nós, os media. Lisboa: Presença, 2005.
JENKINS, H. Cultura da convergência. São Paulo: Aleph, 2009.
LEMOS, A. Cibercultura, cultura e identidade. Em direção a uma
“cultura copylet”? Contemporânea – Revista de Comunicação
e Cultura, v. 2, n. 2, p. 9-22, dez. 2004.
JORNALISMO E CONVERGÊNCIA
192 |
EXPERIÊNCIAS FOTOJORNALÍSTICAS
EM UM CENÁRIO DE CONVERGÊNCIA
MIDIÁTICA: os novos espaços de autoria
Eliza Bachega Casadei1
Em um texto publicado em 1928, Paul Valéry previa que, um dia,
assim “como a água, como o gás, como a corrente elétrica vêm de
longe para dentro de nossas casas para atender a nossas necessidades basicamente com esforço quase nulo, assim seremos nós
alimentados de imagens visuais ou auditivas, nascendo e se esvanecendo ao menor gesto, quase a um signo” (apud GUNTHERT,
2012, p. 37). Se esse processo de produção de imagens encanadas,
a todo tempo disponíveis, estava em pleno desenvolvimento desde, pelo menos, a popularização da televisão, é possível dizer que
a cultura da convergência radicaliza o processo, oferecendo um
conjunto maior de imagens produzidas tanto por grandes conglomerados midiáticos quanto por pequenos amadores que inserem suas imagens em uma esfera pública mais ampla.
Professora do Programa de Pós-Graduação em Comunicação e do Departamento de Comunicação Social da Faculdade de Arquitetura, Artes e Comunicação (FAAC) da Universidade Estadual Paulista. (UNESP).
E-mail: elizacasadei@yahoo.com.br.
1
| 193
Muito tem sido escrito sobre como o fotojornalismo, nesse
processo, sofreu um reposicionamento de alguns dos pressupostos
que guiavam a prática, ao legitimar uma produção fotográica
produzida por amadores que é inserida na composição da notícia. A demissão em massa de fotojornalistas das redações (das
quais, a sofrida pelos fotógrafos do Chicago Sun-Times é apenas
um exemplo) e a validação crescente do fotojornalismo participativo cidadão (com a criação de sites como o You Witness, da
Reuters, e o I-Reports, da CNN) são sintomas de certo culto ao
amador (KEEN, 2009) que já há algum tempo faz parte dos processos fotojornalísticos em um cenário de convergência.
A questão que se impõe, contudo – e que tem recebido
pouca atenção por parte dos estudos de comunicação –, é o fato
de que a legitimação das fotograias amadoras foi acompanhada
por um processo de reação, vinculado à reairmação simbólica da
importância do papel proissional do fotojornalista. Se, como já
apontava Regis Debray (1994, p. 63), “ao longo do século XX, dessacralização da imagem e sacralização do fabricante andaram par
a par”, as experiências fotojornalísticas da convergência mostram
faces de como essa sacralização do fabricante redimensionou a
questão da autoridade jornalística não apenas no que concerne
à legitimação de fotograias produzidas por amadores, mas também por ter engendrado espaços novos de autoria para os próprios fotojornalistas proissionais.
O objetivo do presente capítulo é, justamente, discutir a
constituição desses espaços autorais para fotojornalistas proissionais em um cenário de convergência midiática. A necessidade de narrativas mais complexas trazidas pelos imperativos da
convergência formaram novos espaços de autoria e legitimação
da prática proissional. Por autoria, nesse caso, estamos nos referindo não ao indivíduo que produz a foto, mas sim, ao lugar que
autoriza os discursos.
JORNALISMO E CONVERGÊNCIA
194 |
A partir do entendimento de que a escritura é da ordem
da performance e não da criação, a autoria é pensada não como
a ação do sujeito-fotojornalista na feitura de sua obra particular,
mas como o espaço a partir do qual se dá a organização discursiva das signiicações derivadas da fotograia (BARTHES, 2004;
FOUCAULT, 2009). A autoria, portanto, é pensada como uma
função (e não como a atribuição de um sujeito). Em outros termos, é necessário considerar “o autor como um efeito derivado de
certos gêneros do discurso”, ou seja, “como um efeito simultâneo
de um jogo estilístico e de uma posição enunciativa” (DUCCINI,
2013, p. 81).
A isso, coaduna-se a ideia de que a função-autor é também
um espaço de autoridade: ela “não se forma espontaneamente
como a atribuição de um discurso a um indivíduo. É o resultado
de uma operação complexa que constrói certo ser de razão que se
chama de autor” (FOUCAULT, 2009, p. 276) e a quem se dá um
status realista e uma posição de autoridade. Toda autoria, portanto, sempre pressupõe operações de autorização de um lugar
de discurso.
A partir do pressuposto de que “sempre haverá, nas tipologias discursivas que contemplamos, um enunciador proposto,
um lugar de onde as proposições de sentido serão irradiadas”, é
possível dizer que “o movimento inerente à noção de autoria traduz-se em estratégias de autorização para que se ocupe esse posicionamento” (DUCCINI, 2013, p. 40). Isso engendra espaços de
reconhecimento e legitimidade para a produção fotojornalística.
É esse reconhecimento que corresponde à validação de um “nós
coletivo” que fornece as regras e leis de um meio circunscrito por
determinações e imposições próprias, bem como por sistemas
complexos de privilégios, obrigações e hierarquias.
EXPERIÊNCIAS FOTOJORNALÍSTICAS EM UM CENÁRIO DE CONVERGÊNCIA MIDIÁTICA
| 195
Se esse espaço de autoria já estava bem consolidado para
o fotojornalismo nos contextos em que essa produção se limitava
ao impresso, a convergência midiática muda os termos do jogo,
engendrando outras formas de (autor)ização para o fotojornalismo que, se por um lado, pressupõe a participação de um número
maior de atores, também constrói trincheiras que resguardam a
sua posição de autoridade.
1 Da digitalização à convergência
Para que possamos pensar no reposicionamento da função-autor
nas produções fotojornalísticas convergentes, é necessário esmiuçar, primeiramente, quais foram os efeitos mais visíveis da
convergência midiática na prática fotojornalística para, então,
pensarmos nas novas posicionalidades de autor possíveis para o
fotojornalismo.
Os processos de digitalização da imagem combinados com
os pressupostos trazidos pela convergência reposicionaram a
relação objetal da fotograia com a produção noticiosa em uma
multiplicidade de aspectos. Ao longo da maior parte da história
do fotojornalismo, como nos lembra Fontcuberta (2012, p. 86),
“coexistiram necessariamente duas facetas indissociáveis e perfeitamente soldadas da fotograia: por um lado, a imagem como
informação, como dados visuais; por outro, o suporte físico, sua
dimensão objetal”. Os imperativos da digitalização, contudo, izeram com que a fotograia sofresse um deslocamento nesse arranjo, de forma que, para o autor, a história recente do fotojornalismo “pode ser entendida como o percurso que vai do objeto
à informação, ou seja, como um processo de desmaterialização
crescente dos suportes”.
JORNALISMO E CONVERGÊNCIA
196 |
Ao mudar os processos de produção da fotograia jornalística, a digitalização muda os termos da relação entre o operador e o dispositivo, posto que a nova supericialidade da tela que
produz a fotograia “desiste da tarefa de elucidar a pretidão das
caixas” e “tudo que o imaginador precisa fazer é imaginar imagens e obrigar o aparelho a produzi-las” (FLUSSER, 2008, p. 43).
Isso porque o operador não precisa mais esperar a revelação dos
fotos para visualizá-las, e os processos de edição tornam-se mais
simples e diicilmente detectáveis.
Embora esse processo não tenha se dado de forma linear e
nem livre de conlitos, as mudanças editoriais advindas da inserção da fotograia digital nas redações, na perspectiva de Silva Júnior
(2011), podem ser divididas em três fases, concernentes ao seu conjunto de práticas, que vai da convivência dos processos até uma fase
em que a convergência midiática propriamente dita se manifesta.
Em um primeiro momento, no inal da década de 1990,
houve uma etapa pré-adaptativa em que os então novos processos digitais ainda conviviam com os antigos processos analógicos.
Tratava-se de um modelo “baseado entre bases tecnológicas diferentes e permeado por uma série de dispositivos de tradução entre essas bases, de modo a manter a rotina de trabalho como, por
exemplo, scanners, modens, reveladores etc.” (SILVA JúNIOR,
2011, p. 95). Essa fase, além de ser marcada por uma heterogeneidade de técnicas, também se deinia pela predominância da produção fotográica digital para veículos impressos e, no máximo,
para a internet, mas sem a interligação entre os dois conteúdos e
tampouco uma produção multimídia.
Essa época era marcada por certo desconforto na convivência entre as duas tecnologias, cujos sintomas podiam ser sentidos nos processos de trabalho: muitas vezes, os repórteres tinham que carregar duas câmeras para a cobertura da pauta (uma
EXPERIÊNCIAS FOTOJORNALÍSTICAS EM UM CENÁRIO DE CONVERGÊNCIA MIDIÁTICA
| 197
analógica e outra digital) e os créditos das fotos frequentemente
vinham acompanhados da inscrição “fotograia digital” (HENN
e SALLET, 2012).
A segunda fase foi marcada pelo im do desconforto e pelo
desaparecimento dos dispositivos analógicos. Nesse período, já
havia “uma predominância no corpo proissional de fotógrafos
já adaptados ao luxo de trabalho digital e com polivalência operacional” e, portanto, “capazes de, além de dominar dos dispositivos do entorno fotográico, ter competência com sistemas de
ordem informacional, como, por exemplo, a ingestão, transmissão, catalogação, tratamento e armazenamento de imagens” (SILVA
JúNIOR, 2011, p. 95). As produções multimídias começam a aparecer de forma esporádica, mas ainda são raras e assistemáticas.
A terceira fase, por im, trouxe a inserção de um conteúdo
propriamente convergente para o fotojornalismo. É nesse período que as mudanças tecnológicas passaram a afetar a produção de
conteúdo, com ênfase no uso das plataformas em formato multimídia e na produção de narrativas transmidiáticas. Uma vez
que os processos técnicos já estavam consolidados, as redações se
voltaram para a “criação de alternativas que hibridizam o fotojornalismo como estrutura de discurso, porém não necessariamente
atrelados a estruturas editoriais” (SILVA JúNIOR, 2011, p. 96).
Há o advento da noção de que o fotojornalismo digital não
deve ser caracterizado por uma mera transposição de conteúdos
do analógico para o digital, mas que outras plataformas e outros
conteúdos narrativos devem ser explorados na composição fotojornalística em plataformas propriamente transmidiáticas.
Se essa última fase pode ser chamada de convergente, isso
se deve ao fato de que, a partir desse momento, há propriamente
um luxo de conteúdo através de múltiplos suportes midiáticos e
sistemas administrativos de mídias.
JORNALISMO E CONVERGÊNCIA
198 |
Posto que há sempre uma relação entre a função-autor nas
práticas midiáticas e as tecnologias de informação que as sustentam, os espaços de autoria para os fotojornalistas, nesse cenário,
são também recompostos e passam a ser norteados por outros
imperativos, conforme discutiremos a seguir. Não apenas os espaços disponíveis se expandem como também (1) as próprias fotograias passam a articular outros efeitos de referencialidade e
outras formas de autoria a partir de sua hibridização com outras
matrizes da linguagem em produções multimídia; (2) as urdiduras de enredo possíveis se tornam múltiplas e muitas vezes não
coincidentes com aquelas apresentadas no material impresso; e
(3) métodos diversos de inanciamento e sustentação econômica
de novos projetos são propostos, alheios aos imperativos publicitários das mídias tradicionais. Todos esses fatores serão analisados a seguir e apontam para uma revalorização do trabalho fotojornalístico em um cenário de convergência midiática.
2 Novos espaços de autoria: a revalorização da
grande reportagem fotojornalística e a
referencialidade dos afetos
O caráter técnico da fotograia fez com a noção de dispositivo servisse como base para teorias que colocavam o cunho mecânico e
as características tecnológicas do ato fotográico como origem de
seus efeitos de realidade. Tal como apontado por Picado (2011,
p. 166), a metafísica do dispositivo fez com que as teorias sobre a fotografia se detivessem na noção de que “o fenômeno
fotográfico estivesse como que previamente justificado nesse
seu aspecto de rendição instantânea ou de impregnação mecânica do mundo visual numa superfície sensível”, mantendo
EXPERIÊNCIAS FOTOJORNALÍSTICAS EM UM CENÁRIO DE CONVERGÊNCIA MIDIÁTICA
| 199
os aspectos pelos quais a imagem fotográfica entra em outros
protocolos culturais de recepção em segundo plano. Para o autor,
“a fotograia é assim assumida na condição de um tipo de manifestação da discursividade visual cuja experiência é necessariamente
marcada pela relação ilogenética entre suas imagens e um dispositivo”, em uma determinação que é dada pelo “engenho de visualização” que envolve as suas técnicas (PICADO, 2011, p. 167).
Um dos exemplos dessa primazia do dispositivo, para Picado, se encontra em obras como o trabalho basilar de Phillipe
Dubois sobre o ato fotográico, para quem os efeitos de realidade
engendrados pelas fotograias estão postos não no caráter mimético que ela estabelece com o referente retratado, e sim, com o ato
mecânico de sua inscrição. Em outros termos, pelo fato de que a
fotograia deve ser descrita por seu caráter indiciário (requisito
para a própria formação da imagem fotográica) e não por sua
circunstância icônica – que, a rigor, não é necessária nem determinante para a feitura da fotograia.
Os diversos usos sociais da fotograia, contudo, bem como
as relexões sobre os seus aspectos plásticos e representacionais
e sobre os contíguos comunicacionais da imagem fotográica, izeram com que as teorias que projetavam o efeito de realidade à
prioridade do dispositivo técnico também precisassem ser reposicionadas. Para Picado (2011, p. 170), mesmo em outros campos simbólicos, como na teoria do cinema, por exemplo, lugar
no qual o discurso sobre o dispositivo manifestou-se com ênfase,
“a noção de que a experiência fílmica pudesse ser um correlato ou efeito da ordem dos aparatos técnicos ou das instituições
culturais jamais se propôs como constituindo in se uma arché do
cinema, ou então como sobreposta a toda uma outra ordem de
variáveis relativas à experiência concreta (social, cultural, estética) de suas imagens”.
JORNALISMO E CONVERGÊNCIA
200 |
Um primeiro efeito desse deslocamento pode ser sentido
quando os próprios suportes que alicerçam as práticas midiáticas
passam a ser entendidos também como dispositivos que sustentam
o fotográico e que, portanto, também inluenciam na articulação
dos efeitos de sentido postos pela fotograia. É essa a linha seguida por Flusser (1985), por exemplo, quando ele coloca que a
fotograia não pode construir o seu sentido sozinha, mas sempre
em relação ao aparato em que ela está inserida. “Embora não necessitem de aparelhos técnicos para sua distribuição, as fotograias provocaram a construção de aparelhos de distribuição gigantescos e soisticados” (FLUSSER, 1985, p. 27), mostrando o seu
potencial máximo quando elas estão inseridas nas mídias (nos
jornais, nas revistas, nas propagandas).
Nessa perspectiva, o próprio aparelho de distribuição de
uma fotograia e seus modos de articulação passam a fazer parte
integrante do aparelho fotográico, de forma que o fotógrafo age
em função dele. “A divisão de fotograias em canais de distribuição não é operação meramente mecânica: trata-se de operação de
transcodiicação” (FLUSSER, 1985, p. 28).
Se tomarmos como pressuposto o fato de que os efeitos de
referencialidade das fotograias dependem também desse dispositivo ampliado, é possível dizer que a convergência midiática engendrou mesmo outros efeitos de referencialidade ao fotojornalismo, justamente por permitir o uso de plataformas multimídias
e outras matrizes da linguagem na composição da fotorreportagem. A convergência midiática teve como uma de suas consequências a revitalização da grande reportagem fotojornalística,
que não mais se conina ao material impresso, mas se articula a
outros materiais audiovisuais em slideshows e picture stories.
Se, no jornalismo em geral, a fotorreportagem parecia ser
um gênero que estava em processo de desuso, com uma redução
EXPERIÊNCIAS FOTOJORNALÍSTICAS EM UM CENÁRIO DE CONVERGÊNCIA MIDIÁTICA
| 201
sensível do número de publicações que se dedicavam a ela, a
convergência midiática garantiu um novo espaço para o gênero
na internet. Entre essas produções, destacam-se fotorreportagens especiais como One in eight million, feita pelo he New
York Times, Ian Fisher – American soldier, do he Denver Post,
e he war ater war, da NBC News. Essas produções remetem à
tradição das grandes reportagens fotojornalísticas, com o uso
dos recursos disponibilizados pelo meio digital, como a hibridização de linguagens.
O objetivo de One in eight million é contar as histórias de
pessoas comuns de Nova Iorque, segundo a proposta: “o Times
apresenta 54 indivíduos em sons e imagens, pessoas comuns contando as suas histórias extraordinárias: de paixões e problemas,
relacionamentos e rotinas, vocações e obsessões”. Ao selecionar
uma imagem, o leitor é conduzido a um slideshow com belíssimas
fotograias dos indivíduos retratados, acompanhados da narração, em primeira pessoa, de suas histórias.
Essa característica, de incorporação da voz da testemunha às fotograias, acompanha as demais produções citadas e se
cristaliza como uma característica narrativa da maior parte das
picture stories.
Ian Fisher – American soldier é o resultado do acompanhamento de um soldado por três jornalistas ao longo de 27 meses,
desde seu alistamento no exército até o seu retorno da guerra no
Iraque. he war ater war relata a história de quatro jovens soldados que sofreram ferimentos muito graves na Guerra do Iraque e
acompanha o retorno de suas vidas à normalidade possível com
fotograias e relatos em primeira pessoa.
A grande quantidade de material fotojornalístico produzido
por essas três experiências (e pelas picture stories em geral) diicilmente seria aproveitada por materiais impressos e constituem
JORNALISMO E CONVERGÊNCIA
202 |
mesmo a possibilidade de novos espaços autorais para os fotojornalistas. É nesse contexto que outras correlações entre os
efeitos de realidade e a fotograia passaram a ser urdidas (posta
essa correlação entre o dispositivo fotográico e o dispositivo
multimidiático) e outros imperativos autorais entram em cena.
Não apenas as linguagens se hibridizam, como também os espaços possíveis de constituição dos efeitos de referencialidade.
Um dos exemplos desse mecanismo é a soma da referencialidade
dos afetos à referencialidade do dispositivo nas fotorreportagens
multimidiáticas.
Jaguaribe (2007) atesta o surgimento de novos tiposde realismo na fotograia, na literatura e no cinema ao longo dos séculos 20 e 21, que atestam a emergência de novos efeitos de real em
uma sociedade saturada de imagens. Para a autora, “estes efeitos
de real serão distintos daqueles do século XIX, não se pautam
somente na observação empírica ou distanciada, mas promovem
uma intensiicação e valorização da experiência vivida que, entretanto, é iccionalizada” (JAGUARIBE, 2007, p. 31).
Tal como apontado por Duccini (2013, p. 26), essas produções trabalham com “uma qualidade estética que faz aparecer
novas conigurações de realismo, em que a legitimidade do relato
não mais se atesta pela objetividade, mas pela ênfase no lugar de
onde se enuncia: o espaço de uma experiência irredutível, particular, em oposição às categorias universalizantes”. E é nesse sentido que “as narrativas que se ordenam por um efeito de real deslizam então de um realismo de matiz histórico para um realismo
dos afetos, das subjetividades”.
Nesse jogo, é a realidade da inscrição que toma o primeiro plano da narrativa, em que se enfatiza o envolvimento e o engajamento do narrador com aquilo que é objeto de sua narração.
“O realismo dos afetos”, portanto, “tem na ênfase da experiência
EXPERIÊNCIAS FOTOJORNALÍSTICAS EM UM CENÁRIO DE CONVERGÊNCIA MIDIÁTICA
| 203
subjetiva seu valor ético e estético”. É assim que “as dimensões do
testemunho, da autorrepresentação, do envolvimento pessoal com
aquilo que narra, do sofrimento (no sentido patético) que se experimenta ‘em primeira pessoa’ e, eventualmente, do amadorismo
ganham compleição nas diferentes formas de expressão da contemporaneidade” (DUCCINI, 2013, p. 83) e, entre elas, o próprio
fotojornalismo.
Os novos espaços autorais para fotojornalistas através das
picture stories têm se estruturado justamente a partir desse reforço da esfera testemunhal – ancorada, ao mesmo tempo, no testemunho fotográico e no testemunho daquele que narra. É a esfera
testemunhal que (autor)iza, ao mesmo tempo, o fotógrafo e o seu
entrevistado (a partir da referencialidade dos afetos) nesses novos
espaços autorais engendrados por um cenário de convergência
midiática, a partir da força performativa que o testemunho assume na linguagem.
Essas produções mostram como as próprias fotograias
passam a articular outros efeitos de referencialidade e outras formas de autoria a partir de sua hibridização com outras matrizes
da linguagem em produções multimídia. Não é apenas a iconicidade da imagem que a autoriza a falar em nome do real, mas
também o próprio engajamento do narrador em primeira pessoa
acrescido na foto a partir da matriz sonora para a constituição da
picture story.
Posto que “o lugar de autor é pensado como uma instância
autorizada” (DUCCINI, 2012, p. 200), a inserção das fotograias
de amadores em produtos jornalísticos em um cenário de convergência midiática pode ser pensada a partir desta perspectiva:
de uma instância que, ao contrário do período anterior, é posta no
lugar de autoridade de um discurso. Essa (autor)ização do amador
JORNALISMO E CONVERGÊNCIA
204 |
se coaduna com novas sensibilidades sobre a referencialidade no
fotojornalismo, que deixa de estar vinculada meramente a um retrato supostamente objetivo do referente para vincular-se a uma
referencialidade dos afetos.
A questão que se impõe, contudo, é o fato de que o mesmo
mecanismo que garante uma esfera de legitimidade ao fotojornalismo cidadão, também acaba por reairmar um lugar (autor)
izado para o fotojornalista proissional – mesmo que a partir de
outras possibilidades narrativas –, articulado a partir da junção
entre a voz das testemunhas e o testemunho fotográico. Ao trabalhar com uma estrutura de testemunho en abyme, as picture
stories mostram outras possibilidades de engendramento dos
efeitos de referencialidade a partir da multimidialidade e outros
modos de (autor)ização do trabalho fotojornalístico.
3 A posse da autoria: por outras urdiduras de enredo
As experiências recentes na produção de materiais fotojornalísticos mostram que a estruturação da convergência está muito longe de simplesmente se reduzir “às dinâmicas de instantaneidade e
mobilidade potencializadas desde os processos iniciais de digitalização da imagem” (HENN; SALLET, 2012, p. 94). Para os autores,
as questões sobre as performances que a linguagem fotojornalística vem conigurando em um cenário convergente passam, também, pelos modos de aproveitamento e circulação dos materiais
fotográicos usuais. É nesse sentido que os blogs de fotojornalistas
que publicam as imagens que não foram aproveitadas nas versões
impressas mostram também outras conigurações da autoria no
fotojornalismo em um cenário de convergência midiática. Nesses
EXPERIÊNCIAS FOTOJORNALÍSTICAS EM UM CENÁRIO DE CONVERGÊNCIA MIDIÁTICA
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cenários, as narrativas urdidas no meio on-line se revelam diferentes daquelas postas pelo impresso, em uma ampliação do conjunto de estórias possíveis de serem contadas em torno de um
mesmo fato.
Nesse aspecto, sites como o he Big Picture, inaugurado
pelo jornal he Boston Globe em 2008, o In Focus, da revista he
Atlantic, e o blog Diário da Foto, do jornal Diário Gaúcho, são
sintomas de conigurações de autoria que revelam outras possibilidades de urdidura de enredo para o material fotojornalístico tradicional. Posto que a urdidura pode ser deinida como o
conjunto de ios reunidos em um tear por entre os quais se faz a
trama, a autoridade da autoria se airma, nesse caso, ao mostrar
diferentes modos em que a trama é montada, evocando o fato de
que toda história sempre pode ser contada de outra forma.
As diferentes plataformas que permitem aos fotojornalistas
o aproveitamento do material que não foi impresso, na perspectiva de Henn e Sallet (2012, p. 96), “expandem a liberdade desses
proissionais, descentralizando os discursos”, que antes se restringiam aos veículos tradicionais e seus mecanismos internos de
controle. Nesses espaços, há uma outra lógica da produção autoral, pois as narrativas nem sempre são articuladas pelos mesmos
proissionais que o fazem no meio impresso, em um espaço que
se conigura como coletivo.
Com o objetivo de contar histórias com fotograias de
grande formato, o criador do he Big Picture e do In Focus, Alan
Taylor (2012, p. 264), coloca a urdidura de enredo como o principal objetivo de seu site. “O projeto é mais do que publicar fotograias em grande formato; ele envolve a construção de uma
narrativa. É colocar as imagens em uma ordem narrativa”. Dessa
forma, “há imagens que têm relação e precisam estar juntas para
contar uma história. Quando recebo uma imagem e percebo uma
JORNALISMO E CONVERGÊNCIA
206 |
ligação com outras, ainda que sutil, tento relacioná-las com outras imagens com as quais ela tem ligação. Eu realmente presto
muita atenção na ordem em que as fotograias são observadas”.
Entre a atividade de pesquisa e apuração que envolve o trabalho fotojornalístico e o resultado inal materializado, há uma
série de operações que reforçam o caráter igurativo da linguagem jornalística. A “urdidura de enredo” implica na transformação dos fatos coletados na pesquisa em representações postas de
acordo com uma organização que a caracteriza enquanto uma
história propriamente dita, que possua começo, meio e im, bem
como fases determinadas e um sentido dado pelas relações silogísticas estabelecidas entre os termos.
Nesse aspecto, as histórias contadas pelos fotojornalistas
são igurativas, em um primeiro aspecto, porque “enquanto os
eventos acontecem no tempo, os códigos cronológicos utilizados
para ordená-los em unidades temporais especíicas são culturalmente demarcados, não naturais” – e, nesse sentido, para White,
o ato de articular a urdidura de enredo é sempre uma ação muito
mais poética do que propriamente cientíica, na medida em que
pressupõe esse tipo de mediação: “os eventos podem ser dados,
mas as suas funções enquanto elementos de uma estória são impostas sobre eles – por técnicas discursivas que são mais tropológicas do que lógicas por natureza” (WHITE, 1999, p. 9).
Em um segundo aspecto, o próprio processo que envolve
a transformação de uma crônica (como sequência cronológica
de eventos) em uma história (estrutura organizada por relações
silogísticas) requer uma escolha entre as diversas estruturas de
enredo disponibilizadas pela tradição cultural para se contar uma
história, o que acaba por delimitar a narrativa a uma sequência
sancionada culturalmente e que varia de acordo com cada plataforma ou meio utilizado.
EXPERIÊNCIAS FOTOJORNALÍSTICAS EM UM CENÁRIO DE CONVERGÊNCIA MIDIÁTICA
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Ao permitir outros usos para os materiais fotográicos, inserindo-os em outros contextos enunciativos, os limites da autoria no fotojornalismo são reposicionados em um cenário de convergência midiática. Como aponta Peixoto (2012, p. 2), “novos
modelos de criação permitem que o autor altere a estrutura de
encadeamento dos personagens e da própria trama, buscando, ao
máximo, o aproveitamento dos recursos tecnológicos/multimidiáticos”, permitindo ao fotojornalismo novas esferas de signiicação.
O espaço da autoria, nesse caso, não está posto na produção do material fotojornalístico em si ou nas suas possibilidades
de difusão, mas no próprio ato de estruturação de outros enredos possíveis. A (autor)ização do fotojornalista sofre um deslocamento, na medida em que há a ampliação dos espaços em que
outras urdiduras para a história se tornam possíveis.
4 A afirmação da autoria: modelos econômicos
alternativos
A airmação de outros espaços de autoria para o fotojornalismo
também passa pelos modos alternativos de inanciamento dos
trabalhos. Embora o agrupamento de fotógrafos na produção das
notícias seja uma prática comum há muito tempo – as agências de
fotojornalistas remontam ao im da Segunda Guerra Mundial –, a
convergência parece ter trazido novas perspectivas de autoria no
que concerne à formação dos coletivos fotojornalísticos contemporâneos. Se a convergência “está transformando a prática das
empresas em sua relação com fornecedores e compradores, em
sua administração, em seu processo de produção” (CASTELLS,
2003, p. 56), é justamente a ideia de cooperação que parece estar
no centro desse processo: “além do caráter polivalente demandado pelo quadro da convergência, a produção em fotojornalismo
JORNALISMO E CONVERGÊNCIA
208 |
atualmente agrega a cooperação como elemento da sua cadeia
produtiva” (SILVA JúNIOR, 2011, p. 102).
Em busca de uma alternativa para o esgarçamento das fontes de inanciamento baseadas em modelos de audiência massiva,
é possível perceber o surgimento de coletivos de fotojornalistas
que utilizam o crowdfunding como possibilidade de sustentação
econômica de novos projetos. Esse modelo está baseado na colaboração econômica por parte de pessoas físicas que, via internet,
fazem pequenas doações inanceiras para um trabalho de interesse coletivo. Projetos como o Emphas.is, voltado exclusivamente
para projetos fotojornalísticos, o Kickstarter e o Flattr, para projetos gerais, são utilizados por fotojornalistas para conseguir arrecadação para a estruturação de trabalhos individuais.
Em seu manifesto, o Emphas.is diz ser “uma plataforma
para o fotojornalismo que oferece uma ligação única entre os fotojornalistas e o seu público e, com esse processo, visa criar um
novo modelo inanceiro para fotojornalismo no século 21”. Segundo eles, “o interesse no fotojornalismo de qualidade está em
alta”, embora ele dependa “da vontade de jornais e revistas para
publicá-lo e inanciá-lo. Na era digital, muitos meios de comunicação decidiram que fotojornalismo não é mais uma prioridade.
Nós pensamos que este é um erro”. É através do inanciamento
coletivo arrecadado via internet em uma conta gerenciada pelo
grupo que eles acreditam que novos projetos fotojornalísticos
(proissionais e de qualidade) podem emergir exteriormente aos
grandes conglomerados midiáticos.
Todos os projetos enviados são selecionados por um comitê avaliador antes de serem postos on-line para a arrecadação
de fundos, de acordo com critérios previamente estabelecidos
pelos organizadores do coletivo (como a importância global e
local do projeto, os modos de acesso ao trabalho, a experiência
fotojornalística do realizador e o comprometimento do fotógrafo em entrar em diálogo com os seus apoiadores inanceiros). O
EXPERIÊNCIAS FOTOJORNALÍSTICAS EM UM CENÁRIO DE CONVERGÊNCIA MIDIÁTICA
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conselho avaliador é composto, segundo o site, pelos “40 maiores
especialistas mundiais em fotograia e jornalismo”.
O site fornece uma fonte de inanciamento para fotojornalistas que não encontram espaço nas mídias tradicionais, bem
como uma plataforma de divulgação do trabalho realizado. Trata-se de um modelo de inanciamento articulado aos pressupostos da convergência digital, da participação e da interatividade.
Posto que a autoria é mesmo um lugar de airmação da
autoridade, os coletivos que buscam inanciamentos alternativos
para projetos de fotojornalistas proissionais, fora dos esquemas
impostos pelas grandes empresas, buscam constituir a airmação
de um para-lugar de autoria para a prática proissional.
5 Considerações finais
A morte do fotojornalismo já foi anunciada algumas vezes. Para
além da histeria causada pela crise dos impressos, trata-se de um
tema que é ocasionalmente reiterado em contextos especíicos.
“Foi assim quando surgiu nos anos 1930 a câmera Leica, que, segundo as declarações da época, não era um dispositivo ‘sério’ em
meio a um ambiente dominado pelas câmeras de médio formato
e de chapas de vidro” (SILVA JúNIOR, 2011, p. 83). Se a incorporação de novas tecnologias sempre causa certo desconforto para
a fotograia, ao mesmo tempo, trata-se de um meio com grande
capacidade adaptativa aos novos formatos.
Assim como a Leica mostrou novas possibilidades para a
linguagem fotojornalística, engendrando outras condições de articulação narrativa a partir da imagem, o cenário de convergência midiática também tem se mostrado bastante profícuo para a
abertura de outros espaços autorais para os fotojornalistas. Tal
como apontado por Freund (1983, p. 7), cada momento histórico
presencia o nascimento de modos particulares de expressão que
JORNALISMO E CONVERGÊNCIA
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correspondem ao caráter político e às maneiras de pensar de uma
época. Da mesma forma, cada momento histórico articula seus
próprios lugares autorais para o fotojornalismo, relacionados aos
modos como a prática é ressigniicada pelo entorno tecnológico.
Referências
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autoria no documentário brasileiro contemporâneo. 2013. Tese
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FLUSSER, V. Filosoia da caixa-preta. São Paulo: Hucitec, 1985.
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FREUND, G. La fotografía como documento social. Barcelona:
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contemporâneo: aspectos sobre arranjo, participação e narratividade. Culturas Midiáticas, ano 5, v. 8, p. 1-15, 2012.
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Pompeu Fabra, 2011. Disponível em: <http://repositori.upf.edu/
handle/10230/11624>. Acesso em: 4 out. 2013.
TAYLOR, A. he big picture: o blog que revolucionou o modo de
ver fotograia na internet (entrevista). Discursos Fotográicos, v. 8,
n. 13, p. 261-269, 2012. Entrevista concedida a Cristiane Fontinha.
WHITE, H. Figural realism: studies in the mimesis efect. Baltimore: he John Hopkins University Press, 1999.
JORNALISMO E CONVERGÊNCIA
212 |
A CONVERGÊNCIA DE MÍDIA E SUAS
REPERCUSSÕES NO PROCESSO DE
PRODUÇÃO DE UM JORNAL REGIONAL
Paula Melani Rocha1
Gisele Barão da Silva2
Nos últimos anos, o jornalismo assistiu a uma mudança irreversível, sobretudo nos impressos. A quantidade de conteúdo informativo disponível gratuitamente na internet ocasionou uma
queda no número de leitores e na circulação. Restou às empresas
buscar alternativas na produção de conteúdo para as novas possibilidades digitais. O modelo de jornalismo para a internet feito
até então não era suiciente para o novo contexto.
O jornal norte-americano he New York Times foi pioneiro na adoção do modelo de cobrança paywall, em 2011, padrão
Professora do PPG em Jornalismo e do Departamento de Jornalismo da Universidade Estadual de Ponta Grossa (UEPG-PR). E-mail: pmrocha@uepg.br
2
Mestranda em Jornalismo pela Universidade Estadual de Ponta Grossa
(UEPG-PR). E-mail: giselebarao@yahoo.com.br
1
| 213
posteriormente seguido por outros impressos3. No Brasil, a Folha
de S.Paulo foi o primeiro jornal a adotar esse sistema, em 2012.
Um ano depois da aplicação, a Folha comemorou alta de 189% de
assinantes e número elevado de visualização de páginas. Embora
possa signiicar um caminho para o jornalismo digital, o resultado de iniciativas isoladas ainda está longe de resolver as mudanças que a internet proporcionou ao ambiente das redações.
Pesquisa realizada pela World Association of Newspaper
and News Publishers mostrou que a circulação de jornais caiu 2%
em 20124. Os índices regionais têm queda ainda mais acentuada,
principalmente na América e na Europa Ocidental. Na América
Latina, os dados apontam que a taxa de publicidade caiu mais
rápido que a circulação.
Essas mudanças representam um processo que começou a
partir da década de 1990, quando os computadores pessoais começaram a se popularizar e o ambiente digital mudou também as
formas de interação entre as pessoas. Blogues e listas de discussão
por e-mail, por exemplo, ajudavam a compor um jornalismo mais
democrático (GILLMOR, 2005).
Uma série de invenções de meados da década de 1980 conduziram os media a uma nova era. De um dia para o outro,
com um Apple Mackintosh e uma impressora laser, qualquer um podia, com facilidade e custos reduzidos, criar
3
No modelo paywall, o acesso às notícias nos sites é limitado. A partir de certa
quantia mensal de cliques, o jornal faz um convite para o usuário realize um
cadastro e depois faça a assinatura digital do jornal. Ou seja, apenas se pagar, o
leitor terá acesso ilimitado ao conteúdo do site, além de conteúdos extras para
dispositivos móveis, por exemplo.
4
O relatório World Press Trends coleta dados sobre a circulação de jornais e
as receitas de publicidade em cerca de 70 países. Disponível em: <http://www.
marketingcharts.com/wp/print/global-newspaper-circulation-and-advertising-trends-in-2012-30062/>.
JORNALISMO E CONVERGÊNCIA
214 |
uma nova publicação. As grandes empresas não desapareceram – adaptaram-se e usaram as novas tecnologias
para reduzirem custos – mas foi permitida a entrada no
circuito a pequenos grupos e até a indivíduos, o que constituiu uma espantosa libertação do espartilho do passado.
(GILLMOR, 2005, p. 29).
As inovações transformaram não apenas o modo como nos
relacionamos com as máquinas, mas, em alguns casos, redeiniriam os campos proissionais (SCOLARI, 2004). Apesar das consequências evidentes para a sociedade e para o jornalismo, o processo
de convergência de mídias foi gradativo. Ainda hoje, empresas de
comunicação tanto de cobertura estadual quanto regional e local
estudam a melhor forma de lidar com esse desaio nas redações,
nos processos produtivos e garantir sua sobrevivência.
Como em outros momentos da história, os jornais tentaram se adaptar às novas tecnologias, no entanto, há diferenças
nas reações entre jornais de grande porte e de menor porte, assim
como no que diz respeito à área de cobertura, seja regional, local
ou estadual (nacional5). Este capítulo pontua alguns impactos da
convergência de mídia em um jornal regional e as repercussões
no organograma e nas atribuições que os jornalistas desempenham, em especial o cargo de editor. O estudo foca no jornal
Diário dos Campos, veiculado em Ponta Grossa e na região dos
Campos Gerais, no Paraná. Para isso, o discurso perpassa pelos
estudos no campo do jornalismo. O procedimento metodológico envolve pesquisa bibliográica, observação-participante e
5
Identiicar o impresso brasileiro como um jornal nacional remete algumas indagações, a princípio por não ter de fato um veículo que cubra todo o território
nacional. Há jornais de amplitude local, regional, estadual e aspirações nacionais associadas a serviços de agências de notícias ou mesmo correspondentes.
A CONVERGÊNCIA DE MÍDIA E SUAS REPERCUSSÕES NO PROCESSO DE PRODUÇÃO ...
| 215
técnicas de entrevista6. Antes, porém, é necessário localizar o jornalismo regional e algumas de suas especiicidades.
1 A imprensa regional e seu limiar
Ao voltar-se para a história da imprensa no Brasil, percebe-se que
o berço foi o jornalismo regional e local. O primórdio Gazeta do
Rio do Janeiro surgiu em 1808, com a vinda da Corte portuguesa
e a instalação da tipograia da Imprensa Régia. Era um órgão oicial da Corte e o primeiro jornal da iniciativa privada. Somente
após esse período circularam veículos de informação e opinião
em diferentes Estados.
De acordo com Sobrinho (1988), o precursor foi A idade
de Ouro do Brasil, em 1811, na Bahia. Depois surgiram impressos em Pernambuco, Maranhão, Minas Gerais, Ceará, Paraíba,
São Paulo, Rio Grande do Sul, Goiás, Alagoas, Santa Catarina,
Sergipe, Rio Grande do Norte, Piauí, Mato Grosso, Amazonas. O
último Estado a criar um jornal foi o Paraná, em 1853 (Dezenove
de Dezembro). Nenhum deles com cobertura nacional.
No entanto, há diferenças entre os jornais sediados nos
grandes centros e nas cidades de porte menor. Para Peruzzo (2005,
p. 75), a mídia local ancora-se “na informação gerada dentro do
território de pertença e de identidade em uma dada localidade ou
região”. Embora não se conigure um jornal genuinamente nacional, as especiicidades dos periódicos dos grandes centros e das
cidades do interior do País devem ser consideradas, para que seja
6
Este estudo é parte da pesquisa “Saberes teórico e prático no jornalismo: um
estudo sobre os proissionais que gerenciam a produção jornalística no Paraná”,
desenvolvida junto ao curso de Mestrado em Jornalismo, da Universidade Estadual de Ponta Grossa.
JORNALISMO E CONVERGÊNCIA
216 |
possível, inclusive, entender o jornalismo exercido no interior e a
morfologia das redações.
Os jornais se instalaram no interior brasileiro, de maneira
geral, após chegarem às capitais, devido à não existência de uma
estrutura mínima para produzir um impresso, como falta de vias
de comunicação (ferrovias e telégrafos), acesso à imprensa e recursos econômicos. A história das transformações dos impressos
no Brasil e a proissionalização do jornalismo também não foram
simultâneas entre os jornais das capitais e do interior. O atraso
do acesso aos recursos sombreou a história dos jornais locais durante quase todo o século 20, e o processo de proissionalização
da carreira ocorreu de forma mais lenta comparado aos grandes
centros. O advento da tecnologia e sua aplicabilidade, a partir da
década de 1990, repercutiram na queda dos custos e na agilidade de produção do impresso. Os pequenos jornais desfrutaram
também desse benefício, mas em um momento posterior. Entre
as inovações, encontram-se a reconiguração das redações, as
abreviações no processo de produção da notícia e a ocupação da
plataforma digital.
No jornalismo brasileiro, o processo de proissionalização
acentua-se no século 20. As transformações econômicas e políticas, a ocupação das cidades e a industrialização favorecem a
consolidação da imprensa no Brasil. Iniciou a expansão do jornalismo como atividade comercial, deixando de ser um jornal
artesanal feito por poucas pessoas ou mesmo por um indivíduo
apenas e tornando-se uma atividade que reúne mais participantes. “Na verdade, não ocorre uma transformação repentina de
uma imprensa artesanal e política para a empresarial: trata-se de
uma mudança gradativa e não linear que se deu ao longo de todo
o século XIX, durante o qual as duas características conviveram”
(MARTINS & DE LUCA, 2008, p. 41).
A CONVERGÊNCIA DE MÍDIA E SUAS REPERCUSSÕES NO PROCESSO DE PRODUÇÃO ...
| 217
Em 1908, foi fundada a Associação Brasileira de Imprensa
(ABI), no Rio de Janeiro, e dois anos depois, jornais do Rio de
Janeiro e de São Paulo passaram a investir em correspondentes
internacionais. Nos anos 30 do século passado se intensiicou o
processo de proissionalização com a criação das associações e
sindicatos, quase uma década depois, despontaram os cursos de
credenciamento, em 1969 passou-se a exigir o diploma para o
exercício da proissão, em seguida prosperaram as divisões por
editorias nas redações e, por im, nas décadas de 1980 e 1990, as
inovações tecnológicas ocuparam as redações (ROCHA; SOUSA,
2008). A partir da década de 1950, foi introduzido o paradigma
do jornalismo informativo nos grandes jornais brasileiros, aproximando-se do modelo anglo-americano.
Outro aspecto importante para o processo de proissionalização foi a emergência de diferentes funções atuantes dentro de
uma redação durante o processo de produção do jornal (repórter,
revisor, editor, copidesque, pauteiro, chefe de reportagem, chefe
de redação, editor chefe, fotógrafo, diagramador e arte inalista),
e como foram se movimentando ao longo das transformações do
jornalismo ocorridas pela maior divisão de editorias e segmentação das coberturas, modernização no processo de impressão (deixando para trás o linotipo e, posteriormente, o fotolito), instalação
dos computadores nas redações, utilização de câmeras digitais e
internet. Algumas dessas funções caíram em desuso, outras foram
substituídas ou mesmo eliminadas pela tecnologia, ou ainda há
aquelas que passaram a ser acumuladas por outros cargos.
2 Convergência de mídia: Novos desafios para os
editores
No âmbito das redações de jornais impressos, quem vai se deparar com esses desafios na produção e estudar soluções são,
JORNALISMO E CONVERGÊNCIA
218 |
principalmente, os proissionais que ocupam cargos de cheia. As
novidades tecnológicas também são responsáveis por alterar a estrutura organizacional das empresas, e os editores são iguras centrais.
O editor espelhado no modelo americano se estabeleceu
na imprensa nacional a partir da década de 1950, quando o jornalismo brasileiro passou a seguir a estrutura de organização dos
EUA. Essas mudanças buscavam tornar a produção mais eiciente
e repensar as atribuições de cada proissional.
O Jornal do Brasil (JB) foi um ícone da modernização da imprensa no País nesse período, adotando novos departamentos e cargos para a redação (SILVA, 1991). O editor passou a ser um agente
fundamental no processo produtivo e a acumular diferentes funções.
No JB, o editor é mais exigido. Ao mesmo tempo, ele desenvolvia funções de pauteiro, chefe de reportagem, editor de texto, de fotograia, diagramador e redator. “Essa
simultaneidade contribui para maior unidade de concepção e para dotar o jornalismo de um novo peril de editor,
hoje inteiramente assumido”. (BAHIA, 2009, p. 287)
Medina (1988) explica que uma das primeiras funções
do editor é determinar os temas a serem cobertos e coordenar a
equipe de repórteres do seu setor. Assim, ele substitui o pauteiro.
Mesmo que trabalhe com sugestões recebidas dos repórteres, a
decisão sobre a viabilidade das matérias ainda é dele. Outro aspecto na deinição do cargo é a sintonia com a angulação da empresa a respeito das reportagens.
Por deinição, é o sujeito ‘bem informado, sensível à demanda, que antevê a oportunidade de determinadas coberturas, que sabe selecionar as informações ‘essenciais’
que o repórter traz, que sugere perguntas e, acima de
tudo, que angula a matéria. (MEDINA, 1988, p. 79)
A CONVERGÊNCIA DE MÍDIA E SUAS REPERCUSSÕES NO PROCESSO DE PRODUÇÃO ...
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Com o organograma reformulado, os jornais ainda vão
precisar enfrentar a chegada das novas tecnologias no ambiente
de trabalho. Soster (2006) aponta as mudanças na proissão após
a informatização das redações brasileiras, a partir dos anos 1980.
A chegada dos computadores às redações alterou signiicativamente a dinâmica deste processo, mudando
também as características dos papéis desempenhados
até então. Em primeiro lugar, porque abreviou as etapas
produtivas […]. Papéis até então usuais na hierarquia das
redações, caso do revisor e do subeditor, foram gradativamente extintos, ou fragilizados em sua importância,
aumentando a responsabilidade dos repórteres sobre o
resultado inal de suas matérias. (SOSTER, 2006, p. 36)
Daí em diante, a necessidade de reorganizar o processo de
produção se fez cada vez mais presente nas redações. O contexto
proporcionado pelas mídias digitais trouxe novas possibilidades
de cobertura noticiosa e de interação com audiência, além da
relexão sobre o conhecimento exigido dos proissionais, desde
repórteres até gestores.
Em uma pesquisa que ouviu professores e proissionais de
comunicação de Salvador, Machado e Palacios (2007) mostraram
que as empresas do setor consideram altamente necessária a habilidade dos proissionais com utilização de equipamentos digitais e sotwares, o que chamam de “competências digitais”.
O estudo deixou claro que a “familiaridade com o meio
digital” é fator indispensável no processo de escolha dos proissionais em uma empresa. Mas os entrevistados mostraram valorizar ainda mais a “cultura da internet” adquirida pelo proissional.
Signiica dizer que, além de conhecimento técnico, o jornalista
precisa estar atento às exigências de um peril diferente de leitores, também familiarizado com as novas plataformas.
JORNALISMO E CONVERGÊNCIA
220 |
[...] o futuro proissional do campo da comunicação deverá ser capaz de adaptar-se a uma variedade de funções
decorrentes do processo de convergência nos sistemas de
produção das empresas. Se este tipo de inferência estiver
correto, tudo indica que o proissional mais adequado
para o novo mercado terá que ter condições de compreender processos, planejar ações, interpretar cenários
e, mais importante, ser suicientemente lexível para, por
um lado, se adaptar e, por outro, reagir de forma criativa
aos constantes ajustes dos processos produtivos porque
passam as empresas de comunicação. A formação continuada do proissional de comunicação é o elemento
recorrente, em todos os cenários futuros imagináveis.
(MACHADO; PALACIOS, 2007, p. 81)
Um dos indícios da preocupação das empresas com as mudanças do mundo digital é a criação de cursos para os jornalistas
em postos de cheia, que têm envolvimento direto na busca por
alternativas. O Instituto Internacional de Ciências Sociais (IICS),
em São Paulo, é um exemplo. O Programa Avançado em Jornalismo Digital defende esse objetivo. As informações no site do curso
indicam que é ele voltado “aos jornalistas e proissionais da comunicação que vão liderar os processos de mudanças na era digital”7.
Na descrição do programa também aparecem temas como
participação das audiências, produção para múltiplas mídias,
jornalismo em tempo real, produção de conteúdo para tablets,
linguagem digital e reorganização do trabalho jornalístico. Entre
as disciplinas em maior sintonia com as discussões teóricas deste capítulo aparecem “reorganização da produção de conteúdo”,
“convergência multimídia nas redações”, “reorganização do processo informativo”, “interação e otimização em mídias sociais”,
7
Informações do site <http://www.iics.edu.br/departamento-de-comunicacao/
programa-avancado-em-jornalismo-digital/>. Acesso em: jun. 2013.
A CONVERGÊNCIA DE MÍDIA E SUAS REPERCUSSÕES NO PROCESSO DE PRODUÇÃO ...
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“novos formatos e gêneros multimídia” e “linguagem jornalística
digital”. Pode-se perceber, dessa forma, uma preocupação com os
gestores em repensar o processo produtivo, como as funções desempenhadas na redação.
Apesar das tentativas, a relexão sobre os postos de cheia
também desperta visões pessimistas quanto à própria necessidade e importância do cargo de editor, com o processo de automação das redações. Anderson, Bell, e Shirky (2013) indicam que,
no cenário atual, o editor precisa assumir diferentes atribuições
que justiiquem o seu cargo.
Visionários no alto das organizações seguirão dando o
tom e ditando o rumo editorial de seus veículos, e talvez
cada assunto venha a ter um editor especializado. O tempo poupado com a organização e a edição automatizadas
de textos, no entanto, reduz drasticamente a necessidade
de editores para supervisionar toda etapa do processo.
Uma redação já não pode arcar com gente em altos cargos
que não produza conteúdo. Todo editor deveria, no mínimo, estar agregando conteúdo e dando links para material produzido ou não pela organização, fazendo uma
meta-análise do processo e de fontes, dando continuidade à cobertura com o cultivo e a recomendação de fontes
em público. (ANDERSON; BELL; SHIRKY, 2013, p. 53)
O grande número de informações ofertadas na internet sinaliza uma primeira função adquirida pelos proissionais, que é
a capacidade de gerenciar os dados e veriicar a veracidade das
informações, além de ter contato com as mudanças tecnológicas
e saber o que serve ou não para a sua redação.
Embora todo jornalista já deva estar acompanhando o
desdobramento de fatos e tomando parte em discussões
públicas em redes sociais ou seções de comentários, sua
JORNALISMO E CONVERGÊNCIA
222 |
capacidade de agregar valor para usuários com essas técnicas será, cada vez mais, parte do seu valor como proissional. (ANDERSON; BELL; SHIRKY, 2013, p. 53)
Pesquisadores já apontaram algumas mudanças no mercado jornalístico com a convergência de mídias, como a criação
do cargo de editor de mídias sociais. Segundo Palazi; Schmidt;
Zanotti (2011), o primeiro jornal a criar esse cargo foi he New
York Times. Em maio de 2009, o impresso contratou a jornalista
Jennifer Preston, ex-editora da área regional, que tinha 20 anos
de experiência como repórter, para exercer essa função. Depois
disso, outros veículos, como he Guardian, também anunciaram
a criação do cargo. No Brasil, o primeiro foi o jornal Estado de
São Paulo, também em 2009. O editor de mídias sociais, segundo
os autores, desempenha funções de diálogo com o público, para
ouvir o que a audiência tem a dizer e adequar a produção à expectativa dos leitores.
Os pesquisadores mostraram, através de entrevistas com os
primeiros proissionais a ocuparem esse cargo, quais foram suas
atribuições no primeiro ano de trabalho. Os resultados indicam
basicamente o relacionamento com o público e o monitoramento
de assuntos e pessoas que pudessem gerar pautas, além de difundirem a cultura das redes sociais dentro da redação e selecionar o
que deve ser publicado no peril do veículo nas redes.
É possível pensar que a criação do cargo, mesmo que
ainda não seja uma editoria consolidada no jornalismo,
como a de economia, polícia ou trânsito, pode impulsionar uma mudança gradativa – prática, estratégica e
também de mentalidade – nas redações e na proissão em
geral, quando a igura deste novo editor simboliza uma
necessidade dos proissionais de imprensa em geral (repórteres, editores, redatores) de reconhecer que as fontes,
A CONVERGÊNCIA DE MÍDIA E SUAS REPERCUSSÕES NO PROCESSO DE PRODUÇÃO ...
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antes passivas, se tornaram sujeitos instrumentalizados tecnologicamente a produzir e divulgar conteúdos
relevantes e que podem interferir diretamente e complementar a produção noticiosa. (PALAZI; SCHMIDT;
ZANOTTI, 2011, p. 9)
Mesmo com as alternativas encontradas pelos grandes
veículos, não há uma fórmula mágica que sirva para a realidade
de todos os jornais. Cada empresa de comunicação respondeu
às mudanças de forma diferente. Os jornais de pequeno e médio
porte, por exemplo, muito presentes em cidades do interior, não
têm a mesma possibilidade de investir na plataforma digital e na
reorganização do trabalho, como se discute no tópico a seguir.
3 Diário dos Campos e as reações às novas
tecnologias
O jornal Diário dos Campos (DC) é considerado o mais antigo de
Ponta Grossa, com a ressalva de ter icado quase uma década sem
veicular, em 1990. Foi também o primeiro a se estabelecer como negócio. Sua origem data de 27 de abril 1907, quando Jacob Holzmann
fundou o jornal O Progresso, com periodicidade semanal, limitado pelo maquinário de impressão. O nome atual foi uma mudança adotada em 1913.
O caso do DC mostra como o desaio colocado pelos “novos meios” tem respostas diferentes em grandes empresas de comunicação e em jornais de porte menor. O jornal passou pela
criação de um site em 2004 e de peris em redes sociais posteriormente, porém não tem utilizado o potencial dessas mídias com o
mesmo vigor que outros jornais já experimentaram, seja por falta
de estrutura, de recursos, ou por posicionamento dos proissionais da direção, como aponta Jenkins (2009).
JORNALISMO E CONVERGÊNCIA
224 |
À medida que passam por essas transformações, as empresas midiáticas não estão se comportando de forma
monolítica; com frequência, setores diferentes da mesma
empresa estão procurando estratégias radicalmente diferentes, reletindo a incerteza a respeito de como proceder.
Por um lado, a convergência representa uma oportunidade de expansão aos conglomerados das mídias, já que
o conteúdo bem-sucedido num setor pode se espalhar
por outros suportes. Por outro lado, a convergência representa um risco, já que a maioria dessas empresas teme
uma fragmentação ou uma erosão em seus mercados.
(JENKINS, 2009, p. 47)
Atualmente, fazem parte da equipe do DC seis repórteres
e um chefe de redação8, responsáveis pela produção de material
para as sete editorias. O organograma reduzido faz com que cada
proissional acumule mais funções, o que se acentua principalmente no trabalho de edição.
Em 2004, o jornal passou a ter uma página na internet e
seguiu a tendência inicial dos demais jornais com a nova plataforma: publicar no site o mesmo conteúdo do impresso. O DC
também tem peril em redes sociais, no qual publica o link das
matérias e coleta mensagens para divulgar no “Espaço do Leitor”,
além de sugestões de pauta.
Porém, a adaptação acontece a passos lentos. Até 2011, o
leitor que tivesse cadastro no site – feito gratuitamente – ou que
fosse assinante da edição impressa, tinha acesso ao conteúdo na
íntegra. Ou seja, somente após sete anos essa vantagem foi retirada. O Diário dos Campos passou a disponibilizar as reportagens
no site em versão reduzida, publicando na íntegra apenas a editoria Polícia, que têm o maior número de acessos.
8
O proissional chamado “chefe de redação” no Diário dos Campos é o único
jornalista em cargo de cheia. Assim, acumula a função de editor.
A CONVERGÊNCIA DE MÍDIA E SUAS REPERCUSSÕES NO PROCESSO DE PRODUÇÃO ...
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As demais editorias têm até dois parágrafos publicados,
seguidos da mensagem: “Leia a matéria completa na edição impressa do DC”. De acordo com um jornalista que ocupou o cargo
de chefe de redação em 2013, a estratégia adotada pela empresa
buscou incentivar a compra do jornal, decisão da qual ela airmou discordar9:
Deveria ser feito assim: a pessoa que acessa o site faz um cadastro, e quem tem o cadastro consegue acessar a matéria
inteira [...]. Porque a pessoa pode ser assinante e estar viajando […]. Só que ela quer acompanhar o jornal […], ela está
pagando. Então ela perde o direito de ler o jornal inteiro?
A participação em redes sociais foi um ponto positivo para
o jornal, que começou a contar com repercussões imediatas sobre
a produção e sugestões de pautas dos leitores. Porém, em abril
de 2013, essa interação direta com o público foi prejudicada: a
diretoria de redação proibiu o acesso ao Facebook no ambiente
de trabalho. Percebe-se que a direção do jornal não vê as redes
sociais como fator potencializador no contato com a audiência.
Outro aspecto do organograma atual é atribuir o gerenciamento do conteúdo do site ao chefe de redação, que também
exerce a função de editor. Porém, em entrevista, o jornalista defendeu que essa função deveria icar com outro proissional.
4 As “novas” atribuições do editor no processo
produtivo
O organograma do DC tem apenas dois proissionais em função
de cheia. Um diretor de redação – que não possui formação em
9
Em entrevista concedida à autora em 20 de maio de 2013.
JORNALISMO E CONVERGÊNCIA
226 |
Jornalismo –, e o chefe de redação, responsável por gerenciar a
produção jornalística. A observação-participante realizada em
maio de 2013 constatou que o diretor, embora tenha funções administrativas, tem participação frequente no conteúdo noticioso, selecionando pautas e eventualmente sugerindo temas para
editoriais. Com essa estrutura mais enxuta, o chefe de redação
acumula algumas funções.
Parte das mais recentes alterações no processo de produção no DC se deve à revisão das horas de trabalho do jornalista
e ao corte de horas extras, como uma forma de reduzir custos.
A jornada de trabalho de cinco horas, cumprida rigorosamente
a partir de 2013, tirou dos repórteres parte da responsabilidade
pelo fechamento da página. Outra mudança para agilizar o trabalho sem reduzir a quantidade de notícias produzidas foi a extinção das reuniões de pauta pelo chefe de redação.
O chefe de redação, por sua vez, tornou-se o responsável
pela página de opinião. Ele escreve o editorial, seleciona recados para o espaço do leitor, artigos de opinião e a foto do espaço
“Flagra”, que registra algum acontecimento inusitado do dia. Esse
espaço pode receber material dos fotógrafos da empresa ou dos
leitores. Como precisa revisar, praticamente sozinho, todos os
textos publicados, o chefe de redação tem uma carga média de 40
textos por dia para ler.
Cabe a ele também atualizar o site do jornal. Em entrevista,
o jornalista defendeu que, na estrutura disponível, as funções icam difusas. “Na verdade, no jornal pequeno, todo mundo é meio
pauteiro, meio editor, meio repórter, né? Você não tem pauteiro,
então o repórter mesmo faz a pauta. Eventualmente o repórter
mesmo edita o material”10.
10
Em entrevista concedida à autora em 20 de maio de 2013.
A CONVERGÊNCIA DE MÍDIA E SUAS REPERCUSSÕES NO PROCESSO DE PRODUÇÃO ...
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O processo de produção sofre consequências diferentes
conforme o porte e a organização de cada jornal. No caso do DC,
ainda há um subaproveitamento da plataforma digital no processo produtivo, e o chefe de redação, por conta da estrutura organizacional, acaba acumulando funções ligadas às mídias digitais.
O quadro de proissionais atuantes na redação reduziu, e a
preocupação com o cumprimento da jornada de trabalho em cinco horas, evitando as duas horas contratuais ou eventuais horas
extras, colaborou para a extinção de algumas práticas do processo
produtivo. Ao invés de buscar melhorias no jornal impresso, bem
como no on-line, investir em proissionais e na utilização da nova
plataforma e sua interatividade, a empresa optou pela redução
dos custos. Uma decisão, no entanto, paliativa.
Repensar o funcionamento da estrutura interna em função
das novas tecnologias é uma realidade bastante atual nas redações. O jornal americano Chicago Sun-Times demitiu em maio
de 2013 toda a equipe de fotógrafos, um grupo de 28 funcionários11. A justiicativa apresentada pela empresa foi a reformulação
da produção em formatos multimídia, conforme o comunicado
divulgado à imprensa. A alternativa encontrada pelo jornal foi a
contratação de proissionais freelancers e, em alguns casos, a responsabilidade de tirar fotos ica com os próprios repórteres.
A adoção do modelo paywall e a criação do cargo de editor
de mídias sociais representam apenas algumas das possibilidades.
A existência de cursos de formação para os gestores em Jornalismo Digital apontou que os proissionais em postos de cheia estão
tentando se preparar para um jornalismo em constante mudança.
Notícia no site <http://portalimprensa.uol.com.br/noticias/internacional/59083/
chicago+sun+times+demite+equipe+de+fotograia+e+passa+a+utilizar+smart
phones>. Acesso em: jun. 2013.
11
JORNALISMO E CONVERGÊNCIA
228 |
Manovitch (2005) defende que grande parte das relexões
sobre os novos meios está tentando prever um futuro incerto, com
mais especulações do que conclusões. E se não há resposta para o
tipo de jornalismo que se deve produzir, é ainda mais complexo
airmar qual o lugar o jornalista nessa produção, principalmente
dos editores, responsáveis por gerenciar o processo de produção.
Por essa razão, para Manovitch (2005) há necessidade de
se entender as mudanças pelas quais a mídia está passando atualmente, e desenvolver o que o autor chama de “documentação e
teoria do presente”, já que se trata de uma transformação gradativa e contínua, tanto no que diz respeito ao desenvolvimento da
linguagem dos novos meios quanto às necessidades de adaptação
dos proissionais.
Jenkins (2009) é apenas um dos autores que ajudou a prever a resistência que o investimento no conteúdo on-line encontraria em algumas situações. Ele indicava que os produtores de
mídia reagem de formas contraditórias ao novo peril de consumidores. Enquanto alguns incentivam a mudança, outros ainda
resistem a um comportamento que consideram renegado.
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| 231
JORNALISMO E INTERATIVIDADE:
os desafios das novas ambiências
Marcelo Engel Bronosky1
Luciane Justus dos Santos2
1 O jornalismo no século 21: crises e transformações
O jornalismo do século 21 tem o desaio, entre outras questões,
de gestar o impacto provocado pelas novas tecnologias em suas
várias manifestações: produção, circulação e consumo de produtos noticiosos. Nesse cenário de profundas e constantes transformações, um aspecto parece escapar de análises mais desenvolvidas: diz respeito ao acesso aos conteúdos midiático-jornalísticos.
Estamos pensando, por exemplo, num leitor muito mais ativo,
que além de consumir informação pode produzir, divulgar e
compartilhar conteúdos em tempo real. Segundo Bruns (2011)
Professor do PPG em Jornalismo e do Departamento de Jornalismo da Universidade Estadual de Ponta Grossa (UEPG-PR). E-mail: mebrono@uepg.br
2
Mestranda em Jornalismo pela Universidade Estadual de Ponta Grossa
(UEPG-PR). E-mail: emaildaluciene@hotmail.com
1
| 233
“praticamente todas as importantes matérias noticiosas “quentes”
em 2010 e 2011 foram propulsionadas de maneira signiicativa
pela sua cobertura nos espaços da mídia social [...]” (BRUNS,
2011, p. 131).
Muito se fala de um jornalismo em crise – de um modelo
tradicional que estaria ameaçado principalmente pelo papel das
chamadas audiências que se transformaram, diante das possibilidades da internet e da web 2.0 em “usuários ativos”. Essa airmação exige cuidados, pois, como aponta Bruns (2011, p. 120), é
preciso avaliar a “nova fase no relacionamento em evolução entre
jornalistas e suas audiências” bem como das abordagens até agora
consideradas no processo de construção e produção da notícia
entre outros aspectos, a im de determinar sua real crise.
[...] Anunciam a morte lenta dos modelos de cima para
baixo da cobertura jornalísticas e da divulgação de informações, e até do próprio modelo de gatekeeping, e em vez
disso destacam a mudança para um relacionamento colaborativo mais igual, embora às vezes cauteloso, entre
os proissionais e os usuários das notícias. (BRUNS, 2011,
p. 120). [Grifo nosso]
É possível airmar que conhecer e se aproximar desse “outro” (os usuários) é fundamental para o resultado da interlocução social. A crise (ou as transformações) sinaliza, portanto, para
uma adaptação a esse novo modo de interação (não mais vertical)
com o leitor e consequentemente com o público: o coletivo de
usuários ativos.
Ainda segundo Bruns (2011), a abordagem do gatekeeping
que considerava o papel ativo do jornalista enquanto “selecionador” no processo de construção da notícia (em suas três etapas
distintas) oferecia um espaço “quase inteiramente fechado para
JORNALISMO E CONVERGÊNCIA
234 |
a participação direta e a contribuição da audiência”. O controle,
por esta perspectiva, é dos jornalistas e editores que “raramente” procuram seus leitores de maneira a contribuir ativamente no
processo de seu trabalho (BRUNS, 2011, p. 122).
O autor considera que muitas das iniciativas denominadas
como “jornalismo público” ou “civil” da década de 1980 e 1990
orientavam suas práticas mais no sentido de “mostrar como é feito”, sem que isso alterasse o que ele chama de “relações de poder
entre os jornalistas, suas capacidades de produtores e as audiências em sua capacidade de consumidores das notícias” (BRUNS,
2011, p. 122).
[...] Este jornalismo “público” não chega a ser uma conversa com o público, mas apenas um exercício de mostrar-e-contar para o público: em último lugar, uma tentativa algo condescendente de mostrar ao público como
funciona o jornalismo. (BRUNS, 2011, p. 122)
A mudança, segundo o autor, está justamente no sentido da
relação que passa de relativamente transparente ou revelada para
uma atividade que estabelece uma colaboração – e transforma,
então, a audiência, de mero consumidor a coautor na produção
da notícia. Esse movimento não nasce de dentro da “indústria
jornalística convencional”, mas fora dela. O jornalismo participativo surgiu de demandas sociais na última década do século
21, período marcado pela popularização do acesso à internet e à
possibilidade de participação dos usuários em virtude do advento
da web 2.0. (BRUNS, 2011, p. 122).
O usuário (antes mero receptor/consumidor) passou a
compartilhar conteúdos, conectar e acompanhar diretamente
instituições sociais de diversos campos, em especial o político e
o governamental. Passou também a encontrar outros usuários e
JORNALISMO E INTERATIVIDADE
| 235
estabelecer diálogos diretos, comentar e divulgar informações.
Intensiicam-se as ações e o protagonismo do público ganhou
força com “esforços coletivos”. Nesse aspecto, a aposta do autor
está no fato de que a passagem da abordagem do gatekeeping para
o gatewatching está no “esforço difundido com fontes múltiplas”
e que envolve “uma multidão” de usuários em seus diferentes
interesses. As práticas de gatewatching não são novas, mas eram
exclusivas aos jornalistas “seletos e com acesso privilegiado”.
(BRUNS, 2011, p. 124).
Destacamos que é preciso compreender que o protagonismo do público, ainda que relevante, desejado e desaiador, não
elimina do jornalismo processos de seleção e iltro na construção social da realidade. O “efeito mais óbvio” dessa perspectiva
teórica na audiência “é cognitivo” ao passo que “determina o
modo como deinimos nossas vidas e o mundo ao nosso redor”.
(SHOEMAKER; VOS, 2011, p. 14).
Shoemaker e Vos (2011) consideram que o processo pelo
qual alguns temas atravessam portões enquanto outros são barrados representa o potencial de “inluenciar atitudes e opiniões”.
Esse potencial está relacionado com a formação da opinião pública, cujo ápice se dá quando “as versões estão de acordo umas com
as outras”. Segundo eles, trata-se de um potencial e não de uma
determinante, pois “a vasta quantidade de decisões tomadas pelo
gatekeepers não resulta necessariamente em imagens uniformes
da realidade”. (SHOEMAKER; VOS, 2011, p. 15).
Sobre o potencial da internet, os autores airmam que:
Comparada a outros veículos de comunicação de massa,
a internet oferece muito mais oportunidades de interação
entre os membros da audiência e novos colaboradores,
novos criadores e uns com os outros. Esse alto nível de
interatividade transforma os membros da audiência em
JORNALISMO E CONVERGÊNCIA
236 |
gatekeepers. Os leitores podem personalizar a página inicial do Google Notícias, solicitando mais ou menos de
determinada categoria, além de poderem reordenar as
categorias na página, atuando assim, como seus próprios
gatekeepers. (SHOEMAKER; VOS, 2011, p. 19)
Percebemos que as transformações complexiicam as análises críticas de mídia, especiicamente, a produção jornalística,
visto que as novas abordagens não desvalorizam outras e passam
a atuar em conjunto, imbricadas e por vezes difícil de deinir
onde uma ou outra é predominante. Conforme o público assume
o protagonismo, alteram as decisões e os iltros, sem que estes
sejam eliminados do processo.
Nesse sentido, o gatewatching estabelece não uma nova
forma de jornalismo, mas foca efetivamente em práticas voltadas para a republicação, divulgação, contextualização e curation de material. A etapa da resposta que, para Bruns (2011),
era “atroiada” torna-se signiicativamente mais importante em
experiências de sites de notícias alternativos, a exemplo das experiências do Indymedia.
Segundo Bruns (2011), experiências de sites de cobertura alternativa ao formato do “jornalismo convencional”, como o
Indymedia, colocam a circulação num modelo de notícias “que
servem para abrir ao invés de fechar para a discussão”:
[...] Por meio do processo de discussão que segue (usualmente em linhas de discussão ligadas imediatamente à
própria matéria), se agregam informações adicionais,
se avaliam as airmações e se fornece um contexto mais
amplo – em contraste com as cartas dos leitores de um
jornal, por exemplo (que icam movidas espacialmente e
temporalmente da matéria original, e muitas vezes fornecem pouca coisa mais do que o endosso ou a discordância
JORNALISMO E INTERATIVIDADE
| 237
básica), as respostas para uma matéria nestes sites forma
uma parte integral da cobertura noticiosa, e talvez são mais
importantes que a própria matéria. (BRUNS, 2011, p. 127)
O autor faz uma distinção clara entre as cartas dos leitores
que estão deslocadas “espacialmente e temporalmente” das matérias. Nesse aspecto, pode-se perceber como o jornalismo “convencional” institucionalizou no impresso o lugar de cada editoria
ou gênero jornalístico, seja por modelo ou limitação. É também
possível encontrar na plataforma on-line traços dessa estrutura.
As transformações ocorrem da mesma forma que dito
anteriormente, não por iniciativa das empresas, mas fora delas,
diante das demandas e usos que o cidadão opera (individual e
coletivamente – mas em rede) a partir dos dispositivos móveis.
[...] As plataformas da mídia social como o Facebook e o
Twitter servem para acelerar ainda mais a velocidade em
que as matérias noticiosas são compartilhadas, debatidas
e às vezes desacreditadas; [...] elas atuam como um canal
para as conversações imediatas mais ou menos públicas
entre os jornalistas participantes, usuários das notícias e
outros atores públicos associados a uma matéria, e ao fazerem isto, fornecem um novo espaço vital e visível para
trocas de opiniões relativas às notícias fora do controle
de qualquer organização noticiosa tradicional. (BRUNS,
2011, p. 131)
Diante das possibilidades e potencialidades da web 2.0
consideramos fundamental a mediação feita de maneira a acompanhar a repercussão dos fatos, através de uma interpretação
mais aprofundada dos dados da realidade. Essa mediação, por
sua vez, disponibiliza ao leitor ativo e usuário insumos necessários (numa perspectiva de pluralidade) para sua orientação no
mundo da vida.
JORNALISMO E CONVERGÊNCIA
238 |
Assim também considera o relatório produzido por Anderson, Bell e Shirky (2013) sobre o chamado “jornalismo pós-industrial”:
Acreditamos que o papel do jornalista – como porta-voz
da verdade, formador de opinião e intérprete – não pode
ser reduzido a uma peça substituível para outro sistema
social; jornalistas não são meros narradores de fatos. Precisamos, hoje e num futuro próximo, de um exército de
proissionais que se dedique em tempo integral a relatar
fatos que alguém, em algum lugar, não deseja ver divulgados, e que não se limite apenas a tornar disponível a
informação (mercadoria pela qual somos hoje inundados), mas que contextualize a informação de modo que
chegue ao público e nele repercuta. (ANDERSON; BELL;
SHIRKY, 2013, p. 33)
Na paráfrase do pensamento de Lord Northclife (divulgar
aquilo que alguém não deseja), os autores destacam que o jornalismo deve se voltar ao seu papel essencial da chamada hard
news, accountalibity journalism ou “núcleo duro da notícia” – elementos que diferenciam o jornalismo de uma atividade comercial qualquer, em que os fatos importantes são aqueles capazes
de mudar os rumos da sociedade. (ANDERSON; BELL; SHIRKY,
2013, p. 33).
O relatório destaca ainda que o público “é o grupo de consumidores ou cidadãos que tem interesse em forças que exercem
inluência sobre sua vida e que busca alguém para monitorar tais
forças e mantê-lo informado, para que possa agir com base nessa
informação”. (ANDERSON; BELL; SHIRKY, 2013, p. 39).
Na relação entre jornalistas e público, não se trata de
uma substituição de um pelo outro, mas um “deslocamento”. O jornalista foi deslocado para um lugar de
JORNALISMO E INTERATIVIDADE
| 239
maior destaque na cadeia editorial, realizando interpretações, dando sentido à enxurrada de produtos simbólicos
elaborados pelo público. (ANDERSON; BELL; SHIRKY,
2013, p. 43)
Ancorados nessas relexões sobre as transformações que
apontam para os desaios contemporâneos do fazer jornalístico,
tomamos por base as manifestações dos leitores dos diários impressos Jornal da Manhã (JM) e Diário dos Campos (DC), ambos da cidade de Ponta Grossa/PR, a im de identiicar as formas
como se materializam o diálogo entre leitores e jornalistas dos
veículos. A ideia é problematizar, no âmbito da construção de um
debate público midiatizado, os elementos que destacam a preocupação enquanto silenciamentos ou lacunas nesse processo. Ou
seja, demonstrar as articulações entre usuários e jornalistas nessa
nova ambiência.
As relexões serão apresentadas de forma a compreender
as distinções e aproximações entre as práticas dos dois veículos
no formato de tópicos de análise dos canais e formas de interatividade: a) manifestações via impresso; b) manifestações via site e
c) perspectivas e lacunas.
2 Canais e formas de interatividade
Para reletir sobre as interações, buscamos em ambos os jornais
– JM e DC – demonstrar as aproximações enunciativas, construindo amostra que compreenda as manifestações do período
entre os dias 1º e 17 de junho de 2013 – tanto das participações
registradas no impresso quanto nas plataformas dos sites desses
veículos. Nesse sentido, o estudo aponta dois espaços distintos
circunscritos no mesmo veículo, através dos quais o leitor pode
JORNALISMO E CONVERGÊNCIA
240 |
interagir: impresso (espaço ou página do leitor) e on-line (comentários das matérias).
O comparativo das manifestações via impresso se revelaram possível entre os dois veículos por apresentarem elementos
similares, como espaço do leitor, comentários, identiicação dos
canais, matérias comentadas, entre outros. No caso dos comentários via site não é possível uma análise comparativa direta, apenas
descritiva de suas características. Essas características distintas
entre os veículos (e suas práticas na plataforma digital) acabam
por fornecer caminhos distintos, tanto para o acesso dos leitores
e usuários como para a análise de pesquisadores.
Enquanto o JM disponibiliza a opção “comentários” e ao
clicar é possível visualizar cronologicamente todas as manifestações; o DC não reúne esses comentários num espaço único e comum. Ou seja, para visualizar os comentários feitos por leitores
do DC no site, é preciso buscar por matérias.
Identiicadas essas possibilidades, o caminho escolhido é
analisar as interações em conjunto a ponto de identiicar como se
dá a percepção dos jornais quanto aos espaços distintos, mas interligados pela sua proposta central (de interação com o público).
3 Manifestações do impresso
No esforço de elaborar um quadro analítico e comparativo entre as manifestações dos leitores nos dois veículos em suas plataformas do impresso, identiicamos diferentes canais através
dos quais os comentários são enviados. O quadro a seguir traz
os canais que se apresentam pelas redes sociais – Twitter e Facebook – ou por e-mail. No caso do DC, existem comentários que
JORNALISMO E INTERATIVIDADE
| 241
não trazem, junto da sua assinatura, a forma pela qual o leitor
enviou o comentário. Nesse caso, decidimos por nomear como
“não identiicado”.
O fato de o Twitter aparecer apenas no JM, enquanto que
no DC um dos canais também não esteja identiicado, não compromete a análise a que nos propomos neste estudo.
Tabela 1: Amostra de comentários via impresso JM e DC
JM
Data
DC
E-mail
Facebook
Twitter
E-mail
Facebook
Não
identiicado
2
2
4
1
4
-
02 e 03/06
1
2
3
2
3
-
04/06
2
2
4
1
4
-
05/06
2
2
4
1
4
1
06/06
1
2
5
3
2
1
07/06
2
2
4
-
4
1
08/06
2
1
3
-
4
-
09 e 10/06
2
2
4
1
2
-
11/06
1
1
5
1
4
-
12/06
1
2
4
-
6
-
13/06
1
1
3
-
5
-
14/06
2
1
4
1
3
1
15/06
3
2
4
1
2
1
16 e 17/06
2
1
3
1
2
-
Por canal
24
23
54
13
49
5
1º/06
Total de comentários
101
67
Considerando que o conjunto de manifestações e comentários publicados nas plataformas impressas de ambos os veículos
resultam de um processo interno de seleção e iltragem de um
JORNALISMO E CONVERGÊNCIA
242 |
volume que não está explícito e decisões que também não estão
disponíveis, os números não revelam necessariamente por quais
canais os leitores/usuários se manifestaram efetivamente em
maior número. Os números (da Tabela 1) revelam um conjunto
que pode ser analisado a partir daquilo que é dado a conhecer, ou
seja, publicado após o critério da iltragem. Não temos, portanto,
acesso aos comentários descartados.
Nesse sentido, os números que aparecem são: no JM, o total de comentários para ese período da amostra (1º a 17 de junho
de 2013) é de 101; enquanto o DC registrou 67. Pelo Twitter, canal
que apenas o JM utiliza, somaram 54 comentários; através do Facebook, o JM publicou 23 comentários, enquanto o DC registrou
49. Por e-mail, o JM trouxe 24 manifestações, e o DC registrou 13.
Cinco manifestações do DC não descrevem o canal, classiicado
para esse estudo como “não identiicado”.
Nesse caso, a hipótese é que sejam enviados por telefone
ou pessoalmente ao editor ou aos repórteres, mas somente uma
pesquisa sobre as decisões internas poderia conirmar.
Leitor DC
As manifestações dos leitores são publicadas na plataforma do
impresso numa coluna lateral direita da página 2 do jornal identiicada com o “Leitor”. No período que compreende essa amostra
(primeira quinzena de junho/2013), foram publicados 67 comentários. A identiicação dos autores aparece de diferentes maneiras: nome completo, nome completo e endereço do Facebook, ou
apenas o e-mail. Não é possível identiicar o canal de acesso de
JORNALISMO E INTERATIVIDADE
| 243
todos os comentários, como é o caso daqueles assinados apenas
com o nome.
Identiicamos também na amostra que um dos autores
manifestou-se por cinco vezes durante o período de 15 dias.
Leitor JM
O espaço reservado às manifestações dos leitores está localizado no canto inferior direito, da página 2 do jornal, com o título
“Leitor JM”. Durante a primeira quinzena do mês de junho, três
leitores tiveram seus comentários publicados por mais de uma
vez. Desse conjunto de manifestações do impresso, os nomes de
autores que se manifestam por e-mail aparecem em sua maioria
com sobrenome (16 do total de 21), diferente dos comentários no
site, dos quais apenas um leitor assina por completo.
Nas manifestações via Facebook, os comentários do autor
Alnary Rocha se repetiram nos dias 10 e 12 de junho. As manifestações via Twitter somaram 54. É o volume maior, porém
em comentários breves, como deinem as especiicidades dessa
rede social. O que chama atenção é a presença de atores da esfera
política – a presidenta Dilma Roussef (5 de junho), o deputado
estadual Péricles de Mello (7 de junho), o deputado federal Luiz
Carlos Hauly (16 de junho) e o governador do Paraná, Beto Richa
(12 de junho).
Nesse aspecto, dessas pessoas públicas, que gozam de uma
visibilidade midiática privilegiada, seriam legítimos leitores do
JM? O jornal não deixa claro quais os critérios para que essas
manifestações estejam publicadas num lugar onde, via de regra,
está destinado ao cidadão comum, numa perspectiva de interatividade e crítica.
JORNALISMO E CONVERGÊNCIA
244 |
• Manifestações via site
Nessa categoria de análise, o comparativo não se estabelece de forma direta, tendo em vista, como já mencionadas, as
características de cada site em sua organização e apresentação dos
comentários enviados pelos leitores. Segue, portanto, uma descrição individual que demonstra tanto variáveis que facilitam ou diicultam – seja para leitores, um coletivo de leitores ou pesquisadores – a leitura, acompanhar os desdobramentos e/ou repercutir
e interferir no debate, aqui considerado público e midiatizado.
Outra possibilidade de acesso às manifestações dos usuários em ambos os sites diz respeito ao mecanismo de busca por
matérias mais comentadas. Na página principal do DC, existem
as opções “Mais lidas” e “Mais comentadas”. Na primeira opção,
aparece uma lista de cinco matérias, enquanto na segunda não
aparece nenhuma indicação. Uma observação sistemática durante o período da análise aponta para uma lacuna (espaço em
branco), a qual deixa o cidadão sem a informação que o veículo
disponibiliza como opção de consulta ou mesmo enquanto uma
oferta de caminho que aponta para o interesse dos leitores de maneira geral. Não é possível airmar se isso se dá em virtude de uma
falha técnica ou por uma decisão do editor.
No JM, a duas opções (mais lidas e mais comentadas) também estão disponíveis na página inicial, porém, ao clicar na “Mais
comentada” o link direciona para a matéria que aparece sem nenhum comentário. Da mesma forma, não podemos precisar se é
uma falha técnica ou se a manifestação do leitor aguarda por eventuais iltragens internas que efetivem a publicação. É fato que o cidadão não tem a informação conforme “prometem” os veículos.
JORNALISMO E INTERATIVIDADE
| 245
Site: jmnews.com.br
A amostra de comentários publicados no site do JM no período
entre 1º e 17 de junho apresenta um conjunto de 46 manifestações. Nesse espaço, o leitor/usuário pode enviar seu comentário,
mediante cadastro prévio com senha e “login de usuário”, ao inal
de cada matéria. O jornal deine da seguinte forma essa possibilidade de participação do público:
Este é um espaço de diálogo e troca de conhecimentos
que estimula a diversidade e a pluralidade de idéias e de
pontos de vista. Não serão publicados comentários com
xingamentos e ofensas ou que incitem a intolerância ou o
crime. Os comentários devem ser pertinentes ao tema da
matéria e aos debates que naturalmente surgirem e seus
autores obrigatoriamente deverão se identiicar com o
nome completo e endereço de e-mail. Mensagens que não
atendam a essas normas serão deletadas. [Grifo nosso].
Destacamos que algumas matérias direcionam (estrategicamente) o leitor para o impresso, disponibilizando apenas o lead
seguido da mensagem: “Leia a matéria na íntegra no JM impresso”. Não podemos, nem é o objetivo deste estudo, airmar se esse
recurso se demonstra eicaz, porém apontamos como uma das
lacunas na construção do debate público midiatizado. Afinal,
qual é a condição de informação que o veículo oferta para que
o cidadão/leitor possa manifestar sua opinião? Como pensar
a possibilidade de um diálogo e de trocas pautadas na pluralidade e diversidade de pontos de vista? Vale ressaltar que esse
recurso revela não ser impeditivo de tal participação, visto
que, mesmo em matérias que não estão publicadas na íntegra
renderam comentários.
JORNALISMO E CONVERGÊNCIA
246 |
Do conjunto de manifestações, a matéria mais comentada
– “Grandes sonegadores tiram mais de R$ 195 milhões dos cofres de PG” – mobilizou, no período da amostra, a publicação de
cinco comentários (sendo um deles ao editorial). A segunda mais
comentada foi “Câmara de PG vota amanhã projeto que reduz vereadores” – com quatro manifestações, seguida das matérias “Ana
não será julgada por suposto sequestro”; “Mulher de vereador é
indiciada pela PF por forjar laudos de obras” e “Docentes vão à
Câmara debater projeto de Aliel” – todas com três comentários.
Desse movimento, pode-se considerar que a opinião pública esteja com força de interesse e debate mais fortemente nos
três temas. No entanto, é preciso reconhecer que a “resposta” do
público está condicionada às ofertas postas em circulação, seus
destaques, enquadramentos, peril do público que consome o
produto. Outro fator a ser ponderado é o dado desconhecido de
comentários que não passaram pelo iltro (controle) do editor e
foram descartados.
Outro indicador possível de ser veriicado na amostra é do
autor que mais se manifestou: “jks”, com dez comentários (em sua
maioria de crítica). Compreende que a “crítica”, nessa análise, está
em manifestações que questionam, apontam outras perspectivas,
sinalizam desacordo, desaprovação ou dúvidas quanto ao assunto
abordado na matéria. Os outros leitores que aparecem são: Sergio
(cinco comentários); Luis Carlos Schmitke (quatro comentários)
e Ernesto (três comentários).
Dos comentários, apenas dois fazem críticas quanto aos
dados apresentados na matéria “Grandes sonegadores tiram mais
de R$ 195 milhões dos cofres de PG”: Ricieri e Sergio, ambos no
dia 04 de junho. Um leitor apenas critica o jornal por não publicar o seu comentário: “Viu como não existe imparcialidade neste
jornal, onde foi parar meu comentário?” (Menevaldo, em 14 de
JORNALISMO E INTERATIVIDADE
| 247
junho – mantido sem correção ortográica no site). Outro leitor,
Jeverson, critica diretamente o editorial “Realidades diferentes”,
publicado em 15 de junho:
Primeiro que discordo do ponto de vista do editorial,
pois não acho que o Paraná dá exemplo. Enfrentamos
muitos problemas aqui com transporte coletivo também.
Segundo, gostaria que alguém me explicasse o por que
da diferenciação de preço entre quem tem cartão e quem
não tem. Se o Governo do Estado isentou o imposto, esse
benefício não deveria ser passado a todos que utilizam o
transporte? por um acaso a empresa não estará lucrando
esse R$ 0,10 que estará cobrando a mais de quem não usa
cartão? Isso é legal?
O leitor Luis Fernando critica em um comentário bastante
longo – diferente dos demais – o artigo da coluna “Conselho da
Comunidade”, de autoria de Adriana Diniz, intitulado “Prejuízos
à educação”, publicado no dia 12 de junho.
Qual será a literatura que a articulista consultou para
chegar a essas conclusões? Não sei que literatura poderia ter-lhe dado a informação incorreta de que a Suprema
Corte norte americana proibiu as cotas, ainda mais pelas
razões que apresenta. O tema ainda está em discussão, e
se discute, entre outros temas, o fato de que já haveria
uma classe média negra forte nos Estados Unidos, além
do fato de que os brancos estão deixando a condição de
maioria e, portanto, tais políticas já poderiam ser dispensadas.[...] O debate sobre a política de cotas precisa acontecer, certamente. Todas as opiniões são bem-vindas, mas
só podemos considerar as que tenham fundamentação
sólida e rigorosa. (Luis Fernando, em 17 de junho, apenas
trecho da manifestação).
JORNALISMO E CONVERGÊNCIA
248 |
Quanto ao volume (publicado), no dia 17 de junho, foram
registrados 11 comentários; no dia 3, apenas um; e nos demais,
o número variou entre três e cinco manifestações. Vale ressaltar
que esses números correspondem aos comentários que passaram
pelo iltro (controle) do jornal.
Site: www.diariodoscampos.com.br
Figura 2: Comentários DC on-line
Figura 2: Comentários DC on-line
Diferente do JM, o DC abre outros canais para que o leitor/
usuário possa encaminhar seus comentários. A Figura 2 ilustra
como se apresentam na sequência das matérias os campos para
envio, bem como os comentários de outros leitores. Essa forma
de interatividade tanto amplia os canais como sinaliza para uma
possibilidade de contato entre leitor e jornal ou leitor e leitor mais
JORNALISMO E INTERATIVIDADE
| 249
direta e imediata. Outra particularidade é da possibilidade de
identiicar o autor pelo seu peril na rede social (Facebook).
Para a proposta deste estudo, não é possível reunir e precisar o número de comentários enviados, tendo em vista que o
DC não organiza os comentários num espaço de convergência. É
preciso buscar em cada matéria os comentários postados, o que
não seria viável nesta pesquisa.
• Perspectivas e lacunas
Esta análise está embasada apenas em dados publicados
das manifestações, tanto no impresso quanto no formato on-line
do JM e, portanto, pode apenas apontar para os fenômenos vistos
pela perspectiva externa. Desse modo, é possível elaborar alguns
questionamentos provocados diante dos canais e interfaces que
formatam os espaços de interação entre leitor e jornal.
Não estão claros pontos importantes no espaço que se propõe ser de diálogo ou debate público, por exemplo, quem recebe e
seleciona o material enviado pelos leitores. Outra questão diz respeito aos critérios que deinem tal escolha, bem como quanto aos
mecanismos adotados para garantir minimamente uma conversação pública sobre assuntos de interesse geral. Da mesma forma,
não sabemos como são selecionadas as manifestações publicadas
no impresso oriundas das redes sociais (Facebook e Twitter). Quais
critérios deinem os atores que participam do espaço do leitor? E os
comentários que eventualmente não passam pelo iltro (controle)
do jornal? São arquivados ou descartados de imediato?
Esses questionamentos se traduzem em inquietudes que
despertam durante uma pesquisa breve e sinalizam para possíveis abordagens de projetos que pretendam avançar em fôlego
nessa investigação.
JORNALISMO E CONVERGÊNCIA
250 |
Para compreender os processos de seleção das notícias
(e nesse sentido na seleção de insumos enviados pelos leitores)
Shoemaker e Vos (2011) consideram que a teoria do gatekeeping
é ainda útil para estudos de comunicação de massa no século
21, contrariando outros que a consideram “uma teoria morta”.
(SHOEMAKER; VOS, 2011, p. 181).
Os autores chamam atenção para a importância da interatividade e para os desaios que se apresentam para as novas ambiências nesse cenário contemporâneo do jornalismo:
[...] O desaio para os pesquisadores é pensar criativamente em uma maneira de aplicar a teoria em um mundo
de mudança, e em uma forma de adaptar a metodologia
de pesquisa de modo que ela acompanhe as transformações. Faz pouco sentido estudar um contexto midiático
em mudança usando métodos desenvolvidos para o estudo de jornais impressos, em uma era anterior ao computador. (SHOEMAKER; VOS, 2011, p. 181)
Esse estudo demonstra algumas das diiculdades em comparar ou mesmo compreender em conjunto as manifestações dos
leitores no site e no impresso. Isso se conirma em virtude da interação – leitor e jornal – se apresentar em diferentes espaços,
temporalidades e formatos. Somam-se a esses fenômenos manifestações que são importadas de outros espaços (como é o caso
de comentários via Twitter que o jornal “seleciona” e publica em
sua plataforma impressa). Esses “movimentos do leitor” em diferentes espaços merecem atenção no esforço de compreender suas
lógicas e suas ofertas no processo de circulação e ressigniicação
das notícias. Tais fenômenos de interação, em diferentes espaços,
temporalidades e lógicas constituem (indiretamente e em conjunto com outros meios de comunicação e esferas de debate) o
JORNALISMO E INTERATIVIDADE
| 251
debate público midiatizado no âmbito da cidade, como é o caso
do JM e do DC.
As esferas de debate público são fundamentais para processos de decisões democráticas nas mais diversas áreas e temas.
Maia (2006) aponta que os meios de comunicação “tornam públicas” as ações do campo político e, ao fazer isso, “constrangem os
representantes políticos ou as autoridades públicas a responder e
explicar suas ações”. (MAIA, 2006, p. 21).
[...] Há boas evidências de que o debate público, conduzido através dos meios de comunicação, auxilia a mudar o
contexto do próprio debate e o modo como os representantes referem-se a interpretações de problemas feitos pelos cidadãos e indicam ações para a solução de conlitos.
Quando os debates são desenvolvidos em uma base plural, torna-se claro que nenhum agente especíico possui
todas as informações e que ninguém possui de antemão a
solução correta. (MAIA, 2006, p. 21)
Essa seria a via crítica do jornal e da interação do público –
numa construção integral que faz do jornalismo uma instituição
essencial para pensar as democracias modernas, suas complexidades, tensões, disputas e demandas.
Luiz Martins da Silva aponta que o mundo após o advento da internet e dos meios de difusão on-line está “reticularizado
de informações” e que existe hoje uma “hipertroia da esfera informacional”. Segundo o autor, “há informação demais”. (SILVA,
2007, p. 99). Para Silva, a mídia representa o “campo intermediador de sentidos e, portanto, de intersubjetividade”. (2007, p. 97).
As considerações de Silva na temática que envolve sociedade, esfera pública e agendamento reforçam que existem
movimentos complexos e que a sociedade civil (na noção de
contra-agendamento do autor) reage e utiliza de estratégias para
JORNALISMO E CONVERGÊNCIA
252 |
pautar a mídia. No caso do jornalismo, essa perspectiva corrobora para pensar a complexidade do cenário no século 21 – diante do poder (historicamente consolidado das organizações e em
emergência das audiências) da informação na construção do debate público e na formação da opinião pública.
[...] a Sociedade Civil encaminha os seus temas para uma
agenda plural, difusa e de maneira a obter gratuitamente a
inclusão de suas “sugestões”. Enquanto os governos reservam a si o direito de orçar recursos do Tesouro – e, portanto,
públicos – para arcar com uma agenda também diversiicada de temas, a sociedade (por meio de organizações e movimentos), enxerga nesse espaço público que é a mídia um
epicentro de ressonâncias, seja em matéria de tematização,
seja em forma de retorno mais esperado: as adesões a uma
causa, a participação a um movimento. (SILVA, 2007, p. 97)
A consideração do autor sobre a mídia como “epicentro de
ressonâncias” revela uma perspectiva fundamental para a democracia. Dessa forma, é que jornalistas e público passam a colonizar um espaço de ações distintas, mas que cada vez mais se revela
diferente do modelo vertical de comunicação. Essa perspectiva é
cara tanto para a prática quanto para os estudos da seara acadêmica, que, em tempos de crise, pode (e deve) identiicar lacunas
ao mesmo tempo que identiica também as oportunidades.
4 Considerações
Esta breve relexão indica alguns importantes elementos que
constituem a prática jornalística no cenário local e regional de
empresas jornalísticas de pequeno porte (comparadas com as organizações que atendem ao mercado dos grandes centros). Oferece uma compreensão de como as empresas estão percebendo (ou
JORNALISMO E INTERATIVIDADE
| 253
subestimando) o usuário ativo que se manifesta “para” e “com o
jornal”, nos diversos canais disponíveis dentro ou fora da estrutura desses veículos.
Um estudo sistematizado e de fôlego pode apontar conclusões mais aprofundadas e gerar dados mais consistentes, enquanto essas observações podem oferecer pistas e indicadores para
empreendimentos cientíicos e pesquisas futuras.
Outra problemática identiicada é quanto às pesquisas
cujos esforços estão em estabelecer comparativos entre os movimentos e a interatividade dos leitores em dois ou mais veículos.
Conforme identiicado neste estudo, existem caminhos distintos
tanto para a manifestação do leitor quanto para leitura e localização dessas manifestações.
Assim, é possível airmar que o cenário de crise, com todas
as angústias e incertezas, pode revelar campo fértil para reairmar, inclusive, a legitimidade de uma proissão essencial como é
o jornalismo – enquanto mediação das complexidades cotidianas
que devem ser compreendidas, discutidas e negociadas num debate plural, público e democrático.
Referências
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real: novos desaios para o jornalismo. Brazilian Journalism Reserch, v. 7, n. 2, p. 119-140, 2011.
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notícia ou simples apelo comercial. Revista Estudos em Comunicação, v. 1, n. 7, p. 125-156, 2010. Disponível em: <http://www.
JORNALISMO E CONVERGÊNCIA
254 |
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pdf>. Acesso em: 28 jun. 2013.
DIÁRIO DOS CAMPOS. Disponível em: <http://www.diariodoscampos.com.br>. Acesso em: 28 jun. 2013.
JORNAL DA MANHÃ. Disponível em: <http://www.jmnews.
com.br>. Acesso em: 28 jun. 2013.
MAIA, R. C. M. Mídia e diferentes dimensões da Accountability.
E-Compós, Revista da Associação Nacional dos Programas de
Pós-Graduação em Comunicação, Brasília, v. 7, dez 2006. Disponível em: <http://compos.org.br/seer/index.php/e-compos/
article/view/113/112>. Acesso em: 21 jun. 2013.
PRIMO, A. O aspecto relacional das interações na Web 2.0. In:
ANTOUN, H. (Org.). Participação e vigilância na era da comunicação distribuída. Rio de Janeiro: Mauad X, 2008. p. 101-122.
SHOEMAKER, P.; VOS, T. Teoria do gatekeeping: seleção e
construção da notícia. Porto Alegre: Penso, 2011.
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C.; BENETTI, M. (Org.). Metodologia de pesquisa em jornalismo. Petrópolis, RJ: Vozes, 2007. p. 84-104.
JORNALISMO E INTERATIVIDADE
| 255
CONVERGÊNCIA E MULTIMIDIALIDADE:
desafios da Agência Estadual de
Notícias do Paraná na plataforma web
Hebe Maria Gonçalves de Oliveira1
Marcio Ronaldo Santos Fernandes2
1 Introdução
Decorridas quase duas décadas do advento da chamada Era Digital no Brasil (tomando como base o ano de 1995), o sonho da
convergência ampla no jornalismo factual está cada vez mais onipresente como... sonho. É inegável que a disponibilização de conteúdos na web em diversos formatos (textos, áudios, vídeos) tem
proporcionado facilidades ao leitor/usuário, mas os ganhos, na
prática, parecem ter sido em maior escala para quem produz os
1
Professora do PPG em Jornalismo e do Departamento de Jornalismo da Universidade Estadual de Ponta Grossa (UEPG-PR).
E-mail: hebegoncalves@hotmail.com.
2
Professor do Departamento de Comunicação Social da Universidade do Centro-oeste (Unicentro – PR). E-mail: marciorf@globo.com
| 257
conteúdos – e não para quem os consome. Ainal, a ambicionada
interatividade continua sendo uma falácia no jornalismo diário.
No universo do entretenimento, o cenário pode ser considerado um tanto distinto. No hardnews, não. Ler/ouvir/ver uma
notícia e, quando muito, postar um comentário aleatório – cujo
teor acaba se perdendo em um emaranhado de outras ponderações de usuários –, é pouco diante de tantas projeções que se
avizinhavam no inal dos anos 1990. A convergência, portanto,
tende a ser uma utopia no jornalismo e uma cristalização no universo diversional, a julgar pelos preceitos dispostos por Henry
Jenkins (2009). Basta assistirLost, a surreal série televisiva americana que tomou de avalanche os primeiros anos do século 21.
O presente capítulo apresenta características da convergência digital a partir de um campo de atuação do jornalismo
– as assessorias de comunicação e de imprensa dos governos estaduais, no caso especíico, a Agência Estadual de Notícias (AEN),
vinculada Governo do Paraná. A partir da plataforma on-line da
Agência (www.aenoticias.pr.gov.br), discorre-se sobre sua eicácia enquanto ferramenta comunicacional, contribuindo não somente para a projeção de uma imagem da gestão pública, mas,
em especial, inluenciando enormemente o fazer jornalístico no
interior do Estado, na medida em que os conteúdos são reproduzidos ipsis litteris em muitas situações, sem que o consumidor
dessas informações possa interagir em um nível ao menos semelhante, no sentido de concordar/discordar/complementar/perguntar com propriedade. Quem de nós, ainal, já não se deparou
com um texto veiculado em algum jornal do interior paranaense
que tenha sido simplesmente reproduzido da AEN, passando do
texto em questão para outro, na página seguinte, tendo assimilado profundamente a visão de mundo ali contida?
JORNALISMO E CONVERGÊNCIA
258 |
2 Convergência e multimidialidade
Já nos primeiros anos do século 21, quando a internet se consolidava como novo ambiente de comunicação, Marcos Palacios
(2003, p. 3) antecipava que as características da web, como “interatividade, multimidialidade, hipertextualidade, instantaneidade,
atualização contínua, memória e personalização – podem ser encontradas em suportes jornalísticos anteriores, como o impresso,
o rádio, a TV, o CD-Rom”. Nesse sentido, toma-se como base o
argumento de Palacios (2003, p. 4):
Para se tornar exemplo extremo de Continuidade, a Hipertextualidade pode ser encontrada, avant-la-léttre,
num artefato tão antigo quanto uma Enciclopédia. No
entanto, obviamente, na internet e no Jornalismo Online
há uma potencialização dessas características. Um outro
exemplo: a Personalização já é praticada nos meios impressos (através da criação de suplementos especializados, dirigidos a públicos-alvos especíicos) e no Rádio e
TV (através da especialização das grades de programação
e dos horários de emissão). Na internet há uma clara Potencialização da Personalização, pois ela volta-se agora
para indivíduos e não para públicos segmentados.
Palacios (2003) defende a ideia da internet não como medium, pois se concebida sob essa perspectiva “estabelece a imagem de um sistema comunicacional comparável a outros sistemas
comunicacionais”, centrados na comunicação de massa, de caráter massivo, regido pelas lógicas da oferta e da procura. O autor defende ainda que a internet “não pode ser concebida apenas
como suporte, como meio instrumental para o estabelecimento
de ligações entre os actores”(2003, p. 7), mas, sim, como o que
denomina de “rede híbrida”:
CONVERGÊNCIA E MULTIMIDIALIDADE
| 259
a internet, no contexto do Ciberespaço, é melhor caracterizada não como um novo medium, mas sim como
um sistema que funciona como ambiente de informação, comunicação e ação múltiplo e heterogêneo para
outros sistemas. Sua especialidade sistêmica seria a de
constituir-se, para além de sua existência enquanto artefato técnico ou suporte, pela junção e/ou justaposição de
diversos (sub)sistemas, no conjunto do Ciberespaço enquanto rede híbrida. [grifo no original]
Nessa concepção, Palácios (2003, p. 8) avança:
Portanto, ao mesmo tempo em que funciona como um
sistema (ou sub-sistema) na rede híbrida, a internet, em
seu conjunto, funciona também como ambiente compartilhado (de comunicação, informação e ação) para uma
multiplicidade de outros (sub)sistemas sociais e também,
evidentemente, para agentes cognitivos (humanos).
Enquanto ambiente de informação, comunicação e ação
múltiplo e heterogêneo, e em função dessa multiplicidade
e heterogeneidade, a internet possibilita a co-existência,
lado a lado, de ambientes informacionais stricto senso
(banco de dados dos mais variados tipos), jornalísticos
(jornais online, rádio online, agências de notícias, etc),
educacionais (cursos à distância, listas de discussão especializadas, simulações educativas, bibliotecas), de interação e comunicação (chats, fóruns, correio eletrônico), de
lazer e cultura (jogos online, museus), de serviços (bancos, sites para declaração de impostos online), comerciais, de trabalho, etc., etc.
Se, ainda conforme Palacios (2003), a especiicidade da
internet reside em sua capacidade e potencialidade como rede
híbrida, que possibilita a coexistência de diversos ambientes
informacionais múltiplos e heterogêneos, pode-se acrescentar
JORNALISMO E CONVERGÊNCIA
260 |
aí a convergência como uma característica a somar a essa nova
ambiência. Segundo Gracie Lawson-Borders (apud CORRêA;
CORRêA, 2007), convergência consiste em “um conjunto de possibilidades decorrentes da cooperação entre meios impressos e
eletrônicos na distribuição de conteúdos multimídia por meio do
uso de computadores e da internet”. Elizabeth Corrêa e Hamilton
Corrêa (2007) destacam que “computadores e a rede são fontes
agregadoras de conteúdos gerados por diferentes meios, a exemplo
do rádio, da TV e dos meios impressos; e distribuídos em diferentes plataformas como conexões sem io, cabos e satélites”. Assim,
segundo osautores, “computadores e internet são os elementos determinantes, ou o espaço de coniguração da convergência”.
Luna e Silva Júnior (2009) também defendem que “a digitalização é responsável pela multimodalidade e convergência de
signos de outras mídias em uma narrativa harmoniosa e interpretável”. Ainda segundo esses autores: “A técnica da digitalização permite que conteúdos possam se recombinar em processos
textuais, que prezam pela convergência com possibilidades de
articulação de elementos semânticos, em uma estrutura textual”.
Para os demais meios de comunicação – impressos, rádio
e televisão –, espaço físico (tamanho centímetro quadrado e número de páginas impressas) e tempo (minutos e segundos, para o
rádio e a televisão) sempre foram tomados como uma limitação
técnica, o que conduz os proissionais do jornalismo às tomadas
de decisões e seleções de temas/assuntos a noticiar, seguindo critérios de veículos em todo mundo, como o sintetizado no célebre
slogan do he New York Times, “Allthenewsthat’sittoprint”, traduzido como“toda notícia que couber, publicamos”. Nas plataformas
impressas e eletrônicas, espaço físico e tempo também estão condicionados ao fator econômico, com as interferências do setor comercial pela prevalência de conteúdos publicitários nos espaços/
CONVERGÊNCIA E MULTIMIDIALIDADE
| 261
tempo reservados à notícia. Deve-se considerar também o quão
oneroso é para as empresas de comunicação tradicionais manter
suas próprios bases de dados, considerando recursos humanos e
materiais, como espaço físico e condições de armazenamento.
Das potencialidades da web como base de dados, podem
ser considerados, ainda, dois aspectos: a “ausência” de uma limitação física para publicação/veiculação, que possibilita a atualização (ou alimentação) constante e instantânea da postagem de
conteúdos, e a capacidade para armazenamento de dados. Sobre
esse segundo aspecto, J. B. Pinho (2003, p. 52) ressalta que o jornalismo na web “torna perene a notícia e constitui uma valiosa
ferramenta para pesquisa”. Pinho destaca que já foi constatado
pelo he New York Times que, entre seus conteúdos, o “mais
acessado é sempre o banco de notícias – em bom português, a
‘notícia de ontem’”.
Segundo Machado (2006, p. 16), base de dados pode ser
compreendida como “uma coleção de dados ou informações relacionados entre si, que representam aspectos de um conjunto de
objetos com signiicado próprio e que desejamos armazenar para
o futuro”. No webjornalismo, Machado (2006, p. 16) defende a
“base de dados, como uma forma cultural típica das sociedades
em redes”, que “assume ao menos três funções: 1) de formato para
estruturação da informação; 2) de suporte para modelos de narrativa multimídia; e 3) de memória dos conteúdos jornalísticos.
Dessas três funções da base de dados no webjornalismo,
este capítulo detém-se à terceira, ou seja, à memória dos conteúdos jornalísticos. Machado airma (2006, p. 25), “desde os anos
de 1980, a Base de Dados funciona como uma estrutura para armazenar notícias no organograma das organizações jornalísticas.
Um serviço a mais que oferecia aos usuários externos textos memorizados, artigos do próprio jornal ou de outras fontes”. Modelo
JORNALISMO E CONVERGÊNCIA
262 |
que, segundo o autor, subutiliza a potencialidade e a complexidade da base de dados da rede digital.
De acordo com Machado (2006, p. 28), “A manutenção da
lógica arquivística nas organizações jornalísticas digitais contraria as características da memória no ciberespaço porque mantém
um processo individual e centralizado da produção”. A crítica
do autor ao atual modelo de base de dados das organizações é
que este desconsidera a participação dos usuários no sistema de
produção e deixa de “reutilizar de forma instantânea os fundos
documentais armazenados”. Escreve o autor (2006, p. 27): “Como
o atual modelo de utilização da memória desconsidera as lógicas estruturantes do ciberespaço, os arquivos das organizações
jornalísticas são relegados a uma situação marginal na economia produtiva das empresas, seja no processo de produção dos
conteúdos, seja como espaço para testar formas diferenciadas
de captação de recursos”. Em contrapartida, defende que: “Para
cumprir com a nova função, toda organização jornalística deve
adotar a forma de uma Base de Dados complexa que sirva, […]
de estrutura para a organização de informações, de suporte para
composição de narrativas multimídia e, acima de tudo, permita a
atualização constante da memória armazenada”.
3 Agência Estadual de Notícias (AEN)
Este capítulo apresenta as características da convergência de
conteúdos observadas nas plataformas on-line das assessorias
de comunicação governamentais, nas instâncias estaduais. Neste
trabalho, interessa mostrar as características das atividades das
assessorias de comunicação governamentais que se apresentam
como agência de notícias, o que indica uma tendência do setor
CONVERGÊNCIA E MULTIMIDIALIDADE
| 263
nos últimos anos, diante das potencialidades e facilidades da internet como eicaz instrumento de comunicação.
No âmbito dos governos estaduais brasileiros, todas as assessorias de comunicação operam com a plataforma on-line para
a divulgação de conteúdos informativos (textos, áudio, vídeo e
fotos). Entre os 26 Estados da Federação e o Distrito Federal, dezassessorias de comunicação governamentais – Acre, Alagoas,
Amapá, Brasília, Maranhão, Minas Gerais, Pará, Paraná, Sergipe e Tocantins – trabalham também na modalidade agência de
notícia, com a produção de conteúdos (informação) disponibilizados de forma aberta na internet,prática entendida aqui como
uma tendência no setor das comunicações governamentais, seguindo a modalidade já existente no âmbito do Governo Federal
(Agência Brasil), do Legislativo Federal (Agência Câmara e
Agência Senado) e das Assembleias Legislativas Estaduais, como
nos sete Estados, Paraná, Rio Grande do Sul, Santa Catarina,
Ceará, Paraíba, Rondônia e São Paulo.
Na prática, as plataformas das agências de notícia das assessorias de comunicação dos governos estaduais se diferem em
estrutura interna e externa das dos sites governamentais. Enquanto estrutura interna, as agências de notícias se coniguram
como mais um órgão complementar à assessoria comunicação,
com estrutura própria (quadro de pessoal, espaço físico e aparato
tecnológico);enquantoestrutura externa, as agências de notícias
são plataformas on-line independentes do site governamental.
Pode-se dizer que, enquanto sites, têm a inalidade de proporcionar a comunicação mais ampla de âmbito do governo para com o
público em geral, o cidadão, incluindo a prestação de informações
sobre os serviços públicos. Já enquanto agências de notícias,ainda
se colocam como produtores de informações sobre as ações governamentais para o público em geral, por ser aberta na internet,
JORNALISMO E CONVERGÊNCIA
264 |
mas com o objetivo principal de fornecer conteúdos informativos
(texto, áudio, vídeo e foto) para os diversos veículos de comunicação (jornal impresso e on-line, rádio, televisão, revista etc.).
O que torna um eicaz instrumento de comunicação. Por
ser de conteúdo aberto na internet, interessa aos governantes a
comunicação não somente aos cidadãos residentes nos próprios
Estados, mas em diferentes regiões do País e em todo mundo,
pela amplitude da web, que possibilita o acesso à informação a
todos e em qualquer lugar. O conteúdo aberto das agências facilita também a atividade dos diversos veículos de comunicação,
em suas dinâmicas de produção e publicação/disponibilização
de informações. Estudos realizados na Universidade Estadual de
Ponta Grossa (UEPG) identiicam procedimentos das 27 assessorias de comunicação dos governos estaduais (incluindo o Distrito
Federal) na plataforma web, nas modalidades agências de notícias
(TELLES, 2012; OLIVEIRA, 2013) e sites (ALVES, 2012; OLIVEIRA,
2013). Embora as especiicidades da chamada internet 2.0 como
suporte para convergência dos meios, os estudos indicam que as
características multimidialidade, hipertextualidade e interatividade têm sido timidamente exploradas em suas potencialidades
pelas assessorias de comunicação dos governos estaduais, seja nas
modalidades sites ou agências de notícias. Deduz-se algo ainda
para o futuro, visto a predominância do texto, como principal
formato para apresentação de conteúdos noticiosos.
Pelo recorte empírico elaborado para este capítulo,
atém-se especiicamente à Agência de Estadual de Notícias. Ainda na UEPG, outros estudos (RIBAS; OLIVEIRA, 2009),
(RIBAS, 2010) e (DORNELLES; OLIVEIRA, 2013) indicam que
a proposta para criação da AEN surgiu na gestão do governador
ÁlvaroDias(1987-1990),mas foi consolidadanagestãodeseusucessorRobertoRequião(1991-1994). Em 2004, na segunda gestão do
CONVERGÊNCIA E MULTIMIDIALIDADE
| 265
governador Roberto Requião (2003-2006 e 2007-2010), passou a
operar na plataforma web. “No im do mandato de Álvaro Diassurge a ideia de se criar uma Agência onde a divulgação do material fosse centralizada. Em1987, este novo setor é nomeado como
Departamento Divulgação, um ano após é transformado para Secretariade Estado da Comunicação e, só em 2000, se conigura a
Agência Estadual de Notícias”. (RIBAS, 2010, p. 29).
Como eicaz instrumento de divulgação das ações do governo, estudos de Telles e Oliveira (2013) conirmam que, entre dezsites governamentais que se denominam agências de notícias dos Estados brasileiros – Acre, Alagoas, Amapá, Brasília, Maranhão, Minas
Gerais, Sergipe, Paraná, Pará e Tocantins –, 40% dos conteúdos são
de propaganda das ações do governo. Os outros 60% são de textos
com conteúdos noticiosos que correspondem ao caráter de comunicação pública, voltada à informação de interesse público. No caso
da Agência Estadual de Notícias do Paraná, a mesma pesquisa revela que 41% dos conteúdos remetem às ações do governo e 59% são
considerados de caráter jornalístico, conforme levantamento realizado nos primeiros 15 dias de março de 2013.
Já o estudo de Dornelles e Oliveira (2013) identiica a expressiva presença de conteúdos da Agência Estadual de Notícias
publicados nos periódicos da região dos Campos Gerais, Diário
dos Campos e Jornal da Manhã. Do levantamento realizado na
primeira quinzena de março de 2013, totalizando 12 edições, foram identiicados 26 conteúdos publicados no Diário dos Campos
e 18 no Jornal da Manhã considerados de origem da AEN, na
forma de release total (conteúdo integral de origem da agência),
release parcial (conteúdo parcial de origem da agência) e pauta do
dia (disponível de forma aberta pela agência na web), em comparação aos textos disponibilizados no próprio site do serviço noticioso governamental. No Diário dos Campos, os conteúdos da
JORNALISMO E CONVERGÊNCIA
266 |
AEN representaram 11% do material de Política; 11% em Cidades;
e 25% da editoria Geral. No Jornal da Manhã, 12,5% das matérias
publicadas na editoria Dinheiro; 7% em Política; e 9% em Cotidiano foram provenientes do serviço noticioso governamental.
4 Convergência de conteúdos e multimidialidade na
AEN
Ao observar a plataforma web da Agência de Notícias, identiica-se, nesse levantamento, que, enquanto serviço noticioso,
pela sua própria natureza, ainda ica a dever às potencialidades
da convergência digital. Segundo Silva e Ribeiro (2012), a “forma mais básica da convergência de conteúdos se manifesta quando uma notícia é publicada, sem modiicações, em dois ou mais
meios de um mesmo grupo. Uma interpretação mais avançada
da convergência de conteúdos corresponde à criação de uma linguagem jornalística derivada da combinação multimídia, ou seja,
composta por textos, som, imagens ixas e em movimento”.
Em se tratando de hipertextualidade, capacidade de desenhar redes de links ou interligações (entre textos, áudio, vídeo e
demais ambientes na rede), embora a AEN forneça conteúdos em
texto, áudio, fotos e vídeo, pode-se airmar que a hipertextualidade tem sido predominante entre texto e áudio e foto.
A plataforma da AEN, desenhada para conteúdos estanques, dispõe textos, áudios e vídeos, separados por seções e datas.
A hipertextualidade, como potencialidade, ainda se apresenta entre textos e áudios para um mesmo conteúdo do dia. Como exemplo, a notícia “Maior indústria de lâmpadas LED quer instalar indústria no PR”, postada em 11/10/2013, às 16h10min, em formato
texto é também produzida na modalidade áudio, disposto no link
CONVERGÊNCIA E MULTIMIDIALIDADE
| 267
no inal do texto com a indicação “Conira áudio desta notícia”. Na
chamada da notícia na home page, ainda se identiicam os ícones
indicativos para foto e áudio. Na modalidade áudio, observa-se
apenas a gravação oral do conteúdo, em sua íntegra, produzido
para formato texto, conforme transcrição literal, abaixo.
ABERTURA DO CONTEÚDO/MODALIDADE TEXTO: A empresa chinesa Shineraytek/Giotek quer implantar no Paraná a primeira fábrica de lâmpadas LED fora do
continente asiático. O projeto foi apresentado ao governador Beto Richa pelo presidente da Shineraytek/Giotek,
Richard Chang, e comitiva da empresa, durante encontro
no Palácio Iguaçu, nesta sexta-feira (11).
ABERTURA DO CONTEÚDO/MODALIDADE ÁUDIO: A empresa chinesa Shineraytek/Giotek quer implantar no Paraná a primeira fábrica de lâmpadas LED
fora do continente asiático. O projeto foi apresentado ao
governador Beto Richa pelo presidente da indústria, Richard Chang, e uma comitiva da empresa, durante um encontro no Palácio Iguaçu, em Curitiba, nesta sexta-feira.
É importantedestacar, ainda, a íntegra dos conteúdos entre
as duas modalidades também já dispostas na própria plataforma.
Isso porque, ao clicar no link para o áudio, abre-se nova página,
composta pelo áudio e pela transcrição do conteúdo, em sua literalidade, embora em diferente coniguração. O curioso é que texto e
áudio seguem a mesma estrutura, com pouca alteração pela edição
na ordem da apresentação das informações de um mesmo conteúdo. Da mesma notícia apresentada anteriormente, destacam-se a
referência às duas fontes presentes na modalidade texto:
REFERÊNCIA FONTE/MODALIDADE TEXTO: O governador esteve na China em dezembro de 2011, quando
JORNALISMO E CONVERGÊNCIA
268 |
apresentou ao empresário a política de atração de investimentos e o programa de ampliação da infraestrutura e
logística do Estado. Na ocasião, Richa conheceu a linha
de produção da empresa.
As negociações para a instalação da fábrica no Paraná
iniciaram naquela ocasião. “A viagem dessa comitiva incluiu também a França, onde garantimos investimentos da
Renault e da Limagrain”, disse Beto Richa. O governador
airmou que o Estado retomou sua posição na agenda de
investidores com a criação do Paraná Competitivo, que
agrega benefícios iscais e investimentos em infraestrutura.
Richa disse que outros fatores também contribuem para
a atração de investimentos ao Estado, entre eles a mão de
obra qualiicada e a boa infraestrutura de portos, aeroportos e estradas. Ele lembrou que o Estado já assegurou investimentos de R$ 25 bilhões e a criação de 150 mil empregos.
SONORA FONTE/MODALIDADE ÁUDIO: Segundo
Richard Chang, presidente da empresa, existe a vontade
de se instalar no Brasil e a posição estratégica do Paraná
no Mercosul é muito favorável. Ele explicou que a comitiva
visita o Estado para conhecer melhor as características e
retribuir a visita do governador Beto Richa à China, em
dezembro de 2011. Ele apresentou ao empresário chinês a
política de atração de investimentos e o programa de ampliação da infraestrutura e logística do Estado. Na ocasião,
Beto Richa também conheceu a linha de produção da empresa. O governador airmou que o Estado retomou a posição na agenda de investidores com a criação do Paraná
Competitivo, que agrega benefícios iscais e investimentos
em infraestrutura.// SONRA BETO RICHA// O governador ressaltou ainda que o Estado já assegurou investimentos de 25 bilhões de reais pelo Paraná Competitivo.
O que pode ser conferido em todas as postagens do serviço noticioso. Para exemplo das características mostradas
CONVERGÊNCIA E MULTIMIDIALIDADE
| 269
anteriormente, apresenta-se a transcrição do conteúdo postado em 9/10/2013, às 17h40min, “Richa vistoria duplicação da
PR-455, uma das maiores obras do Estado”:
ABERTURA DO CONTEÚDO/MODALIDADE TEXTO: O governador Beto Richa vistoriou nesta quarta-feira (9) as obras de duplicação da PR-445, entre Londrina
e Cambé, no Norte do Estado. A duplicação do trecho
recebe investimento de R$ 95 milhões, com recursos do
Governo do Estado. Nesta semana, foram completados
45% dos trabalhos nos 17 quilômetros de duplicação. A
obra deverá estar concluída até outubro do ano que vem.
ABERTURA
DO
CONTEÚDO/MODALIDADE
ÁUDIO: O governador Beto Richa vistoriou, nesta
quarta-feira, as obras de duplicação da PR-445, entre Londrina e Cambé, no Norte do Estado. A duplicação do trecho
recebe investimento de 95 milhões de reais, com recursos
do Governo do Paraná. Nesta semana, foram completados
45% dos trabalhos nos 17 quilômetros de duplicação. A
obra deve ser concluída até outubro do ano que vem.
Sobre as semelhanças entre conteúdos textos e áudio, as
transcrições em formato texto sob o áudio também indicam a
pouca variação na edição de conteúdos para os dois diferentes
formatos, conforme a seguir:
REFERÊNCIA FONTE/MODALIDADE TEXTO: O
governador airmou estar satisfeito com o ritmo das
obras. “Estou feliz com o ritmo acelerado desta obra
muito reivindicada pela população desta região, porque
é um trecho movimentado, que trazia transtorno e insegurança aos usuários”, airmou Beto Richa. [...] Além do
trecho entre Londrina e Cambé, mais 5,5 quilômetros,
entre Cambé e Warta, já estão sendo duplicados em parceria do governo estadual e a concessionária Econorte.
JORNALISMO E CONVERGÊNCIA
270 |
O investimento neste trecho é de R$ 44,2 milhões. O investimento total, nos dois trechos, é de R$ 139,2 milhões.
SONORA FONTE/MODALIDADE ÁUDIO: Beto Richa
airmou estar satisfeito com o ritmo das obras.//
SONORA BETO RICHA// Além do trecho entre Londrina e Cambé, mais cinco quilômetros e meio, entre Cambé
e Warta, já estão sendo duplicados em uma parceria do
governo estadual com a concessionária Econorte. O investimento neste trecho é de 44 milhões e 200 mil reais.
O investimento total, nos dois trechos, é de 139 milhões
e 200 mil reais.
A hipertextualidade texto/áudio/vídeo torna-se uma característica inexistente na plataforma da AEN. Os conteúdos em
vídeos são postados de forma estanque, em seção à esquerda da
homepage, diferenciada dos demais textos/áudios, dispostos na
parte central da página web. Os conteúdos dos vídeos são postagens das edições diárias completas do telejornal da E-Paraná,
emissora de televisão educativa3 ligada à Secretaria de Comunicação do Governo do Estado. Identiicar um conteúdo em formato texto/áudio já postado na página da AEN requer do internauta
a conferência junto à edição completa do telejornal, mas sem a
certeza da disponibilidade ou não do conteúdo desejado. Dessaforma, as características identiicadas na plataforma web da AEN
atendem menos à multimidialidade e mais à multimodalidade,
pela própria ausência de convergência de mídias.
A hipertextualidade identiicada na AEN a aponta
para concepção de um banco de dados, mais ainda sem a real
3
Desde o início da gestão do atual governador, Carlos Alberto Richa, as emissoras RTVE-Paraná sofreram alterações no nome para E-Paraná.
JORNALISMO E INTERATIVIDADE
| 271
potencialidade da complexidade de uma base de dados, pois
armazena conteúdos em compartimentos estanques, por datas,
sem “lincagens” com conteúdos anteriores postados na rede. Para
Machado (2006, p. 16), “nas novas mídias os elementos constitutivos da narrativa são formatados como Bases de Dados”. Nesse
sentido, adverte o autor, “o futuro das organizações jornalísticas
permanece condicionado à capacidade que teremos de traduzir
as habilidades potencializadas pelas bases de dados para automaticamente armazenar, classiicar, indexar, conectar, buscar e recuperar vastas quantidades de dados em tipos criativos de narrar o
passado imediato como se fosse um presente projetado em direção ao futuro”.
5 Considerações finais
As questões apontadas neste capítulo não esgotam o debate sobre
a experiência da AEN na plataforma web. Apenas ilustra, de fato,
as fragilidades de um ambiente digital. Talvez ainda um tanto distante do sonho de multimídia total que muitos autores preconizavam anos atrás, mas, sem dúvidas, no caminho certo sob a ótica
da eiciência na construção de uma imagem corporativa, nesse
caso, do Governo do Estado do Paraná.
Esse rosário é devidamente seguido pela equipe da
AEN-PR, sobretudo o aspecto da atualidade. Somente nos nove
primeiros meses de 2013, a equipe disponibilizou em seu portal
quase 4,4 mil notícias, com uma esmagadora maioria de conteúdos
factuais, chegando a uma média 500 textos/mês. A visão de multimidialidade pode ainda ser veriicada na relação de reportagens
postadas/fotos de acompanhamento desses textos. Em setembro,
das 544 postadas mantidas on-line, 80% continham imagens. Um
JORNALISMO E CONVERGÊNCIA
272 |
percentual similar pode ser veriicado no que se refere aos arquivos
de áudio disponibilizados para download no mesmo mês.
Sobre os desafios diante da convergência digital, Silva
e Ribeiro (2012) destacam que “a convergência em múltiplas
plataformas implica, portanto, a adoção de estratégias de coordenação editorial e comercial em distintos meios, potencializando,
assim, a multiplicação de canais de distribuição”. O que, de fato,
ainda se constata um desaio não só para AEN, objeto desta observação, mas de todos “velhos” e “novos” veículos (públicos ou
privados) que se propuserem ao mundo da informação.
Por im, vale arriscar que, enquanto agência de notícia, o
modelo parece não perdurar, conforme análise de Anderson, Bell
e Shirky (2013, p. 86), preparada para Tow Center Digital Journalism da Columbia JournalismSchool, no relatório de pesquisa
sobre jornalismo pós-industrial, lançado em 2012. “Uma organização jornalística com DNA digital simplesmente não traria o
conteúdo comoditizado de agências; talvez traria links para notícias importantes, ou publicaria uma seleção de trechos de blogs
conceituados ou outros agregadores”. O dossiê ainda aponta que
“as calorias vazias do material e agência sem valor agregado são
duas coisas ruins para a maioria das instituições no atual cenário”.
O que obriga pensar os desaios ainda não superados diante da
convergência digital.
Referências
ANDERSON, C. W.; BELL, E.; SHIRKY, C. Jornalismo pós-industrial: adaptação aos novos tempos. Revista de Jornalismo
Espm: Edição Brasileira da Columbia Journalism Review, São
Paulo, p. 30-89, abr./jun. 2013.
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JORNALISMO E INTERATIVIDADE
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SOBRE OS AUTORES
Andressa Kikuti Dancosky – Mestranda em Jornalismo pela Universidade Estadual de Ponta Grossa (UEPG-PR).
E-mail: andressakikuti@gmail.com
Angela Maria Grossi de Carvalho – Professora do Programa de
Pós-Graduação em Ciências da Informação da Universidade Estadual
Paulista (UNESP – Marília) e do Departamento de Comunicação Social
da Faculdade de Arquitetura, Artes e Comunicação (FAAC) da Universidade Estadual Paulista (UNESP).
E-mail: angela@faac.unesp.br
Angelo Sottovia Aranha – Professor do Departamento de Comunicação Social da Faculdade de Arquitetura, Artes e Comunicação (FAAC) da
Universidade Estadual Paulista (UNESP).
E-mail: sottovia@faac.unesp.br
Antonio Francisco Magnoni – Professor do Programa de Pós-Graduação em Televisão Digital e do Departamento de Comunicação
Social da Faculdade de Arquitetura, Artes e Comunicação (FAAC) da
Universidade Estadual Paulista (UNESP).
E-mail: afmagnoni@faac.unesp.br
Carlos Willians Jaques Morais – Professor do Programa de Pós-Graduação em Jornalismo e do Departamento de Educação da Universidade Estadual de Ponta Grossa (UEPG-PR).
E-mail: cwjmorais@hotmail.com
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Cíntia Xavier – Professora do Programa de Pós-Graduação em Jornalismo e do Departamento de Jornalismo da Universidade Estadual de
Ponta Grossa (UEPG-PR).
E-mail: cintia_xavierpg@yahoo.com
Denis Porto Renó – Professor do Programa de Pós-Graduação em
Jornalismo da Universidade Estadual de Ponta Grossa (UEPG-PR), professor do Programa de Pós-Graduação em Televisão Digital e do Departamento de Comunicação Social da Faculdade de Arquitetura, Artes e
Comunicação (FAAC) da Universidade Estadual Paulista (UNESP).
E-mail: denisreno@me.com
Eliza Bachega Casadei – Professora do Programa de Pós-Graduação
em Comunicação e do Departamento de Comunicação Social da Faculdade de Arquitetura, Artes e Comunicação (FAAC) da Universidade Estadual Paulista (UNESP).
E-mail: elizacasadei@yahoo.com.br
Francisco Rolfsen Belda – Professor do Programa de Pós-Graduação
em Televisão Digital e do Departamento de Comunicação Social, Faculdade de Arquitetura, Artes e Comunicação, Universidade Estadual
Paulista (UNESP).
E-mail: belda@faac.unesp.br
Gisele Barão da Silva – Mestranda em Jornalismo pela Universidade
Estadual de Ponta Grossa (UEPG-PR).
E-mail: giselebarao@yahoo.com.br
Hebe Maria Gonçalves de Oliveira – Professora do Programa de
Pós-Graduação em Jornalismo e do Departamento de Jornalismo da
Universidade Estadual de Ponta Grossa (UEPG-PR).
E-mail: hebegoncalves@hotmail.com
Juarez Tadeu de Paula Xavier – Professor do Departamento de Comunicação Social da Faculdade de Arquitetura, Artes e Comunicação
(FAAC) da Universidade Estadual Paulista (UNESP).
E-mail: jxavier@faac.unesp.br
JORNALISMO E CONVERGÊNCIA
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Juliano Maurício de Carvalho – Professor do Programa de Pós-Graduação em Televisão Digital, do Programa de Pós-Graduação em Comunicação e do Departamento de Comunicação Social da Faculdade de
Arquitetura, Artes e Comunicação (FAAC) da Universidade Estadual
Paulista (UNESP).
E-mail: juliano@faac.unesp.br
Karina Janz Woitowicz – Professora do Programa de Pós-Graduação
em Jornalismo e do Departamento de Jornalismo da Universidade Estadual de Ponta Grossa (UEPG-PR).
E-mail: karinajw@gmail.com
Luciane Justus dos Santos – Mestranda em Jornalismo pela Universidade Estadual de Ponta Grossa (UEPG-PR).
E-mail: emaildaluciene@hotmail.com
Marcelo Engel Bronosky – Professor do Programa de Pós-Graduação em Jornalismo e do Departamento de Jornalismo da Universidade
Estadual de Ponta Grossa (UEPG-PR).
E-mail: mebrono@uepg.br
Marcio Ronaldo Santos Fernandes – Professor do Departamento de
Comunicação Social da Universidade do Centro-oeste (Unicentro – PR).
E-mail: marciorf@globo.com;
Sérgio Luiz Gadini – Professor do Programa de Pós-Graduação em Jornalismo e do Departamento de Jornalismo da Universidade Estadual de
Ponta Grossa (UEPG-PR).
E-mail: slgadini@uepg.br;
Paula Melani Rocha – Professora do Programa de Pós-Graduação em
Jornalismo e do Departamento de Jornalismo da Universidade Estadual
de Ponta Grossa (UEPG-PR).
E-mail: pmrocha@uepg.br;
SOBRE OS AUTORES
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Juliano Maurício de Carvalho
Coordenador do Programa de Pós-Graduação em Televisão
Digital: Informação e Conhecimento, docente do Programa de
Pós-Graduação em Comunicação Midiática e do Curso de
Jornalismo, líder do Lecotec (Laboratório de Estudos em
Comunicação, Tecnologia e Educação Cidadã) da Universidade
Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” (Unesp). É diretor de
Relações Institucionais do Fórum Nacional de Professores de
Jornalismo (FNPJ). Pós-doutorado em Digitalização e Indústrias
Criativas (Universidade de Sevilha, Espanha) e Televisão Digital
na Europa (Universidade Carlos III de Madri, Espanha), doutor
em Comunicação Social (Umesp), mestre em Ciência Política
(Unicamp) e bacharel em Jornalismo (PUC-Campinas).
Marcelo Engel Bronosky
Possui graduação em Jornalismo pela Universidade Estadual de
Ponta Grossa (1994), mestrado em Comunicação Social pela
Universidade Metodista de São Paulo (1998) e doutorado em
Ciências da Comunicação pela Universidade do Vale do Rio dos
Sinos (2008). Atualmente é professor titular da Universidade Estadual de Ponta Grossa dos cursos de graduação em Jornalismo
e do Mestrado em Jornalismo em tempo de dedicação exclusiva.
Tem experiência na área de jornalismo, atuando principalmente nos seguintes temas: jornalismo, critérios de noticiabilidade e
educação, jornalismo e imprensa. Atualmente é coordenador do
Grupo de Pesquisa Lógicas de Produção e Consumo do jornalismo, vinculado à UEPG.