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Respeite as Regras!

O presente artigo pretende não só conceituar as regras jurídicas, mas também demonstrar o seu funcionamento. Para tanto, são descritas as buscas por coordenação, expertise, eficiência e segurança jurídica, descrevendo, outrossim, as características de generalidade, abstração, recurso a generalizações e à linguagem. Ao final, defende-se a importância do respeito às regras.

RESPEITE AS REGRAS! Vitor de Paula Ramos RESUMO O presente artigo pretende não só conceituar as regras jurídicas, mas também demonstrar o seu funcionamento. Para tanto, são descritas as buscas por coordenação, expertise, eficiência e segurança jurídica, descrevendo, outrossim, as características de generalidade, abstração, recurso a generalizações e à linguagem. Ao final, defende-se a importância do respeito às regras. Palavras-chave: Teoria do direito. Regras jurídicas. Interpretação jurídica. ABSTRACT The present essay intends not only to define the legal rules, but also how they work. For this purpose, the paper describes the aims of coordination, expertise, efficiency and legal certainty, describing, in addition, the characteristics of generality, abstraction, use of generalizations and language. In the end, the paper defends the importance of respecting the rules. Keywords: Jurisprudence. Legal Rules. Legal interpretation. INTRODUÇÃO Os diversos sistemas jurídicos possuem a necessidade de orientar as condutas de seus cidadãos. Mesmo sendo certo que regras não são a única forma de lidar com os problemas jurídicos de uma sociedade, sua adoção visa a resolver alguns problemas específicos, objetivo que só será alcançado se for possível saber exatamente o que são as regras e o que se pode razoavelmente se esperar delas. Num primeiro momento, trataremos, pois, do que são as regras, de quais as suas características edequais problemas que se espera resolver (ou amenizar) com a adoção de um sistema baseado em regras. Na segunda parte do trabalho, constatando-se os problemas causados pelas doutrinas que defendem a desvalorização e o desrespeito às regras,1 enfocar-se-á na necessidade de respeito a essas, assim como nas formas de fazê-lo. 1 Vide GUASTINI, Riccardo. A proposito di neo-costituzionalismo. Madri: Marcial Pons, no prelo, para uma crítica contundente a essa “corrente”, que, em verdade, o autor chama de “um amontoado de Revista de Direito, Santa Cruz do Sul, n. 4, out. 2013 40 1 REGRAS JURÍDICAS 1.1CONCEITO Dentro de determinado ordenamento jurídico diversos são os fins perseguidos. Saúde, educação, moradia, progresso, liberdade de imprensa, livre determinação etc. Igualmente, diversos são os meios que podem ser escolhidos pela comunidade para atingir os fins, e ainda mais diversos os modos com que determinada comunidade pode priorizar alguns fins em detrimento de outros. As regras são, portanto, justamente as normas de “meio”, através das quais os encarregados na comunidade (legisladores, em geral) “escolhem” os meios que serão utilizados para perseguir os fins daquela comunidade. Assim, por exemplo, a fim de proteger o fim “vida”, e verificando o grande número de mortes em acidentes de trânsito causados por condutores alcoolizados, resolve o legislador impedir que pessoas que ingeriram bebidas alcoólicas possam dirigir. As regras possuem caráterimediatamente descritivo, primariamente retrospectivo e com pretensão de decidibilidade;2 isto é,dão aos que estão a elas sujeitos a descrição de uma “situação” fática e a determinação dequalconduta devemadotar aqueles que se encontrarem naquela “situação”. Ou, voltando ao exemplo anterior:“se você está embriagado, não dirija”. 1.1. FUNÇÕES BÁSICAS A existência das regras está ligada basicamenteànecessidade de resolução de problemas de coordenação, expertise e eficiência,3 assim como à necessidade de segurança jurídica. 1.1.1. Coordenação teses heterogêneas”. Disponível também em português, com tradução nossa, GUASTINI, Riccardo. A propósito do neoconstitucionalismo. Trad. RAMOS, Vitor de Paula. Madri: Marcial Pons, no prelo. 2 ÁVILA, Humberto.Teoria dos princípios – da definição à aplicação dos princípiosjurídicos. 5ª. Ed. São Paulo: MalheirosEditores, 2006, p. 78. 3 Para maiores detalhes sobre os três primeiros itens, vide ALEXANDER, Larry; SHERWIN, Emily. The Rule of Rules.Morality, Rules, and the Dilemmas of Law.Durham e Londres: Duke University Prss, 2001, pp. 13 e ss. Revista de Direito, Santa Cruz do Sul, n. 4, out. 2013 41 Quanto à coordenação, há casos em que duas possibilidades são igualmente válidas e “boas”, de modo que, ante a inexistência de regras, alguns cidadãos optariam por uma coisa e outros por outra, gerando grande confusão. Se, por exemplo, um clube possuísse dois banheiros, e não houvesse qualquer regra para a utilização, provavelmente homens surpreenderiam mulheres nuas e vice-versa, causando grande constrangimento para os usuários. O mais provável, portanto, seria que os responsáveis pelas regras internas de conduta determinassem, por exemplo, que o banheiro da esquerda seria masculino e o da direita feminino, fazendo, através da coordenação, com que cada pessoa soubesse qual sanitário utilizar. 1.1.2. Expertise Quanto àexpertise, presume-se que as regras serão feitas com a utilização “do que há de melhor”.Assim, por exemplo, mostrando a ciência e a experiência prática que o fumo está associado a diversos tipos de doença, determina o legislador que é proibido fumar em ambientes fechados. Ou, sabendo que em determinado local a maré sobe após as 17 horas, causando diversos afogamentos, o legislador emana regra que impede que pessoas ali trafeguem após esse horário. Note-se que aí, diferentemente do que ocorre com um problema de mera coordenação,trata-se de uma situação em que o conhecimento “superior” do legislador pode, através das regras, interferir de maneira positiva para a melhor promoção dos fins da comunidade. 1.1.3. Eficiência Quanto à eficiência, diante da regra o cidadão não precisa, a princípio, preocupar-se em entrar em um conflito moral, pois a regra já soluciona o dilema antecipadamente. Não é necessário, por exemplo, que João pense se é ou não justo matar alguém em legítima defesa; a lei já fez tal ponderação antes, o que “tira” parte do peso da decisão. É como se o cidadão pudesse dizer: “não sou eu quem está dizendo, é a lei”. E justamente por evitar o “acesso” constante aos dilemas morais das diversas pessoas, um sistema com regras é mais eficiente; pode processar mais Revista de Direito, Santa Cruz do Sul, n. 4, out. 2013 42 casos, com menor gasto de recursos humanos,4 deixando mais espaço e tempo para os cidadãos pensarem em outras coisas. Em outro exemplo, quando a lei determina que a velocidade máxima em determinada via deverá ser de 60 quilômetros por hora, o mesmo João não precisará fazer cálculos sobre condições climáticas, da estrada ou mesmo sobre se vai encontrar escolas, asilos ou hospitais nas redondezas. Basta, teoricamente, acreditar no legislador. 1.1.4. Segurança jurídica Quanto àsegurança jurídica, as regras trazem significativos ganhos em termos de cognoscibilidade,5 confiabilidade6 e calculabilidade7. Se Marianapode conhecer o que diz a regra, e confia nessa, no sentido de que tem que pagar mensalmente R$ 100 de impostos, poderá usar os R$ 900 restantes de seu ordenado como lhe aprouver;afinal, saberá que não lhe será cobrado, a título de impostos, nada mais do que R$ 100. Ou seja: quanto mais for possível conhecer o conteúdo e confiar nas regras, mais liberdade terá Mariana para programar suas condutas como lhe aprouver. E mais tranquilidade terá para saber que não lhe serão cobrados R$ 90 ou R$ 110, mas nada mais nada menos do que R$ 100. Trata-se, portanto, de forma de evitar arbitrariedade. Se a lei exige o pagamento de R$ 100 a título de impostos para determinada situação, ninguém poderá ser obrigado a pagar mais do que isso.8 1.2. CARACTERÍSTICAS 4 SCHAUER, Fredrick. Playing by the Rules. A philosophical examination on Rule-Based DecisionMaking in Law and in Life. Oxford: Clarendon Press, 1991, p. 147. 5 Para o conceito de cognoscibilidade vide ÁVILA, Humberto. Segurança Jurídica. Entre Permanência, Mudança e Realização no Direito Tributário. São Paulo: Malheiros, 2011, p. 122-123. 6 Idem, p. 124. 7 Idem, p. 126. 8 Nesse sentido, no ordenamento jurídico brasileiro, por exemplo, a regra estampada no art. 5o. II da CRFB prevê que ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer algo a não ser em virtude da lei. Isto é, em outras palavras: pelo menos teoricamente, desde que seguindo estritamente a lei, as pessoas podem gozar de plena liberdade quanto ao “resto”. Revista de Direito, Santa Cruz do Sul, n. 4, out. 2013 43 1.2.1. Generalidade e abstração As regras não falam a um indivíduo que faz uma coisa em um determinado momento, mas sim a muitas pessoas, que desempenham muitos atos em um longo período de tempo.9 As regras devem, portanto, ser gerais e abstratas. Afinal, a uma, regras como “quando após as 14 horas, em dias ensolarados de dezembro, se você for homem, maior de 45 anos, dirija a cinquenta e cinco quilômetros por hora”10 não são capazes de solucionar problemas de coordenação nem de eficiência; a duas, não é possível ao legislador prever todas as situações concretas do futuro, e, caso isso fosse possível, tal regra seria complexa em demasia para ter aplicações práticas.11 Ademais, as regras serem abstratas e genéricas é uma forma de evitar arbitrariedades, como já referido, assim como de garantir a igualdade.12 Quando se legisla em abstrato, não se está tratando da situação de Mário, ou de Cristiano, mas sim de todos aqueles que se encontrarem doravante naquela situação. 1.2.2. Recurso a generalização com relação causal através de entrenchment As regras trabalham essencialmente com generalizações. Quando a lei fala que todo “homem, maior de 18 anos” deverá se apresentar ao Exército, aqueles que se enquadrarem nesse grupo deverão se apresentar, não importando se Pedro tem o corpo e a mente de alguém de 22 anos e Luciano tem o corpo e a mente de alguém de 15 anos. Da mesma forma, se João, mesmo ingerindo grandes quantidades de álcool, não apresenta perdas de habilidade motora ou reflexos, ainda assim ele será proibido de conduzir veículos. 9 SCHAUER, Frederick. Thinking Like a Lawyer.A new Introduction to Legal Reasoning. Cambridge e Londres: Harvard University Press, 2012, p. 26. 10 O exemplo, aqui um pouco alterado, é de ALEXANDER, Larry; SHERWIN, Emily. The Rule of Rules.Morality, Rules, and the Dilemmas of Law.Durham e Londres: Duke University Prss, 2001, pp. 28-29. 11 Idem, p. 54. No mesmo sentido, SCHAUER, Frederick. Thinking Like a Lawyer.A new Introduction to Legal Reasoning. Cambridge e Londres: Harvard University Press, 2012, p. 28. 12 ÁVILA, Humberto. Teoria da Igualdade Tributária. 2ª. Ed. São Paulo: Malheiros, 2009, pp. 95-97. Revista de Direito, Santa Cruz do Sul, n. 4, out. 2013 44 Tais generalizações, entretanto, não podem ser ao acaso. O legislador deve, pelo contrário, selecioná-las, com base na experiência prática e na probabilidade;em outras palavras, as generalizações devem ser causalmente relevantes para a consecução dos fins.13 Voltemos ao exemplo anterior: notando que diversos motoristas morrem conduzindo veículos, pesquisas são feitas para verificar quais fatores são, provavelmente, os maiores causadores de risco. Afinal, em um determinado acidente, diversos são os fatos: cor do carro, modelo do carro, velocidade no momento do acidente, horário do dia, temperatura, sexo do condutor, cor de cabelo, número de horas dormidas etc. Se, nesse caso, o legislador emanasse uma regra no sentido de que pessoas de olhos castanhos, ou conduzindo carros vermelhos, estariam proibidas de dirigir, tal regra teria um problema de igualdade (visto que o fato de ter olhos escuros ou claros não tem qualquer relação com ter ou não incidentes estradais). Concluindo, entretanto, que motoristas alcoolizados causam mais acidentes do que motoristas sóbrios, o legislador faz uma generalização: se a pesquisa concluir que 4 em 10 das pessoas que conduzem alcoolizadas envolvem-se em acidentes, o legislador emana uma regra que generaliza a conduta, no sentido de que qualquer pessoa alcoolizada, ou seja, 10 entre 10, não pode conduzir veículos. Esclarecendo: mesmo aquelas pessoas que poderiam passar uma vida inteira conduzindo veículos alcoolizadas sem causar acidentes (supondo que fosse possível garantir algo do gênero) ficam proibidas de conduzir sob o efeito de álcool. A regra, através da experiência prática, da probabilidade e da expertise do legislador faz, 14 generalização. então, o que a doutrina chama deentrenchmentde uma O legislador seleciona uma característica causalmente relevante para a promoção do fim, promove uma generalização dessa característica e, agrupando os sujeitos de um mesmo grupo, promove o entrenchment da 13 SCHAUER, Fredrick. Playing by the Rules. A philosophical examination on Rule-Based DecisionMaking in Law and in Life. Oxford: Clarendon Press, 1991, p. 25. 14 Idem, pp. 47 e ss. Revista de Direito, Santa Cruz do Sul, n. 4, out. 2013 45 generalização, “congelando-o” para situações iguais do futuro15 (o que implica, conforme visto no item 1.2., significativos ganhos em termos de eficiência). 1.2.3. Independência da linguagem, super e suprainclusão e bluntness Para fazer o entrenchmentdas generalizações e orientar condutas as regras utilizam-se da linguagem, que traz, por um lado, pluralidade de sentidos e possibilidades de interpretação, mas, por outro, sentidos mínimos.16 É certo que uma regra que mencione a palavra “cachorro” faz com que o proprietário de um dogue alemão faça a associação “cachorro = dogue alemão”, ao passo que um proprietário de poodle faz a associação “cachorro = poodle”.17 Por outro lado, quando a mesma regra menciona “cachorro”, ninguém em sã consciência pensará em uma hortência, ou em um abajur. Assim sendo, as palavras, por si só, possuem sentidos que se incluem e outros que se afastam, independentemente de quem comunica. Tanto faz se a palavra “cachorro” está colocada em uma regra, ou escrita em corais no meio do mar,18 para aqueles que falam português terá um sentido mínimo e um sentido máximo. Haverá, portanto, no caso das regras, os chamados casos de super e suprainclusão; ou seja, casos em que hipóteses incluídas na regra não teriam necessariamente relação com o fim que a justifica, e casos, pelo contrário, excluídos da regra que teriam relação com o fim que a justifica. Esclareceremos através do exemplo dos condutores alcoolizados. Conforme mencionado no item anterior, se supusermos que uma pesquisa revela que 4 entre 10 pessoas que dirigem alcoolizadas envolvem-se em acidentes, isso significa que 6 entre 10 estão incluídas na regra (pela generalização utilizada para o entrenchment), mesmo que nunca venham a causar acidentes (imaginando 15 Idem, p. 25. ÁVILA, Humberto. Teoria dos princípios – da definição à aplicação dos princípios jurídicos. 5a. Ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2006, p. 34. 17 Isso por si só traz alguns problemas, visto que uma regra de condomínio que determine que cachorros sejam carregados no colo dentro do elevador soará muito natural para o dono de um poodle, mas absolutamente bizarra para o dono de um dogue alemão. 18 O ultimo exemplo, feito, entretanto, originalmente com a palavra “CAT”, é de SCHAUER, Fredrick. Playing by the Rules. A philosophical examination on Rule-Based Decision-Making in Law and in Life. Oxford: Clarendon Press, 1991, p. 56. 16 Revista de Direito, Santa Cruz do Sul, n. 4, out. 2013 46 novamente que isso fosse possível prever). Estão, portanto, “superincluídas” na regra, como efeito da necessária generalização. De outra banda, pessoas que dirigem com sono, apesar de causarem provavelmente mais acidentes do que as que dirigem despertas, não estão incluídas na regra supramencionada. Ou seja, mesmo que causem mais acidentes do que a média, estão fora da abrangência da regra, um caso de “suprainclusão”. Apesar dessas super e suprainclusões, as regras, em alguma medida, conter “cegueira” (tradução livre daquilo que a doutrina chama de “bluntness”19). Isso quer dizer que a generalização da regra não pode, por definição, abranger todas as circunstâncias de todos os casos concretos. Afinal, conforme visto no item 1.3.1, se a regra for específica não terá o condão de contribuir em termos de coordenação e eficiência, e se contar com a generalização (normal das regras), em determinados casos, devido à super e à suprainclusão,acarretará resultados subotimais. Reside justamente aí a necessidade de “cegueira” mencionada pela doutrina. Afinal, se em cada caso concreto fosse possível considerar todas as circunstâncias para obter decisões supostamente ótimas, as regras simplesmente não teriam sentido algum, pois retornaríamos ao ponto de falta de coordenação, eficiência e segurança jurídica. Se assim não fosse, por exemplo, antes de aplicar uma multa por excesso de velocidadeseria necessário verificar se Marcos teria ou não condições e perícia para dirigir acima do limite de velocidade, algo que, em termos de eficiência (e principalmente de recursos humanos), seria simplesmente inimaginável. 2. RESPEITE AS REGRAS! A pós-modernidade trouxe consigo a liquidez,20 que, entre outras coisas, acarretou a aversão aos “rótulos” e, principalmente, aos conceitos. O discurso das correntes que defendem tal forma de pensaré de que a pluralidade cada vez maior teria tornado impossível, hoje em dia, formular conceitos precisos, visto que todos os seres são complexos e, como tal, não se enquadram em categorias pré- 19 ALEXANDER, Larry; SHERWIN, Emily, op. cit., pp. 35-36. BAUMAN, Zygmunt. Modernidade Líquida, PlínioDentzien (trad.), Rio de Janeiro: Zahar, 2000. 20 Revista de Direito, Santa Cruz do Sul, n. 4, out. 2013 47 estabelecidas. Não seria, assim, viável identificar o que é um “brasileiro”, o que é um “índio”, o que é um “homem” e o que é uma “mulher”, visto que cada um seria diferente do outro, devendo ser enxergado em sua complexidade. A consequência mais imediata disso é uma sensação generalizada de unicidade, que impede a utilização de comparações com outros seres;afinal, cada um possuiria suas próprias características. E pior: gera uma sensação de egocentrismo. Se o legislador fala, por exemplo, de um “brasileiro”, não está certamente se referindo a João, que se crê único e especial, mas sim aos outros, que, ao contrário dele, pelo menos em seu próprio critério, são os comuns. Note-se, aqui, que não se trata de Pedro dizer que a regra que limita a velocidade a 50 quilômetros por hora não se aplica ao seu caso.21 Pelo contrário: ele reconhece que a regra, em seu sentido literal, é aplicável ao seu caso (quando ele conduzia o veículo a 70 quilômetros por hora), mas sustenta queespecificamente em seu caso, dadas as peculiaridades, a aplicação literal não promoveria o fim buscado pela regra.22 Essa sensação de unicidade egocêntrica gera, assim, a aversão, também no Direito, ao recurso às generalizações (que, como visto, são partes fundamentais das regras). Se Tiago teve que pagar uma multa por excesso de velocidade, isso não quer dizer, para Pedro (flagrado trafegando na mesma velocidade), que também deva ser multado. Afinal, seria necessário verificar a situação de Pedro “em sua complexidade”; basicamente, uma versão pós-moderna do “brocardo” “para os amigos tudo, para os inimigos a lei”. Veremos, assim, quais são os problemas gerados pela superação sistemática das regras propostas por algumas correntes atuais, a fim de sustentar a necessidade de seu respeito. 2.1. O PROBLEMA DE IGNORAR SISTEMATICAMENTE AS REGRAS 21 O exemplo, aqui adaptado, é de SCHAUER, Frederick. Thinking Like a Lawyer.A new Introduction to Legal Reasoning. Cambridge e Londres: Harvard University Press, 2012, p. 24. 22 Idem, p. 24. Revista de Direito, Santa Cruz do Sul, n. 4, out. 2013 48 O desrespeito sistemático às regras, que tem sido observado nos últimos anos, traz consigo todos os diversos problemas que a existência das regras visa a solucionar. Assim, inicialmente, verifica-se um problema de coordenação. Se for possível a cada indivíduo julgar que a escolha do clube foi equivocada, e que melhor seria que o banheiro masculino fosse o da direita, e não o da esquerda, homens e mulheres iriam ao banheiro da direita, e homens e mulheres iriam ao banheiro da esquerda. O problema inicial da falta de coordenação restaria, então, sem solução, justamente como ocorria antes da existência da regra. Da mesma forma, se cada indivíduo puder entender que sua expertise é maior do que a do legislador e, por isso, desrespeitar a regra, a própria expertise do legislador será anulada. Por exemplo, se o legislador proíbe o fumo em lugares fechados, entendendo que o cigarro está associado a diversas doenças, e Carlos entende que tal suposição é falsa, resolvendo fumar, de nada adiantará a expertise do legislador para João. Quanto à eficiência, o mesmo ocorrerá. O desrespeito às regras tem efeito dominó: se Carlos, fumante, vê que Pedro, ignorando a regra, fuma em ambiente fechado, chegará a um ponto em que, provavelmente, também deixará de respeitar a regra.23 E isso acarretará um grave problema de eficiência. Afinal, a regra em si não será razão suficiente para que alguém fume ou deixe de fumar em um local fechado: será necessário que cada indivíduo avalie, diante das circunstâncias, se é correto ou incorreto fumar ali.24 De todos os problemas, entretanto, o maior será de segurança jurídica. Afinal, se a regra disser que é proibido fumar, mas muitas pessoas por dia forem vistas por lá fumando, certamente alguém que desejar pautar sua conduta pela regra encontrar-se-á em apuros até mesmo para determinar qual o seu sentido mínimo. Da mesma forma, não será possível confiar na regra e no respeito à sua exequibilidade. Se João for um doente que não podeabsolutamenteinalar fumaça, 23 ALEXANDER, Larry; SHERWIN, Emily, op. cit., p. 66. Idem, p. 64. 24 Revista de Direito, Santa Cruz do Sul, n. 4, out. 2013 49 elenãoterá a segurança de que efetivamente os fumantes serão impedidos de fumar em determinado restaurante. E, por fim, não será possível a ele calcular suas condutas. João não saberá se poderá ou não ir à festa de aniversário de um amigo, e Mariana, seresolver investir R$ 900, não saberá se terá ou não que pagar R$ 90, R$ 100 ou R$ 1000 a título de impostos, de modo que, provavelmente, simplesmente deixará de investir. 2.2. SANÇÃO, AUTORIDADE E ILÍCITO COMO UM MAL DESNECESSÁRIO Em um Estado submetido ao Direito, o Direito deve indicar as condutas que devem ser seguidas e ter alguma forma de se fazer respeitar. Tendo isso em mente, a doutrina discutiu sobre se, no caso dos sistemas baseados em regras,seria ou não elemento essencial a promessa de sanção para quem não seguir a conduta prevista nas regras. A sanção prevista na própria regra é somente um dos diversos fatores que podem influir no raciocínio de um sujeito. Basta pensar que comunidades com muita identidade cultural, ou com muita confiança no legislativo, provavelmente não necessitarão (ou necessitarão muito menos) de promessas de sanção para que os cidadãos sintam que devem respeitar as regras. Apesar disso, é certo que as sanções são estímulos, que podem influenciar positiva ou negativamente no respeito às regras. Se o legislador, por exemplo, proibisse o homicídio, mas a punição correspondente fosse uma multa de R$ 1, certamente o número de homicídios aumentaria. Afinal, a maioria das pessoas não aceita a consequência de passar 6 a 20 anos em um presídio, mas talvez aceitasse ter que pagar uma multa de R$ 1 para eliminar seus inimigos. Se a sanção é um elemento desejável, mas não essencial, para a existência de uma regra, o mesmo não se pode dizer a respeito da autoridade. Com efeito, um sistema que lida com regras, conforme visto nos itens anteriores, não pode tolerar o sistemático desrespeito a essas, sob pena de efeito dominó e da anulação de todos os benefícios pretendidos; o sistema deve, pois, ter uma forma de dar respostas definitivas e coercitivas sobre o que deve ser feito. Revista de Direito, Santa Cruz do Sul, n. 4, out. 2013 50 Entra aqui importante questão de ordem teórica e prática. É possível que a regra não traga uma consequência específica para o descumprimento, mas que o sistema jurídico dê uma resposta de autoridade para quem não segue a conduta desejada. Isso porque o ilícito deve ser visto, em um sistema baseado em regras, como um mal desnecessário. Repita-se: mesmo que a regra não preveja uma consequência específica para seu descumprimento, deve o sistema ter alguma forma de garantir seu respeito. Um clássico exemplo25 é o dos medicamentos que são colocados no mercado sem a autorização de determinada autoridade administrativa, que, por lei, deveria ser ouvida previamente. Mesmo que a regra diga “será necessária, para venda de medicamentos, a autorização da autoridade X”, sem prever qualquer consequência específica para o descumprimento, é certo que os medicamentos podem (e devem) ser retirados do mercado, por ordem judicial, em ação promovida pelo Ministério Público, para que a regra seja respeitada. Bem entendido, isso não quer dizer que, se o Código de Trânsito Brasileiro não previsse multa para excesso de velocidade, limitando-se a dizer “proibido trafegar a mais de 50 quilômetros por hora”, um policial poderia, com uma arma apontada para o cidadão, exigir o cumprimento da regra. Quer simplesmente dizer que a falta de sanção prevista explicitamente na regra não autoriza supor que o descumprimento daquela regra teria sido autorizado pelo legislador. Tal omissão autoriza supor somente que o legislador deixou a cargo de outro órgão o estabelecimento das consequências, ou das formas de coerção (imposição da autoridade legal), naquele tipo de casos.Prova disso é que das regras de direito penal e direito tributário, que lidam diretamente com a liberdade dos cidadãos, exigese que as consequências estejam expressamente previstas em lei (a fim de que se evite ao máximo o risco de arbitrariedades). A conclusão é, pois, que o ilícito é um mal desnecessário; para que um sistema de regras funcione não é necessária uma sanção específica para o descumprimento. Entretanto, é necessária a autoridade, isto é, é preciso que os indivíduos tenham a noção clara de que devem cumprir as regras, e que, caso não 25 MARINONI, Luiz Guilherme. Curso de Processo Civil. Volume 1 - Teoria Geral do Processo. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2006, p. 250. Revista de Direito, Santa Cruz do Sul, n. 4, out. 2013 51 as sigam “por bem”, deverão segui-las “por mal”. Ou seja: deve ser vantajoso seguir as regras e desvantajoso desrespeitá-las. 2.3. INTERPRETAÇÃO E PRECEDENTE Até o presente momento, pretendendo enfatizar algumas características das regras, seu funcionamento e a importância de seu respeito, deixou-se de lado parcialmente a questão da determinação do sentido das regras. De maneira perfunctória, entretanto, tratou-se sobre dois pontos que serão importantes para a análise do tema: um deles, tratado no ponto 1.3.3, é a independência da linguagem, e o outro, tratado no ponto anterior, a autoridade. Retomando o primeiro deles, cumpre salientar que o texto possui sentidos mínimos: quem interpreta uma regra coloca-se diante de alguns sentidos possíveis, mas também de outros “impossíveis”.26 Afinal, conforme mencionado, quem lê “cachorro” não pode interpretar “abajur”. Por outro lado, conforme também visto, a autoridade é necessária para que um sistema baseado em regras possa funcionar: o Direito deve orientar condutas e, para tanto, deve ter formas de influir para que os indivíduos adotem-nas. Os dois fatores acima apontados confluem na interpretação das regras. Isso porque, reconhecendo a necessidade de que alguém dê a palavra final sobre as regras (e, portanto, exija o seu cumprimento), deu o constituinte brasileiro tal poder ao Judiciário. Poderia o constituinte tê-lo dado ao Legislativo, ao Executivo, ao Judiciário, ou mesmo a algum cidadão comum. Optou, entretanto, por dar-lhe ao Judiciário. O Judiciário é encarregado, pois, não só de interpretar as regras (e as demais normas), mas também de exercer sua autoridade para fazer com que essas sejam cumpridas. O limite de tal poder, via de regra, é o sentido mínimo do texto. Afinal, “trinta dias” não pode ser interpretado como “mais de trinta dias”, “ampla defesa” como “restrita defesa”,27 “homem” como “mulher”, e assim por diante. 26 Adota-se aqui a posição cética moderada sobre a interpretação, segundo a qual o texto, antes da interpretação, não possui um único significado. Para mais detalhes sobre tal corrente, vide GUASTINI, Riccardo. Interpretare e Argomentare. Milão: Giuffrè, 2011, pp. 424-425. 27 ÁVILA, Humberto. Teoria dos princípios – da definição à aplicação dos princípios jurídicos. 5ª. Ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2006, p. 34. Revista de Direito, Santa Cruz do Sul, n. 4, out. 2013 52 A opção feita pelo constituinte tem nas entrelinhas uma consequência importante: se as decisões judiciais contribuem para sedimentar quais interpretações são adequadas e quais não são, contribuindo na determinação e esclarecimento das condutas que são esperadas dos indivíduos, é muito importante que, mesmo um sistema baseado em regras, tenha um claro sistema de respeito aos precedentes;28 tudo isso sob pena de que casos idênticos sejam tratados de maneira desigual, debilitando a própria cognoscibilidade do Direito. 2.4. SUPERAÇÃO EXCEPCIONAL DAS REGRAS E POSITIVISMO PRESUNTIVO Dito isso, cumpre que se entre na última parte do presente trabalho, que abarca questão muito debatida na doutrina nos últimos anos: seria possível superar as regras? Ou, aproximando de nossa abordagem anterior ao tema, seria possível que o intérprete pudesse, em alguns casos, afastar-se em determinado concreto do sentido mínimo do texto? Mesmo que a defeasibility(possibilidade de superação) não seja um elemento essencial de um sistema baseado em regras29, por vezes o intérprete vêse diante de situações que, ou parecem não ter sido consideradas pelo legislador quando da escrita do texto, ou parecem exigir solução diversa daquela dada pela literalidade desse.Adefeasibilitynão é certamente um elemento objetivo de algumas regras, mas sim um possível produto da interpretação:30diante de um caso concreto, a regra pode ser superada ou não pelo intérprete.31 Para que se evitem todos os problemas descritos no item 2.1, entretanto, é necessário que a superação das regras seja absolutamente excepcional.32 Parece- 28 Vide, por todos, MARINONI, Luiz Guilherme. Precedentes Obrigatórios. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2010, p. 62. 29 Vide SCHAUER, Frederick. “Is Defeasibility an Essencial Property of Law?”. In: FERRER BELTRÁN, Jordi; RATTI, Giovanni. The Logic Of Legal Requirements.Essays on Defeasibility.Oxford: Oxford University Press, 2012, pp. 77-88. 30 GUASTINI, Riccardo. “Defeasibility, Axiological Gaps, and Interpretation”. In: FERRER BELTRÁN, Jordi; RATTI, Giovanni. The Logic Of Legal Requirements.Essays on Defeasibility.Oxford: Oxford University Press, 2012, pp. 182-192. 31 Idem, p. 191. 32 ÁVILA, Humberto. Teoria dos princípios – da definição à aplicação dos princípios jurídicos. 5ª. Ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2006, p. 114. Revista de Direito, Santa Cruz do Sul, n. 4, out. 2013 53 nos, nesse sentido, apesar das contundentes críticas,33 que a melhor saída encontrada para o problema na doutrina ainda é o positivismo presuntivo, sendo o termo “presuntivo” compreendido como “the force possessedby a rule, and more specificallyto a degreeof force suchthattheruleistobeappliedunlessparticularly exigente reasonscanbesupplied for notapplying it”.34 Na tentativa de deixar tal definição menos genérica, formula a doutrina35 condições materiais e procedimentais para a superação das regras. Assim, para atender as condições do primeiro grupo será necessário que se demonstre: 1) a incompatibilidade entre hipótese da regra e sua finalidade subjacente; 2) que a superação não gerará insegurança jurídica, diante da baixa probabilidade de reaparecimento de caso similar, e 3) “more goodthanharm”, no sentido de que a não superação geraria mais prejuízo valorativo do que benefício. Já para que se atendam as exigências do segundo grupo, serão necessários: 1) fundamentação condizente e 2) comprovação. Os critérios acima expostos explicam, a nosso ver, a maioria dos casos de superação de regras. Entretanto, algumas situações concretas que demandam na prática a superação de regras restam ainda sem explicação pelos critérios acima expostos: trata-se dos casos de envelhecimento, ou de anacronismo do texto da regra. É o caso, por exemplo, da exigência de negativos quando da juntada de fotografias em processos, a teor do art. 385, § 1o. do CPC.36 Diante da utilização em larga escala da máquina digital (que, obviamente, não poderia ser prevista quando, em 1973, foi escrito o textoda regra mencionada), a previsão tornou-se obsoleta. Outro exemplo é o caso do Código dos Estados Unidos que, em 1864, limitava a US$ 10 a taxa que um advogado poderia cobrar por serviços legais de um 33 ALEXANDER, Larry; SHERWIN, Emily.The Rule of Rules.Morality, Rules, and the Dilemmas of Law.Durham e Londres: Duke University Prss, 2001, pp. 68-73. 34 SCHAUER, Frederick. Playing by the rules. A philosophical examination on Rule-Based DecisionMaking in Law and in Life. Oxford: Clarendon Press, 1991, p. 203. 35 Vide ÁVILA, Humberto. Teoria dos princípios – da definição à aplicação dos princípios jurídicos. 5ª. Ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2006, pp. 114 e ss. 36 “AGRAVO DE INSTRUMENTO. Certidão de intimação. Fotografias. Negativos. (...) A simples falta da juntada dos negativos das fotografias apresentadas pela parte não é motivo para o seu desentranhamento, e seu valor probante deverá ser estabelecido no momento adequado. Recurso conhecido em parte, a pela divergência, mas improvido”. STJ, 4 . Turma. REsp 188953 / PR, Relator Ministro Ruy Rosado de Aguiar. Data do Julgamento: 03/12/1998 Data da Publicação/Fonte DJ 12/04/1999 p. 161. Revista de Direito, Santa Cruz do Sul, n. 4, out. 2013 54 veterano de guerra.37 O intérprete que se deparar com tal texto hoje em dia, certamente deverá verificar o anacronismo da previsão. Em ambos os casos o segundo critério material, da baixa probabilidade de reaparecimento, não restará preenchido, mas ainda assim a regra deverá, a nosso ver, ser superada. Isso porque, quando o caso for de anacronismo do texto, deverá o precedente fixar que o texto está obsoleto, dando-lhe sentido equivalente, mas atual. O segundo critério material, nesses casos, deverá, pois, ser substituído pelo reconhecimento do anacronismo, mantidos os requisitos materiais 1) e 3) e ambos os requisitos procedimentais supramencionados. Tais critérios servirão para garantir que a superação das regras seja, a uma, algo racional e calculável, que possa ser controlado, e, a duas, que a superação das regras seja algo absolutamente excepcional. Afinal, com o perdão pela tautologia, via de regra, a regra deverá ser respeitar as regras. CONCLUSÕES 1) Regras são normas de “meio”, através das quais os encarregados na comunidade (legisladores, em geral) “escolhem” os meios que serão utilizados para perseguir os fins. 2) Com as regras, espera-se resolver problemas de coordenação, expertise e eficiência, além de privilegiar a igualdade e a segurança jurídica (cognoscibilidade, calculabilidade e confiabilidade). 3) As regras devem ser gerais e abstratas, e necessariamente operar através de generalizações (que sofrem entrenchments) que tenham relação causal com o fim que se busca promover. 4) Admitindo-se que a linguagem possui sentido independentemente da vontade do emissor, os textos possuem significados mínimos e máximos, de modo que, diante de uma generalização, sempre haverá casos de super e suprainclusão. 37 O exemplo está contido em ALEXANDER, Larry; SHERWIN, Emily. The Rule of Rules.Morality, Rules, and the Dilemmas of Law.Durham e Londres: Duke University Prss, 2001, pp. 68-73. Revista de Direito, Santa Cruz do Sul, n. 4, out. 2013 55 5) Para o bom funcionamento das regras, é necessário que essas sejam dotadas de determinado grau de bluntness, ou seja, de cegueira para determinadas circunstâncias dos casos concretos. 6) A superação constante a regras traz de volta todos os problemas que essas pretendem solucionar (como coordenação, expertise, eficiência, igualdade e segurança jurídica). 7) A sanção não é um elemento essencial interno das regras, mas é necessário que exista alguma autoridade encarregada de fazer cumprir as regras, eis que o ilícito deve ser visto como um mal desnecessário. 8) Diante da não univocidade das palavras, os textos normativos estão sujeitos à interpretação, respeitados os limites mínimos e máximos das palavras. 9) Diante do fato de que a interpretação contribui para a determinação das condutas esperadas dos indivíduos, é necessário que exista, mesmo em sistemas baseados em regras, um sistema sério de precedentes. 10) A superação das regras, apesar de não ser elemento necessário, é desejável, desde que como medida absolutamente excepcional. 11) O modelo mais adequado imaginado pela doutrina até o momento para lidar com regras é o positivismo presuntivo, segundo o qual as regras devem ser respeitadas, desde que não exista uma razão particularmente forte para não aplicálas. 12) Em circunstâncias excepcionalíssimas, as regras poderão ser superadas, desde que diante de alguns critérios materiais (incompatibilidade com o fim, não causação de insegurança e more goodthanharm) e procedimentais (motivação e comprovação). 13) Em casos de anacronismo do texto, o critério da não causação de insegurança deve ser substituído pela constatação do anacronismo. REFERÊNCIAS ALEXANDER, Larry; SHERWIN, Emily.The Rule of Rules.Morality, Rules, and the Dilemmas of Law.Durham e Londres: Duke University Prss, 2001. Revista de Direito, Santa Cruz do Sul, n. 4, out. 2013 56 ÁVILA, Humberto. Segurança Jurídica. Entre Permanência, Mudança e Realização no Direito Tributário.São Paulo: Malheiros, 2011. ______.Teoria da Igualdade Tributária. 2. ed. São Paulo: Malheiros, 2009. ______.Teoria dos princípios: da definição à aplicação dos princípios jurídicos. 5. ed. São Paulo: MalheirosEditores, 2006. BAUMAN, Zygmunt. Modernidade Líquida.Trad. PlínioDentzien. Rio de Janeiro: Zahar, 2000. FERRER BELTRAN, Jordi; RODRÍGUEZ, Jorge Luis. Jerarquías normativas y dinámica de los sistemas jurídicos.Madrid: Marcial Pons, 2011. FERRER BELTRÁN, Jordi; RATTI, Giovanni. The Logic Of Legal Requirements.Essays on Defeasibility. Oxford: Oxford University Press, 2012. GUASTINI, Riccardo. A proposito di neo-costituzionalismo. Madri: Marcial Pons, no prelo. 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