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Anthology of the poetic memory of the Colonial War Margarida Calafate Ribeiro; Roberto Vecchi (eds.) Edições Afrontamento (2011) “The A thology of the Poetic Me ory of the Colo ial War consists of approximately 350 poems. This collection considers the works of consecrated poets who experienced or were inspired by the Colonial War. It displays a number of poems originally distributed in regional newspapers, magazines, military publications or in unheralded author editions. A significant number of women writers also feature in the anthology. The traditional western cartographies of macro-themes-images, normally found embedded in war poems, are evident in this collection. The notions of Departures and Returns, Quotidian, Death, Memory of War, Thinking the War, Songbook are also visible. Two specific themes of the Colo ial War are sket hed: Re o ili g with War a d The Duty of War. We o lude with two poe s i the se tio Ai da “till whi h underpin the permanence of the War in the Portuguese imaginary. Dividing the sections of the anthology is another ´text´, demonstrating the artistic works of Manuel Botelho from his main work on the Colonial War `Co fide tial a d De lassified´, i the series ´Ratio of Co at´. 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 12 13 14 15 16 17 18 19 20 21 22 23 24 25 26 27 28 29 30 31 32 33 34 35 36 37 38 39 40 41 42 43 44 45 46 47 48 49 50 51 52 53 54 55 56 57 58 59 60 61 62 63 64 BOOK REVIEWS Anthology of the poetic memory of the Colonial War Margarida Calafate Ribeiro; Roberto Vecchi (eds.) Edições Afrontamento (2011) 2013 - Jaime Ginzburg, Aletria, 2(23), May/August, 199-202. 2013 – Sabrina Sedlmayer, Aletria, 2(23), May/August, 203-205. 2012 - Marinete L.F. de Sousa, Polifonia, 19(26), August/December, 253-262. 2012 - Vincenzo Russo, Colóquio/Letras, 181, September/December, 232-235. 2012 – Roberta Guimarães Franco, Revista de C. Humanas, 1(12), Jan/Jun, 255-259. 2011 - Manuel Simões, 22 September. 2011 - Beja Santos, 20 September. RIBEIRO, MARGARIDA CALAFATE; VECCHI, ROBERTO (ORG.). ANTOLOGIA DA MEMÓRIA POÉTICA DA GUERRA COLONIAL. PORTO: EDIÇÕES AFRONTAMENTO, 2011. 646 P. FANTASMAS E MEMÓRIAS DE GUERRA Jaime Ginzburg* Universidade de São Paulo (USP) Publicada em 2011, com organização de Margarida Calafate Ribeiro e Roberto Vecchi, a Antologia da Memória Poética da Guerra Colonial é uma contribuição inestimável aos estudos literários e históricos. O volume resulta de um projeto de longa duração, que integrou uma equipe de jovens pesquisadores e contou com a consultoria de intelectuais como Vincenzo Russo e Helder Macedo. O leitor encontra neste volume de 646 páginas, composto com ótima qualidade gráfica, a reunião de materiais de variadas origens. A ampla extensão se associa a um princípio de organização estrutural que, a cada página, conduz a sucessão de textos de modo equilibrado e rigorosamente planejado. Divididos por critérios coerentes, os conjuntos de poemas são incluídos em partes dedicadas a várias perspectivas de leitura – Partidas e regressos, Quotidianos, Morte, Guerra à guerra, O dever da guerra, Pensar a guerra, Memória da guerra, Cancioneiros, Cancioneiro popular e Ainda. Embora, como reconhecem os organizadores, existam obras anteriores dedicadas à apresentação da literatura associada à Guerra Colonial, este livro supera as contribuições anteriores e constitui, de imediato, leitura obrigatória para os interessados em literaturas de língua portuguesa. No Posfácio redigido pelos organizadores, o trabalho é contextualizado e expõe sua fundamentação. De acordo com o texto, existem textos conservadores “claramente a favor do conflito bélico”; e outros, que constituem a maioria, configuram a Guerra Colonial como um “fantasma”, associado ao luto, à perda, à saudade. Entre os autores de textos incluídos no livro, estão António Lobo Antunes, Fernando Grade, Fernando Pessoa, Gastão Cruz, Hélia Correia, João de Melo, Jorge de Sena, José Rogério Mineiro Carrola, Liberto Cruz, Luís da Mota, Manuel Alegre, Natércia Freire, Ruy Belo e Sophia de Mello Andersen. Roberto Vecchi escreveu o excelente livro Excepção Atlântica. Esse trabalho permite compreender com precisão a especificidade e o alcance da Antologia. O crítico articula, entre outros autores, Agamben, Foucault, Benjamin, Simmel e Derrida. De acordo com o autor, a escrita da Guerra Colonial é melancólica. * ginzburg@usp.br e jginzb@gmail.com 2013 - maio - a go. - n . 2 - v . 23 - ALETRIA 199 Nesse livro, Vecchi rompe com expectativas de que uma memória de guerra deva ser elaborada necessariamente como documental ou realista. Ao contrário, sua reflexão se distancia de ilusões quanto à função referencial da linguagem, e se aproxima de categorias estéticas marcadas por negatividade. A retomada do conceito de paradigma indiciário, de Carlo Ginzburg, propõe a necessidade de interpretação de sinais do passado, em busca da elaboração de uma inteligibilidade. No entanto, o que prevalece na argumentação de Vecchi é a atenção à presença do fantasma; vocábulos como resto, ruína, falta e aporia ajudam a examinar o caráter dissociativo das imagens do passado. A matéria bruta e lancinante do real é evocada pelo caráter fantasmático da própria guerra, cujo fundamento histórico e cuja justificação política estão condicionados por aquilo que Eduardo Lourenço, como explicou Vecchi, caracterizou como o irrealismo da imagem que os portugueses atribuem a si mesmos. Sem horizontes de totalização ou síntese, a escrita da fantasmagoria está ligada à melancolia e à tragicidade. Em Excepção Atlântica, a reflexão sobre a estética do resíduo chama a atenção para textos que falam a partir do ponto de vista da morte, da percepção de ausências, e da impossibilidade de reparar as perdas. Álvares de Azevedo, no século XIX, escreveu sobre imagens negativas de Portugal, construídas a partir do impacto da independência do Brasil. Eduardo Lourenço contribuiu de modo decisivo para o estudo da situação crítica de Portugal, resultante da dissolução de ideais do Império. Roberto Vecchi ganha inserção nessa série, demonstrando com detalhamento que a especificidade da Guerra Colonial se articula, na produção escrita, com uma sociedade impregnada pela modernidade biopolítica. Mais do que isso, as relações de Portugal com as colônias africanas se desenvolveram em um campo de tanatopolítica, em que a metrópole não teria sido hábil para regular as colônias, nem para preparar processos de emancipação. Essa nação, enquanto conduz o ataque às colônias, destrói os ideais de seus próprios fundamentos, convertendo-se em uma espécie de nação-cadáver, na qual são as lacunas, perdas e ausências que delimitam a temporalidade, entre um passado cifrado e um horizonte incerto. Em “Um soldado”, de José Rogério Mineiro Carrola, a descrição de Portugal sugere sua condição cadavérica (“Este frio (...) é o meu país”). A imagem proposta por Manuel Alegre de uma “Lisboa viúva” condensa a importância do resíduo e da ruína nesse horizonte, em que as perdas são irreparáveis. A Antologia da Memória Poética da Guerra Colonial traz a melhor expressão atualmente existente desse universo fantasmagórico, em que os gestos patrióticos confrontam corpos doloridos, mutilados e desumanizados. Em minha opinião, o melhor poema do volume é L‘Été au Portugal, de Jorge de Sena. Uma pergunta prioritária é apresentada diretamente: “Que Portugal se espera em Portugal?”. O impacto terrível da Guerra Colonial se associa a uma indeterminação radical, entre “rapaz sem braço” e “cães sem faro”, em que a falta de perspectiva para o país se constitui como confinamento – “Na tarde que anoitece o entardecer nos prende”. O texto é implacável, configurando a negatividade constitutiva de Portugal, como campo de cruzamento entre o horror do passado e a incerteza quanto ao futuro. O volume traz preciosos casos de escritas limiares, em que a linguagem se ocupa menos de relatar um passado e mais de falar do que não foi feito, não foi conseguido, ou 200 A L E T R I A - v. 23 - n. 2 - maio - a go. - 2013 não se poderá fazer. Em um poema sem título de Luís da Mota, o cenário do campo de batalha é aquele em que “não chega amor”. Nesse poema de 1968, o sujeito lírico afirma: “A nossa verdadeira história / jamais será contada (,,,)”. Esse fragmento poderia ser tomado como moto continuo da antologia. Ainda que a escrita da Guerra Colonial em alguns casos se aproxime do testemunho, ela não pode ser classificada de modo definitivo como tal, assim como não deve ser reduzida a uma função documental. É na negação de um princípio absoluto de significação que pode surgir a força dessa escrita. Não se trata de defender um critério de verdade ou de propor que se trata de uma realidade diretamente percebida. Os textos mais impactantes da antologia levam a interrogar quais as mediações legítimas entre violência e linguagem. Em “A mina”, Manuel Alegre escreve “Não sei se alguma vez nós voltaremos / da guerra onde deixámos partes d’alma”. Esse verso condensa um dos efeitos possíveis da leitura do volume. Como um trauma coletivo não superado, o passado da guerra permanece entre nós, constituindo um confinamento, como espaço do qual não se pode sair. Com as perdas de “partes d’alma”, a voz metaforicamente constitui um vínculo com os cadáveres, que não retornam da guerra. A imagem permite ainda pensar com incerteza em um momento “antes” da guerra, para o qual se queira retornar. Cabe chamar a atenção para a construção ambígua de um ponto de vista, que talvez possa ser atribuído a um cadáver, em um poema sem título de Liberto Cruz, que se restringe a uma linha: “Pertenço a uma geração que o País perdeu”. Diversos poemas apontam para um percurso sem redenção, em que o futuro não traz nenhuma expectativa de superação. Um caso incisivo é “Guerra colonial I”, de Hélia Correia, poema que propõe o cenário da Guerra Colonial como um mundo “sem apocalipse”: “Agora não se nasce”. Outro é “Perguntando sempre”, de Fernando Grade, que expõe o esquecimento dos crimes militares. Os organizadores da antologia publicaram recentemente o ensaio “A memória poética da Guerra Colonial de Portugal na África – os vestígios como material de uma construção possível”. Elaborado no âmbito do mesmo projeto de pesquisa, o trabalho consolida rumos importantes de interpretação da produção em torno da Guerra Colonial. Os pesquisadores explicam que a memória poética ultrapassa a singularidade de um sujeito enclausurado. Ela se situa no limite de uma memória de teor político. No contexto de uma reflexão sobre o conceito de rastro no pensamento de Walter Benjamin, os autores examinam a ambiguidade da ruína, que se caracteriza como uma forma de perda e também como uma forma de presença do passado. Os textos propõem modos de decifração de rastros do passado. Levando em conta contribuições da psicanálise, nesse ensaio, os autores caracterizam a literatura da Guerra Colonial como um “potencial cemitério”, em que a aparição de fantasmas indica a necessidade de lidar com os mortos. Essa poética de restos atravessa a Antologia. Como chave interpretativa, a consideração da ambiguidade da ruína permite relacionar de modo produtivo diferentes textos uns com os outros. Referências a Hiroshima e ao Vietnã aparecem, criando reverberações entre diferentes momentos históricos, e articulando o colonialismo português com um amplo horizonte de barbárie e violência de Estado no ocidente. Alguns poemas assumem perspectivas afetivas, mencionando a saudade de um amigo ou a conduta de uma criança, evitando a redução da guerra a uma imagem estereotipada. 2013 - maio - a go. - n . 2 - v . 23 - ALETRIA 201 Não por acaso, a Antologia encerra de modo brilhante, com “Ainda” de Manuel Alegre. Nesse poema, violência e linguagem se relacionam de modo decisivo. O texto propõe uma estética do resíduo em um alto grau de consciência formal. São tempos em que no “meio de uma vírgula morre alguém”. Roberto Vecchi e Margarida Calafate Ribeiro construíram um trabalho exemplar em história da literatura, ultrapassando os limites habituais referentes ao cânone e às classificações de formas poéticas. A seriedade do trabalho confirma as trajetórias brilhantes de Ribeiro e Vecchi. O volume pode ajudar a reescrever a história da literatura de língua portuguesa. Essa nova história poderia encontrar, em sinais improváveis, a presença dos mortos. AA REFERÊNCIAS VECCHI, Roberto; RIBEIRO, Margarida Calafete. A memória poética da Guerra Colonial de Portugal na África – os vestígios como material de uma construção possível. In: SEDLMAYER, Sabrina; GINZBURG, Jaime (Org.). Walter Benjamin. Rastro, aura, história. Belo Horizonte: Ed. UFMG, 2012. VECCHI, Roberto. Excepção Atlântica. Pensar a literatura da Guerra Colonial. Porto: Edições Afrontamento, 2010. 202 A L E T R I A - v. 23 - n. 2 - maio - a go. - 2013 RIBEIRO, MARGARIDA CALAFATE; VECCHI, ROBERTO. (ORG.). ANTOLOGIA DA MEMÓRIA POÉTICA DA GUERRA COLONIAL. PORTO: EDIÇÕES AFRONTAMENTO, 2011. 646 P. ANTOLOGIA DA MEMÓRIA POÉTICA DA GUERRA COLONIAL Sabrina Sedlmayer* Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) Em toda antologia mora uma tensão: a impossibilidade de uma escolha totalizadora e objetiva da produção literária de um determinado recorte – seja ele um país, época, espaço, assunto, geração, grupo ou estilo – junto à necessidade, mesmo que precária e contingente, de se efetuar uma amostra representativa e exemplar, capaz de vencer distâncias culturais, espaciais e temporais. Na tentativa de selecionar e julgar, ou de salvar o passado no presente, algumas edições são mais bem-sucedidas que outras. Como paradigmas, podemos recuperar os nomes de alguns antologistas como os de Cecília Meireles, Jorge de Sena, Francisco José Tenreiro e Mário Pinto de Andrade, autores que marcaram a história dos livros com as respectivas escolhas críticas no Brasil, Portugal e África. Numa espécie de linhagem que eticamente toma a modalidade antológica como “memorial de muitos nomes unidos em único nome”, a edição intitulada Antologia da Memória Poética da Guerra Colonial, organizada por Margarida Calafate Ribeiro e Roberto Vecchi, lançada no final de 2011, se insere. Todo o livro parece ter sido elaborado como resistência diante do silêncio da guerra que envolveu, dolorosamente, Portugal e as colônias Moçambique, Guiné-Bissau e Angola, entre os anos de 1961 a 1974. A introdução, o posfácio, as notas biográficas, os índices, as imagens e as suas legendas, todos esses elementos são imbuídos de pendor teórico e reflexivo de quem confia na tarefa da transmissão, na partilha de uma memória. Trabalhar o luto e ontologizar os restos. Pensar na guerra, lembrar da guerra, nos seus deveres, no cotidiano, para, então, construir uma memória da guerra, como bem esclarecem os organizadores: Nesta linha, tratamos o poema como “material” e “modo” de fundação de uma poética de restos – de gente, de impérios – ou de perdas, cuja reconstrução se executa pelo texto poético que exibe como a Guerra Colonial foi para todos um percurso de perdas: perda da juventude, da família, da inocência, da vida, resumida na perda do mundo anterior à guerra para aqueles que foram obrigatoriamente convocados não manifestando qualquer apoio ideológico à guerra; perda do país, da vida, da família, da normalidade para aqueles que politicamente optaram pela deserção ou pelo exílio; perda da nação para aqueles que lutavam convictamente1 * sabrina.sedlmayer@gmail.com 1 RIBEIRO; VECCHI. Antologia da Memória Poética da Guerra Colonial, p. 25. 2013 - maio - a go. - n . 2 - v . 23 - ALETRIA 203 Ambos autores possuem um percurso de pesquisa anterior a esta publicação na qual a atenção aos problemas relativos ao esquecimento do passado e a necessidade de instaurar um registro estético, de escrever uma história traumática da guerra, já estavam presentes. Margarida Calafate Ribeiro, no consistente livro Uma história de regressos: Império, Guerra Colonial e Pós-Colonialismo (Edições Afrontamento, 2004), proporciona uma cartografia a contrapelo fundamentada em sólida base historiográfica e literária acerca da condição portuguesa que, como é sabido, deixou há tempos de ser contemporânea do futuro que ajudara a tecer na Idade Moderna. Roberto Vecchi, em uma produção mais recente, Excepção Atlântica. Pensar a Literatura da Guerra Colonial (Edições Afrontamento, 2010) retoma a visão de Portugal como insólita exceção atlântica, expressão cunhada por Eduardo Lourenço, para questionar, entre outras preocupações, como a literatura da Guerra Colonial tornou-se um potente modo de refletir sobre as muitas representações desse país que fora um dia cantado como o “rosto” da Europa. No quadro teórico de referências, as figuras de Walter Benjamin e do compatriota Giorgio Agamben são fundamentais. É do pensador de Homo sacer a definição de exceção e de exemplo, chaves de leitura pelas quais Vecchi tentar apreender os movimentos que Portugal realizou ao longo da história e ajudam-no a colocar sob suspeita o lusotropicalismo, dispositivo que facilita o deslize da norma à exceção. Os livros aqui citados parecem, assim, ir muito além da conhecida rubrica acadêmica intitulada Post Conflict Cultures. Em especial a antologia. Nela encontramos a força melancólica da rememoração (Eingedenken), uma memória crítica, um coro de lamentação que escapa dos discursos oficiais, conforme denomina Walter Benjamin. Através de dezenas de vozes, de enunciações heterogêneas, percebemos o questionamento da lusofonia, da multirracionalidade e pluricontinentalidade. Os poemas reunidos interrogam, como pontualmente assinalam os organizadores, o ensaio clássico de Paul Fussell de que a poesia de guerra está diretamente ligada à experiência bélica. Poetas que olhavam para África a partir do cais de Lisboa convivem lado a lado com os poetas das trincheiras, que escreviam em um papel qualquer em condições de limiar, entre a vida e a morte. Integrantes da Poesia 61, que prenunciaram o fim da identidade nacional ligada à noção de império, encontram-se também emparelhados a um surpreendente Cancioneiro popular, totalmente apartado da dicção erudita. Sabe-se que Portugal possui uma singular, longa e tortuosa tradição no gesto de compilação, que antecede, e muito, a legitimação da literatura na Idade Moderna. Os Cancioneiros de Alcobaça, da Biblioteca Nacional e de Ajuda não só nos remetem à importância de determinantes históricos na ação de inserção e exclusão de vozes autorais, como também suscitam agudas questões relativas à manutenção de textos em desacordo com o poder vigente de determinado período. A equilibrada Antologia da Memória Poética da Guerra Colonial avança nesses obstáculos ao recuperar, materialmente, poemas que foram publicados em precárias edições de autor, que possivelmente não resistiriam à passagem do tempo. Indistintamente seleciona outros, que foram sofisticamente incorporados em edições já consagradas, como o caso de D’este viver aqui neste papel descripto, de António Lobo Antunes. No vasto e heterogêneo “manancial poético”, como chamam os autores o corpus dessa obra, o mar é cantado como “mar coveiro” e “mar de neblina”. Nessa guerra sem 204 A L E T R I A - v. 23 - n. 2 - maio - a go. - 2013 sentido, imagens de navios, barcos, partidas, adeus, sombras, lágrimas, cartas, comas, natal, medo, estrela, sangue, saudade, avião, cais, fuzil, mãe, acácias, combate, presença, crepúsculo, sonho, ausência pululam em poemas escritos em estado de urgência, de risco e de trauma. O gesto contemporâneo de conservar essa poesia e transmitir a experiência, reafirma não a tarefa de elaborar um livro onde a guerra é a musa, mas, sim, a de abrir esteira para uma memória poética da guerra, capaz de fazer ecoar versos esquecidos, como estes de Liberto Cruz em “Um sargento lateiro...”: “a gente nesta guerra nem dá nem leva./ Só se enterra.”2 AA REFERÊNCIAS RIBEIRO, Margarida Calafate; VECCHI, Roberto. (Org.). Antologia da Memória Poética da Guerra Colonial. Porto: Edições Afrontamento, 2011. 646 p. 2 RIBEIRO; VECCHI. Antologia da Memória Poética da Guerra Colonial, p. 495. 2013 - maio - a go. - n . 2 - v . 23 - ALETRIA 205 Entrevista Margarida Calafate Ribeiro/ Roberto Vecchi Marinete Luzia Francisca de Souza ENTREVIST ENTREVISTA A MARG ARID AC AL AF ATE RIBEIRO E ROBER TO VECCHI, MARGARID ARIDA CAL ALAF AFA ROBERTO AUTORES D A DA A COLONIAL A GUERR A MEMÓRIA POÉTIC ANTOLOGIA D GUERRA DA POÉTICA DA AD Por Marinete Luzia Francisca de Souza1 AS MÚL TIPL AS V OZES POÉTIC AS MÚLTIPL TIPLA VOZES POÉTICA DA GUERR A COLONIAL GUERRA Elaborada ao mesmo tempo que o projeto de investigação “Os Filhos da Guerra Colonial: pós-memória e representações”, desenvolvido no Centro de Estudos Sociais, Laboratório Associado da Universidade de Coimbra, a Antologia Poética da Guerra Colonial (2011)2 organizada por Margarida Calafate Ribeiro e Roberto Vecchi reflete o amplo alcance da investigação realizada, seja em relação às questões pragmáticas (recolha de textos em arquivos vários, sobretudo os militares), seja no que diz respeito ao exercício crítico. Uma rápida leitura da Antologia demonstra que a par dos autores canônicos (Manoel Alegre, Jorge de Sena, Fiama Hasse Pais Brandrão, entre outros), havia ainda um amplo corpus por revelar e, como demonstra a seleção de textos inseridos, pouco inexplorados como é, aliás, o momento pós-colonial. A organização do livro obedece a uma ordem temática, mas também imagética, ou melhor, os textos são inseridos a partir daquilo que os organizadores consideraram “imagens fundadoras” (RIBEIRO e VECCHI, 2011,p.28) ou “imagem-tema” (entre as quais as partidas, os regressos e as memórias) da Guerra Colonial. Estes textos são acompanhados de um prefácio e de um posfácio (no qual se realiza um estudo a partir de quatro tempos históricos em que se foram agrupando os autores que escreveram sobre o tema e seus significados críticos) a partir dos quais vão sendo discutidas as relações entre as memórias individuais e as coletivas, entre “poesia”, “memória” e “memória poética”, ao mesmo tempo em que se processa uma avaliação dos impactos públicos destes textos. Reflexões que rementem para a colocação destes discursos em situações limítrofes, entre a sua “condição política” e a “condição imemorial de um tempo” (RIBEIRO e VECCHI, 2022, p.26), o que estaria, por ter deixado marcas indeléveis na cultura portuguesa, para além do que o escrito tcheco Milán Kundera denominou “memória poética” – um espaço na memória onde o ser humano guarda aquilo que o comoveu (2005, p.95)3. 1 Doutoranda em Literaturas de Língua Portuguesa (investigação e ensino) pela Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra, bolsista do Programa de Doutorado Pleno no Exterior da Coordenação de Aperfeiçoamento do Pessoal de Nível Superior. Ribeiro, M.C. e Vecchi, R.(Orgs.). Antologia Poética da Guerra Colonial. Porto: Edições Afrontamentos, 2011. 3 Kundera, M. A Insustentável Leveza do Ser. Lisboa: Dom Quixote, 2005. 2 66 253 Polifonia, Cuiabá, MT, v.19, n.26, p.253-262, ago./dez., 2012 Considerando estes dados, os autores organizaram a Antologia nas seguintes partes: “Partidas e Regressos”, “Quotidianos”, “Morte”, “Guerra à guerra”, “O dever da guerra”, “Pensar a Guerra”, “Memória da Guerra”, “Cancioneiros”, “Cancioneiro Popular” finalizando-a com a seção “Ainda”, que inclui os poemas de Fernando Assis Pacheco e de Manuel Alegre. Estes títulos refletem também o significado deste fato histórico que foi, em primeiro lugar, um dever, a defesa do estado imperial, conforme difundido pelo regime salazarista, passando, mais tarde, a algo incômodo na cultura portuguesa. Assim, o projeto coordenado pelos dois investigadores referidos funcionou como uma espécie de catalisador para pensar as “pós-memórias” de uma guerra que esteve na contramão dos processos de libertação ocorridos em todo mundo durante os anos de 1960 (década considerada ícone da luta por liberdade individual e coletiva). Pensar a memória deste evento histórico exige, portanto, que se parta da complexidade do testemunho conjugada ao que é o Portugal do presente: um país marcado pela transmissão da vulnerabilidade social pós-traumática compartilhada com suas ex-colônias. É por este motivo que Boaventura de Sousa Santos (2003) afirma que Portugal ocupa uma posição entre Próspero e Calibán4, ou melhor, de (ex) semi-colônia, pois , na sua opinião, o país não teria desempenhado o papel de colonizador com a mesma eficácia de seus pares europeus, partilhando com suas ex-colônias dramas próprios de uma país colonizado, o que não lhe tira as responsabilidades históricas face ao processo colonial, mas favorece uma discussão mais situada da realidade. Quer isso dizer que, em Portugal, aceitava-se ir para guerra como se aceitava a pobreza5 e um dos índices deste fato histórico é o termo “ir para tropa”, usual na sociedade portuguesa, que indica que haviam duas opções, ou aceitar o destino imposto pelo estado ou imigrar, geralmente, para a França (fatos representados no poema “Partida”, de Rodrigo Emílio, incluído na primeira parte da Antologia , mais especificamente nos versos “o dia de ir para a tropa” ou “o dia de ir para a França” (EMILÍO in RIBEIRO e VECCHI 2011, p.47). Os resultados do projeto apresentam-nos uma memória que é histórica, mas que ainda não é pública, pois encontra-se radicada no espaço familiar e é, geralmente, expressa pelo silêncio manifesto na metamorfose do pai, que foi para guerra, em um aerograma, uma carta ou uma fotografia, mas que regressou transfigurado e substituiu o emudecimento por uma presença masculina, por vezes, violenta. De acordo com os resultados apresentados na 3ª sessão do ciclo “O segun4 SANTOS, B. S. “Entre Próspero e Caliban: colonialismo, pós-colonialismo e inter-identidade”. In: Ramalho, Maria Irene Ramalho e Ribeiro, António Sousa Ribeiro (orgs.). Entre ser e estar. Raízes, percursos e discursos da identidade. Porto: Afrontamento, 2002, p. 23-85. 5 Para saber mais sobre o tema, sugere-se ouvir a entrevista Europa Entrevista Os Filhos da Guerra Colonial, de Margarida 254 67 Entrevista Margarida Calafate Ribeiro/ Roberto Vecchi Marinete Luzia Francisca de Souza do Século Vinte”6 (Coimbra, 28/06/2012) para divulgação do projeto, este fato acorreu em noventa e cinco por centro das casas portuguesas, apontando os resultados do trabalho para a transformação histórica dessa memória de um evento público em doméstica. Todavia, também se verificou que a recente divulgação da série televisiva Guerra do Ultramar (exibida pela Rádio e Televisão Portuguesa – RTP “ há cerca de quatro anos), de Joaquim Furtado, o projeto coordenado por Ribeiro e Vecchi como outras iniciativas, incluindo a publicação de memórias individuais por ex-combatentes, vem transformando tais memórias em patrimônio público a ser catalisado para uma análise mais profunda. Concomitantemente, a recolha e o estudo dos textos poéticos apontam para a existência de uma subjetividade lírica que está para além da representação do momento histórico: das formas simples e populares às mais complexas, das cantigas à poesia musicada (caso de Zeca Afonso e outros), das formas camonianas a alguma poesia experimental. Logo, a leitura da Antologia indica que a recolha do material implicou, além do trabalho pragmático, num intenso trabalho crítico no sentido de pensar a poesia como portadora da memória pública contudo, como referem os autores, “ameaçada” pelo esquecimento como, aliás, foi, por algumas décadas, a própria “Guerra Colonial” (cf. RIBEIRO e VECCHI, 2011, p.23). Essa produção literária dá conta de diferentes temas e “só marginalmente comunica os padrões estéticos”, mas constitui como que “uma cartografia de rastros de eus estilhaçados por uma guerra” que reúne, em concordância com Paul Fussel (1975)7 traços da representação moderna da guerra: “experiência, modernidade e representação” (cf. RIBEIRO e VECCHI 2011, p.22). Por outras palavras, a reflexão crítica funda-se na relação entre arte e poética e na capacidade que tem a poesia de fixar a experiência. 6 Evento organizado pelo Centro de Documentação 25 de Abril da Universidade de Coimbra e dedicada à Guerra Colonial portuguesa 1961-1974. 7 Fussel, P. The Great War and Modern Memory. London: Oxford University Press, 1975. 68 255 Polifonia, Cuiabá, MT, v.19, n.26, p.253-262, ago./dez., 2012 ENTREVIST ENTREVISTA A Margarida Calafate Ribeiro Roberto Vecchi Mar garida Calafate Ribeiro Margarida Investigadora e coordenadora do Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra onde integra o Núcleo de Humanidades, Migrações e Estudos para a Paz (NHUMEP), Margarida Calafate Ribeiro é responsável, junto com Roberto Vecchi, pela Cátedra Eduardo Lourenço, da Universidade de Bolonha. Doutora em Estudos Portugueses pelo King’s College, Universidade de Londres, a investigadora é especializada no pensamento de Eduardo Lourenço.Atualmente, interessa-se pelos estudos pós-coloniais, história do império português, literatura portuguesa e de língua portuguesa, Guerras Coloniais e mulheres na guerra. É autora/organizadora, entre outras obras, de “África no Feminino: as mulheres portuguesas e a Guerra Colonial” (2007);”Uma História de Regressos: Império, Guerra Colonial e PósColonialismo” (2003) e Atlantico Periferico - Il Postcolonialismo Portoghese e Il Sistema Mondiale (org. com Roberto Vecchi, Vincenzo Russo) (2008).) e “Poesia da Guerra Colonial: ontologia do ‘eu’ estilhaçado” (2009). Roberto V ecchi Vecchi Doutor em Literatura Brasileira e Portuguesa pela Universidade de Bolonha, Roberto Vecchi é Professor Associado de Literatura Brasileira e responsável pela Cátedra Eduardo Lourenço da Facoltà di Lingue and Letterature Straniere, Università degli Studi di Bologna onde também coordena o Centro de Estudos Pós- Coloniais (CLOPEE). Em Portugal, é membro do Centro de Estudos Sociais participando de projetos sobre as representações da “Guerra Colonial”. No Brasil, é pesquisador do CNPq integrando o projeto “Violência e escrita literária”, coordenado por Márcio 256 69 Entrevista Margarida Calafate Ribeiro/ Roberto Vecchi Marinete Luzia Francisca de Souza Seligmann-Silva, Francisco Foot Hardman e Jaime Ginzburg. Entre as suas principais publicações estão “Excepção Atlântica. Pensar a Literatura da Guerra Colonial” (2010) e a organização, com Margarida Calafate Ribeiro, do livro Helder Macedo, Da qualche parte in Africa (2010). Os seus interesses de investigação estão relacionados com as áreas da historiografia e da teoria cultural. Dedica-se, no caso brasileiro, à época “pré-modernista”, com trabalhos sobre autores (Lima Barreto), gêneros (a poesia pré-modernista, a narrativa antes da Semana), temas (a cidade, a emigração italiana, a ideia de moderno) e a literatura contemporânea (narrativa, o autobiografismo e memórias). Na vertente portuguesa, interessa-se por literatura de viagem e sobre a colonização do Brasil, cultura portuguesa contemporânea e representações e teoria das culturas pós-coloniais nos países lusófonos. Marinete Souza – O projeto “Os Filhos da Guerra Colonial: pósmemória e representações” (2011) foi antecedido pelo projeto “Poesia da Guerra Colonial: uma ontologia do ‘eu’ estilhaçado” (2009), passando-se das memórias da “Guerra Colonial” propriamente ditas às pósmemórias da guerra (memórias dos filhos). Como decidiram dar continuidade ao primeiro projeto e o que os levou a optar por este trabalho com as memórias da “Guerra”? Ribeiro/Vecchi – Na verdade não foi uma questão de continuidade cronológica de estudo de memórias, como agora, à posteriori pode ser lido. Foi esse sentido que aproveitámos ao lançar a Antologia da Memória Poética da Guerra Colonial no final do colóquio final de projeto “Os Filhos da Guerra”. Criou um ambiente de grande compreensão e cumplicidade intergeracional, para a qual, de certa forma, os resultados do projeto “Filhos da Guerra” apontavam. Mas o élan inicial que está na origem da Antologia da Memória Poética da Guerra Colonial liga-se a vários factores e circunstâncias: a falta de atenção crítica que até então tinha sido dada à poesia da Guerra Colonial, quando por exemplo comparamos com outros tipos literários como o romance, a novela ou o testemunho; do diálogo crítico privilegiado dos dois investigadores do projeto, Margarida Calafate Ribeiro e Roberto Vecchi; do estímulo crítico de António Sousa Ribeiro em relação ao paradigma europeu de poesia de guerra; da conversa e do trabalho inicial realizado pelo escritor João de Melo que, em Os Anos da Guerra, inicia uma primeira recolha e nos estimulou para este trabalho. Numa primeira análise o paradigma poético lançado na Europa pós Primeira Guerra Mundial cumpria-se nesta poesia e o temário também coincidia, apesar de haver uma série temática específica desta guerra, como pronunciadamente se nota na Antologia. De certa forma esta coincidência/descoincidência leva-nos à divisão 70 257 Polifonia, Cuiabá, MT, v.19, n.26, p.253-262, ago./dez., 2012 temática magnificamente pautada pelas fotografias de Manuel Botelho da série confidencial/ desclassificado: marcha lenta (2011). Marinete Souza – O trabalho parece ser realizado em um espaço e com um grupo de pessoas bastante amplo (entre portugueses, moçambicanos, angolanos, guineenses etc) e envolvendo distintas gerações e formas de registros (poesias, depoimentos etc).Que métodos foram empregados para trabalhar com estas diferentes subjetividades? Ribeiro/Vecchi – Este projeto é sobre a Guerra Colonial e portanto nesta designação contemplamos o lado português. Se contemplássemos o lado africano teríamos de falar de Guerra de Libertação. Ai encontraríamos uma poesia de luta, de empenhamento e de euforia e celebração da vitória. Pelo contrário do lado português encontramos uma poesia disfórica e de múltiplas perdas. Trata-se de uma poesia produzida por autores direta ou indiretamente envolvidos na guerra, e elaborada quer no momento da experiência direta, quer mais tarde, enquanto espaço de memória e de elaboração pós-traumática. O arco temporal da nossa recolha cobre 50 anos (19612011) e ao lado de nomes consagrados no universo poético encontramos muitos outros nomes. A poesia da Guerra Colonial, na sua maioria tem muitos autores que não faziam parte do universo literário, publicados em edições de autor, revistas de circulação restrita, como por exemplo revistas militares ou de associações, de estudantes, jornais, etc. A nossa recolha foi o mais possível exaustiva e de facto encontramos milhares de poemas, tendo sempre em mente o princípio de “material publicado”. Na Antologia procuramos mostrar toda esta diversidade e democratizar o universo poético português trazendo para a cena do texto autores que entregaram à formulação poética a sua experiência, as suas angústias, os seus sentimentos. Um outro espaço que abrimos foi o dos Cancioneiros, pois uma boa parte desta poesia foi cantada ou elaborada de forma próxima da poesia popular e essas foram duas formas de passar a mensagem contra a guerra. E é neste aspeto que esta poesia da Guerra Colonial se liga à poesia dos países em luta pela libertação, na expressão que encerram de estar do lado errado da história, de também estar em luta pela liberdade, pela paz. As secções em que dividimos a Antologia mostram bem a mistura de tema, género, ideologia para que de facto se pudesse construir um amplo retrato da memória poética da guerra: “Partidas e Regressos”, “Quotidianos”, “Morte”, “Guerra à Guerra”; “O Dever da Guerra”; “Pensar a Guerra”; “Memória da Guerra”; “Cancioneiros”, “Cancioneiro Popular”; “Ainda”. Marinete Souza – Percebe-se, pelos resultados divulgados, que há uma abordagem multidisciplinar inscrita na forma como o projeto foi pensado e na constituição da equipe com que trabalham e mesmo no conjunto das vossas publicações. Esse direcionamento aponta para um 258 71 Entrevista Margarida Calafate Ribeiro/ Roberto Vecchi Marinete Luzia Francisca de Souza desejo de estabelecer uma relação entre a “Guerra Colonial” e outra guerras do mesmo período e teor, como a Guerra da Argélia, por exemplo? Ribeiro/Vecchi – Sim, esse foi um processo mais presente no projeto “Filhos da Guerra Colonial: pós-memória e representações”, cuja equipa tinha especialistas em literatura, teoria, psicólogos , psiquiatras, historiadores. O projeto da poesia da guerra era mais disciplinar, mas claro que disciplinar na lógica da interdisciplinaridade na disciplina. De outro modo o conhecimento fica muito pobre, da mesma forma que se apenas estudássemos o caso português. A comparação é um método analítico essencial para identificar o objeto de estudo. Como já dissemos, teoricamente falando, orientamo-nos pelo paradigma europeu lançado pela poesia da Primeira Guerra Mundial, onde por exemplo os poetas ingleses são essenciais. Toda a nova abertura do cânone poético que a Segunda Guerra Mundial traz, com novas formas de fazer antologias de poesia de guerra e depois as guerras já da pós-modernidade, mas ainda ligadas ao paradigma colonial, como a Guerra da Argélia ou da Indochina, mas também aquelas que foram já protagonizadas por outros atores, de que o exemplo máximo, em termos de imaginário ocidental e de imaginário literário, fotográfico e cinematográfico é a Guerra do Vietname, foram essenciais para pensar a Guerra Colonial e as suas expressões poéticas. Marinete Souza – De que modo se articulam as memórias públicas, privadas e subjetivas deste momento histórico no âmbito da análise crítica dos resultados da investigação? Ribeiro/Vecchi – Todas estas memórias se conjugam no momento poético e dialogam entre si no texto. A capacidade do texto poético é exatamente essa: captar a subjetividade máxima de um sujeito no momento de interação com o mundo e do mundo consigo. Há obviamente um sentimento genérico de perda muito pessoal nesta poesia – perda de juventude, perda de um país, perda de uma ilusão, perda da vida – em conflito com a memória pública. Como em muita da literatura da Guerra Colonial há um excesso de memória individual contra a falha da memória coletiva, que tende ao esquecimento, ao recalcamento, ao silenciamento. Muitos dos versos desta poesia são “ampolas vivas”, para usar um bonito verso de Assis Pacheco, que “Ainda” (para usar o poema de Manuel Alegre e a secção que encerra a nossa Antologia) explodem quoti diamente em cada casa portuguesa. Marinete Souza – Um dos resultados do Projeto “Os Filhos da Guerra Colonial: pós-memória e representações” é a Antologia da Memória poética da Guerra Colonial publicada em 2011. A decisão de reunir textos de autores pouco conhecidos parte da identificação da ausência de uma representação ampla e pública deste momento traumático nos países de Língua Portuguesa? 72 259 Polifonia, Cuiabá, MT, v.19, n.26, p.253-262, ago./dez., 2012 Ribeiro/Vecchi – De certo modo, ainda com uma discreta autonomia, os dois projetos se intersetaram criando um diálogo bastante proveitoso e rico. A ideia de construir uma antologia da “memória poética” (não só da poesia baseada num critério de valor exclusivamente estético) decorreu de uma ampla sondagem sobre o “património de sofrimento” (o termo é de Abi Warburg) que a guerra produziu e que é geracional, mas também intergeracional. O que o projeto dos “Filhos da Guerra” nos mostrou foi isso, e foi também, a possibilidade de elaboração de uma outra narrativa de reconhecimento e de partilha sobre a Guerra Colonial pela segunda geração. Uma reflexão que integra a geração dos pais e do momento histórico trágico que eles protagonizaram, mas também capaz de reflectir mais objetivamente sobre o que de facto foi a Guerra Colonial portuguesa. É a reflexão sobre todo esse “património de sofrimento” elaborado e reealaborado que nos permitiu repensar a poesia da guerra. No fundo, esta memória funda-se sobre um paradoxo: uma forma tão subjetiva e privada como o ato literário acaba por constituir-se numa memória aberta e ampla de uma experiência marcada por extremos (o vigor e as cores da juventude, o indizível da experiência traumática). A partir desta tensão, surge a Antologia que pretende promover uma partilha das singularidades que a poesia, como procura de comunicação não só literária, voluntária ou involuntariamente incorpora. Marinete Souza – Que critérios determinaram a seleção dos textos inseridos e de que modo a leitura deste conjunto textual determinou a organização e ordenação dos poemas na Antologia? Ribeiro/Vecchi – Perante um arquivo tão amplo (a Antologia é só uma parte de um todo bastante maior) organizámos a seleção a partir de alguns critérios temáticos (como acima foi exposto) que permitissem dar à experiência pessoal uma potencialidade de ressonância mais vasta e permeável, tendo em vista o objetivo (inteiramente político) de favorecer um debate e contribuisse para a definição de uma memória pública partilhável da Guerra Colonial. A obra de Fernando Assis Pacheco, Catalabanza Quilolo e voltai (1976) – uma reescrita sem da primeira edição que utilizava o disfarce vietnamita para falar de Angola (Cau Kiên: um resumo, (1972) ) forneceu-nos o palimpsesto que articula o projeto e a própria Antologia. Marinete Souza – Parece haver poemas escritos no calor da “Guerra” e poemas escritos com um certo distanciamento deste momento histórico. Que diferenças foram percebidas entres essas distintas vozes poéticas e de que modo estas memórias contribuem para uma reflexão crítica sobre a forma como os países que fizeram parte do que era nomeado “o império português” posicionam-se no momento pós-colonial? 260 73 Entrevista Margarida Calafate Ribeiro/ Roberto Vecchi Marinete Luzia Francisca de Souza Ribeiro/Vecchi – Há inúmeros distanciamentos em relação à cena traumática da guerra que vão do imediatismo do desabafo pessoal ou íntimo até à não participação da guerra, ao lado feminino da observação e da partilha ou ainda à contemplação da própria guerra de longe. Estas diferenças ao mesmo tempo não prejudicam uma visão de conjunto que não é só mimética (se não só os poetas armados poderiam intervir) mas sobretudo reflexiva. Por isso, os poemas funcionam como partes de uma narração coletiva, mostrando o perfil de construção da memória que é não coincide com a experiência. Todavia, e ao mesmo tempo, sem esta não-identidade plena das recordações individuais não se poderia obter uma representação da experiência mais ampla e compartilhada. Um patrimônio, justamente, em que a imagem de estilhaço, que faz parte do título do projeto, ganha todo o sentido. Um património estilhaçado. Marinete Souza – Como se conjugou, ao longo da organização da Antologia e mesmo da execução do projeto, elementos mais pragmáticos como o valor documental dos textos recolhidos e elementos do campo da subjetividade como a sua complexidade testemunhal e memorial? Ribeiro/Vecchi – Talvez seja este o ponto de contato mais evidente entre o projeto dos “Filhos da Guerra” e o projeto da Poesia. Um forneceu ao outro uma tecnologia interpretativa que permitiu pensar algo que resistia a uma racionalização completa e se concentrava em cicatrizes que em si não falavam. Poder inscrever e combinar peças tão diferentes, pelo grau de objetividade ou de subjetividade que carregavam, enriqueceu o projeto de configuração de uma memória poética. No fundo, como ensina a tradição dos estudos subalternos, o problema não é tanto a indizibilidade de certas experiências, mas sobretudo os limites da escuta do intérprete. É por isso que perante um arquivo tão amplo, o problema era essencialmente definir uma moldura adequada da acumulação de memória que não se deixava apreender. A arquitetura da antologia responde a esta exigência. Marinete Souza – Considerando que o trauma da “Guerra Colonial” provoca uma vulnerabilidade social e cultural, como vocês mesmos têm afirmado em entrevistas e conferências, como foram pensadas as fronteiras entre as componentes estéticas e sociais destes textos? • Ribeiro/Vecchi – Foi necessária uma ampla análise e discussão entre a dimensão privada e o espaço público, entre esfera subjetiva e objetiva, entre casa e pólis. Deste ponto de vista, o esforço crítico foi considerável, mas felizmente os instrumentos críticos são amplos. Atuamos a partir da consciência que dos pontos de contato e proximidade entre privado e público, como observa Hannah Arendt, surge o que se pode chamar de política. Quando ficou clara a política da memória (poética) que surgia da acumulação caótica dos poemas de centenas de autores foi fácil enxergar as fronteiras, determinar o contato entre a dimensão ética e aquela estética do projeto. 74 261 Polifonia, Cuiabá, MT, v.19, n.26, p.253-262, ago./dez., 2012 Marinete Souza – Gostariam de acrescentar algum ponto que não tenha sido referido ao logo da entrevista? Ribeiro/Vecchi – Agradecemos as perguntas e queremos ressaltar mais uma vez o valor político, além de científico, da Antologia da Memória Poética da Guerra Colonial. Metodologicamente suporta-nos a lição de Eduardo Lourenço que, antes de muitos outros intérpretes, percebeu a importância da literatura como arquivo para discutir a ontologia contorcida de um país, antigo mas marcado de uma história largamente traumática como Portugal. Por último, uma palavra de agradecimento ao nosso editor, José Sousa Ribeiro, diretor da nossa editora, Afrontamento, que sempre se pautou pelo valor político do livro, desde os tempos da ditadura salazarista-marcelista, e que desde o primeiro momento acarinhou o nosso projeto e tornou possível que ele chegasse ao público. Entrevista concedida em outubro de 2012. Aceita para publicação em novembro de 2012. 262 75 2012, Setembro/Dezembro, Vincenzo Russo, Revista Colóquio/Letras, n.º 181, 232-235. 76 77 Imagens polifônicas de uma memória em risco Antologia da memória poética da Guerra Colonial Margarida Calafate RIBEIRO Roberto VECCHI Portugal, Porto: Edições Afrontamento, 2011, 646p. No ano de 2011 completaram-se cinquenta anos do início da guerra colonial, nome dado ao conflito entre Portugal e suas colônias africanas. Em quatro de fevereiro de 1961, começaram os conflitos em Angola, conflitos que, posteriormente, se estenderam a Moçambique e a Guiné Bissau. A durabilidade da guerra, que só termina em 1974 com a Revolução dos Cravos, pode ser associada à teimosia de um regime autoritário, conhecido como Estado Novo, que pretende a qualquer custo manter o “Portugal imperial” e defender a sua história de ‘cinco séculos de colonização’ em África. O interesse atual pelas temáticas que rondam o contexto do Estado Novo português e da guerra colonial pode facilmente ser identificado pela quantidade de produção bibliográfica sobre o tema encontrada nas livrarias de Portugal. No entanto, este despertar também evidencia aproximadamente quarenta anos de esquecimento sobre o assunto, e muitos dos trabalhos desenvolvidos hoje destacam esse silêncio que se seguiu após o 25 de abril de 1974. O regime que construiu suas bases através da exaltação da história imperial conseguiu manter suas rédeas utilizando a omissão dos dados reais como forma de controle. A censura, elemento essencial em qualquer regime totalitário, atuou fortemente na política do medo, eliminando do espaço da metrópole suas reais condições, concentrando nas mãos do governo os destinos do povo, manipulando as consciências. Com o início da guerra em Angola, a necessidade de silenciamento era cada vez maior, afinal, o governo defendia veementemente a manutenção dos seus territórios ultramarinos e considerava os conflitos como uma questão de rotina administrativa. No entanto, apesar da repressão e da censura, é possível reconhecer o trabalho de jovens que, através da arte, fizeram valer as vozes contra o regime. São essas vozes dissonantes que Margarida Calafate Ribeiro e Roberto Vecchi reuniram na Antologia da memória poética da Guerra Colonial. A memória poética dessa guerra não está somente naqueles que, durante o período do conflito, produziram poemas sobre a situação vivenciada entre Portugal e África. A recolha da Antologia se propôs a um trabalho bastante amplo, ao selecionar produções que contemplam os últimos cinquenta anos. Assim, a memória poética conta com poemas produzidos durante os anos de guerra, bem como os que povoaram os anos seguintes, até o momento presente, ou seja, “poesia, de autores directa ou indirectamente envolvidos na guerra e elaborados quer no momento da experiência directa, quer mais tarde, Revista de C. Humanas, Viçosa, v. 12, n. 1, p. 253-255, jan./jun. 2012 253 na condição de espaço da memória e de elaboração pós-traumática” (p. 21). Diante do desafio de escolher o corpus da Antologia, seus organizadores seguiram critérios minuciosos para selecionar poemas que, segundo seus padrões estéticos, formavam uma “cartografia de rastos dos eus estilhaçados por uma guerra” (p. 22). Suas escolhas se basearam em três eixos teóricos: “(1) perceber a intersecção poética entre o individual e o colectivo nos aspectos vivenciais e traumáticos da Guerra Colonial; (2) reflectir sobre as relações entre poesia, memória e memória poética; (3) avaliar o impacto da poesia nas memórias públicas da Guerra Colonial e do fenômeno da memória da guerra na sociedade portuguesa e nas suas representações” (p. 23). Ao entrelaçar memórias individuais e coletivas sobre um período bastante controverso da história de Portugal contemporâneo, os organizadores da Antologia permitiram que as representações sobre um momento importante da história de Portugal chegassem, de forma extremamente organizada, a um público maior, principalmente se comparado ao espaço público português durante a Guerra Colonial, quando o assunto se mantinha encoberto. Assim, a Antologia vem contribuir para uma série de publicações que agora podem tratar com liberdade desse período. Seus organizadores já possuem vasta pesquisa nesta área temática, tendo Margarida Calafate Ribeiro publicado, entre outras obras, Fantasias Imperiais no Imaginário Português Contempo254 râneo (2003, organizado com Ana Paula Ferreira) e Uma História de Regressos: Império, Guerra Colonial e Pós-Colonialismo, Fantasmas (2004), e Roberto Vecchi, Excepção Atlântica. Pensar a Literatura da Guerra Colonial (2010), entre outras obras organizadas em italiano. A Antologia trata de um projeto grandioso. São 646 páginas, 178 poetas e 10 fotografias de Manuel Botelho. Entre os poetas escolhidos, encontram-se figuras conhecidas como Fernando Assis Pacheco, Manuel Alegre, José Bação Leal, Jorge de Sena, Sophia de Mello Breyner Andresen, António Lobo Antunes, João de Melo, Luíza Neto Jorge, entre outros que chegaram à atividade poética através da guerra, que escolheram a poesia como forma de expressar algo de incomunicável que os conflitos deixaram como memória. Os poemas que compõem a Antologia da memória poética da guerra colonial estão organizados em dez seções: “Partidas e regressos”, “Quotidianos”, “Morte”, “Guerra à guerra”, “O dever da guerra”, “Pensar a guerra”, “Memória da guerra”, “Cancioneiros”, “Cancioneiro popular” e “Ainda”. O corpus foi selecionado não apenas pelas questões temáticas, mas respeitaram uma “discussão ampla sobre a poética, a memória, o esquecimento, as suas relações com a poesia e, em particular, a poética em tempo de guerra” (p. 23). Para seus organizadores, a polifonia que compõe a Antologia é formada por poemas “de sobrevivências, de diminutas luzes que iluminam trevas, Revista de C. Humanas, Viçosa, v. 12, n. 1, p. 253-255, jan./jun. 2012 sobrevivência dos autores, ou das suas vozes, mas também de uma experiência destruída que procura os seus traços na perda inexorável, no silêncio absoluto.” (p. 28). A obra que chega a público também se mostra um feixe de luz para aqueles que trabalham com as temáticas do Estado Novo português, da Guerra Colonial, das independências africanas, da produção literária portuguesa contemporânea, das relações entre literatura e história, entre outros temas relacionados também às ciências sociais. Ao recuperar e reunir cinquenta anos de produção poética portuguesa sobre a Guerra Colonial, Margarida Calafate Ribeiro e Roberto Vecchi permitem que seus leitores preencham as lacunas deixadas pela história oficial do Portugal contemporâneo. Mesmo ao afirmar que “pela poesia não se faz a história, mas pela poesia pode construir-se uma memória poética de um facto histórico” (p. 25), os organizadores da Antologia da memória poética da Guerra Colonial deixam para o futuro do país um rico material sobre fatos históricos que não devem se repetir. As vozes contrárias ao poder do Estado Novo português e os seus herdeiros ficarão assim perpetuados no tempo através de uma “poética de perdas”, e, através da Antologia, esse “arquivo de vozes” cumprirá o seu papel de não nos deixar esquecer, nos permitindo uma leitura crítica dos anos de Guerra Colonial. Roberta Guimarães Franco Doutoranda em Literatura Comparada Universidade Federal Fluminense Meteorologia, climatologia geográfica e sociedade Meteorologia Prática Artur Gonçalves FERREIRA São Paulo: Oficina dos Textos, 2006, 188p. No livro Meteorologia Prática, Arthur Gonçalves Ferreira busca ampliar e disseminar o conhecimento e melhorar a compreensão acerca dos fenômenos atmosféricos. O autor, formado em Ciências Sociais pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (1993), especialista em Gestão Ambiental (2001) e Meteorologia Aeronáutica (1997), atualmente trabalha no Departamento de Controle do Espaço Aéreo (Decea). Gonçalves Ferreira optou por abordar a dinâmica climática a partir das imagens de satélite artificiais obtidas pelo sensoriamento remoto. Nesse processo, as imagens são produzidas por meio de sensores que absorvem a energia emitida pelos corpos. As imagens podem ser mapeadas, e as diferentes frequências captadas e retransmitidas pelo satélite são visualizadas com cores diferenciadas, que, por sua vez, são correlacionadas com diversos tipos de situação: chuvas, nevoeiros e concentração de umidade. Entre os satélites utilizados para o acompanhamento do tempo, existem dois tipos: os geoestacionários e os de órbita polar. Os geoestacionários estão a mais de 30 mil quilômetros de altura e orbitam na mesma velocidade da Terra. Revista de C. Humanas, Viçosa, v. 12, n. 1, p. 255-259, jan./jun. 2012 255 Os de órbita polar estão posicionados mais próximos da Terra, portanto, obtêm imagens mais aproximadas. Esses tipos de órbitas são apropriados, pois permitem manter sua antena apontada sempre para uma mesma região da Terra e assim captar dados de extensas áreas e transmiti-los com grande frequência. Dos satélites meteorológicos, é possível obter imagens da cobertura de nuvens sobre a Terra, por meio das quais observamos fenômenos meteorológicos, como, por exemplo, frentes frias, geadas, furacões e ciclones. Segundo Teresa Gallotti Florenzano, em “Os Satélites e suas aplicações”, disponível em: http://www. sindct.org.br/files/livro.pdf, a previsão desses fenômenos pode salvar milhares de vidas. Dados de satélites meteorológicos também permitem a quantificação dos fenômenos associados às mudanças climáticas. No Brasil são utilizados, principalmente, os dados obtidos do satélite meteorológico europeu METEOSAT e do norte-americano GOES, muitas vezes mostrados a nós diariamente em programas de previsão de tempo pela televisão. Partindo da elucidação da importância das imagens de satélite meteorológico à sociedade, o autor procurou em sua obra apresentar a temática com uma linguagem simples e objetiva, dividindo o livro em dez capítulos. No primeiro capítulo, Fundamentos de Sensoriamento Remoto, Arthur Gonçalves Ferreira apresenta as ideias iniciais de sensoriamento remoto, que parte do princípio da identificação a distância dos objetos, utilizando a radiação eletromagnética. Essa energia 256 emitida é denominada albedo e cada superfície da terra e cada nuvem o possui em diferentes intensidades. Dessa forma, os sensores dos satélites podem detectar diferentes características da superfície terrestre, bem como distinguir vários tipos de nuvens formadas na atmosfera. O capítulo seguinte, Satélites Meteorológicos, aborda principalmente os geoestacionários, descrevendo suas principais características, destacando os da série GOES e METEOSAT, que produzem as melhores imagens para a visualização dos fenômenos meteorológicos na América do Sul. Um dos principais objetivos das missões GOES e METEOSAT é obter informações repetidas, necessárias para detectar a trajetória e prever os sistemas meteorológicos severos. O capítulo 3, Interpretação de Imagens de Satélites Meteorológicos, introduz os fundamentos básicos de interpretação das imagens sem, porém, se esquecer de abordar as características atmosféricas. Todos os satélites meteorológicos produzem imagens da Terra em pelo menos duas bandas do espectro eletromagnético: visível (VIS) e infravermelho (IR). Além disso, muitos satélites fornecem também imagens em uma banda específica, denominada vapor d’água (WV). A imagem visível identifica a quantidade de radiação solar refletida pela superfície terrestre. Já os sensores infravermelhos medem a quantidade de energia infravermelha emitida pela superfície terrestre e pela atmosfera, sendo essas informações importantes para observar as propriedades térmicas do planeta Terra como um todo. As Revista de C. Humanas, Viçosa, v. 12, n. 1, p. 255-259, jan./jun. 2012 imagens que identificam o vapor d’água são geradas pela emissão de energia emitida pela Terra e pela atmosfera, absorvida em comprimentos específicos pelas nuvens e pelo vapor d’água suspensos. Em seguida, os capítulos A Atmosfera e Identificação das Nuvens nas Imagens de Satélites Meteorológicos mostram como identificar os tipos de nuvens nas imagens, além de relacioná-las com o tipo de tempo que caracterizam. O autor destaca a importância de se estudar a atmosfera pelos efeitos que ela causa em nossas vidas, sejam esses efeitos naturais ou influenciados pela atividade humana. São mostrados elementos de grande importância no estudo da meteorologia como o vapor d’água, a radiação e a pressão atmosférica. Descreve também a importância da identificação de nuvens pelas imagens, pois suas formações são um relato fiel da estabilidade ou instabilidade atmosférica. O capítulo 6, Direção e Velocidade do Vento nas Imagens de Satélite Meteorológico, procura definir as características que indicam a direção do vento nos baixos níveis, além de mostrar como é a circulação global, explicando por que os ventos sopram, qual é a sua importância para o equilíbrio térmico e pluviométrico do Planeta, além de explicar como é o seu comportamento em cada hemisfério. Os capítulos 7 a 9, Tempestades Severas, Sistemas Frontais e Ciclones Tropicais, enfatizam as condições adversas de tempo, significativas para a aviação e para a sociedade de modo geral. Dessa forma, eles explicam como achar a localização de trovoadas em fenômenos de escala sinótica e mesoescala, além de mostrar um estudo de caso sobre o fenômeno. Depois explicam o que são massas de ar e sistemas frontais e os que mais influenciam o tempo em nosso continente. Já o nono capítulo descreve o que são os ciclones tropicais e como se originam. E o último, Imagens Ambientais, mostra a importância do monitoramento do meio ambiente por meio de imagens dos satélites geoestacionários, identificando, por exemplo, fumaça, que é um indício de incêndio em alguma localidade. No decorrer da obra, Arthur Gonçalves Ferreria procura mostrar as principais características das imagens dos satélites meteorológicos, ensinando-nos a interpretá-las e relacioná-las com os tipos de tempo atuantes na atmosfera, alertando-nos sobre como o conhecimento meteorológico pode contribuir com a sociedade, principalmente, no sentido de evitar desastres causados por fenômenos atmosféricos extremos, que podem ser identificados com antecedência graças à tecnologia que foi desenvolvida e é utilizada em poucas cidades do mundo. No Brasil, os sistemas de alerta, interligados às defesas civis, pouco trabalham com a previsão do tempo ou não conseguem fazer a informação chegar com precisão aos locais que serão atingidos. Hoje é difícil imaginar o estudo da atmosfera terrestre sem os satélites meteorológicos, até porque, anteriormente, deles quase nada se sabia, sem mencionar as previsões, agora possíveis com bastante antecedência. Isso se deve ao desenvolvimento do sensoriamento remoto, que consiste Revista de C. Humanas, Viçosa, v. 12, n. 1, p. 255-259, jan./jun. 2012 257 no estudo de algumas características de um objeto sem, necessariamente, estabelecer contato com ele. Dessa forma, os sensores e as plataformas dos satélites enviam os dados obtidos através do sensoriamento remoto para as estações terrenas, que são responsáveis por processar os dados, para enviá-los de volta ao satélite, quando ocorre a retransmissão para outros usuários. A obtenção de imagens torna-se muito mais fácil, principalmente através da internet. Portanto, atualmente, com a facilidade e a velocidade com que as informações são transmitidas, inclusive na obtenção das imagens de satélites meteorológicos, o método desenvolvido pelo geógrafo brasileiro Carlos Augusto de Figueiredo Monteiro (1971), a análise rítmica, que consiste em um método de análise diária dos elementos do clima de um determinado local, é munido de uma ferramenta extremamente poderosa, que permite analisar as condições atmosféricas em um intervalo de tempo curto, relacionando-as com os montantes de precipitação, umidade relativa do ar, temperaturas máxima, média e mínima. Cada vez mais a resolução das imagens dos satélites meteorológicos vem melhorando com o desenvolvimento de novas tecnologias, porém a melhor resolução e a facilidade de transmissão dessas imagens pelo mundo não são garantias de que o homem irá compreender a dinâmica atmosférica no todo e, portanto, estamos ainda sujeitos a intempéries do clima. Dessa forma, a sociedade deve se conscientizar de que os fenômenos climáticos fazem parte constante de nossa vida e 258 que devemos nos adaptar a eles, caso contrário, veremos mais e mais vezes cenas comuns do nosso cotidiano, que nos são apresentadas pela mídia, quando aproveitam dos eventos climáticos extremos, que causam grandes perdas materiais e de vidas, para conseguir chamar atenção do público. Para que isso não continue acontecendo, pelo menos não com tanta frequência, é necessário e urgente que os estudos sobre o clima e os seus impactos sobre a sociedade sejam mais frequentes e que os setores públicos da união, estados e municípios, juntamente com a iniciativa privada, somem esforços para que haja melhorias nos procedimentos de planejamento das cidades frente às intempéries da natureza. As imagens de satélites têm muito a colaborar, no entanto, não é isso que vem ocorrendo, pelo menos não nos estudos da Climatologia Geográfica dentro das análises da dinâmica atmosférica, alguns autores afirmando que tais estudos nunca tiveram grande visibilidade. Isso talvez em razão da dificuldade em relação ao entendimento dos sistemas atmosféricos e à interpretação das cartas sinóticas e imagens de satélites, muito trabalhados pelos meteorologistas. Isto não pode ocorrer, visto que as imagens de satélite são de suma importância para compreender a dinâmica climática do planeta. Como vemos, esta obra é de fundamental importância para o melhor entendimento das imagens dos satélites meteorológicos e sua relação com a dinâmica atmosférica terrestre. A destacar que é uma publicação em língua portuguesa, o que não é fácil de ser encontrado em se tratando da me- Revista de C. Humanas, Viçosa, v. 12, n. 1, p. 255-259, jan./jun. 2012 teorologia operativa, ainda mais para o Hemisfério Sul, mais especificamente para o Brasil. Meteorologia prática é de grande valor, pois ainda são parcos os títulos dessa temática, com pouca exploração das questões específicas da dinâmica atmosférica. É obra de interesse para profissionais e discentes das áreas de meteorologia, geografia, agronomia e todos aqueles que se utilizam ou desejam interpretar imagens de satélite. Vitor Juste dos Santos Graduando de Geografia da Universidade Federal de Viçosa Edson Soares Fialho Professor do Departamento de Geografia da Universidade Federal de Viçosa Revista de C. Humanas, Viçosa, v. 12, n. 1, p. 255-259, jan./jun. 2012 259 ANTOLOGIA DA MEMÓRIA POÉTICA DA GUERRA COLONIAL (Afrontamento, 2011) Por Manuel Simões 22 de Setembro de 2011 In: http://aviagemdosargonautas.blogs.sapo.pt/235726.html Um projecto com as dimensões desta Antologia (178 poetas, sem contar com o conhecido “Cancioneiro do Niassa”, 646 pp.) e que nasceu no âmbito das realizações do Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra, onde foi objecto de estudo nos últimos anos, teria que envolver uma ampla equipa com a supervisão de dois organizadores, Margarida Calafate Ribeiro e Roberto Vecchi. Tal projecto desenvolveu-se tendo em consideração quatro objectivos essenciais: recolha e análise crítica da poesia da guerra colonial; avaliação do impacto da guerra na poesia portuguesa contemporânea; organização de uma antologia da poesia sobre a guerra colonial; e contribuição para o debate e a memória pública da guerra, através de diversos colóquios, de que o último teve como tema “Os filhos da Guerra Colonial: pós-memória e representações” (14 e 15 de Junho de 2011). E, como afirmam os organizadores, a partir de três eixos: «(1) perceber a intersecção poética entre o individual e o colectivo nos aspectos vivenciais e traumáticos da Guerra Colonial; (2) reflectir sobre as relações entre poesia, memória e memória poética; (3) avaliar o impacto da poesia nas memórias públicas da Guerra Colonial e do fenómeno da memória da guerra na sociedade portuguesa e nas suas representações» (p.23). Na transparente e documentada introdução à Antologia, os organizadores assumem por inteiro o “desafio científico” de seleccionar, a partir de uma floresta de textos poéticos, heterogéneos e que muitas vezes cumpriam uma função documental e pragmática, um corpus que obedecesse a um critério exigente saído de um debate crítico «sobre a poética, a memória, o esquecimento, as suas relações com a poesia e, em particular, a poética em tempo de guerra» (p.23). A memória, como se vê, constitui o núcleo dos critérios metodológicos, com a consciência de que, através da poesia, se pode construir uma memória poética de um facto histórico, o que pressupõe a hermenêutica da memória. Tendo que seguir um critério de arrumação dos materiais, os organizadores conceberam uma divisão temática, distribuindo os poemas por blocos que obedecem aos temas “Partidas e Regressos”, “Quotidianos”, “Morte”, “Guerra à guerra”, “O dever da guerra”, “Pensar a guerra”, “Memória da guerra”, “Cancioneiros”, “Cancioneiro Popular” e “Ainda”, secção esta que inclui dois belíssimos poemas, o primeiro de Fernando Assis Pacheco e o segundo de Manuel Alegre, extraído de “Nambuangongo, Meu Amor: Os Poemas da Guerra” (2008): As nossas frases estão cheias de picadas de minas a explodir nos substantivos por dentro do silêncio há emboscadas não sabemos sequer se estamos vivos. Os helicópteros passam nas imagens a meio de uma vírgula morre alguém e os jipes destruídos estão nas margens do papel onde talvez para ninguém 78 1/2 se vão escrevendo estas mensagens. (p.550) Não é difícil, portanto, perceber a importância e o alcance desta Antologia, que constitui um marco fundamental para se poder “ler” criticamente a guerra colonial a partir de textos poéticos provenientes de vários quadrantes e de acordo com a visão dos autores referenciados, o que mostra como aquele evento controverso e desamado tocou profundamente a poesia portuguesa contemporânea. No seu não menos importante “posfácio”, os dois organizadores proporcionam ao leitor uma moldura crítica que só pode enriquecer a apreensão do texto na sua globalidade. E assim referem os momentos fundamentais: «Tempo um: Requiem por um império ou sombras da guerra entre nós – Poesia 61»; «Tempo dois: Requiem por um império ou a reinvenção retórica do império»; «Tempo três: Requiem pela guerra – Três vozes da Guerra Colonial»; «Tempo quatro: A dimensão performativa do canto na poesia da Guerra Colonial» (Adriano Correia de Oliveira, José Afonso, José Mário Branco, Luís Cília e outros). Esta monumental Antologia, limiar de um corpo de dimensões mais vastas a confluir num arquivo digital aberto (Arquivo Electrónico da Memória Poética da Guerra Colonial), encontrou nos dois organizadores os interlocutores qualificados, considerando os estudos anteriores sobre o tema, objecto de várias publicações de âmbito internacional: “Uma História de Regressos: Império, Guerra Colonial e Pós-Colonialismo” (Afrontamento, 2004) de Margarida Calafate Ribeiro; e “Excepção Atlântica. Pensar a Literatura da Guerra Colonial” (Afrontamento, 2010) de Roberto Vecchi, entre outras. 79 2/2 ANTOLOGIA DA MEMÓRIA POÉTICA DA GUERRA COLONIAL Por Beja Santos 20 Setembro 2011 In: http://movimento.vidasalternativas.eu/index.php/temas-beja-santos/3600-antologia-damemoria-poetica-da-guerra-colonial.html “Antologia da Memória Poética da Guerra Colonial”, organizada por Margarida Calafate Ribeiro e Roberto Vecchi (Edições Afrontamento, 2011) é sem dúvida alguma uma iniciativa para saudar, pela compilação de centenas de documentos, porventura a maior comunidade de memória poética da guerra colonial até hoje elaborada. É uma recolha de valiosos testemunhos subjectivos de, como escrevem os responsáveis pela antologia, de “eus estilhaçados por uma guerra”. Como se justificam: “A feitura desta antologia não pressupôs apenas um exigente trabalho de investigação, recolha, leitura e selecção. Implicou também um relevante esforço crítico para recolocar a questão do que é a poesia, sobretudo quando ela é portadora de uma memória subjectiva – memória poética – e, de qualquer modo, de uma memória ameaçada”. Os autores preferem falar mais da memória poética da guerra colonial, abandonando discretamente o tratamento da poesia da guerra colonial. Esta memória é heterogénea, é o património de uma geração, há o material poético e a comunicação que dela emana: perdas e ganhos; exaltação e exultação; saudade e quebranto, ruptura com a solidão, ultrapassagem do precário ou do contingente. Uma antologia onde toda uma geração se pode rever, para lá das suas posturas ideológicas, porque essa memória poética é polifónica, é irmanada pela dor, fala do país, do inimigo, da paz, do apelo à vida. Os organizadores entenderam pôr esta memória poética em diálogo com as fotografias de Manuel Botelho. O produto final é manifestamente ousado, o precário da escrita olha-se ao espelho de um contraponto montado que fala da guerra com os olhos de hoje. Uma ousadia estética que torna a edição da antologia mais ambiciosa e intemporal. A obra estrutura-se em “partidas e regressos”, “quotidianos”, a linguagem da morte, o dar guerra à guerra, o cumprir o dever da guerra, o pensar a guerra e a sua memória, os seus diferentes cancioneiros, elaborados ou populares. Como expressam os autores, uma antologia é sempre um olhar, entre a cumplicidade e a preocupação em acolher o maior denominador comum. Estão lá poetas dos três teatros de operações, estão lá poetas que contestaram na retaguarda ou que deram, nessa mesma retaguarda, ânimo ao sonho do Império. E mais esclarecem os autores: “Esta antologia é uma proposta, entre outras possíveis, de recorte do imenso manancial poético que surgiu e surge ainda copiosamente da experiência que uma parte significativa da população portuguesa viveu entre 1961 e 1974. O limiar não poderia parecer mais precário, uma escrita, poética, infinita – mas que enquanto escrita expõe a sua finitude -, sobre uma experiência que também ultrapassa os limites do mensurável, às vezes do visível. Foi este limiar o objecto de estudo deste imenso património cultural. Em “partidas e regressos”, aparecem sensibilidades tão díspares como Fernando Assis Pacheco, Fiama Pais Brandão, Rodrigo Emílio, Maria Teresa Horta ou José Niza. Oiçamos o que nos diz José Niza: “12 de Julho de 1969. Seis horas da manhã./ Vesti a farda e calcei as botas. Olhei-me no/ espelho e vi uma pessoa que não era eu. Ia/ para a guerra. Ela tinha pouco mais de um/ ano. Dormia tranquila no mesmo berço onde/ eu dormira. Um pezinho saía-lhe para fora/ do lençol. Inclinei-me para lhe dar um beijo./ Duas ou três lágrimas caíram-lhe no rosto,/ mas não acordou. 80 1/2 Depois, vi-a crescer em/ fotografias. Ao longo de dois longos anos, nas/ mesmas cassetes em que lhe cantava canções/ e lhe contava história, ouvia a sua voz e até/ conseguia vê-la”. “Quotidianos” é o amplo espaço em que o poema até rescreve a escrita, transforma-se aerograma, brado, queixume, um olhar sobre a realidade. Assim começa um poema de Jorge de Sena intitulado “Café cheio de militares em Luana”: “O jovem Don Juan de braço ao peito/ (por um dedo entrapado)/ debruça as barbas para a mesa ao lado/ numa insistência pública de macho/ que teima em conversar a rapariga/ (no dedo aliança, azul em torno aos olhos)/ a escrever cartas e a enxotá-lo em fúria”. A “Morte” é um tema recorrente, a morte dos outros, a nossa morte previsível, o vermos a morte ao nosso lado, o querermos ultrapassar a morte esquecendo-a. Como poeta Liberto Cruz: “Uma coisa é fazer a guerra como quem vive/ e outra é fazer a guerra como quem morre”. A antologia cobre pois diferentes dimensões, há o dever da guerra, há o pensar a guerra, há sobretudo o dar guerra a guerra, o dever de memória da guerra e cancioneiros de índole erudita ou popular. Dar guerra à guerra pode expressar-se como panfleto, como incitamento pacifista, como voz de resistência ou de pura denúncia. Como escreveu Manuel Beça Múrias: “Senhor alferes,/ p’ra que serve/ esta espingarda?/ Eu não tenho ódio/ não me obriguem/ a matar./ Senhor alferes/ mas que mata/ tão cerrada!/ É ainda bem de dia/ e não consigo/ enxergar./ Senhor alferes/ p’ra que serve/ esta granada?/ O meu braço é forte/ mas não a quero/ lançar. No posfácio, os organizadores, a propósito do registo estético, subjectivo e imediato, ou da produção pós-traumática da guerra, analisam a Poesia 61, com os seus poéticos críticos da retaguarda (caso de Gastão Cruz ou Luiza Neto Jorge), as diferentes incursões de poetas nacionalistas, antes e depois do 25 de Abril, detêm-se na poesia de José Bação Leal, Manuel Alegre, Fernando Assis Pacheco, os três unidos por aquilo que se poderá chamar a geração “habitada pela mesma ferida” e finalmente tecem considerações sobre a produção cultural desta poética, entrosando-a com a própria canção de protesto. É uma longa viagem ao património de sofrimento que esta poesia expõe e possibilita a construção de futuras memórias. 81 2/2