Terræ
Didatica
ARTIGO
Répteis que um dia dominaram os mares
reptiles that oNCe doMiNated the seas
Geraldo Norberto Chaves sGarbi1, JoNathas bitteNCourt2 , thiaGo da silva MariNho3
1-IGC/UFMG, Av. Antônio Carlos, 6627, Pampulha, Belo Horizonte-MG, gncsgarbi@gmail.com
2-IGC/UFMG, Av. Antônio Carlos, 6627, Pampulha, Belo Horizonte-MG, bittencourt.paleo@gmail.com
3-ICENE/UFTM, Av. Dr. Randolfo Borges Jr. 1400, Univerdecidade, Uberaba-MG, tsmarinho@gmail.com
ABSTRACT: The Mesozoic Era is a fascinating period in the evolution of life on Earth.
Several animal taxa with representatives in present-day fauna, such as amphibians,
mammals, birds, turtles, lizards, snakes and crocodiles, originated and diversified
in this Era. Non-avian dinosaurs and pterosaurs also occur within this geological
time span, making it known as the Age of Reptiles. Less known to the public is the
fact that oceans and seas were also ruled by extinct reptiles, including ichthyosaurs,
plesiosaurs and mosasaurs. Their singular anatomy and complete demise at the
end of Mesozoic continue to fascinate, ever since their discovery starting in the 18th
century. This work provides information to teachers so as to support basic education about the main groups of marine reptiles of the Mesozoic. We discuss aspects
concerning anatomy, lifestyle, evolution and the implications of their discovery for
the history of science.
A primeira ideia que, em geral, vem à mente
das pessoas quando se pronuncia a palavra “dinossauro” é a de gigantescos répteis, ou mais comumente “lagartos”, que caminharam sobre a Terra
em um passado remoto, quando o homem ainda
estava em sua idade da pedra. São conceitos equivocados, uma vez que nem todos os dinossauros
eram gigantes, não eram “lagartos” e se extinguiram
(exceto as aves) quase 65 milhões de anos (Ma)
antes da origem do homem. Também é comum
associar qualquer animal pré-histórico com os
dinossauros, mesmo que, na realidade, seja de uma
linhagem evolutiva muito distinta de répteis, ou
ainda, parente mais próximo dos mamíferos (por
exemplo, preguiças terrícolas gigantes).
Este trabalho tem como objetivo discutir os
principais grupos de répteis que dominaram os
ambientes marinhos durante a Era Mesozoica (250
a 65 Ma) que não são classificados como dinossauros, embora sejam seus contemporâneos. Há
diversos grupos de répteis marinhos no Mesozoico,
incluindo serpentes, tartarugas, crocodiliformes
TERRÆ DIDATICA 12-1,2016
Manuscrito:
Recebido: 25/04/2015
Corrigido: 15/12/2015
Aceito: 01/02/2016
Citation: Sgarbi G.N.C., Bittencourt J., Marinho
T.S. 2016. Répteis que um dia dominaram os
mares. Terræ Didatica, 12(1):69-77. <http://
www.ige.unicamp.br/terraedidatica/>.
Keywords:Paleontology, extinction, fossil reptiles,
aquatic paleoenvironments.
(grupo que inclui os jacarés atuais), mas será dada
ênfase aos principais animais que não fazem parte de grupos com representantes atuais, como os
ictiossauros, plesiossauros e mosassauros.
À semelhança de trabalhos prévios, que abordaram a fauna de outros grupos de répteis do
Mesozoico (Sgarbi 1999, 2003), este artigo traz
informações sobre a anatomia, modo de vida e evolução desses animais, além de aspectos históricos
sobre sua descoberta. Espera-se que se torne uma
ferramenta útil, atualizada e tecnicamente correta,
para docentes do ensino básico que busquem atividades extras no ensino de ciências.
Ictiossauros: os répteis-peixes do Mesozoico
Os ictiossauros mais conhecidos são, superficialmente, semelhantes aos golfinhos (Fig. 1). Seu
corpo reflete uma série de adaptações que permitem uma maior hidrodinâmica, como a forma
em fuso (semicírculo esticado nas pontas), parte
anterior do crânio alongada, uma nadadeira dorsal
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(não em todas as espécies), duas peitorais, duas
pélvicas e uma caudal, além da posição das narinas
no topo do crânio, que permite a respiração na
superfície (Benton 2006). Esses animais tinham
pulmões, como os demais répteis, e se utilizavam
do ar atmosférico para respirar.
Mas as diferenças entre esses grupos são muito
marcantes, como a presença de nadadeiras pélvicas
nos ictiossauros, uma característica que está associada com a presença dos membros posteriores,
ao contrario dos mamíferos aquáticos modernos,
que as perderam ao longo de sua evolução (Carroll
1988). Além disso, nos ictiossauros a nadadeira
caudal movimenta lateralmente para propulsão
(Motani et al. 1996), como nos peixes, e não dorso-ventralmente, como nas baleias e golfinhos.
Quando se analisa o esqueleto, as diferenças são ainda mais visíveis. Os ossos que
compõem o crânio dos ictiossauros são mais
parecidos com os dos répteis, como os jacarés
e lagartos, e as patas são modificadas por uma
característica chamada de hiperfalangia, na
qual há um aumento no número de falanges
(os ossos dos dedos) e polidactilia (aumento
do número de dígitos) (Carroll 1988, Pough
et al. 1999). Essas características conferem à
nadadeira uma importante função de direcionamento durante a locomoção.
Figura 1. O ictiossauro Platypterygius, que podia atingir
cerca de 7 metros de comprimento. Imagem: Xing
Lida.
Fósseis identificados como ictiossauros permitem inferir que esses animais viveram desde o
início do Triássico (250 Ma) até meados do Cretáceo (90 Ma) (Benton 2006). No entanto, a maior
diversidade desse grupo foi encontrada no Jurássico
(de 200 a 145 Ma). Alguns aspectos de sua biologia
são conhecidos, como a dieta baseada em moluscos
70
cefalópodes (parecidos com as lulas atuais) e peixes,
embora conteúdo estomacal de alguns fósseis com
tartarugas e aves também tenha sido encontrado
(Kear et al. 2003). Alguns dados baseados em isótopos estáveis de oxigênio, que ficam preservados nos
fósseis, mostram que esses animais podiam manter
a temperatura corporal constante (Bernard et al.
2010), semelhante a aves e mamíferos – processo
conhecido por homeotermia.
O tamanho dos indivíduos poderia variar de
cerca de 1 a 15 metros de comprimento (Vitt & Caldwell 2014), embora haja registros de que pudessem atingir 20 metros de comprimento (Nicholls e
Manabe 2004). A visão deveria ser um componente
importante dos sentidos, já que os ictiossauros
têm os maiores globos oculares dentre os animais.
Um gênero encontrado na Europa e América do
Norte, chamado oftalmossauro (Ophthalmosaurus), tinha uma órbita ocular, isto é, a cavidade no
crânio onde se insere o olho, de 23 centímetros,
para um comprimento total do corpo de 4 metros
(Motani s/d). A baleia azul, que pode chegar a 30
metros de comprimento, tem uma órbita de 15
centímetros. Comparações com animais marinhos
atuais com respiração aérea permitem inferir que o
oftalmossauro poderia submergir por no mínimo
20 minutos, a uma profundidade de 600 a 1.500 m
(Motani et al. 1999).
Fósseis de ictiossauros muito bem preservados
nos calcários laminados de Holzmaden, no sul
da Alemanha (Organ et al. 2009), mostram que
esses animais seriam vivíparos, processo no qual
as fêmeas dão à luz juvenis sem a formação de ovo
(Fig. 2). Alguns fósseis mostram fêmeas com um
ou dois filhotes em gestação, mas esse número
poderia chegar a onze (Böttcher 1990). Semelhante
aos golfinhos e baleias, os filhotes nasciam com a
cauda saindo primeiro do corpo da mãe, depois a
cabeça, evitando o afogamento. No entanto, um
fóssil de ictiossauro do início da Era Mesozoica
mostra uma fêmea dando à luz um filhote com a
cabeça saindo primeiramente do corpo (Motani et
al. 2014), sugerindo que, no início da evolução do
grupo, esse processo se dava em ambiente terrestre.
A origem dos ictiossauros ainda é um dos grandes enigmas da paleontologia. Sabe-se que, como
muitos outros répteis da era Mesozoica, incluindo
os pterossauros, plesiossauros e mosassauros, os
ictiossauros não são dinossauros. Estudos de relação
de parentesco, ou filogenia (Fig. 3), sugerem que
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Figura 2. O ictiossauro Stenopterygius (c. 2 m), preservado junto com filhote (indicado pela seta). Imagem: Organ et al.
(2009). © The Natural History Museum, Londres.
os ictiossauros se adaptaram ao ambiente aquático
a partir de ancestrais terrestres diápsidos (Benton
2006). Estes formam um grande grupo de répteis
que também inclui os lagartos e serpentes (ou
lepidossauros) e os crocodilos e aves (ou arcossauros). A hipótese ganhou um grande reforço com
a descoberta do parente mais próximo dos ictiossauros, Cartorhynchus, proveniente de rochas dos
Triássico Inferior da China (Motani et al. 2015).
Com características que indicam um hábito anfíbio
de vida, a nova espécie fornece evidências de que
estes animais estão de fato relacionados aos répteis
diápsidos.
Plesiossauros: dragões-do-mar e o monstro
do lago Ness
Os plesiossauros são animais únicos, dificilmente comparáveis aos grupos modernos de
répteis, e sem análogos na fauna marinha atual. O
nome do grupo deriva do grego e significa “quase
réptil” (De la Beche & Conybeare 1821), devido à sua forma estranha quando comparada aos
demais répteis. Seu corpo, que poderia variar de 2
a 15 metros, tinha uma cauda relativamente curta.
Dependendo do grupo, o pescoço também era curto, mas com a cabeça comprida (os pliossauroides),
ou o pescoço era longo,
devido ao aumento de vértebras cervicais, e a cabeça,
curta (os plesiossauroides)
(O’Keefe 2002, Benton
2006). Os plesiossauros da
família dos elasmossaurídeos (Fig. 4) podiam ter 71
vértebras cervicais (Sachs
2005), enquanto a maioria
dos dinossauros tem dez
vértebras.
A construção corporal
é tão estranha que, quando foi descoberto um dos
maiores plesiossauros, o
elasmossauro, o importante paleontólogo norte-americano Edward Cope
reconstruiu erroneamente o animal com a cabeça
Figura 3. Relações de parentesco (filogenia) dos principais grupos de répteis. A
espessura das linhagens indica diversidade durante o Mesozoico. As linhas na extremidade da cauda
tracejadas indicam dúvidas quanto ao parentesco evolutivo. Triás.: Triássico; 1: (Psihoyos 1994). Na época,
Placodontes; 2: Notossauros. Modificado de Benton (2006). Algumas silhuetas a segunda metade de século
redesenhadas a partir de Motani (2009).
XIX, os animais até então
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Figura 4. O plesiossauro Elasmosaurus (c. 14 m). Imagem: Frank DeNota.
conhecidos tinham, em geral, a cauda longa e o
pescoço curto. Mesmo com poucos parâmetros de
comparação, a descoberta do erro ainda em 1870
gerou imenso constrangimento pessoal para Cope
(Psihoyos 1994).
Diversas adaptações para a locomoção aquática
são conhecidas nos plesiossauros: corpo alongado,
hiperfalangia, nadadeiras em forma de remo, narinas externas no topo do crânio, e a parte ventral do
tronco encerrada por cinturas alongadas e a gastrália
(ou “costelas” abdominais) (Carroll 1988, Pough
et al. 1999).
Aspectos da biologia dos plesiossauros são
conhecidos diretamente pelos fósseis ou inferidos
a partir da anatomia. Plesiossauros têm dentes
longos e afiados, expandindo-se para fora da zona
de oclusão da mandíbula e maxila, formando uma
cesta que poderia ser usada para aprisionar peixes
e moluscos (Benton 2006). Vários plesiossauros
foram encontrados associados a gastrólitos (Schmeisser & Gillette 2009), que são seixos ingeridos pelo animal durante o forrageio, facilitando
a digestão de material rígido (como conchas), e
que podem ser preservados junto com o esqueleto
no processo de fossilização. A ingestão de seixos
também ocorre nas aves atuais, e esse material é
chamado de pedras de moela.
Em termos fisiológicos, os plesiossauros
eram possivelmente homeotérmicos, como os
ictiossauros (Bernard et al. 2010). Com respeito
à biomecânica, pesquisas recentes têm mostrado
que as espécies de pescoço relativamente curto
seriam mais velozes, e usavam uma estratégia de
perseguição para caça, enquanto que os de pescoço
72
longo seriam mais lentos, e por isso caçadores de
emboscada (O’Keefe 2001).
Quanto à reprodução, o fóssil de uma fêmea
do gênero Polycotylus com restos de um embrião
na cavidade abdominal (Fig. 5) mostra que, como
os ictiossauros, os plesiossauros eram vivíparos
(O’Keefe & Chiappe 2011). O espécime sugere
que a prole era de poucos filhotes, mas a raridade
desse tipo de achado não permite muitas inferências
sobre a reprodução do grupo.
A descoberta da primeira espécie de plesiossauros, justamente o do gênero Plesiosaurus, tem
uma importância muito grande para a história da
Paleontologia. Os fósseis que serviram de base para
a descrição da espécie, e o seu primeiro esqueleto
completo alguns anos depois, foram descobertos
pela naturalista inglesa Mary Anning na década de
20 dos anos 1800 em rochas do Jurássico Inferior,
em Dorset, Inglaterra (Torrens 1995). Ela foi uma
pioneira na prospecção dos fósseis que muito ajudaram na consolidação do interesse púbico pela Paleontologia e da teoria da evolução no fim do século
XIX e início do XX (Torrens 1995, Turner 2010).
A origem dos plesiossauros, assim como dos
ictiossauros, é um tema polêmico na paleontologia de vertebrados. Seus parentes mais próximos
são também adaptados ao ambiente marinho –
os placodontes e notossauros – sendo todos eles
agrupados em Sauropterygia (Fig. 3). Muitos
autores (ver Laurin & Gauthier 2000) sustentam
que os sauropterígios se originaram a partir de um
ancestral comum compartilhado com as serpentes
e lagartos – formando o grupo dos lepidossauromorfos (grupo dos répteis com escama). Algumas
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Figura 5. Plesiossauro do gênero Polycotylus. (a) Fóssil com cerca de 4 m de comprimento, preservando restos do embrião
(seta). (b) Representação artística do nascimento de um plesiossauro. Imagens: (a) O’Keefe & Chiappe (2011), ©
The American Association for the Advancement of Science; (b) Stephanie Abramowicz, Dinosaur Institute of the
Natural History Museum of Los Angeles County.
propostas mais antigas colocavam os plesiossauros
como parentes mais próximos dos ictiossauros (ver
Caldwell 1999), e que estes dois grupos formavam
uma única subclasse chamada Euryapsida – devido
à presença de aberturas bem peculiares na parte
posterior do crânio. A hipótese fez com que os
ictiossauros e plesiossauros ficassem conhecidos
como dragões-do-mar (Hawkins 1840, Benton
2006). No entanto, estudos mais recentes, como
a descoberta do Cartorhynchus, por exemplo, apontam que os grupos formavam linhagens evolutivas
bem separadas.
Os plesiossauros apareceram no final do período Triássico (cerca de 200 Ma) e se extinguiram
no fim do Cretáceo (66 Ma) (Benton 2006). No
entanto, pelo menos um “plesiossauro” ainda está
vivo no imaginário popular. Nas Terras Altas da
Escócia, a lenda de uma grande serpente habitando
as águas misteriosas do Lago Ness tem espicaçado a imaginação de gerações. Pictografias e uma
montagem fotográfica da década de 1930 (Fig. 6),
Figura 6. Imagem de 1934 “comprovando” uma aparição
do monstro do Lago Ness. Na década de 1980, foi
revelado que a foto era uma montagem. Imagem:
Martin & Boyd (1999).
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comprovando a “aparição” do monstro, mostram-no com pescoço longo, crânio curto, reptiliano e
dorso arqueado (Martin & Boyd 1999), semelhante
a um plesiossauro descrito neste artigo. No ano de
2003, uma busca financiada pela rede inglesa BBC,
com equipamentos de alta tecnologia, confirmou
que Nessie (o nome dado ao monstro) é um mito.
Mosassauros: os répteis do Rio Meuse
Os mosassauros foram os primeiros répteis
extintos a serem reconhecidos pela ciência (Evans,
2010) e por isso tiveram uma importância muito
grande no desenvolvimento das ciências naturais
nos séculos XVIII e XIX. Os primeiros achados
ocorreram em 1764, na região de Maastricht, na
Holanda (Fig. 7), e daí vem seu nome. Mosa é a
forma latina de Meuse (ou Maas), que se refere ao
rio que cruza essa cidade holandesa.
A descoberta desse animal foi crucial no
desenvolvimento da teoria da evolução biológica.
Nos primeiros anos de 1800, o naturalista francês
Georges Cuvier usou o mosassauro como evidência da extinção de espécies ao longo do tempo –
um importante aspecto da teoria evolutiva que se
desenvolveria mais solidamente na segunda metade
do século 19.
Diferentemente dos ictiossauros e plesiossauros, os mosassauros viveram exclusivamente no
Cretáceo Superior, isto é, entre 100 e 66 Ma (Polcyn
et al. 2008). Como os demais répteis aquáticos
apresentados acima, os mosassauros são claramente
adaptados ao ambiente aquático (Fig. 8). Isso pode
ser atestado pela forma alongada do corpo, narina
externa no topo do crânio, membros modificados
em nadadeiras, hiperfalangia e cauda natatória (Car-
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Figura 7. Gravura do século XVIII mostrando a descoberta
do crânio do mosassauro. O crânio está em escala
de tamanho maior que a real. Imagem: FaujasSaint-Fond (1798).
roll 1988, Pough et al. 1999, Benton 2006). Apesar
de o nome ser associado ao rio Meuse (o local
geográfico onde os fósseis foram encontrados), a
grande maioria dos mosassauros vivia em ambiente
marinho (ver Makádi et al. 2012).
O crânio da maioria dos mosassauros era
alongado, especialmente na parte frontal (Carroll
1988, Pough et al. 1999). Os dentes eram maciços
e fortemente associados aos ossos alveolares por
ligamentos periodontais, feixes de fibras de colágeno e uma espessa cimentação celular (Caldwell
et al. 2003). Os ossos da mandíbula formavam
uma junção móvel adicional, permitindo maior
força na mordida e captura da presa (LeBlanc et
al. 2013). Sua alimentação incluía peixes, outros
vertebrados (Everhart 2004) e, possivelmente,
amonitas – moluscos cefalópodes extintos com
concha espiralada (Hewitt e Westermann 1990,
Kase et al. 1998).
O nado era basicamente produzido por movimentação lateral das partes mais posteriores do
corpo: a cauda era longa e anatomicamente peculiar, sendo curvada para baixo e mais expandida na
parte ventral, com um lobo dorsal fazendo com
que esta se assemelhasse às dos tubarões (Lindgren
et al. 2011). Fósseis de mosassauros com vértebras caudais ossificadas umas às outras sugerem
a ocorrência de patologias que também afetam as
baleias atuais, devido ao estresse de movimentação (Rothschild e Everhart 2015). A pele destes
animais tinha pigmentação (Lindgren et al. 2014)
e seria recoberta por escamas reforçadas com osso
dérmico, conferindo resistência e hidrodinâmica
(Lindgren et al. 2009).
Os mosassauros podiam variar de 1 a 15 metros
de comprimento, dependendo da espécie. Eram
predadores ativos que habitavam a zona pelágica
dos oceanos, ou seja, mais próximo à superfície.
Alguns fósseis também mostram evidência de viviparidade (Field et al. 2015), como nos ictiossauros
e plesiossauros.
As relações de parentesco dos mosassauros são
mais bem esclarecidas do que as dos ictiossauros e
plesiossauros. A maioria dos pesquisadores acredita
que estes animais evoluíram de répteis terrestres do
grupo dos escamados (Fig. 3), que inclui as serpentes e lagartos atuais (Benton 2006). A filogenia dos
escamados, no entanto, é muito controversa, e os
mosassauros podem ter parentesco evolutivo mais
próximo com os varanoides, um grupo de lagartos
que inclui o dragão-de-komodo e os lagartos-monitores, ou com as serpentes (Reeder et al. 2015).
Outros grupos
Figura 8. Exemplos de mosassauros. (a) O gênero que
dá nome ao grupo, Mosasaurus (c. 15 m). (b)
Reconstrução do esqueleto de um Plotosaurus (12
m). Imagens: (a) Karen Carr Studios; (b) Motani
(2009).
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Ictiossauros, plesiossauros, mosassauros e seus
parentes mais próximos foram os mais abundantes, mas não os únicos répteis que floresceram nos
mares da Era Mesozoica (Fig. 3, Pough et al. 1999,
Motani 2009). Outros grupos podem ser citados,
como as serpentes marinhas do Cretáceo, incluindo
algumas formas com membros posteriores (Caldwell & Lee 1997; Benton 2006); quelônios, sendo
um dos fósseis mais antigos de tartaruga marinha,
Santanachelys, encontrado em rochas da Bacia do
Araripe, no nordeste do Brasil (Hirayama 1998);
e os talatossúquios, um grupo de crocodilomorfos – táxon que inclui os jacarés atuais (Riff et al.
2012) – que existiu no final do Jurássico e início do
Cretáceo (Pough et al. 1999, Benton 2006).
Um grupo adicional de répteis marinhos restri-
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tos ao período Triássico são conhecidos como talatossauros (Motani 2009). É um grupo enigmático,
já que não há consenso sobre com que grupo de
répteis eles são mais aparentados, isto é, se representam uma linhagem filogeneticamente próxima
dos ictiossauros; dos lagartos e serpentes; dos crocodilos e aves, ou se são um grupo mais primitivo
de répteis, separado dessas linhagens (Liu e Rieppel
2005). Talatossauros e talatossúquios possuíam
diversas convergências anatômicas (características
semelhantes não por parentesco, mas por adaptação) com os répteis marinhos descritos neste artigo,
devido às adaptações comuns ao ambiente aquático.
Conclusões
Durante a Era Mesozoica, os répteis foram
muito diversos e abundantes em quase todos os
ambientes: os continentes, a atmosfera, oceanos
e mares. Porém, ao final do Mesozoico, a Terra
sofreu um dos maiores eventos de extinção jamais
registrados. Uma série de fatores está associada a
essa perda de diversidade: intensas erupções vulcânicas, que elevaram a quantidade de gases do
efeito estufa e material particulado na atmosfera;
fragmentação de hábitats, ocasionada por um evento de regressão marinha (diminuição do nível
do mar) no final do Cretáceo, e, possivelmente,
o choque de um corpo celeste há cerca de 65
Ma, que teria desencadeado um cataclismo global
– incêndios, tsunamis, acumulação de material na
atmosfera diminuindo a produtividade primária
dos ecossistemas. O fim do Cretáceo e início do
Paleoceno também foi marcado por um evento
global de resfriamento, que provavelmente afetou
toda a biota da época (Archibald & Fastovsky 2004,
Brusatte et al. 2015). No entanto, a explicação não
pode ser generalizada para todos os grupos, já que os
ictiossauros se extinguiram pelo menos 30 milhões
de anos antes (aproximadamente quando os mosassauros se diversificaram), e os plesiossauros já estavam em franco declínio em termos de diversidade
e abundância no final do Cretáceo (Fig. 3).
Os efeitos da extinção do fim do Cretáceo
foram tão dramáticos para a Terra e a vida presente, que os geólogos encerraram a Era Mesozoica
e denominaram o tempo subsequente de Era
Cenozoica (vida recente). A partir dessa época,
houve amenização do clima no interior de vastas
porções dos continentes, até então árido com pouco gelo nas calotas polares e níveis marinhos altos.
A amenização foi proporcionada pelos efeitos da
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umidade advinda da instalação plena dos oceanos
Atlântico Norte (consequência da efetiva separação
entres as placas tectônicas da América do Norte e
Euroasiática), e o Atlântico Sul (consequência da
separação das placas da América do Sul e África).
Mudanças ambientais, aliadas à explosão generalizada da vida vegetal e o desaparecimento dos
grandes répteis, constituíam, para as espécies, um
verdadeiro mundo novo.
Pterossauros, ictiossauros, plesiossauros,
mosassauros e a maior parte dos dinossauros do
Mesozoico despareceram sem deixar descendentes. Isso abriu caminho para a diversificação dos
mamíferos, que se tornaram os componentes predominantes de grande parte dos ecossistemas. De
certa forma, a evolução do homem está indiretamente ligada aos eventos catastróficos do fim do
Mesozoico, mostrando como as grandes extinções
são importantes para a evolução de novas formas
de vida.
Questão para pesquisa e trabalhos em
grupo
1. Quais as diferenças entre os grandes animais
marinhos do período Cretáceo em relação aos
de hoje?
2. Além da extinção dos dinossauros, que outros
grandes eventos de extinção são conhecidos na
história da Terra?
3. Por que é tão difícil reconstruir as relações de
parentesco entre os organismos, especialmente
dos grupos extintos?
4. O texto mostra como as novidades científicas
são importantes para o avanço do conhecimento. Discuta outras descobertas que foram
importantes para a história da ciência e como
elas afetaram a sociedade.
Agradecimentos
Os autores agradecem aos paleoartistas que
gentilmente autorizaram o uso das imagens, e aos
revisores, que ajudaram a melhorar a versão final
deste artigo. O trabalho foi produzido com apoio
da FAPEMIG (APQ-00517-13).
Referências
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RESUMO: A Era Mesozoica é um período fascinante para a evolução da vida na Terra. Diversos grupos com representantes na fauna
atual, como os lissanfíbios, mamíferos, aves, tartarugas, lagartos, serpentes e crocodilos surgiram e se diversificaram nessa era.
Os dinossauros e pterossauros também ocorrem nesse intervalo do tempo geológico, tornando-o conhecido como a Era dos Répteis.
Menos conhecido do grande público é o fato de que os mares e oceanos dessa época também foram dominados por répteis extintos,
incluindo ictiossauros, plesiossauros e mosassauros. Sua singular anatomia e completa extinção no fim do Mesozoico exercem
fascínio desde que foram descobertos a partir do século 18. O presente trabalho tem como objetivo fornecer subsídios ao ensino
de ciências, biologia e geografia para docentes da Educação Básica (Ensino Fundamental e Médio) sobre os principais grupos
de répteis marinhos da Era Mesozoica, abordando anatomia, modo de vida, evolução, além de aspectos sobre sua descoberta e
implicações para a história da ciência.
PALAVRAS-CHAVE: Paleontologia, extinção, répteis fósseis, paleoambientes aquáticos.
TERRÆ DIDATICA 12-1,2016
ISSN 1679-2300
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